126
Estudo Sobre ADVOCACIA POPULAR Secretaria de Reforma do Judiciário SRJ MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Seus Direitos Sua Proteção Sua Segurança Cejus | Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça

Estudo Sobre ADVOCACIA POPULAR - justica.gov.br · São Paulo (FGV-SP), e Celso Campilongo, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no workshop realizado

Embed Size (px)

Citation preview

Estudo SobreADVOCACIAPOPULAR

Secretaria de Reforma do JudiciárioSRJ MINISTÉRIO DA

JUSTIÇASeus DireitosSua ProteçãoSua Segurança

Cejus | Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça

Ministério da

JustiçaSecretaria de

Reforma do Judiciário

GOVERNO FEDERAL

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO

CENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA

BRASÍLIA

2013

Pesquisa elaborada em parceria estabelecida em

acordo de cooperação internacional por meio

de carta de acordo firmado entre a Secretaria de

Reforma do Judiciário, o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento e o Centro Brasileiro

de Análise e Planejamento (Projeto BRA/05/036).

ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL

A ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E

SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO

EXPEDIENTE:

PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma RousseT

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

José Eduardo Cardozo

SECRETÁRIA EXECUTIVA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Márcia Pelegrini

SECRETÁRIO DE REFORMA DO JUDICIÁRIO

Flávio Crocce Caetano

DIRETORA DE POLÍTICA JUDICIÁRIA Kelly Oliveira de Araújo

FICHA CATALOGRÁFICA:

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Ministério da Justiça

341.46218

A244

Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das entidades de defesa de

direitos da sociedade civil e sua interação com os órgãos de litígio do

Estado / coordenador: José Rodrigo Rodriguez – Brasília: Ministério da

Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2013.

120 p. – (Diálogos sobre a Justiça)

ISBN :

Pesquisa elaborada em parceria entre a Secretaria de Reforma do

Judiciário, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Centro

Brasileiro de Análise e Planejamento.

1. Assistência judiciária, Brasil. 2. Defensoria pública, Brasil. 3.

Advocacia pública, Brasil. 4. Direito de defesa, Brasil. I. Rodriguez, José

Rodrigo, (coord.). II. Brasil. Ministério da Justiça. III. Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento. IV. Centro Brasileiro de Análise e

Planejamento.

CDD

978-85-85820-45-9

IDENTIFICAÇÃO:

PROJETO: PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR -

PROJETO BRA/05/036

CARTA ACORDO N. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - PNUD

Instituição proponente e executora:

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP

Rua Morgado de Mateus, 615 – São Paulo – SP

CEP 04015-051 – Telefone (11) 5574-0399 – Fax: (11) 5574-5928

CNPJ 62.589.164/0001-72

Representante legal:

Paula Montero

Presidente do CEBRAP

EQUIPE DE PESQUISA:

José Rodrigo Rodriguez (coordenador)

Evorah Cardoso (coordenadora executiva)

Fabiola Fanti (pesquisadora de pós-graduação)

Iagê Zendron Miola (pesquisador de pós-graduação)

COLABORADORAS:

Denise Dora

Flávia Xavier Annenberg

AGRADECIMENTOS:

Aos comentadores dos resultados parciais da pesquisa, Marcelo Pedroso Goulart,

promotor de justiça e coordenador estadual do Núcleo de Políticas Públicas da

Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pelas contribuições no

workshop realizado em 7 de dezembro de 2012, na Fundação Getulio Vargas de

São Paulo (FGV-SP), e Celso Campilongo, professor titular da Faculdade de Direito

da Universidade de São Paulo, no workshop realizado em 13 de maio de 2013, no

CEBRAP, assim como a todos os participantes dos workshops.

A Roberto Dias, pelo apoio e acompanhamento da pesquisa como consultor

do Ministério da Justiça no projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.

Às demais equipes de pesquisa do projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.

Às entidades de defesa de direitos e seus integrantes que gentilmente cederam

seu tempo e experiência para participar desta pesquisa.

A Rogério Barbosa, pesquisador do CEM/CEBRAP, pelo auxílio no uso

do software empregado na análise das entrevistas da pesquisa.

A Adrian Gurza Lavalle, Cecília MacDowell Santos, José Roberto Xavier e

Richard Abel, pelos comentários feitos ao projeto de pesquisa e durante a sua

execução, assim como a todos os integrantes do Núcleo Direito e Democracia,

do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com os quais esta pesquisa foi

discutida em seminários internos.

A Gabriel Alarcon Madureira, pelo competente trabalho como transcritor da maior

parte das entrevistas realizadas nesta pesquisa, e aos demais transcritores contratados.

PROJETO BRA/05/036

FORTALECIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

“PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR”

PROJETO DE PESQUISA:

“ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DAS

ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E SUA INTERAÇÃO

COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO”

INSTITUIÇÃO PROPONENTE:

CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO - CEBRAP

BRASÍLIA

2013

GOVERNO FEDERAL

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD

8

PREFÁCIO

Ao inaugurar a série DIÁLOGOS SO-

BRE JUSTIÇA, a Secretaria de Reforma do

Judiciário optou por publicar pesquisas so-

bre temas relevantes que possam ampliar

a compreensão por amplos segmentos da

população sobre o Sistema de Justiça no

Brasil, ao mesmo tempo em que se busca

discutir a melhoria do acesso à Justiça como

garantia de consolidação da cidadania.

As distintas experiências e políticas

que serão objeto de análise na presente

série têm como ponto de partida a Refor-

ma do Judiciário, que atravessa o marco de

seus 10 anos de existência, e devem con-

tribuir para o desenvolvimento de novos

parâmetros de atuação governamental no

tocante aos serviços jurisdicionais presta-

dos aos cidadãos pelo Governo brasileiro.

Trata-se, então, de promover a discussão

de alternativas para a implementação de

ações e de políticas públicas que aprimo-

rem o trabalho do Poder Judiciário e dos

demais órgãos do Estado que compõe o

Sistema de Justiça.

Com vistas a alcançar tal objetivo, fo-

ram selecionados, inicialmente, temas de

pesquisa de interesse público, mas que até

o momento haviam sido pouco explorados,

como é o caso da atuação da advocacia de

interesse público no Brasil.

Além desses, outros temas conside-

rados relevantes pelo seu impacto sobre

o Sistema de Justiça foram selecionados

com a finalidade de possibilitar o aprofun-

damento do debate em torno do qual se

consolida o desenvolvimento de políticas

públicas sobre acesso a Justiça, tais como:

a utilização de meios de resolução extraju-

dicial de conflitos no âmbito dos serviços

regulados por agências governamentais,

o impacto no sistema processual dos tra-

tados internacionais, os desafios da trans-

parência para o eficaz funcionamento do

Sistema de Justiça brasileiro, os conflitos

fundiários agrários e urbanos, e, ainda, a

atuação da advocacia popular no país.

Todos os temas envolvem, necessaria-

mente, a relação da sociedade civil com os

Poderes Públicos, e, em particular, com o

Poder Judiciário e os operadores do direi-

to. Dessa forma, propiciam a melhoria do

desenho institucional das políticas públicas

adotadas pelo Estado.

Nesse sentido, a presente pesquisa,

sob o título “Advocacia de Interesse Público

no Brasil: Atuação das Entidades de Defesa

de Direitos da Sociedade Civil e sua Intera-

ção com os Órgãos de Litígio do Estado”

busca avaliar a interação das entidades de

defesa de direitos com a Defensoria Públi-

ca e o Ministério Público, com o objetivo de

mensurar de que forma a sociedade civil, e,

em particular, os movimentos sociais, ob-

tém resposta para suas reivindicações jun-

to ao Poder Judiciário e demais instituições

que compõe o Sistema de Justiça. Trata-se

de uma análise da capacidade de mobili-

zação jurídica da sociedade civil, que inclui

a conceituação da “advocacia de interesse

público” e as distinções com relação a ou-

tros tipos de advocacia como a “advocacia

policy e issue oriented”, entre outras. A de-

limitação do objeto da pesquisa, centrada

na relação com a Defensora Pública e com

9

o Ministério Público, se deu em razão da

variedade e multiplicidade dos diversos ti-

pos de advocacia de interesse público que

existem atualmente. Dessa forma, a pes-

quisa pode aprofundar a análise de experi-

ências e o funcionamento das instituições,

abarcando entidades de defesa de diretos

de todo o País, fato que resultou na elabo-

ração de um diagnóstico nacional sobre as

formas de mobilização jurídica da socieda-

de civil em parceria com os órgãos de lití-

gio do Estado.

Cumpre ressaltar que a série “Diálo-

gos sobre a Justiça” é fruto de uma parce-

ria constituída pela Secretaria de Reforma

do Judiciário com algumas das mais reno-

madas instituições de pesquisa do país. As

entidades selecionadas para participar des-

ta primeira fase foram a Fundação Getúlio

Vargas, o Centro Brasileiro de Análise e Pla-

nejamento, a Organização Terra de Direitos,

a Universidade do Vale dos Sinos, e o Insti-

tuto Polis atuando em parceria com o Insti-

tuto Brasileiro de Direito Urbanístico e com

o Centro de Direitos Econômicos e Sociais.

Buscou-se, assim, agregar exper-

tise e qualidade ao trabalho ora desen-

volvido, na expectativa de que as ideias

e reflexões aqui introduzidas aprimorem

as futuras diretrizes de atuação gover-

namental, consequentemente gerando

resultados concretos para o cidadão que

pleiteia, no Sistema de Justiça, a efetiva-

ção de seus direitos.

FLÁVIO CROCCE CAETANO

Secretário de Reforma do Judiciário

10

11

INTRODUÇÃO

1.1 - Mobilização Jurídica e Sociedade Civil: pluralidade de experiências e conceitos

1.2 - Advocacia de interesse público no Estado: Ministério Público e Defensoria Pública

1.3 - Delimitação do objeto de pesquisa

1.4 - Metodologia

1.4.1 - Amostra da pesquisa

1.4.2 - Coleta de dados: o instrumento da entrevista semiestruturada

1.4.3 - Análise dos dados: codificação e sistematização

2 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS2.1 - Experiências universitárias

2.1.1 - Pesquisa e ensino

2.1.2 - Extensão universitária

2.1.3 - Movimento estudantil

2.2 - Experiências profissionais

2.3 - Experiências pessoais, sociais e políticas

2.3.1 - Família

2.3.2 - Grupo representado

2.3.3 - Religião

2.3.4 - Contexto político, movimentos sociais e comunitários

3 - PERFIL DAS ENTIDADES3.1 - Temas de atuação

3.2 - Atividades

3.2.1 - Atividade jurídica

3.2.2 - Atividade de pesquisa e publicação

3.2.3 - Atividade comunitária

3.2.4 - Atividade de comunicação

3.2.5 - Atendimento psicossocial

3.3 - Âmbitos de atuação

3.4 - Histórico

3.5 - Estrutura interna

3.6 - Financiamento

3.6.1 - A saída do financiamento internacional do Brasil

3.6.2 - Conjuntura econômica internacional

3.6.3 - Entraves burocráticos do financiamento nacional público

3.6.4 - Falta de cultura de financiamento nacional privado

3.6.5 - Bloqueios temáticos

3.6.6 - Particularidade da atividade jurídica

3.6.7 - Competição por financiamento

4 - ATUAÇÃO JUDICIAL

4.1 - Atividades jurídico-judiciais

4.1.1 - Orientação jurídica

SUMÁRIO

15

29

37

59

15

18

21

30

19

21

30

32

33

41

45

52

55

24

30

33

34

42

46

52

57

59

59

26

31

33

39

43

51

54

35

43

49

54

37

38

38

12

4.1.2 - Mediação e conciliação

4.1.3 - Acompanhamento processual

4.1.4 - Ação judicial individual

4.1.5 - Ação judicial coletiva

4.2 - Seleção de casos

4.2.1 - Critérios de seleção de casos

4.2.2 - Demanda

4.2.3 - Temática

4.2.4 - Casos exemplares

4.2.5 - Mobilização social

4.3 - Método de atuação judicial

4.3.1 - Combinação da estratégia judicial com outras estratégias

4.3.2 - Articulação social

4.3.3 - Formação

4.3.4 - Pesquisa

4.3.5 - Advocacy

4.3.6 - Mídia

4.3.7 - Lobby judicial

5 - INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO5.1 - Formas de interação

5.2 - Percepções sobre o Ministério Público

5.3 - Desenho institucional

6 - INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA6.1 - Formas de interação

6.2 - Percepções sobre a Defensoria Pública

6.3 - Desenho institucional

7 - CONCLUSÕES7.1 - A formação de defensores de direitos

7.2 - Tipos de advocacia de interesse público

7.3 - MP e DP: o fator desenho institucional

8 - DESDOBRAMENTOS8.1 - Eixo individual: incentivos à formação e multiplicação de

defensores de direitos

8.2 - Eixo sociedade civil: fortalecimento e ampliação da defesa de direitos

8.3 - Eixo Estado: desenho institucional para promover interação

ANEXO I. Lista de entidades entrevistadas

ANEXO II. Roteiro de entrevista

ANEXO III. Termo de consentimento para entrevista

ANEXO IV. Livro de códigos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

77

61

99

105

109

117

113

119

123

67

68

65

77

61

99

105

61

88

96

100

106

61

89

97

101

106

63

69

70

71

68

68

73

73

75

74

75

72

71

13

14

15

A presente pesquisa insere-se em um

campo de estudos que busca analisar a

relação entre a sociedade civil, o direito e

as instituições jurídicas. Tal literatura vem

apontando para a crescente centralidade

do Poder Judiciário enquanto espaço de

debate político para os atores da sociedade

civil e, para como os movimentos sociais,

vêm atribuindo importância estratégica à

disputa em torno da criação e do sentido

dos direitos1.

A relação da sociedade civil

com o direito e o Poder Judiciário

é frequentemente descrita como

multifacetada. O direito pode ser tanto

um elemento de manutenção da ordem

vigente, criminalizando movimentos

sociais ou bloqueando as suas demandas,

como um importante instrumento no

processo de mudanças sociais buscadas

pelos atores da sociedade civil. Dessa

forma, as instituições jurídicas têm uma

relação ambivalente com os diversos

setores da sociedade civil, ora obstruindo

a sua atuação, ora facilitando-a. Isso pode

ser observado, por exemplo, quando o

Poder Judiciário decreta a reintegração

de posse de um terreno, prédio ou terra,

despejando o Movimento de Moradia ou

o Movimento dos Trabalhadores Sem

Terra (MST) que antes os ocupava. Ao

contrário, quando o Supremo Tribunal

Federal autoriza a união estável entre

pessoas do mesmo sexo, ele contribui

para a realização de uma demanda dos

movimentos Lésbicas, Gays, Bissexuais,

Travestis, Transexuais e Transgêneros

(LGBT), que estiveram historicamente

travados no âmbito Legislativo.

Esta pesquisa pretende contribuir com

o debate sobre a relação entre sociedade

civil e o direito a partir do estudo das

dinâmicas de interação entre os atores que

realizam mobilização jurídica no Brasil e os

agentes do Estado que desempenham seus

papéis institucionais em um mesmo campo

de prática: a advocacia de interesse público.

As instituições estatais que, de maneira

mais evidente, compartilham este espaço

de mobilização jurídica ocupado por certos

atores da sociedade civil são o Ministério

Público (MP) e a Defensoria Pública (DP),

nos distintos níveis federativos. Tomando

as entidades de defesa de direitos, o MP e a

DP como agentes atuantes em um mesmo

nicho de prática, a pesquisa busca identificar

as dinâmicas de interação instituídas entre

a sociedade civil e os órgãos do Estado.

Levando-se em consideração a

interação entre entidades da sociedade civil

e estas instituições jurídicas como enfoque

de investigação, esta pesquisa se desdobra

em dois objetivos principais. De um lado,

pretende aferir como a mobilização

jurídica desempenhada por entidades da

sociedade civil impacta a advocacia pública

promovida pelo MP e pela DP. De outro,

busca identificar como a prática dos órgãos

de litígio do Estado influencia a atuação

das entidades de defesa de direitos, com

especial atenção aos elementos de desenho

institucional que afetam a interação com a

sociedade civil.

1 - INTRODUÇÃO

1 Pode-se citar como exemplos dessa literatura os trabalhos de MCCANN (1994, 2006 e 2010); EPP (1998); HILSON (2002); ANDERSEN (2004); VANHALA (2006 e 2011); WILSON E CORDERO (2006); CASE E GIVENS (2010); MACIEL (2011).

16

Nas duas subseções seguintes, o

marco teórico-conceitual que embasa

a construção do objeto de pesquisa e

informa o recorte de investigação adotado

é detalhado. Apresenta-se, em primeiro

lugar (1.1), a perspectiva desenvolvida para

o estudo da defesa de direitos na sociedade

civil. A partir dela, será possível visualizar a

multiplicidade de experiências e conceitos

existentes neste âmbito e justificar a

delimitação do objeto de pesquisa. Para

tanto, o conceito de advocacia de interesse

público é apresentado como instrumento

analítico adequado à conceptualização da

variedade de formas de mobilização jurídica.

Em segundo lugar (1.2), descreve-se o

papel de instituições estatais na advocacia

de interesse público, em especial do MP e

da DP, como particularidade do contexto

brasileiro. Tomadas em conjunto, essas

duas premissas possibilitam a visualização

de um nicho de atuação compartilhado por

uma variedade de entidades de defesa de

direitos, pelo MP e pela DP, cujas dinâmicas

de interação constituem (1.3) o objeto

central de estudo da pesquisa.

Mais adiante (1.4), são apresentadas

as estratégias metodológicas formuladas

para o desenvolvimento da pesquisa: a

construção da amostra que serviu de base

à investigação empírica, a definição do

instrumento de coleta de dados e, finalmente,

os procedimentos de sistematização e

análise das informações obtidas.

1.1 MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E

SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE

EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS

A mobilização jurídica pela sociedade

civil abarca experiências e formas de

organização bastante diversas. Os usos

do direito por parte de entidades não

governamentais e movimentos sociais

englobam desde atividades de extensão

universitária das faculdades de direito,

advogados populares, promotoras legais,

advocacia pro bono, até organizações

não governamentais (ONGs) de litígio

estratégico. A cada tipo de experiência

correspondem diferentes matizes de

influência teórica, estratégias de prática e

concepções políticas. Há distintas trajetórias

e, consequentemente, formas de mobilização

do direito por parte da sociedade civil. Neste

cenário, o conceito de “advocacia popular”

inicialmente proposto como tema do edital

que deu ensejo à pesquisa permitiria a

visualização de apenas uma parcela – ainda

que relevante – do fenômeno da mobilização

jurídica pela sociedade civil. Neste trabalho,

portanto, o conceito de “advocacia popular”

é tomado como parte de uma gama mais

ampla de experiências de mobilização

jurídica, e não como definidor da totalidade

Gráfico 1. Objeto da pesquisa: a interação entre sociedade civil

e Estado na advocacia de interesse público

como o desenho institucional dos órgãos de litígio do

Estado favorece ou não a mobilização social jurídica

SOCIEDADE CIVIL ESTADO

Entidades de defesa de direitos Órgãos de litígio:

Ministério Público e Defensoria Pública

como a mobilização jurídica da sociedade civil

repercute nos órgãos de litígio do Estado

17

de manifestações da defesa de direitos

pela sociedade civil. Uma advocacia tão

variada requer, dessa forma, certo grau de

sistematização funcional e conceitual para

que se possa compreender melhor o objeto

desta pesquisa.

A dificuldade em conceituar a

mobilização jurídica, em seus diversos tipos,

não é observável exclusivamente no Brasil,

e está relacionada ao fato de as formas

assumidas pela sociedade civil na defesa de

direitos serem “influenciadas diretamente

pelo regime político, pelo sistema jurídico,

pela tradição jurídica, pela relação com

a ordem profissional e com o projeto de

transformação social” presentes em cada

país2. Apesar da variedade de experiências

e formas de organização da sociedade civil

na mobilização do direito, há elementos

em comum que permitem que sejam

consideradas como parte de um mesmo

fenômeno. As experiências de “advocacia

de interesse público”, com frequência,

convergem com respeito ao público-alvo

(população de baixa renda, grupos sociais

minoritários ou discriminados, e interesses

difusos, por exemplo), à agenda temática

(defesa de determinados direitos), ao

objetivo final (promover transformação

social) e ao método de trabalho (client ou

issue-oriented, de litígio estratégico3 etc.).

Frente a essas semelhanças, o

conceito de “advocacia de interesse

público” e a distinção entre as formas de

advocacia client e issue-oriented revelam-

se úteis. Estes dois conceitos permitem

superar a particularidade das experiências

de mobilização jurídica e, dessa forma,

abarcar a variedade de formas de defesa de

direitos pela sociedade civil. A “advocacia

de interesse público” está historicamente

relacionada ao acesso à justiça por pessoas

marginalizadas política ou economicamente

e, com o tempo, passou a abranger outras

atividades4. O formato tradicional das

entidades de interesse público são escritórios

de advocacia que prestam assistência

judiciária gratuita. Não há, nesses escritórios,

seleção de casos paradigmáticos ou mesmo

uma seleção temática, mas sim atendimento

à demanda nos limites orçamentários da

entidade. Aproximam-se, dessa forma, do

trabalho da advocacia tradicional client-

oriented5 (forma de advocacia pautada

pela solução do caso concreto e obtenção

de justiça individual), ainda que o objetivo

não se restrinja à satisfação do interesse do

indivíduo e busque a transformação social

trazida pelo acesso ao direito por parte de

grupos marginalizados.

Outra frente desse tipo de mobilização

jurídica é a chamada advocacia issue

ou policy-oriented6, uma advocacia

temática, voltada a mudanças sociais em

determinadas áreas: discriminação racial,

meio ambiente, mulheres, entre outras.

Com esse fim, as entidades policy-oriented

costumam ter um trabalho preliminar de

escolha do caso paradigmático, conforme

o seu potencial impacto social no tema

ou na política tidos como prioritários na

agenda temática. Diante da escassez de

recursos, grupos organizados fazem um

raciocínio de custo-benefício para a seleção

dos casos paradigmáticos, que gerem o

máximo de impacto dentro dos objetivos

2 SARAT e SCHEINGOLD (1998), JUNQUEIRA (2002, p. 194).3 Algumas entidades de advocacia em direitos humanos apostam no litígio estratégico como uma via hábil para provocar transformações sociais. “Litígio estratégico”, “litígio de impacto”, “litígio paradigmático” ou “litígio de caso-teste” são expressões correlatas que surgiram de uma prática diferenciada de litígio não necessariamente relacionada ao histórico da advocacia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mudanças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método ou uma técnica que pode ser utilizada para diferentes fins/temas (CARDOSO, 2012, p. 41; IHRLG, 2001, p. 82; ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 37-38).4 REKOSH, BUCHKO, TERZIEVA, 2001, p. 1.5 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.

18

traçados pela entidade e beneficiem uma

coletividade ampla7.

Ambas as frentes de advocacia são

reconhecidas como parte do movimento

de “direito de interesse público”8,

embora tenha sido a partir da segunda

que se desenvolveu a prática de litígio

estratégico9. Neste tipo de mobilização

jurídica, geralmente, o litígio é apenas uma

das ferramentas utilizadas pelos centros de

“direito de interesse público”. Há múltiplas

possibilidades de ação relacionadas à

mobilização jurídica na sociedade civil,

tais como: campanhas de mobilização

e educacionais em torno de direitos

humanos, lobby legislativo, pesquisas

e documentação em direitos humanos,

solução alternativa de disputas10, agenda

de reforma institucional, entre outros.

Em contraste, as entidades client-

oriented não costumam ter este trabalho,

pois atendem a um determinado público,

conforme a demanda ou os limites

orçamentários da entidade. Entidades

de advocacia client-oriented, no entanto,

também podem exercer litígio estratégico,

mas geralmente de maneira ad hoc, quando

são levadas pelo caso a planejar estratégias

de impacto social11. Em ambas as formas, no

entanto, a mobilização do direito visa a um

objetivo de transformação social e atende

a públicos marginalizados, discriminados

e/ou vulneráveis.

A partir desse marco conceitual, é

possível visualizar uma série de experiências

de mobilização jurídica pela sociedade civil

no Brasil nas quais é possível identificar,

em maior ou menor grau, os elementos

apontados como definidores da advocacia

de interesse público. Diversos exemplos

dessa variedade de experiências podem ser

mencionados. As chamadas “promotoras

legais populares”, iniciativas em que

líderes comunitárias são capacitadas para

reconhecer violações de direitos que podem

ser depois encaminhadas ao Poder Judiciário

por ONGs ou por órgãos de litígio do

Estado. Extensões universitárias em direito

que priorizam como trabalho de advocacia

a assessoria jurídica comunitária e tem por

objetivo fomentar uma pedagogia de direitos,

sem necessariamente prestar assistência

judiciária ou desenvolver assessoria jurídica

em questões coletivas, comunitárias e a

movimentos sociais. As experiências de

advocacia popular propriamente dita, em

que advogados próximos a movimentos

sociais se dedicam às causas judiciais

desses grupos. ONGs de direitos humanos

ou especializadas em certas temáticas que

promovem uma advocacia estratégica em

âmbito nacional e internacional, ou que

prestam atendimento direto a indivíduos,

grupos ou mesmo a outras ONGs.

A noção de advocacia de interesse

público permite, ainda, a consideração

simultânea de outro tipo de atores que,

particularmente no contexto brasileiro,

é essencial para o estudo da defesa de

direitos pela sociedade civil e de uma

advocacia temática: o Ministério Público e

a Defensoria Pública.

1.2 ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO

NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E

DEFENSORIA PÚBLICA

Diferentemente de outros países, onde

a advocacia de interesse público é exercida

primordialmente por atores da sociedade

civil, no Brasil, órgãos de litígio do Estado,

como o Ministério Público (estaduais e

federal) e as Defensorias Públicas (estaduais

e federal) ocupam, em parte, o espaço

7 WEISSBRODT, 1984, p. 31.8 JOHNSON, 1991, p. 171.9 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 35; IHRLG, 2001, p. 82.10 IHRLG, 2001, p. 2.11 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.

19

da mobilização jurídica e de uma atuação

judicial temática. Esses órgãos de litígio

do Estado são dotados de uma grande

capacidade institucional de defesa de

direitos, sem comparação em outros países.

Possuem profissionais qualificados, bem

remunerados, com relativa independência

de atuação, abrangente capacidade

de atuação (local, estadual e nacional).

Adicionalmente, as áreas de competência

dessas instituições jurídicas se sobrepõem,

em grande medida, ao nicho de atuação de

entidades de defesa de direito da sociedade

civil. Isso porque a sua atuação se assemelha

aos elementos anteriormente mencionados

como definidores da advocacia de interesse

público, sobretudo o público-alvo (grupos

sociais marginalizados, minoritários ou

discriminados e interesses difusos, por

exemplo) e a agenda temática (defesa

de determinados direitos). Também os

métodos de atuação da sociedade civil

podem ser encontrados no Ministério

Público e na Defensoria Pública. As

Defensorias Públicas, por exemplo, por

estarem em contato com um grande volume

de demandas individuais, podem funcionar

como um termômetro das necessidades

de medidas coletivas. Pela abrangência de

sua atuação, podem pensar em estratégias

de longo prazo de caráter de reforma

institucional, seja a partir de seu trabalho

de litígio individual ou coletivo, seja por

estratégias de negociação com órgãos

públicos e privados, prévias ao litígio. O

Ministério Público também possui uma série

de instrumentos que possibilitam atacar

problemas de reforma institucional, graças

ao tratamento da dimensão coletiva dos

conflitos, como nas ações civis públicas,

ou nas negociações prévias ao litígio com

órgãos públicos e privados, os Termos de

Ajustamento de Conduta (TACs). Além

disso, pode também realizar propostas

de lei.

