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Estudo SobreADVOCACIAPOPULAR
Secretaria de Reforma do JudiciárioSRJ MINISTÉRIO DA
JUSTIÇASeus DireitosSua ProteçãoSua Segurança
Cejus | Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO
CENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA
BRASÍLIA
2013
Pesquisa elaborada em parceria estabelecida em
acordo de cooperação internacional por meio
de carta de acordo firmado entre a Secretaria de
Reforma do Judiciário, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento e o Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Projeto BRA/05/036).
ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL
A ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E
SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO
EXPEDIENTE:
PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma RousseT
MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
José Eduardo Cardozo
SECRETÁRIA EXECUTIVA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Márcia Pelegrini
SECRETÁRIO DE REFORMA DO JUDICIÁRIO
Flávio Crocce Caetano
DIRETORA DE POLÍTICA JUDICIÁRIA Kelly Oliveira de Araújo
FICHA CATALOGRÁFICA:
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Ministério da Justiça
341.46218
A244
Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das entidades de defesa de
direitos da sociedade civil e sua interação com os órgãos de litígio do
Estado / coordenador: José Rodrigo Rodriguez – Brasília: Ministério da
Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2013.
120 p. – (Diálogos sobre a Justiça)
ISBN :
Pesquisa elaborada em parceria entre a Secretaria de Reforma do
Judiciário, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento.
1. Assistência judiciária, Brasil. 2. Defensoria pública, Brasil. 3.
Advocacia pública, Brasil. 4. Direito de defesa, Brasil. I. Rodriguez, José
Rodrigo, (coord.). II. Brasil. Ministério da Justiça. III. Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento. IV. Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento.
CDD
978-85-85820-45-9
IDENTIFICAÇÃO:
PROJETO: PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR -
PROJETO BRA/05/036
CARTA ACORDO N. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - PNUD
Instituição proponente e executora:
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP
Rua Morgado de Mateus, 615 – São Paulo – SP
CEP 04015-051 – Telefone (11) 5574-0399 – Fax: (11) 5574-5928
CNPJ 62.589.164/0001-72
Representante legal:
Paula Montero
Presidente do CEBRAP
EQUIPE DE PESQUISA:
José Rodrigo Rodriguez (coordenador)
Evorah Cardoso (coordenadora executiva)
Fabiola Fanti (pesquisadora de pós-graduação)
Iagê Zendron Miola (pesquisador de pós-graduação)
COLABORADORAS:
Denise Dora
Flávia Xavier Annenberg
AGRADECIMENTOS:
Aos comentadores dos resultados parciais da pesquisa, Marcelo Pedroso Goulart,
promotor de justiça e coordenador estadual do Núcleo de Políticas Públicas da
Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pelas contribuições no
workshop realizado em 7 de dezembro de 2012, na Fundação Getulio Vargas de
São Paulo (FGV-SP), e Celso Campilongo, professor titular da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, no workshop realizado em 13 de maio de 2013, no
CEBRAP, assim como a todos os participantes dos workshops.
A Roberto Dias, pelo apoio e acompanhamento da pesquisa como consultor
do Ministério da Justiça no projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.
Às demais equipes de pesquisa do projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.
Às entidades de defesa de direitos e seus integrantes que gentilmente cederam
seu tempo e experiência para participar desta pesquisa.
A Rogério Barbosa, pesquisador do CEM/CEBRAP, pelo auxílio no uso
do software empregado na análise das entrevistas da pesquisa.
A Adrian Gurza Lavalle, Cecília MacDowell Santos, José Roberto Xavier e
Richard Abel, pelos comentários feitos ao projeto de pesquisa e durante a sua
execução, assim como a todos os integrantes do Núcleo Direito e Democracia,
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com os quais esta pesquisa foi
discutida em seminários internos.
A Gabriel Alarcon Madureira, pelo competente trabalho como transcritor da maior
parte das entrevistas realizadas nesta pesquisa, e aos demais transcritores contratados.
PROJETO BRA/05/036
FORTALECIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA
“PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR”
PROJETO DE PESQUISA:
“ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DAS
ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E SUA INTERAÇÃO
COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO”
INSTITUIÇÃO PROPONENTE:
CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO - CEBRAP
BRASÍLIA
2013
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD
8
PREFÁCIO
Ao inaugurar a série DIÁLOGOS SO-
BRE JUSTIÇA, a Secretaria de Reforma do
Judiciário optou por publicar pesquisas so-
bre temas relevantes que possam ampliar
a compreensão por amplos segmentos da
população sobre o Sistema de Justiça no
Brasil, ao mesmo tempo em que se busca
discutir a melhoria do acesso à Justiça como
garantia de consolidação da cidadania.
As distintas experiências e políticas
que serão objeto de análise na presente
série têm como ponto de partida a Refor-
ma do Judiciário, que atravessa o marco de
seus 10 anos de existência, e devem con-
tribuir para o desenvolvimento de novos
parâmetros de atuação governamental no
tocante aos serviços jurisdicionais presta-
dos aos cidadãos pelo Governo brasileiro.
Trata-se, então, de promover a discussão
de alternativas para a implementação de
ações e de políticas públicas que aprimo-
rem o trabalho do Poder Judiciário e dos
demais órgãos do Estado que compõe o
Sistema de Justiça.
Com vistas a alcançar tal objetivo, fo-
ram selecionados, inicialmente, temas de
pesquisa de interesse público, mas que até
o momento haviam sido pouco explorados,
como é o caso da atuação da advocacia de
interesse público no Brasil.
Além desses, outros temas conside-
rados relevantes pelo seu impacto sobre
o Sistema de Justiça foram selecionados
com a finalidade de possibilitar o aprofun-
damento do debate em torno do qual se
consolida o desenvolvimento de políticas
públicas sobre acesso a Justiça, tais como:
a utilização de meios de resolução extraju-
dicial de conflitos no âmbito dos serviços
regulados por agências governamentais,
o impacto no sistema processual dos tra-
tados internacionais, os desafios da trans-
parência para o eficaz funcionamento do
Sistema de Justiça brasileiro, os conflitos
fundiários agrários e urbanos, e, ainda, a
atuação da advocacia popular no país.
Todos os temas envolvem, necessaria-
mente, a relação da sociedade civil com os
Poderes Públicos, e, em particular, com o
Poder Judiciário e os operadores do direi-
to. Dessa forma, propiciam a melhoria do
desenho institucional das políticas públicas
adotadas pelo Estado.
Nesse sentido, a presente pesquisa,
sob o título “Advocacia de Interesse Público
no Brasil: Atuação das Entidades de Defesa
de Direitos da Sociedade Civil e sua Intera-
ção com os Órgãos de Litígio do Estado”
busca avaliar a interação das entidades de
defesa de direitos com a Defensoria Públi-
ca e o Ministério Público, com o objetivo de
mensurar de que forma a sociedade civil, e,
em particular, os movimentos sociais, ob-
tém resposta para suas reivindicações jun-
to ao Poder Judiciário e demais instituições
que compõe o Sistema de Justiça. Trata-se
de uma análise da capacidade de mobili-
zação jurídica da sociedade civil, que inclui
a conceituação da “advocacia de interesse
público” e as distinções com relação a ou-
tros tipos de advocacia como a “advocacia
policy e issue oriented”, entre outras. A de-
limitação do objeto da pesquisa, centrada
na relação com a Defensora Pública e com
9
o Ministério Público, se deu em razão da
variedade e multiplicidade dos diversos ti-
pos de advocacia de interesse público que
existem atualmente. Dessa forma, a pes-
quisa pode aprofundar a análise de experi-
ências e o funcionamento das instituições,
abarcando entidades de defesa de diretos
de todo o País, fato que resultou na elabo-
ração de um diagnóstico nacional sobre as
formas de mobilização jurídica da socieda-
de civil em parceria com os órgãos de lití-
gio do Estado.
Cumpre ressaltar que a série “Diálo-
gos sobre a Justiça” é fruto de uma parce-
ria constituída pela Secretaria de Reforma
do Judiciário com algumas das mais reno-
madas instituições de pesquisa do país. As
entidades selecionadas para participar des-
ta primeira fase foram a Fundação Getúlio
Vargas, o Centro Brasileiro de Análise e Pla-
nejamento, a Organização Terra de Direitos,
a Universidade do Vale dos Sinos, e o Insti-
tuto Polis atuando em parceria com o Insti-
tuto Brasileiro de Direito Urbanístico e com
o Centro de Direitos Econômicos e Sociais.
Buscou-se, assim, agregar exper-
tise e qualidade ao trabalho ora desen-
volvido, na expectativa de que as ideias
e reflexões aqui introduzidas aprimorem
as futuras diretrizes de atuação gover-
namental, consequentemente gerando
resultados concretos para o cidadão que
pleiteia, no Sistema de Justiça, a efetiva-
ção de seus direitos.
FLÁVIO CROCCE CAETANO
Secretário de Reforma do Judiciário
11
INTRODUÇÃO
1.1 - Mobilização Jurídica e Sociedade Civil: pluralidade de experiências e conceitos
1.2 - Advocacia de interesse público no Estado: Ministério Público e Defensoria Pública
1.3 - Delimitação do objeto de pesquisa
1.4 - Metodologia
1.4.1 - Amostra da pesquisa
1.4.2 - Coleta de dados: o instrumento da entrevista semiestruturada
1.4.3 - Análise dos dados: codificação e sistematização
2 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS2.1 - Experiências universitárias
2.1.1 - Pesquisa e ensino
2.1.2 - Extensão universitária
2.1.3 - Movimento estudantil
2.2 - Experiências profissionais
2.3 - Experiências pessoais, sociais e políticas
2.3.1 - Família
2.3.2 - Grupo representado
2.3.3 - Religião
2.3.4 - Contexto político, movimentos sociais e comunitários
3 - PERFIL DAS ENTIDADES3.1 - Temas de atuação
3.2 - Atividades
3.2.1 - Atividade jurídica
3.2.2 - Atividade de pesquisa e publicação
3.2.3 - Atividade comunitária
3.2.4 - Atividade de comunicação
3.2.5 - Atendimento psicossocial
3.3 - Âmbitos de atuação
3.4 - Histórico
3.5 - Estrutura interna
3.6 - Financiamento
3.6.1 - A saída do financiamento internacional do Brasil
3.6.2 - Conjuntura econômica internacional
3.6.3 - Entraves burocráticos do financiamento nacional público
3.6.4 - Falta de cultura de financiamento nacional privado
3.6.5 - Bloqueios temáticos
3.6.6 - Particularidade da atividade jurídica
3.6.7 - Competição por financiamento
4 - ATUAÇÃO JUDICIAL
4.1 - Atividades jurídico-judiciais
4.1.1 - Orientação jurídica
SUMÁRIO
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38
38
12
4.1.2 - Mediação e conciliação
4.1.3 - Acompanhamento processual
4.1.4 - Ação judicial individual
4.1.5 - Ação judicial coletiva
4.2 - Seleção de casos
4.2.1 - Critérios de seleção de casos
4.2.2 - Demanda
4.2.3 - Temática
4.2.4 - Casos exemplares
4.2.5 - Mobilização social
4.3 - Método de atuação judicial
4.3.1 - Combinação da estratégia judicial com outras estratégias
4.3.2 - Articulação social
4.3.3 - Formação
4.3.4 - Pesquisa
4.3.5 - Advocacy
4.3.6 - Mídia
4.3.7 - Lobby judicial
5 - INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO5.1 - Formas de interação
5.2 - Percepções sobre o Ministério Público
5.3 - Desenho institucional
6 - INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA6.1 - Formas de interação
6.2 - Percepções sobre a Defensoria Pública
6.3 - Desenho institucional
7 - CONCLUSÕES7.1 - A formação de defensores de direitos
7.2 - Tipos de advocacia de interesse público
7.3 - MP e DP: o fator desenho institucional
8 - DESDOBRAMENTOS8.1 - Eixo individual: incentivos à formação e multiplicação de
defensores de direitos
8.2 - Eixo sociedade civil: fortalecimento e ampliação da defesa de direitos
8.3 - Eixo Estado: desenho institucional para promover interação
ANEXO I. Lista de entidades entrevistadas
ANEXO II. Roteiro de entrevista
ANEXO III. Termo de consentimento para entrevista
ANEXO IV. Livro de códigos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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75
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71
15
A presente pesquisa insere-se em um
campo de estudos que busca analisar a
relação entre a sociedade civil, o direito e
as instituições jurídicas. Tal literatura vem
apontando para a crescente centralidade
do Poder Judiciário enquanto espaço de
debate político para os atores da sociedade
civil e, para como os movimentos sociais,
vêm atribuindo importância estratégica à
disputa em torno da criação e do sentido
dos direitos1.
A relação da sociedade civil
com o direito e o Poder Judiciário
é frequentemente descrita como
multifacetada. O direito pode ser tanto
um elemento de manutenção da ordem
vigente, criminalizando movimentos
sociais ou bloqueando as suas demandas,
como um importante instrumento no
processo de mudanças sociais buscadas
pelos atores da sociedade civil. Dessa
forma, as instituições jurídicas têm uma
relação ambivalente com os diversos
setores da sociedade civil, ora obstruindo
a sua atuação, ora facilitando-a. Isso pode
ser observado, por exemplo, quando o
Poder Judiciário decreta a reintegração
de posse de um terreno, prédio ou terra,
despejando o Movimento de Moradia ou
o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST) que antes os ocupava. Ao
contrário, quando o Supremo Tribunal
Federal autoriza a união estável entre
pessoas do mesmo sexo, ele contribui
para a realização de uma demanda dos
movimentos Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgêneros
(LGBT), que estiveram historicamente
travados no âmbito Legislativo.
Esta pesquisa pretende contribuir com
o debate sobre a relação entre sociedade
civil e o direito a partir do estudo das
dinâmicas de interação entre os atores que
realizam mobilização jurídica no Brasil e os
agentes do Estado que desempenham seus
papéis institucionais em um mesmo campo
de prática: a advocacia de interesse público.
As instituições estatais que, de maneira
mais evidente, compartilham este espaço
de mobilização jurídica ocupado por certos
atores da sociedade civil são o Ministério
Público (MP) e a Defensoria Pública (DP),
nos distintos níveis federativos. Tomando
as entidades de defesa de direitos, o MP e a
DP como agentes atuantes em um mesmo
nicho de prática, a pesquisa busca identificar
as dinâmicas de interação instituídas entre
a sociedade civil e os órgãos do Estado.
Levando-se em consideração a
interação entre entidades da sociedade civil
e estas instituições jurídicas como enfoque
de investigação, esta pesquisa se desdobra
em dois objetivos principais. De um lado,
pretende aferir como a mobilização
jurídica desempenhada por entidades da
sociedade civil impacta a advocacia pública
promovida pelo MP e pela DP. De outro,
busca identificar como a prática dos órgãos
de litígio do Estado influencia a atuação
das entidades de defesa de direitos, com
especial atenção aos elementos de desenho
institucional que afetam a interação com a
sociedade civil.
1 - INTRODUÇÃO
1 Pode-se citar como exemplos dessa literatura os trabalhos de MCCANN (1994, 2006 e 2010); EPP (1998); HILSON (2002); ANDERSEN (2004); VANHALA (2006 e 2011); WILSON E CORDERO (2006); CASE E GIVENS (2010); MACIEL (2011).
16
Nas duas subseções seguintes, o
marco teórico-conceitual que embasa
a construção do objeto de pesquisa e
informa o recorte de investigação adotado
é detalhado. Apresenta-se, em primeiro
lugar (1.1), a perspectiva desenvolvida para
o estudo da defesa de direitos na sociedade
civil. A partir dela, será possível visualizar a
multiplicidade de experiências e conceitos
existentes neste âmbito e justificar a
delimitação do objeto de pesquisa. Para
tanto, o conceito de advocacia de interesse
público é apresentado como instrumento
analítico adequado à conceptualização da
variedade de formas de mobilização jurídica.
Em segundo lugar (1.2), descreve-se o
papel de instituições estatais na advocacia
de interesse público, em especial do MP e
da DP, como particularidade do contexto
brasileiro. Tomadas em conjunto, essas
duas premissas possibilitam a visualização
de um nicho de atuação compartilhado por
uma variedade de entidades de defesa de
direitos, pelo MP e pela DP, cujas dinâmicas
de interação constituem (1.3) o objeto
central de estudo da pesquisa.
Mais adiante (1.4), são apresentadas
as estratégias metodológicas formuladas
para o desenvolvimento da pesquisa: a
construção da amostra que serviu de base
à investigação empírica, a definição do
instrumento de coleta de dados e, finalmente,
os procedimentos de sistematização e
análise das informações obtidas.
1.1 MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E
SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE
EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS
A mobilização jurídica pela sociedade
civil abarca experiências e formas de
organização bastante diversas. Os usos
do direito por parte de entidades não
governamentais e movimentos sociais
englobam desde atividades de extensão
universitária das faculdades de direito,
advogados populares, promotoras legais,
advocacia pro bono, até organizações
não governamentais (ONGs) de litígio
estratégico. A cada tipo de experiência
correspondem diferentes matizes de
influência teórica, estratégias de prática e
concepções políticas. Há distintas trajetórias
e, consequentemente, formas de mobilização
do direito por parte da sociedade civil. Neste
cenário, o conceito de “advocacia popular”
inicialmente proposto como tema do edital
que deu ensejo à pesquisa permitiria a
visualização de apenas uma parcela – ainda
que relevante – do fenômeno da mobilização
jurídica pela sociedade civil. Neste trabalho,
portanto, o conceito de “advocacia popular”
é tomado como parte de uma gama mais
ampla de experiências de mobilização
jurídica, e não como definidor da totalidade
Gráfico 1. Objeto da pesquisa: a interação entre sociedade civil
e Estado na advocacia de interesse público
como o desenho institucional dos órgãos de litígio do
Estado favorece ou não a mobilização social jurídica
SOCIEDADE CIVIL ESTADO
Entidades de defesa de direitos Órgãos de litígio:
Ministério Público e Defensoria Pública
como a mobilização jurídica da sociedade civil
repercute nos órgãos de litígio do Estado
17
de manifestações da defesa de direitos
pela sociedade civil. Uma advocacia tão
variada requer, dessa forma, certo grau de
sistematização funcional e conceitual para
que se possa compreender melhor o objeto
desta pesquisa.
A dificuldade em conceituar a
mobilização jurídica, em seus diversos tipos,
não é observável exclusivamente no Brasil,
e está relacionada ao fato de as formas
assumidas pela sociedade civil na defesa de
direitos serem “influenciadas diretamente
pelo regime político, pelo sistema jurídico,
pela tradição jurídica, pela relação com
a ordem profissional e com o projeto de
transformação social” presentes em cada
país2. Apesar da variedade de experiências
e formas de organização da sociedade civil
na mobilização do direito, há elementos
em comum que permitem que sejam
consideradas como parte de um mesmo
fenômeno. As experiências de “advocacia
de interesse público”, com frequência,
convergem com respeito ao público-alvo
(população de baixa renda, grupos sociais
minoritários ou discriminados, e interesses
difusos, por exemplo), à agenda temática
(defesa de determinados direitos), ao
objetivo final (promover transformação
social) e ao método de trabalho (client ou
issue-oriented, de litígio estratégico3 etc.).
Frente a essas semelhanças, o
conceito de “advocacia de interesse
público” e a distinção entre as formas de
advocacia client e issue-oriented revelam-
se úteis. Estes dois conceitos permitem
superar a particularidade das experiências
de mobilização jurídica e, dessa forma,
abarcar a variedade de formas de defesa de
direitos pela sociedade civil. A “advocacia
de interesse público” está historicamente
relacionada ao acesso à justiça por pessoas
marginalizadas política ou economicamente
e, com o tempo, passou a abranger outras
atividades4. O formato tradicional das
entidades de interesse público são escritórios
de advocacia que prestam assistência
judiciária gratuita. Não há, nesses escritórios,
seleção de casos paradigmáticos ou mesmo
uma seleção temática, mas sim atendimento
à demanda nos limites orçamentários da
entidade. Aproximam-se, dessa forma, do
trabalho da advocacia tradicional client-
oriented5 (forma de advocacia pautada
pela solução do caso concreto e obtenção
de justiça individual), ainda que o objetivo
não se restrinja à satisfação do interesse do
indivíduo e busque a transformação social
trazida pelo acesso ao direito por parte de
grupos marginalizados.
Outra frente desse tipo de mobilização
jurídica é a chamada advocacia issue
ou policy-oriented6, uma advocacia
temática, voltada a mudanças sociais em
determinadas áreas: discriminação racial,
meio ambiente, mulheres, entre outras.
Com esse fim, as entidades policy-oriented
costumam ter um trabalho preliminar de
escolha do caso paradigmático, conforme
o seu potencial impacto social no tema
ou na política tidos como prioritários na
agenda temática. Diante da escassez de
recursos, grupos organizados fazem um
raciocínio de custo-benefício para a seleção
dos casos paradigmáticos, que gerem o
máximo de impacto dentro dos objetivos
2 SARAT e SCHEINGOLD (1998), JUNQUEIRA (2002, p. 194).3 Algumas entidades de advocacia em direitos humanos apostam no litígio estratégico como uma via hábil para provocar transformações sociais. “Litígio estratégico”, “litígio de impacto”, “litígio paradigmático” ou “litígio de caso-teste” são expressões correlatas que surgiram de uma prática diferenciada de litígio não necessariamente relacionada ao histórico da advocacia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mudanças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método ou uma técnica que pode ser utilizada para diferentes fins/temas (CARDOSO, 2012, p. 41; IHRLG, 2001, p. 82; ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 37-38).4 REKOSH, BUCHKO, TERZIEVA, 2001, p. 1.5 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.
18
traçados pela entidade e beneficiem uma
coletividade ampla7.
Ambas as frentes de advocacia são
reconhecidas como parte do movimento
de “direito de interesse público”8,
embora tenha sido a partir da segunda
que se desenvolveu a prática de litígio
estratégico9. Neste tipo de mobilização
jurídica, geralmente, o litígio é apenas uma
das ferramentas utilizadas pelos centros de
“direito de interesse público”. Há múltiplas
possibilidades de ação relacionadas à
mobilização jurídica na sociedade civil,
tais como: campanhas de mobilização
e educacionais em torno de direitos
humanos, lobby legislativo, pesquisas
e documentação em direitos humanos,
solução alternativa de disputas10, agenda
de reforma institucional, entre outros.
Em contraste, as entidades client-
oriented não costumam ter este trabalho,
pois atendem a um determinado público,
conforme a demanda ou os limites
orçamentários da entidade. Entidades
de advocacia client-oriented, no entanto,
também podem exercer litígio estratégico,
mas geralmente de maneira ad hoc, quando
são levadas pelo caso a planejar estratégias
de impacto social11. Em ambas as formas, no
entanto, a mobilização do direito visa a um
objetivo de transformação social e atende
a públicos marginalizados, discriminados
e/ou vulneráveis.
A partir desse marco conceitual, é
possível visualizar uma série de experiências
de mobilização jurídica pela sociedade civil
no Brasil nas quais é possível identificar,
em maior ou menor grau, os elementos
apontados como definidores da advocacia
de interesse público. Diversos exemplos
dessa variedade de experiências podem ser
mencionados. As chamadas “promotoras
legais populares”, iniciativas em que
líderes comunitárias são capacitadas para
reconhecer violações de direitos que podem
ser depois encaminhadas ao Poder Judiciário
por ONGs ou por órgãos de litígio do
Estado. Extensões universitárias em direito
que priorizam como trabalho de advocacia
a assessoria jurídica comunitária e tem por
objetivo fomentar uma pedagogia de direitos,
sem necessariamente prestar assistência
judiciária ou desenvolver assessoria jurídica
em questões coletivas, comunitárias e a
movimentos sociais. As experiências de
advocacia popular propriamente dita, em
que advogados próximos a movimentos
sociais se dedicam às causas judiciais
desses grupos. ONGs de direitos humanos
ou especializadas em certas temáticas que
promovem uma advocacia estratégica em
âmbito nacional e internacional, ou que
prestam atendimento direto a indivíduos,
grupos ou mesmo a outras ONGs.
A noção de advocacia de interesse
público permite, ainda, a consideração
simultânea de outro tipo de atores que,
particularmente no contexto brasileiro,
é essencial para o estudo da defesa de
direitos pela sociedade civil e de uma
advocacia temática: o Ministério Público e
a Defensoria Pública.
1.2 ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO
NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E
DEFENSORIA PÚBLICA
Diferentemente de outros países, onde
a advocacia de interesse público é exercida
primordialmente por atores da sociedade
civil, no Brasil, órgãos de litígio do Estado,
como o Ministério Público (estaduais e
federal) e as Defensorias Públicas (estaduais
e federal) ocupam, em parte, o espaço
7 WEISSBRODT, 1984, p. 31.8 JOHNSON, 1991, p. 171.9 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 35; IHRLG, 2001, p. 82.10 IHRLG, 2001, p. 2.11 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.
19
da mobilização jurídica e de uma atuação
judicial temática. Esses órgãos de litígio
do Estado são dotados de uma grande
capacidade institucional de defesa de
direitos, sem comparação em outros países.
Possuem profissionais qualificados, bem
remunerados, com relativa independência
de atuação, abrangente capacidade
de atuação (local, estadual e nacional).
Adicionalmente, as áreas de competência
dessas instituições jurídicas se sobrepõem,
em grande medida, ao nicho de atuação de
entidades de defesa de direito da sociedade
civil. Isso porque a sua atuação se assemelha
aos elementos anteriormente mencionados
como definidores da advocacia de interesse
público, sobretudo o público-alvo (grupos
sociais marginalizados, minoritários ou
discriminados e interesses difusos, por
exemplo) e a agenda temática (defesa
de determinados direitos). Também os
métodos de atuação da sociedade civil
podem ser encontrados no Ministério
Público e na Defensoria Pública. As
Defensorias Públicas, por exemplo, por
estarem em contato com um grande volume
de demandas individuais, podem funcionar
como um termômetro das necessidades
de medidas coletivas. Pela abrangência de
sua atuação, podem pensar em estratégias
de longo prazo de caráter de reforma
institucional, seja a partir de seu trabalho
de litígio individual ou coletivo, seja por
estratégias de negociação com órgãos
públicos e privados, prévias ao litígio. O
Ministério Público também possui uma série
de instrumentos que possibilitam atacar
problemas de reforma institucional, graças
ao tratamento da dimensão coletiva dos
conflitos, como nas ações civis públicas,
ou nas negociações prévias ao litígio com
órgãos públicos e privados, os Termos de
Ajustamento de Conduta (TACs). Além
disso, pode também realizar propostas
de lei.
A identificação de que o campo
da advocacia de interesse público é
compartilhado entre atores da sociedade
civil e do Estado revela, dessa forma, uma
arena de interação. Situa-se, assim, o objeto
da pesquisa: identificar quais as dinâmicas
de interação instituídas entre Estado e
sociedade civil neste espaço. As questões
enfrentadas pela pesquisa podem, dessa
forma, ser apresentadas: havendo posições,
em boa medida, sobrepostas na advocacia
de interesse público, como a mobilização
jurídica da sociedade civil interage com
o trabalho de litígio dos órgãos estatais?
Os órgãos estatais conflitam ou cooperam
com as entidades da sociedade civil? Como
repercute o trabalho desses órgãos das
entidades da sociedade civil de advocacia
de interesse público e vice-versa? Que
elementos institucionais dos órgãos
oficiais dificultam ou facilitam a relação
com as entidades da sociedade civil? Em
um plano propositivo, que transformações
institucionais podem ser adotadas para
otimizar essa interação?
1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE
PESQUISA
Em razão da amplitude do campo
da advocacia de interesse público e dos
diversos enfoques possíveis, o estudo da
interação entre as entidades de defesa de
direitos e os órgãos de litígio do Estado
(MP e DP) exige delimitação. Logo de
início, o recorte da pesquisa foi feito sobre
a perspectiva das entidades de defesa de
direitos acerca dessa interação com MP e
DP. Privilegiamos o estudo desses atores
da sociedade civil não apenas por conta
dos contornos apresentados pelo edital
desta pesquisa ou em razão das limitações
temporal e orçamentária da pesquisa, mas
também por carecermos de informações
sistematizadas acerca deste universo de
20
entidades de defesa de direitos no Brasil12 –
quem são, com que temas trabalham, quais
atividades realizam – e, em especial, sobre
sua relação com MP e DP – tanto mais
levando em consideração as alterações
institucionais que estes órgãos estatais
sofreram recentemente. Este recorte
implica ganhos de profundidade, uma
vez que possibilita a coleta de um grande
número de narrativas, representativa
nacionalmente, de um dos polos – na
estratégia adotada pela pesquisa, a
sociedade civil. Seria importante, em outro
estudo de âmbito nacional, observar essa
interação também sob a perspectiva de
defensores, promotores e procuradores.
As conclusões apresentadas aqui devem,
portanto, levar em conta a delimitação de
objeto adotada pela pesquisa.
Outros dois recortes foram adotados
para a circunscrição do objeto de pesquisa.
Primeiro, com respeito aos tipos de
experiências de mobilização jurídica da
sociedade civil que serão estudados. O
foco da pesquisa é sobre as interações
protagonizadas por distintos tipos de
entidades de defesa de direitos que atendam
aos seguintes critérios, alternativamente:
que possuam advogado(s) em sua estrutura;
e/ou que tenham atividade judicial; e/ou que
tenham relação com o MP; e/ou com a DP; e/
ou que estejam voltadas a discutir e alterar o
funcionamento dessas instituições estatais
de litígio. Com este recorte, buscamos
selecionar entidades da sociedade civil que
são atores habituais do sistema de justiça13 e
que, portanto, estariam expostos à interação
com o Poder Judiciário e os órgãos de litígio
do Estado e teriam potencialmente um
maior acúmulo de experiências sobre essas
formas de interação. São excluídas, por
exemplo, algumas experiências de extensão
universitária que priorizam como trabalho de
advocacia a assessoria jurídica comunitária,
sem necessariamente prestar assistência
judiciária a essas comunidades. Isso não por
se entender que este trabalho não seja de
“interesse público” ou não se caracterize
como “advocacia popular”, mas por tentar
destacar nesta pesquisa a interação dessas
entidades de defesa de direitos com o
Poder Judiciário e os demais órgãos de
litígio do Estado. Ou seja, a pesquisa
procura destacar justamente as entidades
de “advocacia de interesse público” que
usam o direito no espaço institucional
do Judiciário, seja diretamente, seja por
intermédio dos órgãos de litígio do Estado.
Igualmente, são excluídos os escritórios das
faculdades de direito e outras entidades que
trabalham apenas com a lógica do litígio
de cada caso, realizando o atendimento
individual de público sem condições
de pagar um advogado, que não fazem
qualquer seleção ou agrupamento temático
de casos, nem possuem agenda de litígio de
direitos de longo prazo. Por mais que essa
prática atenda à finalidade social de acesso
à justiça individual, não necessariamente
forma um corpus de litígios individuais
orientado para a transformação para além
do caso concreto, como, por exemplo, de
uma determinada política pública ou de
uma determinada interpretação dogmática
do direito. Além disso, estes seriam atores
que se relacionam de modo eventual com
o sistema de justiça14. Não necessariamente
sua atuação reiterada em casos individuais
geraria um acúmulo de experiência sobre
como se dá a interação com os órgãos de
litígio do Estado.
Segundo, com respeito aos perfis das
entidades da sociedade civil estudadas,
excluímos entidades representativas de
classes profissionais como, por exemplo,
sindicatos de trabalhadores ou Ordem
12 Destacamos neste esforço o trabalho de Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular, 2013.13 GALANTER, 1974.14 GALANTER, 1974.
21
dos Advogados do Brasil. Embora essas
entidades por vezes possam representar
interesses difusos ou coletivos, de grupos
marginalizados ou discriminados, também
possuem uma clara agenda temática que
envolve os interesses de suas categorias
profissionais em suas atuações jurídico-
judiciais.
Afora os recortes mencionados, a
pesquisa não adotou delimitação geográfica,
abarcando entidades de defesa de direitos
de todo o País. Pretendeu-se, dessa
forma, elaborar um diagnóstico de âmbito
nacional sobre as formas de interação da
mobilização jurídica da sociedade civil com
os órgãos de litígio do Estado no Brasil. A
abrangência nacional do estudo possibilitou
a identificação de variações nacionais na
relação entre sociedade civil e Estado no
nicho da advocacia de interesse público, o
que, por sua vez, contribui para a elaboração
de respostas substantivas às perguntas que
guiam a pesquisa.
Na próxima seção, são descritas as
estratégias metodológicas adotadas para
o estudo do objeto até aqui descrito. Serão
apresentados os critérios para a construção
da amostra da pesquisa, o instrumento de
coleta de dados desenvolvido e a forma de
análise das informações obtidas.
1.4 METODOLOGIA
O objetivo geral de avaliar como
as entidades de defesa de direitos da
sociedade civil interagem com o Ministério
Público e a Defensoria Pública se desdobra
em dois objetivos específicos. Primeiro,
identificar quem são as entidades da
sociedade civil que mobilizam o direito,
conforme a delimitação estabelecida, para,
então, avaliar como se relacionam com os
órgãos de litígio do Estado. Esses objetivos
se traduzem, por sua vez, em duas tarefas
metodológicas. De um lado, frente à já
mencionada multiplicidade de experiências
de mobilização jurídica, foi preciso construir
uma amostra representativa da variedade de
formas de advocacia de interesse público na
sociedade civil e descrever os distintos perfis
das entidades que se inserem na delimitação
da pesquisa. De outro, a partir dessa
amostra, buscou-se identificar e descrever
as formas preponderantes de interação
dessas entidades com os órgãos de litígio do
Estado. Em termos gerais, a pesquisa adotou
a seguinte estrutura metodológica: foram
realizadas entrevistas semiestruturadas
com uma amostra nacional de entidades
de defesa de direitos para que, a partir
das narrativas fornecidas pelos atores que
promovem a mobilização jurídica, fossem
identificadas experiências de interação com
e percepções da sociedade civil sobre o
Ministério Público e a Defensoria Pública.
Nesta seção, são apresentadas as
estratégias metodológicas adotadas
para realizar as tarefas que decorrem
dos objetivos da pesquisa. Na próxima
subseção, é descrito (1.4.1) o processo de
construção da amostra de entidades da
sociedade civil estudada pela pesquisa. Nas
subseções que se seguem, são detalhados
(1.4.2) o instrumento elaborado para a
coleta de dados e (1.4.3) os procedimentos
de análise das informações obtidas.
1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA
A construção da amostra analisada
pela pesquisa enfrentou a dificuldade
decorrente da multiplicidade de
experiências de entidades que trabalham
com a defesa de direitos e da concomitante
ausência de referenciais ou bancos de
dados que, ao mesmo tempo, atentem para
essa variedade e atendam aos critérios de
delimitação do objeto da pesquisa. Para
contornar este obstáculo, adotou-se como
22
estratégia de identificação de entidades
de defesa de direitos a consulta a distintos
mapeamentos parciais realizados por
outras pesquisas. Em razão do seu foco
em experiências específicas de advocacia
de interesse público, estes mapeamentos
permitem, se tomados em conjunto, a
construção de uma listagem de entidades
de perfis bastante variados.
Importa destacar que a pesquisa não
teve pretensões censitárias, ou seja, não
se pretende oferecer um mapeamento
completo de todas as experiências de
advocacia de interesse público existentes
no Brasil ou mesmo uma amostra que
permita generalizações sobre a mobilização
jurídica no país. Buscou-se, com a amostra
construída com base em fontes secundárias,
garantir representatividade mínima à
variedade de experiências de advocacia
de interesse público em pelo menos três
dimensões: a) regional, com entidades de
todas as regiões do país e do maior número
de estados possível; b) temática, incluindo
experiências em diversos campos de
atuação; e c) de perfil, inserindo na amostra
entidades de diferentes tipos (advocacia
popular, extensões universitárias, advocacia
pro bono, ONGs etc.), com distintos graus
de profissionalização e organicidade, que
adotam formas variadas de estratégias
jurídicas e que desempenham diferentes
atividades e em diversos âmbitos (local,
regional, nacional e internacional).
A amostra foi construída a partir
dos bancos de dados de entidades
disponibilizados nas seguintes pesquisas e
fontes:
Lista de entidades filiadas à
Associação Brasileira de Organizações
Não Governamentais (ABONG),
classificadas como atuantes na
categoria “Justiça e promoção de
direitos”;
Pesquisa Mapa territorial, temático e
instrumental da assessoria jurídica e
advocacia popular no Brasil, realizada
pela Terra de Direitos e Dignitatis, para
o Observatório da Justiça Brasileira15;
Pesquisa O direito visto por dentro (e
por fora): a disputa pela interpretação
da Lei Maria da Penha e da Legislação
Antirracista, realizada pelo Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento
(CEBRAP) (Projeto CNPQ. 2010-2012);
Pesquisa Judicialização da política
e demandas por juridificação: o
Judiciário frente aos outros poderes
e frente à sociedade, realizada pela
Sociedade Brasileira de Direito
Público (SBDP), para o Observatório
da Justiça Brasileira16;
Mapeamento de entidades de
advocacia popular realizado pelo site
Assessoria Jurídica Popular17; e
Lista de entidades mencionadas pelos
Núcleos Especializados da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo em
seu site institucional18.
A partir dessas fontes e excluindo-se
eventuais repetições, foram identificadas
136 entidades de defesa de direitos
em todo o País. Dentre estas, 16 foram
excluídas por não se enquadrarem nos
critérios de delimitação do objeto da
pesquisa (conforme item 1.3). No caso de
outras 17 entidades, não foi obtida resposta
15 Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/noticias/pesquisa-apresenta-mapa-da-assessoria-juridica-e-advocacia-popular-no-brasil/>. Último acesso em: 10.09.2012.16 Esta pesquisa oferece mapeamento de entidades de interesse difuso e coletivo que atuaram como amicus curiae junto ao Supremo Tribunal Federal ou que participaram em audiências públicas organizadas pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos de origem do Executivo e Legislativo federal.17 Disponível em: <http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com.br/2011/10/mapeamento.html>. Último acesso em: 10.09.2012.18 Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3145>. Último acesso em: 10.09.2012.
23
ao convite para participação da pesquisa.
Dessa forma, a amostra do estudo foi
composta de 103 entidades (listadas no
Anexo I). A amostra analisada na pesquisa
integra entidades atuantes em diversas
temáticas, conforme será detalhado na
seção 3 – Perfil das entidades.
As cinco regiões do país estão
representadas na amostra, conforme a
Tabela 1:
Tabela 1. Amostra: entidades
entrevistadas por região
Região Número de entidades
Centro-Oeste 7
Nordeste 23
Norte 7
Sudeste 57
Sul 9
Total: 103
Ainda quanto à distribuição geográfica,
as entidades têm origem em quase 30
cidades localizadas em 23 estados da
federação, conforme as Tabelas 2 e 3:
Tabela 2. Amostra: entidades
entrevistadas por estado
Estado Número de entidades
Amazonas 1
Bahia 3
Ceará 7
Distrito Federal 5
Espírito Santo 1
Goiás 2
Maranhão 2
Minas Gerais 5
Pará 4
Paraíba 3
Paraná 2
Pernambuco 5
Piauí 1
Rio de Janeiro 9
Rio Grande do Norte 1
Rio Grande do Sul 6
Rondônia 1
Santa Catarina 1
São Paulo 42
Sergipe 1
Tocantins 1
Total: 103
Tabela 3. Amostra: entidades
entrevistadas por cidade
Cidade Número de entidades
Açailândia – MA 1
Altamira – PA 1
Aracaju – SE 1
Belém – PA 3
Belo Horizonte – MG 4
Brasília – DF 5
Cabo de Santo Agostinho – PE 1
Campinas – SP 1
Curitiba – PR 2
Fortaleza – CE 7
Goiânia – GO 2
Guarulhos – SP 1
João Pessoa – PB 2
Joinville – SC 1
Manaus – AM 1
Natal – RN 1
Palmas – TO 1
Petrópolis – RJ 1
Porto Alegre – RS 6
Porto Velho – RO 1
Recife – PE 4
Rio de Janeiro – RJ 8
Salvador – BA 3
São Luís – MA 1
São Paulo – SP 40
Teresina – PI 1
Uberlândia – MG 1
Vitória – ES 1
Total: 103
Como é evidenciado pela distribuição
geográfica, a região Sudeste congrega mais
da metade das entidades. Aproximadamente
dois quintos da amostra são de organizações
com sede no estado de São Paulo. Essa
concentração está relacionada, em certa
medida, aos perfis das entidades mapeadas
por parte das fontes de dados utilizadas para
a construção da amostra. Há mapeamentos
que congregam entidades com atuação
24
delimitada em termos institucionais (por
exemplo, entidades que atuaram no Supremo
Tribunal Federal) e que fazem parte de
articulações nacionais de ONGs (como, por
exemplo, as entidades afiliadas à ABONG).