A identificação de que o campo

da advocacia de interesse público é

compartilhado entre atores da sociedade

civil e do Estado revela, dessa forma, uma

arena de interação. Situa-se, assim, o objeto

da pesquisa: identificar quais as dinâmicas

de interação instituídas entre Estado e

sociedade civil neste espaço. As questões

enfrentadas pela pesquisa podem, dessa

forma, ser apresentadas: havendo posições,

em boa medida, sobrepostas na advocacia

de interesse público, como a mobilização

jurídica da sociedade civil interage com

o trabalho de litígio dos órgãos estatais?

Os órgãos estatais conflitam ou cooperam

com as entidades da sociedade civil? Como

repercute o trabalho desses órgãos das

entidades da sociedade civil de advocacia

de interesse público e vice-versa? Que

elementos institucionais dos órgãos

oficiais dificultam ou facilitam a relação

com as entidades da sociedade civil? Em

um plano propositivo, que transformações

institucionais podem ser adotadas para

otimizar essa interação?

1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE

PESQUISA

Em razão da amplitude do campo

da advocacia de interesse público e dos

diversos enfoques possíveis, o estudo da

interação entre as entidades de defesa de

direitos e os órgãos de litígio do Estado

(MP e DP) exige delimitação. Logo de

início, o recorte da pesquisa foi feito sobre

a perspectiva das entidades de defesa de

direitos acerca dessa interação com MP e

DP. Privilegiamos o estudo desses atores

da sociedade civil não apenas por conta

dos contornos apresentados pelo edital

desta pesquisa ou em razão das limitações

temporal e orçamentária da pesquisa, mas

também por carecermos de informações

sistematizadas acerca deste universo de

20

entidades de defesa de direitos no Brasil12 –

quem são, com que temas trabalham, quais

atividades realizam – e, em especial, sobre

sua relação com MP e DP – tanto mais

levando em consideração as alterações

institucionais que estes órgãos estatais

sofreram recentemente. Este recorte

implica ganhos de profundidade, uma

vez que possibilita a coleta de um grande

número de narrativas, representativa

nacionalmente, de um dos polos – na

estratégia adotada pela pesquisa, a

sociedade civil. Seria importante, em outro

estudo de âmbito nacional, observar essa

interação também sob a perspectiva de

defensores, promotores e procuradores.

As conclusões apresentadas aqui devem,

portanto, levar em conta a delimitação de

objeto adotada pela pesquisa.

Outros dois recortes foram adotados

para a circunscrição do objeto de pesquisa.

Primeiro, com respeito aos tipos de

experiências de mobilização jurídica da

sociedade civil que serão estudados. O

foco da pesquisa é sobre as interações

protagonizadas por distintos tipos de

entidades de defesa de direitos que atendam

aos seguintes critérios, alternativamente:

que possuam advogado(s) em sua estrutura;

e/ou que tenham atividade judicial; e/ou que

tenham relação com o MP; e/ou com a DP; e/

ou que estejam voltadas a discutir e alterar o

funcionamento dessas instituições estatais

de litígio. Com este recorte, buscamos

selecionar entidades da sociedade civil que

são atores habituais do sistema de justiça13 e

que, portanto, estariam expostos à interação

com o Poder Judiciário e os órgãos de litígio

do Estado e teriam potencialmente um

maior acúmulo de experiências sobre essas

formas de interação. São excluídas, por

exemplo, algumas experiências de extensão

universitária que priorizam como trabalho de

advocacia a assessoria jurídica comunitária,

sem necessariamente prestar assistência

judiciária a essas comunidades. Isso não por

se entender que este trabalho não seja de

“interesse público” ou não se caracterize

como “advocacia popular”, mas por tentar

destacar nesta pesquisa a interação dessas

entidades de defesa de direitos com o

Poder Judiciário e os demais órgãos de

litígio do Estado. Ou seja, a pesquisa

procura destacar justamente as entidades

de “advocacia de interesse público” que

usam o direito no espaço institucional

do Judiciário, seja diretamente, seja por

intermédio dos órgãos de litígio do Estado.

Igualmente, são excluídos os escritórios das

faculdades de direito e outras entidades que

trabalham apenas com a lógica do litígio

de cada caso, realizando o atendimento

individual de público sem condições

de pagar um advogado, que não fazem

qualquer seleção ou agrupamento temático

de casos, nem possuem agenda de litígio de

direitos de longo prazo. Por mais que essa

prática atenda à finalidade social de acesso

à justiça individual, não necessariamente

forma um corpus de litígios individuais

orientado para a transformação para além

do caso concreto, como, por exemplo, de

uma determinada política pública ou de

uma determinada interpretação dogmática

do direito. Além disso, estes seriam atores

que se relacionam de modo eventual com

o sistema de justiça14. Não necessariamente

sua atuação reiterada em casos individuais

geraria um acúmulo de experiência sobre

como se dá a interação com os órgãos de

litígio do Estado.

Segundo, com respeito aos perfis das

entidades da sociedade civil estudadas,

excluímos entidades representativas de

classes profissionais como, por exemplo,

sindicatos de trabalhadores ou Ordem

12 Destacamos neste esforço o trabalho de Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular, 2013.13 GALANTER, 1974.14 GALANTER, 1974.

21

dos Advogados do Brasil. Embora essas

entidades por vezes possam representar

interesses difusos ou coletivos, de grupos

marginalizados ou discriminados, também

possuem uma clara agenda temática que

envolve os interesses de suas categorias

profissionais em suas atuações jurídico-

judiciais.

Afora os recortes mencionados, a

pesquisa não adotou delimitação geográfica,

abarcando entidades de defesa de direitos

de todo o País. Pretendeu-se, dessa

forma, elaborar um diagnóstico de âmbito

nacional sobre as formas de interação da

mobilização jurídica da sociedade civil com

os órgãos de litígio do Estado no Brasil. A

abrangência nacional do estudo possibilitou

a identificação de variações nacionais na

relação entre sociedade civil e Estado no

nicho da advocacia de interesse público, o

que, por sua vez, contribui para a elaboração

de respostas substantivas às perguntas que

guiam a pesquisa.

Na próxima seção, são descritas as

estratégias metodológicas adotadas para

o estudo do objeto até aqui descrito. Serão

apresentados os critérios para a construção

da amostra da pesquisa, o instrumento de

coleta de dados desenvolvido e a forma de

análise das informações obtidas.

1.4 METODOLOGIA

O objetivo geral de avaliar como

as entidades de defesa de direitos da

sociedade civil interagem com o Ministério

Público e a Defensoria Pública se desdobra

em dois objetivos específicos. Primeiro,

identificar quem são as entidades da

sociedade civil que mobilizam o direito,

conforme a delimitação estabelecida, para,

então, avaliar como se relacionam com os

órgãos de litígio do Estado. Esses objetivos

se traduzem, por sua vez, em duas tarefas

metodológicas. De um lado, frente à já

mencionada multiplicidade de experiências

de mobilização jurídica, foi preciso construir

uma amostra representativa da variedade de

formas de advocacia de interesse público na

sociedade civil e descrever os distintos perfis

das entidades que se inserem na delimitação

da pesquisa. De outro, a partir dessa

amostra, buscou-se identificar e descrever

as formas preponderantes de interação

dessas entidades com os órgãos de litígio do

Estado. Em termos gerais, a pesquisa adotou

a seguinte estrutura metodológica: foram

realizadas entrevistas semiestruturadas

com uma amostra nacional de entidades

de defesa de direitos para que, a partir

das narrativas fornecidas pelos atores que

promovem a mobilização jurídica, fossem

identificadas experiências de interação com

e percepções da sociedade civil sobre o

Ministério Público e a Defensoria Pública.

Nesta seção, são apresentadas as

estratégias metodológicas adotadas

para realizar as tarefas que decorrem

dos objetivos da pesquisa. Na próxima

subseção, é descrito (1.4.1) o processo de

construção da amostra de entidades da

sociedade civil estudada pela pesquisa. Nas

subseções que se seguem, são detalhados

(1.4.2) o instrumento elaborado para a

coleta de dados e (1.4.3) os procedimentos

de análise das informações obtidas.

1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA

A construção da amostra analisada

pela pesquisa enfrentou a dificuldade

decorrente da multiplicidade de

experiências de entidades que trabalham

com a defesa de direitos e da concomitante

ausência de referenciais ou bancos de

dados que, ao mesmo tempo, atentem para

essa variedade e atendam aos critérios de

delimitação do objeto da pesquisa. Para

contornar este obstáculo, adotou-se como

22

estratégia de identificação de entidades

de defesa de direitos a consulta a distintos

mapeamentos parciais realizados por

outras pesquisas. Em razão do seu foco

em experiências específicas de advocacia

de interesse público, estes mapeamentos

permitem, se tomados em conjunto, a

construção de uma listagem de entidades

de perfis bastante variados.

Importa destacar que a pesquisa não

teve pretensões censitárias, ou seja, não

se pretende oferecer um mapeamento

completo de todas as experiências de

advocacia de interesse público existentes

no Brasil ou mesmo uma amostra que

permita generalizações sobre a mobilização

jurídica no país. Buscou-se, com a amostra

construída com base em fontes secundárias,

garantir representatividade mínima à

variedade de experiências de advocacia

de interesse público em pelo menos três

dimensões: a) regional, com entidades de

todas as regiões do país e do maior número

de estados possível; b) temática, incluindo

experiências em diversos campos de

atuação; e c) de perfil, inserindo na amostra

entidades de diferentes tipos (advocacia

popular, extensões universitárias, advocacia

pro bono, ONGs etc.), com distintos graus

de profissionalização e organicidade, que

adotam formas variadas de estratégias

jurídicas e que desempenham diferentes

atividades e em diversos âmbitos (local,

regional, nacional e internacional).

A amostra foi construída a partir

dos bancos de dados de entidades

disponibilizados nas seguintes pesquisas e

fontes:

Lista de entidades filiadas à

Associação Brasileira de Organizações

Não Governamentais (ABONG),

classificadas como atuantes na

categoria “Justiça e promoção de

direitos”;

Pesquisa Mapa territorial, temático e

instrumental da assessoria jurídica e

advocacia popular no Brasil, realizada

pela Terra de Direitos e Dignitatis, para

o Observatório da Justiça Brasileira15;

Pesquisa O direito visto por dentro (e

por fora): a disputa pela interpretação

da Lei Maria da Penha e da Legislação

Antirracista, realizada pelo Centro

Brasileiro de Análise e Planejamento

(CEBRAP) (Projeto CNPQ. 2010-2012);

Pesquisa Judicialização da política

e demandas por juridificação: o

Judiciário frente aos outros poderes

e frente à sociedade, realizada pela

Sociedade Brasileira de Direito

Público (SBDP), para o Observatório

da Justiça Brasileira16;

Mapeamento de entidades de

advocacia popular realizado pelo site

Assessoria Jurídica Popular17; e

Lista de entidades mencionadas pelos

Núcleos Especializados da Defensoria

Pública do Estado de São Paulo em

seu site institucional18.

A partir dessas fontes e excluindo-se

eventuais repetições, foram identificadas

136 entidades de defesa de direitos

em todo o País. Dentre estas, 16 foram

excluídas por não se enquadrarem nos

critérios de delimitação do objeto da

pesquisa (conforme item 1.3). No caso de

outras 17 entidades, não foi obtida resposta

15 Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/noticias/pesquisa-apresenta-mapa-da-assessoria-juridica-e-advocacia-popular-no-brasil/>. Último acesso em: 10.09.2012.16 Esta pesquisa oferece mapeamento de entidades de interesse difuso e coletivo que atuaram como amicus curiae junto ao Supremo Tribunal Federal ou que participaram em audiências públicas organizadas pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos de origem do Executivo e Legislativo federal.17 Disponível em: <http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com.br/2011/10/mapeamento.html>. Último acesso em: 10.09.2012.18 Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3145>. Último acesso em: 10.09.2012.

23

ao convite para participação da pesquisa.

Dessa forma, a amostra do estudo foi

composta de 103 entidades (listadas no

Anexo I). A amostra analisada na pesquisa

integra entidades atuantes em diversas

temáticas, conforme será detalhado na

seção 3 – Perfil das entidades.

As cinco regiões do país estão

representadas na amostra, conforme a

Tabela 1:

Tabela 1. Amostra: entidades

entrevistadas por região

Região Número de entidades

Centro-Oeste 7

Nordeste 23

Norte 7

Sudeste 57

Sul 9

Total: 103

Ainda quanto à distribuição geográfica,

as entidades têm origem em quase 30

cidades localizadas em 23 estados da

federação, conforme as Tabelas 2 e 3:

Tabela 2. Amostra: entidades

entrevistadas por estado

Estado Número de entidades

Amazonas 1

Bahia 3

Ceará 7

Distrito Federal 5

Espírito Santo 1

Goiás 2

Maranhão 2

Minas Gerais 5

Pará 4

Paraíba 3

Paraná 2

Pernambuco 5

Piauí 1

Rio de Janeiro 9

Rio Grande do Norte 1

Rio Grande do Sul 6

Rondônia 1

Santa Catarina 1

São Paulo 42

Sergipe 1

Tocantins 1

Total: 103

Tabela 3. Amostra: entidades

entrevistadas por cidade

Cidade Número de entidades

Açailândia – MA 1

Altamira – PA 1

Aracaju – SE 1

Belém – PA 3

Belo Horizonte – MG 4

Brasília – DF 5

Cabo de Santo Agostinho – PE 1

Campinas – SP 1

Curitiba – PR 2

Fortaleza – CE 7

Goiânia – GO 2

Guarulhos – SP 1

João Pessoa – PB 2

Joinville – SC 1

Manaus – AM 1

Natal – RN 1

Palmas – TO 1

Petrópolis – RJ 1

Porto Alegre – RS 6

Porto Velho – RO 1

Recife – PE 4

Rio de Janeiro – RJ 8

Salvador – BA 3

São Luís – MA 1

São Paulo – SP 40

Teresina – PI 1

Uberlândia – MG 1

Vitória – ES 1

Total: 103

Como é evidenciado pela distribuição

geográfica, a região Sudeste congrega mais

da metade das entidades. Aproximadamente

dois quintos da amostra são de organizações

com sede no estado de São Paulo. Essa

concentração está relacionada, em certa

medida, aos perfis das entidades mapeadas

por parte das fontes de dados utilizadas para

a construção da amostra. Há mapeamentos

que congregam entidades com atuação

24

delimitada em termos institucionais (por

exemplo, entidades que atuaram no Supremo

Tribunal Federal) e que fazem parte de

articulações nacionais de ONGs (como, por

exemplo, as entidades afiliadas à ABONG).

Delimitações com essas características

tendem a selecionar entidades bastante

especializadas e com boa capacidade de

articulação nacional, o que exige certo

grau de profissionalização e financiamento.

Assim, por razões socioeconômicas,

entidades localizadas na região Sudeste

tendem a atender a esses critérios.

Outra possível explicação à relativa

concentração regional da amostra é o

caráter nacional ou mesmo internacional

de muitas das entidades com sede, em

especial, no estado de São Paulo e no Distrito

Federal. A título de exemplo, sete entidades

localizadas em São Paulo e uma em

Brasília atuam nacionalmente e/ou contam

com integrantes em diversos estados da

federação19. Outras três entidades sediadas

em São Paulo são representações nacionais

de organizações de caráter internacional20,

e uma em Brasília opera como uma rede de

entidades distribuídas por todas as regiões

do país21.

A concentração regional da amostra

pode ser um indício, ainda, de como estão

distribuídas as entidades de defesa de

direitos no país. Esta hipótese, no entanto,

só pode ser confirmada por um estudo

dedicado especificamente à tarefa de

mapear as experiências da advocacia de

interesse público no país. Ainda que uma

relativa concentração da amostra constitua

um problema para estudos que tenham

como objetivo central construir um mapa

da defesa de direitos no país, ela não

compromete os propósitos desta pesquisa.

Conforme já referido, não se pretende,

com a amostra construída, realizar um

mapeamento censitário das experiências

de advocacia de interesse público

no Brasil, ou elaborar generalizações

estatísticas sobre o campo. Objetivou-se,

ao contrário, compor uma amostra com

relativa representatividade regional para

identificar tendências na interação com o

Ministério Público e a Defensoria Pública.

Levando-se em conta que todas as regiões

do país foram contempladas pela amostra

e que foi coberto um amplo espectro de

estados e cidades, a amostra se revela útil

aos propósitos da pesquisa.

1.4.2 COLETA DE DADOS: O

INSTRUMENTO DA ENTREVISTA

SEMIESTRUTURADA

Frente aos dois objetivos específicos

que decorrem do propósito geral da

pesquisa – identificar quem são as entidades

da sociedade civil que mobilizam o direito

e como se relacionam com os órgãos de

litígio do Estado –, os dados buscados têm

natureza qualitativa. Dessa forma, e em

razão de o recorte adotado pelo estudo

(foco nas entidades da sociedade civil) e o

objeto de investigação serem ainda pouco

explorados empiricamente, optou-se pela

realização de entrevistas semiestruturadas22

com as entidades de advocacia de interesse

público selecionadas na amostra. Por não

serem questionários fechados, as entrevistas

19 São elas: Artigo 19, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Movimento de Atingidos por Barragens e o Conselho Indigenista Missionário.20 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente – ILANUD e Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil. A Artigo 19 também se enquadra neste perfil.21 É o caso da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED.22 “É uma característica dessas entrevistas [semiestruturadas] que questões mais ou menos abertas sejam levadas à situação de entrevista na forma de um guia da entrevista. Espera-se que essas questões sejam livremente respondidas pelo entrevistado. O ponto de partida do método é a suposição de que os inputs que caracterizam entrevistas ou questionários padronizados, e que restringem o momento, a sequência ou o modo de lidar com os tópicos, obscurecem, ao invés de esclarecer, o ponto de vista do sujeito.” (FLICK, 2002, p. 106).

25

permitem a obtenção de narrativas, avaliações

e exemplos sobre os tópicos demandados do

entrevistado – precisamente o tipo de dado

que interessa a uma pesquisa focada na

compreensão de fenômenos de relação entre

atores. Ao mesmo tempo, por oferecerem

um balizamento mínimo, as entrevistas

semiestruturadas permitem a sistematização

e a comparação de informações fornecidas

por diferentes fontes.

As entrevistas foram guiadas por um

roteiro formulado previamente que incluía

questões sobre (i) o perfil do respondente;

(ii) o perfil da entidade; e (iii) a sua relação

com o MP e a DP (Anexo II). O roteiro

tinha por objetivo operacionalizar, em

perguntas empíricas, as questões gerais

enfrentadas pelo estudo: quem são as

entidades de defesa de direitos e como

interagem com o MP e a DP? No item

(i), foram buscadas informações sobre a

trajetória pessoal, acadêmica e profissional

do respondente, suas motivações para

atuar na defesa de direitos e o papel que

ele desempenha na entidade. No item (ii),

foram coletados dados sobre os temas,

formas e âmbitos de atuação da entidade,

sua estrutura e organização internas, meios

de financiamento, os tipos de casos em que

a entidade atua judicialmente, como esses

casos chegam à entidade, e as estratégias

de atuação jurídica da entidade. No item

(iii), buscou-se coletar informações e

experiências do entrevistado e da entidade

sobre as formas e a qualidade da interação

com o MP e a DP.

Tabela 4. Roteiro de entrevista

Item do roteiro Principais perguntas do roteiro

(i) Perfil do Respondente

1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica foram importantes para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?

2. Qual trabalho desenvolve na entidade?

3. Por que optou por trabalhar com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?

(ii) Perfil da Entidade

4. Quando a entidade foi formada e com quais objetivos?

5. Quais atividades a entidade realiza? (Checklist de atividades: Legislativo, Executivo, Judiciário, Mídia e Comunidade)

6. Como está estruturada internamente a entidade?

7. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade?

8. Para que serve a atividade judicial da entidade?

9. Como a estratégia de litígio se articula com as outras atividades da entidade?

10. Em quais temas a entidade litiga?

11. Em quais instâncias do poder judiciário a entidade litiga?

12. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação judicial?

(iii) Interação com MP e DP

13. Em que situações a entidade se relaciona com [o MP / a DP]?

14. Checklist de formas de interação:a) denúncias;b) repasse de casos;c) litígio em conjunto;d) participa de audiências públicas ou conferências;e) influencia a agenda de temas/casos.

15. A relação se dá com quais órgãos [do MP / da DP]?

16. Como você avalia a relação [do MP / da DP] com a entidade?

26

Foram realizadas 110 entrevistas,

envolvendo 130 integrantes das 103

entidades que compõem a amostra

(conforme Anexo I). Em alguns casos,

foi realizada mais de uma entrevista por

entidade e, em determinadas entrevistas,

houve mais de um respondente em uma

mesma entrevista. As entrevistas foram

realizadas pessoalmente, por telefone e,

em sua maioria, por videoconferência23.

As entrevistas foram gravadas e,

posteriormente, transcritas.

Os entrevistados foram contatados

previamente por e-mail ou por telefone

e tiveram acesso a um Termo de

Consentimento que explicitava os objetivos e

os propósitos da entrevista, as condições de

uso das informações fornecidas e oferecia,

ainda, a possibilidade de confidencialidade

e anonimato (conforme Anexo III). Buscou-

se, sempre que viável, entrevistar os

advogados atuantes nas organizações

que integram a amostra. Quando não foi

possível, ou em casos em que informações

sobre a entidade não foram fornecidas de

maneira satisfatória pelos advogados da

entidade, integrantes com outras funções

também foram entrevistados (em geral,

coordenadores).

1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS:

CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO

As entrevistas realizadas por meio

do instrumento anteriormente descrito

totalizaram 8.603 minutos de material

gravado (aproximadamente 144 horas).

Em média, cada entrevista teve cerca

de 80 minutos de duração, e a mediana

do material coletado nas 110 entrevistas

foi de 75 minutos. A análise dessa vasta

quantidade de material demandou uma

organização preliminar dos dados obtidos.

Para tanto, foram elaborados “códigos”

para categorizar as diferentes informações

disponibilizadas nas transcrições das

entrevistas. O objetivo da aplicação de

códigos às transcrições (“codificação”)

era reunir, sob uma mesma categoria de

análise, informações identificadas no

conjunto das entrevistas. Os códigos

tomaram por base a estrutura do roteiro

de entrevista e incluíram outros elementos

que emergiram do trabalho de campo.

Construiu-se um “livro de códigos”

dividido em quatro grupos (ver Anexo

IV): (1) respondente; (2) entidade; (3)

atuação judicial; e (4) Defensoria Pública

ou Ministério Público. Cada grupo de

códigos serviu a um objetivo específico:

em (1), reunir elementos sobre o perfil dos

respondentes da entrevista; em (2) e (3),

identificar as características das entidades

entrevistadas e o perfil da sua atuação

judicial; e em (4), mapear experiências,

percepções e formas de interação da

entidade com o MP e a DP.

A aplicação dos códigos às

transcrições das entrevistas foi realizada

por meio do software de análise de

23 Utilizou-se o software Skype na maioria das entrevistas realizadas remotamente.

Grupo de códigos Objetivo Exemplos de códigos

(1) Respondente Identificar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado, sobre o que ele faz na entidade e o que o motiva a atuar na mobilização jurídica.

Respondente: Movimento EstudantilRespondente: Extensão UniversitáriaRespondente: Movimento SocialRespondente: Estágio

(2) Entidade Compor o perfil da entidade entrevistada: histórico, estrutura, financiamento, atividades e temas de atuação etc.

Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988Entidade: Estrutura: Número de profissionaisEntidade: Financiamento: InternacionalEntidade: Atividades: Educação popularEntidade: Temas: Meio Ambiente

Tabela 5. Livro de códigos

27

dados Atlas.ti. Três membros da equipe

de pesquisa que haviam realizado as

entrevistas ficaram encarregados da

codificação das transcrições, que se

desenvolveu em seis etapas. Na primeira,

uma versão preliminar do livro de códigos

foi elaborada conjuntamente, a partir das

percepções dos pesquisadores sobre

os dados mais recorrentes em cada um

dos tópicos abordados pelo roteiro de

entrevista. Na segunda, cada pesquisador

aplicou a primeira versão do livro de códigos

a um bloco de 15 entrevistas distintas. Na

terceira etapa, os pesquisadores voltaram

a se reunir para verificar a consistência de

aplicação do livro de códigos e promover

ajustes, em especial a inclusão de novos

códigos. Na quarta etapa, um novo bloco

de 10 entrevistas foi distribuído a cada um

dos pesquisadores para que aplicassem

a versão ajustada do livro de códigos.

As 15 entrevistas iniciais também foram

reanalisadas com base no novo livro

de códigos. Na quinta etapa, com 75

transcrições codificadas, a consistência de

aplicação dos códigos foi verificada em

reunião realizada entre os pesquisadores.

Procedeu-se, então, à sexta e última etapa,

em que o bloco de 35 entrevistas restantes

foi distribuído entre os pesquisadores, que

procederam à sua codificação.

Com base no procedimento de

codificação das transcrições descrito

acima, o material coletado por meio das

entrevistas foi sistematizado em quatro

grandes blocos de informação. As seções

que seguem apresentam a informação

organizada pelos grupos de códigos

aplicados e desenvolvem a análise deste

material. Na seção 2, são descritos os

perfis dos respondentes das entrevistas

realizadas. Neste âmbito, são analisados

os elementos acadêmicos, políticos e

profissionais identificáveis nas trajetórias

de indivíduos que decidem atuar na

mobilização do direito. Avaliam-se, ainda,

as suas motivações para atuar na defesa

de direitos pela sociedade civil vis-à-vis as

carreiras de advocacia de interesse público

nas instituições estatais. Nas seções

3 e 4, as características, as formas de

organização e estratégias, áreas e os temas

de atuação das entidades que compõem

a amostra são detalhados e discutidos.

Primeiro, por meio da apresentação

dos dados sobre o histórico, estrutura,

financiamento e atividades das entidades,

pretende-se discutir a multiplicidade

de experiências de mobilização jurídica

detectada pela pesquisa. Na sequência, é

traçado o perfil da atuação propriamente

jurídica das entidades estudadas. Juntas,

as seções 2, 3 e 4 respondem à questão

de “quem são as entidades de defesa de

direitos” e, assim, lançam as bases para a

discussão das potenciais interações entre

a sociedade civil, a Defensoria Pública e o

Ministério Público. Finalmente, na seção 4,

(3) Atuação judicial Compor o perfil da atuação judicial/jurídica da entidade: tipo de estratégia jurídica, forma de seleção de casos, instrumentos adotados e instâncias de atuação etc.

Atuação judicial: Instâncias: Tribunais SuperioresAtuação judicial: Seleção de casos: Casos emblemáticosAtuação judicial: Instrumentos jurídicos: Ação Civil Pública

(4) Defensoria Pública e Ministério Público

Identificar exemplos de interação da entidade com o MP ou a DP e coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papeis do MP/DP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho institucional do MP/DP.

DP: Formas de interação: Encaminhamento de casosMP: Formas de interação: RepresentaçãoDP: Desenho institucional: Núcleo temático

28

são apresentadas, de forma sistemática, as

experiências de interação das entidades

entrevistadas com os órgãos de litígio

do Estado. Dessa forma, os elementos de

perfil das entidades serão cruzados com

os tipos de interação detectados a fim de

discutir o objeto central da pesquisa: como

a mobilização jurídica da sociedade civil

repercute nos órgãos de litígio do Estado e,

paralelamente, como o desenho institucional

dos órgãos de litígio do Estado favorece ou

não a mobilização social jurídica?

As citações aos trechos das entrevistas

realizadas não são identificadas ao longo

do relatório, e quaisquer informações que

possibilitem a identificação do entrevistado

ou da entidade foram eliminadas. Optou-se

por esta forma de tratamento dos dados

em razão de pedidos de confidencialidade

direcionados a determinados trechos

de algumas entrevistas, em especial

questões sensíveis, como financiamento

e percepções sobre entidades

governamentais. Como o universo de

entidades e respondentes é identificado

nas listagens anexas ao relatório, se apenas

algumas identidades fossem protegidas,

por exclusão, seria possível identificar

o restante da amostra. Igualmente, a

lista de indivíduos entrevistados não é

disponibilizada nos anexos do relatório,

tendo em vista que alguns respondentes

solicitaram anonimato. Da mesma forma,

optou-se por conferir anonimato a todos

os respondentes, a fim de evitar qualquer

possibilidade de identificação por exclusão.

29

Neste tópico, são apresentados os

perfis dos 130 indivíduos que participaram

das entrevistas. A construção de um

panorama sobre os respondentes tem

o objetivo de situar de onde partem as

narrativas, percepções e experiências que

serão descritas e analisadas nas seções

seguintes. Os perfis são construídos a partir

de elementos de trajetória acadêmica,

política, profissional e pessoal destacados

pelos entrevistados como determinantes

para a sua atuação na defesa de direitos

em entidades da sociedade civil.

Foram entrevistados advogados das

entidades de defesa de direitos e/ou seus

diretores, coordenadores e, no caso de

atividades de extensão universitária, os

alunos e/ou os professores orientadores

dessas atividades. Em alguns casos, foram

entrevistadas mais de uma pessoa por

entidade, para que os relatos contemplassem

as diferentes partes do questionário (tanto a

parte histórica da entidade quanto a parte

técnico-jurídica). Nem todos os entrevistados

possuíam formação jurídica. Dos 130, 96 eram

advogados e 19 eram estudantes de direito.

A formação dos outros 15 entrevistados

é variada: entre eles estavam pedagogos,

engenheiros, psicólogos, jornalistas,

assistentes sociais, militantes etc.

Pelo menos três gerações estão

representadas nas entrevistas, desde os

atuais estudantes de graduação em direito,

até aqueles que participaram da fundação

das primeiras entidades, nas décadas de

1970/1980, e que acompanharam o processo

de democratização do País, a Constituinte,

bem como as transformações sofridas no

perfil de trabalho de suas entidades.

Nas subseções que seguem, são

detalhados os elementos de trajetória

dos entrevistados mais frequentemente

mencionados para a sua escolha de

atuação em entidades de defesa de

direitos: vínculos com movimentos

sociais, sindicais, comunitários, políticos e

estudantil; influência familiar ou fatores de

caráter pessoal; participação em atividades

relacionadas ao âmbito da igreja; e

experiências de extensão universitária ou

estágio, durante a graduação.

Vale ressaltar que, em muitos casos,

diversos desses elementos estão presentes na

trajetória de um mesmo entrevistado, o que

pode demonstrar a inter-relação entre essas

experiências de mobilização, em um campo

social que se comunica. Exemplos dessa

mobilidade seriam, a partir do envolvimento

com o movimento estudantil (secundarista

ou universitário), buscar por experiências de

extensão universitária de assessoria jurídica

popular, no qual os alunos têm contato com

movimentos sociais e comunidades, o que

desperta o interesse de profissionalização

nesta área de atuação e faz com que se

busquem práticas de estágio em espaços

como organizações não governamentais

de defesa de direitos. Ou, ainda, a partir da

vivência familiar, em grupos ou comunidades

de uma série de violações de direitos (terra,

moradia, saúde, educação, segurança), o

fomento de formas de associativismo para

reivindicação e defesa de direitos.

O elemento mais frequentemente

destacado pelos respondentes para explicar

2 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS

30

o seu envolvimento com a defesa de direitos

foi a participação em grupos de extensão

universitária: 40 casos. Ainda que a alta

incidência dessa categoria esteja relacionada

ao grande número de respondentes que, no

momento da entrevista, eram membros de

uma extensão universitária (18), outros 22

casos de defensores de direito estão ligados

a experiências desse tipo. Igualmente,

outra vivência no âmbito estudantil foi

recorrentemente apontada: a participação

no movimento estudantil, em geral,

universitário, mas também secundarista (32

casos). Elementos de formação acadêmica,

como pesquisa e ensino de graduação (34

casos), ou cursos de especialização e pós-

-graduação (13 casos) também são

mencionados como influências para a

atuação na defesa de direitos.

Elementos familiares e pessoais

(26 casos), assim como estágios (24),

vínculos com instituições religiosas (18) e

proximidade com movimentos sociais e

comunitários (17) foram indicados por um

grupo relevante de entrevistados. Em menor

medida, o pertencimento do entrevistado

ao grupo social que é representado pela

entidade de defesa de direitos (9 casos), a

experiência prévia em trabalho voluntário

(9), e a sua participação em movimentos

sindicais (7) foram identificados como

elementos de trajetória relevantes.

Tabela 6. Elementos de trajetória

Elementos de trajetória Número de respondentes

Extensão universitária 40

Pesquisa / Ensino 34

Movimento estudantil 32

Família 26

Estágio 24

Religião 18

Movimento social ou comunitário 17

Especialização / Pós-Graduação 13

Grupo representado 9

Trabalho voluntário 9

Movimento sindical 7

A seguir, são apresentadas as

principais influências identificadas na

trajetória pessoal, profissional e acadêmica

dos entrevistados para atuarem com

entidades de defesa de direitos. Os

elementos são reunidos em três grandes

grupos: (2.1) experiências universitárias;

(2.2) experiências profissionais; e (2.3)

experiências sociais e pessoais.

2.1 EXPERIÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS

2.1.1 PESQUISA E ENSINO

Experiências no âmbito universitário

abarcam os três elementos mais menciona-

dos pelos respondentes. Atividades mais

tradicionais desse ambiente, o ensino e a

pesquisa são apontados como o primeiro

contato com a temática de defesa de direitos

por uma relevante parcela dos entrevistados.

Em geral, disciplinas sobre direitos humanos

e os cursos ditos propedêuticos (em especial,

nos cursos de direito, tais como sociologia

jurídica, teoria do direito, introdução ao

direito), e grupos de pesquisas orientados

por professores dessa mesma linha são

tidos como influências importantes para a

escolha profissional dos entrevistados em

atuar na defesa de direitos pela sociedade

civil. Igualmente, cursos de especialização

e pós-graduação stricto sensu nessas áreas

aparecem com razoável frequência como

elementos de trajetória dos entrevistados.

A experiência de pesquisa, especialmente

durante a graduação dos entrevistados,

esteve conectada, com frequência, a outro

elemento: a extensão universitária.

2.1.2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

A experiência com projetos ou grupos

de extensão universitária foi o elemento

mais mencionado pelos entrevistados

31

como influência para a atuação em

entidades de defesa de direitos. Para

muitos dos entrevistados, a extensão

universitária promove um contato com

a realidade de violação de direitos e

sensibiliza para a necessidade de uma

atuação profissional voltada à defesa de

certos grupos e temáticas. Em especial para

os respondentes originários de faculdades

de direito, a extensão é vista como um

importante complemento à sua formação

e, sobretudo, como uma alternativa a uma

educação jurídica que invisibiliza certas

demandas e determinadas formas de

atuação. Exemplos dessa percepção são

identificáveis em diversas entrevistas:

Para mim, me aproximar de questões

sociais assim e pra fazer uma opção

de que forma que eu ia exercer a

advocacia, a extensão universitária

foi fundamental. Durante a faculdade

que eu fiz no interior [do Estado], nós

tínhamos um grupo que trabalhava com

o MST em alguns assentamentos da

Reforma Agrária e em acampamentos

na região [da Cidade], e tinha um núcleo

de estudos de direito alternativo. Então,

para além dos códigos, para além das

doutrinas jurídicas, assim como a gente

costuma ver sempre sendo aplicada na

prática, a gente também tentava fazer

um estudo crítico do Direito. Então,

isso foi fundamental. Como a extensão

tinha a parte prática de ir para os

acampamentos, para os assentamentos

fortalecer os movimentos sem-terra,

isso se tornou muito natural na minha

trajetória, na minha forma de atuar.

Enquanto estudante da universidade

eu já de início comecei a me envolver

com grupos de pesquisa e extensão de

assessoria jurídica universitária popular,

da universidade federal, [nome do

Núcleo], no qual a gente pesquisava e

fazia projetos de extensão na área de

educação popular em direitos humanos.

Para muitos dos respondentes, a

extensão universitária apresenta uma

possibilidade de conciliação entre atividade

profissional e atuação política:

Eu fiz o curso de direito [...] e na

universidade participei da reconstrução

do centro acadêmico e da instalação

[da primeira extensão universitária] […]

Ainda era a ditadura, né? De um grupo

que era progressista, que lutava contra a

ditadura na época. Ali eu comecei a minha

experiência prática, de convívio com

atendimento à população, organização

de um debate que envolvia a advocacia,

mas ao mesmo tempo mais estratégico.

Assim como a pesquisa, em regra,

esteve associada a atividades de extensão

universitária, esta, com frequência, aparece

conectada à participação no movimento

estudantil.

2.1.3 MOVIMENTO ESTUDANTIL

Ao lado da extensão universitária,

o movimento estudantil responde por

grande parte da influência apontada pelos

entrevistados. O seu papel é semelhante:

politizar o indivíduo e conectá-lo com

organizações, movimentos sociais e

demandas sociais específicas. Exemplos

dessa perspectiva podem ser identificados

em diversas entrevistas:

O fato de eu ter, no início da faculdade,

conhecido o pessoal do Centro Acadêmico

de Direito, [...] acho que foi o principal

motivo que me levou a participar do

debate político sobre a necessidade da

crítica ao direito, de atuação crítica, de

aproximação de movimentos populares,

com organizações populares. Eu acho que

foi a partir dessa militância no movimento

estudantil. E também no período da

faculdade eu comecei a participar de

32

pesquisas [...] pesquisa interdisciplinar que

me possibilitou conhecer mais também

o movimento do MST principalmente,

e depois tem a questão ambiental pela

qual eu atuei na parte de pesquisa e de

extensão no período da faculdade.

O aspecto mais relevante foi o movimento

estudantil, a formação proporcionada no

ambiente de contato com os movimentos

sociais, contato com organização de

direitos humanos, isso mais ou menos

moldou valores que eu trago pra hoje,

pra minha carreira profissional. Como

eu também não tenho uma trajetória

profissional... eu me formei faz 2 anos,

eu tenho 26 anos, então o que me levou

na verdade foi o movimento estudantil,

em termos de formação de valores e de

formação de princípios.

Eu comecei no movimento estudantil,

na faculdade mesmo, na Universidade

Federal [do Estado], eu participei

da direção do diretório central dos

estudantes, primeiro centro acadêmico,

depois diretório central dos estudantes,

então foi lá que “eu politizei”, vamos dizer

assim. E aí a gente fazia pesquisa, visitas

a assentamentos, a gente participava

do Grito dos Excluídos, então o meu

foco jurídico foi sendo direcionado para

a área social por conta disso, por conta

dessa atuação e desse enfrentamento

com população de baixa renda, com

Movimento dos Sem Terra.

Assim como atividades de pesquisa

e a extensão universitária, o movimento

estudantil é, frequentemente, a linha

de atuação universitária a que muitos

respondentes atribuem o seu maior

interesse no curso de graduação, em

especial nos cursos de direito:

Comecei o curso e logo de cara tive

uma desmotivação muito grande porque

não era nada do que eu imaginava, bem

tradicional. Tradicional, conservador,

de todas as formas conservador, tanto

no ensino quanto na pesquisa. Nós já

tínhamos experiência de extensão na

época que eu entrei na faculdade e foi

essa inquietação em relação ao curso

que me levou a procurar alguma forma

de me manter nele. Minha primeira ideia

era desistir do curso, era ir fazer ciências

sociais porque era outro curso que eu

gostava. Nessa busca, por me envolver

em outros projeto pra permanecer no

direito eu acabei conhecendo o centro

acadêmico, um grupo que fazia parte

do centro acadêmico da faculdade e foi

nesse grupo que eu me identifiquei. E

paralelo a esse grupo, na mesma época,

a faculdade estava dando seus primeiros

passos na extensão universitária e aí eu

participei de um projeto.

2.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS

Certas experiências de atuação

profissional também são apontadas

como determinantes para a escolha dos

entrevistados em atuarem na defesa de

direitos. Em 24 casos, o estágio teria

sido especialmente influente. Destes, 19

apontam ter realizado estágios em ONGs

durante a sua graduação. Em muitos desses

casos, trata-se das próprias organizações

onde, hoje, os entrevistados atuam

profissional ou mesmo voluntariamente.

Em outros quatro casos, estágios no

Ministério Público, seja ele estadual ou

federal, são indicados como elementos de

trajetória influentes. Neste sentido, órgãos

especializados do Ministério Público

cumprem um papel especial em influenciar

os respondentes, como ilustra o trecho

destacado:

Eu fiz seleção para ser estagiária do

Ministério Público Federal, e lá eu fiquei à

disposição da Procuradoria Regional dos

Direitos do Cidadão, PRDC, e aí eu, desde

então, comecei a ter bastante contato

com a questão dos direitos humanos. […]

33

E anteriormente, antes de ser estagiária

no Ministério Público Federal, no meu 1º.

ano na faculdade, eu fiz também uma

seleção e fui aprovada para ser estagiária

em uma ONG.

2.3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, SOCIAIS

E POLÍTICAS

Além de experiências universitárias

e profissionais, influências de elementos

pessoais (tais como a família), sociais

(religião) e políticos (movimentos

comunitários e sociais) também são

identificáveis nas entrevistas.

2.3.1 FAMÍLIA

A influência familiar como motivação

para atuação na defesa de direitos foi

mencionada por 26 entrevistados. Esta

influência aparece sob diversas formas:

em razão da politização da própria família,

como parentes que eram membros de

movimentos sociais, partidos políticos ou

organizações sindicais:

Eu sou filho de agricultores provenientes

de assentamentos ligados ao MST, então

a minha família toda é de agricultores [...].

E meus pais são líderes do MST desde os

anos 80 e eu me formei no ano 2000, antes

fui seminarista ligado à igreja católica, fiz

direito, me formei no ano 2000 e, a partir

daí segmento às atividades de defesa

e assistência aos trabalhadores rurais

ligados aos sindicatos de trabalhadores

rurais, a movimentos sociais diversos,

entre eles o MST, e trabalhei junto da

igreja católica [em outra organização],

até chegar [à entidade].

Venho de uma família de militantes na

área de direitos humanos. Meu pai surgiu

de uma militância mais partidária, a partir

do PCdoB, na década de 70. Minha irmã

mais velha milita com o Movimento dos

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

Sem Terra, desde o Movimento Estudantil

até hoje, formada em Jornalismo, e

fazendo a assessoria de comunicação do

Movimento.

Minha mãe é sindicalista, então já ia

direcionada para uma coisa menos

legalista já, desde sempre, então acabei

na faculdade me envolvendo com

movimento estudantil e movimentos

sociais, já ajudava com movimentos

sociais.

Em outros casos, a influência familiar

decorre da identificação da família com o

próprio grupo defendido pela entidade.

Por exemplo:

[me motivei a atuar na entidade] por

algumas razões pessoais, de ter algumas

pessoas da família que viviam com Aids.

Eu sou familiar de 3 desaparecidos

políticos [...]

Sempre me identifiquei, acho que por eu

ser de uma família humilde também.

Eu venho de uma família que também tem

muitos, até hoje, parentes e tios que são

trabalhadores rurais, então eu sei muito

bem como é essa situação também no

aspecto familiar

2.3.2 GRUPO REPRESENTADO

O vínculo do respondente com o

próprio grupo representado pela entidade

em que atua decorre, também, da sua

própria percepção como membro de uma

determinada coletividade. Por exemplo:

O primeiro grande aspecto da minha

carreira e da minha vida pessoal é o fato

de ser negro; o fato de ser negro e a forma

com que essa identidade foi aparecendo

na minha vida. E essa identidade, do ser

negro, foi aparecendo na minha vida

muito também conjunto com a minha

vida acadêmica. À medida que eu ia

avançando nos estudos, à medida que

34

a minha vida acadêmica ia se fundindo

também com a minha vida pessoal, com

a minha vida familiar, essa questão foi se

aflorando, foi se tornando muito evidente

pra mim, né? E, assim, a ideia, primeiro:

como era necessário compreender isso

melhor, entender as consequências não

só da vida pessoal, mas as consequências

políticas do ser um homem negro numa

sociedade como a nossa, formada

como a nossa é formada, e acessando e

frequentando certos espaços em que eu

via que a presença dos negros era cada

vez mais rara ou praticamente não existe.

Estava no meio do boom da história da

Aids, do surgimento da epidemia de

Aids, tal. E é uma epidemia que afetou

principalmente a nossa comunidade gay.

Estigmatizou, primeiro porque chamavam

de câncer gay. E daí por diante eu comecei

a trabalhar com criança com HIV, acabei

indo trabalhar para adultos, com a parte

de Direito mesmo [...] No transcorrer

disso tudo, começou-se a discussão dos

direitos, porque muitos gays na época,

que viviam juntos e construíram uma

vida juntos, morreram e o parceiro ficou à

deriva, e aí não tinha nenhum direito que

amparasse. Não tinha nenhuma discussão

e nenhum direito já conquistado que

amparasse as relações. Eram relações

que existiam, que todo mundo sabia que

existia, mas que ninguém reconhecia

juridicamente.

2.3.3 RELIGIÃO

Além de influências familiares e da

identificação pessoal com determinado

grupo, outras relações sociais também

emergem das entrevistas como

determinantes para o envolvimento dos

respondentes com a defesa de direitos.

As instituições religiosas são um primeiro

exemplo desse tipo de vínculo social.

Em diversos casos, o pertencimento

ou a proximidade do entrevistado a

organizações da igreja, notadamente,

católica, são mencionados como cruciais

para a sua dedicação à área. Essas

organizações da igreja são, em sua maioria,

bastante capilarizadas, de atenção direta a

comunidades e indivíduos vulnerabilizados,

tais como as comunidades eclesiais de base

e as pastorais da juventude.

Exemplos dessa influência das

organizações religiosas podem ser

destacados:

Eu sempre fui militante na Pastoral da

Juventude, nas comunidades eclesiais de

base, denominadas CEB’s. Eu sou desse

grupo, de uma teologia da libertação, a

questão do cristianismo ligada à questão

da militância, da luta, da defesa dos mais

pobres, dos excluídos e marginalizados.

E aí com essa ideia cristã-revolucionária,

vamos dizer assim, eu optei fazer direito

que acharia que teria uma boa contribuição

para a sociedade fazendo direito e levar

aquilo que tinha de garra, de vontade,

da adolescência, essa vontade de querer

mudar o mundo, de transformar, e aí eu

fui fazer direito. Eu tinha um amigo que

também fez direito e que a gente tinha

os mesmos ideais, as mesmas vontades, e

dentro da Pastoral da Juventude a gente ia

cada vez mais aprendendo, aperfeiçoando,

querendo, então era sempre ligando essa

questão da obra e da fé.

Na juventude, militando com a

Comunidade, também a partir de uma

Instituição Religiosa, eu comecei a

realizar atividades com Comunidades, […]

e aí por conta disso eu acho que passei

a aludir o interesse por essas questões

que a gente costuma reunir dentro da

temática dos Direitos Humanos. E aí fui

fazer graduação em Direito muito movido

por isso também.

Na verdade, nós estamos situados numa

região, que é o nordeste brasileiro, que

se configura como uma região que

historicamente tem violado os direitos

35

das pessoas, dos mais pobres, dos

trabalhadores rurais, das populações

tradicionais indígenas, quilombolas,

pescadores artesanais e pescadoras, então

logo muito cedo na minha juventude, ainda

com 14 anos, eu estava já num processo de

inserção dos movimentos de resistência,

de reflexão, de todo esse processo. E daí,

a partir desse momento eu comecei a

perceber como era grave essa situação e

aí eu fui, cada vez mais, me envolvendo

com a atuação das comunidades eclesiais

de base e as pastorais sociais da CNBB

na época, e conhecer um pouco mais da

realidade do nosso estado e o debate

político sobre as questões históricas,

do nordeste, e a minha formação então

veio, dialogando com esse grau de

envolvimento que eu já tinha muito cedo

com essa realidade, então eu fui estudar

Teologia, Ciências da Religião.

O vínculo religioso também é

mencionado como motivação de um

compromisso ético com a defesa de

direitos, tal como ilustrado pelo seguinte

trecho:

A minha vinda para [a Entidade] foi

muito a questão da fé, de acreditar num

trabalho de transformação, então eu

tinha praticamente duas atividades, uma

atividade profissional e uma atividade de

militância religiosa que depois se tornou

política. Aí ficou fé e política. Assim,

pela idade, eu estou com 56 anos, de

trabalho assim, nasce nas comunidades

eclesiais de base, nasce toda a questão

da teologia da libertação dentro da Igreja,

onde você é chamado a atuar, trabalhei

com a alfabetização de adultos, com um

bispo bem progressista [...] dentro dessa

proposta de você ir aonde... de encontro

do pobre, de uma opção preferencial pelo

pobre acabei chegando [na Entidade] [...]

para trabalhar nesse questão de... mais

com moradores de rua. [...] Então eu

desde jovem assim, tive uma família muito

sensível a essas causas sociais.

2.3.4 CONTEXTO POLÍTICO,

MOVIMENTOS SOCIAIS E

COMUNITÁRIOS

Outro elemento social apontado como

relevante à atuação na defesa de direitos é

o contexto político vivido pelo entrevistado

e seus vínculos com movimentos sociais,

sindicais e comunitários:

Era época da ditadura militar, certo? Nós

estávamos aqui, o bairro, nossa área aqui,

foi muito atingida de todas as formas.

Essa foi uma das coisas. Perseguições

das lideranças, os movimentos libertários,

a própria igreja na época aqui também,

progressista [...], a falta de liberdade de

expressão. A gente tinha medo até de se

encontrar, de marcar qualquer reunião

a gente tinha receio. A gente estava

vivendo esse... Naturalmente os direitos

civis, políticos, todos cerceados, a gente

não tinha nem direito a votar naquela

época. Eu sabia de frequentes sequestros-

relâmpagos, digamos assim. Eu nem sei se

relâmpagos, sequestros mesmos, prisões,

denúncias de torturas, desaparecimento

de pessoas muito queridas, muito sérias.

E daqui, no bairro [...], perdemos muitas

pessoas, muitas pessoas foram presas e

teve gente que sumiu, foi torturada e tudo

mais.

E aí participamos do grupo de mães,

participamos dos primeiros movimentos

sociais aqui, antigamente o movimento

de moradia aqui era muito forte, porque,

se você for conhecer o nosso bairro, o

nosso bairro tem muita ocupação de terra

é muito desregular, pode ver que aqui no

[bairro] se for comparado ao centro da

cidade, aqui nós temos dois graus a mais

de calor do que no centro, porque aqui foi

totalmente ocupado de moradia, então a

vida começou a apertar, as pessoas eram

empurradas, dos bairros melhores para as

periferias, é então... é um bairro dormitório,

que comparado aos 43 anos atrás que

36

cheguei e até hoje, é outro bairro. E a gente

tem orgulho muito grande disso, porque a

participação do movimento de saúde, do

movimento de mulheres, o movimento de

moradia, movimento de creche, ferve...

deu um “fervecimento” aqui na região, pra

melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Então eu sou oriunda dos movimentos

populares, do movimento da teologia

da libertação e em 89 em 79, eu estava

montando um grupo de adolescentes, [...]

era a época das greves lá do ABC aquela

coisa toda, e eu tava aqui ajudando a

organizar alguns grupos de jovens.

eu fui da CIPA ali na fábrica, a gente tinha

um jeito de trabalhar, e essa forma de ver a

sociedade sempre deixa a gente indignado

com alguma coisa, e eu acabei sendo da

CIPA, votado ali, bem votado, trabalhei

bem lá pelo trabalhadores né, eu estava

mais ou menos com 10 anos de serviço lá.

O perfil dos respondentes traçado

com base nas experiências universitárias,

profissionais, pessoais e sociais

identificadas denotam uma importante

variedade de trajetórias. Há, no entanto,

elementos recorrentes nas trajetórias de

um relevante número de respondentes,

em especial o seu vínculo com a extensão

universitária e o movimento estudantil,

experiências acadêmicas em pesquisa e

ensino, influências familiares e conexões

com organizações religiosas. Essas

experiências são apontadas como vetores

da politização e aprendizado necessários

à atuação na defesa de direitos. Como

se verá na seção a seguir, as trajetórias

dos entrevistados e as suas percepções

sobre a defesa de direitos ilustradas em

suas narrativas estão bastante alinhadas

com os temas de trabalho, atividades

desenvolvidas e estratégias adotadas pelas

entidades em que estes indivíduos atuam.

O seu perfil de formação, dessa forma, está

ligado ao do das entidades onde atuam.

37

Em complementação à análise

dos respondentes das entrevistas, esta

seção apresenta os primeiros dados para

responder à pergunta sobre quem são as

entidades da sociedade civil que mobilizam

o direito. O objetivo é traçar o perfil das

entidades que compõem a amostra a partir

de seis variáveis: (3.1) temas de atuação;

(3.2) tipos de atividades desenvolvidas;

(3.3) âmbitos de atuação; (3.4) histórico

da entidade; (3.5) estrutura interna; e (3.6)

formas de financiamento.

Por meio da apresentação desses

dados, a multiplicidade de experiências

de mobilização jurídica detectada pela

pesquisa é evidenciada. A análise do perfil

das entidades servirá como referência

também para a análise das interações da

sociedade civil com o Ministério Público e

a Defensoria Pública, objeto de análise nas

seções 5 e 6. Em complemento aos dados

apresentados a seguir, a seção seguinte

abordará, detalhadamente, outro elemento

que compõe o perfil das entidades: as suas

estratégias de atuação jurídica.

3.1 TEMAS DE ATUAÇÃO

A multiplicidade de experiências

coletadas na amostra da pesquisa se reflete

na variedade de temas trabalhados pelas

entidades. Foram identificadas 22 áreas

temáticas de atuação das organizações

entrevistadas. As áreas temáticas aglutinaram

diversas linhas específicas de atuação24. A

maior parte das entidades atua em mais de

uma área temática: enquanto apenas 34

indicam ser especializadas em um único

tema, 69 entidades informam atividades

em mais de uma área. As áreas de atuação

indicam, também, o potencial de atuação

coletiva das entidades, por se tratarem, na

maioria, de temas determinados por sua

dimensão grupal, coletiva ou até mesmo

difusa. Nota-se, ainda, a concentração

em temas conectados com violações

perpetradas pelo Estado (como no caso

da violência institucional e em muitos sob

a alcunha crianças e adolescentes), e com

direitos sociais historicamente demandados

no Brasil, tais como aqueles refletidos nas

áreas temáticas relacionadas a conflitos

fundiários (terra, cidade, comunidades

tradicionais e indígenas).