Delimitações com essas características
tendem a selecionar entidades bastante
especializadas e com boa capacidade de
articulação nacional, o que exige certo
grau de profissionalização e financiamento.
Assim, por razões socioeconômicas,
entidades localizadas na região Sudeste
tendem a atender a esses critérios.
Outra possível explicação à relativa
concentração regional da amostra é o
caráter nacional ou mesmo internacional
de muitas das entidades com sede, em
especial, no estado de São Paulo e no Distrito
Federal. A título de exemplo, sete entidades
localizadas em São Paulo e uma em
Brasília atuam nacionalmente e/ou contam
com integrantes em diversos estados da
federação19. Outras três entidades sediadas
em São Paulo são representações nacionais
de organizações de caráter internacional20,
e uma em Brasília opera como uma rede de
entidades distribuídas por todas as regiões
do país21.
A concentração regional da amostra
pode ser um indício, ainda, de como estão
distribuídas as entidades de defesa de
direitos no país. Esta hipótese, no entanto,
só pode ser confirmada por um estudo
dedicado especificamente à tarefa de
mapear as experiências da advocacia de
interesse público no país. Ainda que uma
relativa concentração da amostra constitua
um problema para estudos que tenham
como objetivo central construir um mapa
da defesa de direitos no país, ela não
compromete os propósitos desta pesquisa.
Conforme já referido, não se pretende,
com a amostra construída, realizar um
mapeamento censitário das experiências
de advocacia de interesse público
no Brasil, ou elaborar generalizações
estatísticas sobre o campo. Objetivou-se,
ao contrário, compor uma amostra com
relativa representatividade regional para
identificar tendências na interação com o
Ministério Público e a Defensoria Pública.
Levando-se em conta que todas as regiões
do país foram contempladas pela amostra
e que foi coberto um amplo espectro de
estados e cidades, a amostra se revela útil
aos propósitos da pesquisa.
1.4.2 COLETA DE DADOS: O
INSTRUMENTO DA ENTREVISTA
SEMIESTRUTURADA
Frente aos dois objetivos específicos
que decorrem do propósito geral da
pesquisa – identificar quem são as entidades
da sociedade civil que mobilizam o direito
e como se relacionam com os órgãos de
litígio do Estado –, os dados buscados têm
natureza qualitativa. Dessa forma, e em
razão de o recorte adotado pelo estudo
(foco nas entidades da sociedade civil) e o
objeto de investigação serem ainda pouco
explorados empiricamente, optou-se pela
realização de entrevistas semiestruturadas22
com as entidades de advocacia de interesse
público selecionadas na amostra. Por não
serem questionários fechados, as entrevistas
19 São elas: Artigo 19, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Movimento de Atingidos por Barragens e o Conselho Indigenista Missionário.20 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente – ILANUD e Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil. A Artigo 19 também se enquadra neste perfil.21 É o caso da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED.22 “É uma característica dessas entrevistas [semiestruturadas] que questões mais ou menos abertas sejam levadas à situação de entrevista na forma de um guia da entrevista. Espera-se que essas questões sejam livremente respondidas pelo entrevistado. O ponto de partida do método é a suposição de que os inputs que caracterizam entrevistas ou questionários padronizados, e que restringem o momento, a sequência ou o modo de lidar com os tópicos, obscurecem, ao invés de esclarecer, o ponto de vista do sujeito.” (FLICK, 2002, p. 106).
25
permitem a obtenção de narrativas, avaliações
e exemplos sobre os tópicos demandados do
entrevistado – precisamente o tipo de dado
que interessa a uma pesquisa focada na
compreensão de fenômenos de relação entre
atores. Ao mesmo tempo, por oferecerem
um balizamento mínimo, as entrevistas
semiestruturadas permitem a sistematização
e a comparação de informações fornecidas
por diferentes fontes.
As entrevistas foram guiadas por um
roteiro formulado previamente que incluía
questões sobre (i) o perfil do respondente;
(ii) o perfil da entidade; e (iii) a sua relação
com o MP e a DP (Anexo II). O roteiro
tinha por objetivo operacionalizar, em
perguntas empíricas, as questões gerais
enfrentadas pelo estudo: quem são as
entidades de defesa de direitos e como
interagem com o MP e a DP? No item
(i), foram buscadas informações sobre a
trajetória pessoal, acadêmica e profissional
do respondente, suas motivações para
atuar na defesa de direitos e o papel que
ele desempenha na entidade. No item (ii),
foram coletados dados sobre os temas,
formas e âmbitos de atuação da entidade,
sua estrutura e organização internas, meios
de financiamento, os tipos de casos em que
a entidade atua judicialmente, como esses
casos chegam à entidade, e as estratégias
de atuação jurídica da entidade. No item
(iii), buscou-se coletar informações e
experiências do entrevistado e da entidade
sobre as formas e a qualidade da interação
com o MP e a DP.
Tabela 4. Roteiro de entrevista
Item do roteiro Principais perguntas do roteiro
(i) Perfil do Respondente
1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica foram importantes para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?
2. Qual trabalho desenvolve na entidade?
3. Por que optou por trabalhar com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?
(ii) Perfil da Entidade
4. Quando a entidade foi formada e com quais objetivos?
5. Quais atividades a entidade realiza? (Checklist de atividades: Legislativo, Executivo, Judiciário, Mídia e Comunidade)
6. Como está estruturada internamente a entidade?
7. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade?
8. Para que serve a atividade judicial da entidade?
9. Como a estratégia de litígio se articula com as outras atividades da entidade?
10. Em quais temas a entidade litiga?
11. Em quais instâncias do poder judiciário a entidade litiga?
12. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação judicial?
(iii) Interação com MP e DP
13. Em que situações a entidade se relaciona com [o MP / a DP]?
14. Checklist de formas de interação:a) denúncias;b) repasse de casos;c) litígio em conjunto;d) participa de audiências públicas ou conferências;e) influencia a agenda de temas/casos.
15. A relação se dá com quais órgãos [do MP / da DP]?
16. Como você avalia a relação [do MP / da DP] com a entidade?
26
Foram realizadas 110 entrevistas,
envolvendo 130 integrantes das 103
entidades que compõem a amostra
(conforme Anexo I). Em alguns casos,
foi realizada mais de uma entrevista por
entidade e, em determinadas entrevistas,
houve mais de um respondente em uma
mesma entrevista. As entrevistas foram
realizadas pessoalmente, por telefone e,
em sua maioria, por videoconferência23.
As entrevistas foram gravadas e,
posteriormente, transcritas.
Os entrevistados foram contatados
previamente por e-mail ou por telefone
e tiveram acesso a um Termo de
Consentimento que explicitava os objetivos e
os propósitos da entrevista, as condições de
uso das informações fornecidas e oferecia,
ainda, a possibilidade de confidencialidade
e anonimato (conforme Anexo III). Buscou-
se, sempre que viável, entrevistar os
advogados atuantes nas organizações
que integram a amostra. Quando não foi
possível, ou em casos em que informações
sobre a entidade não foram fornecidas de
maneira satisfatória pelos advogados da
entidade, integrantes com outras funções
também foram entrevistados (em geral,
coordenadores).
1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS:
CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO
As entrevistas realizadas por meio
do instrumento anteriormente descrito
totalizaram 8.603 minutos de material
gravado (aproximadamente 144 horas).
Em média, cada entrevista teve cerca
de 80 minutos de duração, e a mediana
do material coletado nas 110 entrevistas
foi de 75 minutos. A análise dessa vasta
quantidade de material demandou uma
organização preliminar dos dados obtidos.
Para tanto, foram elaborados “códigos”
para categorizar as diferentes informações
disponibilizadas nas transcrições das
entrevistas. O objetivo da aplicação de
códigos às transcrições (“codificação”)
era reunir, sob uma mesma categoria de
análise, informações identificadas no
conjunto das entrevistas. Os códigos
tomaram por base a estrutura do roteiro
de entrevista e incluíram outros elementos
que emergiram do trabalho de campo.
Construiu-se um “livro de códigos”
dividido em quatro grupos (ver Anexo
IV): (1) respondente; (2) entidade; (3)
atuação judicial; e (4) Defensoria Pública
ou Ministério Público. Cada grupo de
códigos serviu a um objetivo específico:
em (1), reunir elementos sobre o perfil dos
respondentes da entrevista; em (2) e (3),
identificar as características das entidades
entrevistadas e o perfil da sua atuação
judicial; e em (4), mapear experiências,
percepções e formas de interação da
entidade com o MP e a DP.
A aplicação dos códigos às
transcrições das entrevistas foi realizada
por meio do software de análise de
23 Utilizou-se o software Skype na maioria das entrevistas realizadas remotamente.
Grupo de códigos Objetivo Exemplos de códigos
(1) Respondente Identificar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado, sobre o que ele faz na entidade e o que o motiva a atuar na mobilização jurídica.
Respondente: Movimento EstudantilRespondente: Extensão UniversitáriaRespondente: Movimento SocialRespondente: Estágio
(2) Entidade Compor o perfil da entidade entrevistada: histórico, estrutura, financiamento, atividades e temas de atuação etc.
Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988Entidade: Estrutura: Número de profissionaisEntidade: Financiamento: InternacionalEntidade: Atividades: Educação popularEntidade: Temas: Meio Ambiente
Tabela 5. Livro de códigos
27
dados Atlas.ti. Três membros da equipe
de pesquisa que haviam realizado as
entrevistas ficaram encarregados da
codificação das transcrições, que se
desenvolveu em seis etapas. Na primeira,
uma versão preliminar do livro de códigos
foi elaborada conjuntamente, a partir das
percepções dos pesquisadores sobre
os dados mais recorrentes em cada um
dos tópicos abordados pelo roteiro de
entrevista. Na segunda, cada pesquisador
aplicou a primeira versão do livro de códigos
a um bloco de 15 entrevistas distintas. Na
terceira etapa, os pesquisadores voltaram
a se reunir para verificar a consistência de
aplicação do livro de códigos e promover
ajustes, em especial a inclusão de novos
códigos. Na quarta etapa, um novo bloco
de 10 entrevistas foi distribuído a cada um
dos pesquisadores para que aplicassem
a versão ajustada do livro de códigos.
As 15 entrevistas iniciais também foram
reanalisadas com base no novo livro
de códigos. Na quinta etapa, com 75
transcrições codificadas, a consistência de
aplicação dos códigos foi verificada em
reunião realizada entre os pesquisadores.
Procedeu-se, então, à sexta e última etapa,
em que o bloco de 35 entrevistas restantes
foi distribuído entre os pesquisadores, que
procederam à sua codificação.
Com base no procedimento de
codificação das transcrições descrito
acima, o material coletado por meio das
entrevistas foi sistematizado em quatro
grandes blocos de informação. As seções
que seguem apresentam a informação
organizada pelos grupos de códigos
aplicados e desenvolvem a análise deste
material. Na seção 2, são descritos os
perfis dos respondentes das entrevistas
realizadas. Neste âmbito, são analisados
os elementos acadêmicos, políticos e
profissionais identificáveis nas trajetórias
de indivíduos que decidem atuar na
mobilização do direito. Avaliam-se, ainda,
as suas motivações para atuar na defesa
de direitos pela sociedade civil vis-à-vis as
carreiras de advocacia de interesse público
nas instituições estatais. Nas seções
3 e 4, as características, as formas de
organização e estratégias, áreas e os temas
de atuação das entidades que compõem
a amostra são detalhados e discutidos.
Primeiro, por meio da apresentação
dos dados sobre o histórico, estrutura,
financiamento e atividades das entidades,
pretende-se discutir a multiplicidade
de experiências de mobilização jurídica
detectada pela pesquisa. Na sequência, é
traçado o perfil da atuação propriamente
jurídica das entidades estudadas. Juntas,
as seções 2, 3 e 4 respondem à questão
de “quem são as entidades de defesa de
direitos” e, assim, lançam as bases para a
discussão das potenciais interações entre
a sociedade civil, a Defensoria Pública e o
Ministério Público. Finalmente, na seção 4,
(3) Atuação judicial Compor o perfil da atuação judicial/jurídica da entidade: tipo de estratégia jurídica, forma de seleção de casos, instrumentos adotados e instâncias de atuação etc.
Atuação judicial: Instâncias: Tribunais SuperioresAtuação judicial: Seleção de casos: Casos emblemáticosAtuação judicial: Instrumentos jurídicos: Ação Civil Pública
(4) Defensoria Pública e Ministério Público
Identificar exemplos de interação da entidade com o MP ou a DP e coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papeis do MP/DP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho institucional do MP/DP.
DP: Formas de interação: Encaminhamento de casosMP: Formas de interação: RepresentaçãoDP: Desenho institucional: Núcleo temático
28
são apresentadas, de forma sistemática, as
experiências de interação das entidades
entrevistadas com os órgãos de litígio
do Estado. Dessa forma, os elementos de
perfil das entidades serão cruzados com
os tipos de interação detectados a fim de
discutir o objeto central da pesquisa: como
a mobilização jurídica da sociedade civil
repercute nos órgãos de litígio do Estado e,
paralelamente, como o desenho institucional
dos órgãos de litígio do Estado favorece ou
não a mobilização social jurídica?
As citações aos trechos das entrevistas
realizadas não são identificadas ao longo
do relatório, e quaisquer informações que
possibilitem a identificação do entrevistado
ou da entidade foram eliminadas. Optou-se
por esta forma de tratamento dos dados
em razão de pedidos de confidencialidade
direcionados a determinados trechos
de algumas entrevistas, em especial
questões sensíveis, como financiamento
e percepções sobre entidades
governamentais. Como o universo de
entidades e respondentes é identificado
nas listagens anexas ao relatório, se apenas
algumas identidades fossem protegidas,
por exclusão, seria possível identificar
o restante da amostra. Igualmente, a
lista de indivíduos entrevistados não é
disponibilizada nos anexos do relatório,
tendo em vista que alguns respondentes
solicitaram anonimato. Da mesma forma,
optou-se por conferir anonimato a todos
os respondentes, a fim de evitar qualquer
possibilidade de identificação por exclusão.
29
Neste tópico, são apresentados os
perfis dos 130 indivíduos que participaram
das entrevistas. A construção de um
panorama sobre os respondentes tem
o objetivo de situar de onde partem as
narrativas, percepções e experiências que
serão descritas e analisadas nas seções
seguintes. Os perfis são construídos a partir
de elementos de trajetória acadêmica,
política, profissional e pessoal destacados
pelos entrevistados como determinantes
para a sua atuação na defesa de direitos
em entidades da sociedade civil.
Foram entrevistados advogados das
entidades de defesa de direitos e/ou seus
diretores, coordenadores e, no caso de
atividades de extensão universitária, os
alunos e/ou os professores orientadores
dessas atividades. Em alguns casos, foram
entrevistadas mais de uma pessoa por
entidade, para que os relatos contemplassem
as diferentes partes do questionário (tanto a
parte histórica da entidade quanto a parte
técnico-jurídica). Nem todos os entrevistados
possuíam formação jurídica. Dos 130, 96 eram
advogados e 19 eram estudantes de direito.
A formação dos outros 15 entrevistados
é variada: entre eles estavam pedagogos,
engenheiros, psicólogos, jornalistas,
assistentes sociais, militantes etc.
Pelo menos três gerações estão
representadas nas entrevistas, desde os
atuais estudantes de graduação em direito,
até aqueles que participaram da fundação
das primeiras entidades, nas décadas de
1970/1980, e que acompanharam o processo
de democratização do País, a Constituinte,
bem como as transformações sofridas no
perfil de trabalho de suas entidades.
Nas subseções que seguem, são
detalhados os elementos de trajetória
dos entrevistados mais frequentemente
mencionados para a sua escolha de
atuação em entidades de defesa de
direitos: vínculos com movimentos
sociais, sindicais, comunitários, políticos e
estudantil; influência familiar ou fatores de
caráter pessoal; participação em atividades
relacionadas ao âmbito da igreja; e
experiências de extensão universitária ou
estágio, durante a graduação.
Vale ressaltar que, em muitos casos,
diversos desses elementos estão presentes na
trajetória de um mesmo entrevistado, o que
pode demonstrar a inter-relação entre essas
experiências de mobilização, em um campo
social que se comunica. Exemplos dessa
mobilidade seriam, a partir do envolvimento
com o movimento estudantil (secundarista
ou universitário), buscar por experiências de
extensão universitária de assessoria jurídica
popular, no qual os alunos têm contato com
movimentos sociais e comunidades, o que
desperta o interesse de profissionalização
nesta área de atuação e faz com que se
busquem práticas de estágio em espaços
como organizações não governamentais
de defesa de direitos. Ou, ainda, a partir da
vivência familiar, em grupos ou comunidades
de uma série de violações de direitos (terra,
moradia, saúde, educação, segurança), o
fomento de formas de associativismo para
reivindicação e defesa de direitos.
O elemento mais frequentemente
destacado pelos respondentes para explicar
2 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS
30
o seu envolvimento com a defesa de direitos
foi a participação em grupos de extensão
universitária: 40 casos. Ainda que a alta
incidência dessa categoria esteja relacionada
ao grande número de respondentes que, no
momento da entrevista, eram membros de
uma extensão universitária (18), outros 22
casos de defensores de direito estão ligados
a experiências desse tipo. Igualmente,
outra vivência no âmbito estudantil foi
recorrentemente apontada: a participação
no movimento estudantil, em geral,
universitário, mas também secundarista (32
casos). Elementos de formação acadêmica,
como pesquisa e ensino de graduação (34
casos), ou cursos de especialização e pós-
-graduação (13 casos) também são
mencionados como influências para a
atuação na defesa de direitos.
Elementos familiares e pessoais
(26 casos), assim como estágios (24),
vínculos com instituições religiosas (18) e
proximidade com movimentos sociais e
comunitários (17) foram indicados por um
grupo relevante de entrevistados. Em menor
medida, o pertencimento do entrevistado
ao grupo social que é representado pela
entidade de defesa de direitos (9 casos), a
experiência prévia em trabalho voluntário
(9), e a sua participação em movimentos
sindicais (7) foram identificados como
elementos de trajetória relevantes.
Tabela 6. Elementos de trajetória
Elementos de trajetória Número de respondentes
Extensão universitária 40
Pesquisa / Ensino 34
Movimento estudantil 32
Família 26
Estágio 24
Religião 18
Movimento social ou comunitário 17
Especialização / Pós-Graduação 13
Grupo representado 9
Trabalho voluntário 9
Movimento sindical 7
A seguir, são apresentadas as
principais influências identificadas na
trajetória pessoal, profissional e acadêmica
dos entrevistados para atuarem com
entidades de defesa de direitos. Os
elementos são reunidos em três grandes
grupos: (2.1) experiências universitárias;
(2.2) experiências profissionais; e (2.3)
experiências sociais e pessoais.
2.1 EXPERIÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS
2.1.1 PESQUISA E ENSINO
Experiências no âmbito universitário
abarcam os três elementos mais menciona-
dos pelos respondentes. Atividades mais
tradicionais desse ambiente, o ensino e a
pesquisa são apontados como o primeiro
contato com a temática de defesa de direitos
por uma relevante parcela dos entrevistados.
Em geral, disciplinas sobre direitos humanos
e os cursos ditos propedêuticos (em especial,
nos cursos de direito, tais como sociologia
jurídica, teoria do direito, introdução ao
direito), e grupos de pesquisas orientados
por professores dessa mesma linha são
tidos como influências importantes para a
escolha profissional dos entrevistados em
atuar na defesa de direitos pela sociedade
civil. Igualmente, cursos de especialização
e pós-graduação stricto sensu nessas áreas
aparecem com razoável frequência como
elementos de trajetória dos entrevistados.
A experiência de pesquisa, especialmente
durante a graduação dos entrevistados,
esteve conectada, com frequência, a outro
elemento: a extensão universitária.
2.1.2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
A experiência com projetos ou grupos
de extensão universitária foi o elemento
mais mencionado pelos entrevistados
31
como influência para a atuação em
entidades de defesa de direitos. Para
muitos dos entrevistados, a extensão
universitária promove um contato com
a realidade de violação de direitos e
sensibiliza para a necessidade de uma
atuação profissional voltada à defesa de
certos grupos e temáticas. Em especial para
os respondentes originários de faculdades
de direito, a extensão é vista como um
importante complemento à sua formação
e, sobretudo, como uma alternativa a uma
educação jurídica que invisibiliza certas
demandas e determinadas formas de
atuação. Exemplos dessa percepção são
identificáveis em diversas entrevistas:
Para mim, me aproximar de questões
sociais assim e pra fazer uma opção
de que forma que eu ia exercer a
advocacia, a extensão universitária
foi fundamental. Durante a faculdade
que eu fiz no interior [do Estado], nós
tínhamos um grupo que trabalhava com
o MST em alguns assentamentos da
Reforma Agrária e em acampamentos
na região [da Cidade], e tinha um núcleo
de estudos de direito alternativo. Então,
para além dos códigos, para além das
doutrinas jurídicas, assim como a gente
costuma ver sempre sendo aplicada na
prática, a gente também tentava fazer
um estudo crítico do Direito. Então,
isso foi fundamental. Como a extensão
tinha a parte prática de ir para os
acampamentos, para os assentamentos
fortalecer os movimentos sem-terra,
isso se tornou muito natural na minha
trajetória, na minha forma de atuar.
Enquanto estudante da universidade
eu já de início comecei a me envolver
com grupos de pesquisa e extensão de
assessoria jurídica universitária popular,
da universidade federal, [nome do
Núcleo], no qual a gente pesquisava e
fazia projetos de extensão na área de
educação popular em direitos humanos.
Para muitos dos respondentes, a
extensão universitária apresenta uma
possibilidade de conciliação entre atividade
profissional e atuação política:
Eu fiz o curso de direito [...] e na
universidade participei da reconstrução
do centro acadêmico e da instalação
[da primeira extensão universitária] […]
Ainda era a ditadura, né? De um grupo
que era progressista, que lutava contra a
ditadura na época. Ali eu comecei a minha
experiência prática, de convívio com
atendimento à população, organização
de um debate que envolvia a advocacia,
mas ao mesmo tempo mais estratégico.
Assim como a pesquisa, em regra,
esteve associada a atividades de extensão
universitária, esta, com frequência, aparece
conectada à participação no movimento
estudantil.
2.1.3 MOVIMENTO ESTUDANTIL
Ao lado da extensão universitária,
o movimento estudantil responde por
grande parte da influência apontada pelos
entrevistados. O seu papel é semelhante:
politizar o indivíduo e conectá-lo com
organizações, movimentos sociais e
demandas sociais específicas. Exemplos
dessa perspectiva podem ser identificados
em diversas entrevistas:
O fato de eu ter, no início da faculdade,
conhecido o pessoal do Centro Acadêmico
de Direito, [...] acho que foi o principal
motivo que me levou a participar do
debate político sobre a necessidade da
crítica ao direito, de atuação crítica, de
aproximação de movimentos populares,
com organizações populares. Eu acho que
foi a partir dessa militância no movimento
estudantil. E também no período da
faculdade eu comecei a participar de
32
pesquisas [...] pesquisa interdisciplinar que
me possibilitou conhecer mais também
o movimento do MST principalmente,
e depois tem a questão ambiental pela
qual eu atuei na parte de pesquisa e de
extensão no período da faculdade.
O aspecto mais relevante foi o movimento
estudantil, a formação proporcionada no
ambiente de contato com os movimentos
sociais, contato com organização de
direitos humanos, isso mais ou menos
moldou valores que eu trago pra hoje,
pra minha carreira profissional. Como
eu também não tenho uma trajetória
profissional... eu me formei faz 2 anos,
eu tenho 26 anos, então o que me levou
na verdade foi o movimento estudantil,
em termos de formação de valores e de
formação de princípios.
Eu comecei no movimento estudantil,
na faculdade mesmo, na Universidade
Federal [do Estado], eu participei
da direção do diretório central dos
estudantes, primeiro centro acadêmico,
depois diretório central dos estudantes,
então foi lá que “eu politizei”, vamos dizer
assim. E aí a gente fazia pesquisa, visitas
a assentamentos, a gente participava
do Grito dos Excluídos, então o meu
foco jurídico foi sendo direcionado para
a área social por conta disso, por conta
dessa atuação e desse enfrentamento
com população de baixa renda, com
Movimento dos Sem Terra.
Assim como atividades de pesquisa
e a extensão universitária, o movimento
estudantil é, frequentemente, a linha
de atuação universitária a que muitos
respondentes atribuem o seu maior
interesse no curso de graduação, em
especial nos cursos de direito:
Comecei o curso e logo de cara tive
uma desmotivação muito grande porque
não era nada do que eu imaginava, bem
tradicional. Tradicional, conservador,
de todas as formas conservador, tanto
no ensino quanto na pesquisa. Nós já
tínhamos experiência de extensão na
época que eu entrei na faculdade e foi
essa inquietação em relação ao curso
que me levou a procurar alguma forma
de me manter nele. Minha primeira ideia
era desistir do curso, era ir fazer ciências
sociais porque era outro curso que eu
gostava. Nessa busca, por me envolver
em outros projeto pra permanecer no
direito eu acabei conhecendo o centro
acadêmico, um grupo que fazia parte
do centro acadêmico da faculdade e foi
nesse grupo que eu me identifiquei. E
paralelo a esse grupo, na mesma época,
a faculdade estava dando seus primeiros
passos na extensão universitária e aí eu
participei de um projeto.
2.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS
Certas experiências de atuação
profissional também são apontadas
como determinantes para a escolha dos
entrevistados em atuarem na defesa de
direitos. Em 24 casos, o estágio teria
sido especialmente influente. Destes, 19
apontam ter realizado estágios em ONGs
durante a sua graduação. Em muitos desses
casos, trata-se das próprias organizações
onde, hoje, os entrevistados atuam
profissional ou mesmo voluntariamente.
Em outros quatro casos, estágios no
Ministério Público, seja ele estadual ou
federal, são indicados como elementos de
trajetória influentes. Neste sentido, órgãos
especializados do Ministério Público
cumprem um papel especial em influenciar
os respondentes, como ilustra o trecho
destacado:
Eu fiz seleção para ser estagiária do
Ministério Público Federal, e lá eu fiquei à
disposição da Procuradoria Regional dos
Direitos do Cidadão, PRDC, e aí eu, desde
então, comecei a ter bastante contato
com a questão dos direitos humanos. […]
33
E anteriormente, antes de ser estagiária
no Ministério Público Federal, no meu 1º.
ano na faculdade, eu fiz também uma
seleção e fui aprovada para ser estagiária
em uma ONG.
2.3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, SOCIAIS
E POLÍTICAS
Além de experiências universitárias
e profissionais, influências de elementos
pessoais (tais como a família), sociais
(religião) e políticos (movimentos
comunitários e sociais) também são
identificáveis nas entrevistas.
2.3.1 FAMÍLIA
A influência familiar como motivação
para atuação na defesa de direitos foi
mencionada por 26 entrevistados. Esta
influência aparece sob diversas formas:
em razão da politização da própria família,
como parentes que eram membros de
movimentos sociais, partidos políticos ou
organizações sindicais:
Eu sou filho de agricultores provenientes
de assentamentos ligados ao MST, então
a minha família toda é de agricultores [...].
E meus pais são líderes do MST desde os
anos 80 e eu me formei no ano 2000, antes
fui seminarista ligado à igreja católica, fiz
direito, me formei no ano 2000 e, a partir
daí segmento às atividades de defesa
e assistência aos trabalhadores rurais
ligados aos sindicatos de trabalhadores
rurais, a movimentos sociais diversos,
entre eles o MST, e trabalhei junto da
igreja católica [em outra organização],
até chegar [à entidade].
Venho de uma família de militantes na
área de direitos humanos. Meu pai surgiu
de uma militância mais partidária, a partir
do PCdoB, na década de 70. Minha irmã
mais velha milita com o Movimento dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Sem Terra, desde o Movimento Estudantil
até hoje, formada em Jornalismo, e
fazendo a assessoria de comunicação do
Movimento.
Minha mãe é sindicalista, então já ia
direcionada para uma coisa menos
legalista já, desde sempre, então acabei
na faculdade me envolvendo com
movimento estudantil e movimentos
sociais, já ajudava com movimentos
sociais.
Em outros casos, a influência familiar
decorre da identificação da família com o
próprio grupo defendido pela entidade.
Por exemplo:
[me motivei a atuar na entidade] por
algumas razões pessoais, de ter algumas
pessoas da família que viviam com Aids.
Eu sou familiar de 3 desaparecidos
políticos [...]
Sempre me identifiquei, acho que por eu
ser de uma família humilde também.
Eu venho de uma família que também tem
muitos, até hoje, parentes e tios que são
trabalhadores rurais, então eu sei muito
bem como é essa situação também no
aspecto familiar
2.3.2 GRUPO REPRESENTADO
O vínculo do respondente com o
próprio grupo representado pela entidade
em que atua decorre, também, da sua
própria percepção como membro de uma
determinada coletividade. Por exemplo:
O primeiro grande aspecto da minha
carreira e da minha vida pessoal é o fato
de ser negro; o fato de ser negro e a forma
com que essa identidade foi aparecendo
na minha vida. E essa identidade, do ser
negro, foi aparecendo na minha vida
muito também conjunto com a minha
vida acadêmica. À medida que eu ia
avançando nos estudos, à medida que
34
a minha vida acadêmica ia se fundindo
também com a minha vida pessoal, com
a minha vida familiar, essa questão foi se
aflorando, foi se tornando muito evidente
pra mim, né? E, assim, a ideia, primeiro:
como era necessário compreender isso
melhor, entender as consequências não
só da vida pessoal, mas as consequências
políticas do ser um homem negro numa
sociedade como a nossa, formada
como a nossa é formada, e acessando e
frequentando certos espaços em que eu
via que a presença dos negros era cada
vez mais rara ou praticamente não existe.
Estava no meio do boom da história da
Aids, do surgimento da epidemia de
Aids, tal. E é uma epidemia que afetou
principalmente a nossa comunidade gay.
Estigmatizou, primeiro porque chamavam
de câncer gay. E daí por diante eu comecei
a trabalhar com criança com HIV, acabei
indo trabalhar para adultos, com a parte
de Direito mesmo [...] No transcorrer
disso tudo, começou-se a discussão dos
direitos, porque muitos gays na época,
que viviam juntos e construíram uma
vida juntos, morreram e o parceiro ficou à
deriva, e aí não tinha nenhum direito que
amparasse. Não tinha nenhuma discussão
e nenhum direito já conquistado que
amparasse as relações. Eram relações
que existiam, que todo mundo sabia que
existia, mas que ninguém reconhecia
juridicamente.
2.3.3 RELIGIÃO
Além de influências familiares e da
identificação pessoal com determinado
grupo, outras relações sociais também
emergem das entrevistas como
determinantes para o envolvimento dos
respondentes com a defesa de direitos.
As instituições religiosas são um primeiro
exemplo desse tipo de vínculo social.
Em diversos casos, o pertencimento
ou a proximidade do entrevistado a
organizações da igreja, notadamente,
católica, são mencionados como cruciais
para a sua dedicação à área. Essas
organizações da igreja são, em sua maioria,
bastante capilarizadas, de atenção direta a
comunidades e indivíduos vulnerabilizados,
tais como as comunidades eclesiais de base
e as pastorais da juventude.
Exemplos dessa influência das
organizações religiosas podem ser
destacados:
Eu sempre fui militante na Pastoral da
Juventude, nas comunidades eclesiais de
base, denominadas CEB’s. Eu sou desse
grupo, de uma teologia da libertação, a
questão do cristianismo ligada à questão
da militância, da luta, da defesa dos mais
pobres, dos excluídos e marginalizados.
E aí com essa ideia cristã-revolucionária,
vamos dizer assim, eu optei fazer direito
que acharia que teria uma boa contribuição
para a sociedade fazendo direito e levar
aquilo que tinha de garra, de vontade,
da adolescência, essa vontade de querer
mudar o mundo, de transformar, e aí eu
fui fazer direito. Eu tinha um amigo que
também fez direito e que a gente tinha
os mesmos ideais, as mesmas vontades, e
dentro da Pastoral da Juventude a gente ia
cada vez mais aprendendo, aperfeiçoando,
querendo, então era sempre ligando essa
questão da obra e da fé.
Na juventude, militando com a
Comunidade, também a partir de uma
Instituição Religiosa, eu comecei a
realizar atividades com Comunidades, […]
e aí por conta disso eu acho que passei
a aludir o interesse por essas questões
que a gente costuma reunir dentro da
temática dos Direitos Humanos. E aí fui
fazer graduação em Direito muito movido
por isso também.
Na verdade, nós estamos situados numa
região, que é o nordeste brasileiro, que
se configura como uma região que
historicamente tem violado os direitos
35
das pessoas, dos mais pobres, dos
trabalhadores rurais, das populações
tradicionais indígenas, quilombolas,
pescadores artesanais e pescadoras, então
logo muito cedo na minha juventude, ainda
com 14 anos, eu estava já num processo de
inserção dos movimentos de resistência,
de reflexão, de todo esse processo. E daí,
a partir desse momento eu comecei a
perceber como era grave essa situação e
aí eu fui, cada vez mais, me envolvendo
com a atuação das comunidades eclesiais
de base e as pastorais sociais da CNBB
na época, e conhecer um pouco mais da
realidade do nosso estado e o debate
político sobre as questões históricas,
do nordeste, e a minha formação então
veio, dialogando com esse grau de
envolvimento que eu já tinha muito cedo
com essa realidade, então eu fui estudar
Teologia, Ciências da Religião.
O vínculo religioso também é
mencionado como motivação de um
compromisso ético com a defesa de
direitos, tal como ilustrado pelo seguinte
trecho:
A minha vinda para [a Entidade] foi
muito a questão da fé, de acreditar num
trabalho de transformação, então eu
tinha praticamente duas atividades, uma
atividade profissional e uma atividade de
militância religiosa que depois se tornou
política. Aí ficou fé e política. Assim,
pela idade, eu estou com 56 anos, de
trabalho assim, nasce nas comunidades
eclesiais de base, nasce toda a questão
da teologia da libertação dentro da Igreja,
onde você é chamado a atuar, trabalhei
com a alfabetização de adultos, com um
bispo bem progressista [...] dentro dessa
proposta de você ir aonde... de encontro
do pobre, de uma opção preferencial pelo
pobre acabei chegando [na Entidade] [...]
para trabalhar nesse questão de... mais
com moradores de rua. [...] Então eu
desde jovem assim, tive uma família muito
sensível a essas causas sociais.
2.3.4 CONTEXTO POLÍTICO,
MOVIMENTOS SOCIAIS E
COMUNITÁRIOS
Outro elemento social apontado como
relevante à atuação na defesa de direitos é
o contexto político vivido pelo entrevistado
e seus vínculos com movimentos sociais,
sindicais e comunitários:
Era época da ditadura militar, certo? Nós
estávamos aqui, o bairro, nossa área aqui,
foi muito atingida de todas as formas.
Essa foi uma das coisas. Perseguições
das lideranças, os movimentos libertários,
a própria igreja na época aqui também,
progressista [...], a falta de liberdade de
expressão. A gente tinha medo até de se
encontrar, de marcar qualquer reunião
a gente tinha receio. A gente estava
vivendo esse... Naturalmente os direitos
civis, políticos, todos cerceados, a gente
não tinha nem direito a votar naquela
época. Eu sabia de frequentes sequestros-
relâmpagos, digamos assim. Eu nem sei se
relâmpagos, sequestros mesmos, prisões,
denúncias de torturas, desaparecimento
de pessoas muito queridas, muito sérias.
E daqui, no bairro [...], perdemos muitas
pessoas, muitas pessoas foram presas e
teve gente que sumiu, foi torturada e tudo
mais.
E aí participamos do grupo de mães,
participamos dos primeiros movimentos
sociais aqui, antigamente o movimento
de moradia aqui era muito forte, porque,
se você for conhecer o nosso bairro, o
nosso bairro tem muita ocupação de terra
é muito desregular, pode ver que aqui no
[bairro] se for comparado ao centro da
cidade, aqui nós temos dois graus a mais
de calor do que no centro, porque aqui foi
totalmente ocupado de moradia, então a
vida começou a apertar, as pessoas eram
empurradas, dos bairros melhores para as
periferias, é então... é um bairro dormitório,
que comparado aos 43 anos atrás que
36
cheguei e até hoje, é outro bairro. E a gente
tem orgulho muito grande disso, porque a
participação do movimento de saúde, do
movimento de mulheres, o movimento de
moradia, movimento de creche, ferve...
deu um “fervecimento” aqui na região, pra
melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Então eu sou oriunda dos movimentos
populares, do movimento da teologia
da libertação e em 89 em 79, eu estava
montando um grupo de adolescentes, [...]
era a época das greves lá do ABC aquela
coisa toda, e eu tava aqui ajudando a
organizar alguns grupos de jovens.
eu fui da CIPA ali na fábrica, a gente tinha
um jeito de trabalhar, e essa forma de ver a
sociedade sempre deixa a gente indignado
com alguma coisa, e eu acabei sendo da
CIPA, votado ali, bem votado, trabalhei
bem lá pelo trabalhadores né, eu estava
mais ou menos com 10 anos de serviço lá.
O perfil dos respondentes traçado
com base nas experiências universitárias,
profissionais, pessoais e sociais
identificadas denotam uma importante
variedade de trajetórias. Há, no entanto,
elementos recorrentes nas trajetórias de
um relevante número de respondentes,
em especial o seu vínculo com a extensão
universitária e o movimento estudantil,
experiências acadêmicas em pesquisa e
ensino, influências familiares e conexões
com organizações religiosas. Essas
experiências são apontadas como vetores
da politização e aprendizado necessários
à atuação na defesa de direitos. Como
se verá na seção a seguir, as trajetórias
dos entrevistados e as suas percepções
sobre a defesa de direitos ilustradas em
suas narrativas estão bastante alinhadas
com os temas de trabalho, atividades
desenvolvidas e estratégias adotadas pelas
entidades em que estes indivíduos atuam.
O seu perfil de formação, dessa forma, está
ligado ao do das entidades onde atuam.
37
Em complementação à análise
dos respondentes das entrevistas, esta
seção apresenta os primeiros dados para
responder à pergunta sobre quem são as
entidades da sociedade civil que mobilizam
o direito. O objetivo é traçar o perfil das
entidades que compõem a amostra a partir
de seis variáveis: (3.1) temas de atuação;
(3.2) tipos de atividades desenvolvidas;
(3.3) âmbitos de atuação; (3.4) histórico
da entidade; (3.5) estrutura interna; e (3.6)
formas de financiamento.