Na tabela a seguir, apresenta-se a

distribuição das entidades conforme a

sua área temática de atuação, em ordem

decrescente de concentração:

3 - PERFIL DAS ENTIDADES

24 As áreas de atuação incluem os seguintes temas, na ordem de concentração das entidades: Violência institucional: violência do Estado, violência policial, sistema prisional, memória, reparação, responsabilização, tortura; Cidade: moradia; regularização fundiária; reforma urbana, direito à cidade, conflitos fundiários urbanos, sem-teto; Crianças e Adolescentes: Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes; juventude, menores em conflito com a lei, exploração sexu-al de menores; Terra: terra, reforma agrária, movimentos sem-terra, conflitos fundiários rurais, agricultores; Gênero: mulhe-res; feminismo, violência doméstica; direitos reprodutivos; Comunidades Tradicionais: quilombolas, ribeirinhos e moradores da zona costeira; Meio ambiente: meio ambiente, proteção ambiental, poluição; Saúde: acesso a medicamentos; HIV/Aids e discriminação; Indígenas: indíos, territórios indígenas, discriminação indígena; Trabalho: trabalhadores, sindicatos, trabalho escravo, cooperativas, catadores de material; LGBT: gays, lésbicas, travestis, transexuais; Família: planejamento familiar, di-vórcio, organização familiar; Criminal: defesa criminal de militantes sociais, atuação na justiça criminal; Consumidor: direito do consumidor, consumidores, proteção e defesa do consumidor; Organização comunitária: regularização e formação de associações de moradores, articulação comunitária; Educação: direito à educação, escolas e universidades; Raça: negros, discriminação racial e étnica; Idosos e portadores de deficiência: idosos, portadores de deficiência e cegos; Imigrantes: imi-grantes e ciganos; Comunicação: direito à comunicação, democratização das comunicações; Tráfico de pessoas; Religião: intolerância religiosa, discriminação pela religião, religiões africanas.

38

Tabela 7. Temas de atuação das entidades

Áreas temáticas Número de entidades

Violência Institucional 30

Cidade 26

Crianças e adolescentes 25

Terra 20

Gênero 19

Comunidades tradicionais 17

Meio ambiente 16

Saúde 15

IndígenasTrabalho

12

LGBT 9

Família 7

CriminalConsumidor

6

Organização comunitáriaEducaçãoRaça

5

Idosos e portadores de deficiência 4

ImigrantesComunicação

3

Tráfico de pessoasReligião

2

3.2 ATIVIDADES

As entidades que compõem a amostra

também apresentam grande variedade

com relação aos públicos atingidos pelas

suas atividades, às formas e estratégias de

atuação e aos âmbitos em que realizam

suas atividades. Quanto ao público, 74

entidades atuam com algum tipo de

atendimento individual (mas apenas seis

atuam somente com esta modalidade).

Com públicos coletivos, 25 entidades

atuam junto a movimentos sociais e 92

prestam atendimento a algum outro tipo

de grupo (comunidades, escolas, grupos

étnicos etc.). Dentre as 103 entidades

estudadas, no trabalho de 12 delas foi

possível identificar atividades com um

público difuso, isto é, não determinável

individual ou coletivamente. Exemplos de

entidades com esse tipo de público são

aquelas que atuam com temáticas como

consumidor e o meio ambiente.

Com respeito às atividades, as

entidades entrevistadas foram classificadas

em cinco eixos de atuação: (a) atividade

jurídica; (b) atividade de pesquisa e

publicação; (c) atividade comunitária;

(d) atividade de comunicação; e (e)

atendimento psicossocial. Grande

parte das entidades que integram a

amostra desenvolve atividades jurídica e

comunitária e, em menor medida, os outros

tipos estudados, conforme a tabela abaixo:

Tabela 8. Atividades realizadas

pelas entidades

Atividade Número de entidades

Jurídica 90

Pesquisa e publicação 28

Comunitária 83

Comunicação 35

Psicossocial 11

3.2.1 ATIVIDADE JURÍDICA

Das 103 entidades, 90 delas têm algum

tipo de atividade jurídica: atendimento

individual, orientação jurídica, atuação

judicial coletiva, encaminhamentos a outros

órgãos etc. (este elemento será aprofundado

na seção seguinte, sobre atuação judicial).

Importa destacar, neste ponto, que as

atividades jurídicas da maioria das entidades

são, com frequência, compreendidas como

parte de uma estratégia de atuação mais

ampla. Não raramente, a atividade jurídica

não é vista como central pela entidade

de defesa de direitos. Exemplos dessa

compreensão multifacetada das atividades

das entidades podem ser citados:

Então essa sua atuação no judiciário é

apenas uma das atividades da entidade,

não sei se chega a ser a principal, acho que

nem chega, acho que nem de longe chega

a ser a principal atividade da [entidade].

Tem toda a sua importância, claro, tem

toda a sua relevância, mas é apenas uma

das áreas de atuação da entidade e não é

39

propriamente a única.

[A entidade] tem um viés diferenciado

porque ela faz um atendimento não só à

vítima, mas à família da vítima, então faz

atendimento psicológico, social e jurídico.

Então ela faz grupos para que a vítima

consiga superar o trauma com ela, então

o psicólogo vai e faz esse atendimento,

a assistente social faz alguns devidos

encaminhamentos para programas [...]

para poder incluir essa família dentro

de uma rede caso ela não esteja na rede

de programas. E a psicóloga tenta então

dar esse parecer, dar esse retorno, ouvir,

conversar, mas é óbvio que todos que

ainda procuram a [entidade] têm um viés

maior, que é o viés jurídico, a proteção

jurídica. Então procura, a gente então

tem essa primeira conversa com todos

os técnicos, tem um estudo de caso, faz

o encaminhamento quando é possível,

senão se é uma coisa mais urgente a gente

já faz um encaminhamento e a gente então

protocola as denúncias.

[A entidade] capacita, ela trabalha com

prevenção, ela constrói metodologia,

ela faz diagnóstico de vulnerabilidades,

ela atende diretamente a vítima, ela

encaminha, ela atua na pacificação

da família [...], ela defende, denuncia

tortura, maus-tratos, atua no contexto

das mulheres encarceradas defendendo

os direitos das mulheres, do atendimento

às especificidades das mulheres presas,

faz advocacy, lobby, faz tudo que for do

interesse da pessoa, do segmento que nós

defendemos

3.2.2 ATIVIDADE DE PESQUISA E

PUBLICAÇÃO

Aproximadamente 1/4 das 103

entidades desenvolve atividades de

pesquisa entre as suas formas de atuação.

Essas atividades compreendem a realização

de estudos sobre as temáticas de atuação

da entidade, muitas vezes voltados para a

otimização das suas próprias estratégias

(jurídicas ou não), mas também direcionados

a influenciar a agenda de órgãos estatais

e a pautar políticas públicas. Conforme

sugerido nas entrevistas, a atividade de

pesquisa está, em geral, integrada às outras

formas de atuação das entidades:

De monitoramento e pesquisa a gente

tem, falando de forma geral, um recorte

de acesso à terra, direito à terra e de

monitoramento de como está sendo

efetivado esse direito à terra de povos

indígenas e comunidades quilombolas

[…] a gente monitora todos os dias como

está sendo a efetivação do direito à terra,

no sentido de... a gente monitora os

processos da Funai, os processos do Incra,

assim, essa é regular. Mas também tem

algumas pesquisas periódicas que a gente

faz isso também, trabalho de campo, a

gente fez uma agora de índios na cidade

e a gente levantou algumas políticas, a

gente contratou um antropólogo que

foi entrevistar os índios sobre como que

foram efetivadas essas políticas, teve um

trabalho que era de escritório que era de

descobrir quais eram essas políticas.

Eu acho que a parte de pesquisa e produção

de relatórios, documentação... é uma parte

que ganha uma centralidade muito grande,

e isso aliado a uma articulação sempre

com os movimentos sociais e com os

atores locais, né, então acho que a gente

talvez possa dizer que a nossa principal

forma de trabalho é em articulação com

os atores locais, porque a gente não atua

só [na cidade], a gente tem casos de

outros estados da federação, então a gente

trabalha sempre junto das outras entida-

des ou movimentos de locais específicos.

A gente fez dois tipos de coleta de dados,

uma coleta de perfil socioeconômico, ali no

atendimento no presídio, então tinha todo

um questionário de perfil socioeconômico

da população que estava sendo presa, este

questionário já foi para estatística e já tem

40

uma primeira tabulação que vai servir para

a nossa sistematização de dados, identificar

quem é a pessoa presa, né? Quem está

fazendo essa ameaça de população prisional

que hoje em dia é insustentável, de meio

milhão de pessoas. E um segundo momento

é a coleta de dados mais jurídica, que é a que

está sendo feita nesse momento, então os

casos como [ela] explicou eram distribuídos

pelos advogados associados, então tinha

um grupo para o atendimento, mas não só

esse grupo recebia o caso depois, era um

grupo muito maior que recebia e passava a

cuidar da questão prisional daquela pessoa

e aí agora então a gente tem estagiários

[da entidade] fazendo uma coleta do que

aconteceu juridicamente com esses casos,

se foi ou não foi aplicada a medida cautelar,

se a pessoa respondeu ou não respondeu

presa, quanto tempo fico presa para

comparar com a pena aplicada ao final, o

que, no crime de furto, raramente é uma

pena de prisão, então a pessoa responde

presa e no final é solta, e aí diagnostica qual

está sendo o atendimento do Judiciário, a

aplicação do Judiciário da lei das medidas

cautelares.

Tem a equipe que está o tempo todo

realizando essa pesquisa para as ações

de áreas e a gente também tem um grupo

de pesquisa que é interno da equipe, que

se reúne quinzenalmente pra discutir

algumas temáticas em direitos humanos

como forma de capacitação de equipe, de

aprofundamento das discussões e também

a gente em alguns momentos elabora

materiais de direitos humanos quando

somos solicitados.

A gente vai para a Justiça pleitear direitos

decorrentes de danos, ou mesmo pleitear a

melhor qualidade de produtos e serviços, ou

ainda o cumprimento de legislações que já

existem e que não estão sendo cumpridas,

e que a fiscalização não dá conta de

fazer cumprir. Modificar contratos, anular

cláusulas contratuais que são abusivas,

por exemplo. Tem a atuação em testes e

pesquisas, a gente testa o produto, leva

esse resultado, e é teste sério, é teste que é

com laboratório credenciado, inclusive pelo

Inmetro. Então a gente testa o produto e,

com isso, com os resultados disso – a gente

publica, claro, esses resultados – e também

pleiteia politicamente ou judicialmente

uma questão. Então tem essa atuação

política, de pleitear regulamentação de

direitos, a fiscalização, a melhora de

produtos e serviços, na qualidade e na

oferta. E ainda tem, claro, a orientação ao

consumidor, seja pelo site, seja pela revista,

seja pelo atendimento pessoal. A gente

tem um atendimento pessoal, então são

essas quatro atuações que a gente tem, e

que elas acabam se mesclando, acabam

virando três, e mais ou menos isso.

Muitas das pesquisas elaboradas

pelas entidades são transformadas em

publicações. No caso de 18 entidades

entrevistadas, a produção de materiais

impressos e até mesmo em vídeo integra

as suas estratégias de atuação.

Além de publicações institucionais,

há entidades que divulgam materiais

temáticos, com o fim de sensibilizar outros

órgãos e a sociedade em geral, misturando-

se à atividade comunitária:

[A entidade] também tem vários materiais

produzidos, materiais que dialogam com

professores, materiais que dialogam com a

sociedade, materiais com dialogam com os

próprios, os próprios LGBT, a gente subsidia

eles com esse material, faz um histórico um

pouco de como é que é a nossa atuação, e

às vezes a gente vai para a própria sala de

aula, nesse caso aí ainda vamos ver os dias,

para a gente dialogar com toda a turma,

compartilhar das nossas experiências,

dizendo por que a nossa luta ela é

importante, por que ela deve ser respeitada.

Há entidades, ainda, que utilizam a

atividade de publicação como meio de

potencializar a sua atuação jurídica, até

41

mesmo multiplicando-a:

Tem essa coisa das ações emblemáticas, e a

gente tem hoje um site também [...] E nesse

site a gente disponibiliza um acervo de

decisões sobre a questão racial e religiosa

no Brasil. Que esse é outro tema que a gente

trata também no programa jurídico, que

é a intolerância religiosa com um enfoque

maior nas religiões de matriz africana.

3.2.3 ATIVIDADE COMUNITÁRIA

A atividade comunitária – que envolve

o trabalho de base, de proximidade

aos públicos atingidos pela atuação da

entidade – foi observada em 83 das 103

organizações entrevistadas. Esta categoria

de atividades inclui a realização de cursos,

capacitações, trabalhos educativos,

campanhas e formações com indivíduos,

coletivos e movimentos sociais vinculados

à temática trabalhada pela entidade. Além

de, em uma dimensão quantitativa, a

atividade comunitária se revelar importante

na amostra estudada, qualitativamente ela

também é central às entidades de defesa

de direitos. Para muitos respondentes, esta

forma de atividade é o que, em larga medida,

determina os rumos da atuação em outros

meios, dentre eles a atividade jurídica. A

atuação das entidades de defesa de direitos

da sociedade civil tem, assim, um elevado

potencial de capilaridade e conexão direta

com os públicos que visa defender.

Exemplos da centralidade dessa

atividade podem ser destacados das

entrevistas. Diversos respondentes referi-

ram o papel das entidades de defesa de

direitos em formar novos defensores de

direitos e em multiplicar o conhecimento

sobre a temática trabalhada:

Nossas reuniões, nossas atividades, estão

muito centradas com a questão da educação,

de melhorar e formar outros novos agentes,

né? No incentivo à formação de grupos

da sociedade civil, associação, é uma das

formas que a gente orienta para a questão

de reivindicações, tentando criar um pouco

de autonomia para os trabalhadores.

O nosso trabalho está muito mais

voltado para a formação política das

mulheres. Capacitação e formação das

mulheres, [...] esse trabalho de incidência

política, do controle social, a gente hoje

está muito mais focada nessa ação, do

empoderamento político, [...] econômico,

social, das, essa questão muito mais do

que da formação, a gente faz cursos, a

gente trabalha, ainda continuamos com o

trabalho de fortalecimento das mulheres

no campo mais da subjetividade.

A gente tem um curso que tem a duração

de 9 meses, ele é anual, e totalmente

gratuito, voltado para capacitar lideranças

comunitárias na defesa dos direitos

humanos. Então eles recebem noções

de todas as áreas de direito – civil,

constitucional, trabalhista – além de noções

também sobre diretos humanos, políticas

públicas e essas pessoas vão funcionar

como multiplicadores do conhecimento do

direito nas suas comunidades.

Junto às comunidades, nós temos hoje o

direito à cidade, que faz formação junto

a lideranças comunitárias e aí é de uma

região, algumas localidades da região

metropolitana [da cidade] e a finalidade

dessa formação é o fortalecimento no

campo político. Uma formação que é

recente agora é com grupos de mulheres

também com a temática do direito à

cidade, o direito à moradia, trabalhando

as mulheres da comunidade pra tentar

abordar questões de gênero.

A gente tem essa questão através das

assembleias, de cursos e de seminários,

que é a formação da nossa comunidade

para exercer e fazer isso, o advocacy

junto aos poderes constituídos e também

sensibilizar a sociedade, fazer as devidas

denúncias porque a gente continua [...].

42

Desenvolvemos ações nesse mesmo

processo de acompanhamento sociojurídico

a essas comunidades, de acompanhamento

em audiências, em reuniões com órgãos

fundiários, mas também [...] com foco

bastante intenso no processo de formação

política dessas lideranças, esse processo de

formação aqui na [entidade], e isso desde

2001, processo de formação de lideranças.

Frente ao perfil variado de

entidades, há, também, uma diversidade

de compreensões sobre a atividade

comunitária. Além de experiências de

formação de lideranças, como as referidas,

alguns entrevistados mencionam a

realização de atividades culturais e a

organização de grandes eventos de

mobilização como parte de sua atividade de

proximidade aos públicos representados:

a área de resgate da autoestima e de

valorização da cultura dos imigrantes em

São Paulo, especialmente sul-americanos e

africanos […] neste segundo semestre de

2012 foi inaugurado um curso de português

e formação política. Então o ensino do

idioma português com formação política.

Que é um trabalho que faz parte da lógica

de buscar o protagonismo do imigrante, de

ajudar no conhecimento dos seus direitos,

mas que é novo.

[A entidade] realiza todos os anos a

Parada da Diversidade, nós estivemos em

todas elas à frente da organização. […] Nós

realizamos um evento [...], que é um evento

que mobiliza a cidade toda, nós realizamos

atividades em Universidades, em espaços

populares, em praças, enfim, em vários,

em órgãos públicos, e esses eventos são

os mais diversos possíveis, são oficinas,

são palestras, são debates, são shows, são

mostras de filmes, são várias atividades

com o tema da diversidade sexual. E

a gente também, nessa semana que já

inclusive integra o calendário de eventos

do município de [nome da cidade], ela é

realizada na última semana de agosto de

cada ano, esse ano nós vamos para a nona

edição [...]. Então dentro desses objetivos

de formar militantes do movimento social e

também dar assistência jurídica para LGBT.

3.2.4 ATIVIDADE DE COMUNICAÇÃO

Junto às atividades jurídica, de

pesquisa e comunitária, diversas entidades

mencionam empreender esforços

relacionados à comunicação e às mídias

em geral. Dentre as 103 entrevistadas,

35 indicaram ter alguma iniciativa mais

sistemática de tematizar os meios de

comunicação. Há grande variedade nas

estratégias de atuação em relação à mídia.

Algumas entidades, dotadas de maior

estrutura e, especialmente, de assessoria

de comunicação, buscam divulgar as suas

atividades e tematizar as abordagens dos

meios de comunicação sobre as temáticas

em que atuam:

E essa assessora de comunicação, ela faz

esse link com a mídia impressa, com a

mídia eletrônica e com a mídia televisiva, e

assim há sim uma articulação com a mídia

na medida da possibilidade.

Articulação junto a grande mídia lutando

justamente, quer dizer, pedindo, lutando,

implorando para que não generalize, e isso

praticamente uma vez por semana eu tiro

um dia para fazer essas comunicações e eu

mando para o Estadão, para todas as mídias.

Temos assim, nós temos uma pessoa que

cuida dessa parte de comunicação do

centro, fazer com que essa, esse trabalho do

centro se torne visível, gere uma discussão

política, uma opinião [inaudível de 0:20:31

até 0:20:40] boletim de circulação mensal,

de 1.000 exemplares que circula aqui na

cidade uma vez por mês, aonde a gente

divulga nossas ações, coloca um editorial

com nossas opiniões sobre assuntos

específicos, e também nós participamos,

criamos também uma, uma rádio

comunitária aonde também a gente faz

43

todo um trabalho voltado... com um grupo

de 35 jovens e adolescentes nessa área de

direitos humanos e cidadania, comunicação

voltada na defesa dos direitos humanos.

Além disso, em razão da expertise

acumulada pelas entidades de defesa de

direitos, muitas delas se tornam referência

para os próprios meios de comunicação,

que as buscam como fontes jornalísticas:

A gente já tem uma atuação ação pontual

com jornalistas já há algum tempo. Faz

pelo menos uns cinco anos que a gente

já... já é fonte confiável para os jornalistas,

então a gente tem um trabalho, é, é... um

diálogo permanente com vários jornalistas,

nos mais diferentes órgãos, nas TVs, nos

jornais, nos portais, é, a gente tem inclusive

uma assessoria de imprensa [...] quando

são suscitadas essas questões ligadas aos

direitos da população LGBT eles sempre

estão recorrendo à gente para pedir

subsídio para a matéria, ou então para

saber a nossa opinião. Esse é um trabalho

que a gente faz de alimentação de pauta,

sugerindo, muitas vezes quando está

próximo a determinadas datas a gente

sugere aos funcionários da imprensa que

pautem determinados temas

3.2.5 ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL

Ainda que, proporcionalmente, em

menor medida, outra linha de atividade

relevante para algumas atividades é o

atendimento psicossocial. Em 11 das 103

entidades entrevistadas, a prestação de

serviços por psicólogos e assistentes

sociais foi mencionada. Nesses 11 casos,

as entidades também realizam atividades

jurídicas e, dessa forma, conciliam o

atendimento psicossocial ao atendimento

jurídico dos públicos a que atendem. Os

dois tipos de atividade se complementam,

dessa forma, em uma mesma entidade:

A atuação profissional é uma atuação

interdisciplinar, têm advogados, assistentes

sociais, psicólogos, jornalistas, educadores,

então especialmente as intervenções

judiciais, elas são todas acompanhadas por

uma equipe interdisciplinar de psicólogos e

assistentes sociais que desenvolvem ações

para família, que desenvolvem relatórios,

que incidem diretamente na própria defesa

desses beneficiários.

Esse acompanhamento psicossocial,

as famílias chegam até nós, porque [a

entidade] trabalha numa perspectiva

de casos emblemáticos, porque não há

condições de pegar tudo, né? E o projeto,

20 casos emblemáticos, que através deles

seria possível trabalhar num sentido de

aprimorar e estruturar e melhorar o serviço

de atendimento da rede de proteção e

garantia de direitos, com base nesses

casos emblemáticos que nos chegam. As

famílias chegam e é feito um atendimento,

um acompanhamento psicológico das

crianças, das pessoas que foram vítimas

de violência ou abuso sexual, é feito um

acompanhamento pelas assistentes sociais

também, e na eventualidade que geralmente

é muito incomum que aconteça de

precisar judicializar, de precisar de alguma

orientação jurídica judicial ou extrajudicial

nós, da Assessoria Jurídica, entramos, seja

para ajuizar ações cíveis, para cessar de

alguma forma o contato do abusador com

a criança, para cessar de imediato o risco,

seja no acompanhamento de inquérito com

alguma medida cautelar de afastamento,

entrando com alguma medida protetiva

de urgência junto aos Conselhos Tutelares,

provocar os Conselhos Tutelares nesse

sentido [...] então é basicamente isso, o

trabalho intersetorial se resume à questão

do Serviço Social, da Psicologia e da

Assessoria Jurídica.

3.3 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO

O estudo do âmbito de atuação

das entidades que compõem a amostra

revela outro elemento da sua variedade.

As organizações apostam em estratégias

44

complexas na defesa de direitos, aliando

atividades jurídicas e comunitárias a

atuações políticas junto ao Legislativo,

ao Executivo e a Conselhos de políticas

públicas, em todos os níveis federativos.

Entre as entidades entrevistadas,

84 afirmam desenvolver algum trabalho

junto ao Legislativo, seja ele municipal,

estadual ou federal. Essas atividades vão

desde a disputa da agenda legislativa

do parlamento, lobby via determinados

representantes, o chamado advocacy,

a atuação em comissões, pressões

políticas por determinados projetos até o

encaminhamento de projetos de lei:

Essa é uma área em que a gente atua, e

sugere modificações em lei, a parte do

advocacy legislativo nosso. Por exemplo, o

Plano Nacional de Educação, a gente fez

uma formulação que inclusive foi apoiada

por várias instituições, inclusive a SEPPIR,

que é o órgão do Governo Federal que

cuida da igualdade racial, a secretaria de

igualdade racial, de políticas de promoção

da igualdade racial, e que tem status de

Ministério. A gente atua hoje [em] uma

comissão que avalia o projeto do novo

Código Penal, e naquilo que ele tem a

ver com a criminalização do racismo e

outras formas de intolerância. Então é um

outro exemplo que a gente está atuando,

formulando. E fizemos um grupo de

advogados do país todo, e que se reúne na

SEPPIR também, mas não é da SEPPIR, é

da sociedade civil, mas que a SEPPIR está

acompanhando, e inclusive incorporando

no seu discurso e nas suas medidas o que

essa comissão propõe.

Nós tivemos um projeto de lei encaminhado

à Câmara dos Vereadores [da cidade]

que, por sinal, saiu frustrado, agora está

em estudo um projeto de lei que estamos

elaborando para o Estado [...] Então

estamos elaborando um projeto de lei

para o Estado que eu acho que até o fim

do ano vai ser discutido na assembleia,

para conseguir o uso dessas áreas que o

Estado mantém o domínio público e estão

sendo ocupadas por população de baixa

renda, nas favelas, nos assentamentos,

acampamentos rurais, por aí.

Há entidades para as quais essa

atividade é ainda mais central. Um

exemplo é o acompanhamento, na íntegra,

da atividade legislativa em determinada

matéria, dedicando recursos e estrutura da

entidade a essa atividade:

Tem alguns projetos, eu acho que o mais

impactante de todos é esse, o projeto em

Brasília, onde a gente acompanha mais

de 1.000 projetos de lei na Câmara e no

Senado, que tenham repercussão, que

tenham e que resvalem de qualquer forma

em questões de direito penal, direito

processual penal, política penitenciária,

política criminal, segurança pública,

violência urbana... então a gente tem

um software de acompanhamento, tem

pessoas contratadas para acompanhar

dentro desses tantos, 1.040 projetos

atualmente, a gente seleciona enquanto

rede projetos prioritários, seja pela

temática, seja pelo momento de processo

legislativo que ele esteja, seja mais

premente a atuação, e aí nesses projetos

a gente tem funcionários contratados pela

rede, que fazem pareceres, notas técnicas,

tem uma funcionária contratada que fica

em [cidade] fazendo articulação política,

e aí representantes dessas instituições vão

uma vez por mês à [cidade], se reúnem

com deputados, senadores e assessores

parlamentares para discutir ou emendas no

projeto de lei, ou tentar barrar a aprovação

do projeto, tentar encampar um projeto

que a gente pensa e que a gente redige,

e aí tenta procurar algum parceiro para

propor aquele projeto.

Junto ao Executivo, 64 das 103

entidades afirmam ter algum tipo de atuação,

igualmente nos três níveis. Tal atuação vai

desde a participação em conferências de

políticas públicas até a implementação

45

de determinadas políticas públicas e a

capacitação de agentes do Estado:

A gente tem o programa junto à prefeitura,

polícia militar e à universidade federal

que esse programa tende a procedimento

multidisciplinar para a abordagem domiciliar

em casos de violência que acontece dentro

da família, então a viatura vai, sempre

com um policial, assistentes sociais, uma

psicóloga, geralmente três profissionais

sendo um deles policial e temos agentes

da prefeitura envolvidos também nesse

programa, então é um programa que

envolve todos esses parceiros.

Participamos das conferências municipais,

estaduais e das nacionais, e, nas nacionais

é onde vão se elaborando as políticas

públicas e a gente sempre está colocando

essa questão de orientação sexual,

identidade de gênero, LGBT, levando as

nossas necessidades para serem discutidas

e se articulando com outros movimentos de

mulheres, de negros, de índios.

Com os Conselhos de políticas

públicas, foi identificada a participação de

49 entidades. A presença em conselhos

ocorre nos três níveis: municipal, estadual e

local. O foco de atuação nos conselhos é a

área temática da entidade ou em espaços

amplos, como os Conselhos Estaduais

de Defesa dos Direitos Humanos (ou da

Pessoa Humana – CONDEPE).

Tabela 9. Âmbito de atuação

das entidades

Âmbito Número de entidades

Legislativo 84

Executivo 64

Conselhos 49

3.4 HISTÓRICO

As entidades de defesa de direitos

que compõem a amostra têm históricos

bastante variados. Nota-se um número

crescente de entidades em cada uma das

décadas identificadas na amostra: apenas

duas entidades entrevistadas foram

fundadas entre os anos 1950 e 1960; 12

entidades foram criadas nos anos 1970;

outras 20 durante os anos 1980; 35 nos

anos 1990; e 34 a partir do ano 2000. As

entidades mais recentes que compõem a

amostra foram três organizações criadas

no ano de 2010.