Por meio da apresentação desses
dados, a multiplicidade de experiências
de mobilização jurídica detectada pela
pesquisa é evidenciada. A análise do perfil
das entidades servirá como referência
também para a análise das interações da
sociedade civil com o Ministério Público e
a Defensoria Pública, objeto de análise nas
seções 5 e 6. Em complemento aos dados
apresentados a seguir, a seção seguinte
abordará, detalhadamente, outro elemento
que compõe o perfil das entidades: as suas
estratégias de atuação jurídica.
3.1 TEMAS DE ATUAÇÃO
A multiplicidade de experiências
coletadas na amostra da pesquisa se reflete
na variedade de temas trabalhados pelas
entidades. Foram identificadas 22 áreas
temáticas de atuação das organizações
entrevistadas. As áreas temáticas aglutinaram
diversas linhas específicas de atuação24. A
maior parte das entidades atua em mais de
uma área temática: enquanto apenas 34
indicam ser especializadas em um único
tema, 69 entidades informam atividades
em mais de uma área. As áreas de atuação
indicam, também, o potencial de atuação
coletiva das entidades, por se tratarem, na
maioria, de temas determinados por sua
dimensão grupal, coletiva ou até mesmo
difusa. Nota-se, ainda, a concentração
em temas conectados com violações
perpetradas pelo Estado (como no caso
da violência institucional e em muitos sob
a alcunha crianças e adolescentes), e com
direitos sociais historicamente demandados
no Brasil, tais como aqueles refletidos nas
áreas temáticas relacionadas a conflitos
fundiários (terra, cidade, comunidades
tradicionais e indígenas).
Na tabela a seguir, apresenta-se a
distribuição das entidades conforme a
sua área temática de atuação, em ordem
decrescente de concentração:
3 - PERFIL DAS ENTIDADES
24 As áreas de atuação incluem os seguintes temas, na ordem de concentração das entidades: Violência institucional: violência do Estado, violência policial, sistema prisional, memória, reparação, responsabilização, tortura; Cidade: moradia; regularização fundiária; reforma urbana, direito à cidade, conflitos fundiários urbanos, sem-teto; Crianças e Adolescentes: Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes; juventude, menores em conflito com a lei, exploração sexu-al de menores; Terra: terra, reforma agrária, movimentos sem-terra, conflitos fundiários rurais, agricultores; Gênero: mulhe-res; feminismo, violência doméstica; direitos reprodutivos; Comunidades Tradicionais: quilombolas, ribeirinhos e moradores da zona costeira; Meio ambiente: meio ambiente, proteção ambiental, poluição; Saúde: acesso a medicamentos; HIV/Aids e discriminação; Indígenas: indíos, territórios indígenas, discriminação indígena; Trabalho: trabalhadores, sindicatos, trabalho escravo, cooperativas, catadores de material; LGBT: gays, lésbicas, travestis, transexuais; Família: planejamento familiar, di-vórcio, organização familiar; Criminal: defesa criminal de militantes sociais, atuação na justiça criminal; Consumidor: direito do consumidor, consumidores, proteção e defesa do consumidor; Organização comunitária: regularização e formação de associações de moradores, articulação comunitária; Educação: direito à educação, escolas e universidades; Raça: negros, discriminação racial e étnica; Idosos e portadores de deficiência: idosos, portadores de deficiência e cegos; Imigrantes: imi-grantes e ciganos; Comunicação: direito à comunicação, democratização das comunicações; Tráfico de pessoas; Religião: intolerância religiosa, discriminação pela religião, religiões africanas.
38
Tabela 7. Temas de atuação das entidades
Áreas temáticas Número de entidades
Violência Institucional 30
Cidade 26
Crianças e adolescentes 25
Terra 20
Gênero 19
Comunidades tradicionais 17
Meio ambiente 16
Saúde 15
IndígenasTrabalho
12
LGBT 9
Família 7
CriminalConsumidor
6
Organização comunitáriaEducaçãoRaça
5
Idosos e portadores de deficiência 4
ImigrantesComunicação
3
Tráfico de pessoasReligião
2
3.2 ATIVIDADES
As entidades que compõem a amostra
também apresentam grande variedade
com relação aos públicos atingidos pelas
suas atividades, às formas e estratégias de
atuação e aos âmbitos em que realizam
suas atividades. Quanto ao público, 74
entidades atuam com algum tipo de
atendimento individual (mas apenas seis
atuam somente com esta modalidade).
Com públicos coletivos, 25 entidades
atuam junto a movimentos sociais e 92
prestam atendimento a algum outro tipo
de grupo (comunidades, escolas, grupos
étnicos etc.). Dentre as 103 entidades
estudadas, no trabalho de 12 delas foi
possível identificar atividades com um
público difuso, isto é, não determinável
individual ou coletivamente. Exemplos de
entidades com esse tipo de público são
aquelas que atuam com temáticas como
consumidor e o meio ambiente.
Com respeito às atividades, as
entidades entrevistadas foram classificadas
em cinco eixos de atuação: (a) atividade
jurídica; (b) atividade de pesquisa e
publicação; (c) atividade comunitária;
(d) atividade de comunicação; e (e)
atendimento psicossocial. Grande
parte das entidades que integram a
amostra desenvolve atividades jurídica e
comunitária e, em menor medida, os outros
tipos estudados, conforme a tabela abaixo:
Tabela 8. Atividades realizadas
pelas entidades
Atividade Número de entidades
Jurídica 90
Pesquisa e publicação 28
Comunitária 83
Comunicação 35
Psicossocial 11
3.2.1 ATIVIDADE JURÍDICA
Das 103 entidades, 90 delas têm algum
tipo de atividade jurídica: atendimento
individual, orientação jurídica, atuação
judicial coletiva, encaminhamentos a outros
órgãos etc. (este elemento será aprofundado
na seção seguinte, sobre atuação judicial).
Importa destacar, neste ponto, que as
atividades jurídicas da maioria das entidades
são, com frequência, compreendidas como
parte de uma estratégia de atuação mais
ampla. Não raramente, a atividade jurídica
não é vista como central pela entidade
de defesa de direitos. Exemplos dessa
compreensão multifacetada das atividades
das entidades podem ser citados:
Então essa sua atuação no judiciário é
apenas uma das atividades da entidade,
não sei se chega a ser a principal, acho que
nem chega, acho que nem de longe chega
a ser a principal atividade da [entidade].
Tem toda a sua importância, claro, tem
toda a sua relevância, mas é apenas uma
das áreas de atuação da entidade e não é
39
propriamente a única.
[A entidade] tem um viés diferenciado
porque ela faz um atendimento não só à
vítima, mas à família da vítima, então faz
atendimento psicológico, social e jurídico.
Então ela faz grupos para que a vítima
consiga superar o trauma com ela, então
o psicólogo vai e faz esse atendimento,
a assistente social faz alguns devidos
encaminhamentos para programas [...]
para poder incluir essa família dentro
de uma rede caso ela não esteja na rede
de programas. E a psicóloga tenta então
dar esse parecer, dar esse retorno, ouvir,
conversar, mas é óbvio que todos que
ainda procuram a [entidade] têm um viés
maior, que é o viés jurídico, a proteção
jurídica. Então procura, a gente então
tem essa primeira conversa com todos
os técnicos, tem um estudo de caso, faz
o encaminhamento quando é possível,
senão se é uma coisa mais urgente a gente
já faz um encaminhamento e a gente então
protocola as denúncias.
[A entidade] capacita, ela trabalha com
prevenção, ela constrói metodologia,
ela faz diagnóstico de vulnerabilidades,
ela atende diretamente a vítima, ela
encaminha, ela atua na pacificação
da família [...], ela defende, denuncia
tortura, maus-tratos, atua no contexto
das mulheres encarceradas defendendo
os direitos das mulheres, do atendimento
às especificidades das mulheres presas,
faz advocacy, lobby, faz tudo que for do
interesse da pessoa, do segmento que nós
defendemos
3.2.2 ATIVIDADE DE PESQUISA E
PUBLICAÇÃO
Aproximadamente 1/4 das 103
entidades desenvolve atividades de
pesquisa entre as suas formas de atuação.
Essas atividades compreendem a realização
de estudos sobre as temáticas de atuação
da entidade, muitas vezes voltados para a
otimização das suas próprias estratégias
(jurídicas ou não), mas também direcionados
a influenciar a agenda de órgãos estatais
e a pautar políticas públicas. Conforme
sugerido nas entrevistas, a atividade de
pesquisa está, em geral, integrada às outras
formas de atuação das entidades:
De monitoramento e pesquisa a gente
tem, falando de forma geral, um recorte
de acesso à terra, direito à terra e de
monitoramento de como está sendo
efetivado esse direito à terra de povos
indígenas e comunidades quilombolas
[…] a gente monitora todos os dias como
está sendo a efetivação do direito à terra,
no sentido de... a gente monitora os
processos da Funai, os processos do Incra,
assim, essa é regular. Mas também tem
algumas pesquisas periódicas que a gente
faz isso também, trabalho de campo, a
gente fez uma agora de índios na cidade
e a gente levantou algumas políticas, a
gente contratou um antropólogo que
foi entrevistar os índios sobre como que
foram efetivadas essas políticas, teve um
trabalho que era de escritório que era de
descobrir quais eram essas políticas.
Eu acho que a parte de pesquisa e produção
de relatórios, documentação... é uma parte
que ganha uma centralidade muito grande,
e isso aliado a uma articulação sempre
com os movimentos sociais e com os
atores locais, né, então acho que a gente
talvez possa dizer que a nossa principal
forma de trabalho é em articulação com
os atores locais, porque a gente não atua
só [na cidade], a gente tem casos de
outros estados da federação, então a gente
trabalha sempre junto das outras entida-
des ou movimentos de locais específicos.
A gente fez dois tipos de coleta de dados,
uma coleta de perfil socioeconômico, ali no
atendimento no presídio, então tinha todo
um questionário de perfil socioeconômico
da população que estava sendo presa, este
questionário já foi para estatística e já tem
40
uma primeira tabulação que vai servir para
a nossa sistematização de dados, identificar
quem é a pessoa presa, né? Quem está
fazendo essa ameaça de população prisional
que hoje em dia é insustentável, de meio
milhão de pessoas. E um segundo momento
é a coleta de dados mais jurídica, que é a que
está sendo feita nesse momento, então os
casos como [ela] explicou eram distribuídos
pelos advogados associados, então tinha
um grupo para o atendimento, mas não só
esse grupo recebia o caso depois, era um
grupo muito maior que recebia e passava a
cuidar da questão prisional daquela pessoa
e aí agora então a gente tem estagiários
[da entidade] fazendo uma coleta do que
aconteceu juridicamente com esses casos,
se foi ou não foi aplicada a medida cautelar,
se a pessoa respondeu ou não respondeu
presa, quanto tempo fico presa para
comparar com a pena aplicada ao final, o
que, no crime de furto, raramente é uma
pena de prisão, então a pessoa responde
presa e no final é solta, e aí diagnostica qual
está sendo o atendimento do Judiciário, a
aplicação do Judiciário da lei das medidas
cautelares.
Tem a equipe que está o tempo todo
realizando essa pesquisa para as ações
de áreas e a gente também tem um grupo
de pesquisa que é interno da equipe, que
se reúne quinzenalmente pra discutir
algumas temáticas em direitos humanos
como forma de capacitação de equipe, de
aprofundamento das discussões e também
a gente em alguns momentos elabora
materiais de direitos humanos quando
somos solicitados.
A gente vai para a Justiça pleitear direitos
decorrentes de danos, ou mesmo pleitear a
melhor qualidade de produtos e serviços, ou
ainda o cumprimento de legislações que já
existem e que não estão sendo cumpridas,
e que a fiscalização não dá conta de
fazer cumprir. Modificar contratos, anular
cláusulas contratuais que são abusivas,
por exemplo. Tem a atuação em testes e
pesquisas, a gente testa o produto, leva
esse resultado, e é teste sério, é teste que é
com laboratório credenciado, inclusive pelo
Inmetro. Então a gente testa o produto e,
com isso, com os resultados disso – a gente
publica, claro, esses resultados – e também
pleiteia politicamente ou judicialmente
uma questão. Então tem essa atuação
política, de pleitear regulamentação de
direitos, a fiscalização, a melhora de
produtos e serviços, na qualidade e na
oferta. E ainda tem, claro, a orientação ao
consumidor, seja pelo site, seja pela revista,
seja pelo atendimento pessoal. A gente
tem um atendimento pessoal, então são
essas quatro atuações que a gente tem, e
que elas acabam se mesclando, acabam
virando três, e mais ou menos isso.
Muitas das pesquisas elaboradas
pelas entidades são transformadas em
publicações. No caso de 18 entidades
entrevistadas, a produção de materiais
impressos e até mesmo em vídeo integra
as suas estratégias de atuação.
Além de publicações institucionais,
há entidades que divulgam materiais
temáticos, com o fim de sensibilizar outros
órgãos e a sociedade em geral, misturando-
se à atividade comunitária:
[A entidade] também tem vários materiais
produzidos, materiais que dialogam com
professores, materiais que dialogam com a
sociedade, materiais com dialogam com os
próprios, os próprios LGBT, a gente subsidia
eles com esse material, faz um histórico um
pouco de como é que é a nossa atuação, e
às vezes a gente vai para a própria sala de
aula, nesse caso aí ainda vamos ver os dias,
para a gente dialogar com toda a turma,
compartilhar das nossas experiências,
dizendo por que a nossa luta ela é
importante, por que ela deve ser respeitada.
Há entidades, ainda, que utilizam a
atividade de publicação como meio de
potencializar a sua atuação jurídica, até
41
mesmo multiplicando-a:
Tem essa coisa das ações emblemáticas, e a
gente tem hoje um site também [...] E nesse
site a gente disponibiliza um acervo de
decisões sobre a questão racial e religiosa
no Brasil. Que esse é outro tema que a gente
trata também no programa jurídico, que
é a intolerância religiosa com um enfoque
maior nas religiões de matriz africana.
3.2.3 ATIVIDADE COMUNITÁRIA
A atividade comunitária – que envolve
o trabalho de base, de proximidade
aos públicos atingidos pela atuação da
entidade – foi observada em 83 das 103
organizações entrevistadas. Esta categoria
de atividades inclui a realização de cursos,
capacitações, trabalhos educativos,
campanhas e formações com indivíduos,
coletivos e movimentos sociais vinculados
à temática trabalhada pela entidade. Além
de, em uma dimensão quantitativa, a
atividade comunitária se revelar importante
na amostra estudada, qualitativamente ela
também é central às entidades de defesa
de direitos. Para muitos respondentes, esta
forma de atividade é o que, em larga medida,
determina os rumos da atuação em outros
meios, dentre eles a atividade jurídica. A
atuação das entidades de defesa de direitos
da sociedade civil tem, assim, um elevado
potencial de capilaridade e conexão direta
com os públicos que visa defender.
Exemplos da centralidade dessa
atividade podem ser destacados das
entrevistas. Diversos respondentes referi-
ram o papel das entidades de defesa de
direitos em formar novos defensores de
direitos e em multiplicar o conhecimento
sobre a temática trabalhada:
Nossas reuniões, nossas atividades, estão
muito centradas com a questão da educação,
de melhorar e formar outros novos agentes,
né? No incentivo à formação de grupos
da sociedade civil, associação, é uma das
formas que a gente orienta para a questão
de reivindicações, tentando criar um pouco
de autonomia para os trabalhadores.
O nosso trabalho está muito mais
voltado para a formação política das
mulheres. Capacitação e formação das
mulheres, [...] esse trabalho de incidência
política, do controle social, a gente hoje
está muito mais focada nessa ação, do
empoderamento político, [...] econômico,
social, das, essa questão muito mais do
que da formação, a gente faz cursos, a
gente trabalha, ainda continuamos com o
trabalho de fortalecimento das mulheres
no campo mais da subjetividade.
A gente tem um curso que tem a duração
de 9 meses, ele é anual, e totalmente
gratuito, voltado para capacitar lideranças
comunitárias na defesa dos direitos
humanos. Então eles recebem noções
de todas as áreas de direito – civil,
constitucional, trabalhista – além de noções
também sobre diretos humanos, políticas
públicas e essas pessoas vão funcionar
como multiplicadores do conhecimento do
direito nas suas comunidades.
Junto às comunidades, nós temos hoje o
direito à cidade, que faz formação junto
a lideranças comunitárias e aí é de uma
região, algumas localidades da região
metropolitana [da cidade] e a finalidade
dessa formação é o fortalecimento no
campo político. Uma formação que é
recente agora é com grupos de mulheres
também com a temática do direito à
cidade, o direito à moradia, trabalhando
as mulheres da comunidade pra tentar
abordar questões de gênero.
A gente tem essa questão através das
assembleias, de cursos e de seminários,
que é a formação da nossa comunidade
para exercer e fazer isso, o advocacy
junto aos poderes constituídos e também
sensibilizar a sociedade, fazer as devidas
denúncias porque a gente continua [...].
42
Desenvolvemos ações nesse mesmo
processo de acompanhamento sociojurídico
a essas comunidades, de acompanhamento
em audiências, em reuniões com órgãos
fundiários, mas também [...] com foco
bastante intenso no processo de formação
política dessas lideranças, esse processo de
formação aqui na [entidade], e isso desde
2001, processo de formação de lideranças.
Frente ao perfil variado de
entidades, há, também, uma diversidade
de compreensões sobre a atividade
comunitária. Além de experiências de
formação de lideranças, como as referidas,
alguns entrevistados mencionam a
realização de atividades culturais e a
organização de grandes eventos de
mobilização como parte de sua atividade de
proximidade aos públicos representados:
a área de resgate da autoestima e de
valorização da cultura dos imigrantes em
São Paulo, especialmente sul-americanos e
africanos […] neste segundo semestre de
2012 foi inaugurado um curso de português
e formação política. Então o ensino do
idioma português com formação política.
Que é um trabalho que faz parte da lógica
de buscar o protagonismo do imigrante, de
ajudar no conhecimento dos seus direitos,
mas que é novo.
[A entidade] realiza todos os anos a
Parada da Diversidade, nós estivemos em
todas elas à frente da organização. […] Nós
realizamos um evento [...], que é um evento
que mobiliza a cidade toda, nós realizamos
atividades em Universidades, em espaços
populares, em praças, enfim, em vários,
em órgãos públicos, e esses eventos são
os mais diversos possíveis, são oficinas,
são palestras, são debates, são shows, são
mostras de filmes, são várias atividades
com o tema da diversidade sexual. E
a gente também, nessa semana que já
inclusive integra o calendário de eventos
do município de [nome da cidade], ela é
realizada na última semana de agosto de
cada ano, esse ano nós vamos para a nona
edição [...]. Então dentro desses objetivos
de formar militantes do movimento social e
também dar assistência jurídica para LGBT.
3.2.4 ATIVIDADE DE COMUNICAÇÃO
Junto às atividades jurídica, de
pesquisa e comunitária, diversas entidades
mencionam empreender esforços
relacionados à comunicação e às mídias
em geral. Dentre as 103 entrevistadas,
35 indicaram ter alguma iniciativa mais
sistemática de tematizar os meios de
comunicação. Há grande variedade nas
estratégias de atuação em relação à mídia.
Algumas entidades, dotadas de maior
estrutura e, especialmente, de assessoria
de comunicação, buscam divulgar as suas
atividades e tematizar as abordagens dos
meios de comunicação sobre as temáticas
em que atuam:
E essa assessora de comunicação, ela faz
esse link com a mídia impressa, com a
mídia eletrônica e com a mídia televisiva, e
assim há sim uma articulação com a mídia
na medida da possibilidade.
Articulação junto a grande mídia lutando
justamente, quer dizer, pedindo, lutando,
implorando para que não generalize, e isso
praticamente uma vez por semana eu tiro
um dia para fazer essas comunicações e eu
mando para o Estadão, para todas as mídias.
Temos assim, nós temos uma pessoa que
cuida dessa parte de comunicação do
centro, fazer com que essa, esse trabalho do
centro se torne visível, gere uma discussão
política, uma opinião [inaudível de 0:20:31
até 0:20:40] boletim de circulação mensal,
de 1.000 exemplares que circula aqui na
cidade uma vez por mês, aonde a gente
divulga nossas ações, coloca um editorial
com nossas opiniões sobre assuntos
específicos, e também nós participamos,
criamos também uma, uma rádio
comunitária aonde também a gente faz
43
todo um trabalho voltado... com um grupo
de 35 jovens e adolescentes nessa área de
direitos humanos e cidadania, comunicação
voltada na defesa dos direitos humanos.
Além disso, em razão da expertise
acumulada pelas entidades de defesa de
direitos, muitas delas se tornam referência
para os próprios meios de comunicação,
que as buscam como fontes jornalísticas:
A gente já tem uma atuação ação pontual
com jornalistas já há algum tempo. Faz
pelo menos uns cinco anos que a gente
já... já é fonte confiável para os jornalistas,
então a gente tem um trabalho, é, é... um
diálogo permanente com vários jornalistas,
nos mais diferentes órgãos, nas TVs, nos
jornais, nos portais, é, a gente tem inclusive
uma assessoria de imprensa [...] quando
são suscitadas essas questões ligadas aos
direitos da população LGBT eles sempre
estão recorrendo à gente para pedir
subsídio para a matéria, ou então para
saber a nossa opinião. Esse é um trabalho
que a gente faz de alimentação de pauta,
sugerindo, muitas vezes quando está
próximo a determinadas datas a gente
sugere aos funcionários da imprensa que
pautem determinados temas
3.2.5 ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL
Ainda que, proporcionalmente, em
menor medida, outra linha de atividade
relevante para algumas atividades é o
atendimento psicossocial. Em 11 das 103
entidades entrevistadas, a prestação de
serviços por psicólogos e assistentes
sociais foi mencionada. Nesses 11 casos,
as entidades também realizam atividades
jurídicas e, dessa forma, conciliam o
atendimento psicossocial ao atendimento
jurídico dos públicos a que atendem. Os
dois tipos de atividade se complementam,
dessa forma, em uma mesma entidade:
A atuação profissional é uma atuação
interdisciplinar, têm advogados, assistentes
sociais, psicólogos, jornalistas, educadores,
então especialmente as intervenções
judiciais, elas são todas acompanhadas por
uma equipe interdisciplinar de psicólogos e
assistentes sociais que desenvolvem ações
para família, que desenvolvem relatórios,
que incidem diretamente na própria defesa
desses beneficiários.
Esse acompanhamento psicossocial,
as famílias chegam até nós, porque [a
entidade] trabalha numa perspectiva
de casos emblemáticos, porque não há
condições de pegar tudo, né? E o projeto,
20 casos emblemáticos, que através deles
seria possível trabalhar num sentido de
aprimorar e estruturar e melhorar o serviço
de atendimento da rede de proteção e
garantia de direitos, com base nesses
casos emblemáticos que nos chegam. As
famílias chegam e é feito um atendimento,
um acompanhamento psicológico das
crianças, das pessoas que foram vítimas
de violência ou abuso sexual, é feito um
acompanhamento pelas assistentes sociais
também, e na eventualidade que geralmente
é muito incomum que aconteça de
precisar judicializar, de precisar de alguma
orientação jurídica judicial ou extrajudicial
nós, da Assessoria Jurídica, entramos, seja
para ajuizar ações cíveis, para cessar de
alguma forma o contato do abusador com
a criança, para cessar de imediato o risco,
seja no acompanhamento de inquérito com
alguma medida cautelar de afastamento,
entrando com alguma medida protetiva
de urgência junto aos Conselhos Tutelares,
provocar os Conselhos Tutelares nesse
sentido [...] então é basicamente isso, o
trabalho intersetorial se resume à questão
do Serviço Social, da Psicologia e da
Assessoria Jurídica.
3.3 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO
O estudo do âmbito de atuação
das entidades que compõem a amostra
revela outro elemento da sua variedade.
As organizações apostam em estratégias
44
complexas na defesa de direitos, aliando
atividades jurídicas e comunitárias a
atuações políticas junto ao Legislativo,
ao Executivo e a Conselhos de políticas
públicas, em todos os níveis federativos.
Entre as entidades entrevistadas,
84 afirmam desenvolver algum trabalho
junto ao Legislativo, seja ele municipal,
estadual ou federal. Essas atividades vão
desde a disputa da agenda legislativa
do parlamento, lobby via determinados
representantes, o chamado advocacy,
a atuação em comissões, pressões
políticas por determinados projetos até o
encaminhamento de projetos de lei:
Essa é uma área em que a gente atua, e
sugere modificações em lei, a parte do
advocacy legislativo nosso. Por exemplo, o
Plano Nacional de Educação, a gente fez
uma formulação que inclusive foi apoiada
por várias instituições, inclusive a SEPPIR,
que é o órgão do Governo Federal que
cuida da igualdade racial, a secretaria de
igualdade racial, de políticas de promoção
da igualdade racial, e que tem status de
Ministério. A gente atua hoje [em] uma
comissão que avalia o projeto do novo
Código Penal, e naquilo que ele tem a
ver com a criminalização do racismo e
outras formas de intolerância. Então é um
outro exemplo que a gente está atuando,
formulando. E fizemos um grupo de
advogados do país todo, e que se reúne na
SEPPIR também, mas não é da SEPPIR, é
da sociedade civil, mas que a SEPPIR está
acompanhando, e inclusive incorporando
no seu discurso e nas suas medidas o que
essa comissão propõe.
Nós tivemos um projeto de lei encaminhado
à Câmara dos Vereadores [da cidade]
que, por sinal, saiu frustrado, agora está
em estudo um projeto de lei que estamos
elaborando para o Estado [...] Então
estamos elaborando um projeto de lei
para o Estado que eu acho que até o fim
do ano vai ser discutido na assembleia,
para conseguir o uso dessas áreas que o
Estado mantém o domínio público e estão
sendo ocupadas por população de baixa
renda, nas favelas, nos assentamentos,
acampamentos rurais, por aí.
Há entidades para as quais essa
atividade é ainda mais central. Um
exemplo é o acompanhamento, na íntegra,
da atividade legislativa em determinada
matéria, dedicando recursos e estrutura da
entidade a essa atividade:
Tem alguns projetos, eu acho que o mais
impactante de todos é esse, o projeto em
Brasília, onde a gente acompanha mais
de 1.000 projetos de lei na Câmara e no
Senado, que tenham repercussão, que
tenham e que resvalem de qualquer forma
em questões de direito penal, direito
processual penal, política penitenciária,
política criminal, segurança pública,
violência urbana... então a gente tem
um software de acompanhamento, tem
pessoas contratadas para acompanhar
dentro desses tantos, 1.040 projetos
atualmente, a gente seleciona enquanto
rede projetos prioritários, seja pela
temática, seja pelo momento de processo
legislativo que ele esteja, seja mais
premente a atuação, e aí nesses projetos
a gente tem funcionários contratados pela
rede, que fazem pareceres, notas técnicas,
tem uma funcionária contratada que fica
em [cidade] fazendo articulação política,
e aí representantes dessas instituições vão
uma vez por mês à [cidade], se reúnem
com deputados, senadores e assessores
parlamentares para discutir ou emendas no
projeto de lei, ou tentar barrar a aprovação
do projeto, tentar encampar um projeto
que a gente pensa e que a gente redige,
e aí tenta procurar algum parceiro para
propor aquele projeto.
Junto ao Executivo, 64 das 103
entidades afirmam ter algum tipo de atuação,
igualmente nos três níveis. Tal atuação vai
desde a participação em conferências de
políticas públicas até a implementação
45
de determinadas políticas públicas e a
capacitação de agentes do Estado:
A gente tem o programa junto à prefeitura,
polícia militar e à universidade federal
que esse programa tende a procedimento
multidisciplinar para a abordagem domiciliar
em casos de violência que acontece dentro
da família, então a viatura vai, sempre
com um policial, assistentes sociais, uma
psicóloga, geralmente três profissionais
sendo um deles policial e temos agentes
da prefeitura envolvidos também nesse
programa, então é um programa que
envolve todos esses parceiros.
Participamos das conferências municipais,
estaduais e das nacionais, e, nas nacionais
é onde vão se elaborando as políticas
públicas e a gente sempre está colocando
essa questão de orientação sexual,
identidade de gênero, LGBT, levando as
nossas necessidades para serem discutidas
e se articulando com outros movimentos de
mulheres, de negros, de índios.
Com os Conselhos de políticas
públicas, foi identificada a participação de
49 entidades. A presença em conselhos
ocorre nos três níveis: municipal, estadual e
local. O foco de atuação nos conselhos é a
área temática da entidade ou em espaços
amplos, como os Conselhos Estaduais
de Defesa dos Direitos Humanos (ou da
Pessoa Humana – CONDEPE).
Tabela 9. Âmbito de atuação
das entidades
Âmbito Número de entidades
Legislativo 84
Executivo 64
Conselhos 49
3.4 HISTÓRICO
As entidades de defesa de direitos
que compõem a amostra têm históricos
bastante variados. Nota-se um número
crescente de entidades em cada uma das
décadas identificadas na amostra: apenas
duas entidades entrevistadas foram
fundadas entre os anos 1950 e 1960; 12
entidades foram criadas nos anos 1970;
outras 20 durante os anos 1980; 35 nos
anos 1990; e 34 a partir do ano 2000. As
entidades mais recentes que compõem a
amostra foram três organizações criadas
no ano de 2010.
Tabela 10. Ano de fundação
das entidades
Década de fundação Número de entidades
1950 1
1960 1
1970 12
1980 20
1990 35
2000 34
O ano de fundação é elemento
interessante à compreensão das atividades
desenvolvidas pela entidade e dos seus
temas de atuação. Na amostra construída,
21 entidades foram criadas durante o
período da ditadura civil-militar no Brasil
(de 1964 a 1985). Em sua maioria, essas
entidades seguem atuantes em temas de
defesa de direitos sociais tradicionais,
como conflitos fundiários urbanos e rurais
(11 delas), e em questões de violência
institucional conectadas com o seu período
de fundação, tais como tortura perpetrada
por agentes estatais e violência policial
(9 entidades). A presença ativa de muitas
dessas entidades pôde ser identificada,
também, no processo de redemocratização
do País, seja nos movimentos contra a
ditadura, seja na Assembleia Constituinte
de 1987-1988.
Entre as 78 entidades criadas a partir
do final da década de 1980, percebe-se o
surgimento de novas demandas por direitos.
Questões até este momento histórico
ausentes das atividades das entidades, ou
presentes em menor proporção, adquirem
46
maior importância. Por exemplo, entre as
entidades criadas a partir de 1988, os temas
mais recorrentes ao lado daqueles também
desenvolvidos por entidades mais antigas
são a defesa de crianças e adolescentes (20
entidades), gênero (14 entidades), saúde (12
entidades), meio ambiente (10 entidades),
indígenas (8 entidades), entre outros.
3.5 ESTRUTURA INTERNA
A amostra construída pela pesquisa
também apresenta importante variação
quanto à estrutura interna das entidades:
a sua forma de organização e composição.
Poucas entidades que compõem a
amostra não estão formalizadas enquanto
pessoa jurídica. Entre estas se incluem,
especialmente, movimentos sociais e redes
de entidades ou advogados populares.
Em relação ao número de integrantes
envolvidos nas organizações, a amostra é
composta de entidades muito pequenas
(com até 10 integrantes, como foi
identificado no caso de, pelo menos, 15
entidades), passando por organizações
de porte intermediário, e até organizações
com mais de uma centena de profissionais.
Há, ainda, entidades que contam com mais
de duas centenas de integrantes (como
no caso de uma extensão universitária
em direito), ou que adotam uma estrutura
executiva enxuta (com menos de 10
membros), mas incluem uma ampla base
de “associados” que são os próprios
“beneficiários” da entidade, ou uma vasta
rede de voluntários, como no caso de uma
entidade com mais de 300 advogados
voluntários a ela vinculados.
Com relação ao perfil de composição
do pessoal das entidades, nota-se que a
maioria é multidisciplinar. Dentre as 103
entrevistadas, apenas 26 são compostas
exclusivamente de advogados e/ou
estudantes de direito. No caso das outras 77
entidades, percebe-se a presença frequente
de outros profissionais nas atividades-fim
da organização. Destaca-se a presença de
psicólogos (em 19 entidades), assistentes
sociais (em 14), educadores (em 11) e
cientistas sociais (em 8 entidades), além da
atuação de profissionais de outras áreas, tais
como agronomia, biologia, comunicação,
arquitetura, turismo, relações internacionais
e administração. Assim como foi
identificado na trajetória dos respondentes,
as instituições religiosas também têm papel
relevante em fornecer pessoal para as
entidades de defesa de direitos.
A presença de advogados na estrutura
de pessoal foi identificada em 80 das 103
entidades entrevistadas. Em 28 casos, as
entidades possuem assessoria de imprensa
ou de comunicação especializada.
Profissionais encarregados de funções
administrativas, tais como contabilidade,
serviços gerais e secretariado foram
identificados em 61 entidades.
Tabela 11. Perfil da composição
da entidade
Perfil de composição Número de entidades
Estrutura composta exclusivamente de advogados e/ou estudantes de direito
26
Estrutura multidisciplinar 77
Entidades com pelo menos um advogado
80
Entidades sem advogados 23
Entidades com assessoria de imprensa 28
Entidades com funções administrativas 61
Outro indicador da variedade de
condições das estruturas das entidades
que compõem a amostra é o vínculo dos
integrantes com a organização. Em 63 delas,
foi identificada a existência de profissionais
com dedicação exclusiva à entidade, em
especial com vínculo empregatício. No caso
de 60 entidades, foi identificado o recurso
a trabalho voluntário, em complementação
47
aos profissionais contratados ou mesmo
como única fonte de recursos humanos.
Estes dados revelam uma amostra
que inclui entidades com distintos graus de
profissionalização quanto à sua estrutura
de pessoal. Pelo menos 31 entidades
podem ser identificadas como tendo alto
grau de profissionalização, uma vez que
possuem, cumulativamente, advogados
na organização, assessoria de imprensa,
estrutura administrativa e profissionais em
dedicação exclusiva. Exemplos desse tipo
de estrutura podem ser identificados nas
seguintes descrições oferecidas por quatro
entrevistados distintos:
Nós trabalhamos hoje, atualmente, com
cinco advogados na organização, temos
assistentes sociais, jornalistas, temos
pedagogos [...]. No campo administrativo,
nós temos motoristas, nós temos
secretaria executiva composta de agentes
administrativos, secretária e contador.
Nós somos compostos de três
coordenadores [...]. Nós temos três
gerentes de área, que são administradores
das áreas: um do coletivo, um do individual
e outro da mediação, que eles vão ajudar a
coordenar o dia a dia dos advogados e dos
estagiários. Fora isso, nós temos o nosso
corpo administrativo, nossas secretárias
que nos auxiliam [...]. A gente tem esses
convênios e a gente [...] precisa ter alguém
preparado para lidar com convênios com
órgãos públicos, e nós temos secretárias
também que nos auxiliam no dia a dia.
Advogados, alguns contratados pela
instituição [...] e outros contratados como
autônomos vinculados ao convênio com a
Defensoria Pública.
Tem uma área administrativa, ela tem
uma superintendência que sou eu, geral,
e duas superintendências adjuntas, uma
superintendência adjunta que faz toda
a parte de administração, de controle de
contratos, de apoio ao meu trabalho, e uma
superintendência que faz o relacionamento
com as empresas, porque na verdade a
gente vive dos serviços que a gente presta
para as empresas, [...] nós temos a nossa
gerente que está de licença, eu tenho
quatro advogados e um estagiário.
Tem a área jurídica, [...] tem a área de
testes e pesquisas [...]. Uma área de
comunicação. [...] também a mobilização,
que é a área de campanhas [da entidade]
[...]. É uma subárea, de campanhas, que
está dentro da comunicação. Tem uma área
de marketing, que está ligada aos eventos
[da entidade]. E são eles que fazem os
eventos [da entidade], que também
criam as parcerias, é mais um marketing
institucional, marketing relacional. A própria
coordenação executiva. Então é isso. O
organograma é Coordenação Executiva,
Área Jurídica, Área de Relacionamento,
Área de Testes e Pesquisas, o Marketing
é uma assessoria. Tudo isso que eu
estou falando é gerência. Gerência
Jurídica, Gerência de Relacionamento,
Gerência de Testes e Pesquisas, Gerência
de Comunicação, e Gerência de
Desenvolvimento Organizacional, que é
o financeiro, administrativo, do IDEC, e o
RH. E a Gerência Jurídica, como eu já falei,
cuida das ações judiciais, da produção
de conteúdo relacionado à orientação
[da entidade], a orientação de todos os
temas [da entidade], assessora a própria
coordenação executiva em questões
tributárias, questões administrativas,
estatutárias [...].
A amostra integra, ainda, 41 entidades
a que se pode atribuir um grau intermediário
de profissionalização, tendo em vista que
congregam alguns elementos estruturais
importantes, mas não em sua totalidade.
Ilustrações desse perfil de entidade podem
ser vistas, por exemplo, nos casos em que
a limitação de orçamento compromete
a profissionalização de um determinado
aspecto da estrutura. Em uma entidade,
48
por exemplo, o vínculo de determinados
profissionais não é de dedicação exclusiva:
pela questão de verba, [a entidade] só
funciona meio expediente, de meio dia às
18 horas... todas as pessoas trabalhando
neste horário aqui […] Quem tem a maior
carga horária é de 30 horas e alguns ainda
têm uma carga horária menor por questões
financeiras da entidade. Então, assim,
trabalham menos tempo aqui também,
que é a jornalista e a psicóloga, que faz o
monitoramento e um acompanhamento
dos alunos.
Em outra entidade, também por razão
financeira, os advogados contratados
exercem funções que, em outro
momento histórico da organização, eram
desempenhadas por outros integrantes:
possui uma equipe contratada de
advogados, educador popular, secretário,
estagiários. Em alguns momentos já teve
pessoas de outras áreas, por exemplo,
relações internacionais, jornalismo, mas
atualmente, a essência é a mesma, mas já
teve uma outra função diferenciada. Então
sobra para nós que estamos aqui fazer todas
as outras funções e que nos ajuda a ter uma
visão maior do trabalho. Não posso me dar
ao luxo, por exemplo, como advogado de
não participar de um trabalho de formação
com jovens ou como alguém da área do
direito, falar que não vou interagir com
meio de comunicação, que é site, redes
sociais, Facebook etc... Então a gente tem
a postura de saber o papel de cada um,
também ter uma visão multidisciplinar e
fazer a formação do próprio grupo em
áreas que a gente não consegue ainda ter
departamentos e complementar com apoios
de colaboradores, voluntários esporádicos.
Outro exemplo identificado nas
entrevistas foi o desaparecimento de
estágios remunerados em outra entidade,
que passaram a ser voluntários, e da função
de secretariado:
Não tem mais secretária e não têm mais
estagiários. Os estagiários que têm são
voluntários. E hoje a gente tem uma equipe
mesmo, fixa, de funcionários [...] e tem 3
pessoas, fora os estagiários voluntários.
No mesmo sentido, outra entidade
aponta que a atividade jurídica da entidade
depende de advogados voluntários, ainda
que já tenha contado com advogados
contratados em outro momento:
Atualmente trabalhamos com advogados
voluntários. Nós temos seis advogados
ligados [à entidade], esses que tão
contribuindo nessa área jurídica e duas
pessoas contratadas: que é um articulador
e um administrativo, que é quem executa
as ações ali do dia a dia, mas nós já
tivemos uma equipe maior. Nós já tivemos
lá advogados, articulador, administrativo.
[...] Aliás, tinham dois articuladores, um
administrativo e um advogado.
Por fim, entidades com baixo grau
de profissionalização foram identificadas
em outros 31 casos. Nestas, os elementos
estruturais mencionados – advogado na
entidade, assessoria de imprensa, funções
administrativas, vínculos empregatícios e até
estrutura física (sede) – estão completamente
ausentes ou, no máximo, presentes de forma
isolada. Quatro entrevistas são ilustrativas
desse perfil de entidade:
A gente não é remunerado pela [entidade],
todo mundo tem uma vida profissional fora
(eu tenho escritório, o [outro integrante]
trabalha como Técnico de Segurança do
Trabalho). Cada um tem uma atividade
fora desse universo da [entidade] e ainda
trabalha aqui dentro. O tempo que teria,
supostamente livre, é ocupado aqui dentro.
É uma entidade que não é filantrópica, é
uma entidade que vive de vontades. Então
ela não tem um perfil profissionalizado de
seus membros. Cada um trabalha quando
tem tempo livre.
49
Atualmente, nós somos um grupo de
referência aqui na entidade, somente dois
são liberados pela entidade, mas tem um
grupo de oito, pontualmente, quando
precisa a gente tem o apoio deles, além
dos estagiários, então a gente faz toda a
coordenação dessa parte mais jurídica. [...]
Aí, além dessas sete pessoas, seis pessoas,
aí têm aqueles que prestam serviços
pontualmente, instrutores de... de geração
de trabalho e renda, de capoeira, de teatro,
assistente social, aí tem a equipe jurídica,
ao todo, atualmente a equipe interna
do centro são 28 pessoas... 28 pessoas
distribuídas nessas equipes.
3.6 FINANCIAMENTO
O quarto elemento fundamental à
compreensão de quem são as entidades de
defesa de direitos que compõem a amostra
e, igualmente, de evidência da sua variedade,
é a origem do financiamento obtido por
essas organizações. Nas entrevistas,
as entidades foram perguntadas sobre
como são financiadas. As respostas foram
agrupadas em cinco grandes categorias:
(i) financiamento internacional (público ou
privado), (ii) financiamento público nacional,
(iii) financiamento privado nacional, (iv)
doações (de pessoas físicas e contribuições
dos membros da entidade), e (v) produtos
e serviços (comercializados pela entidade).
A maioria absoluta das entidades apontou
obter recursos junto a financiadores
internacionais (68 entidades) e/ou recorrer
ao financiamento público nacional (68
entidades). Apenas 16 entidades do universo
de 103 estudadas não acessam qualquer
dessas modalidades de financiamento,
recorrendo exclusivamente a doações ou,
em apenas um caso, também à venda de
produtos e serviços. A terceira forma mais
recorrente de financiamento identificada
foram as doações e as contribuições, em
41 casos. Para 21 entidades, o recurso à
comercialização de produtos e serviços
também é fonte de renda. O financiamento
oferecido por agentes privados nacionais
foi a origem menos observada na pesquisa,
em apenas 19 das entidades entrevistadas.
Tabela 12. Origem do financiamento
das entidades
Origem do financiamento Número de entidades
Internacional (público ou privado) 68
Nacional público 68
Doações e contribuições 41
Produtos e serviços 21
Nacional privado 19
Em cada categoria de origem,
há determinados financiadores que se
destacam. No plano internacional, quase
1/3 das entidades que recebe verba de
fora do Brasil (21 entidades) teve ou tem
financiamento da Misereor, organização
vinculada à igreja católica alemã, e/ou da
Fundação Ford, entidade filantrópica de
origem estadunidense. Órgãos vinculados à
Organização das Nações Unidas, tais como
a ONU Mulher, o Fundo Voluntário das
Nações Unidas para as Vítimas de Tortura
e o Fundo de Democracia, aparecem como
financiadores de sete entidades. A Brazil
Foundation, entidade não governamental
baseada nos Estados Unidos, financiou
outras cinco entidades da amostra.
No plano nacional, os principais
financiadores públicos são o Governo
Federal, que aparece em 33 entidades,
e os governos estaduais, em 17 casos.
Dentre os financiadores de âmbito federal,
a origem mais recorrente mencionada nas
entrevistas foi a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República,
em 13 casos. Ainda na categoria de
financiamento nacional, mas no plano
privado, aproximadamente 1/3 das
entidades recebe apoio de fundações de
famílias ou empresas brasileiras.
50
O financiamento por meio de
produtos e serviços também é variado. Para
11 entidades, a realização de consultorias e
cursos de capacitação para contratantes
públicos e privados é um meio de financiar
a entidade. A venda de produtos, como
publicações e camisetas, além da realização
de bazares e brechós, aparece como meio
de financiamento de 11 entidades.
As formas de financiamento são um
importante indicador da multiplicidade de
tipos de entidades de defesa de direitos,
tendo em vista que se relacionam com a
estrutura da entidade e até mesmo com as
suas áreas e formas de atuação. A amostra
estudada pela pesquisa oferece uma
importante ilustração neste sentido. Entre
as 68 entidades que recebem ou receberam
financiamento internacional, somente oito
se enquadrariam em um perfil de estrutura
com baixo grau de profissionalização.
Paralelamente, 33 dessas entidades
apresentavam alguns elementos de
estrutura, o que as colocaria em um nível
intermediário, e outras 27 indicaram possuir
todos os fatores estruturais abordados
na pesquisa, sendo, assim, de alto grau
de profissionalização. Ao contrário,
analisando-se o perfil das 35 entidades
que não têm acesso ao financiamento
internacional, vê-se que a relação é inversa:
destas, 18 poderiam ser enquadradas como
tendo baixo grau de profissionalização, 10
como tendo médio grau e apenas 4 como
possuindo todos os elementos de estrutura
avaliados. O financiamento internacional,
assim, está relacionado com os tipos de
estrutura das entidades estudadas.
Outros dois elementos relacionados
à origem do financiamento são o tema de
atuação da entidade e as atividades que
desenvolve. O financiamento internacional
tem fundamental importância em dois grupos
de temas: conflitos fundiários (urbanos, rurais
e envolvendo indígenas e comunidades
tradicionais) e violência institucional. Entre
as 42 entidades que afirmam atuar em
temas de conflitos fundiários, 30 recebem
financiamento internacional e 33 recebem
financiamento nacional público. De maneira
semelhante, entre as 30 entidades que
atuam com temas de violência institucional,
20 delas recebem verba internacional para
se manter e/ou recursos nacionais públicos.
Com relação às atividades desenvolvidas,
em pelo menos cinco entrevistas foi
mencionado explicitamente que a atividade
jurídica da entidade é mantida unicamente
com recursos internacionais. Isso porque
os recursos nacionais, frequentemente na
forma de editais e projetos com tempo
exíguo, seriam incompatíveis com a atividade
judicial. Essa percepção identificada nas
entrevistas reverbera nos dados sobre os
perfis das entidades: entre as 68 entidades
que recebem financiamento internacional,
quase a totalidade (64) declara ter atividade
jurídica; contrariamente, entre as 35 que
não acessam recursos de fora do Brasil,
aproximadamente 2/3 (26) têm atividade
jurídica. Dessa forma, o financiamento
internacional parece estar associado
não apenas a um perfil de entidade e a
determinados temas, mas, também, à
possibilidade de atuação jurídica.
A correlação entre a origem do
financiamento, o perfil da entidade, a sua
temática de atuação e atividades que
desenvolve adquire ainda mais importância
a partir do que os entrevistados
identificaram serem as maiores dificuldades
relacionadas à manutenção econômica das
entidades. As dificuldades identificadas
nas entrevistas podem ser agrupadas
em pelo menos seis eixos: (a) a saída do
financiamento internacional do Brasil; (b)
conjuntura econômica internacional; (c)
os entraves burocráticos do financiamento
51
nacional público; (d) a falta de uma cultura
de financiamento nacional privado; (e)
alguns bloqueios temáticos; e (f) as
particularidade da atividade jurídica.
3.6.1 A SAÍDA DO FINANCIAMENTO
INTERNACIONAL DO BRASIL
Em pelo menos 37 das entrevistas
realizadas, uma das principais dificuldades
de financiamento da defesa de direitos
no Brasil apontada foi o fenômeno,
relativamente recente, da saída do
financiamento internacional do País. Os
recursos da cooperação internacional
estariam, pelo menos desde meados da
década de 2000, sendo redirecionados
para a Ásia e a África. Algumas das razões
sugeridas para explicar esta migração de
recursos seriam a melhora dos índices
socioeconômicos do Brasil, o crescimento
da economia e a inserção do País como um
ator de peso na economia global, inclusive
sendo fonte e não apenas destino de verbas
de cooperação internacional. Ilustrações
dessa preocupação podem ser retiradas de
diversas entrevistas:
Cada vez mais essas agências financiadoras
internacionais estão retirando seu foco do
Brasil. A partir dos Governos do Presidente
Lula, a gente viu que o Brasil passou a
ter uma imagem assim, exterior, de um
país emergente, e isso tem soado lá fora,
como se diversos problemas que nós
ainda enfrentamos aqui estivessem sendo
superados ou a caminho de uma superação.
Então essas agências financiadoras têm
colocado seu foco mais no continente
asiático, no continente africano [...] E como
a gente está tendo esse problema com a
questão do financiamento internacional,
que também se agrava com a questão da
valorização da moeda brasileira, um projeto
de certo valor em euros que a gente tinha
10 anos atrás, o valor hoje é bem menor.
a captação de recursos vai ser um tema
que a gente vai ter que desenvolver muito
forte porque a gente percebe que é cada
vez mais difícil o apoio internacional
pela questão de o Brasil ter essa visão
internacional de pujança, de protagonismo
dentro da América Latina, e é muito pela
propaganda também do governo Lula, do
Brasil ser um doador, mesmo na questão
da Europa hoje, Espanha vivendo, França
vivendo uma situação econômica difícil,
a gente sabe que a captação de recurso
começa a ficar difícil.
É um tanto quanto complicado para
a maioria das agências internacionais
compreenderem que diante das crises
internacionais que seus próprios países
têm enfrentado, com a redução dos seus
próprios orçamentos de cooperação,
e com o Brasil, chegando à posição de
global player bastante diferenciada, como
o próprio Estado não consegue favorecer
este tipo de efetividade aos direitos
humanos. Então durante, mesmo durante
o processo de redemocratização do país,
década de 1980, há mais de 20 anos, quase
30 anos, a cooperação internacional tem
dedicado esforços ao Brasil e é como se
dissessem assim “Agora está na hora de
vocês caminharem com as próprias pernas”,
só que eles esquecem que isso é um pouco
complicado para nós das organizações. De
uma forma crítica, olhando também para a
sociedade civil, percebe-se que a sociedade
civil um tanto quanto se acostumou a ser
financiada pelas agências de cooperação
internacional e não buscou de alguma
maneira um processo mais dinâmico ou
criativo de encontrar recursos para a sua
sustentabilidade ou mesmo para favorecer
a sua atuação nas mais variadas áreas,
então este movimento chega agora de
uma forma um tanto quanto brusca para
a maioria das organizações, ao ponto de
nós observarmos que, infelizmente, muitas
organizações, até mesmo já consolidadas
da sociedade civil, tendo que fechar as
portas porque não conseguiram favorecer
essa dinamicidade, essa criatividade da
52
busca de uma sustentabilidade já que
ficaram por completo dependentes da
estrutura das agências de cooperação
internacional. E muitas já na atualidade têm
saído mesmo, as sedes representantes do
Estado brasileiro, e têm se encaminhado
para outras regiões, em especial, ou outros
países considerados mais específicos na
América Latina, na região da África, e até
mesmo no continente asiático.
3.6.2 CONJUNTURA ECONÔMICA
INTERNACIONAL
Outro elemento de dificuldade
para as entidades de defesa de direitos
entrevistadas, também relacionado
ao financiamento internacional, é a
conjuntura econômica internacional.
Alguns entrevistados apontaram para dois
fenômenos da conjuntura que estariam
relacionados à redução dos recursos
internacionais no Brasil. Primeiro, os
graves impactos da crise financeira no
Norte global teriam retirado recursos dos
financiadores, tradicionalmente originários
da Europa e dos Estados Unidos. Segundo,
a valorização da moeda brasileira frente ao
dólar e ao euro desvalorizaria, em alguma
medida, o financiamento obtido no exterior.
Assim, os recursos captados em dólar e em
euro que, há alguns anos, teriam grandes
potenciais, hoje não possibilitam as mesmas
atividades, em razão do fortalecimento da
economia brasileira:
hoje só temos o Fundo de Combate à
Vítima de Tortura, que é da ONU, e que
infelizmente o valor tem reduzido, porque
a gente recebe em dólar, e o valor tem sido
cada vez mais reduzido. […]
3.6.3 ENTRAVES BUROCRÁTICOS
DO FINANCIAMENTO NACIONAL
PÚBLICO
Dificuldades relacionadas à
formulação de projetos e à prestação de
contas de financiamento obtidos junto a
órgãos públicos em âmbito nacional foram
mencionadas em, ao menos, 22 entrevistas.
Segundo alguns entrevistados, há barreiras
importantes ao acesso a recursos, em
especial a necessidade de tempo e expertise
para construir projetos, notadamente em
entidades menos profissionalizadas, que
não têm pessoal dedicado exclusivamente
a essa tarefa:
A nossa maior dificuldade não é financeira
[...], mas é porque a gente às vezes até
perde editais de financiamentos por falta
de gente para sentar [...] e fazer projetos
ter qualificação, competência técnica
pra fazer, tem muita gente boa, mas que
às vezes não sabe fazer um projeto. Eu
não posso parar de dar aula, ganhar meu
sustento para fazer isso, tenho feito muito,
então a nossa maior carência é recurso
dinâmico [...] o dinheiro também resolveria
isso porque contrataria alguém.
A gente não tem tempo de fazer projeto,
só para você ter uma ideia. Não temos
estrutura. Tem entidade que tem estrutura
só para fazer projeto, nós não temos
ninguém que tenha essa expertise. Porque
aqui se trabalha muito, muito, não tem nem
tempo para correr atrás de dinheiro.
Não apenas a “porta de entrada” do
financiamento público no Brasil é vista
como dificultosa, mas também a de “saída”,
isto é, os controles sobre prestação de
contas. Diversas entrevistas apontam para
uma regulação excessivamente burocrática
e rígida sobre a prestação de contas das
entidades, como, por exemplo o Sistema
de Gestão das Transferências Voluntárias
da União (SICONV). As exigências seriam
idênticas àquelas impostas a empresas,
e comprometeriam, elas mesmas, o
financiamento a que visam fiscalizar:
O próprio Estado estabelece regras tão
específicas que a gente hoje acaba...
você pega determinados recursos, no
53
mínimo 30%, 40% dos recursos vão ser
empregados só na contabilidade, nas
prestações de contas.
Nós precisamos de marco jurídico próprio
pras Entidades, porque através do marco
jurídico que nós temos hoje as ONGs,
Governos e Prefeituras ficam no mesmo
patamar e a gente sabe que as ONGs não
têm a mesma estrutura que uma prefeitura
então ela tem mais dificuldade na hora de
realizar convênios, dada as exigências que
são feitas.
A questão é que a maioria desses recursos
é carimbada para projetos específicos.
Primeiro. E segundo que esses recursos
que são provenientes de convênio com
o Estado, respondem à lei de licitações.
Então isso descaracteriza completamente
o trabalho político das organizações, e as
coloca em uma armadilha de prestação
de contas, como se elas fossem uma
empresa, e tal, o que dificulta muito. Muitas
organizações, a maioria delas, não têm
capacidade técnica para isso.
Além disso, segundo alguns
entrevistados, determinadas exigências
burocráticas seriam incompatíveis com as
atividades-fim da entidade financiada. Um
exemplo identificado em uma entrevista
chama a atenção para o fato de que, se um
membro da entidade ocupa uma posição
em um conselho de políticas públicas – o
que seria uma atividade central para a
entidade –, a organização a que ele está
vinculado não pode obter financiamento
junto àquele ente federativo:
Tem uma coisa interessante, a gente
acaba sendo penalizado porque existe
um acórdão no TCU de que quando você
está no conselho, por exemplo, como no
CONAD, que é o Conselho da Secretaria
de Direitos Humanos, da SNDH, você não
pode conveniar com a SNDH, então você
acaba sendo penalizado por fazer defesa
de direitos. [...] A gente tem, assim, muito
pra fazer e pouco fôlego pra financiar. Isso
não é culpa nossa, isso é culpa de uma
legislação que não contempla.
Outro exemplo, ainda neste sentido,
seria a ausência de flexibilidade para
financiar determinadas necessidades da
entidade:
É muito difícil que eles [financiadores
públicos nacionais] aceitem custear
as despesas de custeio normais... Uma
secretária, nós não temos uma secretaria e
fica muito difícil acompanhar. A jornalista,
ela acaba fazendo muita coisa que a
secretária trabalha, o que atrapalha o
trabalho dela. Porque eles geralmente
não aceitam essas, que são despesas de
atividades, mas que sem elas a atividade
não é tocada.
Adicionalmente, em alguns casos,
dificuldades relacionadas ao financiamento
nacional público seriam decorrentes do
distanciamento da realidade da atividade
financiada. Em um exemplo oferecido por
um entrevistado, o financiamento de uma
atividade com um determinado público
foi encarecido porque, caso contrário, não
haveria forma de justificar as despesas:
Outra dificuldade é que como a gente
trabalha com comunidades quilombolas, se
eu for fazer uma oficina nas comunidades
quilombolas no território do sapê do norte
no norte do Estado do Espírito Santo, o
pessoal não come pão lá, então eu não
vou ter nota fiscal. Se eu for fazer lá na
comunidade, como seria melhor pra gente,
porque fazendo na comunidade a gente
podia de repente fazer um trabalho, um
curso com 100 pessoas, mas eu não posso
fazer isso porque pra fazer lá eu vou ter
que comprar pra eles comerem mandioca,
aipim. Mas aí eu não vou ter nota fiscal pra
fazer prestação de contas, então dançou.
O que eu tenho que fazer? Tenho que ir
pra um hotel em [outra cidade], colocar
20 pessoas por um custo que é o dobro
do que seu eu fizesse lá na comunidade. A
gente pensa, na verdade com isso daí eu
54
estou fazendo só pra favorecer o suporte,
o mecanismo turístico d[a outra cidade]
porque quem vai ganhar é o cara do hotel,
não os quilombolas. Então a gente começou
a dizer “não vamos mais querer isso não”.
Hoje, que eu saiba, nós não temos nenhum
(financiamento com recursos públicos) por
conta dessas coisas.
A morosidade na renovação de
convênios com o Poder Público seria outro
elemento de dificuldade, na visão das
entidades de defesa de direitos:
A gente faz um planejamento financeiro
e isso daí vai de acordo com a queda ou
não da moeda e temos convênio com o
Governo Federal, Governo do Estado e
alguma coisa com o Governo Municipal.
A questão principal é realmente essa
questão da renovação, muita dificuldade, a
questão da prestação de contas também
é sempre muito séria, porque cada vez
que a gente faz uma prestação de contas
é de um jeito. Isso eu falo dos Governos.
Cada vez que a gente faz de um jeito, eles
querem de outro jeito e as renovações dos
Convênios são sempre muito traumáticas,
muito difícil. Eu acho que essa é a principal
dificuldade [...] São as financiadoras que,
às vezes, ficam emperrando o dinheiro
por um monte de formalismo, renovação
de convênio, principalmente os Órgãos
Públicos: Secretarias, Município, o Estado
em União mesmo
3.6.4 FALTA DE CULTURA DE
FINANCIAMENTO NACIONAL
PRIVADO
Para alguns entrevistados, outro tipo
de dificuldade relacionada ao financiamento
seria a ausência de um setor privado, no
Brasil, mais atuante no suporte às entidades
de defesa de direitos, tanto do ponto de
vista de pessoas físicas quanto de empresas:
É complicado você conseguir dinheiro
brasileiro quando você fala em direitos
humanos. É uma coisa que ainda não está
na cultura das Fundações brasileiras, dos
empresários, dos doadores.
Mas ainda não tem uma democracia
consolidada, [...] uma sociedade que faça
com que os indivíduos doam para os
fundos, que os fundos sejam acessíveis,
que eles possam descontar do seu imposto
de renda. Que é como acontece nos outros
países, em que deram esse passo. Eu acho
que isso precisa ser feito no Brasil [...].
Internamente nós não temos ainda uma
cultura de doação, ou seja, a sociedade civil
brasileira, fora aqueles como eu e outros
que se envolvem diretamente no trabalho,
criam ONG’s, trabalham voluntariamente
para alguma coisa, nós temos pouca cultura
para doação de alguma coisa, de apoio
da sociedade a organizações autônomas
da sociedade. Isso não está na cultura
do brasileiro, sobretudo em trabalhos de
política, que é o que a gente faz, né?
3.6.5 BLOQUEIOS TEMÁTICOS
Adicionalmente, alguns entrevistados
apontaram para a existência de bloqueios
a determinados temas de atuação. Em
certas áreas, a obtenção de financiamento
enfrentaria a dificuldade de não ser bem
aceita perante os financiadores, sejam
eles públicos ou privados, nacionais ou
internacionais, em diversas temáticas.
Em questões LGBT, por exemplo:
A gente percebe que determinadas
temáticas não são bem vistas, né, se você
quer trabalhar no âmbito dos direitos da
criança com, sei lá com educação infantil,
com mortalidade infantil, com crianças
em situação de recolhimento institucional,
esses recursos costumam ser mais fáceis,
mas trabalhar com menino que comete
infração, com adolescente LGBT, [...] isso
normalmente é muito difícil de conseguir
recurso, né, assim, o mundo da infância
inclusive é um mundo que tem muitas
organizações financiadoras que são
55
religiosas, então é, há uma dificuldade
temática né, de haver financiadores pra
essas temáticas
O preconceito. Não querer ligar a marca à
questão LGBT. Questões que a gente acaba
esbarrando no dia a dia, como qualquer
outra questão; como HIV acontece, e
como outras questões. É bonitinho você
fazer um trabalho com criança, com meio
ambiente, com idoso – não é? Isso é fácil
você conseguir [financiamento]. Agora,
questões mais polêmicas e mais... não é?
Essas minorias sempre ficam para trás.
Como a gente trabalha com uma matéria
que é de fronteira, nós temos instituições
que não querem se vincular com a matéria
e com a discussão e com essa bandeira. O
arco-íris, apesar de ter um conjunto de cores
muito bonito, não é bem aceito quando
quer colocar a tua cara estampada ali.
Em temas cujo impacto é visto como
menos “concreto”:
Então é até mais fácil “Eu doo para
os velhinhos, para uma associação
filantrópica, eu sei que o dinheiro vai ser
usado para dar comida para uma criança,
uma coisa bem concreta, mas realmente
as pessoas não dão dinheiro para quem
trabalha na defesa dos direitos dos
idosos, entendeu? Ou quem trabalha na
defesa do direito das crianças, é mais
difícil, porque é mais imaterial.
Em temas que tencionam mais
claramente as instituições públicas,
como o modelo econômico e a violência
institucional, respectivamente:
Então tu vai botar o dedo na ferida
e muitas vezes atacar o interesse do
próprio Estado. Então, principalmente
nessa política desenvolvimentista que
vem sendo posta em prática no Brasil,
houve nos últimos anos um corte total
de apoio à construção de entidades que
estivessem voltadas pra isso.
[...] Outra dificuldade que nós temos
específica da [entidade]: não tem
empresa, não tem ONG, não tem
instituições internacionais ou nacionais,
que se preocupem mais com tortura, o
que dá impressão é de que não existe mais
tortura no Brasil. Então a moda agora é
o desenvolvimento sustentável, então a
moda agora é o meio ambiente, então
todas as empresas querem fazer a sua
função social e trabalhar com a questão
do meio ambiente, ainda tem a coisa do
bonito, para o inglês ver, que é aquele
trabalho com criança e adolescente,
então também a demanda para criança e
adolescente é maior. Então eu vejo essas
duas áreas que sempre estão crescendo,
hoje crescendo cada vez mais, a questão
do meio ambiente e a questão da criança
e do adolescente. E bom, quem trabalha
com direitos humanos, especificamente
no caso de tortura, cada vez mais não tem
editais que a gente se enquadre, então
tem muitos editais que a gente poderia
estar junto, mas não tem.
3.6.6 PARTICULARIDADE DA
ATIVIDADE JURÍDICA
Um elemento que aponta como causa
das dificuldades de obter financiamento é
transversal a todos os temas, e relaciona-
se com as particularidades da atividade
jurídica. Para muitos entrevistados, os
tempos do financiamento e dos processos
jurídicos são muito distintos e, com
frequência, incompatíveis. Enquanto os
financiadores tendem a exigir, na visão de
alguns entrevistados, resultados concretos
a prazos determinados, a atividade jurídica
dificilmente traz resultados imediatos ou
claramente identificáveis, é imprevisível
e, não raramente, demanda muitos anos
para se desenvolver. Exemplos dessa
preocupação podem ser mencionados:
Cada vez mais, sobretudo os financiadores
internacionais que hoje correspondem a
100% da nossa fonte de financiamento,
56
querem... querem mais resultados
concretos do que trabalho em defesa de
direitos, né? Então como o trabalho de
incidência é um trabalho que você não
tem como garantir um resultado x, y, z
no período de um, dois anos, porque são
processos contínuos e mesmo você não
conseguindo o que queria, o seu trabalho
era justamente evitar, diminuir, alterar
uma definição negativa, como aconteceu
no Código Florestal agora, por exemplo,
você não consegue mostrar um resultado
concreto, sinceramente. Às vezes tem um
projeto de dois, três anos e o resultado
vai vir daqui cinco anos quando você não
tem mais aquele financiador te apoiando,
ou nunca vai ter o resultado apesar de ter
trabalhado bem, ou você trabalha mal,
mas vem um resultado independente
do seu trabalho, ou seja, você não tem
como provar para o financiador, não tem
como mostrar lá pra eles que você fez um
trabalho e apoiou x, y e z áreas que foram
implantadas. Então essa é uma dificuldade,
cada vez mais os financiadores são mais
utilitários, só querem financiar aquilo
que eu tenho um resultado concreto no
período do meu projeto e, para eu ter
um resultado concreto em um ano ou
dois anos, não há nada que seja imaterial,
são só coisas imateriais? Cada vez mais
tem tido mais financiamento para plantar
árvore, para construir não sei o quê, para
dar um curso não sei do quê, que é o que
você consegue comprovar o que fez e
menos em processos de longo prazo.
Os projetos, eles estão dentro dos
programas e eles são muito dinâmicos,
porque são com prazo determinados,
então o esforço é fazer uma gestão
nos programas pra que os outros
projetos vão surgindo dentro dele
pra desenvolver as ações. Isso é
claro, gera um desequilíbrio, uma
possível descontinuidade em algumas
ações, como exemplo hoje, o nosso
atendimento às vitimas de intolerância
religiosa, ela está descoberta porque
o nosso financiamento terminou,
então a gente não conseguiu engatar
outro financiamento para esse tema
na defesa dos direitos humanos,
então há naturalmente uma divisão de
esforço pra poder continuar com as
ações de defesa nessa área. [...] é uma
questão continuada, é uma questão
que geralmente não termina. Esse é
um problema da defesa de direitos na
descontinuidade dos convênios, que, por
exemplo, eu tenho vários casos sobre
intolerância religiosa e não consegui
operar um convênio que cobrisse
essas ações. O recurso termina, mas os
processos continuam e eu não posso
chegar pra vítima e dizer “Olha, então,
sinto muito, a gente não tem mais como
atender porque acabou”, então a gente
segue no atendimento desses casos.
A gente tem muita dificuldade.
Sobretudo nessa linha da defesa, né?
Hoje é a linha... a nossa ação digamos,
o nosso eixo com maior dificuldade pra
conseguir assegurar recursos, né? É
exatamente o eixo da defesa... Então, sem
dúvida nenhuma... Assim, as agências de
cooperação com quem nós tínhamos
essa parceria, esse apoio financeiro;
hoje a gente está extremamente restrito
e sofrendo mudanças radicais que nos
dificultam a assegurar essa contratação
de advogados. E aqui no Brasil então,
ainda é muito difícil também. A gente
conseguir assegurar recurso pra essa
linha da defesa. [...] ainda são projetos
pontuais, por [...] curto espaço de tempo
e que nos assegura, digamos, apenas
4 horas de um advogado por exemplo,
por seis meses. Então realmente nos
dificulta fazer esse trabalho sistemático,
principalmente porque a ação do
advogado, quando você entra com uma
ação de defesa, a gente não consegue
ter a garantia do direito em seis meses...
A realidade do sistema de justiça e dos
processos e de todas das questões
relativas à defesa de direitos, o processo
57
chega a passar aqui um tempo mínimo,
médio, de 5 anos, né? Podendo chegar
até a 10 anos de processo, quando a gente
consegue assegurar no projeto, se você
consegue o máximo de tempo, que é o
que a gente tem de alguns projetos, são
de 3 anos. Mas infelizmente, nessa área
de defesa de direitos, os recursos são
cada vez mais pontuais, mais restritos,
que vão exatamente de encontro a essa
realidade temporal da defesa do direito.
3.6.7 COMPETIÇÃO POR
FINANCIAMENTO
O último elemento identificado
como uma dificuldade na obtenção de
financiamento por parte das entidades
entrevistadas está relacionado à lógica
competitiva da busca por recursos. Em
diversas entrevistas, o sistema de disputa
por meio de editais e concorrência pública,
tanto no plano internacional quanto
nacional, leva a situações esdrúxulas, como
colocar entidades que, com frequência,
atuam em parceria, para competir por
determinados recursos:
Há, de uma maneira geral uma dificuldade
de acessar os poucos recursos que têm
para um número enorme de organizações
que concorrem nesse espaço [temático]
[...].
O cenário da minha entrada confundiu-
-se com o cenário dessa diminuição das
pautas da advocacia no caso do governo
federal, acaba que tem uma tensão
dialética aí, porque por um lado existem
editais que contemplam um pouco essas
pautas, mas aí gera também um sentido
de competitividade às vezes com os
próprios parceiros, né, a gente não conta
no gibi quantas vezes a gente teve que
cortar recursos com outros parceiros
que nacionalmente são os mesmos que a
gente lida anualmente, que a gente senta
anualmente para dialogar sobre qual é
a pauta ou qual é a política de Direitos
Humanos, qual é a necessidade inclusive
de a gente se rearticular para fazer frente
às violações perpetradas inclusive pelo
próprio Estado, eu acho que esse é o
grande problema.
A partir dos dados até aqui
apresentados, é possível visualizar
a multiplicidade de experiências de
defesa de direitos captada na amostra.
Há importante variedade nos temas de
atuação e nas atividades desenvolvidas
pelos atores estudados. Igualmente,
elementos de estrutura e financiamento
das entidades mostram-se bastante
variados e estão relacionados ao perfil
temático e de atividades das entidades.
Na seção seguinte, a resposta à pergunta
sobre quem são as entidades de defesa
de direitos que compõem a amostra
será completada por meio da descrição
do perfil da atuação jurídica dessas
entidades. Com base na construção deste
perfil das entidades, será possível avaliar
como interagem, nessas diversas áreas
temáticas, formas de atividades e âmbitos
de atuação, com os órgãos do Estado que
desenvolvem uma advocacia de interesse
público. Tendo o retrato do que fazem essas
entidades, viabiliza-se uma comparação
com a atividade de instituições estatais
e uma investigação informada dos
seus conflitos, complementaridades e
potenciais de otimização.
59
Como apresentado no tópico anterior,
das 103 entidades estudadas nesta
pesquisa, 90 desenvolvem algum tipo de
atividade jurídica, tais como: orientação
jurídica, mediação ou conciliação,
acompanhamento de processos e, por fim,
propositura de ações judiciais individuais
ou coletivas.
4 - ATUAÇÃO JUDICIAL
Tabela 13. Atividades jurídicas
Atividade jurídica Número de entidades Número de entidades que mudaram a atividade ao longo do tempo
Orientação jurídica 33 4
Mediação e conciliação 6 1
Acompanhamento processual 20 2
Ação judicial individual 50 21
Ação judicial coletiva 34 4
Muitas dessas atividades jurídicas
desempenhadas pelas entidades mudaram
ao longo do tempo, por diferentes fatores,
que serão explorados em cada um dos sub-
tópicos a seguir.
Além disso, foram mapeados dife-
rentes métodos utilizados pelas entidades
de defesa na atuação judicial. Desde
seus critérios de seleção de casos, como
combinam a estratégia de atuação judicial
com outras estratégias, ou mesmo a sua
atuação especializada em determinados
fóruns, como o Supremo Tribunal Federal e o
Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
No geral, esses métodos caracterizam um
processo de especialização do trabalho das
entidades de defesa de direitos.
4.1 ATIVIDADES JURÍDICO-JUDICIAIS
4.1.1 ORIENTAÇÃO JURÍDICA
A atividade de orientação jurídica
é comum a boa parte das entidades de
defesa estudadas e pode se manifestar
de diferentes formas. Ela pode estar tanto
mais relacionada a uma forma de advocacia
tradicional, de orientação dos “clientes”
com relação aos seus direitos, quais órgãos
acessar, seguida ou não de oferta de ação
judicial por parte da entidade, quanto a uma
forma de assessoria jurídica popular, ligada
a atividades de formação da população
em direitos, de empoderamento de
comunidades, grupos e movimentos sociais.
Essa forma de assessoria jurídica popular
está ligada à ideia de que os protagonistas
dos direitos são as próprias pessoas e não os
advogados. Os advogados ou o direito não
poderiam pautar a ação dos movimentos.
Uma mudança nesta atividade,
relacionada também a uma mudança que
diz respeito à atuação judicial individual
(analisada em tópico a seguir), é a que
algumas entidades estão fechando suas
portas para o atendimento direto. Falta de
recursos e de pessoal afastam as entidades
de uma atividade de advocacia no estilo de
“balcão de atendimento”, de portas abertas
a todas as demandas que entrarem. Por
isso, restringem-se à orientação jurídica,
60
encaminhando os casos para atendimento
por parte dos órgãos de litígio do Estado,
quando for necessária a propositura de
ações judiciais.
Depois de anos trabalhando com o
consumidor, hoje a gente tem um banco
de dados que é acessado exclusivamente
para o associado, mas também várias
orientações ali viram dicas para o
consumidor, que fica no site, disponível
para todo mundo, claro. O que a gente
tem é o atendimento pessoal, a gente
tem o atendimento pessoal, mas não para
virar ação judicial.
Uma atividade que a gente continua é o
apoio jurídico aos parentes e familiares
da [nome da Rede], […] que trabalha
organizando familiares de presos e lá
a gente tem dado algum suporte na
questão tanto de educação em direitos
como na questão de casos específicos,
principalmente para eles conseguirem
entender os casos. Então a gente nem atua
nos casos, a gente faz para a Defensoria,
mas tenta fazer essa intermediação às
vezes e essa ponte. […] Tem questão de
orientação jurídica para os movimentos,
por exemplo, antes de eles fazerem
alguma mobilização, a gente explica os
riscos jurídicos envolvidos na mobilização,
que você ocupar o terreno, o que significa
isso juridicamente, o que pode gerar de
consequência... E tem atuação in loco, no
momento do conflito com a autoridade
policial ou no momento em que a pessoa
é encarcerada.
Um diferencial que costuma ser
apontado pelas entidades de defesa em
relação ao serviço de orientação jurídica
que oferecem, em comparação aos serviços
do Estado, é o atendimento multidisciplinar,
a combinação de atendimento psicológico,
social e jurídico, quando necessário.
Enquanto os órgãos do Estado estariam mais
voltados à tradução jurídico-judicial dos
problemas apresentados, o atendimento
multidisciplinar provocaria uma melhor
recepção das pessoas, uma abordagem
mais global do problema apresentado e, por
vezes, até a sua solução, sem a necessidade
de uma ação judicial. Para as entidades
com o perfil de assessoria jurídica popular,
o objetivo é o de empoderar as pessoas
atendidas. A preocupação do atendimento
multidisciplinar é a acolhida, em não tornar
este momento mais um momento de
vulnerabilidade para a pessoa.
Orientação jurídico-social, a pessoa chega,
às vezes meninos ameaçados correm para
[a Entidade], hoje em dia bem menos,
acho que há mais de dois anos não tem
isso, mas acontecia, o menino ameaçado
ia para [a Entidade] e falava “Olha,
estou com a roupa do corpo, não tenho
pra onde voltar”, “Vamos dar um jeito”.
Desde isso, até, que era muito costumeiro,
mães de meninos que já eram e já tinham
passado por medidas lá, que conheciam
[a Entidade], tinham como referência na
região para orientação jurídica, social, às
vezes para compartilhar uma angústia,
uma aflição em relação à vivência e aí a
gente também fazia certa contenção ali
com ela, de acolhimento e aí sim, vamos
atender demandas objetivas. “Não tem?
Tem. Mas não são demandas que [a
Entidade] vai dar conta”, “Então vamos
encaminhar”. Então [a Entidade], apesar
de fazer atendimento porta aberta, de
orientação jurídica, questões trabalhistas,
penitenciárias, socioeducativas, cíveis,
adoção, guarda, tudo isso, também
sempre... Atendimento não só feito por
advogado, mas advogados, assistente
social, pedagogo, quaisquer profissionais
que estavam [na Entidade], a gente
achava que tinham que ter capacidade
de fazer o atendimento, especialmente a
acolhida. Depois, a gente achava que era
importante, se a demanda persistisse, que
a pessoa acessasse os serviços públicos
estatais, que não ficasse ali, por exemplo,
recebendo atendimento psicológico por
61
três, cinco meses. Que ela fosse acessar a
UBS e a gente ia com ela ou encaminhava,
“Pode atender? Ela vai chegar aí...”,
às vezes estava frágil e fragilizada, e
aí acessava o serviço público. A gente
privilegiou os serviços públicos estatais.
Nós trabalhávamos o lado da autoestima
dessas mulheres. [...] Não eram só atendidas
mulheres, eram atendidos o homem e a
mulher, porque tiveram muitos casamentos
também que foram salvos por conta desse
atendimento. Porque, às vezes, a mulher
vem como vítima e conversando com o
marido dá um entendimento nos dois.
Também a gente não pode só ter aquele
olhar, que a mulher só ela que é vítima.
Às vezes a mulher não sabe lidar com um
problema, e aí é uma orientação que ela
precisa ter. E às vezes não é a violência do
marido, que o marido também está sendo
uma vítima. A partir do momento que você
conversar, encaminha para um psicólogo,
para algum [...] às vezes é problema na
saúde. Nós falamos que na época a gente
era advogada, assistente social e psicóloga
ao mesmo tempo. [Entrevistador] Fazendo
todo o atendimento completo... mas vocês
tinham de fato psicólogos trabalhando
naquela época? [Entrevistado] Não,
psicólogas eram as mulheres (risos).
É interdisciplinar o atendimento, sempre,
em todos os projetos. […] A gente também
faz roda de conversa com as vítimas de
violência, trabalha a questão de gênero, a
autoestima, o empoderamento da mulher,
não é só atender, tem muitas outras
questões que são do contexto do nosso
atendimento, diz respeito à pessoa ter a
condição necessária para romper o ciclo
da violência, que não é só uma demanda
jurídica, é muito mais do que isso.
4.1.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
Poucas entidades mencionaram
trabalhar com a atividade de mediação e
conciliação. As que praticam, normalmente
são entidades que trabalham com um
grande volume de demandas, com um perfil
de advocacia de “balcão de atendimento”.
Essas formas de mediação e conciliação
surgem, em parte, como uma necessidade
de reduzir o volume de trabalho dessas
entidades, de evitar o custo operacional
e de recursos humanos de manter tantas
ações judiciais em andamento.
[A Entidade] tem como concepção a
ideia de que nem sempre judicializar é
o melhor caminho. Então a gente tem
também um grupo de mediação, uma
área que cuida de mediação e, às vezes, a
gente vai buscar a solução pro problema
na esfera administrativa com pedidos
administrativos, representações, às vezes
inquéritos civis que a gente provoca o
Ministério Público a abrir uma investigação,
e aí almejando talvez um TAC, sem a
necessidade de judicializar o caso.