Tabela 10. Ano de fundação

das entidades

Década de fundação Número de entidades

1950 1

1960 1

1970 12

1980 20

1990 35

2000 34

O ano de fundação é elemento

interessante à compreensão das atividades

desenvolvidas pela entidade e dos seus

temas de atuação. Na amostra construída,

21 entidades foram criadas durante o

período da ditadura civil-militar no Brasil

(de 1964 a 1985). Em sua maioria, essas

entidades seguem atuantes em temas de

defesa de direitos sociais tradicionais,

como conflitos fundiários urbanos e rurais

(11 delas), e em questões de violência

institucional conectadas com o seu período

de fundação, tais como tortura perpetrada

por agentes estatais e violência policial

(9 entidades). A presença ativa de muitas

dessas entidades pôde ser identificada,

também, no processo de redemocratização

do País, seja nos movimentos contra a

ditadura, seja na Assembleia Constituinte

de 1987-1988.

Entre as 78 entidades criadas a partir

do final da década de 1980, percebe-se o

surgimento de novas demandas por direitos.

Questões até este momento histórico

ausentes das atividades das entidades, ou

presentes em menor proporção, adquirem

46

maior importância. Por exemplo, entre as

entidades criadas a partir de 1988, os temas

mais recorrentes ao lado daqueles também

desenvolvidos por entidades mais antigas

são a defesa de crianças e adolescentes (20

entidades), gênero (14 entidades), saúde (12

entidades), meio ambiente (10 entidades),

indígenas (8 entidades), entre outros.

3.5 ESTRUTURA INTERNA

A amostra construída pela pesquisa

também apresenta importante variação

quanto à estrutura interna das entidades:

a sua forma de organização e composição.

Poucas entidades que compõem a

amostra não estão formalizadas enquanto

pessoa jurídica. Entre estas se incluem,

especialmente, movimentos sociais e redes

de entidades ou advogados populares.

Em relação ao número de integrantes

envolvidos nas organizações, a amostra é

composta de entidades muito pequenas

(com até 10 integrantes, como foi

identificado no caso de, pelo menos, 15

entidades), passando por organizações

de porte intermediário, e até organizações

com mais de uma centena de profissionais.

Há, ainda, entidades que contam com mais

de duas centenas de integrantes (como

no caso de uma extensão universitária

em direito), ou que adotam uma estrutura

executiva enxuta (com menos de 10

membros), mas incluem uma ampla base

de “associados” que são os próprios

“beneficiários” da entidade, ou uma vasta

rede de voluntários, como no caso de uma

entidade com mais de 300 advogados

voluntários a ela vinculados.

Com relação ao perfil de composição

do pessoal das entidades, nota-se que a

maioria é multidisciplinar. Dentre as 103

entrevistadas, apenas 26 são compostas

exclusivamente de advogados e/ou

estudantes de direito. No caso das outras 77

entidades, percebe-se a presença frequente

de outros profissionais nas atividades-fim

da organização. Destaca-se a presença de

psicólogos (em 19 entidades), assistentes

sociais (em 14), educadores (em 11) e

cientistas sociais (em 8 entidades), além da

atuação de profissionais de outras áreas, tais

como agronomia, biologia, comunicação,

arquitetura, turismo, relações internacionais

e administração. Assim como foi

identificado na trajetória dos respondentes,

as instituições religiosas também têm papel

relevante em fornecer pessoal para as

entidades de defesa de direitos.

A presença de advogados na estrutura

de pessoal foi identificada em 80 das 103

entidades entrevistadas. Em 28 casos, as

entidades possuem assessoria de imprensa

ou de comunicação especializada.

Profissionais encarregados de funções

administrativas, tais como contabilidade,

serviços gerais e secretariado foram

identificados em 61 entidades.

Tabela 11. Perfil da composição

da entidade

Perfil de composição Número de entidades

Estrutura composta exclusivamente de advogados e/ou estudantes de direito

26

Estrutura multidisciplinar 77

Entidades com pelo menos um advogado

80

Entidades sem advogados 23

Entidades com assessoria de imprensa 28

Entidades com funções administrativas 61

Outro indicador da variedade de

condições das estruturas das entidades

que compõem a amostra é o vínculo dos

integrantes com a organização. Em 63 delas,

foi identificada a existência de profissionais

com dedicação exclusiva à entidade, em

especial com vínculo empregatício. No caso

de 60 entidades, foi identificado o recurso

a trabalho voluntário, em complementação

47

aos profissionais contratados ou mesmo

como única fonte de recursos humanos.

Estes dados revelam uma amostra

que inclui entidades com distintos graus de

profissionalização quanto à sua estrutura

de pessoal. Pelo menos 31 entidades

podem ser identificadas como tendo alto

grau de profissionalização, uma vez que

possuem, cumulativamente, advogados

na organização, assessoria de imprensa,

estrutura administrativa e profissionais em

dedicação exclusiva. Exemplos desse tipo

de estrutura podem ser identificados nas

seguintes descrições oferecidas por quatro

entrevistados distintos:

Nós trabalhamos hoje, atualmente, com

cinco advogados na organização, temos

assistentes sociais, jornalistas, temos

pedagogos [...]. No campo administrativo,

nós temos motoristas, nós temos

secretaria executiva composta de agentes

administrativos, secretária e contador.

Nós somos compostos de três

coordenadores [...]. Nós temos três

gerentes de área, que são administradores

das áreas: um do coletivo, um do individual

e outro da mediação, que eles vão ajudar a

coordenar o dia a dia dos advogados e dos

estagiários. Fora isso, nós temos o nosso

corpo administrativo, nossas secretárias

que nos auxiliam [...]. A gente tem esses

convênios e a gente [...] precisa ter alguém

preparado para lidar com convênios com

órgãos públicos, e nós temos secretárias

também que nos auxiliam no dia a dia.

Advogados, alguns contratados pela

instituição [...] e outros contratados como

autônomos vinculados ao convênio com a

Defensoria Pública.

Tem uma área administrativa, ela tem

uma superintendência que sou eu, geral,

e duas superintendências adjuntas, uma

superintendência adjunta que faz toda

a parte de administração, de controle de

contratos, de apoio ao meu trabalho, e uma

superintendência que faz o relacionamento

com as empresas, porque na verdade a

gente vive dos serviços que a gente presta

para as empresas, [...] nós temos a nossa

gerente que está de licença, eu tenho

quatro advogados e um estagiário.

Tem a área jurídica, [...] tem a área de

testes e pesquisas [...]. Uma área de

comunicação. [...] também a mobilização,

que é a área de campanhas [da entidade]

[...]. É uma subárea, de campanhas, que

está dentro da comunicação. Tem uma área

de marketing, que está ligada aos eventos

[da entidade]. E são eles que fazem os

eventos [da entidade], que também

criam as parcerias, é mais um marketing

institucional, marketing relacional. A própria

coordenação executiva. Então é isso. O

organograma é Coordenação Executiva,

Área Jurídica, Área de Relacionamento,

Área de Testes e Pesquisas, o Marketing

é uma assessoria. Tudo isso que eu

estou falando é gerência. Gerência

Jurídica, Gerência de Relacionamento,

Gerência de Testes e Pesquisas, Gerência

de Comunicação, e Gerência de

Desenvolvimento Organizacional, que é

o financeiro, administrativo, do IDEC, e o

RH. E a Gerência Jurídica, como eu já falei,

cuida das ações judiciais, da produção

de conteúdo relacionado à orientação

[da entidade], a orientação de todos os

temas [da entidade], assessora a própria

coordenação executiva em questões

tributárias, questões administrativas,

estatutárias [...].

A amostra integra, ainda, 41 entidades

a que se pode atribuir um grau intermediário

de profissionalização, tendo em vista que

congregam alguns elementos estruturais

importantes, mas não em sua totalidade.

Ilustrações desse perfil de entidade podem

ser vistas, por exemplo, nos casos em que

a limitação de orçamento compromete

a profissionalização de um determinado

aspecto da estrutura. Em uma entidade,

48

por exemplo, o vínculo de determinados

profissionais não é de dedicação exclusiva:

pela questão de verba, [a entidade] só

funciona meio expediente, de meio dia às

18 horas... todas as pessoas trabalhando

neste horário aqui […] Quem tem a maior

carga horária é de 30 horas e alguns ainda

têm uma carga horária menor por questões

financeiras da entidade. Então, assim,

trabalham menos tempo aqui também,

que é a jornalista e a psicóloga, que faz o

monitoramento e um acompanhamento

dos alunos.

Em outra entidade, também por razão

financeira, os advogados contratados

exercem funções que, em outro

momento histórico da organização, eram

desempenhadas por outros integrantes:

possui uma equipe contratada de

advogados, educador popular, secretário,

estagiários. Em alguns momentos já teve

pessoas de outras áreas, por exemplo,

relações internacionais, jornalismo, mas

atualmente, a essência é a mesma, mas já

teve uma outra função diferenciada. Então

sobra para nós que estamos aqui fazer todas

as outras funções e que nos ajuda a ter uma

visão maior do trabalho. Não posso me dar

ao luxo, por exemplo, como advogado de

não participar de um trabalho de formação

com jovens ou como alguém da área do

direito, falar que não vou interagir com

meio de comunicação, que é site, redes

sociais, Facebook etc... Então a gente tem

a postura de saber o papel de cada um,

também ter uma visão multidisciplinar e

fazer a formação do próprio grupo em

áreas que a gente não consegue ainda ter

departamentos e complementar com apoios

de colaboradores, voluntários esporádicos.

Outro exemplo identificado nas

entrevistas foi o desaparecimento de

estágios remunerados em outra entidade,

que passaram a ser voluntários, e da função

de secretariado:

Não tem mais secretária e não têm mais

estagiários. Os estagiários que têm são

voluntários. E hoje a gente tem uma equipe

mesmo, fixa, de funcionários [...] e tem 3

pessoas, fora os estagiários voluntários.

No mesmo sentido, outra entidade

aponta que a atividade jurídica da entidade

depende de advogados voluntários, ainda

que já tenha contado com advogados

contratados em outro momento:

Atualmente trabalhamos com advogados

voluntários. Nós temos seis advogados

ligados [à entidade], esses que tão

contribuindo nessa área jurídica e duas

pessoas contratadas: que é um articulador

e um administrativo, que é quem executa

as ações ali do dia a dia, mas nós já

tivemos uma equipe maior. Nós já tivemos

lá advogados, articulador, administrativo.

[...] Aliás, tinham dois articuladores, um

administrativo e um advogado.

Por fim, entidades com baixo grau

de profissionalização foram identificadas

em outros 31 casos. Nestas, os elementos

estruturais mencionados – advogado na

entidade, assessoria de imprensa, funções

administrativas, vínculos empregatícios e até

estrutura física (sede) – estão completamente

ausentes ou, no máximo, presentes de forma

isolada. Quatro entrevistas são ilustrativas

desse perfil de entidade:

A gente não é remunerado pela [entidade],

todo mundo tem uma vida profissional fora

(eu tenho escritório, o [outro integrante]

trabalha como Técnico de Segurança do

Trabalho). Cada um tem uma atividade

fora desse universo da [entidade] e ainda

trabalha aqui dentro. O tempo que teria,

supostamente livre, é ocupado aqui dentro.

É uma entidade que não é filantrópica, é

uma entidade que vive de vontades. Então

ela não tem um perfil profissionalizado de

seus membros. Cada um trabalha quando

tem tempo livre.

49

Atualmente, nós somos um grupo de

referência aqui na entidade, somente dois

são liberados pela entidade, mas tem um

grupo de oito, pontualmente, quando

precisa a gente tem o apoio deles, além

dos estagiários, então a gente faz toda a

coordenação dessa parte mais jurídica. [...]

Aí, além dessas sete pessoas, seis pessoas,

aí têm aqueles que prestam serviços

pontualmente, instrutores de... de geração

de trabalho e renda, de capoeira, de teatro,

assistente social, aí tem a equipe jurídica,

ao todo, atualmente a equipe interna

do centro são 28 pessoas... 28 pessoas

distribuídas nessas equipes.

3.6 FINANCIAMENTO

O quarto elemento fundamental à

compreensão de quem são as entidades de

defesa de direitos que compõem a amostra

e, igualmente, de evidência da sua variedade,

é a origem do financiamento obtido por

essas organizações. Nas entrevistas,

as entidades foram perguntadas sobre

como são financiadas. As respostas foram

agrupadas em cinco grandes categorias:

(i) financiamento internacional (público ou

privado), (ii) financiamento público nacional,

(iii) financiamento privado nacional, (iv)

doações (de pessoas físicas e contribuições

dos membros da entidade), e (v) produtos

e serviços (comercializados pela entidade).

A maioria absoluta das entidades apontou

obter recursos junto a financiadores

internacionais (68 entidades) e/ou recorrer

ao financiamento público nacional (68

entidades). Apenas 16 entidades do universo

de 103 estudadas não acessam qualquer

dessas modalidades de financiamento,

recorrendo exclusivamente a doações ou,

em apenas um caso, também à venda de

produtos e serviços. A terceira forma mais

recorrente de financiamento identificada

foram as doações e as contribuições, em

41 casos. Para 21 entidades, o recurso à

comercialização de produtos e serviços

também é fonte de renda. O financiamento

oferecido por agentes privados nacionais

foi a origem menos observada na pesquisa,

em apenas 19 das entidades entrevistadas.

Tabela 12. Origem do financiamento

das entidades

Origem do financiamento Número de entidades

Internacional (público ou privado) 68

Nacional público 68

Doações e contribuições 41

Produtos e serviços 21

Nacional privado 19

Em cada categoria de origem,

há determinados financiadores que se

destacam. No plano internacional, quase

1/3 das entidades que recebe verba de

fora do Brasil (21 entidades) teve ou tem

financiamento da Misereor, organização

vinculada à igreja católica alemã, e/ou da

Fundação Ford, entidade filantrópica de

origem estadunidense. Órgãos vinculados à

Organização das Nações Unidas, tais como

a ONU Mulher, o Fundo Voluntário das

Nações Unidas para as Vítimas de Tortura

e o Fundo de Democracia, aparecem como

financiadores de sete entidades. A Brazil

Foundation, entidade não governamental

baseada nos Estados Unidos, financiou

outras cinco entidades da amostra.

No plano nacional, os principais

financiadores públicos são o Governo

Federal, que aparece em 33 entidades,

e os governos estaduais, em 17 casos.

Dentre os financiadores de âmbito federal,

a origem mais recorrente mencionada nas

entrevistas foi a Secretaria de Direitos

Humanos da Presidência da República,

em 13 casos. Ainda na categoria de

financiamento nacional, mas no plano

privado, aproximadamente 1/3 das

entidades recebe apoio de fundações de

famílias ou empresas brasileiras.

50

O financiamento por meio de

produtos e serviços também é variado. Para

11 entidades, a realização de consultorias e

cursos de capacitação para contratantes

públicos e privados é um meio de financiar

a entidade. A venda de produtos, como

publicações e camisetas, além da realização

de bazares e brechós, aparece como meio

de financiamento de 11 entidades.

As formas de financiamento são um

importante indicador da multiplicidade de

tipos de entidades de defesa de direitos,

tendo em vista que se relacionam com a

estrutura da entidade e até mesmo com as

suas áreas e formas de atuação. A amostra

estudada pela pesquisa oferece uma

importante ilustração neste sentido. Entre

as 68 entidades que recebem ou receberam

financiamento internacional, somente oito

se enquadrariam em um perfil de estrutura

com baixo grau de profissionalização.

Paralelamente, 33 dessas entidades

apresentavam alguns elementos de

estrutura, o que as colocaria em um nível

intermediário, e outras 27 indicaram possuir

todos os fatores estruturais abordados

na pesquisa, sendo, assim, de alto grau

de profissionalização. Ao contrário,

analisando-se o perfil das 35 entidades

que não têm acesso ao financiamento

internacional, vê-se que a relação é inversa:

destas, 18 poderiam ser enquadradas como

tendo baixo grau de profissionalização, 10

como tendo médio grau e apenas 4 como

possuindo todos os elementos de estrutura

avaliados. O financiamento internacional,

assim, está relacionado com os tipos de

estrutura das entidades estudadas.

Outros dois elementos relacionados

à origem do financiamento são o tema de

atuação da entidade e as atividades que

desenvolve. O financiamento internacional

tem fundamental importância em dois grupos

de temas: conflitos fundiários (urbanos, rurais

e envolvendo indígenas e comunidades

tradicionais) e violência institucional. Entre

as 42 entidades que afirmam atuar em

temas de conflitos fundiários, 30 recebem

financiamento internacional e 33 recebem

financiamento nacional público. De maneira

semelhante, entre as 30 entidades que

atuam com temas de violência institucional,

20 delas recebem verba internacional para

se manter e/ou recursos nacionais públicos.

Com relação às atividades desenvolvidas,

em pelo menos cinco entrevistas foi

mencionado explicitamente que a atividade

jurídica da entidade é mantida unicamente

com recursos internacionais. Isso porque

os recursos nacionais, frequentemente na

forma de editais e projetos com tempo

exíguo, seriam incompatíveis com a atividade

judicial. Essa percepção identificada nas

entrevistas reverbera nos dados sobre os

perfis das entidades: entre as 68 entidades

que recebem financiamento internacional,

quase a totalidade (64) declara ter atividade

jurídica; contrariamente, entre as 35 que

não acessam recursos de fora do Brasil,

aproximadamente 2/3 (26) têm atividade

jurídica. Dessa forma, o financiamento

internacional parece estar associado

não apenas a um perfil de entidade e a

determinados temas, mas, também, à

possibilidade de atuação jurídica.

A correlação entre a origem do

financiamento, o perfil da entidade, a sua

temática de atuação e atividades que

desenvolve adquire ainda mais importância

a partir do que os entrevistados

identificaram serem as maiores dificuldades

relacionadas à manutenção econômica das

entidades. As dificuldades identificadas

nas entrevistas podem ser agrupadas

em pelo menos seis eixos: (a) a saída do

financiamento internacional do Brasil; (b)

conjuntura econômica internacional; (c)

os entraves burocráticos do financiamento

51

nacional público; (d) a falta de uma cultura

de financiamento nacional privado; (e)

alguns bloqueios temáticos; e (f) as

particularidade da atividade jurídica.

3.6.1 A SAÍDA DO FINANCIAMENTO

INTERNACIONAL DO BRASIL

Em pelo menos 37 das entrevistas

realizadas, uma das principais dificuldades

de financiamento da defesa de direitos

no Brasil apontada foi o fenômeno,

relativamente recente, da saída do

financiamento internacional do País. Os

recursos da cooperação internacional

estariam, pelo menos desde meados da

década de 2000, sendo redirecionados

para a Ásia e a África. Algumas das razões

sugeridas para explicar esta migração de

recursos seriam a melhora dos índices

socioeconômicos do Brasil, o crescimento

da economia e a inserção do País como um

ator de peso na economia global, inclusive

sendo fonte e não apenas destino de verbas

de cooperação internacional. Ilustrações

dessa preocupação podem ser retiradas de

diversas entrevistas:

Cada vez mais essas agências financiadoras

internacionais estão retirando seu foco do

Brasil. A partir dos Governos do Presidente

Lula, a gente viu que o Brasil passou a

ter uma imagem assim, exterior, de um

país emergente, e isso tem soado lá fora,

como se diversos problemas que nós

ainda enfrentamos aqui estivessem sendo

superados ou a caminho de uma superação.

Então essas agências financiadoras têm

colocado seu foco mais no continente

asiático, no continente africano [...] E como

a gente está tendo esse problema com a

questão do financiamento internacional,

que também se agrava com a questão da

valorização da moeda brasileira, um projeto

de certo valor em euros que a gente tinha

10 anos atrás, o valor hoje é bem menor.

a captação de recursos vai ser um tema

que a gente vai ter que desenvolver muito

forte porque a gente percebe que é cada

vez mais difícil o apoio internacional

pela questão de o Brasil ter essa visão

internacional de pujança, de protagonismo

dentro da América Latina, e é muito pela

propaganda também do governo Lula, do

Brasil ser um doador, mesmo na questão

da Europa hoje, Espanha vivendo, França

vivendo uma situação econômica difícil,

a gente sabe que a captação de recurso

começa a ficar difícil.

É um tanto quanto complicado para

a maioria das agências internacionais

compreenderem que diante das crises

internacionais que seus próprios países

têm enfrentado, com a redução dos seus

próprios orçamentos de cooperação,

e com o Brasil, chegando à posição de

global player bastante diferenciada, como

o próprio Estado não consegue favorecer

este tipo de efetividade aos direitos

humanos. Então durante, mesmo durante

o processo de redemocratização do país,

década de 1980, há mais de 20 anos, quase

30 anos, a cooperação internacional tem

dedicado esforços ao Brasil e é como se

dissessem assim “Agora está na hora de

vocês caminharem com as próprias pernas”,

só que eles esquecem que isso é um pouco

complicado para nós das organizações. De

uma forma crítica, olhando também para a

sociedade civil, percebe-se que a sociedade

civil um tanto quanto se acostumou a ser

financiada pelas agências de cooperação

internacional e não buscou de alguma

maneira um processo mais dinâmico ou

criativo de encontrar recursos para a sua

sustentabilidade ou mesmo para favorecer

a sua atuação nas mais variadas áreas,

então este movimento chega agora de

uma forma um tanto quanto brusca para

a maioria das organizações, ao ponto de

nós observarmos que, infelizmente, muitas

organizações, até mesmo já consolidadas

da sociedade civil, tendo que fechar as

portas porque não conseguiram favorecer

essa dinamicidade, essa criatividade da

52

busca de uma sustentabilidade já que

ficaram por completo dependentes da

estrutura das agências de cooperação

internacional. E muitas já na atualidade têm

saído mesmo, as sedes representantes do

Estado brasileiro, e têm se encaminhado

para outras regiões, em especial, ou outros

países considerados mais específicos na

América Latina, na região da África, e até

mesmo no continente asiático.

3.6.2 CONJUNTURA ECONÔMICA

INTERNACIONAL

Outro elemento de dificuldade

para as entidades de defesa de direitos

entrevistadas, também relacionado

ao financiamento internacional, é a

conjuntura econômica internacional.

Alguns entrevistados apontaram para dois

fenômenos da conjuntura que estariam

relacionados à redução dos recursos

internacionais no Brasil. Primeiro, os

graves impactos da crise financeira no

Norte global teriam retirado recursos dos

financiadores, tradicionalmente originários

da Europa e dos Estados Unidos. Segundo,

a valorização da moeda brasileira frente ao

dólar e ao euro desvalorizaria, em alguma

medida, o financiamento obtido no exterior.

Assim, os recursos captados em dólar e em

euro que, há alguns anos, teriam grandes

potenciais, hoje não possibilitam as mesmas

atividades, em razão do fortalecimento da

economia brasileira:

hoje só temos o Fundo de Combate à

Vítima de Tortura, que é da ONU, e que

infelizmente o valor tem reduzido, porque

a gente recebe em dólar, e o valor tem sido

cada vez mais reduzido. […]

3.6.3 ENTRAVES BUROCRÁTICOS

DO FINANCIAMENTO NACIONAL

PÚBLICO

Dificuldades relacionadas à

formulação de projetos e à prestação de

contas de financiamento obtidos junto a

órgãos públicos em âmbito nacional foram

mencionadas em, ao menos, 22 entrevistas.

Segundo alguns entrevistados, há barreiras

importantes ao acesso a recursos, em

especial a necessidade de tempo e expertise

para construir projetos, notadamente em

entidades menos profissionalizadas, que

não têm pessoal dedicado exclusivamente

a essa tarefa:

A nossa maior dificuldade não é financeira

[...], mas é porque a gente às vezes até

perde editais de financiamentos por falta

de gente para sentar [...] e fazer projetos

ter qualificação, competência técnica

pra fazer, tem muita gente boa, mas que

às vezes não sabe fazer um projeto. Eu

não posso parar de dar aula, ganhar meu

sustento para fazer isso, tenho feito muito,

então a nossa maior carência é recurso

dinâmico [...] o dinheiro também resolveria

isso porque contrataria alguém.

A gente não tem tempo de fazer projeto,

só para você ter uma ideia. Não temos

estrutura. Tem entidade que tem estrutura

só para fazer projeto, nós não temos

ninguém que tenha essa expertise. Porque

aqui se trabalha muito, muito, não tem nem

tempo para correr atrás de dinheiro.

Não apenas a “porta de entrada” do

financiamento público no Brasil é vista

como dificultosa, mas também a de “saída”,

isto é, os controles sobre prestação de

contas. Diversas entrevistas apontam para

uma regulação excessivamente burocrática

e rígida sobre a prestação de contas das

entidades, como, por exemplo o Sistema

de Gestão das Transferências Voluntárias

da União (SICONV). As exigências seriam

idênticas àquelas impostas a empresas,

e comprometeriam, elas mesmas, o

financiamento a que visam fiscalizar:

O próprio Estado estabelece regras tão

específicas que a gente hoje acaba...

você pega determinados recursos, no

53

mínimo 30%, 40% dos recursos vão ser

empregados só na contabilidade, nas

prestações de contas.

Nós precisamos de marco jurídico próprio

pras Entidades, porque através do marco

jurídico que nós temos hoje as ONGs,

Governos e Prefeituras ficam no mesmo

patamar e a gente sabe que as ONGs não

têm a mesma estrutura que uma prefeitura

então ela tem mais dificuldade na hora de

realizar convênios, dada as exigências que

são feitas.

A questão é que a maioria desses recursos

é carimbada para projetos específicos.

Primeiro. E segundo que esses recursos

que são provenientes de convênio com

o Estado, respondem à lei de licitações.

Então isso descaracteriza completamente

o trabalho político das organizações, e as

coloca em uma armadilha de prestação

de contas, como se elas fossem uma

empresa, e tal, o que dificulta muito. Muitas

organizações, a maioria delas, não têm

capacidade técnica para isso.

Além disso, segundo alguns

entrevistados, determinadas exigências

burocráticas seriam incompatíveis com as

atividades-fim da entidade financiada. Um

exemplo identificado em uma entrevista

chama a atenção para o fato de que, se um

membro da entidade ocupa uma posição

em um conselho de políticas públicas – o

que seria uma atividade central para a

entidade –, a organização a que ele está

vinculado não pode obter financiamento

junto àquele ente federativo:

Tem uma coisa interessante, a gente

acaba sendo penalizado porque existe

um acórdão no TCU de que quando você

está no conselho, por exemplo, como no

CONAD, que é o Conselho da Secretaria

de Direitos Humanos, da SNDH, você não

pode conveniar com a SNDH, então você

acaba sendo penalizado por fazer defesa

de direitos. [...] A gente tem, assim, muito

pra fazer e pouco fôlego pra financiar. Isso

não é culpa nossa, isso é culpa de uma

legislação que não contempla.

Outro exemplo, ainda neste sentido,

seria a ausência de flexibilidade para

financiar determinadas necessidades da

entidade:

É muito difícil que eles [financiadores

públicos nacionais] aceitem custear

as despesas de custeio normais... Uma

secretária, nós não temos uma secretaria e

fica muito difícil acompanhar. A jornalista,

ela acaba fazendo muita coisa que a

secretária trabalha, o que atrapalha o

trabalho dela. Porque eles geralmente

não aceitam essas, que são despesas de

atividades, mas que sem elas a atividade

não é tocada.