4.1.3 ACOMPANHAMENTO
PROCESSUAL
O acompanhamento processual
aparece nas entidades de defesa de direitos
como diferentes formas de controle. Ele pode
ser um desdobramento do atendimento
individual, da orientação jurídica, que foi
feito na entidade, e que resultou no repasse
do caso para órgãos de litígio do Estado, na
sua etapa de ação judicial.
Manda para a Defensoria Pública, mas aí
não tem uma interlocução direta com o
Defensor, porque a pessoa vai, pega fila,
triagem, até virar processo demora um
mês e tal. E aí a pessoa está lá e a gente
monitora de longe. Às vezes liga pra pessoa
“Deu tudo certo?”, mas a pessoa tem que
ter autonomia. A gente orienta, mas não
fica em cima do Defensor tutelando. A
gente acolhe e depois monitora, às vezes
tem devolutivo da família, às vezes não.
Aqui, o controle pode se dar sobre o
trabalho desses órgãos do Estado, sobre
os prazos, manifestações. Um trabalho de
62
orientação prolongado, que pode se limitar
ao atendido ou envolver também contatos
diretos da entidade com defensores,
promotores e procuradores.
O jurídico do Incra e a própria Defensoria
Pública da União acabam não fazendo
o trabalho que deveria ser feito, de
acompanhamento jurídico dos casos
dessas pessoas, desses grupos, então a
gente acaba assumindo esse trabalho.
Como está na estratégia da organização
essa questão que é acompanhamento
do conselho, das formas de participação
popular, a nossa forma de monitoramento
é muito constante, então a gente tem que
dar uma olhada no processo, ver o que está
acontecendo, ver se foi julgado o agravo. O
Ministério Público não tem isso, porque entra
no bolo, entra na estrutura. Então às vezes a
gente percebe que teve uma movimentação,
a gente aciona pra falar “Olha, tem que
tentar alguma coisa aqui, tentar fazer uma
articulação com o legislativo, tal”.
Por vezes, o acompanhamento
processual pode ser uma forma de trabalho
de a entidade se colocar como ponto de
mediação entre as comunidades, grupos,
movimentos sociais e o trabalho dos
órgãos de litígio do Estado, justamente por
conhecer esses grupos, suas demandas,
e já ter uma compreensão maior sobre os
seus problemas.
Não dá pra um advogado de um centro de
defesa bancar com toda a demanda que se
tem aqui, mas tem casos que a partir deles
se possa pensar em intervenções dentro
do território. Então eram esses casos que
[a Entidade] não assumia, o advogado não
assumia muitas vezes de acompanhar o
caso, mas de ser o elo, junto à Promotoria,
junto à Defensoria. A proposta não era
de assumir os casos, mas de ter um
profissional que tivesse esse entendimento
da Defensoria popular, de você estar
preparando lideranças da comunidade. […]
A importância de muitas vezes não pegar
o caso, mas de você estar assessorando
quem está lá, e de, enquanto centro de
defesa, a gente produzir documentos que
muitas vezes não é dos fatos, mas que
consegue dar elementos para entender
como que é essa questão da comunidade,
como que é organizada a comunidade.
O acompanhamento processual
pode significar também o monitoramento
de processos judiciais, da jurisprudência
formada sobre determinados direitos. Isso
gera uma melhor compreensão sobre o
posicionamento do Poder Judiciário no
tema com o qual a entidade trabalha e sobre
como e onde a intervenção da entidade se
faz mais necessária. Esse acompanhamento,
normalmente, está relacionado à atividade
de pesquisa da entidade e a formas de
incidência pontuais, como a apresentação
de amici curiae ou lobby judicial.
Conforme foram aparecendo as ações,
a gente começou a acompanhar. Então,
quer dizer, já havia um acompanhamento,
mas também o que aconteceu foi muito
no sentido de descobrir o que existia.
Então, acho que a área jurídica começou
um pouco assim, entendendo o que estava
acontecendo. [...] A gente acompanha
alguns casos mais polêmicos no Supremo.
[…] A gente não tem nenhuma ação […],
mas a gente monitora as ações, e naquelas
em que a gente acha importante, que a
gente tem condição, a gente apresenta
manifestação, seja com amicus curiae
nas ADINs. Nas ADINs, em todas a gente
participa, ou vai participar […]. Ou a gente
pede a nossa admissão como litisconsorte,
então, por exemplo, nas ações do Ministério
Público aqui em [cidade], a gente pediu
nossa admissão como litisconsorte. Agora,
não são todas as ações que a gente
consegue entrar, mas a gente monitora.
Por fim, o acompanhamento
processual também aparece nas entidades
que não trabalham mais com ações
63
judiciais individuais, mas que possuem
um passivo de casos, correspondente a
outro período de atuação, que requerem
acompanhamento.
Hoje em dia, nós não fazemos muito mais
isso [ações judiciais], porque a gente não
tem mais pernas pra fazer, mas ainda
tem mais de 40 processos que a gente
acompanha no decorrer dos anos por
conta de que naquele momento, no final
da década de 1990, a gente entendia que
a gente precisava atuar juridicamente
nos processos, ou como assistente de
acusação ou como advogado de defesa
em alguma situação que alguma pessoa
fosse acusada injustamente, mas hoje
a gente entende que a gente precisa
fortalecer cada vez mais as instituições e
não [a Entidade] atuar diretamente, até
porque a gente não tem como fazer isso.
4.1.4 AÇÃO JUDICIAL INDIVIDUAL
Esta é a atividade jurídica realizada
pelas entidades que mais sofreu alterações
ao longo do tempo. A tendência geral das
entidades é a de deixar de trabalhar com
ações judiciais individuais ou a de alterar
o modo como este recurso é utilizado
pela entidade. A criação da Defensoria
Pública em vários Estados, a diminuição de
recursos destinados a esse tipo de trabalho
nas entidades da sociedade civil ou, ainda,
o diagnóstico da ineficiência da via judicial
para a solução de problemas estruturais, são
alguns fatores frequentemente apontados
pelas entidades para essa transformação.
As Defensorias Públicas absorveram
boa parte das demandas individuais
com as quais as entidades de defesa de
direitos trabalhavam. Convênios pelos
quais as entidades financiavam este tipo
de trabalho foram descontinuados. Há uma
percepção por parte dessas entidades de
que é responsabilidade do Estado oferecer
esse tipo de serviço e de que o papel
das entidades poderia ser o de fortalecer
essas instituições, influenciá-las para que
absorvam as suas agendas, controlar a
qualidade do seu trabalho.
Fizemos uma parceria com a Procuradoria
de Assistência Judiciária [do Estado],
onde a defensoria pública passava pra
gente um recurso onde a gente pagava
três advogados e três estagiários. Com
isso, a gente montou nosso centro jurídico.
Dentro desse trabalho nós conseguimos
atender mais de 15 mil mulheres, vitimas
da violência doméstica a partir de 1996.
[…] Quando surgiu a Defensoria Pública,
nós perdemos o convênio da Procuradoria
do Estado e aí a gente focou o nosso
trabalho na questão da geração e renda
pras mulheres.
Lá em meados da década de 1990,
principalmente [na Entidade], essa era
uma atuação mais direta, primeiro não
se contava com a Defensoria Pública
porque ela simplesmente não existia, e
o Ministério Público, como eram muitas
questões criminais envolvendo os
trabalhadores, era o autor muitas das
vezes contra os trabalhadores, então [a
Entidade] acabava exercendo esse papel
sozinha, na defesa dos trabalhadores.
Principalmente dos trabalhadores que
eram criminalizados pela luta pela reforma
agrária. Agora, ao longo dos últimos dez
anos é que as entidades têm esses outros
atores. O Ministério Público e a Defensoria
Pública têm sido listados para participar
desse processo do sistema judiciário, seja
as entidades fazendo representações
para esses órgãos, seja articulando a
participação desses órgãos também em
audiências em outros momentos.
No final da década de 1990, a gente
entendia que precisava atuar juridicamente
nos processos, ou como assistente de
acusação ou como advogado de defesa
em alguma situação que alguma pessoa
fosse acusada injustamente, mas hoje
64
a gente entende que precisa fortalecer
cada vez mais as instituições e não a
[entidade] atuar diretamente, até porque
a gente não tem como fazer isso.
A gente participou do movimento de
criação [da Defensoria Pública]. Uma vez
criada, a gente sempre compartilhou casos
com a Defensoria, mas casos que já estavam
lá ou casos que a gente achava que teriam
de ser judicializados e que a pessoa não
tem como pagar advogado, a gente orienta
a Defensoria. Por quê? Porque a gente não
quer pegar processo. Por quê? Porque a
gente acredita que acesso à justiça é um
direito que tem que ser garantido também
por mais um serviço estatal. Não à toa a
gente lutou pela criação.
Hoje a gente concentra no atendimento
de famílias com crianças e adolescentes
vítimas de crimes, mas nessa trajetória
[da Entidade], [a Entidade] também já
atendeu adolescentes em conflito com
a lei. Era um número muito grande de
adolescentes que cometiam ato infracional,
que precisavam de defesa técnica, e que,
por falta de Defensoria Pública, não tinham
atendimento qualificado e [a Entidade]
realizava essa atividade. Isso mudou nos
últimos anos após um movimento da
Defensoria Pública de receber esses casos.
Então alguns casos que tinham esse foco
aqui [na Entidade] foram repassados pro
atendimento pela Defensoria Pública
e hoje nós não fazemos mais esse tipo
de defesa técnica, por entendermos ser
papel da Defensoria Pública. Então nosso
movimento hoje é fortalecer e ter uma
Defensoria Pública forte no estado pra
realizar essas atividades.
Algumas entidades voltaram o seu foco
para ações judiciais de dimensão coletiva
ou para ações individuais exemplares, com
capacidade de repercussão, ou mesmo para
fora da dimensão judicial, investindo em
iniciativas de incidência política, advocacy,
lobby ou reforma das instituições de justiça.
[A entidade] começou com casos individuais,
[...] tinha algumas assistências de acusação,
ou dos casos de violência sexual, ou de
casos de assassinatos de adolescentes, que
é uma estratégia que a gente não faz mais
hoje, que é assistência de acusação, mas no
início tinha, então começou com um caráter
mais individual. [...] Quando a gente faz a
defesa técnica de um caso emblemático de
adolescente, a quem se atribui a autoria de
ato infracional, mas o que a gente procura
com esses casos individuais é dar uma
repercussão coletiva, que outras pessoas... é
aí o trabalho da assessoria de comunicação
é importante também para fazer a difusão
de uma vitória no Judiciário, de uma
possibilidade de discutir um determinado
direito por essa via.
Em um dado momento, a gente começou a
viver uma situação que [a entidade] tinha
fila na porta e aí a gente começou a falar
“Não, espera aí, a gente quer, [a entidade]
quer pensar num lado de realmente mudar
um pouco e melhorar a defesa, mas não
só isso, pensar em estratégias políticas,
em fortalecimento do instituto de direito
de defesa”, né? A gente começou a
perceber que a gente estava... começamos
a ter uma sensação de que a gente estava
enxugando gelo, que precisávamos pensar
um pouco em um lado mais macro, de
pensar em políticas públicas e que não
dava pra ficar atendendo sem ter uma
reverberação de alguma forma, sei lá, em
construção de indicadores, senão a gente
ia ficar atendendo ali e resolvendo aquelas
situações pontuais, mas sem modificar
uma coisa maior.
Outras entidades mantêm a sua atuação
judicial individual, por conta de terem um
compromisso historicamente construído no
atendimento de casos individuais em um
determinado tema ou, embora não estejam
atendendo mais novos casos individuais,
possuem um passivo de casos, referentes a
um período anterior de atuação.
65
Fora os adolescentes em cumprimento de
medidas, a nossa prioridade é a atuação
em causas coletivas e não em causas
individuais. Porque a gente entende que
nós não somos um balcão de atendimento.
Quem deve cumprir esse papel é a
defensoria pública. […] Pela questão da
própria origem da entidade, do grupo, que
vem lá do movimento de meninos de rua,
essa coisa toda, a gente assumiu.
Teve certo momento em que a gente ia até
o caso, as visitas que fazíamos no sistema
penitenciário eram exatamente pra isso e
hoje as visitas são reduzidas. Hoje, pelo
número de profissionais, […] não estamos
atendendo nenhum caso novo, só os
antigos porque a gente não dá conta, não
tem recursos para manter.
E, por fim, há entidades que apostam
na via do litígio individual como instrumento
político ou de construção jurisprudencial,
via litígio em massa.
A gente faz uma advocacia estratégica na
justiça estadual, por exemplo, o mutirão das
cautelares. Um dos objetivos desse mutirão
era construir uma jurisprudência de qualidade
porque era uma lei nova. O que acontece? A
jurisprudência precisava se construir naquele
momento, ainda, ela fez um ano de lei agora
na metade do ano, então a forma como os
pedidos chegam ao Judiciário de primeira
instância e, principalmente, nos tribunais de
justiça, impactam a forma como começa a
ser decidido e como começa a se consolidar
jurisprudência, então um dos objetivos do
mutirão foi “então vamos começar a inundar
o Judiciário com pedidos de qualidade,
feitos por advogados altamente qualificados
pra criar uma jurisprudência minimamen-
te positiva”.
Até 90, 94, 95, foram essas ações
[individuais]. Aí acabou, agora é só ação
civil pública. […] Eram os dois juntos, ação
civil pública e tentar formar jurisprudência
de um direito, que eu estou defendendo na
ação civil pública, [em ações individuais].
4.1.5 AÇÃO JUDICIAL COLETIVA
Como foi visto no tópico anterior, há
um movimento de aposta na coletivização
da atuação judicial, seja por meio de
ações judiciais individuais, seja por meio
de ações de dimensão coletiva. Das 34
entidades que mencionaram trabalhar
com ações de caráter coletivo, 19 relatam
experiência com o instrumento das ações
civis públicas, tanto de iniciativa própria
quanto em parceria com Ministério Público,
Defensoria Pública e outras entidades
de defesa ou movimentos sociais. Foram
também mencionadas as ações coletivas e
o usucapião coletivo.
A gente tem várias ações civis públicas no
tema do direito à educação, por exemplo,
conseguir vaga em creche, conseguir a
reforma de uma escola que o muro está
desabando, discutir que não foi na ação
judicial destinados os 25% pra educação,
então são casos sobretudo coletivos.
Nós sempre tínhamos um trabalho
muito incipiente e voluntário dentro
das comunidades, da gente ir até as
comunidades, principalmente na parte
de moradia e tentar urbanização, tentar
o usucapião individual e coletivo, e de,
imagino que, de quatro anos pra cá, cinco
anos pra cá, quando entrou [o convênio com
a Defensoria Pública] nós transformamos e
institucionalizamos isso. Então hoje temos
uma área dentro [da Entidade] para direito
coletivo e, em especial, direito de moradia.
Outro tema que também está em
andamento e a gente está trabalhado é a
questão da educação nos presídios, que a
gente entrou com uma ação civil pública
junto com [outras Entidades e Núcleo da
Defensoria Pública]. […] Os argumentos a
gente meio que traçou coletivamente, os
pontos que a gente iria abordar. [A outra
Entidade] trouxe a expertise de educação,
que a gente não sabia, por exemplo,
questão de currículo, quem deve fornecer
66
educação, todos os argumentos e foi
uma experiência muito rica pra gente, de
aprender esse lado da educação que a
gente não tinha contato, as diretrizes do
Conselho Estadual de Educação, Conselho
Nacional de Educação, essa expertise eles
trouxeram. Mas foi o Núcleo [da Defensoria
Pública] que fez basicamente toda a
base, a questão da situação carcerária
foi a Defensoria Pública, eles trouxeram o
apoio jurídico.
No entanto, há várias dificuldades
apresentadas pelas entidades ao trabalhar
com essas ações de dimensão coletiva,
relacionadas a aspectos da própria entidade
(competência estatutária, dificuldade de
financiamento), bem como a limites de
eficácia das próprias ações.
A ação civil pública a gente não tem
capacidade postulatória de ajuizar sozinhos,
por isso que a ação civil pública precisaria...
a Defensoria tem sido nossa parceira.
Até por questão financeira, ela reflete na
própria estrutura da organização, então
ela sempre tem mais demandas do que a
nossa estrutura de recursos humanos, de
recursos estruturais, permite, sempre...
E nesse sentido dificulta muito fazer
a litigância proativa, principalmente a
litigância em ações coletivas, como, por
exemplo, a ação civil pública, porque
muitas vezes ela demanda produção de
provas e a produção de provas também
demanda muitas vezes uma prova pericial
e o Judiciário não tem uma cultura de
admitir essa prova pericial.
A gente percebeu muito que ela [a Ação
Civil Pública] sozinha não funciona, que ela
tem que estar muito ligada à mobilização,
à divulgação na mídia, um fato midiático
que chame a atenção para o problema,
a um fortalecimento da comunidade,
então o que que a gente vê muito, ações
que ficaram anos se arrastando, tem
uma decisão liminar, mas a decisão final
nunca se cumpre, um judiciário muito
moroso, e no judiciário da infância uma
rejeição por esse tipo de demanda, só quer
atender demandas de adoção ou de ato
infracional, as outras é muito difícil, então
acho que, assim, houve algumas mudanças
de estratégia, por exemplo em 2005 se
discute o orçamento para a educação, a
destinação de recursos do Fundef pela
via judicial, é uma grande inovação na
estratégia, isso nunca tinha sido discutido
judicialmente. Assim, as ações quando
você lê, elas também vão ficando mais bem
elaboradas, antes eram coisas muito mais
simples, e aí isso vai, você vai adquirindo
essa maturidade também nessa estratégia,
mas ao lado disso houve também uma,
uma análise do judiciário a partir dessa
atuação muito crítica em que muitas vezes
se avaliava, assim, pouco efetiva.
Algumas entidades, por conta desses
fatores estruturais, têm enxergado a
Defensoria Pública e o Ministério Público
como espaços mais propícios para a
atuação em ações coletivas.
Coletivas nós não fazemos ações, nós já
pensamos em fazer, mas a gente prefere
que... é, é visto de outra maneira a ação
proposta pelo Ministério Público... Então a
gente cria a documentação, instrumentaliza
e leva pro Ministério Público. […] Nós
levamos como uma denúncia para que se
instale um inquérito civil, e se esse inquérito
civil, é, eles conseguirem, pode ser que se
resolva através de um acordo, ou não, pode
ser que tenha que se propor uma ação.
Porque ações públicas nós já tivemos. Mas,
como a Defensoria Pública, nessas ações
públicas, é muito atuante no [Estado],
então essas ações através de uma entidade
particular, uma entidade civil, ela não
aparece de uma forma tão importante
quanto a da Defensoria Pública neste
trabalho de defesa do consumidor através
de ações públicas.
Há, ainda, um papel importante
desempenhado pelas entidades de defesa
67
de direitos nessas ações de dimensão
coletiva, o de comunicação com os
movimentos sociais, comunidades e
grupos. As entidades fomentam essa forma
coletiva de ação desses grupos, assim
como é demandada para ter uma atuação
judicial de dimensão coletiva ao trabalhar
com esses grupos.
A gente procurava mostrar que trabalhar
coletivamente tem mais força, trabalhar
junto, fazer o menor acreditar no menor,
a pessoa que está explorada juntar com
outros explorados, muito ligada na época
do Paulo Freire, a gente conheceu o Paulo
Freire e tudo, então essa consciência da
educação popular, o método da educação
popular onde todo mundo aprende e todo
mundo ensina, a gente conseguiu avanços na
organização popular, que uma organização
passa pela organização popular, pela
consciência de cidadania da população.
Tinha uma reivindicação dos movimentos
sociais por conta das unidades eclesiais de
base. Então, nunca a dimensão coletiva foi
esquecida ou abandonada, mas é muito
mais fácil você operar, fazer operar um
escritório com demandas individuais. Mas
inevitavelmente, com a proximidade com os
movimentos, vai provocando o surgimento
de demandas coletivas e aí a área, hoje
chamada de projetos sociais, começa a
atuar em casos ligados ao movimento de
moradia e, num determinado momento,
também temos uma atuação muito forte
com rádios comunitárias.
Além de, por vezes, disporem de
estrutura e recursos que estes grupos e
movimentos não têm, sendo procuradas
para atuarem em ações judiciais de dimensão
coletiva ou para apoiarem essas ações.
Porque da sociedade civil aqui, só [a
Entidade] tem advogados, então por
vezes a gente promove ação civil pública,
em nome coletivo das instituições da
sociedade civil, […] mas pelo fato de a
gente ter advogados.
As ações em geral são ações de
comunidade em defesa delas próprias e
nós apoiamos essas ações. [A Entidade]
não entra, por exemplo, com ação própria
para ele mesmo. […] A gente apoia, financia
quando é o caso, contrata advogado, dá
visibilidade, constrói estratégia junto, mas
a gente não tem ações próprias;
Era uma área que as pessoas já moravam
há mais de 10, 15 anos... Era uma área
ocupada. E algumas pessoas já tinham feito
até o curso de juristas. E aí procuraram [a
Entidade] para que a gente ajudasse nisso.
A gente fez um projeto com duração de
um ano, e aí a gente contratou na época
um advogado para que ele fizesse todo um
estudo da área. E a partir da associação
de moradores foi feito um estudo da área,
foi contratado um topógrafo para fazer
um estudo topográfico e fazer todas as
medições. E foi ajuizada a primeira ação
de usucapião coletivo urbano [do Estado].
Essa ação ainda está em curso, o projeto
era de um ano só, já terminou, mas aí, por
um compromisso da entidade, a gente
acompanha, mesmo não mantendo verba
específica para esse projeto.
4.2 SELEÇÃO DE CASOS
É possível diferenciar entidades de
defesa de direitos também com relação
aos métodos que utilizam ao atuar
judicialmente. O modo como selecionam os
casos, com qual objetivo recorrem ao Poder
Judiciário, se se valem ou não de outras
estratégias paralelamente à judicial, ou
mesmo as instâncias de atuação nas quais se
especializam, tudo isso auxilia a compreensão
do tipo de advocacia existente no universo
das entidades de defesa de direitos. Esta
parte guarda relação com os referenciais
apresentados na introdução dessa pesquisa:
quando se aproximam de uma advocacia
client-oriented e quando se aproximam de
uma advocacia issue-oriented.
68
4.2.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE
CASOS
Tabela 14. Critérios de seleção de casos
Critério de seleção dos casos Número de entidades
Casos exemplares 26
Demanda 21
Temática 8
Mobilização social 7
4.2.2 DEMANDA
A forma mais tradicional de seleção
de casos na advocacia é a da demanda;
trabalhar com casos conforme a demanda.
Muitas entidades que trabalhavam dessa
forma passaram, ao longo do tempo e
da experiência de advocacia, a trabalhar
segundo outra estratégia, a de seleção
de casos exemplares, de impacto,
paradigmáticos, para a atuação judicial.
Essa mudança guarda relação com a
transformação apresentada no tópico
anterior sobre ações judiciais individuais.
Pode-se trabalhar conforme uma
demanda espontânea, de casos que
chegam até a entidade por meio do
atendimento jurídico. Ou induzida, por
meio, por exemplo, de convênio com a
Defensoria Pública ou com outros órgãos
de atendimento. Trabalhar conforme a
demanda significa que a entidade não tem
controle sobre quais casos irá atender.
A gente aqui não se planeja “esse ano
vamos fazer tal coisa”, não, a gente
sempre age de acordo com a demanda.
Vem uma demanda de sem-terra, “vamos
atender”, vem uma demanda de sem-
teto, “vamos atender”, vem quilombola,
“vamos atender”, vem índio, “vamos
atender”. Índio e quilombola como eu
falei pra ti, é pouca coisa, mas sem-terra e
sem-teto é muita coisa, é muito maior do
que a nossa capacidade de trabalho aqui.
A Defensoria nos encaminha, o Conselho
Tutelar, Delegacias, Centros de Referência,
a porta de entrada nossa é muito grande,
UBS, hospital...
Normalmente, a porta de entrada não é
nossa, a porta de entrada é a Defensoria.
A gente não pode pegar nenhum caso que
não seja encaminhado pela Defensoria.
Os outros a gente assessora, a gente até
pode... mas normalmente a Defensoria
encaminha, essa pessoa que já deu a
entrada lá no Núcleo, ou de habitação, ou
no espaço onde eles atendem o individual,
a pessoa é atendida, vem com uma ficha
de encaminhamento e aí, de acordo com
a situação, se faz uma ação compatível
com aquela situação.
4.2.3 TEMÁTICA
Outra possibilidade é a de a entidade
estabelecer um critério temático para
a seleção de seus casos. Com isso, já
se aproximam de uma advocacia issue-
oriented. Essa escolha está ligada tanto
à necessidade de a entidade manter uma
identidade mais clara de atuação quanto
aos escassos recursos, para se trabalhar
com qualquer demanda que apareça.
[A ação judicial] só existe quando
autorizada pela equipe. A gente tem
reuniões quinzenais e eu não tenho essa
autonomia de pegar a uma demanda
que eu acho que tem pertinência para
[a Entidade] acompanhar. Não, surge a
demanda, eu levo para a reunião, e aí, em
equipe, a gente avalia se é pertinente, ou
se é um interesse individual de alguém ou
se é uma área que a gente não tem know-
how ou que a gente não atua há muito
tempo. Então, as ações, elas surgem de
demandas ou da rede de juristas ou de
alunos do curso de juristas e tem de ser
sobre assuntos que, primeiro: que a gente
tenha atuação.
A gente procura focar porque não tem
como atuar em tudo, em todos os tipos
de causas, seria pra nós impraticável. […]
A assessoria é aberta a pessoas vivendo
69
com HIV e Aids, também para populações
vulneráveis ao HIV e a gente busca resolver
de maneira administrativa, não sendo
possível, a gente vê caso a caso aqueles
que talvez seja necessário entrar com
ação judicial, no âmbito previdenciário ou
no âmbito civil.
4.2.4 CASOS EXEMPLARES
Complementar à seleção temática
de casos é a seleção de casos exemplares,
que seriam aqueles com potencial de
repercussão sobre a sociedade ou
paradigmáticos em termos de violação
de direitos, de exposição das deficiências
de políticas públicas ou legislativas.
Geralmente, para potencializar os efeitos
desses casos, a entidade emprega
paralelamente à ação judicial outras
estratégias (mídia, articulação social, lobby
etc.), que foram vistas na seção anterior.
Em outras palavras, o que define um caso
exemplar não é apenas a sua natureza, as
suas características, mas o modo como
é construído o litígio e as estratégias
paralelamente empregadas.
A escolha de casos exemplares é,
atualmente, a mais empregada pelas
entidades de defesa de direitos. É fruto de
uma transformação no modo de advogar
dessas entidades.
São ações normalmente que levantam
aspectos não levantados normalmente
pelas ações já propostas.
A gente atua em alguns casos, mas a
ideia não é fazer assessoria gratuita em
todos os casos, porque a gente não...
Obviamente a ideia não é atender uma
quantidade grande de casos, mas analisar
até onde em alguns casos específicos a
gente consegue impactos maiores, que
sejam úteis pra uma coletividade ou pra
um grande número de casos.
Nós tivemos em 2011 6809 denúncias
de discriminação, e a gente não pode
atuar nessas 6809, então a gente atuou
em algumas, nas mais chocantes...
São algumas que chegam até a gente
e a diretoria fala “Essa procede, essa
é importante, essa nós vamos criar
jurisprudência”.
Um dos possíveis objetivos de se
trabalhar com casos exemplares é o de
provocar a criação de jurisprudência, de
precedentes judiciais favoráveis.
Mas o quê que a gente pode contribuir?
É perceber que cada vez mais os
precedentes são importantes no Direito
Brasileiro, por mais que a gente não
seja de common law, que tem essa coisa
do precedente como uma norma para
todos, uma norma importante, de maior
importância... Súmula Vinculante, Súmula
Impeditiva, aquela de repetição de
recursos no STJ, a Vinculante no STF. As
Súmulas, em si, cada vez mais... A própria
repercussão geral, tudo isso traz uma
dimensão que aproxima o common law,
aproxima essa coisa de o precedente ser
muito importante. E o nosso programa
jurídico atua bastante com precedente
para criar jurisprudência positiva para a
superação do racismo, para a igualdade
racial. Então isso é bastante importante
pra gente.
Fazer um diagnóstico e provocar
também o judiciário com petições bem
fundamentadas, quer dizer, tentar levar
isso para os tribunais superiores e começar
a criar uma jurisprudência bem-feita, bem
construída ali, na medida do possível, mas
provocar, fazer uma discussão de alto
nível. Era esse um pouco o objetivo.
Outros objetivos podem ser promover
debates na sociedade e impactar sobre
políticas públicas.
A nossa metodologia fundamental é o
que a gente chama defesa jurídico-social,
trabalhando inclusive com casos de
70
graves violações de direitos humanos, pra
fazer não das pessoas desse caso, mas
do que aquele caso representa em torno,
como violação de direitos humanos,
como falência das políticas públicas,
fazer a partir daquela situação específica
uma discussão maior sobre o Estado e o
papel da sociedade, enfim, a garantia dos
direitos. […] Ou seja, o caso é um estopim
para uma discussão sobre a política, essa
é digamos a metodologia que o centro de
defesa chama de proteção jurídico-social
ou defesa jurídico-social. Essa sempre foi
a atividade central [da Entidade], mas
como eu te disse, ela se amplia para essas
outras questões que a gente entende
que precisam ir se agregando à atuação
jurídico por, pra que minimamente se
consiga alterar o estado de coisas e não
apenas tratar de um caso específico.
A questão da vulnerabilidade da vítima, a
gravidade da violação e, principalmente,
o potencial de repercussão, de decisão
da parte da Comissão [Interamericana de
Direitos Humanos] para outros casos do
Estado brasileiro. Então não adiantaria, no
nosso entender, encaminhar um caso que
de tão específico só resolvesse aquele. Nós
precisaríamos de algum caso que, através
da decisão, pudesse dar uma resposta
a um conjunto muito maior de violações
parecidas, equivalentes, que estivessem
acontecendo no Estado brasileiro.
Esse tipo de advocacia de casos
exemplares requer também uma
especialização temática, um grande
aprofundamento. As entidades de defesa
acabam gerando um acúmulo de know-
how na área.
E nesse tempo todo, [a Entidade] sempre
foi referência com o que a gente chama de
casos exemplares de violação de direitos
humanos. Hoje, em que pese a gente ter
essas instituições mais qualificadas, tanto
o Ministério Público quanto a Defensoria
Pública, e outros núcleos também do
Poder Executivo que fazem... pelo menos
se propõem a fazer atendimento a vitimas
de violência, mas mesmo assim, ainda
assim as pessoas ainda procuram a gente,
porque nem todos conseguem ter um
atendimento qualificado e a situações
de violação de direitos humanos, tem
casos que são tão complexos que, de
fato, a gente compreende as pessoas e
os movimentos, que se [a Entidade] não
estivesse atuando, talvez o resultado não
fosse o mesmo.
4.2.5 MOBILIZAÇÃO SOCIAL
Para garantir a sustentabilidade
da atuação judicial ao longo do tempo,
algumas entidades utilizam como critério
de seleção a presença de mobilização social
minimamente estruturada em torno do
caso. Este critério para a seleção de casos
está relacionado à estratégia de articulação
social, desenvolvida paralelamente ao caso,
como será visto no tópico 4.3.2.
Primeiro critério escolha, tem que ter
um movimento organizado lá. Não é
qualquer caso que a gente encaminha.
Tem que ser o caso de uma região onde
exista um movimento, e o movimento
esteja organizado. Que o caso sirva pra
fortalecer o processo de organização
e mobilização social. Então esse é o
primeiro critério. E o segundo critério vai
depender, na verdade, da existência de
interlocutores no Ministério Público, as
ONGs que se disponham a fazer esse tipo
de litígio junto ao movimento. E também
não é qualquer ator, é o ator que tenha
essa compreensão da nossa estratégia
de organização. Esses são os critérios. E
que também sejam casos emblemáticos,
casos que sirvam como modelo pra todo
o país. Que tenha questões que sejam de
interesse coletivo e não só de uma região
específica, ou de um caso muito particular.
Isso [a escolha do caso] é feito a partir
de discussão sobre a agenda de trabalho
71
da instituição, no sentido mais geral,
mas eu poderia ter colocar dois critérios:
o primeiro critério é um critério de
mobilização social, de demanda, digamos,
demanda popular por direitos, e o outro
critério é o critério de fortalecimento de
agendas de direitos educacionais que
são contra hegemônicas, no sentido de
que não estão na pauta das políticas
educacionais mais visíveis. Então essa é
uma leitura geral, porque geralmente se
a gente fosse depender só das demandas
que chegam, trabalharia só com as
demandas populares. […] Conjugava essa
possibilidade de se fazer um trabalho
de apoio à mobilização popular com
monitoramento de políticas públicas e
com a mudança no padrão de resposta
do judiciário, com a tentativa de mudança
de padrão de resposta do judiciário, no
sentido de torná-lo um ator relevante na
garantia desse direito.
A mobilização social é importante não
apenas para garantir a sustentabilidade
judicial do caso, mas também para que
esses casos cheguem até as entidades de
defesa de direitos.
Como boa parte dessas comunidades
está no interior do Estado e não estão
sediadas na capital, [as Entidades]
contam com a parceria de entidades
locais, essas entidades locais podem
ser associações, podem ser sindicatos
de trabalhadores rurais, enfim, a igreja,
ou as igrejas, uma gama de entidades
locais que são parcerias nesse sentido
e que elas podem indicar, a partir do
conhecimento da realidade local que
elas têm, com a comunidade A ou B,
podem indicar qual comunidade pode
ser atendida, pode ser acompanhada.
Várias análises de conjuntura que a
gente faz em parcerias com diversos
movimentos e a gente chama pessoas
de universidades, a gente também em
uma articulação muito forte com a
Universidade Federal [do Estado], com
as outras universidades, então vêm vários
estudiosos pra cá, pra [Entidade] e nos
ajudam a pensar sobre as estratégias e
tudo, e aí a partir dessa análise coletiva
a gente vai escolhendo os temas. Todas
essas análises são a partir de dados que
a gente vem coletando ao longo dos
anos, ou que algum outro movimento ou
alguém da academia tenha.
4.3 MÉTODO DE ATUAÇÃO JUDICIAL
4.3.1 COMBINAÇÃO DA ESTRATÉGIA
JUDICIAL COM OUTRAS
ESTRATÉGIAS
Dentro dessa orientação de algumas
entidades de extrair o máximo de
repercussão possível a partir do litígio,
costumam combiná-lo com uma série
de outras estratégias, para potencializá-
lo. Ou, ainda, diante do diagnóstico de
ineficiência do recurso ao Poder Judiciário
para a solução de determinados problemas
estruturais, outras estratégias revelam-
se mais eficazes, sendo a atuação judicial
apenas mais uma. O que poderia indicar,
por parte das entidades de defesa de
direitos, uma mudança de estratégia: em
vez de judicializar, trabalhar politicamente
os casos.
Tinha um papel muito judicial da defesa
de direitos. E isso com o passar do tempo,
inclusive por conta de certa ampliação
da visão em relação às limitações
institucionais do próprio sistema de
justiça, me parece que se foi ampliando
essa atuação da organização, não só para
o campo jurídico social, mas também para
outras atuações de incidência política,
controle das políticas públicas, do
orçamento, de articulação e mobilização
em torno de determinadas pautas, da
produção de conhecimento, enfim, as
estratégias foram se ampliando com o
passar do tempo e parece que há, de fato,
72
essa mudança de perfil que era muito
própria ali da virada do século, de certa
judicialização das demandas e que vai se
ampliando agora nessa nova década do
século XXI.
Mudando os limites dessa atuação
judicial e partindo para uma linha mais
do constrangimento, de conhecer melhor
as políticas públicas, e de denunciar
determinados contextos, de contribuir
para que os conselhos deliberem sobre
alterações da política e aí com aquela
deliberação a gente faz um grande
evento para poder mostrar como que é
contraditório o que nós temos na prática
com o que o governo deveria estar se
comprometendo a partir das normas,
enfim, é ir gerando esses processos de luta,
de disputa política, que a gente entende
que hoje são mais eficazes, não abrindo
mão da atuação judicial quando ela se
faz necessária, mas compreendendo seus
limites, e tendo o entendimento de que é
preciso ampliar o olhar sobre isso.
E aí, proteção jurídico-social, faltava
definir isso, é o conjunto de diversas
estratégias, mais ou menos, seis ou sete
estratégias para garantias de direitos
humanos de crianças e adolescentes... um
lobby ou incidência política, advocacy,
mobilização popular, produção de
conhecimento, defesa técnica judicial
ou extrajudicial, e monitoramento de
políticas públicas. Essas estratégias foram
conceituadas no bojo da proteção jurídico
social para dar sentido a essa expressão,
é muito particular [da Entidade] essa
conceituação.
Tabela 15. Combinação de estratégias
Estratégia judicial combinada com: Número de entidades
Articulação social 17
Formação 13
Advocacy 10
Pesquisa 10
Mídia 7
Lobby judicial 7
4.3.2 ARTICULAÇÃO SOCIAL
Muitas entidades somam-se a outras ao
proporem uma ação judicial. A articulação
social é importante para a atuação judicial
em diferentes sentidos: coletar informações,
combinar estratégias, potencializar a ação
judicial, empoderar grupos sociais, somar
expertises, aumentar o âmbito de atuação
(geográfico, temático etc.).
A nossa principal forma de trabalho é em
articulação com os atores locais, porque
a gente não atua só [na Cidade], a gente
tem casos de outros estados da federação,
então a gente trabalha sempre junto das
outras entidades ou movimentos de locais
específicos. Acho que essa é a forma
de atuação [da Entidade], que foi se
construindo ao longo desses anos, nesse
começo, o que era, talvez, um trabalho um
pouco mais técnico, voltado pra essa parte
de litígio, conforme a coisa foi passando
pra trabalhar também com pesquisa e
documentação, você acaba trabalhando
também com a parte de mobilização,
então você tem essa interlocução entre
pesquisa documentação e mobilização
popular e política que acaba sendo um
componente importante.
Casos paradigmáticos são mais complexos
em direitos humanos, a gente realiza
pareceres jurídicos com relação aos
direitos humanos, para serem juntados nos
processos ou para serem encaminhados
às demais políticas públicas. É claro
que esse nosso acompanhamento não
é simplesmente focal, então quando a
gente faz um encaminhamento a gente
vai fazer todo o monitoramento daquele
encaminhamento, porque a gente também
trabalha com articulação da rede de direitos
humanos, a gente trabalha de uma forma a
estabelecer um diálogo conjunto com esses
parceiros e orientar esses novos usuários.
A articulação social é também uma
decorrência natural do próprio público
com o qual a entidade costuma trabalhar.
73
Pelo menos 42 entidades manifestaram
que trabalham um público coletivo: grupos,
ONGs, movimentos sociais, comunidades
etc.
São sobretudo casos em comunidades
que a gente tem proximidade, ou porque
acompanha, porque faz um trabalho
direto, ou porque conhece, assim são casos
que demandam dedicar-se mais àquela
história; não é só escrever a história e a
ação e dar entrada, justamente porque é
congregado com outras estratégias, então,
tem relação com o trabalho que se faz de
acompanhamento daquelas comunidades,
ou de uma análise específica, por exemplo,
na história da lei orçamentária, de uma
análise específica, então tem a ver com
uma atuação mais sistemática, mais a
longo prazo naquele tema, naquela região
ali geográfica.
4.3.3 FORMAÇÃO
Várias entidades trabalham com o
seu público o aspecto da formação em
direitos. O objetivo é formar pessoas que
sejam capazes de identificar violações de
direitos, de encaminhar suas denúncias
aos órgãos competentes, de replicar
essas informações em suas comunidades
e grupos, que tenham consciência de
seus direitos e exercitem sua cidadania.
Esses programas de formação em direito,
ao capacitar líderes comunitários na
linguagem dos direitos, criam também uma
rede de agentes de defesa de direitos, com
capilaridade geográfica e social.
A partir de 2007, a gente começa
a desenvolver um programa mais
permanente de formação de Defensores
Populares da educação, inspirados lá
nas Promotoras Legais Populares e nos
processos de formação de assessoria
jurídica popular, que aí são cursos de
formação de Defensores Populares
do direito à educação e agora a gente
finalizou uma quarta edição desse curso.
Tem bastante material publicado das aulas,
enfim, mas é uma perspectiva de fortalecer
também e de difundir as estratégias de
exibilidade num conjunto mais amplo de
pessoas e organizações.
Foi feito um estudo na época, que a maior
parte das pessoas que procuravam aqui
era mais para pegar informações. Não era
nem necessariamente para que entrassem
com a ação, e sim, para uma informação
de aonde procurar, aonde se reportar
para os mais diversos problemas, que é
uma grande carência da população. Eles
não sabem nem aonde ir para começar
a procurar uma solução. Então, muitas
vezes, a solução não é encontrada com
uma ação judicial e sim com formas
extrajudiciais de solução dos conflitos.
E aí foi feito um primeiro projeto, para
que se tentasse dar um curso para
essas pessoas, já que não se conseguiria
acompanhar individualmente, e que essas
pessoas fossem multiplicadoras nas suas
comunidades. Porque se observou que
essas pessoas que vinham aqui já eram
aquelas que já tinham um pouco mais de
conhecimento, já sabiam ler e escrever,
tinham um pouco mais de informações e,
muitas vezes, elas vinham para repassar
essas informações para os outros.
4.3.4 PESQUISA
A pesquisa acaba tornando-se uma
estratégia para a atuação judicial mais
pontual e qualificada. Saber quais são os
gargalos de políticas públicas, legislativos,
de jurisprudência dos tribunais, facilita a
propositura de ações já mais direcionadas
a esses fatores estruturais de violação de
direitos. Traz uma perspectiva mais ampla
sobre os problemas enfrentados, escapa da
lógica da solução individual do caso. Além
disso, a pesquisa não é instrumental apenas
para a ação judicial, mas sim para todos os
outros âmbitos de atuação da entidade.
74
A gente impulsiona o levantamento de
informações e a construção de uma
articulação para atuação numa perspectiva
mais ampliada, que não envolve só o
sistema de justiça, mas que envolve a
atuação em outros campos, no Legislativo,
no Executivo, na sociedade civil, no
Judiciário. […] O primeiro trienal foi mais
voltado para o trabalho de levantamento
de informações sobre como a educação era
tratada no sistema de justiça; o estímulo ao
debate público sobre o direito à educação
com a perspectiva de justiciabilidade;
e a informação sobre a utilização de
instrumentos jurídicos para a defesa dos
direitos à educação.
Então é toda uma análise maior que a
gente faz e que, e aí como é que a gente
atua nessa área. A gente tenta identificar
os casos e mostrar que aquilo ali é um
problema. Olha quantos casos a gente viu
aqui que estão todos aqui no relatório.
Não é claro qual é a posição do Judiciário
brasileiro sobre esses temas, então é... ou
então existe uma posição do Supremo que
não é a mesma do STJ, ou de outros, dos
TRFs... então a gente fez, por exemplo,
uma pesquisa de todos os Tribunais
regionais federais, de todos os TRFs sobre
como cada um estava decidindo questões
relacionadas à rádio comunitária, agora a
gente fez um também sobre o Supremo e
o STJ sobre difamação civil e criminal e a
gente vai tentar ir ampliando isso, porque
é difícil, as pesquisas de... é uma pesquisa
de jurisprudência qualificada entendeu,
entender dentro daquilo que são os temas
principais de liberdade de expressão, ter
clareza, se é que existe tal clareza, porque
em alguns casos não existe posição, cada um
decide como quer. Mas até pra mostrar isso,
que cada juiz decide absolutamente como
quer, que não se segue nenhum padrão a
gente entende que essa análise dos casos
é importante, e que isso nem sempre fica
claro, qual a posição do judiciário brasileiro
em relação a diferentes temas.
4.3.5 ADVOCACY
Advocacy é um conceito amplo,
que engloba várias das estratégias aqui
separadas (mídia, lobby judicial etc.), não se
aplica apenas à atuação junto ao Executivo
e ao Legislativo. É uma noção ampla de
ação política, que pode compreender
também o Poder Judiciário.
Um braço é mais político, de advocacy,
que veio muito nessa ideia do que a gente
estava falando, da percepção do conselho
[da Entidade], nesse curso de 12 anos, de
que não adianta só trabalhar assistência
jurídica se a assistência jurídica não
serve para instrumentalizar o instituto
com mudanças, para articular mudanças
políticas, e aí nasce esse braço de
articulação política, que são intervenções
[da Entidade], pontuais, como quando
direito de defesa ou acesso à justiça
são vilipendiados de alguma forma,
então [a Entidade] se manifesta, pontua,
oficia quem deve oficiar, se manifesta na
imprensa, enfim... atuações de advocacia
estratégica que a gente chama. Então,
quando alguma questão mais macro é
colocada em discussão no Judiciário,
então [a Entidade] se manifesta, por
exemplo, através de amicus curiae. [...]
No braço político entra essa advocacia
estratégica que a gente chama, que
é o amicus curiae e outras formas de
advocacia estratégica, mais articulação
política, processo de advocacy junto ao
Legislativo e ao Executivo... e intervenções
pontuais quando tem alguma ameaça ao
direito de defesa.
Quando você faz o advocacy, você tem
estratégia, então você vai preparado.
Não é um discurso uno, você tem que ter
estratégias diferentes, abordagens para
cada pessoa, cada juiz, não é uma... nós
não fazemos o advocacy em série, cada
ministro, cada juiz, tem uma forma de
abordagem, assim como no Executivo.
Cada ministro tem um jeito de se portar
75
e de agir, cada um tem uma ideologia,
uns são mais tranquilos, outros são
mais difíceis, mas todos nos receberam
porque usou de todas as fórmulas que o
advocacy que nos permitem e, quando
não aceitavam o nosso ofício a gente
pedia para um senador ou uma senadora,
quando pedia para um deputado ou para
uma deputada, sabe... porque quando
você faz o advocacy você tem que
conhecer o tomador de decisão. Quem
colocou lá, como que foi, como que não
é, você tem que conhecer a história da
pessoa e a história da instituição.
Por outro lado, a gente vai lá no
Legislativo e fala: “Olha, na regulação
você tem que ter certeza que você diz
que os intermediários não podem ser
responsabilizados, então isso é um ponto
central do nosso trabalho de advocacy,
com acompanhando essas legislações,
novas leis que estão sendo debatidas”.
4.3.6 MÍDIA
Como foi visto anteriormente, a
maior parte das entidades entrevistadas
não possui uma estrutura voltada para a
comunicação. Sete entidades mencionaram
nas entrevistas o papel da mídia relacionado
à atividade judicial. A mídia é um fator
importante para divulgação do caso, para
a tematização na sociedade, para ampliar
o público da ação judicial. Também é uma
forma de “coletivização” das demandas.
Toda ação nossa judicial é acompanhada
por um plano de mídia. Então se nós
entramos com uma ação civil pública,
isso acompanha um plano de mídia, os
jornais, TV, rádio, fazendo a incidência
com objetivo de promover o debate na
sociedade a respeito daquela situação de
violação de direitos humanos.
Mas o que a gente procura com esses
casos individuais é dar uma repercussão
coletiva, que outras pessoas... é aí o
trabalho da assessoria de comunicação é
importante também para fazer a difusão
de uma vitória no judiciário, de uma
possibilidade de discutir um determinado
direito por essa via.
A coisa mídia que você mencionou
antes, eu acho que a gente divulgar,
entender melhor, explicar melhor para as
pessoas os casos, para a opinião pública
se envolver nesses casos eu acho que é
essencial, isso a gente quer melhorar,
é difícil, mas eu acho que é essencial. A
gente não quer que seja uma coisa, falar
juridiquês e entrar com caso que só um
advogado vai entender, a gente queria
entrar com coisas que as próprias peças
sejam coisas que qualquer um consegue
ler e não só um advogado, e que aquilo
possa ser refletido em... que a gente
consiga criar discussões, que as pessoas
twittem sobre o caso, que as pessoas
acompanhem o julgamento no Supremo,
se não for assim não faz muito sentido.
Então, eu acho que isso a gente quer, na
nossa estratégia, melhorar, e que eu acho
que para as estratégias de litígio em geral
darem certo precisa disso, porque é como
qualquer um dos outros trabalhos que a
gente tá fazendo, se as pessoas não se
envolverem não adianta muito.
4.3.7 LOBBY JUDICIAL
Além da intervenção direta como
parte da ação judicial ou contribuindo
com pareceres, memoriais ou amici
curiae, as entidades indicaram outras
tentativas de influenciar a decisão judicial,
principalmente as reuniões com juízes e a
possibilidade de apresentar e debater com
eles informações mais qualificadas sobre
os temas das ações judiciais.
A gente fez carta aberta, a gente foi
falar com o presidente do tribunal, a
gente levou material para os juízes que
estavam julgando. Então tivemos uma
atuação que não foi direta no processo,
mas que foi junto ao Judiciário. […]
76
Quando a PGR recebeu, e quando a
AGU também, receberam o processo
para se manifestar, a gente entrou em
contato, mandou material. Então isso
é uma coisa que a gente faz também,
levar material, levar informação, não é
só denúncia, mas levar informação, falar
da Convenção-Quadro, levar evidência
científica, a gente faz esse trabalho de
informar os órgãos públicos do que
a gente sabe, do que existe, porque é
difícil, também, você saber de tudo.
Você que é procurador, ou promotor,
como é que você vai saber, que tem
uma convenção, que tem estudos?
Então, a gente faz esse trabalho de
levar informação, também. E aí o que
aconteceu foi que a Procuradoria deu
um parecer maravilhoso, com base em
muito do que a gente mandou pra ela,
dizendo que as leis são constitucionais.
Já a AGU, não.
A ADIn e a ADPF que conseguimos
a aprovação, nós articulamos todos
os principais assessores e os próprios
ministros, temos uma coleção de fotos
com todos os ministros. Levamos a
nossa argumentação, levamos os nossos
memoriais, sempre acompanhados de um
advogado, de forma muito organizada e
que redundou na nossa vitória. […] Nos
ajudou muito, [a Entidade] deu os dados
consultivos das Nações Unidas.
77
Como mencionado na Introdução, um
dos objetivos centrais desta pesquisa é o
de identificar como se dá a dinâmica de
interação entre as entidades de defesa de
direito, o MP e a DP no campo da advocacia
de interesse público. Dessa forma, a partir da
análise das entrevistas realizadas no âmbito
deste estudo, serão apresentados a seguir
os principais padrões de interação entre as
entidades da sociedade civil entrevistadas
e o Ministério Público (5.1), as avaliações
e percepções que essas entidades têm da
instituição (5.2) e os pontos de seu desenho
institucional que dificultam ou facilitam a
relação com as entidades da sociedade
civil (5.3)25. Tais padrões de interação
entre as entidades de defesa de direitos
entrevistadas e o Ministério Público foram
encontrados a partir da organização e da
análise qualitativa de trechos codificados
das entrevistas.
5.1 FORMAS DE INTERAÇÃO
As formas de interação entre as
entidades da sociedade civil e o Ministério
Público tendem a se alterar de acordo
com algumas variáveis mais abrangentes.
A primeira delas é a temática com a qual
a entidade trabalha. Assim, entidades
que trabalham com questões fundiárias e
com temas relativos a questões criminais
tendem a ter uma relação de antagonismo
com o Ministério Público e a estarem em
lados opostos das ações judiciais. Muitas
das entidades que trabalham com a questão
agrária apontam para um processo de
“criminalização” dos movimentos sociais
e da luta social nesta área promovido por
uma parcela dos membros do Ministério
Público. Tais atores afirmam que há uma
“cultura institucional” de criminalização de
tais movimentos que coloca “muito peso”
na dimensão criminal de certas questões
sociais em vez de atuar na promoção e
garantia de direitos. Alguns entrevistados
acreditam que esta postura de uma parcela
do MP vai contra a sua função institucional
de defesa do Estado e da sociedade e
que em alguma medida atenta contra a
própria democracia, já que ela pressupõe
a existência de movimentos sociais. Outro
exemplo seria o de algumas entidades que
trabalham com a temática da criança e do
adolescente que afirmam que a postura
do MP em relação aos jovens em conflito
com a lei vai, em muitos casos, no sentido
repressivo em vez de focar no acesso a
direitos fundamentais.
Outra variável importante para
se pensar a relação das entidades
estudadas com o MP é se a relação se
dá com o Ministério Público Estadual ou
Federal. Dependendo do ente que tem
a competência para tratar a matéria com
a qual a entidade trabalha, a relação dar-
se-á com o MP Estadual ou MP Federal. De
maneira geral, os entrevistados apontaram
o Ministério Público Federal como mais
aberto à interação com a sociedade civil. Há
variação também na relação das entidades
com o Ministério Público de Estado para
Estado, no caso do MP estadual, e de região
5 - INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO
25 Conforme exposto no item 1.3 deste estudo, o recorte metodológico da pesquisa foi feito a partir da perspectiva das entidades de defesa direito no Brasil e a percepção dessas sobre a sua relação com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Assim, não estão presentes neste estudo a perspectiva dos defensores, promotores e procuradores acerca dessa
78
para região no caso do MP Federal.
Apresentadas essas variáveis mais
amplas, pode-se dizer que a relação das
entidades estudadas com o MP, com
exceção dos casos de antagonismo
apresentados acima, é positiva. Para
muitas das entidades da sociedade civil,
o Ministério Público representa o principal
parceiro no âmbito governamental.
Esta interação “positiva” das entidades
estudadas com o MP se dá de diversas
formas que vão desde fazer denúncias,
representações e encaminhamento de
casos para a instituição, passando por
ser assistente de acusação ou fazer o
acompanhamento processual de casos,
até articulações mais amplas da sociedade
civil com o MP, divisão de trabalho e
definição conjunta de estratégias jurídicas,
entre outras.
O encaminhamento de casos,
a realização de denúncias26 e
representações27 são formas de interação
com o Ministério Público frequentemente
citadas pelas entidades de defesa de
direitos. Os entrevistados atribuem
algumas justificativas para estas formas
de interação com o MP. Uma primeira
razão seria o fato de que a entidade não
tem estrutura (técnica, financeira, física)
para o atendimento de todos os casos
que chegam a ela ou mesmo porque ela
acredita que o peso institucional e político
do Ministério Público aumenta as chances
de sucesso da ação.
[A entidade] fazia as representações [para
o Ministério Público], mas com substância,
eram peças judiciais mesmo, poderiam ter
sido entregues direto no Judiciário. Mas
como a gente não tinha advogados para
acompanhar o andamento dessas ações,
a gente apresentava como representação
no Ministério Público para eles tomarem
uma iniciativa. Então até hoje a gente ainda
tem isso, a gente manda a representação
e participa inclusive de um grupo que foi
formado pelo Ministério Público, um grupo
de comunicação, é direito à comunicação,
e a ideia é discutir temas que o Ministério
Público poderia desenvolver através de
uma estratégia jurídica, através de litígio.
Razão pela qual vejo que a gente, nos
últimos anos, tem trabalhado muito mais
em parceria com o Ministério Público,
porque o Ministério Público sim tem
uma estrutura já paga pela sociedade
para fazer isso, e tem a previsibilidade
de que vai manter e tudo mais, pessoas
capacitadas [...] então eu acho [...], como
outros entendem que melhor é ajudar
o Ministério Público a trabalhar bem, e
convencê-los de fazer a boa luta, do que
atuar diretamente no judiciário.
[...] até porque a gente não tem condições
de acompanhar todos os casos, caso
que a gente acha que a gente não vai
acompanhar a gente entra e, e pede que
o Ministério Público tome providências,
pode ser, por exemplo, alguma coisa que a
prova é muito difícil, é... e é muito mais fácil
se o Ministério Público pedir informações
para o Ministério das Comunicações, por
exemplo, então teve coisas que a gente
entregou em representação, hoje são
inquéritos civis que são abertos e a gente
acompanha através do Ministério Público.
Outro motivo é o de que muitas vezes
chegam casos à entidade cuja temática
não é aquela com a qual ela trabalha,
ou mesmo porque a entidade fez uma
opção por escolher apenas alguns casos
paradigmáticos para propor ações judiciais.
Sim, nós fazemos algumas representações,
porque algumas coisas fogem da nossa
26 De maneira geral, quando os entrevistados mencionam que realizam “denúncias” para o Ministério Público, estão se referindo ao ato de levar ao conhecimento desta instituição alguma situação na qual haja violação de direito, ato ilícito, crime, infração da lei etc. Com isso, não estão se referindo ao ato formal no processo penal no qual o representante do Ministério Público dá início a uma ação penal pública por meio de uma petição escrita denominada “denúncia”.27 A representação, de maneira muito ampla, é a manifestação de interesse do ofendido ou seu representante legal para o Ministério Público inicie uma ação penal.
79
competência, nossa alçada, e algumas
coisas são funções institucionais do
Ministério Público. Já aconteceu de
nós nos metermos na competência do
Ministério Público, mas acabou que foi
convalidado, mas é comum sim que
nós façamos representações junto ao
Ministério Público nesse sentido de casos
que nos chegam aqui e não são da alçada.
[...] em outros casos, demandas que
a gente recebia aqui na instituição e
que a gente considerava que não eram
estratégicas no sentido das políticas
públicas, a gente encaminhava com
uma representação para o MP, e aí é
um trabalho muito mais de repasse
de demandas do que um trabalho de
articulação estratégica, mas a gente fez
isso e faz também, até porque a gente
não tem condição de atender todas as
demandas que eventualmente cheguem.
O encaminhamento de casos,
denúncias e representações também se
configura em um canal para as entidades
informarem o Ministério Público das
questões que estão ocorrendo no campo
no qual elas trabalham. Neste sentido, por
estarem mais próximas das demandas e
atores que envolvem tal campo, elas têm
uma percepção mais apurada de quais são
os problemas relevantes naquele momento
e buscam provocar o Ministério Público
para que ele atue naqueles temas. Assim:
[...] representação, apresentação de
documentos, se existe um caso e a
gente tem possibilidade de contribuir
com prova a gente fornece prova, e aí
vai, e sempre tentando fazer um diálogo
assim né, porque por mais que muitas
vezes o Ministério Público não tenha
possibilidade de estar em tudo, o papel
da sociedade civil é isso, é comunicar, é
reportar, é incidir, tentar puxar, mostrar a
importância, pedir audiência pública, e é
isso que a gente vai fazendo.
[...] a gente representa no MP, então as
representações ao Ministério Público são
as peças, os mecanismos que nos ligam
ao Ministério Público historicamente,
que são de fato encaminhamentos de
demanda ou produção de demanda
junto a determinadas pessoas, coletivos,
para que o Ministério Público aja, e aí sim
entre com uma ação civil pública contra
o Estado para criar vagas disso, ou para
que as conferências sejam realizadas
corretamente, né?
Na maioria dos casos, nós que levamos
demanda para o Ministério Público. Então,
quando a gente recebe denúncias, que
podem ser das mais variadas [...] fora os
casos que a gente atende das vítimas, a
gente recebe muitas outras denúncias
[...]. E tudo isso a gente comunica ao
Ministério Público. Então, fora a demanda
que a gente já tem, que a gente aciona
o Ministério Público, têm outras que
chegam [à entidade] que a gente
oficializa ao Ministério Público pra que ele
tome conhecimento
A gente às vezes marca reuniões com
eles, levando alguma irregularidade que
tenha acontecido, alguma violação de
alguma sentença judicial que tenha vindo
a nosso favor, enfim, levando algumas
irregularidades, algumas violações
de direito, compilando esse material
e levando pro uso da Defensoria, do
Ministério Público e mostrando “olha,
está acontecendo isso, isso, e isso, o
descumprimento de tal sentença, de tal
lei... isso eles fizeram errado” e eles movem
processos, tomam as atitudes cabíveis,
mas a gente também quando encontra
algo estratégico que a gente ache que
talvez isso seja estratégico colocar, a
gente também marca novamente essas
reuniões, a gente marca reuniões também
no sentido de saber o que é que esta
acontecendo, se tem alguma novidade, se
eles estão pensando em algo...
80
[...] o Ministério Público Federal, vamos
dizer assim, ele próprio, por si só [...] tendo
em vista violação de um direito público,
se manifesta né, e aí assim, a gente
atua no sentido de cobrar do Ministério
Público uma atuação, no sentido de
cobrar “tá acontecendo isso” né e a
gente coloca o caso para o Ministério
Público e o Ministério Público propõe
uma ação, propõe uma investigação, uma
averiguação sobre o caso...
As representações são mais comuns no
Ministério Público. Várias. Muitas coisas
do que a gente descobre em testes e
pesquisas não vira necessariamente uma
ação judicial. Vai uma representação para
o Ministério Público.
[...] ou quando não a gente faz o
encaminhamento da representação para
o Ministério Público, focado nessa área de
buscar que o Ministério Público faça essa
atuação [...] então aqui nós temos diversos
casos de violações de direitos humanos,
de comunidades inteiras, estamos
pleiteando no Ministério Público...
Alguns entrevistados também
relataram que, em certos casos, quando o
Ministério Público está conduzindo alguma
ação que é de interesse da entidade,
elas fazem um acompanhamento, um
monitoramento de tal ação:
o Ministério Público ele encampou [a
ação], ele entrou com a ação, e aí a gente
fica no suporte, fica no monitoramento
[...] a nossa forma de monitoramento é
muito constante, então a gente tem que
dar uma olhada no processo, ver o que
está acontecendo, ver se foi julgado o
agravo. O Ministério Público não tem
isso né, porque entra no bolo, entra
na estrutura, então às vezes a gente
percebe que teve uma movimentação
a gente aciona pra falar “olha, tem que
tentar alguma coisa aqui, né, tentar fazer
uma articulação com o legislativo, tal”,
e é isso um pouco do que a gente faz,
que acaba assim, adiantando ambos os
lados né, adianta o lado do Ministério
Público porque ele, a estrutura dele não
consegue acompanhar dessa forma... a
gente consegue chegar no objetivo de
repente, ou resguardar esse objetivo [de
acompanhar] a ação.
Outra forma de interação entre o
Ministério Público e as entidades de defesa
de direitos identificada pela pesquisa é
a parceria ou articulação. Segundo os
entrevistados relataram, neste formato de
interação há uma relação mais próxima
entre as entidades da sociedade civil e a
instituição e essa parceria ou articulação se
dá tanto com o Ministério Público Estadual
como com o Ministério Público Federal.
Alguns entrevistados apontaram que um
elemento central para que esta interação se
dê é a pessoa do promotor ou procurador
que está ocupando o cargo na instituição
naquele momento. Assim:
[...] nós temos alguns promotores de
justiça que têm uma postura muito crítica,
muito progressista, muito boa, com
esses promotores nós temos atuações
muito positivas. Então quando tem um
promotor de justiça com uma orientação
crítico-progressista [...] a atuação se dá
em parceria, quando não, essa parceria é
desatada e as coisas andam mais cada um
no seu rumo.
Uma forma dessa parceria ou
articulação se dá quando o Ministério
Público convida membros da sociedade
civil para reuniões ou seminários nos
quais se discutem questões com as quais
as entidades trabalham (por exemplo, a
eficácia de uma lei ou o funcionamento
de uma política pública), oportunidade
em que elas podem apresentar suas
análises e posicionamentos a respeito do
estado daquela questão. Em alguns casos,
tais reuniões servem até para discutir
estratégias de atuação judicial.
81
Era um diálogo constante na comissão, na
estratégia processual [...] principalmente
quando houve o trânsito em julgado
da ação, então se começou a fase de
execução e queriam saber como executar
uma ação como essa [...]. Então essa foi
uma experiência em que houve diversas
reuniões [...] com os promotores, para
dialogar e para ver qual era a melhora
estratégia. Ali foi uma experiência
dialógica realmente, nesse caso específico
pelo menos.
Mas eu há 15 dias tive uma reunião com o
Ministério Público sobre o andamento da
nossa ação [...], então nós combinamos
toda uma estratégia de como vamos
atuar daqui para os próximos meses.
Então assim, a procuradora responsável
pelo processo, o procurador estadual
responsável pelo processo, a procuradora
federal, o estadual, e a [entidade], se
sentaram para discutir quais seriam as
próximas estratégias a serem adotadas
para que a gente conseguisse de alguma
forma pressionar a justiça e o Poder
Público para cumprir a sentença, né?
Então assim, foi uma reunião institucional
de planejamento de atuação.
Outra forma bastante importante da
parceria ou articulação ocorre quando as
entidades da sociedade civil transferem
informações para embasar as ações do
Ministério Público. Em muitos casos,
as entidades de defesa de direitos
coletam os documentos e as informações
necessários para que o Ministério Público
proponha a ação, instrumentalizando a
atuação da instituição.
Em muitos casos também onde temos
atuação direta com o Ministério Público,
em que nós não entramos com ação, mas
temos uma parceria com o Ministério
Público e o Ministério Público é quem
acaba entrando com a ação com apoio de
informações que nós levamos, algumas
vezes até acertamos quando era uma
ação mais estreita, de acordo com teses
jurídicas e tudo mais.
E assim como é com o Ministério Público
também, porque quando a gente
faz, quando a [entidade] encaminha
algo para o Ministério Público a gente
não encaminha simplesmente, fala
“aconteceu isso e isso e isso...”, a gente
encaminha com documentações, a gente
disponibiliza para poder acompanhar o
procedimento administrativo, para poder
arrumar as pessoas, para tudo... enfim,
ajudando nessa averiguação dos fatos.
Nós fizemos ações civis públicas.
Regularização fundiária que o Ministério
propõe, como a gente tem um trabalho
de base no bairro, a gente acaba se
habilitando nos processos judiciais fazer
esse canal entre os moradores do bairro e
o Ministério Público e o próprio Judiciário.
As entrevistas revelaram ainda a
possibilidade de as entidades de defesa
de direitos terem algum tipo de atuação
judicial conjunta com o Ministério Público.
Tal atuação judicial, por sua vez, possui
formas diferentes. Uma delas se dá quando
a entidade é assistente de acusação em
ações nas quais o Ministério Público é o
autor da ação penal. Em geral, as entidades
que são assistentes de acusação do
Ministério Público trabalham com o tema
da violência e representam a vítima ou a
família da vítima.
Porque, no caso do outro atendimento,
nós continuamos realizando porque
somos assistentes do Ministério Público.
Então eu acho que fortalece o processo,
entendeu? A gente tem o Ministério
Público atuando, mas a gente representa
a família da vítima ao longo de todo o
processo.
Assistência de acusação, assim, nós
nunca tivemos nenhum requerimento de
assistência de acusação negado, e a gente
atua muito, de forma muito tranquila e
82
está até no tribunal do júri, que às vezes
algumas organizações têm dificuldades,
nós nunca tivemos, eu não posso nem
falar, “oh, nós tivemos”, nós não tivemos,
nunca tivemos dificuldade de o Ministério
Público criar algum problema, de ter
alguma, alguma reserva, não, e sempre
trabalhamos com muita independência,
por exemplo, no caso, em tribunais de
júri de a gente construir as nossas teses
e levar e o promotor nunca dizer “não, eu
não concordo com isso”, não, sempre tem
sido muito respeitoso, até hoje né.
Em outros casos, a atuação judicial
conjunta se dá na medida em que as
entidades solicitam a admissão como
litisconsorte ou assistente de litígio na ação
em que o Ministério Público é autor:
[...] a gente pede a nossa admissão como
litisconsorte, então, por exemplo, nas
ações do Ministério Público aqui em São
Paulo, a gente pediu nossa admissão
como litisconsorte. Agora, não são todas
as ações que a gente consegue entrar,
mas a gente monitora.
Um caso bem difícil [...] nós tivemos uma
parceria bem interessante com o MP que
abriu inquérito civil público ainda em
2006 para investigar [o caso], propôs
uma ação civil pública, nós ingressamos
nessa ação civil pública como assistentes
de litígio consorciais, tivemos um trabalho
em parceria, então essa é uma perspectiva
de atuação.
Quando o Ministério Público do Trabalho
ingressa com uma ação civil pública a
entidade ela, em seguida, já entra como
litisconsórcio, o termo jurídico em que
quer dizer justamente que a entidade vira
parte junto com o Ministério Público do
Trabalho, então ela se habilita também
na ação, faz pedidos em paralelo ao
Ministério Público do Trabalho requer
provas, traz documentos, enfim passa a
participar do litígio ao lado do Ministério
Público do Trabalho. Isso é a praxe.
Há a possibilidade também de a
entidade e o Ministério Público construírem
a ação conjuntamente, tendo sido relatadas
diferentes formas de interação:
com o Ministério Federal a gente já entrou
com ação judicial em conjunto também,
[...] e aí a gente fez em conjunto um
trabalho de levantamento da situação
dos municípios do interior, o Ministério
Público fez os pedidos de informação,
depois a gente ajudou a organizar toda
aquela informação e fazer algumas ações
judiciais [...] e aí teve recomendação do
Ministério Público Federal, e teve ação
judicial em conjunto.
Ali houve, desde o início do trabalho
até o final, uma atuação em conjunto
do escritório com os Procuradores do
Trabalho, então ali, que eu me recordo,
houve sim uma divisão do trabalho. Nós
fizemos a peça, submetemos a peça a uma
análise dos Procuradores, em especial
do presidente da entidade na época, [...]
mas os Procuradores analisaram a peça,
debateram alterações, nós fomos fazer
um trabalho em conjunto até que houve
uma versão final e essa versão final foi
ajuizada e o acompanhamento vem sendo
feito pelo escritório e pela Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho,
então houve na elaboração da peça, sim,
uma divisão de trabalhos: a elaboração
ficou por nossa conta, revisão e sugestões
por conta deles e na fase de tramitação,
que é a fase atual, isso vem sendo feita de
maneira conjunta.
Foi proposto tudo conjuntamente. A
gente, por exemplo, nesse caso [...] a
gente terminou no Ministério Público
Federal, e fez uma representação. E no
decorrer das reuniões com eles a gente
optou por fazer uma ação conjunta.
Então ambos contribuíram para o texto,
e também, no decorrer do processo
judicial, a gente tem tanta possibilidade
quanto eles de responder, de atuar.
83
Agora, nos níveis superiores, atuar
quando precisava de recurso em Brasília,
algumas vezes a gente foi, outras vezes
contava com eles. Ou seja, acho que era
muito paritária a relação. Agora, eles têm
mais estrutura, então às vezes quando
você está meio amarrado, não consegue
ir para uma viagem, e tal, eles têm a
Procuradoria lá em Brasília que vai fazer
o que é necessário, então para isso é
importante também.
O Ministério Público já tem anos de
existência. Então aí, a gente já fez ações
civis públicas juntos. Várias. A gente
comunica sempre os resultados das
nossas pesquisas para o Poder Público, e
para o Ministério Público, a gente manda.
Algumas viram representação. Outras não.
Outras se encerram no inquérito civil. Ou a
própria representação se encerra. Outras
viram ações judiciais deles mesmos, que
a gente não teve perna para fazer, mas
comunicou, eles entendem que precisa.
Ou eles nos procuram, “Vamos fazer
então ação judicial junto?”. [...] Então, às
vezes, até o próprio Ministério Público
toma a iniciativa de instaurar inquérito
policial, do que a gente falou, do que a
gente pesquisou, ou mesmo de uma ação
judicial que a gente ingressou, aí pede
para comunicar à delegacia e instaurar
procedimento, instaurar inquérito policial
para investigar a prática de infração [...]. É
assim, é mais ou menos assim que funciona.
Não é nada muito institucionalizada, é
mais no feeling mesmo, de... E assim,
sempre com uma posição cooperativa.
[...] E é aquela história, tem que trabalhar
junto, senão ninguém dá conta sozinho.
Nos casos em que o Ministério Público
tem obrigação legal de atuar, há também a
possibilidade da atuação judicial conjunta
com as entidades de defesa de direitos,
como, por exemplo:
No caso do deficiente é interessante,
por quê? Porque a legislação obriga
o Ministério Público a defender os
direitos coletivos do deficiente, então
toda ação coletiva o Ministério Público
é obrigado a participar, então, por
exemplo, toda ação coletiva que a gente
entrou, imediatamente o Ministério
Público passou a fazer parte dessa ação
defendendo os direitos do deficiente
junto com [a entidade]. Agora, fora essa
relação formal de entrar numa ação, a
gente tem uma relação excelente com
diversos procuradores, oficialmente com
o Ministério Público e mesmo oficialmente
com procuradores que atuam na área,
porque alguns têm áreas específicas de
atuação e alguns procuradores têm a
responsabilidade da área específica da
pessoa com deficiência. Então nós temos
uma excelente relação com o Ministério
Público.
Uma importante forma de interação
entre as entidades de defesa de direitos
e o Ministério Público é a divisão de
trabalho na atuação judicial. Assim, as
entidades entrevistadas relataram que,
em muitos casos, assumem a tarefa de
coletar informações e documentos com a
comunidade ou grupo com que trabalham,
levando tal material relevante para o
Ministério Público para que a instituição
ajuíze e dê andamento a ações judiciais.
cada um assume um papel, a gente acaba
às vezes assumindo aquele papel mais de
contato com a comunidade, de buscar
os elementos de produção das provas,
os elementos que vão fundamentar, ou
que fundamentaram aquela ação, aquele
contato diretamente com a comunidade
no decorrer do processo. Seja colhendo
provas, abaixo-assinado, documentos,
depoimentos, termos, e aí com toda essa
documentação é que a gente produz o
instrumento ou a peça jurídica necessária,
e aí se dá prosseguimento [a ação].
Na verdade assim: a nossa atuação é
uma atuação que se dá muito no campo
84
da organização, da mobilização do
grupo. Então, acontece uma divisão
de tarefas entre aspas. Também meio
natural no sentido de que a gente reúne
o grupo, a gente reúne a documentação,
a gente articula as pessoas, esclarece
os questionamentos e faz o
encaminhamento das demandas, mas
não só o encaminhamento das demandas,
mas alguma coisa já bem resolvida,
no que diz respeito à organização da
documentação, a instrução das pessoas
a respeito do que está representando
aquele encaminhamento, então isso é
muito comum. A gente atua no campo da
política e atua também na organização
das pessoas, na reunião dos documentos,
mas depois a intervenção passa a ser uma
intervenção desses órgãos que têm uma
atribuição institucional pra isso.
Mas a gente também tem essa divisão e,
geralmente, quando é com o Ministério
Público o nosso papel é muito assim,
fazer essa ponte com a comunidade,
com o grupo, de entender o que o
grupo quer e traduzir isso em propostas
e soluções jurídicas junto ao Ministério
Público, debater.
É sempre o advogado popular quem tem
uma relação mais próxima, o Defensor
não tem, o Ministério Público não tem,
porque não tem tempo, porque não quer
sair da sua sala... e essa ponte com a
comunidade geralmente é o que tem de
mais forte nessa divisão, né? Quem vai
para a reunião à noite? Quem vai fazer
arrumação e fazer a reunião? Quem vai
fortalecer a articulação? É a gente. [...]
Mas essa coisa, essa relação, quanto mais
próxima com a comunidade... a gente é
muito mais acessível, mais próximo e tem
mais identidade.
Além da forma de divisão de trabalho
citada acima, ainda há aquela na qual
a entidade leva ao Ministério Público
pesquisas que realiza e documentos que
coleta para que estes sejam usados de
subsídio nas ações judiciais, como, por
exemplo:
A gente já participou desde fazer
levantamentos de jurisprudência, fazer
levantamentos de textos que possam
auxiliar o Ministério Público [...] porque isso
faz com que a gente também se fortaleça
teoricamente, conheça determinadas
coisas, até identificando situações
parecidas que já foram discutidas em
outros estados, por outras organizações,
já foram produzidos encaminhamentos. E
é como eu digo para você, a gente nunca
teve nenhuma dificuldade com isso, né,
desde discutir, por exemplo, antes da
denúncia, de discutir com promotor,
e o promotor “o que que você acha, a
denúncia poderia ir nesse caminho”, e o
promotor concordar e aceitar, e assim, eu
acho que isso é muito muito importante...
pelo Ministério Público ser uma instituição
independente, porque ele podia muito
bem dizer “eu não quero saber e pronto”.
Então nós já tivemos desde atuação,
numa parceria completa, de fornecimento
de informação, divisão de pesquisa de
informação, partilhamento da estratégia
jurídica, inclusive compartilhamento das
próprias peças judiciais, entendeu? Até
depois na atuação judicial um trabalho
conjunto de conversar com o juiz, tudo
isso, até casos em que a gente só passa
informação, porque é um Procurador meio
desconfiado, não tem muita ligação, não
tem muita abertura, então você tem uma
relação mais formal, né? Então acho que
isso varia muito, mas, em geral, há sim uma
divisão de trabalho, ou seja, há caso em
que você simplesmente leva informação
e toca o resto, mas, muitas vezes, no
mínimo, você permanece municiando o
Ministério Público de informações para ele
fazer o trabalho judicial dele, né? É menos
comum, digamos, partilhar estratégia
judicial, peças, teses jurídicas, isso é
menos comum, embora já tenha havido,
85
mas divisão de tarefas assim, digamos,
pelo menos de esperar [da entidade] e
[a entidade] colaborar com informações,
isso é quase sempre.
Em alguns casos em que era necessário
um conhecimento específico a respeito
de certas questões, a interação se dá na
medida em que as entidades de defesa de
direitos fornecem sua expertise no tema
com o qual trabalham para o Ministério
Público. Assim, o MP busca as entidades
para que elas forneçam pareceres e
conhecimento técnico, tendo a ideia de que
elas podem emitir opiniões qualificadas a
respeito daquele assunto. Em outros casos,
membros dessas entidades são chamados
para falar dos temas a respeito dos quais
elas são especialistas em seminários
que o Ministério Público promove. O
Ministério Público também utiliza dados e
informações produzidos pelas entidades
em sua argumentação judicial, assim como
solicita que elas realizem pesquisas.
As entidades de defesa de direitos
com certa frequência afirmam participar
de audiências públicas promovidas pelo
Ministério Público para discutir temas mais
amplos com os quais ambos trabalham.
Em muitos casos, é o próprio Ministério
Público que faz o convite para que tais
entidades da sociedade civil participem
das audiências, com o intuito de ter uma
melhor compreensão do que se passa na
sociedade em torno de uma questão, para
ouvir a opinião da sociedade civil e mesmo
para esclarecer fatos ocorridos. Em alguns
casos, as entidades da sociedade civil
colaboram, inclusive, com a organização
de tais audiências. Várias das entidades
entrevistadas afirmaram também participar
de eventos, seminários, encontros etc.
promovidos pelo Ministério Público, assim
como o Ministério Público eventualmente
participa de eventos organizados por elas.
Há algumas entidades que possuem
convênios com o Ministério Público para
situações diferentes, como, por exemplo,
um convênio para o encaminhamento
rápido de casos para a instituição ou um
convênio de cooperação técnica.
Com o MP a gente tem um convênio
de via rápida, a gente receber algumas
denúncias e encaminha para a área de
direitos humanos do Ministério Público
[...] para eles encaminharem direto para
o promotor que é responsável por aquele,
por aquela área ou tema, enfim, é, para
encaminhar esses casos de denúncias.