Adicionalmente, em alguns casos,

dificuldades relacionadas ao financiamento

nacional público seriam decorrentes do

distanciamento da realidade da atividade

financiada. Em um exemplo oferecido por

um entrevistado, o financiamento de uma

atividade com um determinado público

foi encarecido porque, caso contrário, não

haveria forma de justificar as despesas:

Outra dificuldade é que como a gente

trabalha com comunidades quilombolas, se

eu for fazer uma oficina nas comunidades

quilombolas no território do sapê do norte

no norte do Estado do Espírito Santo, o

pessoal não come pão lá, então eu não

vou ter nota fiscal. Se eu for fazer lá na

comunidade, como seria melhor pra gente,

porque fazendo na comunidade a gente

podia de repente fazer um trabalho, um

curso com 100 pessoas, mas eu não posso

fazer isso porque pra fazer lá eu vou ter

que comprar pra eles comerem mandioca,

aipim. Mas aí eu não vou ter nota fiscal pra

fazer prestação de contas, então dançou.

O que eu tenho que fazer? Tenho que ir

pra um hotel em [outra cidade], colocar

20 pessoas por um custo que é o dobro

do que seu eu fizesse lá na comunidade. A

gente pensa, na verdade com isso daí eu

54

estou fazendo só pra favorecer o suporte,

o mecanismo turístico d[a outra cidade]

porque quem vai ganhar é o cara do hotel,

não os quilombolas. Então a gente começou

a dizer “não vamos mais querer isso não”.

Hoje, que eu saiba, nós não temos nenhum

(financiamento com recursos públicos) por

conta dessas coisas.

A morosidade na renovação de

convênios com o Poder Público seria outro

elemento de dificuldade, na visão das

entidades de defesa de direitos:

A gente faz um planejamento financeiro

e isso daí vai de acordo com a queda ou

não da moeda e temos convênio com o

Governo Federal, Governo do Estado e

alguma coisa com o Governo Municipal.

A questão principal é realmente essa

questão da renovação, muita dificuldade, a

questão da prestação de contas também

é sempre muito séria, porque cada vez

que a gente faz uma prestação de contas

é de um jeito. Isso eu falo dos Governos.

Cada vez que a gente faz de um jeito, eles

querem de outro jeito e as renovações dos

Convênios são sempre muito traumáticas,

muito difícil. Eu acho que essa é a principal

dificuldade [...] São as financiadoras que,

às vezes, ficam emperrando o dinheiro

por um monte de formalismo, renovação

de convênio, principalmente os Órgãos

Públicos: Secretarias, Município, o Estado

em União mesmo

3.6.4 FALTA DE CULTURA DE

FINANCIAMENTO NACIONAL

PRIVADO

Para alguns entrevistados, outro tipo

de dificuldade relacionada ao financiamento

seria a ausência de um setor privado, no

Brasil, mais atuante no suporte às entidades

de defesa de direitos, tanto do ponto de

vista de pessoas físicas quanto de empresas:

É complicado você conseguir dinheiro

brasileiro quando você fala em direitos

humanos. É uma coisa que ainda não está

na cultura das Fundações brasileiras, dos

empresários, dos doadores.

Mas ainda não tem uma democracia

consolidada, [...] uma sociedade que faça

com que os indivíduos doam para os

fundos, que os fundos sejam acessíveis,

que eles possam descontar do seu imposto

de renda. Que é como acontece nos outros

países, em que deram esse passo. Eu acho

que isso precisa ser feito no Brasil [...].

Internamente nós não temos ainda uma

cultura de doação, ou seja, a sociedade civil

brasileira, fora aqueles como eu e outros

que se envolvem diretamente no trabalho,

criam ONG’s, trabalham voluntariamente

para alguma coisa, nós temos pouca cultura

para doação de alguma coisa, de apoio

da sociedade a organizações autônomas

da sociedade. Isso não está na cultura

do brasileiro, sobretudo em trabalhos de

política, que é o que a gente faz, né?

3.6.5 BLOQUEIOS TEMÁTICOS

Adicionalmente, alguns entrevistados

apontaram para a existência de bloqueios

a determinados temas de atuação. Em

certas áreas, a obtenção de financiamento

enfrentaria a dificuldade de não ser bem

aceita perante os financiadores, sejam

eles públicos ou privados, nacionais ou

internacionais, em diversas temáticas.

Em questões LGBT, por exemplo:

A gente percebe que determinadas

temáticas não são bem vistas, né, se você

quer trabalhar no âmbito dos direitos da

criança com, sei lá com educação infantil,

com mortalidade infantil, com crianças

em situação de recolhimento institucional,

esses recursos costumam ser mais fáceis,

mas trabalhar com menino que comete

infração, com adolescente LGBT, [...] isso

normalmente é muito difícil de conseguir

recurso, né, assim, o mundo da infância

inclusive é um mundo que tem muitas

organizações financiadoras que são

55

religiosas, então é, há uma dificuldade

temática né, de haver financiadores pra

essas temáticas

O preconceito. Não querer ligar a marca à

questão LGBT. Questões que a gente acaba

esbarrando no dia a dia, como qualquer

outra questão; como HIV acontece, e

como outras questões. É bonitinho você

fazer um trabalho com criança, com meio

ambiente, com idoso – não é? Isso é fácil

você conseguir [financiamento]. Agora,

questões mais polêmicas e mais... não é?

Essas minorias sempre ficam para trás.

Como a gente trabalha com uma matéria

que é de fronteira, nós temos instituições

que não querem se vincular com a matéria

e com a discussão e com essa bandeira. O

arco-íris, apesar de ter um conjunto de cores

muito bonito, não é bem aceito quando

quer colocar a tua cara estampada ali.

Em temas cujo impacto é visto como

menos “concreto”:

Então é até mais fácil “Eu doo para

os velhinhos, para uma associação

filantrópica, eu sei que o dinheiro vai ser

usado para dar comida para uma criança,

uma coisa bem concreta, mas realmente

as pessoas não dão dinheiro para quem

trabalha na defesa dos direitos dos

idosos, entendeu? Ou quem trabalha na

defesa do direito das crianças, é mais

difícil, porque é mais imaterial.

Em temas que tencionam mais

claramente as instituições públicas,

como o modelo econômico e a violência

institucional, respectivamente:

Então tu vai botar o dedo na ferida

e muitas vezes atacar o interesse do

próprio Estado. Então, principalmente

nessa política desenvolvimentista que

vem sendo posta em prática no Brasil,

houve nos últimos anos um corte total

de apoio à construção de entidades que

estivessem voltadas pra isso.

[...] Outra dificuldade que nós temos

específica da [entidade]: não tem

empresa, não tem ONG, não tem

instituições internacionais ou nacionais,

que se preocupem mais com tortura, o

que dá impressão é de que não existe mais

tortura no Brasil. Então a moda agora é

o desenvolvimento sustentável, então a

moda agora é o meio ambiente, então

todas as empresas querem fazer a sua

função social e trabalhar com a questão

do meio ambiente, ainda tem a coisa do

bonito, para o inglês ver, que é aquele

trabalho com criança e adolescente,

então também a demanda para criança e

adolescente é maior. Então eu vejo essas

duas áreas que sempre estão crescendo,

hoje crescendo cada vez mais, a questão

do meio ambiente e a questão da criança

e do adolescente. E bom, quem trabalha

com direitos humanos, especificamente

no caso de tortura, cada vez mais não tem

editais que a gente se enquadre, então

tem muitos editais que a gente poderia

estar junto, mas não tem.

3.6.6 PARTICULARIDADE DA

ATIVIDADE JURÍDICA

Um elemento que aponta como causa

das dificuldades de obter financiamento é

transversal a todos os temas, e relaciona-

se com as particularidades da atividade

jurídica. Para muitos entrevistados, os

tempos do financiamento e dos processos

jurídicos são muito distintos e, com

frequência, incompatíveis. Enquanto os

financiadores tendem a exigir, na visão de

alguns entrevistados, resultados concretos

a prazos determinados, a atividade jurídica

dificilmente traz resultados imediatos ou

claramente identificáveis, é imprevisível

e, não raramente, demanda muitos anos

para se desenvolver. Exemplos dessa

preocupação podem ser mencionados:

Cada vez mais, sobretudo os financiadores

internacionais que hoje correspondem a

100% da nossa fonte de financiamento,

56

querem... querem mais resultados

concretos do que trabalho em defesa de

direitos, né? Então como o trabalho de

incidência é um trabalho que você não

tem como garantir um resultado x, y, z

no período de um, dois anos, porque são

processos contínuos e mesmo você não

conseguindo o que queria, o seu trabalho

era justamente evitar, diminuir, alterar

uma definição negativa, como aconteceu

no Código Florestal agora, por exemplo,

você não consegue mostrar um resultado

concreto, sinceramente. Às vezes tem um

projeto de dois, três anos e o resultado

vai vir daqui cinco anos quando você não

tem mais aquele financiador te apoiando,

ou nunca vai ter o resultado apesar de ter

trabalhado bem, ou você trabalha mal,

mas vem um resultado independente

do seu trabalho, ou seja, você não tem

como provar para o financiador, não tem

como mostrar lá pra eles que você fez um

trabalho e apoiou x, y e z áreas que foram

implantadas. Então essa é uma dificuldade,

cada vez mais os financiadores são mais

utilitários, só querem financiar aquilo

que eu tenho um resultado concreto no

período do meu projeto e, para eu ter

um resultado concreto em um ano ou

dois anos, não há nada que seja imaterial,

são só coisas imateriais? Cada vez mais

tem tido mais financiamento para plantar

árvore, para construir não sei o quê, para

dar um curso não sei do quê, que é o que

você consegue comprovar o que fez e

menos em processos de longo prazo.

Os projetos, eles estão dentro dos

programas e eles são muito dinâmicos,

porque são com prazo determinados,

então o esforço é fazer uma gestão

nos programas pra que os outros

projetos vão surgindo dentro dele

pra desenvolver as ações. Isso é

claro, gera um desequilíbrio, uma

possível descontinuidade em algumas

ações, como exemplo hoje, o nosso

atendimento às vitimas de intolerância

religiosa, ela está descoberta porque

o nosso financiamento terminou,

então a gente não conseguiu engatar

outro financiamento para esse tema

na defesa dos direitos humanos,

então há naturalmente uma divisão de

esforço pra poder continuar com as

ações de defesa nessa área. [...] é uma

questão continuada, é uma questão

que geralmente não termina. Esse é

um problema da defesa de direitos na

descontinuidade dos convênios, que, por

exemplo, eu tenho vários casos sobre

intolerância religiosa e não consegui

operar um convênio que cobrisse

essas ações. O recurso termina, mas os

processos continuam e eu não posso

chegar pra vítima e dizer “Olha, então,

sinto muito, a gente não tem mais como

atender porque acabou”, então a gente

segue no atendimento desses casos.

A gente tem muita dificuldade.

Sobretudo nessa linha da defesa, né?

Hoje é a linha... a nossa ação digamos,

o nosso eixo com maior dificuldade pra

conseguir assegurar recursos, né? É

exatamente o eixo da defesa... Então, sem

dúvida nenhuma... Assim, as agências de

cooperação com quem nós tínhamos

essa parceria, esse apoio financeiro;

hoje a gente está extremamente restrito

e sofrendo mudanças radicais que nos

dificultam a assegurar essa contratação

de advogados. E aqui no Brasil então,

ainda é muito difícil também. A gente

conseguir assegurar recurso pra essa

linha da defesa. [...] ainda são projetos

pontuais, por [...] curto espaço de tempo

e que nos assegura, digamos, apenas

4 horas de um advogado por exemplo,

por seis meses. Então realmente nos

dificulta fazer esse trabalho sistemático,

principalmente porque a ação do

advogado, quando você entra com uma

ação de defesa, a gente não consegue

ter a garantia do direito em seis meses...

A realidade do sistema de justiça e dos

processos e de todas das questões

relativas à defesa de direitos, o processo

57

chega a passar aqui um tempo mínimo,

médio, de 5 anos, né? Podendo chegar

até a 10 anos de processo, quando a gente

consegue assegurar no projeto, se você

consegue o máximo de tempo, que é o

que a gente tem de alguns projetos, são

de 3 anos. Mas infelizmente, nessa área

de defesa de direitos, os recursos são

cada vez mais pontuais, mais restritos,

que vão exatamente de encontro a essa

realidade temporal da defesa do direito.

3.6.7 COMPETIÇÃO POR

FINANCIAMENTO

O último elemento identificado

como uma dificuldade na obtenção de

financiamento por parte das entidades

entrevistadas está relacionado à lógica

competitiva da busca por recursos. Em

diversas entrevistas, o sistema de disputa

por meio de editais e concorrência pública,

tanto no plano internacional quanto

nacional, leva a situações esdrúxulas, como

colocar entidades que, com frequência,

atuam em parceria, para competir por

determinados recursos:

Há, de uma maneira geral uma dificuldade

de acessar os poucos recursos que têm

para um número enorme de organizações

que concorrem nesse espaço [temático]

[...].

O cenário da minha entrada confundiu-

-se com o cenário dessa diminuição das

pautas da advocacia no caso do governo

federal, acaba que tem uma tensão

dialética aí, porque por um lado existem

editais que contemplam um pouco essas

pautas, mas aí gera também um sentido

de competitividade às vezes com os

próprios parceiros, né, a gente não conta

no gibi quantas vezes a gente teve que

cortar recursos com outros parceiros

que nacionalmente são os mesmos que a

gente lida anualmente, que a gente senta

anualmente para dialogar sobre qual é

a pauta ou qual é a política de Direitos

Humanos, qual é a necessidade inclusive

de a gente se rearticular para fazer frente

às violações perpetradas inclusive pelo

próprio Estado, eu acho que esse é o

grande problema.

A partir dos dados até aqui

apresentados, é possível visualizar

a multiplicidade de experiências de

defesa de direitos captada na amostra.

Há importante variedade nos temas de

atuação e nas atividades desenvolvidas

pelos atores estudados. Igualmente,

elementos de estrutura e financiamento

das entidades mostram-se bastante

variados e estão relacionados ao perfil

temático e de atividades das entidades.

Na seção seguinte, a resposta à pergunta

sobre quem são as entidades de defesa

de direitos que compõem a amostra

será completada por meio da descrição

do perfil da atuação jurídica dessas

entidades. Com base na construção deste

perfil das entidades, será possível avaliar

como interagem, nessas diversas áreas

temáticas, formas de atividades e âmbitos

de atuação, com os órgãos do Estado que

desenvolvem uma advocacia de interesse

público. Tendo o retrato do que fazem essas

entidades, viabiliza-se uma comparação

com a atividade de instituições estatais

e uma investigação informada dos

seus conflitos, complementaridades e

potenciais de otimização.

59

Como apresentado no tópico anterior,

das 103 entidades estudadas nesta

pesquisa, 90 desenvolvem algum tipo de

atividade jurídica, tais como: orientação

jurídica, mediação ou conciliação,

acompanhamento de processos e, por fim,

propositura de ações judiciais individuais

ou coletivas.

4 - ATUAÇÃO JUDICIAL

Tabela 13. Atividades jurídicas

Atividade jurídica Número de entidades Número de entidades que mudaram a atividade ao longo do tempo

Orientação jurídica 33 4

Mediação e conciliação 6 1

Acompanhamento processual 20 2

Ação judicial individual 50 21

Ação judicial coletiva 34 4

Muitas dessas atividades jurídicas

desempenhadas pelas entidades mudaram

ao longo do tempo, por diferentes fatores,

que serão explorados em cada um dos sub-

tópicos a seguir.

Além disso, foram mapeados dife-

rentes métodos utilizados pelas entidades

de defesa na atuação judicial. Desde

seus critérios de seleção de casos, como

combinam a estratégia de atuação judicial

com outras estratégias, ou mesmo a sua

atuação especializada em determinados

fóruns, como o Supremo Tribunal Federal e o

Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

No geral, esses métodos caracterizam um

processo de especialização do trabalho das

entidades de defesa de direitos.

4.1 ATIVIDADES JURÍDICO-JUDICIAIS

4.1.1 ORIENTAÇÃO JURÍDICA

A atividade de orientação jurídica

é comum a boa parte das entidades de

defesa estudadas e pode se manifestar

de diferentes formas. Ela pode estar tanto

mais relacionada a uma forma de advocacia

tradicional, de orientação dos “clientes”

com relação aos seus direitos, quais órgãos

acessar, seguida ou não de oferta de ação

judicial por parte da entidade, quanto a uma

forma de assessoria jurídica popular, ligada

a atividades de formação da população

em direitos, de empoderamento de

comunidades, grupos e movimentos sociais.

Essa forma de assessoria jurídica popular

está ligada à ideia de que os protagonistas

dos direitos são as próprias pessoas e não os

advogados. Os advogados ou o direito não

poderiam pautar a ação dos movimentos.

Uma mudança nesta atividade,

relacionada também a uma mudança que

diz respeito à atuação judicial individual

(analisada em tópico a seguir), é a que

algumas entidades estão fechando suas

portas para o atendimento direto. Falta de

recursos e de pessoal afastam as entidades

de uma atividade de advocacia no estilo de

“balcão de atendimento”, de portas abertas

a todas as demandas que entrarem. Por

isso, restringem-se à orientação jurídica,

60

encaminhando os casos para atendimento

por parte dos órgãos de litígio do Estado,

quando for necessária a propositura de

ações judiciais.

Depois de anos trabalhando com o

consumidor, hoje a gente tem um banco

de dados que é acessado exclusivamente

para o associado, mas também várias

orientações ali viram dicas para o

consumidor, que fica no site, disponível

para todo mundo, claro. O que a gente

tem é o atendimento pessoal, a gente

tem o atendimento pessoal, mas não para

virar ação judicial.

Uma atividade que a gente continua é o

apoio jurídico aos parentes e familiares

da [nome da Rede], […] que trabalha

organizando familiares de presos e lá

a gente tem dado algum suporte na

questão tanto de educação em direitos

como na questão de casos específicos,

principalmente para eles conseguirem

entender os casos. Então a gente nem atua

nos casos, a gente faz para a Defensoria,

mas tenta fazer essa intermediação às

vezes e essa ponte. […] Tem questão de

orientação jurídica para os movimentos,

por exemplo, antes de eles fazerem

alguma mobilização, a gente explica os

riscos jurídicos envolvidos na mobilização,

que você ocupar o terreno, o que significa

isso juridicamente, o que pode gerar de

consequência... E tem atuação in loco, no

momento do conflito com a autoridade

policial ou no momento em que a pessoa

é encarcerada.

Um diferencial que costuma ser

apontado pelas entidades de defesa em

relação ao serviço de orientação jurídica

que oferecem, em comparação aos serviços

do Estado, é o atendimento multidisciplinar,

a combinação de atendimento psicológico,

social e jurídico, quando necessário.

Enquanto os órgãos do Estado estariam mais

voltados à tradução jurídico-judicial dos

problemas apresentados, o atendimento

multidisciplinar provocaria uma melhor

recepção das pessoas, uma abordagem

mais global do problema apresentado e, por

vezes, até a sua solução, sem a necessidade

de uma ação judicial. Para as entidades

com o perfil de assessoria jurídica popular,

o objetivo é o de empoderar as pessoas

atendidas. A preocupação do atendimento

multidisciplinar é a acolhida, em não tornar

este momento mais um momento de

vulnerabilidade para a pessoa.

Orientação jurídico-social, a pessoa chega,

às vezes meninos ameaçados correm para

[a Entidade], hoje em dia bem menos,

acho que há mais de dois anos não tem

isso, mas acontecia, o menino ameaçado

ia para [a Entidade] e falava “Olha,

estou com a roupa do corpo, não tenho

pra onde voltar”, “Vamos dar um jeito”.

Desde isso, até, que era muito costumeiro,

mães de meninos que já eram e já tinham

passado por medidas lá, que conheciam

[a Entidade], tinham como referência na

região para orientação jurídica, social, às

vezes para compartilhar uma angústia,

uma aflição em relação à vivência e aí a

gente também fazia certa contenção ali

com ela, de acolhimento e aí sim, vamos

atender demandas objetivas. “Não tem?

Tem. Mas não são demandas que [a

Entidade] vai dar conta”, “Então vamos

encaminhar”. Então [a Entidade], apesar

de fazer atendimento porta aberta, de

orientação jurídica, questões trabalhistas,

penitenciárias, socioeducativas, cíveis,

adoção, guarda, tudo isso, também

sempre... Atendimento não só feito por

advogado, mas advogados, assistente

social, pedagogo, quaisquer profissionais

que estavam [na Entidade], a gente

achava que tinham que ter capacidade

de fazer o atendimento, especialmente a

acolhida. Depois, a gente achava que era

importante, se a demanda persistisse, que

a pessoa acessasse os serviços públicos

estatais, que não ficasse ali, por exemplo,

recebendo atendimento psicológico por

61

três, cinco meses. Que ela fosse acessar a

UBS e a gente ia com ela ou encaminhava,

“Pode atender? Ela vai chegar aí...”,

às vezes estava frágil e fragilizada, e

aí acessava o serviço público. A gente

privilegiou os serviços públicos estatais.

Nós trabalhávamos o lado da autoestima

dessas mulheres. [...] Não eram só atendidas

mulheres, eram atendidos o homem e a

mulher, porque tiveram muitos casamentos

também que foram salvos por conta desse

atendimento. Porque, às vezes, a mulher

vem como vítima e conversando com o

marido dá um entendimento nos dois.

Também a gente não pode só ter aquele

olhar, que a mulher só ela que é vítima.

Às vezes a mulher não sabe lidar com um

problema, e aí é uma orientação que ela

precisa ter. E às vezes não é a violência do

marido, que o marido também está sendo

uma vítima. A partir do momento que você

conversar, encaminha para um psicólogo,

para algum [...] às vezes é problema na

saúde. Nós falamos que na época a gente

era advogada, assistente social e psicóloga

ao mesmo tempo. [Entrevistador] Fazendo

todo o atendimento completo... mas vocês

tinham de fato psicólogos trabalhando

naquela época? [Entrevistado] Não,

psicólogas eram as mulheres (risos).

É interdisciplinar o atendimento, sempre,

em todos os projetos. […] A gente também

faz roda de conversa com as vítimas de

violência, trabalha a questão de gênero, a

autoestima, o empoderamento da mulher,

não é só atender, tem muitas outras

questões que são do contexto do nosso

atendimento, diz respeito à pessoa ter a

condição necessária para romper o ciclo

da violência, que não é só uma demanda

jurídica, é muito mais do que isso.

4.1.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO

Poucas entidades mencionaram

trabalhar com a atividade de mediação e

conciliação. As que praticam, normalmente

são entidades que trabalham com um

grande volume de demandas, com um perfil

de advocacia de “balcão de atendimento”.

Essas formas de mediação e conciliação

surgem, em parte, como uma necessidade

de reduzir o volume de trabalho dessas

entidades, de evitar o custo operacional

e de recursos humanos de manter tantas

ações judiciais em andamento.

[A Entidade] tem como concepção a

ideia de que nem sempre judicializar é

o melhor caminho. Então a gente tem

também um grupo de mediação, uma

área que cuida de mediação e, às vezes, a

gente vai buscar a solução pro problema

na esfera administrativa com pedidos

administrativos, representações, às vezes

inquéritos civis que a gente provoca o

Ministério Público a abrir uma investigação,

e aí almejando talvez um TAC, sem a

necessidade de judicializar o caso.

4.1.3 ACOMPANHAMENTO

PROCESSUAL

O acompanhamento processual

aparece nas entidades de defesa de direitos

como diferentes formas de controle. Ele pode

ser um desdobramento do atendimento

individual, da orientação jurídica, que foi

feito na entidade, e que resultou no repasse

do caso para órgãos de litígio do Estado, na

sua etapa de ação judicial.

Manda para a Defensoria Pública, mas aí

não tem uma interlocução direta com o

Defensor, porque a pessoa vai, pega fila,

triagem, até virar processo demora um

mês e tal. E aí a pessoa está lá e a gente

monitora de longe. Às vezes liga pra pessoa

“Deu tudo certo?”, mas a pessoa tem que

ter autonomia. A gente orienta, mas não

fica em cima do Defensor tutelando. A

gente acolhe e depois monitora, às vezes

tem devolutivo da família, às vezes não.

Aqui, o controle pode se dar sobre o

trabalho desses órgãos do Estado, sobre

os prazos, manifestações. Um trabalho de

62

orientação prolongado, que pode se limitar

ao atendido ou envolver também contatos

diretos da entidade com defensores,

promotores e procuradores.

O jurídico do Incra e a própria Defensoria

Pública da União acabam não fazendo

o trabalho que deveria ser feito, de

acompanhamento jurídico dos casos

dessas pessoas, desses grupos, então a

gente acaba assumindo esse trabalho.

Como está na estratégia da organização

essa questão que é acompanhamento

do conselho, das formas de participação

popular, a nossa forma de monitoramento

é muito constante, então a gente tem que

dar uma olhada no processo, ver o que está

acontecendo, ver se foi julgado o agravo. O

Ministério Público não tem isso, porque entra

no bolo, entra na estrutura. Então às vezes a

gente percebe que teve uma movimentação,

a gente aciona pra falar “Olha, tem que

tentar alguma coisa aqui, tentar fazer uma

articulação com o legislativo, tal”.

Por vezes, o acompanhamento

processual pode ser uma forma de trabalho

de a entidade se colocar como ponto de

mediação entre as comunidades, grupos,

movimentos sociais e o trabalho dos

órgãos de litígio do Estado, justamente por

conhecer esses grupos, suas demandas,

e já ter uma compreensão maior sobre os

seus problemas.

Não dá pra um advogado de um centro de

defesa bancar com toda a demanda que se

tem aqui, mas tem casos que a partir deles

se possa pensar em intervenções dentro

do território. Então eram esses casos que

[a Entidade] não assumia, o advogado não

assumia muitas vezes de acompanhar o

caso, mas de ser o elo, junto à Promotoria,

junto à Defensoria. A proposta não era

de assumir os casos, mas de ter um

profissional que tivesse esse entendimento

da Defensoria popular, de você estar

preparando lideranças da comunidade. […]

A importância de muitas vezes não pegar

o caso, mas de você estar assessorando

quem está lá, e de, enquanto centro de

defesa, a gente produzir documentos que

muitas vezes não é dos fatos, mas que

consegue dar elementos para entender

como que é essa questão da comunidade,

como que é organizada a comunidade.

O acompanhamento processual

pode significar também o monitoramento

de processos judiciais, da jurisprudência

formada sobre determinados direitos. Isso

gera uma melhor compreensão sobre o

posicionamento do Poder Judiciário no

tema com o qual a entidade trabalha e sobre

como e onde a intervenção da entidade se

faz mais necessária. Esse acompanhamento,

normalmente, está relacionado à atividade

de pesquisa da entidade e a formas de

incidência pontuais, como a apresentação

de amici curiae ou lobby judicial.

Conforme foram aparecendo as ações,

a gente começou a acompanhar. Então,

quer dizer, já havia um acompanhamento,

mas também o que aconteceu foi muito

no sentido de descobrir o que existia.

Então, acho que a área jurídica começou

um pouco assim, entendendo o que estava

acontecendo. [...] A gente acompanha

alguns casos mais polêmicos no Supremo.

[…] A gente não tem nenhuma ação […],

mas a gente monitora as ações, e naquelas

em que a gente acha importante, que a

gente tem condição, a gente apresenta

manifestação, seja com amicus curiae

nas ADINs. Nas ADINs, em todas a gente

participa, ou vai participar […]. Ou a gente

pede a nossa admissão como litisconsorte,

então, por exemplo, nas ações do Ministério

Público aqui em [cidade], a gente pediu

nossa admissão como litisconsorte. Agora,

não são todas as ações que a gente

consegue entrar, mas a gente monitora.

Por fim, o acompanhamento

processual também aparece nas entidades

que não trabalham mais com ações

63

judiciais individuais, mas que possuem

um passivo de casos, correspondente a

outro período de atuação, que requerem

acompanhamento.

Hoje em dia, nós não fazemos muito mais

isso [ações judiciais], porque a gente não

tem mais pernas pra fazer, mas ainda

tem mais de 40 processos que a gente

acompanha no decorrer dos anos por

conta de que naquele momento, no final

da década de 1990, a gente entendia que

a gente precisava atuar juridicamente

nos processos, ou como assistente de

acusação ou como advogado de defesa

em alguma situação que alguma pessoa

fosse acusada injustamente, mas hoje

a gente entende que a gente precisa

fortalecer cada vez mais as instituições e

não [a Entidade] atuar diretamente, até

porque a gente não tem como fazer isso.

4.1.4 AÇÃO JUDICIAL INDIVIDUAL

Esta é a atividade jurídica realizada

pelas entidades que mais sofreu alterações

ao longo do tempo. A tendência geral das

entidades é a de deixar de trabalhar com

ações judiciais individuais ou a de alterar

o modo como este recurso é utilizado

pela entidade. A criação da Defensoria

Pública em vários Estados, a diminuição de

recursos destinados a esse tipo de trabalho

nas entidades da sociedade civil ou, ainda,

o diagnóstico da ineficiência da via judicial

para a solução de problemas estruturais, são

alguns fatores frequentemente apontados

pelas entidades para essa transformação.

As Defensorias Públicas absorveram

boa parte das demandas individuais

com as quais as entidades de defesa de

direitos trabalhavam. Convênios pelos

quais as entidades financiavam este tipo

de trabalho foram descontinuados. Há uma

percepção por parte dessas entidades de

que é responsabilidade do Estado oferecer

esse tipo de serviço e de que o papel

das entidades poderia ser o de fortalecer

essas instituições, influenciá-las para que

absorvam as suas agendas, controlar a

qualidade do seu trabalho.

Fizemos uma parceria com a Procuradoria

de Assistência Judiciária [do Estado],

onde a defensoria pública passava pra

gente um recurso onde a gente pagava

três advogados e três estagiários. Com

isso, a gente montou nosso centro jurídico.

Dentro desse trabalho nós conseguimos

atender mais de 15 mil mulheres, vitimas

da violência doméstica a partir de 1996.

[…] Quando surgiu a Defensoria Pública,

nós perdemos o convênio da Procuradoria

do Estado e aí a gente focou o nosso

trabalho na questão da geração e renda

pras mulheres.

Lá em meados da década de 1990,

principalmente [na Entidade], essa era

uma atuação mais direta, primeiro não

se contava com a Defensoria Pública

porque ela simplesmente não existia, e

o Ministério Público, como eram muitas

questões criminais envolvendo os

trabalhadores, era o autor muitas das

vezes contra os trabalhadores, então [a

Entidade] acabava exercendo esse papel

sozinha, na defesa dos trabalhadores.

Principalmente dos trabalhadores que

eram criminalizados pela luta pela reforma

agrária. Agora, ao longo dos últimos dez

anos é que as entidades têm esses outros

atores. O Ministério Público e a Defensoria

Pública têm sido listados para participar

desse processo do sistema judiciário, seja

as entidades fazendo representações

para esses órgãos, seja articulando a

participação desses órgãos também em

audiências em outros momentos.

No final da década de 1990, a gente

entendia que precisava atuar juridicamente

nos processos, ou como assistente de

acusação ou como advogado de defesa

em alguma situação que alguma pessoa

fosse acusada injustamente, mas hoje

64

a gente entende que precisa fortalecer

cada vez mais as instituições e não a

[entidade] atuar diretamente, até porque

a gente não tem como fazer isso.

A gente participou do movimento de

criação [da Defensoria Pública]. Uma vez

criada, a gente sempre compartilhou casos

com a Defensoria, mas casos que já estavam

lá ou casos que a gente achava que teriam

de ser judicializados e que a pessoa não

tem como pagar advogado, a gente orienta

a Defensoria. Por quê? Porque a gente não

quer pegar processo. Por quê? Porque a

gente acredita que acesso à justiça é um

direito que tem que ser garantido também

por mais um serviço estatal. Não à toa a

gente lutou pela criação.

Hoje a gente concentra no atendimento

de famílias com crianças e adolescentes

vítimas de crimes, mas nessa trajetória

[da Entidade], [a Entidade] também já

atendeu adolescentes em conflito com

a lei. Era um número muito grande de

adolescentes que cometiam ato infracional,

que precisavam de defesa técnica, e que,

por falta de Defensoria Pública, não tinham

atendimento qualificado e [a Entidade]

realizava essa atividade. Isso mudou nos

últimos anos após um movimento da

Defensoria Pública de receber esses casos.

Então alguns casos que tinham esse foco

aqui [na Entidade] foram repassados pro

atendimento pela Defensoria Pública

e hoje nós não fazemos mais esse tipo

de defesa técnica, por entendermos ser

papel da Defensoria Pública. Então nosso

movimento hoje é fortalecer e ter uma

Defensoria Pública forte no estado pra

realizar essas atividades.

Algumas entidades voltaram o seu foco

para ações judiciais de dimensão coletiva

ou para ações individuais exemplares, com

capacidade de repercussão, ou mesmo para

fora da dimensão judicial, investindo em

iniciativas de incidência política, advocacy,

lobby ou reforma das instituições de justiça.

[A entidade] começou com casos individuais,

[...] tinha algumas assistências de acusação,

ou dos casos de violência sexual, ou de

casos de assassinatos de adolescentes, que

é uma estratégia que a gente não faz mais

hoje, que é assistência de acusação, mas no

início tinha, então começou com um caráter

mais individual. [...] Quando a gente faz a

defesa técnica de um caso emblemático de

adolescente, a quem se atribui a autoria de

ato infracional, mas o que a gente procura

com esses casos individuais é dar uma

repercussão coletiva, que outras pessoas... é

aí o trabalho da assessoria de comunicação

é importante também para fazer a difusão

de uma vitória no Judiciário, de uma

possibilidade de discutir um determinado

direito por essa via.

Em um dado momento, a gente começou a

viver uma situação que [a entidade] tinha

fila na porta e aí a gente começou a falar

“Não, espera aí, a gente quer, [a entidade]

quer pensar num lado de realmente mudar

um pouco e melhorar a defesa, mas não

só isso, pensar em estratégias políticas,

em fortalecimento do instituto de direito

de defesa”, né? A gente começou a

perceber que a gente estava... começamos

a ter uma sensação de que a gente estava

enxugando gelo, que precisávamos pensar

um pouco em um lado mais macro, de

pensar em políticas públicas e que não

dava pra ficar atendendo sem ter uma

reverberação de alguma forma, sei lá, em

construção de indicadores, senão a gente

ia ficar atendendo ali e resolvendo aquelas

situações pontuais, mas sem modificar

uma coisa maior.

Outras entidades mantêm a sua atuação

judicial individual, por conta de terem um

compromisso historicamente construído no

atendimento de casos individuais em um

determinado tema ou, embora não estejam

atendendo mais novos casos individuais,

possuem um passivo de casos, referentes a

um período anterior de atuação.

65

Fora os adolescentes em cumprimento de

medidas, a nossa prioridade é a atuação

em causas coletivas e não em causas

individuais. Porque a gente entende que

nós não somos um balcão de atendimento.

Quem deve cumprir esse papel é a

defensoria pública. […] Pela questão da

própria origem da entidade, do grupo, que

vem lá do movimento de meninos de rua,

essa coisa toda, a gente assumiu.

Teve certo momento em que a gente ia até

o caso, as visitas que fazíamos no sistema

penitenciário eram exatamente pra isso e

hoje as visitas são reduzidas. Hoje, pelo

número de profissionais, […] não estamos

atendendo nenhum caso novo, só os

antigos porque a gente não dá conta, não

tem recursos para manter.

E, por fim, há entidades que apostam

na via do litígio individual como instrumento

político ou de construção jurisprudencial,

via litígio em massa.

A gente faz uma advocacia estratégica na

justiça estadual, por exemplo, o mutirão das

cautelares. Um dos objetivos desse mutirão

era construir uma jurisprudência de qualidade

porque era uma lei nova. O que acontece? A

jurisprudência precisava se construir naquele

momento, ainda, ela fez um ano de lei agora

na metade do ano, então a forma como os

pedidos chegam ao Judiciário de primeira

instância e, principalmente, nos tribunais de

justiça, impactam a forma como começa a

ser decidido e como começa a se consolidar

jurisprudência, então um dos objetivos do

mutirão foi “então vamos começar a inundar

o Judiciário com pedidos de qualidade,

feitos por advogados altamente qualificados

pra criar uma jurisprudência minimamen-

te positiva”.

Até 90, 94, 95, foram essas ações

[individuais]. Aí acabou, agora é só ação

civil pública. […] Eram os dois juntos, ação

civil pública e tentar formar jurisprudência

de um direito, que eu estou defendendo na

ação civil pública, [em ações individuais].

4.1.5 AÇÃO JUDICIAL COLETIVA

Como foi visto no tópico anterior, há

um movimento de aposta na coletivização

da atuação judicial, seja por meio de

ações judiciais individuais, seja por meio

de ações de dimensão coletiva. Das 34

entidades que mencionaram trabalhar

com ações de caráter coletivo, 19 relatam

experiência com o instrumento das ações

civis públicas, tanto de iniciativa própria

quanto em parceria com Ministério Público,

Defensoria Pública e outras entidades

de defesa ou movimentos sociais. Foram

também mencionadas as ações coletivas e

o usucapião coletivo.

A gente tem várias ações civis públicas no

tema do direito à educação, por exemplo,

conseguir vaga em creche, conseguir a

reforma de uma escola que o muro está

desabando, discutir que não foi na ação

judicial destinados os 25% pra educação,

então são casos sobretudo coletivos.

Nós sempre tínhamos um trabalho

muito incipiente e voluntário dentro

das comunidades, da gente ir até as

comunidades, principalmente na parte

de moradia e tentar urbanização, tentar

o usucapião individual e coletivo, e de,

imagino que, de quatro anos pra cá, cinco

anos pra cá, quando entrou [o convênio com

a Defensoria Pública] nós transformamos e

institucionalizamos isso. Então hoje temos

uma área dentro [da Entidade] para direito

coletivo e, em especial, direito de moradia.

Outro tema que também está em

andamento e a gente está trabalhado é a

questão da educação nos presídios, que a

gente entrou com uma ação civil pública

junto com [outras Entidades e Núcleo da

Defensoria Pública]. […] Os argumentos a

gente meio que traçou coletivamente, os

pontos que a gente iria abordar. [A outra

Entidade] trouxe a expertise de educação,

que a gente não sabia, por exemplo,

questão de currículo, quem deve fornecer

66

educação, todos os argumentos e foi

uma experiência muito rica pra gente, de

aprender esse lado da educação que a

gente não tinha contato, as diretrizes do

Conselho Estadual de Educação, Conselho

Nacional de Educação, essa expertise eles

trouxeram. Mas foi o Núcleo [da Defensoria

Pública] que fez basicamente toda a

base, a questão da situação carcerária

foi a Defensoria Pública, eles trouxeram o

apoio jurídico.

No entanto, há várias dificuldades

apresentadas pelas entidades ao trabalhar

com essas ações de dimensão coletiva,

relacionadas a aspectos da própria entidade

(competência estatutária, dificuldade de

financiamento), bem como a limites de

eficácia das próprias ações.

A ação civil pública a gente não tem

capacidade postulatória de ajuizar sozinhos,

por isso que a ação civil pública precisaria...

a Defensoria tem sido nossa parceira.

Até por questão financeira, ela reflete na

própria estrutura da organização, então

ela sempre tem mais demandas do que a

nossa estrutura de recursos humanos, de

recursos estruturais, permite, sempre...

E nesse sentido dificulta muito fazer

a litigância proativa, principalmente a

litigância em ações coletivas, como, por

exemplo, a ação civil pública, porque

muitas vezes ela demanda produção de

provas e a produção de provas também

demanda muitas vezes uma prova pericial

e o Judiciário não tem uma cultura de

admitir essa prova pericial.

A gente percebeu muito que ela [a Ação

Civil Pública] sozinha não funciona, que ela

tem que estar muito ligada à mobilização,

à divulgação na mídia, um fato midiático

que chame a atenção para o problema,

a um fortalecimento da comunidade,

então o que que a gente vê muito, ações

que ficaram anos se arrastando, tem

uma decisão liminar, mas a decisão final

nunca se cumpre, um judiciário muito

moroso, e no judiciário da infância uma

rejeição por esse tipo de demanda, só quer

atender demandas de adoção ou de ato

infracional, as outras é muito difícil, então

acho que, assim, houve algumas mudanças

de estratégia, por exemplo em 2005 se

discute o orçamento para a educação, a

destinação de recursos do Fundef pela

via judicial, é uma grande inovação na

estratégia, isso nunca tinha sido discutido

judicialmente. Assim, as ações quando

você lê, elas também vão ficando mais bem

elaboradas, antes eram coisas muito mais

simples, e aí isso vai, você vai adquirindo

essa maturidade também nessa estratégia,

mas ao lado disso houve também uma,

uma análise do judiciário a partir dessa

atuação muito crítica em que muitas vezes

se avaliava, assim, pouco efetiva.

Algumas entidades, por conta desses

fatores estruturais, têm enxergado a

Defensoria Pública e o Ministério Público

como espaços mais propícios para a

atuação em ações coletivas.

Coletivas nós não fazemos ações, nós já

pensamos em fazer, mas a gente prefere

que... é, é visto de outra maneira a ação

proposta pelo Ministério Público... Então a

gente cria a documentação, instrumentaliza

e leva pro Ministério Público. […] Nós

levamos como uma denúncia para que se

instale um inquérito civil, e se esse inquérito

civil, é, eles conseguirem, pode ser que se

resolva através de um acordo, ou não, pode

ser que tenha que se propor uma ação.

Porque ações públicas nós já tivemos. Mas,

como a Defensoria Pública, nessas ações

públicas, é muito atuante no [Estado],

então essas ações através de uma entidade

particular, uma entidade civil, ela não

aparece de uma forma tão importante

quanto a da Defensoria Pública neste

trabalho de defesa do consumidor através

de ações públicas.

Há, ainda, um papel importante

desempenhado pelas entidades de defesa

67

de direitos nessas ações de dimensão

coletiva, o de comunicação com os

movimentos sociais, comunidades e

grupos. As entidades fomentam essa forma

coletiva de ação desses grupos, assim

como é demandada para ter uma atuação

judicial de dimensão coletiva ao trabalhar

com esses grupos.

A gente procurava mostrar que trabalhar

coletivamente tem mais força, trabalhar

junto, fazer o menor acreditar no menor,

a pessoa que está explorada juntar com

outros explorados, muito ligada na época

do Paulo Freire, a gente conheceu o Paulo

Freire e tudo, então essa consciência da

educação popular, o método da educação

popular onde todo mundo aprende e todo

mundo ensina, a gente conseguiu avanços na

organização popular, que uma organização

passa pela organização popular, pela

consciência de cidadania da população.

Tinha uma reivindicação dos movimentos

sociais por conta das unidades eclesiais de

base. Então, nunca a dimensão coletiva foi

esquecida ou abandonada, mas é muito

mais fácil você operar, fazer operar um

escritório com demandas individuais. Mas

inevitavelmente, com a proximidade com os

movimentos, vai provocando o surgimento

de demandas coletivas e aí a área, hoje

chamada de projetos sociais, começa a

atuar em casos ligados ao movimento de

moradia e, num determinado momento,

também temos uma atuação muito forte

com rádios comunitárias.

Além de, por vezes, disporem de

estrutura e recursos que estes grupos e

movimentos não têm, sendo procuradas

para atuarem em ações judiciais de dimensão

coletiva ou para apoiarem essas ações.

Porque da sociedade civil aqui, só [a

Entidade] tem advogados, então por

vezes a gente promove ação civil pública,

em nome coletivo das instituições da

sociedade civil, […] mas pelo fato de a

gente ter advogados.

As ações em geral são ações de

comunidade em defesa delas próprias e

nós apoiamos essas ações. [A Entidade]

não entra, por exemplo, com ação própria

para ele mesmo. […] A gente apoia, financia

quando é o caso, contrata advogado, dá

visibilidade, constrói estratégia junto, mas

a gente não tem ações próprias;

Era uma área que as pessoas já moravam

há mais de 10, 15 anos... Era uma área

ocupada. E algumas pessoas já tinham feito

até o curso de juristas. E aí procuraram [a

Entidade] para que a gente ajudasse nisso.

A gente fez um projeto com duração de

um ano, e aí a gente contratou na época

um advogado para que ele fizesse todo um

estudo da área. E a partir da associação

de moradores foi feito um estudo da área,

foi contratado um topógrafo para fazer

um estudo topográfico e fazer todas as

medições. E foi ajuizada a primeira ação

de usucapião coletivo urbano [do Estado].

Essa ação ainda está em curso, o projeto

era de um ano só, já terminou, mas aí, por

um compromisso da entidade, a gente

acompanha, mesmo não mantendo verba

específica para esse projeto.

4.2 SELEÇÃO DE CASOS

É possível diferenciar entidades de

defesa de direitos também com relação

aos métodos que utilizam ao atuar

judicialmente. O modo como selecionam os

casos, com qual objetivo recorrem ao Poder

Judiciário, se se valem ou não de outras

estratégias paralelamente à judicial, ou

mesmo as instâncias de atuação nas quais se

especializam, tudo isso auxilia a compreensão

do tipo de advocacia existente no universo

das entidades de defesa de direitos. Esta

parte guarda relação com os referenciais

apresentados na introdução dessa pesquisa:

quando se aproximam de uma advocacia

client-oriented e quando se aproximam de

uma advocacia issue-oriented.

68

4.2.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE

CASOS

Tabela 14. Critérios de seleção de casos

Critério de seleção dos casos Número de entidades

Casos exemplares 26

Demanda 21

Temática 8

Mobilização social 7

4.2.2 DEMANDA

A forma mais tradicional de seleção

de casos na advocacia é a da demanda;

trabalhar com casos conforme a demanda.

Muitas entidades que trabalhavam dessa

forma passaram, ao longo do tempo e

da experiência de advocacia, a trabalhar

segundo outra estratégia, a de seleção

de casos exemplares, de impacto,

paradigmáticos, para a atuação judicial.

Essa mudança guarda relação com a

transformação apresentada no tópico

anterior sobre ações judiciais individuais.

Pode-se trabalhar conforme uma

demanda espontânea, de casos que

chegam até a entidade por meio do

atendimento jurídico. Ou induzida, por

meio, por exemplo, de convênio com a

Defensoria Pública ou com outros órgãos

de atendimento. Trabalhar conforme a

demanda significa que a entidade não tem

controle sobre quais casos irá atender.

A gente aqui não se planeja “esse ano

vamos fazer tal coisa”, não, a gente

sempre age de acordo com a demanda.

Vem uma demanda de sem-terra, “vamos

atender”, vem uma demanda de sem-

teto, “vamos atender”, vem quilombola,

“vamos atender”, vem índio, “vamos

atender”. Índio e quilombola como eu

falei pra ti, é pouca coisa, mas sem-terra e

sem-teto é muita coisa, é muito maior do

que a nossa capacidade de trabalho aqui.

A Defensoria nos encaminha, o Conselho

Tutelar, Delegacias, Centros de Referência,

a porta de entrada nossa é muito grande,

UBS, hospital...

Normalmente, a porta de entrada não é

nossa, a porta de entrada é a Defensoria.

A gente não pode pegar nenhum caso que

não seja encaminhado pela Defensoria.

Os outros a gente assessora, a gente até

pode... mas normalmente a Defensoria

encaminha, essa pessoa que já deu a

entrada lá no Núcleo, ou de habitação, ou

no espaço onde eles atendem o individual,

a pessoa é atendida, vem com uma ficha

de encaminhamento e aí, de acordo com

a situação, se faz uma ação compatível

com aquela situação.

4.2.3 TEMÁTICA

Outra possibilidade é a de a entidade

estabelecer um critério temático para

a seleção de seus casos. Com isso, já

se aproximam de uma advocacia issue-

oriented. Essa escolha está ligada tanto

à necessidade de a entidade manter uma

identidade mais clara de atuação quanto

aos escassos recursos, para se trabalhar

com qualquer demanda que apareça.

[A ação judicial] só existe quando

autorizada pela equipe. A gente tem

reuniões quinzenais e eu não tenho essa

autonomia de pegar a uma demanda

que eu acho que tem pertinência para

[a Entidade] acompanhar. Não, surge a

demanda, eu levo para a reunião, e aí, em

equipe, a gente avalia se é pertinente, ou

se é um interesse individual de alguém ou

se é uma área que a gente não tem know-

how ou que a gente não atua há muito

tempo. Então, as ações, elas surgem de

demandas ou da rede de juristas ou de

alunos do curso de juristas e tem de ser

sobre assuntos que, primeiro: que a gente

tenha atuação.

A gente procura focar porque não tem

como atuar em tudo, em todos os tipos

de causas, seria pra nós impraticável. […]

A assessoria é aberta a pessoas vivendo

69

com HIV e Aids, também para populações

vulneráveis ao HIV e a gente busca resolver

de maneira administrativa, não sendo

possível, a gente vê caso a caso aqueles

que talvez seja necessário entrar com

ação judicial, no âmbito previdenciário ou

no âmbito civil.

4.2.4 CASOS EXEMPLARES

Complementar à seleção temática

de casos é a seleção de casos exemplares,

que seriam aqueles com potencial de

repercussão sobre a sociedade ou

paradigmáticos em termos de violação

de direitos, de exposição das deficiências

de políticas públicas ou legislativas.

Geralmente, para potencializar os efeitos

desses casos, a entidade emprega

paralelamente à ação judicial outras

estratégias (mídia, articulação social, lobby

etc.), que foram vistas na seção anterior.

Em outras palavras, o que define um caso

exemplar não é apenas a sua natureza, as

suas características, mas o modo como

é construído o litígio e as estratégias

paralelamente empregadas.

A escolha de casos exemplares é,

atualmente, a mais empregada pelas

entidades de defesa de direitos. É fruto de

uma transformação no modo de advogar

dessas entidades.

São ações normalmente que levantam

aspectos não levantados normalmente

pelas ações já propostas.

A gente atua em alguns casos, mas a

ideia não é fazer assessoria gratuita em

todos os casos, porque a gente não...

Obviamente a ideia não é atender uma

quantidade grande de casos, mas analisar

até onde em alguns casos específicos a

gente consegue impactos maiores, que

sejam úteis pra uma coletividade ou pra

um grande número de casos.

Nós tivemos em 2011 6809 denúncias

de discriminação, e a gente não pode

atuar nessas 6809, então a gente atuou

em algumas, nas mais chocantes...

São algumas que chegam até a gente

e a diretoria fala “Essa procede, essa

é importante, essa nós vamos criar

jurisprudência”.

Um dos possíveis objetivos de se

trabalhar com casos exemplares é o de

provocar a criação de jurisprudência, de

precedentes judiciais favoráveis.

Mas o quê que a gente pode contribuir?

É perceber que cada vez mais os

precedentes são importantes no Direito

Brasileiro, por mais que a gente não

seja de common law, que tem essa coisa

do precedente como uma norma para

todos, uma norma importante, de maior

importância... Súmula Vinculante, Súmula

Impeditiva, aquela de repetição de

recursos no STJ, a Vinculante no STF. As

Súmulas, em si, cada vez mais... A própria

repercussão geral, tudo isso traz uma

dimensão que aproxima o common law,

aproxima essa coisa de o precedente ser

muito importante. E o nosso programa

jurídico atua bastante com precedente

para criar jurisprudência positiva para a

superação do racismo, para a igualdade

racial. Então isso é bastante importante

pra gente.

Fazer um diagnóstico e provocar

também o judiciário com petições bem

fundamentadas, quer dizer, tentar levar

isso para os tribunais superiores e começar

a criar uma jurisprudência bem-feita, bem

construída ali, na medida do possível, mas

provocar, fazer uma discussão de alto

nível. Era esse um pouco o objetivo.

Outros objetivos podem ser promover

debates na sociedade e impactar sobre

políticas públicas.

A nossa metodologia fundamental é o

que a gente chama defesa jurídico-social,

trabalhando inclusive com casos de

70

graves violações de direitos humanos, pra

fazer não das pessoas desse caso, mas

do que aquele caso representa em torno,

como violação de direitos humanos,

como falência das políticas públicas,

fazer a partir daquela situação específica

uma discussão maior sobre o Estado e o

papel da sociedade, enfim, a garantia dos

direitos. […] Ou seja, o caso é um estopim

para uma discussão sobre a política, essa

é digamos a metodologia que o centro de

defesa chama de proteção jurídico-social

ou defesa jurídico-social. Essa sempre foi

a atividade central [da Entidade], mas

como eu te disse, ela se amplia para essas

outras questões que a gente entende

que precisam ir se agregando à atuação

jurídico por, pra que minimamente se

consiga alterar o estado de coisas e não

apenas tratar de um caso específico.

A questão da vulnerabilidade da vítima, a

gravidade da violação e, principalmente,

o potencial de repercussão, de decisão

da parte da Comissão [Interamericana de

Direitos Humanos] para outros casos do

Estado brasileiro. Então não adiantaria, no

nosso entender, encaminhar um caso que

de tão específico só resolvesse aquele. Nós

precisaríamos de algum caso que, através

da decisão, pudesse dar uma resposta

a um conjunto muito maior de violações

parecidas, equivalentes, que estivessem

acontecendo no Estado brasileiro.

Esse tipo de advocacia de casos

exemplares requer também uma

especialização temática, um grande

aprofundamento. As entidades de defesa

acabam gerando um acúmulo de know-

how na área.

E nesse tempo todo, [a Entidade] sempre

foi referência com o que a gente chama de

casos exemplares de violação de direitos

humanos. Hoje, em que pese a gente ter

essas instituições mais qualificadas, tanto

o Ministério Público quanto a Defensoria

Pública, e outros núcleos também do

Poder Executivo que fazem... pelo menos

se propõem a fazer atendimento a vitimas

de violência, mas mesmo assim, ainda

assim as pessoas ainda procuram a gente,

porque nem todos conseguem ter um

atendimento qualificado e a situações

de violação de direitos humanos, tem

casos que são tão complexos que, de

fato, a gente compreende as pessoas e

os movimentos, que se [a Entidade] não

estivesse atuando, talvez o resultado não

fosse o mesmo.

4.2.5 MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Para garantir a sustentabilidade

da atuação judicial ao longo do tempo,

algumas entidades utilizam como critério

de seleção a presença de mobilização social

minimamente estruturada em torno do

caso. Este critério para a seleção de casos

está relacionado à estratégia de articulação

social, desenvolvida paralelamente ao caso,

como será visto no tópico 4.3.2.

Primeiro critério escolha, tem que ter

um movimento organizado lá. Não é

qualquer caso que a gente encaminha.

Tem que ser o caso de uma região onde

exista um movimento, e o movimento

esteja organizado. Que o caso sirva pra

fortalecer o processo de organização

e mobilização social. Então esse é o

primeiro critério. E o segundo critério vai

depender, na verdade, da existência de

interlocutores no Ministério Público, as

ONGs que se disponham a fazer esse tipo

de litígio junto ao movimento. E também

não é qualquer ator, é o ator que tenha

essa compreensão da nossa estratégia

de organização. Esses são os critérios. E

que também sejam casos emblemáticos,

casos que sirvam como modelo pra todo

o país. Que tenha questões que sejam de

interesse coletivo e não só de uma região

específica, ou de um caso muito particular.