Nós temos um convênio direto com o
Ministério Público aqui [na cidade], esse
convênio [existe] eu acho que tem desde
2008 ou pouco antes, esse convênio é de
cooperação técnica entre as instituições.
Então a gente já desenvolveu pesquisas
utilizando dados do Ministério Público,
como também já atuou em casos
específicos para o Ministério Público
como consultoria, como parecer [...].
Então a gente tem uma atuação bastante
parceira com Ministério Público, não
só [Estadual] como também com o
Ministério Público Federal.
Algumas das entidades entrevistadas
também afirmaram participar de discussões
a respeito da reforma institucional do
Ministério Público, nas quais é debatido,
por exemplo, o modelo de ouvidoria da
instituição. Algumas entidades trabalham
para a criação e/ou fortalecimento de
certos núcleos ou varas temáticas.
Das formas de interação citadas
acima, pode-se depreender que, mesmo
que indiretamente, as entidades da
sociedade civil buscam influenciar a
agenda temática do Ministério Público por
meio, por exemplo, de encaminhamento
de casos, denúncias e representações.
Algumas das entidades entrevistadas
fazem de forma mais direta este trabalho de
86
influenciar a agenda de casos do Ministério
Público. Esta tentativa de influência - de
sensibilizar pessoalmente promotores e
procuradores para certas questões - se
dá de várias formas, como, por exemplo, a
participação em grupos temáticos, debates
e articulações com a sociedade civil e com
outros órgãos do Estado.
E participamos desses grupos de trabalho,
então existe, é um grupo do, acho que,
isso se não me engano tem no Ministério
Público estadual também, eles têm alguns
grupos temáticos. Então, a nossa ideia é
trabalhar juntos esses grupo temáticos,
participando de reuniões, [...], porque
estão lá não só tentando influenciar
novos casos, mas como a maneira como
eles defendem alguns casos. Tenta usar,
fazer com que eles usem mais padrões
internacionais, por exemplo, é também
uma das ideias, mas é uma coisa recente
[...].
As organizações da sociedade civil foram
convocadas, foi feita uma consulta, esse
processo também teve consulta com
a comunidade acadêmica, com alguns
órgãos públicos, enfim, de tentar coletar
algumas informações para conseguir
criar um plano de ação dentro do
Ministério Público, então isso está em
construção ainda, mas é um avanço, se
a gente pensar que isso pode ser tirado
do papel [...]. Existi ali uma intenção,
existe ali uma carta de intenção, como é
o Plano Nacional de Direitos Humanos,
enfim, mas você não, você não consegue
realizar aquilo né, então, para além da
carta de intenções tem que ter ali mesmo
uma forma de executar isso.
É então aí fica o desafio assim, por exemplo,
isso é um desafio para [a entidade],
porque se você deixa isso no âmbito só
do Ministério Público, só da Defensoria, ou
das comunidades, daí se você não articula
com outras organizações da sociedade
civil que atuam para isso, que tem no
seu escopo, no seu objetivo isso, não vai
para frente, porque aí vai virar outra carta
de princípios, você tira lá na audiência
pública uma série de recomendações, de
encaminhamentos que não saem do papel,
a organização ela pode fazer isso, retomar,
continuar provocando o Ministério
Público, mandando, por exemplo, isso
para a Prefeitura, comunicando isso
no processo, isso é uma forma de você
conseguir amarrar né, para além do
Judiciário, porque só no Judiciário não
resolve, eu acho que [a entidade] já tem
isso muito claro, por isso o fortalecimento
de comunidades não tem, se fica só no
âmbito do Judiciário você não consegue.
Procura influenciar agenda de temas, sim.
Aquele diálogo que eu te falei, de propor
um debate, por exemplo, uma solução de
um assunto que possa estar chamando
atenção, [...], então nós procuramos
influenciar sim, fazendo cartas, fazendo
reuniões, com grupos, tanto do Ministério
Público, Defensoria, Governo Federal,
para que não tivesse uma postura na
época, o governo postura restritiva,
mas que não houvesse aquela postura
e houvesse sim uma acolhida ampla de
defesa dos direitos.
Então assim, pra isso tem um conjunto
de estratégias de articulação que passam
tanto pela promoção de ações jurídicas
coletivas e ou exemplares, não muito
grande, mas ações que permitem a gente
incidir com essa perspectiva de levar essa
discussão para o sistema de justiça, a
provocação aos órgãos da Defensoria, do
Ministério Público, para que também eles
incorporem essa agenda.
E no Ministério Público a gente sempre
esteve muito próximo a, ao promotor,
agora é a promotora do centro de apoio
às promotorias e provocando também no
sentido de uma atuação forte deles, da
promotoria sobretudo.
A gente participa desses seminários que eu
87
te disse né, levantando as problemáticas
que a gente acha mais importantes [...]
Sempre saem recomendações de atuação
e a gente contribui na elaboração dessas
recomendações, e é muito a partir do que
a gente está atuando, do que a gente
está vendo como problemas e aí a gente
tenta pautar para que eles... pra que eles
abracem.
Finalmente, uma forma de interação
bastante citada nas entrevistas, e que
também se pode depreender do exposto
acima, é a mediação feita pelas entidades
de defesa de direitos entre as comunidades
e grupos com os quais elas trabalham e o
Ministério Público. Alguns entrevistados
apontaram que o Ministério Público, em
muitos casos, não conhece as demandas
vindas dos grupos com os quais as
entidades trabalham. Nesses casos, as
entidades teriam o papel de fazer a conexão
entre esses grupos e o Ministério Público.
Os entrevistados também fizeram críticas
a este distanciamento entre a instituição e
os grupos e as comunidades que têm seus
direitos violados.
Eu acho que seria assim, até uma
qualificação, das próprias pessoas, com
relação àquilo que diz respeito aos
direitos humanos, para deixar os órgãos
mais flexíveis em relação a isso. Os órgãos
acabam sendo muito institucionalizados
e legalistas e acabam não chegando na
comunidade, a comunidade não tem uma
porta de acesso, com a comunidade e
entre esses órgãos. Então a comunidade
acaba chegando mais a nós por conta
disso, porque nós temos essa aproximação
que as instituições não têm, e eu acho que
isso é o que faltaria, seria esse diálogo
à comunidade, que absolutamente não
existe aqui.
E aí sempre fazendo essa articulação com
o sistema de garantia de direito e com,
tanto com os promotores quanto com
os defensores, e também aproximando
e fazendo um elo com a comunidade,
porque muitos deles nunca tinham
vindo até a comunidade, então fazendo
reuniões aqui, indo com eles até a favela,
caminhando até a favela, trazendo para
poder ouvir o que o povo estava dizendo.
Na verdade, essas entidades eu acho que
são a primeira porta de acesso à justiça
que muitas das populações que são
excluídas e marginalizadas do processo
de desenvolvimento e do processo de
inclusão em direitos e de efetividade em
direitos e políticas públicas têm. [...] essas
entidades são a primeira porta que as
pessoas batem para reivindicar direitos.
E eu acho que estar nessa primeira porta
é fundamental para que as outras portas
que virão mais à frente possam ser abertas,
como Defensoria, Ministério Público,
para que essas pessoas possam ter seus
direitos garantidos. Dar esse primeiro...
uma palavra que me vem à cabeça agora,
mas talvez não seja interessante utilizar,
esse primeiro atendimento, entre aspas,
essa primeira conversa, esse primeiro
diálogo, é muito importante para essas
pessoas que são diariamente vítimas de
violações psicológicas, físicas, possam ser
recepcionadas e terem, serem atendidas,
entre aspas novamente, de forma que
possam estar fortalecidas mais para a
frente para lutar pelas garantias dos seus
direitos e em outros órgãos ou instituições
como a Defensoria, o Ministério Público e
o Poder Judiciário.
Exato. O pessoal vem pra cá e procura
saber aqui porque às vezes, e é natural
que às vezes aconteça isso ainda e
infelizmente, há um distanciamento
claro da população com relação aos
órgãos públicos, mas quando a gente
trabalha no contexto da sociedade civil
e numa vinculação com as relações de
base [a entidade] acaba se tornando
essa referência especial na área jurídica.
Ainda que a gente não se coloque mais
88
efetivamente como assessoria jurídica às
organizações populares, mas o viés de
gabinete de assessoria jurídica ainda é
muito presente e, sento muito presente as
pessoas às vezes terminam muito vindo
aqui e, daqui, a gente favorece os devidos
encaminhamentos, as devidas referências
à Defensoria Pública Estadual, da União,
do Ministério Público Estadual.
Apontadas essas formas de interação
entre as entidades de defesa de direitos
e o Ministério Público captadas pelas
entrevistas, passamos agora para o
próximo item que se refere às avaliações
e percepções dos entrevistados sobre o
Ministério Público.
5.2 PERCEPÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO
PÚBLICO
Como afirmado no início deste
capítulo, não só a relação, mas a percepção
e a avaliação das entidades a respeito do
Ministério Público são ambíguas.
Alguns dos entrevistados apontaram
para o “caráter elitista” dos concursos para
ingresso tanto no Ministério Público quanto
na Defensoria Pública. Isso porque, para ser
aprovado em tais concursos, o candidato,
em geral, teria de passar por uma série de
cursos pagos (colégio, faculdade, curso
preparatório), o que tornaria a aprovação
no concurso algo para pessoas com
uma condição financeira mais elevada.
O conteúdo das provas também seria
elitista na medida em que não cobraria dos
candidatos conhecimento sobre direitos
humanos ou direitos coletivos.
Muitos entrevistados têm uma
percepção de que a carreira de promotor e
procurador, apesar de sua clara importância,
possui uma série de engessamentos e
protocolos em comparação com a profissão
de advogado. Para tais entrevistados,
o Ministério Público teria, portanto, a
característica de ser uma instituição
burocratizada que dá menos autonomia e
independência para seus membros do que
a advocacia.
Outra percepção do Ministério
Público é a de que a instituição, em alguns
casos, atua de forma isolada da sociedade
civil, não tem uma grande interlocução
com ela, está “encastelada”. Assim, foi
mencionado em algumas das entrevistas
que o Ministério Público tem uma cultura
de atuar “sozinho”. Algumas entidades
apontaram a necessidade de haver um
diálogo mais próximo do Ministério Público
com os movimentos sociais, comunidades
e grupos que compõem o “público” com
o qual essas entidades trabalham, de a
instituição estar mais aberta e sensível
para suas demandas. Outros entrevistados
relatam uma mudança mais recente do
Ministério Público em alguns Estados, na
medida em que este está procurando se
aproximar mais da sociedade, realizando
audiências públicas para ouvir demandas
ou mesmo para apresentar suas diretrizes
de atuação. Isso se deve, em partes, pela
própria pressão da sociedade civil que
atua de forma próxima a esta instituição,
por exemplo, por meio das denúncias
e representações encaminhadas para
o Ministério Público. No entanto, há
outro grupo de entrevistados que vê no
Ministério Público uma atuação bastante
próxima da sociedade civil, havendo a
possibilidade de se realizar um trabalho
articulado e com uma interação mais
profunda com as entidades.
Como afirmado no item anterior,
muitos dos entrevistados apontaram
para uma postura bastante conservadora,
criminalizadora e repressiva de alguns
promotores e procuradores em sua atuação.
Outros, porém, afirmam que há promotores
89
bastante progressistas e combativos, que
são verdadeiros parceiros das entidades de
defesa de direitos entrevistadas.
Apresentadas essas linhas gerais das
percepções dos entrevistados a respeito do
Ministério Público, passaremos a apontar
alguns elementos do desenho institucional
da instituição que foram apontados
nas entrevistas como facilitadores ou
bloqueadores da interação.
5.3 DESENHO INSTITUCIONAL
De acordo com as entidades
entrevistadas, os canais de interação mais
frequentes com o Ministério Público são
os núcleos e câmaras especializados e
contatos individuais com procuradores e
promotores com afinidade com a sociedade
civil. Isso significa dizer que a existência de
núcleos e câmaras especializados em certas
temáticas facilita a interação da instituição
com a sociedade civil. Contudo, muitos
dos entrevistados também apontaram que
a interação do Ministério Público com as
entidades da sociedade civil é bastante
dependente da pessoa do próprio promotor
ou procurador. Isso quer dizer que, em
muitos casos, a qualidade da relação entre a
entidade e o Ministério Público depende do
perfil do promotor ou procurador. Ou seja,
o posicionamento político desses membros
do MP em relação a certo tema determina o
grau de parceria (ou mesmo a ausência dela)
entre as entidades e o Ministério Público.
Os entrevistados apontaram que, embora
haja canais institucionais por meio dos
quais a relação se dá, ainda assim a relação
pessoal com o promotor ou procurador é
bastante relevante para determinação de
sua qualidade.
Outra questão bastante apontada
pelos entrevistados é a necessidade de
haver órgãos externos de controle da
instituição, tais como ouvidorias externas
independentes. Outro canal de interação
importante apontado nas entrevistas são
as audiências públicas realizadas pelo
Ministério Público como forma de diálogo
com a sociedade civil, como canal para
“ouvir” suas demandas ou mesmo ter
melhores conhecimentos de questões
e problemas que estão ocorrendo na
sociedade.
A independência funcional dos
membros do Ministério Público, apesar
de ser considerada característica de
desenho institucional fundamental, é
vista em muitos casos como excessiva e
prejudicial à definição de uma estratégia
de atuação comum à instituição. Esta
característica pode gerar fragmentação e
descontinuidade na atuação de promotores
e procuradores. Um caso bastante citado
se dá quando o procurador ou promotor
por algum motivo é promovido ou muda
de cargo e o membro do MP que o substitui
não dá continuidade à atuação do anterior,
rompendo, muitas vezes, com anos de
construção da relação da instituição com
a sociedade civil naquele tema.
Finalmente, apesar de esse
apontamento ser muito mais frequente
no que diz respeito à Defensoria Pública,
muitos dos entrevistados apontam para a
necessidade de uma ampliação do número
de promotores e procuradores e da
estrutura do próprio Ministério Público.
91
A relação das entidades de defesa
de direitos entrevistadas com a Defensoria
Pública guarda muitas semelhanças com
a relação com o Ministério Público. A
maior parte das formas de interação das
entidades da sociedade civil com o MP
também vale para a Defensoria Pública,
com algumas diferenças. Assim, tal relação
será apresentada de forma similar à que
foi apresentada a relação com o Ministério
Público: os principais padrões de interação
entre as entidades da sociedade civil
entrevistadas e a Defensoria Pública (6.1),
as avaliações e percepções que estas
entidades têm da instituição (6.2) e os
pontos de seu desenho institucional que
dificultam ou facilitam a relação com as
entidades da sociedade civil (6.3).
6.1 FORMAS DE INTERAÇÃO
Uma primeira característica da
relação das entidades de defesa de direitos
entrevistadas com a Defensoria Pública
é de que ela não apresenta situações de
antagonismo mais explícito como ocorre
com o Ministério Público. Assim, a avaliação
mais geral dos entrevistados a respeito de
tal interação é positiva, apontada como uma
relação de parceria e complementariedade.
Os aspectos negativos da interação seriam
justamente uma “ausência” de relação,
seja porque a Defensoria ainda não foi
formada naquele estado da federação, seja
porque a defensoria tem uma estrutura
frágil e deficitária. Da mesma maneira
como foi apontado no caso da relação
com o Ministério Público, a interação entre
as entidades entrevistadas e a Defensoria
Pública se altera de estado para estado,
assim como é diferente quando se dá com
a Defensoria Pública Estadual e quando se
dá com a Defensoria Pública da União.
A interação de parceria ou
complementariedade, apontada com
bastante frequência pelos entrevistados,
entre as entidades de defesa de direitos
e a Defensoria Pública se dá de várias
formas. Uma forma de interação bastante
citada neste âmbito é o encaminhamento
de casos das entidades de defesa de
direitos para a Defensoria Pública. Assim
como ocorre na relação com o Ministério
Público, em muitas das vezes as entidades
entrevistadas afirmaram que fazem
o encaminhamento dos casos para a
Defensoria Pública ou porque só fazem o
trabalho de orientação jurídica, ou porque
não têm estrutura (técnica, financeira,
física), ou ainda porque o caso foge da
temática com a qual a entidade trabalha, ou
porque só levavam para o Poder Judiciário
casos paradigmáticos e não realizam
atendimento individual. Há entidades que
afirmaram que é dever do Estado e da
Defensoria Pública fazer o atendimento
individual de casos, promover o acesso
à justiça, e, por esse motivo, acabam se
dedicando a outros tipos de atividades,
como, por exemplo, a realização de litígio
apenas em casos exemplares.
Defensoria Pública: a Defensoria Pública aí
sim, a gente participou do movimento de
criação, uma vez criada a gente sempre
compartilhou casos com a Defensoria,
mas casos que já estavam lá ou casos
6 - INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA
92
que a gente achava que teriam de ser
judicializados e a pessoa não tem como
pagar advogado e a gente orienta a
Defensoria, por quê? Por que a gente não
quer pegar processo? Porque a gente
acredita que acesso à justiça é um direito
que tem que ser garantido também por
mais um serviço estatal. Não à toa a gente
lutou pela criação.
Nós tínhamos a princípio um trabalho de
atendimento de população carente, ou
de pessoas que tinham seus direitos [...]
discriminados. Só que nós entendemos que
isso daí cabe muito mais para o Estado,
cabe pra defensoria, por questões que
acabam pautando com um trabalho de
assistencialismo. Embora ele seja importante,
porque temos ali um grupo de especialistas,
pessoas voltadas; ele não é a questão mais
relevante. A gente continua, mas não é a
questão mais relevante. A gente sempre
encaminha, a gente faz atendimentos de
orientações, um grande número deles pela
internet [...]. Encaminhamos muita gente
para a Defensoria.
[Encaminhamos para] a Defensoria quando
nos chega um caso que não está no escopo
da atuação de uma, vamos dizer, uma
violação de direitos humanos no campo
da nossa intervenção. Ex.: Alguém bate
na nossa porta pedindo uma informação
sobre um inventário que ele tem direito e
não está sendo atendido. Então a gente faz
o atendimento porque a instituição, ela é
pública, ela tem que fazer o atendimento
jurídico... dá consultoria, o esclarecimento,
e faz o encaminhamento pra Defensoria
Pública. Não tem a nossa intervenção
propriamente dita.
Na parte de assessoria, a gente passa,
a gente tenta encaminhar alguns casos
que chegam pra gente, que não estão
muito na nossa esfera ou que a gente não
tem condição de acompanhar naquele
momento, a gente busca dialogar com a
Defensoria.
Não, a gente nunca entrou com ações, a
gente sempre orientou, na hora de entrar
com ações, dependendo do caso, a gente
manda procurar a Defensoria Pública ou o
Ministério Público, estadual ou federal.
À Defensoria Pública a gente encaminha
casos quando não é possível [...] atender
[...] a gente encaminha casos para a
Defensoria Pública.
[...] nós temos aqui como princípio que,
como a gente só vai atender as questões
coletivas, as pessoas que nos procuram,
nós encaminhamos. [...] E atualmente
trabalhamos muito com a Defensoria
Pública, mas encaminhando as pessoas
que veem individualmente até nós, e como
nós não atendemos, nós encaminhamos à
Defensoria Pública.
[A entidade] lida atualmente, por exemplo,
nós só judicializamos questões que digam
respeito ao [temas específicos com os
quais a entidade trabalha]. Algumas ações
que são essenciais pras vidas daquelas
pessoas. Boa parte do nosso trabalho é
de encaminhamento e orientação e esse
encaminhamento é feito especialmente
para a Defensoria Pública da União.
Outra forma de interação entre a
Defensoria Pública e as entidades de defesa
de direitos são os convênios firmados
entre elas. Em geral, em tais convênios, a
Defensoria Pública ou designa defensores
para trabalhar dentro da entidade ou
repassa a verba para que advogados e
estagiários sejam contratados. A Defensoria
também pode encaminhar casos individuais
ou coletivos para que tais defensores ou
advogados ajuízem ações.
Hoje a demanda é muito grande então
a Defensoria estabelece convênios com
algumas organizações. É um filtro muito
bem-feito, eles procuram saber qual a
contrapartida que a gente dá, a gente pode
dar, a nossa contrapartida é um espaço físico,
é a nossa história, nós temos computadores,
93
temos toda uma logística de atendimento,
e, e uma parceira muito grande com os
defensores nas lutas do cotidiano.
[...] a Defensoria Pública como ela atua
na forma da assistência judiciária, que é
garantir a defesa e a própria judicialização
de algumas questões... a Defensoria
Pública ainda atua com uma estrutura
muito limitada frente a toda demanda
que existe de população de baixa renda
e que precisa de alguma forma acessar
o Judiciário. Então a Defensoria Pública
realiza convênios com entidades sem
fins lucrativos, como organizações civis
[...] então [essas entidades] atua[m]
como se fosse um anexo. [É] uma relação
de parceria, existe uma confiança no
desempenho, porque existe uma trajetória
de atuação nessa proposta, com assessoria
jurídica, mas também é como um anexo,
uma estrutura, caso de uma Defensoria, do
que precisa numa Defensoria, a quantidade
de advogados que atuam nisso, então o
convênio daqui, por exemplo, é específico
para uma questão [...]. [E]ntão o que chega
na Defensoria passa por uma triagem, e
se estiver dentro dos critérios que são
estabelecidos por esse convênio, por
exemplo de área, matéria que está sendo
discutida, pode ser distribuída para cá e aqui
é tocada toda a parte de acompanhamento
do processo normalmente, né, então essa é
a forma como a Defensoria atua.
De a gente passar casos pra eles
[Defensoria Pública] ou, inclusive a gente
fazer, com o suporte deles assistência para
adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa nas comarcas em que não
haja defensor. E que não são poucas aqui
[no estado].
Eles trabalham aqui. Os cinco trabalham
aqui. Eles são conveniados com a
Defensoria, pelo convênio. São contratados
pela [entidade], mas a remuneração,
não são funcionários [da entidade], são
contratados pelo convênio.
Algumas das entidades entrevistadas
participaram da luta pela criação das
Defensorias Públicas nos seus estados.
Isso, em muitos casos, significa que tais
entidades têm uma relação de parceria
mais aprofundada com as Defensorias
Públicas que ajudaram a criar, e atualmente
trabalham para que a instituição seja
fortalecida e mais bem estruturada,
ampliando, assim, o acesso à justiça.
Nós nos empenhamos aqui no movimento
pela criação da defensoria pública [...].
Nossa avaliação é uma das melhores do
ponto de vista da atuação dos defensores.
É uma das instituições do Estado que tem
demonstrado um compromisso com as
causas sociais e de maneira geral nós somos
muito favoráveis à criação da defensoria
e à ampliação do número de defensores.
Tanto do Estado e dentro das instituições
do Estado, é uma das instituições que
mais tem participado junto e defendido o
interesse do povo como um todo. Então
somos muito favoráveis à Defensoria
Pública. O ideal seria se todos os Estados
tivessem Defensorias Públicas autônomas
e uma Defensoria da União também. [...]
Mas a Defensoria é nossa grande parceira
nas grandes lutas.
A Defensoria Pública foi uma discussão
dos movimentos sociais, o movimento
social desenhou a Defensoria Pública,
lutamos juntos, corremos para que ela
aconteça, ocorra. Hoje a luta é para que
aumente o número de Defensores, que
o número é pequeno e sobrecarrega a
Defensoria Pública.
Da criação, da luta pela criação da
Defensoria, foi uma das lutas institucionais
que de certa maneira passou a ser a nossa.
A nossa ideia é que é o Estado que tem
que prover essas coisas. Então, tipo,
existe uma Constituição que estabelece
direitos do cidadão e o Estado tem que
fazer isso. Em suma, a [entidade] trabalha
justamente nesse sentido, de entender que
94
o Estado tem que remover os obstáculos
que impedem à igualdade e isso se faz
através da participação, da mobilização
das pessoas em torno disso. Então
fundamentalmente é essa a nossa prática.
É que a gente teve uma proximidade, uma
identidade com a Defensoria Pública, então,
[a entidade] fez parte do movimento pela
criação da Defensoria Pública, participou
ativamente desse movimento [...]. Então
[a entidade] luta pelo fortalecimento da
Defensoria Pública, essa é uma das nossas
maiores lutas, a gente está dentro disso,
isso é uma missão pra gente, extremamente
importante e estratégica porque a gente
entende que, pra você democratizar acesso
à justiça e pra você ter uma defesa de
qualidade, você precisa de uma Defensoria
Pública fortalecida, né? Esse é um trabalho
importante pra gente.
As entidades entrevistadas também
relataram participar ativamente de
audiências públicas e eventos promovidos
pela Defensoria, formações realizadas pelos
defensores públicos para os movimentos
sociais, comunidades e grupos com os
quais a entidade atua, ou até mesmo
formação promovida pelas entidades para
os defensores em temas nos quais elas são
especializadas.
De qualquer maneira, nós temos trabalhado
em parceria com a Defensoria Pública
em algumas demandas em especial
também na formação de Defensores, em
especial na DPU, na Defensoria Pública
da União, na área de direitos humanos. A
Defensoria Pública da União nos procurou
informando [...] a dificuldade de muitos
Defensores de ainda compreenderem
um pouco mais a atuação nos direitos
humanos e, principalmente, terem a
possibilidade, enquanto Defensoria, de
encaminhar à esfera internacional, em
especial, ao Sistema Interamericano e
à ONU determinadas violações, porque
isso também faz parte das possibilidades
e competências previstas à Defensoria
Pública e, nesse sentido, nós temos cada
vez mais afinado no nosso discurso de
parceria e estamos nas últimas fases de
organização do termo de parceria para
realização dessa formação.
Eu sei que a Defensoria também tem
algumas, não são conferências, mas eles
fazem uma espécie de consulta assim
para fazer um planejamento interno, então
eventualmente a gente poderia ter também
esse tipo de relação.
Isso foi muito bom, porque fortaleceu,
propiciou formar um fórum [do
movimento social] porque nessa
formação [a entidade] acabou sendo
uma referência de articulação. O defensor
público esteve conosco agora no final do
ano, em dezembro, e se comprometeu
mensalmente a fazer uma reunião junto à
Defensoria para dar encaminhamento para
a luta. A luta, quando a gente fala é de a
organização coletiva buscar caminhos.
Em muitos casos, as entidades
relataram em suas entrevistas que há uma
complementariedade entre o trabalho que
elas realizam e que a Defensoria Pública
realiza. Essa complementariedade, além
dos casos já mencionados, pode se dar
por meio da atuação judicial conjunta ou
da divisão de trabalho de preparação para
a proposição de ações judiciais ou durante
o processamento dessas. A entidade pode
ainda colaborar com o trabalho da Defensoria
Pública, assim como ocorre com o Ministério
Público, fornecendo conhecimento técnico
ou especializado que ela possua.
Com a Defensoria ainda não. Defensoria
Pública em São Paulo é muito nova. Então,
não deu tempo ainda, para desenvolver [...]
A gente tem momentos de cooperação,
de conteúdo mesmo. Como a Defensoria
Pública é nova [...], tem coisas que a gente
já fez, de ação civil pública, que eles não
tiveram a oportunidade ainda de fazer,
95
porque eles não existiam. Então eles
pedem, “Ah, passa pra mim a sua ação...”,
“Em que pé que está o seu processo
tal?”, claro, a gente passa. Então, é esse
tipo de colaboração, normalmente com a
Defensoria Pública.
Então a gente teve que deixar de ajuizar
essas ações pra realizar os pareceres, então
nós trocamos pelos pareceres como uma
forma de a gente prestar essa assessoria e a
gente encaminha para a Defensoria Pública
para que eles ajuízem essa ação. Mas
hoje, principalmente o núcleo de direitos
humanos aqui da Defensoria Pública do
Estado, é uma grande parceira, eles têm
nos solicitado esses pareceres para instruir
os processos deles, principalmente as
ações civis públicas.
Defensoria é a grande parceira. Porque
constitucionalmente é o órgão responsável
pela assessoria jurídica integral e gratuita
dos hipossuficientes. A atribuição
constitucional é deles. A universidade faz
isso como um apoio, dentro da prática
jurídica, mas faz todo sentido a gente ter
um convênio com eles. E aí a ideia, não é
que a gente substitua o trabalho deles.
[...] e muitos casos com Defensoria
Pública, que a Defensoria entra com ação
e a gente acompanha extrajudicialmente,
ou ao contrário, a gente está com ação e
a Defensoria entra judicialmente, enfim...
diariamente qualquer encaminhamento
de denúncia, órgão de denúncia e
requerimentos, vamos dizer assim, com
poder executivo, principalmente formação
de esclarecimentos, de providências, e
também para os órgãos de defesa.
[...] são processos que a gente acompanha
e são processos da Defensoria, mas que
a gente acompanha junto, discute junto
estratégia, enfim, faz acompanhamento do
caso de uma forma mais ampla.
A Defensoria desde o início tem sido um
parceiro também bastante, até mais do
que o Ministério Público [...], no caso da
Defensoria [...] desde o início da criação
sempre houve por parte da Defensoria,
de Defensores especificamente, uma
procura pela [entidade] para apoiá-los e
fazer um trabalho conjunto nas agendas,
nas pautas [do tema que entidade
trabalha] que eles recebiam.
A ideia é de complementar o trabalho, trazer
uma lógica um pouco diferente, agregar
conhecimento de outras áreas. Então a
gente tem um trabalho interdisciplinar.
Alguns casos a gente trabalha mesmo
em conjunto, em parceria com eles pra
agregar dados, agregar questões. [No
caso concreto], por exemplo, eles atuam
junto com a gente. As ações judiciais é [a
entidade] que cuida, mas várias vezes a
gente deu: oficia você porque a resposta
da Defensoria vem mais rápido do que pra
gente, eles têm poder de requisição ou uma
inserção maior na mídia, ou conseguem
uma agenda mais fácil. E o inverso também.
Às vezes eles [Defensoria Pública] estão
com uma ação judicial e precisam de um
trabalho social. A gente tem todo um grupo
de assistentes sociais, psicólogos. Tem
casos que a gente trabalha juntos mesmo.
Algumas das entidades falam ainda
em uma articulação política e jurídica
entre elas, a Defensoria Pública e, em
alguns casos os grupos, comunidades ou
movimentos sociais que elas representam.
Os entrevistados relataram que em muitos
casos a Defensoria Pública tem mais
facilidade de comunicação com o Poder
Executivo e outros órgãos do Estado.
[Com a] Defensoria a gente tem uma
relação muito boa nesse sentido, buscamos
sempre reunir, sempre levar alguns casos,
porque tem algumas questões que a
gente entende que são necessárias de ter
uma atuação da Defensoria diferenciada.
Então a questão [do grupo com o qual
eles atuam], por exemplo, é uma questão
que a gente já fez algumas reuniões com a
Defensoria para pensar a incidência mesmo
96
dos Defensores nessas demandas, com
uma preocupação de entender o contexto
mesmo, que é contexto do movimento
coletivo, que do tipo de repressão que é
feito, então a gente tem encaminhado
algumas questões para a Defensoria.
Olha, geralmente, quando é um caso
emblemático assim né, que são os casos
em que atua em conjunto, nos casos
coletivos, [...] na hora de propor, ou de
fazer a articulação é que é feita uma
reunião Defensoria Pública e [a entidade]
e às vezes os movimentos também
participam dessas, dessas reuniões, que
é para pensar como é que vai ser a ação,
aí tem um momento onde é discutido, dali
tira a decisão de como é que vai ser feito,
o que vai fazer, o que cada um vai fazer,
e aí não existe assim, ah geralmente essa
tarefa fica pra tal e essa fica pra tal, é assim:
a situação, às vezes você tem... o defensor
que está responsável tem uma relação mais
próxima com determinado, determinada
pessoa que pode ajudar, articular dentro
da prefeitura, enfim, alguma coisa assim, e
aí isso é feito dessa forma, “olha tenho tal
contato, tenho tal contato”, e aí é o que é
mais rápido nesse tipo de situação.
[A entidade não atua] conjuntamente
escrevendo, assinando, peticionando, mas
conseguimos fazer uma articulação com o
trabalho se eles entram com alguma coisa e
precisam de algum tipo de apoio a gente faz.
A gente chegou a ter reuniões para tratar
de alguns casos, mas não judicial, mas na
questão [do grupo com o qual a entidade
trabalha] a gente chegou a ter intervenção
conjunta nesse sentido, de a gente puxar
reuniões com [tal grupo], com a Defensoria.
Mas a atuação de frente, quem apareceu
atuando foi nesse caso, [foi] a Defensoria,
que foi com pedido de informação para
o Executivo. Porque esses órgãos, em
algumas questões, eles têm mais potencial
de obter determinadas informações. [...]
Mas a gente meio que tenta fazer isso. Agir
em algumas situações em conjunto.
Como se pode depreender dos padrões
de interação anteriormente expostos,
assim como os exemplos ilustrativos das
entrevistas que foram dados, da mesma
forma como ocorre na relação com o
Ministério Público, as entidades de defesa
de direitos têm o importante papel de fazer
a mediação entre os grupos, comunidades
e movimentos sociais com os quais
trabalham e a Defensoria Pública. Assim,
a capilaridade de atuação das entidades
entrevistadas permite a identificação de
violações de direitos no contexto social no
qual elas trabalham e a comunicação e o
encaminhamento dessas violações para a
Defensoria Pública como uma das possíveis
formas de buscar soluções. Tais entidades
atuam de modo mais amplo e politizado do
que a Defensoria, articulando a mobilização
social, não só do ponto de vista dos próprios
atores da sociedade civil, mas também em
relação à própria instituição.
Apresentados os principais padrões
de interação das entidades de defesa
de direitos entrevistadas e a Defensoria
Pública, passaremos agora para as
percepções gerais de tais entidades sobre
a instituição.
6.2 PERCEPÇÕES SOBRE A DEFENSORIA
PÚBLICA
Também em relação às percepções
das entidades de defesa de direitos quanto
à instituição, há pontos em comum entre a
Defensoria Pública e o Ministério Público.
Alguns dos entrevistados fizeram
críticas a respeito da grade curricular das
faculdades de direito no sentido de que
estas poderiam ser mais voltadas para a
compreensão da realidade e para uma
atuação mais conectada com o social, assim
como apontaram que grande parte dos alunos
97
nesses cursos pertence a uma elite social e
econômica. Segundo esses entrevistados,
tais fatores teriam um reflexo nas pessoas
que passam nos concursos públicos e que
ocupam cargos na Defensoria Pública e
também no Ministério Público, assim como
na própria instituição. Como consequência,
os membros dessas instituições tenderiam
a ter um grande distanciamento dos
problemas sociais que existem no Brasil, o
que geraria uma visão preconceituosa e
conservadora a respeito dos grupos com
os quais as entidades em geral trabalham.
Os entrevistados também apontaram, assim
como ocorre com o Ministério Público, a
necessidade de uma formação em direitos
humanos para os defensores públicos.
Os entrevistados assinalaram o fato
de que os defensores públicos, assim como
promotores e procuradores, possuem
uma certa limitação em sua atuação, seja
porque estão subordinados em alguma
medida ao Estado, seja porque a própria
burocracia da instituição os restringe, o
que diminui sua capacidade de atuação.
Alguns entrevistados afirmaram ter havido
intervenções políticas no trabalho da
Defensoria Pública por parte do governo
do estado, assim como realocação de
defensores públicos para outras localidades
e dissolução de núcleos temáticos.
Algumas das entidades que possuem
convênio com a Defensoria Pública fizeram
a crítica de que há uma excessiva pressão
da instituição para que se cumpra metas
de atendimento, o que pode acabar por
descaracterizar o próprio escopo de
atuação da entidade de defesa de direitos.
Outra questão apontada é que,
atualmente, como consequência de uma
melhoria nos salários e na estrutura da
carreira, muitas pessoas estão sendo
atraídas para a Defensoria Pública,
mesmo sem ter um interesse específico
em trabalhar na instituição. Assim, há a
percepção por parte dos entrevistados de
que há uma nova geração de Defensores
que é “menos vocacionada” ao trabalho e
mais “corporativista” e, portanto, menos
aberta à interação com a sociedade civil.
Apesar dessas percepções em
alguma medida negativas, os entrevistados
acreditam que a Defensoria Pública e seus
membros são mais próximos da sociedade
civil e mais acessíveis do que os membros
do Ministério Público. Algumas entidades
afirmaram que há mais “afinidade
ideológica” entre os atores da sociedade
civil e da Defensoria Pública, e que os
defensores teriam um tipo de trabalho mais
próximo do que as entidades realizam. Há
também uma maior afinidade temática
entre as entidades de defesa de direitos
e a Defensoria Pública. Até pelo fato de
muitas das entidades entrevistadas terem
trabalhado na criação ou no fortalecimento
das Defensorias Públicas, elas acreditam
ter uma parceria maior com a instituição.
De acordo com muitas dessas entidades,
é bastante importante esse processo de
fortalecimento das Defensorias Públicas
pela sociedade civil, e que se estimule a
instituição a cumprir seu papel social.
Em linhas gerais, esses seriam os
padrões de percepção das entidades
da sociedade civil acerca da Defensoria
Pública. Passamos agora para os elementos
de desenho institucional que facilitam ou
bloqueiam a interação entre as entidades
de defesa de direitos e a Defensoria Pública.
6.3 DESENHO INSTITUCIONAL
O ponto assinalado nas entrevistas
como o mais problemático em relação
à Defensoria Pública é justamente suas
deficiências de infraestrutura e pessoal.
98
Muitos entrevistados apontaram como
uma mudança necessária na instituição
o aumento do número de defensores e a
ampliação e melhoria de sua estrutura
de atendimento. Em alguns lugares, a
deficiência de pessoal, a sobrecarga
de trabalho e a falta de estrutura da
Defensoria Pública é tão grande que chega
a comprometer a relação da entidade com
as entidades da sociedade civil. Alguns
entrevistados relataram a impossibilidade
de se relacionar com a instituição na
medida em que ela não dava conta nem
de atender os casos que chegavam a ela.
Em outros casos, entrevistados relataram
que convênios foram extintos na medida
em que a Defensoria precisava que os
defensores locados na entidade voltassem
a trabalhar na instituição, dada a enorme
falta de pessoal. Isso sem se falar, é claro,
nos estados nos quais as Defensorias ainda
não foram estruturadas, nos quais há uma
mobilização da sociedade civil para sua
criação. E mesmo nos estados em que a
Defensoria é mais forte estruturalmente e
mais atuante, membros da sociedade civil
apontam para o fato de que é necessário
consolidá-la, fortalecê-la e ampliá-la.
A Defensoria Pública da União é
bem menos citada pelos entrevistados
do que a Defensoria Pública estadual.
Como afirmado anteriormente, a DPU é a
instituição competente para tratar de casos
que envolvam matéria federal. Segundo os
entrevistados, em muitas localidades, a
DPU é citada como tendo uma interação
bastante positiva com as entidades de
defesa de direitos, mas, em outros casos,
os entrevistados apontam uma baixa
interação com a instituição, em grande
medida pela incipiência da instituição e a
dificuldade em acessá-la.
Assim como ocorre com o Ministério
Público, os entrevistados assinalaram que a
existência de núcleos e câmaras temáticas
favorece muito a relação da entidade com
a Defensoria Pública. Tais núcleos facilitam
a interação na medida em que, ao se
especializarem em certos temas, acabam
se familiarizando com problemas mais
relevantes naquela área, aperfeiçoam as
melhores estratégias de atuação judicial
e potencialmente ficam mais próximos
dos atores sociais ligados àquela questão.
Contudo, assim também como ocorre
com o Ministério Público, a existência
de núcleos especializados não diminui a
importância de contatos pessoais com os
defensores públicos e a necessidade de
que haja afinidades políticas para que a
interação se dê de forma mais intensa e
com maior qualidade.
Alguns entrevistados citaram a falta
de autonomia como um problema das
Defensorias, com a possibilidade de haver
interferência política externa no trabalho
dos defensores. As entidades também
pontuaram que seria importante que
todas as Defensorias Públicas possuíssem
ouvidoria externa independente.
As audiências públicas foram
apontadas como um importante
instrumento da Defensoria Pública para
se aproximar da sociedade civil, tomar
conhecimento das questões e problemas
com os quais as entidades estão envolvidos,
assim como ouvir seu posicionamento a
respeito de tais questões. Foi mencionado
como um ponto importante para a
interação entre as entidades de defesa de
direitos e a Defensoria a apresentação do
planejamento anual da instituição em tais
eventos.
99
7.1 - A FORMAÇÃO DE DEFENSORES
DE DIREITOS
A descrição dos elementos de
trajetória identificados a partir das
entrevistas com os 130 respondentes da
pesquisa destacou três grandes grupos de
fatores como determinantes à formação
de defensores de direitos: experiências
universitárias, experiências profissionais e
experiências sociais e pessoais. Além de
influências familiares, vínculos religiosos
e da identificação dos respondentes com
os grupos que buscam defender terem se
revelado determinantes para a formação de
defensores de direitos, há dois elementos
de trajetória que estão mais claramente ao
alcance das políticas públicas e, dessa forma,
merecem ser enfatizados no âmbito deste
relatório: as experiências universitárias e
profissionais dos respondentes.
As experiências no âmbito
universitário, que abarcam desde a dimensão
do ensino e da pesquisa até iniciativas de
extensão e o movimento estudantil, se
revelaram as mais frequentes no grupo
entrevistado pela pesquisa. Em especial
no caso de entrevistados que, formados
em direito ou ainda estudantes de direito,
essas experiências são reputadas como
responsáveis por uma maior aproximação
dos respondentes, enquanto estudantes, de
demandas sociais, de violações de direitos
e de grupos e movimentos organizados
em torno dessas demandas e violações.
A partir dessa aproximação, ocorre uma
maior politização do indivíduo, bem como
um aprendizado sobre as necessidades
de atuação em relação a determinados
grupos e sobre estratégias de trabalho.
As experiências de extensão universitária,
em especial, aparecem como um primeiro
aprendizado da advocacia de interesse
público, ainda durante a graduação em
direito.
Experiências profissionais também
contribuem neste sentido. Em especial,
estágios em ONGs e no Ministério Público
foram elementos relativamente frequentes
nas trajetórias dos respondentes. Da mesma
forma que as extensões universitárias,
estas experiências de estágio foram
relatadas como uma oportunidade de
entrar em contato com certos problemas
sociojurídicos e de conhecer técnicas e
formas de atuação para buscar resolvê-los.
A politização e o aprendizado de
estratégias de atuação e mobilização
referidos pelos entrevistados como
decorrentes dessas influências se reflete,
em grande medida, no perfil das entidades
onde eles atuam. Tendo em vista que
os entrevistados, em regra, atribuem
o seu envolvimento com defesa de
direitos às experiências de proximidade
com comunidades, coletivos, grupos
e movimentos sociais vulneráveis, a
capilaridade das entidades de defesa de
direitos não surpreende. Igualmente, a
combinação de estratégias jurídicas – ou,
sobretudo, a compreensão da atuação
judicial como parte de uma gama de
formas de atuação – pode ser identificada
nas trajetórias dos entrevistados. Com
frequência, os respondentes afirmam ter
combinado, em sua história acadêmica e
profissional, ativismo político com atuação
7 - CONCLUSÕES
100
técnica, explorando âmbitos institucionais
e estratégias de mobilização que não
estão restritos ao Judiciário ou ao direito.
Identificam-se, dessa forma, alguns dos
vetores para a formação de defensores
de direitos no Brasil e a sua relação com
o tipo de trabalho que desenvolvem nas
entidades onde atuam.
7.2 TIPOS DE ADVOCACIA
DE INTERESSE PÚBLICO
A descrição dos perfis das entidades
de defesa de direitos que compõem a
amostra apontou para uma importante
variedade de experiências, temáticas
de atuação, estruturas e formas de
organização, atividades e âmbitos de
trabalho. Há grande diversidade no perfil
das entidades entrevistadas quanto à sua
estrutura interna (física e de pessoal):
desde entidades comunitárias, que
trabalham com voluntariado ou que
contam com integrantes que são, eles
próprios, parte dos grupos a que visam
defender as entidades, e com estrutura de
funcionamento frágil (poucos contratados,
advogados voluntários e esporádicos,
sem financiamento fixo), até organizações
com estrutura mais profissionalizada
(assessoria de imprensa, grande número
de contratados, advogados com dedicação
exclusiva no corpo da entidade).
Como se viu, as entidades de defesa
de direitos da sociedade civil costumam
atuar em diversas frentes, junto aos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
e com frequência apostam em estratégias
integradas para a mobilização de uma
determinada demanda. A capacidade
de atuação, tanto do ponto de vista
quantitativo quanto em termos de alcance
das ações, está relacionada à estrutura
interna da entidade. Nas distintas frentes
de atuação, as entidades mobilizam
estratégias diversas, tais como litígio,
litígio estratégico, advocacy, participação
em conselhos e audiências públicas,
mobilização social, lobby nos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário,
estratégias de comunicação/mídia,
formação/educação/capacitação popular,
consultoria jurídica, monitoramento de
políticas públicas.
Especificamente com relação à
atuação judicial das entidades, observou-
se uma mudança de estratégia, valorizando
a coletivização das demandas judiciais,
em detrimento de uma advocacia client-
oriented, que promovia ações judiciais
individuais. A coletivização manifesta-
se não apenas no recurso das ações
coletivas, mas também no das individuais
com potencial coletivo de repercussão
(casos exemplares, paradigmáticos). A
profissionalização das entidades de defesa
de direitos é acompanhada pela definição
clara dos limites de atuação das entidades,
com relação a público atendido, tema.
O aperfeiçoamento da atuação jurídico-
judicial envolve o emprego de uma série
de estratégias, além da judicial, tais como:
articulação social, formação, advocacy,
pesquisa, mídia e lobby judicial.
Os financiamentos internacional e
nacional público revelaram-se os mais
recorrentes nas entidades entrevistadas.
Para a atuação judicial, recursos de fora
do País são mais relevantes, tanto de
fundações públicas quanto privadas. Outras
atividades costumam ser financiadas por
editais públicos de governos municipais,
estaduais e federal. Em menor proporção,
as entidades obtêm parte de seus recursos
de doações individuais ou a partir da
prestação de serviços ou vendas de
produtos da entidade. Dificuldades de
financiamento são apontadas, de forma
101
quase unânime, como um dos principais
obstáculos à execução das atividades.
Com frequência, são seis os fatores
problemáticos ligados ao financiamento.
Primeiro, a diminuição da disponibilidade
de financiamento internacional. Muitos
dos financiadores internacionais estão
retirando financiamentos para entidades da
sociedade civil, na medida em que o Brasil
passou a ser considerado um país em um
estágio mais avançado de desenvolvimento
econômico e social, com capacidade de
captação de recursos internos para o
desenvolvimento de suas atividades. A
redução do apoio internacional à área
de litígio estaria relacionada, também, à
percepção, por parte dos financiadores,
de que a atividade poderia ser feita pela
Defensoria Pública e pelo Ministério
Público. Segundo, a conjuntura econômica,
a crise financeira internacional teria
retirado grande parte da possibilidade de
financiamento do Norte global, de onde, em
geral, parte o financiamento internacional.
Paralelamente, o fortalecimento da
economia brasileira teria valorizado a
moeda local, tornando o financiamento em
moeda estrangeira menos rentável. Terceiro,
a estrutura legal rígida e complexa imposta
às organizações não governamentais
para acessar o financiamento público
nacional e para prestar contas. Quarto, a
ausência de uma cultura de financiamento
nacional, seja por pessoas físicas, seja por
pessoas jurídicas. Quinto, a dificuldade de
financiar determinados temas. Sexto, em
particular no âmbito das ações jurídicas, as
formas de financiamento são vistas como
incompatíveis com a atividade de litígio, já
que são, em regra, focadas em projetos de
curto ou médio prazo, enquanto o litígio tem
tempo indeterminado. Alguns entrevistados
apontaram que a natureza do trabalho de
assessoria jurídica (que raramente produz
resultados concretos imediatos, em razão
da demora judicial) e a sua imprevisibilidade
também desestimulam financiadores, em
especial internacionais.
A partir das informações sobre os
temas, atividades, estrutura, financiamento
e estratégias de atuação das entidades
entrevistadas, é possível identificar uma
ampla variedade de experiências de
mobilização jurídica na sociedade civil.
A miríade de conceitos mobilizados pela
literatura para caracterizar o tipo de trabalho
dessas entidades (advocacia popular,
advocacia de interesse público, litígio
estratégico, advocacia pro bono, assistência
judicial) mostra-se, assim, insuficiente
para abarcar a complexidade desse
campo de atuação. A mobilização jurídica
é multifacetada, no Brasil, e quaisquer
políticas públicas formuladas para este
campo devem levar em conta a variedade
de experiências, perfis e necessidades de
atores tão distintos entre si.
7.3 MP E DP: O FATOR DESENHO
INSTITUCIONAL
A pesquisa identificou uma série de
padrões de interação entre as entidades de
defesa de direitos estudadas, o Ministério
Público (MP) e a Defensoria Pública
(DP), sendo que muitas dessas formas de
relação eram comuns às duas instituições.
Entre tais padrões comuns, podemos
citar, primeiramente, o encaminhamento
de casos das entidades de defesa de
direitos para o Ministério Público (por
meio de denúncias e representações) e
para a Defensoria Pública. As entidades
citaram como motivo para fazer os
encaminhamentos, entre outros, (i) o
fato de somente fazerem o trabalho de
orientação jurídica e não entrarem com
ações judiciais; e/ou (ii) o fato de que não
têm estrutura (técnica, financeira, física)
102
para atender o caso em questão; e/ou (iii)
porque o caso foge da temática com a
qual a entidade trabalha; e/ou (iv) porque
só levavam para o Poder Judiciário casos
paradigmáticos e não realizam atendimento
individual; e/ou (v) porque acreditam que
o peso institucional do Ministério Público
e da Defensoria Pública pode colaborar
para um desfecho positivo do caso. Para
algumas entidades, esse encaminhamento
de casos para o Ministério Público e para
a Defensoria Pública também é justificável
na medida em que elas acreditam ser um
dever do Estado e função das instituições
fazer o atendimento individual ou coletivo
aos cidadãos, promovendo, assim, o acesso
à justiça. Este encaminhamento de casos
também é uma forma de as entidades
da sociedade civil levarem ao MP e à DP
questões relevantes que estão ocorrendo
no campo no qual elas trabalham. Assim,
elas buscam fazer com que o MP e a DP
atuem nos casos que elas consideram
relevantes.
As entidades de defesa de direito
apontaram que também realizam
parcerias e articulações com o Ministério
Público e com a Defensoria Pública. Essas
parcerias e articulações podem se dar
tanto na forma de reuniões ou seminários
promovidos pelo MP e DP para discussão
de casos (e que em alguns conta também
com a presença de grupos com os quais
as entidades trabalham) como pela
transferência de informações da sociedade
civil para embasar ações do MP e da DP.
Outro importante padrão de interação
entre as entidades da sociedade civil e o
Ministério Público e Defensoria Pública
são as diversas formas de atuação judicial
conjunta e a divisão de trabalho para a
proposição de uma ação ou durante o seu
processamento (em geral, as entidades
entrevistadas coletam informações e
documentos com a comunidade ou grupo
com quem trabalham para embasar as
ações do MP e DP).
A participação em audiências públicas
ou eventos organizados pelo Ministério
Público e pela Defensoria Pública é outra
forma importante de interação entre tais
instituições e as entidades da sociedade
civil. Em alguns casos, ocorre o contrário,
quando as entidades é que organizam
eventos e contam com a participação de
promotores, procuradores e defensores.
O mesmo intercâmbio pode acontecer
com cursos de formação organizados
pelo MP e pela DP para as entidades e
vice-versa. Ambas as instituições também
realizam convênios de diversos tipos com
as entidades de defesa de direitos. As
entidades também buscam influenciar a
agenda temática do MP e da DP, por meio
de encaminhamento de casos ou por meio
de participação em grupos temáticos,
debates e articulações com a sociedade
civil e com outros órgãos do Estado e a
tentativa de sensibilização dos membros
do MP e da DP.
Finalmente, uma importante forma de
interação é a mediação feita pelas entidades
de defesa de direitos entre movimentos
sociais, comunidades e grupos com os
quais elas trabalham e o Ministério Público
e a Defensoria Pública. Tais entidades, por
sua capilaridade na sociedade, conseguem
identificar questões, problemas e violações
de direitos que não são visíveis para o
MP e a DP. Assim, tais entidades fazem a
conexão entre esses movimentos sociais,
grupos e comunidades com os quais elas
trabalham, levando suas questões para tais
instituições. As entidades de defesa de
direito também articulam a mobilização
social em torno de demandas, atuando de
forma mais ampla e politizada.
Os pontos da relação entre as
103
entidades e o MP e a DP que não coincidem
são no que diz respeito ao MP, o seu
antagonismo em relação a algumas das
entidades entrevistadas, principalmente
aquelas que atuam com a temática da terra
e de questões criminais e, no caso da DP,
toda a luta pela criação e fortalecimento
das Defensorias Públicas, realizada pela
sociedade civil. De maneira geral, os
entrevistados acreditam que a Defensoria
está mais próxima das entidades da
sociedade civil, e é também mais acessível
do que o Ministério Público.
No que diz respeito ao desenho
institucional das entidades, a pesquisa
constatou por meio das entrevistas que
a existência de núcleos ou câmaras
especializadas no Ministério Público e
Defensoria Pública facilita a interação
das entidades da sociedade civil com
estas instituições. Contudo, a relação
entre a pessoa do promotor, procurador e
defensor e a entidade é determinante para
que a interação ocorra. Assim, afinidades
políticas e ideológicas podem favorecer a
interação, assim como oposições podem
inviabilizá-la completamente.
Os entrevistados também apontaram
que um importante elemento no desenho
institucional tanto da Defensoria Pública
como do Ministério Público é a existência
de ouvidorias externas independentes. As
entidades criticaram também uma falta
de formação em direitos humanos mais
aprofundada dos promotores, procuradores
e defensores. Além disso, as audiências
públicas e demais eventos realizados
pelo Ministério Público e pela Defensoria
Pública para o diálogo com a sociedade
civil, assim como a apresentação do
planejamento anual das instituições nestas
datas, foram indicados nas entrevistas
como um importante canal de diálogo com
as entidades de defesa de direitos.
Outro ponto bastante assinalado foi
o de que a Defensoria Pública, em muitos
estados, tem uma grande deficiência de
pessoal e uma infraestrutura limitada. Este
fator foi apontado pelos entrevistados
como um importante limitador da relação
entre a Defensoria e as entidades da
sociedade civil.
Dado o exposto, pode-se dizer que
foram identificadas diversas e importantes
formas de interação entre o Ministério
Público, a Defensoria Pública e as entidades
de defesa de direitos entrevistadas. A
pesquisa também captou percepções e
avaliações das entidades a respeito das
instituições. E, finalmente, foram apontados
elementos do desenho institucional do
MP e da DP que facilitam ou bloqueiam
a interação das entidades de defesa de
direitos com eles. Tais informações poderão
ser usadas para promover e aperfeiçoar as
formas de interação aqui expostas.
105
Com base nas conclusões delineadas
a partir dos dados apresentados, é possível
identificar eixos potenciais para a formulação
de políticas públicas voltadas à superação
dos problemas apontados pela pesquisa
e – em especial quanto ao foco central do
estudo – à otimização da interação entre as
entidades de defesa de direito e os órgãos
de litígio do Estado: o Ministério Público e
a Defensoria Pública. Estes eixos emergem
dos tópicos abordados no relatório, a saber:
(8.1) quanto aos indivíduos que exercem a
advocacia de interesse público; (8.2) quanto
às entidades de defesa de direitos; e (8.3)
quanto aos órgãos do Estado.
8.1 EIXO INDIVIDUAL: INCENTIVOS À
FORMAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE
DEFENSORES DE DIREITOS
Com base na análise das trajetórias
acadêmicas e profissionais dos 130
respondentes das entrevistas, a pesquisa
identificou dois importantes vetores de
formação de defensores de direitos: as
experiências universitárias e profissionais pelas
quais passam esses indivíduos, em especial
se oriundos do curso de direito. O estudo
apontou, ainda, para a conexão entre o perfil
desses respondentes e o perfil de atuação
das entidades onde trabalham. A capilaridade
observada em muitas das entidades de
defesa de direitos, a sua proximidade
com outras organizações e movimentos
organizados, bem como as estratégias de
atuação adotadas são, em grande medida, as
mesmas apreendidas por estes respondentes
na sua trajetória precedente ao trabalho na
entidade. Dessa forma, o fortalecimento e a
ampliação de entidades de defesa de direitos
(ponto tratado especificamente no eixo a
seguir) estão ligados à criação de incentivos
à formação e multiplicação dos agentes que
mobilizam estas entidades: os defensores de
direitos.
A pesquisa permite identificar duas
áreas com potencial para a aplicação de
eventuais mecanismos com o objetivo de
formar e multiplicar defensores de direitos:
Experiências universitárias: sendo as
experiências de ensino, pesquisa e
extensão universitárias recorrentes
nas trajetórias dos respondentes da
pesquisa, o fortalecimento do tripé
fundamental do ensino superior brasileiro
tem potencial de gerar incentivos
para a formação e multiplicação de
defensores de direitos. No âmbito do
ensino, disciplinas e cursos na área de
direitos humanos foram repetidamente
apontados como influências positivas.
No âmbito da pesquisa, igualmente,
grupos de pesquisa e bolsas de
iniciação científica em direitos humanos
foram identificados na trajetória de
diversos entrevistados. No âmbito
da extensão universitária, o papel de
grupos de assessoria jurídica popular
como primeira fonte de experiência
em advocacia de interesse público é
notável, que pese às suas dificuldades de
manutenção, em especial a precariedade
das linhas de financiamento hoje
disponíveis, notadamente, fundos
públicos disponibilizados por editais de
curto prazo;
8 - DESDOBRAMENTOS
106
Experiências profissionais: ao lado de
experiências internas à universidade,
a participação em estágios junto a
Organizações Não Governamentais e
aos órgãos de litígio do Estado, em
especial o Ministério Público, revelou-
se central para um número relevante
de entrevistados. Fortalecer esta
dimensão da formação acadêmico-
profissional de estudantes constitui-
se, dessa forma, em um potencial
incentivo à formação e multiplicação
de defensores de direitos. A
viabilização desse fortalecimento,
porém, está ligada às condições
estruturais das instituições estatais e
das ONGs, especialmente, no caso das
últimas, no tocante à disponibilidade
de fundos para contratação.
8.2 EIXO SOCIEDADE CIVIL:
FORTALECIMENTO E AMPLIAÇÃO DA
DEFESA DE DIREITOS
Em razão da capilaridade e variedade
de temas, atividades e estratégias de
atuação, as entidades de defesa de direitos
desempenham papéis que dificilmente podem
ser subsumidos por órgãos estatais. Por
isso, complementam, em diversos sentidos,
advocacia de interesse público prestada pelo
Estado, além de tematizarem e mobilizarem
as instituições oficiais a determinados
posicionamentos e atividades. Dessa forma,
fortalecer as entidades já existentes e ampliar
o espaço para multiplicação de organizações
da sociedade civil é um instrumento em
potencial para aprofundamento da defesa de
direitos no Brasil.
Os principais obstáculos para o
desenvolvimento da defesa de direitos no
País identificados na pesquisa estão ligados
ao financiamento. Tendo em vista as seis
dificuldades de financiamento destacadas
no relatório, o fortalecimento e ampliação
da defesa de direitos podem passar por
distintos caminhos:
Alternativas de financiamento nacional
público e/ou privado frente à saída do
financiamento internacional do Brasil,
que afeta, especialmente, a atividade
jurídica das entidades de defesa de
direitos;
Alternativas jurídico-institucionais
pa ra solucionar eventuais entraves
burocráticos enfrentados no acesso
ao financiamento nacional público,
no uso e na prestação de contas
referentes a estes recursos;
A construção de incentivos para o
financiamento de temáticas preteridas
por financiadores tradicionais;
A estruturação de formas de
financiamento compatíveis com as
particularidades da atividade jurídica.
8.3 EIXO ESTADO: DESENHO
INSTITUCIONAL PARA PROMOVER
INTERAÇÃO
Com base nas entrevistas realizadas
com as entidades de defesa de direitos,
nas formas de interação delas com o MP
e a DP, nas percepções das entidades
sobre o MP e a DP e nos elementos do
desenho institucional identificados como
facilitadores ou bloqueadores da interação
com a sociedade civil, os seguintes eixos
de política pública podem ser formulados:
Estimular a criação e a consolidação de
núcleos e câmaras especializadas no
Ministério Público e Defensoria Pública;
Pensar formas de minimizar os efeitos
negativos da importância da pessoa
107
dos membros do Ministério Público
e da Defensoria Pública na interação
com as entidades de defesa de direitos,
ou seja, pensar formas de essa relação
não ficar inviabilizada ou diminuída
quando houver divergências políticas
entre os membros das instituições e
as entidades da sociedade civil;
Pensar formas de haver continuidade
do trabalho que o promotor, procurador
ou defensor estava realizando com
as entidades de defesa de direitos
quando eles mudam para outro posto
e são substituídos;
Fomentar a formação em direitos
humanos dos promotores, procuradores
e defensores, fomentar a educação em
direitos humanos nas faculdades de
direito, incentivar que a matéria que
envolva direitos humanos seja cobrada
em provas de concurso público;
Fomentar a realização de audiências
públicas pelo Ministério Público e
pela Defensoria Pública nas quais
participe a sociedade civil, assim
como incentivar que essas instituições
apresentem seus planos de ação
anuais e estejam abertos para debates
e discussões com a sociedade civil;
Estimular a criação e fortalecer
ouvidorias externas independentes;
Fortalecer as Defensorias Públicas
com investimentos no aumento dos
defensores em seus quadros, assim
como na infraestrutura da instituição;
Quando for necessário, investir
também no aumento de pessoal e
infraestrutura no Ministério Público;
Estimular a criação das Defensorias
Públicas nos estados nos quais elas
ainda não existem.
109
Entidade Cidade
1 Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil São Paulo
2 Ação Educativa São Paulo
3 Acesso Cidadania e Direitos Humanos Porto Alegre
4 ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero Brasília
5 Artigo 19 São Paulo
6 ASBRAD Guarulhos
7 Assessoria Interdisciplinar e Intercultural em Direitos Humanos – AIDH Belém
8 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT
Curitiba
9 Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA São Paulo
10 Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação Belo Horizonte
11 Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo – APOGLBT São Paulo
12 Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR-BA
Salvador
13 Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos – ACT
São Paulo
14 Associação de Mulheres da Zona Leste – AMZOL São Paulo
15 Associação de Proteção e Defesa do Crédito do Consumidor – PRODECCON Rio de Janeiro
16 Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED
Brasília
17 Casa da Mulher Trabalhadora – CAMTRA Rio de Janeiro
18 CEDECA Ceará Fortaleza
19 CEDECA DF Brasília
20 CEDECA Interlagos São Paulo
21 Centro das Mulheres do Cabo Cabo de Santo Agostinho
22 Centro de Apoio aos Direitos Humanos “Valdicio Barbosa dos Santos” – CADH Vitória
23 Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola Rio de Janeiro
24 Centro de Assessoria Jurídica Universitária da UFC – CAJU-CE Fortaleza
25 Centro de Defesa da Vida e dos DH de Açailândia Açailândia
26 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Monica Paião Trevisan” – CEDECA Sapopemba
São Paulo
27 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA – Casa Renascer
Natal
28 Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis – CDDH Petrópolis
29 Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza
Fortaleza
30 Centro de Direitos Humanos de Palmas – CDHP Palmas
31 Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Bráz – CDH Joinville
32 Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT São Paulo
33 Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social Recife
ANEXO I - LISTA DE ENTIDADES ENTREVISTADAS
110
34 Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos São Paulo
35 Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo – CSDDH São Paulo
36 Cerrado Assessoria Jurídica Popular Goiânia
37 Comissão Justiça e Paz de São Paulo São Paulo
38 Comissão Pastoral da Terra – Amazonas Manaus
39 Comissão Pastoral da Terra – Regional MG Belo Horizonte
40 Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará Belém
41 Comissão Pastoral da Terra – Regional Rondônia Porto Velho
42 Comissão Pró-Índio São Paulo
43 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil
São Paulo
44 Conectas DH São Paulo
45 Conexión Migrante Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante São Paulo
46 Confederação Nacional das Entidades de Família – CNEF Brasília
47 Conselho Indigenista Missionário – CIMI Brasília
48 Cordel Vida – Centro de Orientação e Desenvolvimento de Luta pela Vida João Pessoa
49 Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto – Núcleo Direito à Cidade – FDUSP
São Paulo
50 Dignitatis – Assessoria Técnica Popular João Pessoa
51 Embaixada Cigana do Brasil São Paulo
52 Escritório de Direitos Humanos de Minas Gerais Belo Horizonte
53 Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito Fortaleza
54 Escritório Experimental OAB/SP São Paulo
55 Escritório Modelo PUCSP São Paulo
56 Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião Rio de Janeiro
57 Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves – FDDHMMA João Pessoa
58 Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP Recife
59 Geledés Instituto da Mulher Negra São Paulo
60 Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual – GADVS São Paulo
61 Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS da Bahia – GAPA-BA Salvador
62 Grupo de Incentivo à Vida – GIV São Paulo
63 Grupo Matizes Pela Livre Expressão Sexual Teresina
64 Grupo Mulher Maravilha Recife
65 Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro
66 Instituto Braços Aracajú
67 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC São Paulo
68 Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência – IBDD Rio de Janeiro
69 Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte – IDC Goiânia
70 Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD São Paulo
71 Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – POLIS São Paulo
72 Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá Porto Alegre
73 ILANUD São Paulo
74 Instituto Luiz Gama São Paulo
75 Instituto Práxis de Direitos Humanos – IPDH São Paulo
76 Instituto Pro Bono São Paulo
77 Instituto Socioambiental – ISA São Paulo
111
78 Instituto Terramar Fortaleza
79 Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social São Paulo
80 Justiça Global Rio de Janeiro
81 Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais – MDC/MG Belo Horizonte
82 Movimento de Atingidos por Barragens – MAB São Paulo
83 Movimento República de Emaús Belém
84 Nuances Grupo Pela Livre Orientação Sexual Porto Alegre
85 Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFCE Fortaleza
86 Núcleo de Assessoria Jurídica Popular “Direito nas Ruas” da UFPE – NAJUP-UFPE Recife
87 Oficina dos Direitos da Mulher São Paulo
88 Organização de Direitos Humanos Projeto Legal Rio de Janeiro
89 Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB São Paulo
90 Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAAP São Paulo
91 Rede Social de Justiça e Direitos Humanos/SP São Paulo
92 Serviço de Apoio Jurídico da UFBA – SAJU/BA Salvador
93 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS Porto Alegre
94 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da USP – SAJU-USP São Paulo
95 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular – SAJU/UNIFOR Fortaleza
96 Setor de Direitos Humanos do MST São Paulo
97 Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos – SMDH e Centro de Cultura Negra do Maranhão
São Luís
98 Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH Belém
99 SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade – Parte I Porto Alegre
100 SOS Ação Mulher e Família de Campinas Campinas
101 SOS Ação Mulher e Família de Uberlândia Uberlândia
102 Terra de Direitos Curitiba
103 Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero Porto Alegre
113
Objetivo específico da entrevista: identificar que aspectos do desenho institucional do
Ministério Público e da Defensoria Pública contribuem com ou dificultam a relação desses
órgãos com entidades de advocacia popular.
Tópicos abordados na entrevista:
1) Perfil do respondente: o que faz na entidade; experiência com o trabalho; for-
mação; por que trabalha na entidade.
2) Perfil da entidade: definição do tipo de trabalho que desenvolve (“advocacia
popular”, “litígio estratégico” etc.); áreas e temas de atuação; estratégias de atua-
ção; organização interna; financiamento.
3) Atuação judicial: identificação dos tipos de casos em que a entidade atua
judicialmente; como esses casos chegam à entidade; estratégias de atuação da
entidade.
4) Relação com a Defensoria Pública e com o Ministério Público: identificar se há
ou não experiência de relação com a DP e o MP; ilustrar com experiências concre-
tas de relação; identificar a percepção da entidade sobre pontos positivos e nega-
tivos da relação.
5) Desenho institucional/organizacional.
ROTEIRO DE ENTREVISTA:
PERFIL DO ENTREVISTADO
(A primeira pergunta é de cunho mais biográfico, para compreendermos melhor o
perfil das pessoas que trabalham em entidades de defesa de direitos.)
1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional, acadêmica foram importantes
para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?
-
soas ou instituições foram importantes nessa escolha profissional?
2. Qual trabalho desenvolve nesta entidade? Desde quando você trabalha nesta enti-
dade?
3. (Para o caso de trabalhar na área de litígio da instituição) Por que optou por trabalhar
com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?
ANEXO II - ROTEIRO DE ENTREVISTA
114
PERFIL DA ENTIDADE
4. Essa pergunta serve para compreendermos melhor a trajetória dessa entidade, quan-
do ela foi formada e com quais objetivos.
a. (Para esmiuçar, caso o entrevistado não tenha explorado na resposta) Quais
pessoas ou instituições foram importantes para a criação da entidade?
5. Quais atividades a entidade realiza? Qual é a atividade central? Como essas ativida-
des mudaram ao longo do tempo?
Checklist de atividades:
a) Legislativo
a. Elaboração/monitoramento de leis
b. Reforma institucional
b) Executivo
a. Acompanhamento do orçamento
b. Monitoramento de políticas públicas
c. Implementação de políticas públicas
d. Participação em Conselhos
e. Reforma institucional
c) Judiciário
a. Assessoria jurídica
b. Litígio
c. Encaminhamento de casos para outros órgãos (MP, defensorias)
d. Reforma institucional
d) Mídia
e) Comunidade
a. Educação / Formação / Capacitação
6. Em que temas a entidade atua? Como esses temas foram escolhidos? Como os temas
mudaram ao longo do tempo?
7. Como está estruturada internamente a entidade? A entidade sempre se organizou
dessa forma ou houve mudanças ao longo do tempo?
8. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade? Como a área de litígio
da entidade é financiada? Quais são as principais dificuldades de financiamento da
entidade?
Checklist de fontes de financiamento:
a) Doações individuais
115
b) Doações de empresas
c) Fundações nacionais
d) Fundações internacionais
e) Agências bilaterais ou multilaterais
f) Recursos públicos (municipais, estaduais ou federais)
g) Prestação de serviços
h) Venda de produtos ou serviços da própria organização
ATUAÇÃO JUDICIAL
9. Quando a entidade deu início à atividade de litígio? Para que serve a atividade de
litígio? Como ela mudou ao longo do tempo? Como a estratégia de litígio se articula
com as outras atividades da entidade?
10. Em quais temas a entidade litiga? Por que litigar nesses temas? Como são escolhidos
os casos?
perfil da entidade – client-oriented ou issue-oriented – e estratégias)
11. Em quais instâncias do Poder Judiciário a entidade litiga? Por quê? A entidade recor-
re a órgãos internacionais (OEA, OIT, ONU, OMC)? Por quê?
Checklist de instâncias:
a) Justiça Cível
b) Justiça Trabalhista
c) Justiça Criminal
d) Justiça Federal
e) Tribunais Superiores
f) Processos Administrativos
g) Internacional
Checklist de ações judiciais:
a) Ação de reparação de danos e indenização
b) Ação civil pública
c) Ação popular
d) Usucapião
e) Anulatória de ato administrativo
f) Intervenção de terceiro interessado
g) Possessórias
116
h) Assistente de acusação
i) Defesa criminal. Quais crimes?
j) Mandado de segurança
l) Habeas corpus
m) Outros. Especifique:
12. Quais as principais dificuldades que a entidade encontra para realizar a atividade de
litígio?
13. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação ju-
dicial? (Em que casos?)
RELAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA (DP) E O MINISTÉRIO PÚBLICO (MP)
14. Em que situações a entidade se relaciona com a DP? E com o MP?
Checklist de formas de interação:
a) denúncias
b) repasse de casos
c) litígio em conjunto
d) participa de audiências públicas ou conferências
e) procura influenciar a agenda de temas/casos
f) reforma institucional
g) relação de conflito
15. No litígio em conjunto, como é feita a divisão de trabalho? Quem define a estratégia
jurídica? Quem define o tempo/andamento do processo?
16. A relação se dá com quais órgãos da DP? E do MP? Com quais pessoas da DP? E do
MP?
17. Como você avalia a relação da DP ou do MP com a entidade?
dos defensores/promotores, dados do caso.
dos defensores/promotores, dados do caso.
DESENHO INSTITUCIONAL/ORGANIZACIONAL
18. O que poderia mudar nessa relação com a DP? E com o MP? E com a OAB?
19. O que poderia mudar no funcionamento da entidade? E quanto ao financiamento?
117
Informação para o/a entrevistado/a
PROJETO DE PESQUISA: Pesquisa sobre a atuação da advocacia popular
RESPONSÁVEIS PELA PESQUISA: A pesquisa é realizada pelo Núcleo Direito e Democra-
cia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), coordenada por José Rodrigo
Rodriguez e Evorah Cardoso e financiada pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Mi-
nistério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (Proje-
to BRA/05/036 - Fortalecimento da Justiça Brasileira - Convocação nº 01/2012). Contatos:
E-mail: [email protected], Skype: CEBRAP_advocacia_popular.
PROPOSTA DA PESQUISA: Este projeto de pesquisa tem por objetivo estudar as entida-
des que trabalham com a advocacia de interesse público, sejam entidades da sociedade
civil, sejam órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público e as Defensorias Públi-
cas. Este projeto analisará o quanto a presença dos órgãos de litígio do Estado impacta
no trabalho de advocacia das entidades da sociedade civil e vice-versa. Quanto o dese-
nho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social
jurídica. E o quanto a advocacia das entidades da sociedade civil repercute em termos de
tematização e reforma institucional dos órgãos de litígio do Estado e do Poder Judiciário.
FINALIDADE DA ENTREVISTA: A entrevista tem por finalidade prover informação (em
sentido amplo e compreensivo de dados, opiniões, documentos etc.) sobre a atuação
pessoal ou institucional do entrevistado/a no tema, ou de terceiros, no que for relevante.
A entrevista contribui para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que muitas das in-
formações buscadas não estão documentadas ou discutidas na literatura especializada.
Ademais, contribui para uma tarefa de pensar as potencialidades, limites e desafios do
trabalho das entidades de defesa de direitos e sua interação com Ministério Público e
Defensorias Públicas.
USO DA ENTREVISTA: O conteúdo será estritamente utilizado para fins acadêmicos da
pesquisa, a saber, relatórios e artigos acadêmicos. Confidencialidade: Trechos das en-
trevistas poderão ser classificados como confidenciais pelo entrevistado ao longo da en-
trevista. Se assim for manifestado expressamente abaixo, será garantida a sua confiden-
cialidade no texto do trabalho. Anonimato: A identificação do entrevistado poderá ser
resguardada. Se assim for manifestado expressamente abaixo, as transcrições e citações
indicarão apenas para que tipo de entidade o participante trabalha (universidade, clínica
jurídica, ONG, Ministério Público, Defensoria Pública, governo, agência financiadora etc.).
Conservação dos dados: Os dados coletados – gravações da entrevista, transcrições,
ANEXO III - TERMO DE CONSENTIMENTO PARA ENTREVISTA
118
anotações e qualquer documento oferecido pelo participante – serão armazenados pela
equipe de pesquisa.
Consentimento: Eu, ______________________________, estou de acordo em participar
da pesquisa supramencionada.
Em caso de qualquer dúvida acerca da pesquisa, contatarei os coordenadores da pesqui-
sa. Assino duas cópias do presente, sendo uma para mim.
Desejo que trechos identificados da entrevista sejam confidenciais.
Desejo que minha identidade seja resguardada.
Assinatura do(a) participante: _________________________________
Data: ____/____/____
Assinatura do(a) entrevistador(a): ______________________________
Data: ____/____/____
119
Grupo 1: RESPONDENTE
Pergunta: Quem é o entrevistado?
Objetivo: Coletar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado e
sobre o que ele faz na entidade
Aplicação:
Respondente: (livre)
Exemplos:
Respondente: Movimento Estudantil
Respondente: Extensão Universitária
Respondente: Movimento Social
Respondente: Instituição onde estudou
Respondente: Advogado
Respondente: Estágio
ANEXO IV - LIVRO DE CÓDIGOS
120
Grupo 2: ENTIDADE
Pergunta: Quem é a entidade?
Objetivo: Coletar informações sobre o perfil da entidade.
Aplicação:
Entidade: Histórico: (livre)
Entidade: Estrutura: (livre)
Entidade: Financiamento: (livre)
Entidade: Atividades: (livre)
Entidade: Temas: (livre)
Regras de aplicação:
Entidade: Histórico - Regra: aplica-se a elementos de trajetória da entidade e
questões de estrutura, atividades e temas que não são atuais;
Entidade: Estrutura - Regra: aplica-se a informações sobre a estrutura da
entidade, tais como pessoal, organização interna e estrutura física;
Entidade: Financiamento - Regra: aplica-se a informações sobre formas de
financiamento e avaliações sobre financiamento;
Entidade: Atividades - Regra: aplica-se a informações sobre os âmbitos de
atuação da entidade e aos tipos de atividades desenvolvidas. Âmbito de
atuação: Executivo, Legislativo, Judiciário, Mídia, Comunidade, etc. Tipo de
atividade: formação popular, consultoria jurídica, monitoramento de políticas
públicas etc.;
Entidade: Temas: - Regra: aplica-se a informações sobre temas/áreas de
desenvolvimento de atividades (ex.: criança e adolescente, violência, terra etc.)
Exemplos:
Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988
Entidade: Estrutura: Equipe multidisciplinar
Entidade: Financiamento: Internacional
Entidade: Atividades: Executivo: Monitoramento de Políticas Públicas
Entidade: Atividades: Judiciário: Litígio Estratégico
Entidade: Temas: Educação
121
Grupo 3: ATUAÇÃO JUDICIAL
Pergunta: Como a entidade atua judicialmente?
Objetivo: Coletar informações sobre aspectos estruturais da atuação judicial
da entidade.
Aplicação:
Atuação judicial: Instâncias: (livre)
Atuação judicial: Seleção de casos: (livre)
Atuação judicial: Instrumentos jurídicos: (livre)
Regras de aplicação:
Atuação judicial: Instâncias – Regra: aplica-se quando há menção aos órgãos
ou instâncias de atuação judicial da entidade (ex.: internacional, tribunais,
justiça comum etc.);
Atuação judicial: Seleção de casos – Regra: aplica-se à forma de definição dos
casos em que há atuação judicial e à forma de chegada dos casos;
Atuação judicial: Instrumentos jurídicos – Regra: aplica-se quando há menção
aos instrumentos jurídicos adotados para atuação judicial (ex.: ADIn, amicus
curiae, assistente de acusação etc.)
122
Grupo 4: DEFENSORIA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO
Pergunta: Qual é a percepção do entrevistado sobre a DP e o MP?
Objetivo: Coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papéis
da DP/MP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho
institucional da DP/MP.
Aplicação:
DP: (livre)
MP: (livre)
Regra de aplicação: sempre que a DP ou o MP forem mencionados, será
aplicada uma categoria desse grupo.
Exemplos:
DP: (livre)
MP: (livre)
DP ou MP: Formas de interação: (livre)
MP ou DP: Desenho institucional: (livre)
123
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