Isso [a escolha do caso] é feito a partir

de discussão sobre a agenda de trabalho

71

da instituição, no sentido mais geral,

mas eu poderia ter colocar dois critérios:

o primeiro critério é um critério de

mobilização social, de demanda, digamos,

demanda popular por direitos, e o outro

critério é o critério de fortalecimento de

agendas de direitos educacionais que

são contra hegemônicas, no sentido de

que não estão na pauta das políticas

educacionais mais visíveis. Então essa é

uma leitura geral, porque geralmente se

a gente fosse depender só das demandas

que chegam, trabalharia só com as

demandas populares. […] Conjugava essa

possibilidade de se fazer um trabalho

de apoio à mobilização popular com

monitoramento de políticas públicas e

com a mudança no padrão de resposta

do judiciário, com a tentativa de mudança

de padrão de resposta do judiciário, no

sentido de torná-lo um ator relevante na

garantia desse direito.

A mobilização social é importante não

apenas para garantir a sustentabilidade

judicial do caso, mas também para que

esses casos cheguem até as entidades de

defesa de direitos.

Como boa parte dessas comunidades

está no interior do Estado e não estão

sediadas na capital, [as Entidades]

contam com a parceria de entidades

locais, essas entidades locais podem

ser associações, podem ser sindicatos

de trabalhadores rurais, enfim, a igreja,

ou as igrejas, uma gama de entidades

locais que são parcerias nesse sentido

e que elas podem indicar, a partir do

conhecimento da realidade local que

elas têm, com a comunidade A ou B,

podem indicar qual comunidade pode

ser atendida, pode ser acompanhada.

Várias análises de conjuntura que a

gente faz em parcerias com diversos

movimentos e a gente chama pessoas

de universidades, a gente também em

uma articulação muito forte com a

Universidade Federal [do Estado], com

as outras universidades, então vêm vários

estudiosos pra cá, pra [Entidade] e nos

ajudam a pensar sobre as estratégias e

tudo, e aí a partir dessa análise coletiva

a gente vai escolhendo os temas. Todas

essas análises são a partir de dados que

a gente vem coletando ao longo dos

anos, ou que algum outro movimento ou

alguém da academia tenha.

4.3 MÉTODO DE ATUAÇÃO JUDICIAL

4.3.1 COMBINAÇÃO DA ESTRATÉGIA

JUDICIAL COM OUTRAS

ESTRATÉGIAS

Dentro dessa orientação de algumas

entidades de extrair o máximo de

repercussão possível a partir do litígio,

costumam combiná-lo com uma série

de outras estratégias, para potencializá-

lo. Ou, ainda, diante do diagnóstico de

ineficiência do recurso ao Poder Judiciário

para a solução de determinados problemas

estruturais, outras estratégias revelam-

se mais eficazes, sendo a atuação judicial

apenas mais uma. O que poderia indicar,

por parte das entidades de defesa de

direitos, uma mudança de estratégia: em

vez de judicializar, trabalhar politicamente

os casos.

Tinha um papel muito judicial da defesa

de direitos. E isso com o passar do tempo,

inclusive por conta de certa ampliação

da visão em relação às limitações

institucionais do próprio sistema de

justiça, me parece que se foi ampliando

essa atuação da organização, não só para

o campo jurídico social, mas também para

outras atuações de incidência política,

controle das políticas públicas, do

orçamento, de articulação e mobilização

em torno de determinadas pautas, da

produção de conhecimento, enfim, as

estratégias foram se ampliando com o

passar do tempo e parece que há, de fato,

72

essa mudança de perfil que era muito

própria ali da virada do século, de certa

judicialização das demandas e que vai se

ampliando agora nessa nova década do

século XXI.

Mudando os limites dessa atuação

judicial e partindo para uma linha mais

do constrangimento, de conhecer melhor

as políticas públicas, e de denunciar

determinados contextos, de contribuir

para que os conselhos deliberem sobre

alterações da política e aí com aquela

deliberação a gente faz um grande

evento para poder mostrar como que é

contraditório o que nós temos na prática

com o que o governo deveria estar se

comprometendo a partir das normas,

enfim, é ir gerando esses processos de luta,

de disputa política, que a gente entende

que hoje são mais eficazes, não abrindo

mão da atuação judicial quando ela se

faz necessária, mas compreendendo seus

limites, e tendo o entendimento de que é

preciso ampliar o olhar sobre isso.

E aí, proteção jurídico-social, faltava

definir isso, é o conjunto de diversas

estratégias, mais ou menos, seis ou sete

estratégias para garantias de direitos

humanos de crianças e adolescentes... um

lobby ou incidência política, advocacy,

mobilização popular, produção de

conhecimento, defesa técnica judicial

ou extrajudicial, e monitoramento de

políticas públicas. Essas estratégias foram

conceituadas no bojo da proteção jurídico

social para dar sentido a essa expressão,

é muito particular [da Entidade] essa

conceituação.

Tabela 15. Combinação de estratégias

Estratégia judicial combinada com: Número de entidades

Articulação social 17

Formação 13

Advocacy 10

Pesquisa 10

Mídia 7

Lobby judicial 7

4.3.2 ARTICULAÇÃO SOCIAL

Muitas entidades somam-se a outras ao

proporem uma ação judicial. A articulação

social é importante para a atuação judicial

em diferentes sentidos: coletar informações,

combinar estratégias, potencializar a ação

judicial, empoderar grupos sociais, somar

expertises, aumentar o âmbito de atuação

(geográfico, temático etc.).

A nossa principal forma de trabalho é em

articulação com os atores locais, porque

a gente não atua só [na Cidade], a gente

tem casos de outros estados da federação,

então a gente trabalha sempre junto das

outras entidades ou movimentos de locais

específicos. Acho que essa é a forma

de atuação [da Entidade], que foi se

construindo ao longo desses anos, nesse

começo, o que era, talvez, um trabalho um

pouco mais técnico, voltado pra essa parte

de litígio, conforme a coisa foi passando

pra trabalhar também com pesquisa e

documentação, você acaba trabalhando

também com a parte de mobilização,

então você tem essa interlocução entre

pesquisa documentação e mobilização

popular e política que acaba sendo um

componente importante.

Casos paradigmáticos são mais complexos

em direitos humanos, a gente realiza

pareceres jurídicos com relação aos

direitos humanos, para serem juntados nos

processos ou para serem encaminhados

às demais políticas públicas. É claro

que esse nosso acompanhamento não

é simplesmente focal, então quando a

gente faz um encaminhamento a gente

vai fazer todo o monitoramento daquele

encaminhamento, porque a gente também

trabalha com articulação da rede de direitos

humanos, a gente trabalha de uma forma a

estabelecer um diálogo conjunto com esses

parceiros e orientar esses novos usuários.

A articulação social é também uma

decorrência natural do próprio público

com o qual a entidade costuma trabalhar.

73

Pelo menos 42 entidades manifestaram

que trabalham um público coletivo: grupos,

ONGs, movimentos sociais, comunidades

etc.

São sobretudo casos em comunidades

que a gente tem proximidade, ou porque

acompanha, porque faz um trabalho

direto, ou porque conhece, assim são casos

que demandam dedicar-se mais àquela

história; não é só escrever a história e a

ação e dar entrada, justamente porque é

congregado com outras estratégias, então,

tem relação com o trabalho que se faz de

acompanhamento daquelas comunidades,

ou de uma análise específica, por exemplo,

na história da lei orçamentária, de uma

análise específica, então tem a ver com

uma atuação mais sistemática, mais a

longo prazo naquele tema, naquela região

ali geográfica.

4.3.3 FORMAÇÃO

Várias entidades trabalham com o

seu público o aspecto da formação em

direitos. O objetivo é formar pessoas que

sejam capazes de identificar violações de

direitos, de encaminhar suas denúncias

aos órgãos competentes, de replicar

essas informações em suas comunidades

e grupos, que tenham consciência de

seus direitos e exercitem sua cidadania.

Esses programas de formação em direito,

ao capacitar líderes comunitários na

linguagem dos direitos, criam também uma

rede de agentes de defesa de direitos, com

capilaridade geográfica e social.

A partir de 2007, a gente começa

a desenvolver um programa mais

permanente de formação de Defensores

Populares da educação, inspirados lá

nas Promotoras Legais Populares e nos

processos de formação de assessoria

jurídica popular, que aí são cursos de

formação de Defensores Populares

do direito à educação e agora a gente

finalizou uma quarta edição desse curso.

Tem bastante material publicado das aulas,

enfim, mas é uma perspectiva de fortalecer

também e de difundir as estratégias de

exibilidade num conjunto mais amplo de

pessoas e organizações.

Foi feito um estudo na época, que a maior

parte das pessoas que procuravam aqui

era mais para pegar informações. Não era

nem necessariamente para que entrassem

com a ação, e sim, para uma informação

de aonde procurar, aonde se reportar

para os mais diversos problemas, que é

uma grande carência da população. Eles

não sabem nem aonde ir para começar

a procurar uma solução. Então, muitas

vezes, a solução não é encontrada com

uma ação judicial e sim com formas

extrajudiciais de solução dos conflitos.

E aí foi feito um primeiro projeto, para

que se tentasse dar um curso para

essas pessoas, já que não se conseguiria

acompanhar individualmente, e que essas

pessoas fossem multiplicadoras nas suas

comunidades. Porque se observou que

essas pessoas que vinham aqui já eram

aquelas que já tinham um pouco mais de

conhecimento, já sabiam ler e escrever,

tinham um pouco mais de informações e,

muitas vezes, elas vinham para repassar

essas informações para os outros.

4.3.4 PESQUISA

A pesquisa acaba tornando-se uma

estratégia para a atuação judicial mais

pontual e qualificada. Saber quais são os

gargalos de políticas públicas, legislativos,

de jurisprudência dos tribunais, facilita a

propositura de ações já mais direcionadas

a esses fatores estruturais de violação de

direitos. Traz uma perspectiva mais ampla

sobre os problemas enfrentados, escapa da

lógica da solução individual do caso. Além

disso, a pesquisa não é instrumental apenas

para a ação judicial, mas sim para todos os

outros âmbitos de atuação da entidade.

74

A gente impulsiona o levantamento de

informações e a construção de uma

articulação para atuação numa perspectiva

mais ampliada, que não envolve só o

sistema de justiça, mas que envolve a

atuação em outros campos, no Legislativo,

no Executivo, na sociedade civil, no

Judiciário. […] O primeiro trienal foi mais

voltado para o trabalho de levantamento

de informações sobre como a educação era

tratada no sistema de justiça; o estímulo ao

debate público sobre o direito à educação

com a perspectiva de justiciabilidade;

e a informação sobre a utilização de

instrumentos jurídicos para a defesa dos

direitos à educação.

Então é toda uma análise maior que a

gente faz e que, e aí como é que a gente

atua nessa área. A gente tenta identificar

os casos e mostrar que aquilo ali é um

problema. Olha quantos casos a gente viu

aqui que estão todos aqui no relatório.

Não é claro qual é a posição do Judiciário

brasileiro sobre esses temas, então é... ou

então existe uma posição do Supremo que

não é a mesma do STJ, ou de outros, dos

TRFs... então a gente fez, por exemplo,

uma pesquisa de todos os Tribunais

regionais federais, de todos os TRFs sobre

como cada um estava decidindo questões

relacionadas à rádio comunitária, agora a

gente fez um também sobre o Supremo e

o STJ sobre difamação civil e criminal e a

gente vai tentar ir ampliando isso, porque

é difícil, as pesquisas de... é uma pesquisa

de jurisprudência qualificada entendeu,

entender dentro daquilo que são os temas

principais de liberdade de expressão, ter

clareza, se é que existe tal clareza, porque

em alguns casos não existe posição, cada um

decide como quer. Mas até pra mostrar isso,

que cada juiz decide absolutamente como

quer, que não se segue nenhum padrão a

gente entende que essa análise dos casos

é importante, e que isso nem sempre fica

claro, qual a posição do judiciário brasileiro

em relação a diferentes temas.

4.3.5 ADVOCACY

Advocacy é um conceito amplo,

que engloba várias das estratégias aqui

separadas (mídia, lobby judicial etc.), não se

aplica apenas à atuação junto ao Executivo

e ao Legislativo. É uma noção ampla de

ação política, que pode compreender

também o Poder Judiciário.

Um braço é mais político, de advocacy,

que veio muito nessa ideia do que a gente

estava falando, da percepção do conselho

[da Entidade], nesse curso de 12 anos, de

que não adianta só trabalhar assistência

jurídica se a assistência jurídica não

serve para instrumentalizar o instituto

com mudanças, para articular mudanças

políticas, e aí nasce esse braço de

articulação política, que são intervenções

[da Entidade], pontuais, como quando

direito de defesa ou acesso à justiça

são vilipendiados de alguma forma,

então [a Entidade] se manifesta, pontua,

oficia quem deve oficiar, se manifesta na

imprensa, enfim... atuações de advocacia

estratégica que a gente chama. Então,

quando alguma questão mais macro é

colocada em discussão no Judiciário,

então [a Entidade] se manifesta, por

exemplo, através de amicus curiae. [...]

No braço político entra essa advocacia

estratégica que a gente chama, que

é o amicus curiae e outras formas de

advocacia estratégica, mais articulação

política, processo de advocacy junto ao

Legislativo e ao Executivo... e intervenções

pontuais quando tem alguma ameaça ao

direito de defesa.

Quando você faz o advocacy, você tem

estratégia, então você vai preparado.

Não é um discurso uno, você tem que ter

estratégias diferentes, abordagens para

cada pessoa, cada juiz, não é uma... nós

não fazemos o advocacy em série, cada

ministro, cada juiz, tem uma forma de

abordagem, assim como no Executivo.

Cada ministro tem um jeito de se portar

75

e de agir, cada um tem uma ideologia,

uns são mais tranquilos, outros são

mais difíceis, mas todos nos receberam

porque usou de todas as fórmulas que o

advocacy que nos permitem e, quando

não aceitavam o nosso ofício a gente

pedia para um senador ou uma senadora,

quando pedia para um deputado ou para

uma deputada, sabe... porque quando

você faz o advocacy você tem que

conhecer o tomador de decisão. Quem

colocou lá, como que foi, como que não

é, você tem que conhecer a história da

pessoa e a história da instituição.

Por outro lado, a gente vai lá no

Legislativo e fala: “Olha, na regulação

você tem que ter certeza que você diz

que os intermediários não podem ser

responsabilizados, então isso é um ponto

central do nosso trabalho de advocacy,

com acompanhando essas legislações,

novas leis que estão sendo debatidas”.

4.3.6 MÍDIA

Como foi visto anteriormente, a

maior parte das entidades entrevistadas

não possui uma estrutura voltada para a

comunicação. Sete entidades mencionaram

nas entrevistas o papel da mídia relacionado

à atividade judicial. A mídia é um fator

importante para divulgação do caso, para

a tematização na sociedade, para ampliar

o público da ação judicial. Também é uma

forma de “coletivização” das demandas.

Toda ação nossa judicial é acompanhada

por um plano de mídia. Então se nós

entramos com uma ação civil pública,

isso acompanha um plano de mídia, os

jornais, TV, rádio, fazendo a incidência

com objetivo de promover o debate na

sociedade a respeito daquela situação de

violação de direitos humanos.

Mas o que a gente procura com esses

casos individuais é dar uma repercussão

coletiva, que outras pessoas... é aí o

trabalho da assessoria de comunicação é

importante também para fazer a difusão

de uma vitória no judiciário, de uma

possibilidade de discutir um determinado

direito por essa via.

A coisa mídia que você mencionou

antes, eu acho que a gente divulgar,

entender melhor, explicar melhor para as

pessoas os casos, para a opinião pública

se envolver nesses casos eu acho que é

essencial, isso a gente quer melhorar,

é difícil, mas eu acho que é essencial. A

gente não quer que seja uma coisa, falar

juridiquês e entrar com caso que só um

advogado vai entender, a gente queria

entrar com coisas que as próprias peças

sejam coisas que qualquer um consegue

ler e não só um advogado, e que aquilo

possa ser refletido em... que a gente

consiga criar discussões, que as pessoas

twittem sobre o caso, que as pessoas

acompanhem o julgamento no Supremo,

se não for assim não faz muito sentido.

Então, eu acho que isso a gente quer, na

nossa estratégia, melhorar, e que eu acho

que para as estratégias de litígio em geral

darem certo precisa disso, porque é como

qualquer um dos outros trabalhos que a

gente tá fazendo, se as pessoas não se

envolverem não adianta muito.

4.3.7 LOBBY JUDICIAL

Além da intervenção direta como

parte da ação judicial ou contribuindo

com pareceres, memoriais ou amici

curiae, as entidades indicaram outras

tentativas de influenciar a decisão judicial,

principalmente as reuniões com juízes e a

possibilidade de apresentar e debater com

eles informações mais qualificadas sobre

os temas das ações judiciais.

A gente fez carta aberta, a gente foi

falar com o presidente do tribunal, a

gente levou material para os juízes que

estavam julgando. Então tivemos uma

atuação que não foi direta no processo,

mas que foi junto ao Judiciário. […]

76

Quando a PGR recebeu, e quando a

AGU também, receberam o processo

para se manifestar, a gente entrou em

contato, mandou material. Então isso

é uma coisa que a gente faz também,

levar material, levar informação, não é

só denúncia, mas levar informação, falar

da Convenção-Quadro, levar evidência

científica, a gente faz esse trabalho de

informar os órgãos públicos do que

a gente sabe, do que existe, porque é

difícil, também, você saber de tudo.

Você que é procurador, ou promotor,

como é que você vai saber, que tem

uma convenção, que tem estudos?

Então, a gente faz esse trabalho de

levar informação, também. E aí o que

aconteceu foi que a Procuradoria deu

um parecer maravilhoso, com base em

muito do que a gente mandou pra ela,

dizendo que as leis são constitucionais.

Já a AGU, não.

A ADIn e a ADPF que conseguimos

a aprovação, nós articulamos todos

os principais assessores e os próprios

ministros, temos uma coleção de fotos

com todos os ministros. Levamos a

nossa argumentação, levamos os nossos

memoriais, sempre acompanhados de um

advogado, de forma muito organizada e

que redundou na nossa vitória. […] Nos

ajudou muito, [a Entidade] deu os dados

consultivos das Nações Unidas.

77

Como mencionado na Introdução, um

dos objetivos centrais desta pesquisa é o

de identificar como se dá a dinâmica de

interação entre as entidades de defesa de

direito, o MP e a DP no campo da advocacia

de interesse público. Dessa forma, a partir da

análise das entrevistas realizadas no âmbito

deste estudo, serão apresentados a seguir

os principais padrões de interação entre as

entidades da sociedade civil entrevistadas

e o Ministério Público (5.1), as avaliações

e percepções que essas entidades têm da

instituição (5.2) e os pontos de seu desenho

institucional que dificultam ou facilitam a

relação com as entidades da sociedade

civil (5.3)25. Tais padrões de interação

entre as entidades de defesa de direitos

entrevistadas e o Ministério Público foram

encontrados a partir da organização e da

análise qualitativa de trechos codificados

das entrevistas.

5.1 FORMAS DE INTERAÇÃO

As formas de interação entre as

entidades da sociedade civil e o Ministério

Público tendem a se alterar de acordo

com algumas variáveis mais abrangentes.

A primeira delas é a temática com a qual

a entidade trabalha. Assim, entidades

que trabalham com questões fundiárias e

com temas relativos a questões criminais

tendem a ter uma relação de antagonismo

com o Ministério Público e a estarem em

lados opostos das ações judiciais. Muitas

das entidades que trabalham com a questão

agrária apontam para um processo de

“criminalização” dos movimentos sociais

e da luta social nesta área promovido por

uma parcela dos membros do Ministério

Público. Tais atores afirmam que há uma

“cultura institucional” de criminalização de

tais movimentos que coloca “muito peso”

na dimensão criminal de certas questões

sociais em vez de atuar na promoção e

garantia de direitos. Alguns entrevistados

acreditam que esta postura de uma parcela

do MP vai contra a sua função institucional

de defesa do Estado e da sociedade e

que em alguma medida atenta contra a

própria democracia, já que ela pressupõe

a existência de movimentos sociais. Outro

exemplo seria o de algumas entidades que

trabalham com a temática da criança e do

adolescente que afirmam que a postura

do MP em relação aos jovens em conflito

com a lei vai, em muitos casos, no sentido

repressivo em vez de focar no acesso a

direitos fundamentais.

Outra variável importante para

se pensar a relação das entidades

estudadas com o MP é se a relação se

dá com o Ministério Público Estadual ou

Federal. Dependendo do ente que tem

a competência para tratar a matéria com

a qual a entidade trabalha, a relação dar-

se-á com o MP Estadual ou MP Federal. De

maneira geral, os entrevistados apontaram

o Ministério Público Federal como mais

aberto à interação com a sociedade civil. Há

variação também na relação das entidades

com o Ministério Público de Estado para

Estado, no caso do MP estadual, e de região

5 - INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO

25 Conforme exposto no item 1.3 deste estudo, o recorte metodológico da pesquisa foi feito a partir da perspectiva das entidades de defesa direito no Brasil e a percepção dessas sobre a sua relação com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Assim, não estão presentes neste estudo a perspectiva dos defensores, promotores e procuradores acerca dessa

78

para região no caso do MP Federal.

Apresentadas essas variáveis mais

amplas, pode-se dizer que a relação das

entidades estudadas com o MP, com

exceção dos casos de antagonismo

apresentados acima, é positiva. Para

muitas das entidades da sociedade civil,

o Ministério Público representa o principal

parceiro no âmbito governamental.

Esta interação “positiva” das entidades

estudadas com o MP se dá de diversas

formas que vão desde fazer denúncias,

representações e encaminhamento de

casos para a instituição, passando por

ser assistente de acusação ou fazer o

acompanhamento processual de casos,

até articulações mais amplas da sociedade

civil com o MP, divisão de trabalho e

definição conjunta de estratégias jurídicas,

entre outras.

O encaminhamento de casos,

a realização de denúncias26 e

representações27 são formas de interação

com o Ministério Público frequentemente

citadas pelas entidades de defesa de

direitos. Os entrevistados atribuem

algumas justificativas para estas formas

de interação com o MP. Uma primeira

razão seria o fato de que a entidade não

tem estrutura (técnica, financeira, física)

para o atendimento de todos os casos

que chegam a ela ou mesmo porque ela

acredita que o peso institucional e político

do Ministério Público aumenta as chances

de sucesso da ação.

[A entidade] fazia as representações [para

o Ministério Público], mas com substância,

eram peças judiciais mesmo, poderiam ter

sido entregues direto no Judiciário. Mas

como a gente não tinha advogados para

acompanhar o andamento dessas ações,

a gente apresentava como representação

no Ministério Público para eles tomarem

uma iniciativa. Então até hoje a gente ainda

tem isso, a gente manda a representação

e participa inclusive de um grupo que foi

formado pelo Ministério Público, um grupo

de comunicação, é direito à comunicação,

e a ideia é discutir temas que o Ministério

Público poderia desenvolver através de

uma estratégia jurídica, através de litígio.

Razão pela qual vejo que a gente, nos

últimos anos, tem trabalhado muito mais

em parceria com o Ministério Público,

porque o Ministério Público sim tem

uma estrutura já paga pela sociedade

para fazer isso, e tem a previsibilidade

de que vai manter e tudo mais, pessoas

capacitadas [...] então eu acho [...], como

outros entendem que melhor é ajudar

o Ministério Público a trabalhar bem, e

convencê-los de fazer a boa luta, do que

atuar diretamente no judiciário.

[...] até porque a gente não tem condições

de acompanhar todos os casos, caso

que a gente acha que a gente não vai

acompanhar a gente entra e, e pede que

o Ministério Público tome providências,

pode ser, por exemplo, alguma coisa que a

prova é muito difícil, é... e é muito mais fácil

se o Ministério Público pedir informações

para o Ministério das Comunicações, por

exemplo, então teve coisas que a gente

entregou em representação, hoje são

inquéritos civis que são abertos e a gente

acompanha através do Ministério Público.

Outro motivo é o de que muitas vezes

chegam casos à entidade cuja temática

não é aquela com a qual ela trabalha,

ou mesmo porque a entidade fez uma

opção por escolher apenas alguns casos

paradigmáticos para propor ações judiciais.

Sim, nós fazemos algumas representações,

porque algumas coisas fogem da nossa

26 De maneira geral, quando os entrevistados mencionam que realizam “denúncias” para o Ministério Público, estão se referindo ao ato de levar ao conhecimento desta instituição alguma situação na qual haja violação de direito, ato ilícito, crime, infração da lei etc. Com isso, não estão se referindo ao ato formal no processo penal no qual o representante do Ministério Público dá início a uma ação penal pública por meio de uma petição escrita denominada “denúncia”.27 A representação, de maneira muito ampla, é a manifestação de interesse do ofendido ou seu representante legal para o Ministério Público inicie uma ação penal.

79

competência, nossa alçada, e algumas

coisas são funções institucionais do

Ministério Público. Já aconteceu de

nós nos metermos na competência do

Ministério Público, mas acabou que foi

convalidado, mas é comum sim que

nós façamos representações junto ao

Ministério Público nesse sentido de casos

que nos chegam aqui e não são da alçada.

[...] em outros casos, demandas que

a gente recebia aqui na instituição e

que a gente considerava que não eram

estratégicas no sentido das políticas

públicas, a gente encaminhava com

uma representação para o MP, e aí é

um trabalho muito mais de repasse

de demandas do que um trabalho de

articulação estratégica, mas a gente fez

isso e faz também, até porque a gente

não tem condição de atender todas as

demandas que eventualmente cheguem.

O encaminhamento de casos,

denúncias e representações também se

configura em um canal para as entidades

informarem o Ministério Público das

questões que estão ocorrendo no campo

no qual elas trabalham. Neste sentido, por

estarem mais próximas das demandas e

atores que envolvem tal campo, elas têm

uma percepção mais apurada de quais são

os problemas relevantes naquele momento

e buscam provocar o Ministério Público

para que ele atue naqueles temas. Assim:

[...] representação, apresentação de

documentos, se existe um caso e a

gente tem possibilidade de contribuir

com prova a gente fornece prova, e aí

vai, e sempre tentando fazer um diálogo

assim né, porque por mais que muitas

vezes o Ministério Público não tenha

possibilidade de estar em tudo, o papel

da sociedade civil é isso, é comunicar, é

reportar, é incidir, tentar puxar, mostrar a

importância, pedir audiência pública, e é

isso que a gente vai fazendo.

[...] a gente representa no MP, então as

representações ao Ministério Público são

as peças, os mecanismos que nos ligam

ao Ministério Público historicamente,

que são de fato encaminhamentos de

demanda ou produção de demanda

junto a determinadas pessoas, coletivos,

para que o Ministério Público aja, e aí sim

entre com uma ação civil pública contra

o Estado para criar vagas disso, ou para

que as conferências sejam realizadas

corretamente, né?

Na maioria dos casos, nós que levamos

demanda para o Ministério Público. Então,

quando a gente recebe denúncias, que

podem ser das mais variadas [...] fora os

casos que a gente atende das vítimas, a

gente recebe muitas outras denúncias

[...]. E tudo isso a gente comunica ao

Ministério Público. Então, fora a demanda

que a gente já tem, que a gente aciona

o Ministério Público, têm outras que

chegam [à entidade] que a gente

oficializa ao Ministério Público pra que ele

tome conhecimento

A gente às vezes marca reuniões com

eles, levando alguma irregularidade que

tenha acontecido, alguma violação de

alguma sentença judicial que tenha vindo

a nosso favor, enfim, levando algumas

irregularidades, algumas violações

de direito, compilando esse material

e levando pro uso da Defensoria, do

Ministério Público e mostrando “olha,

está acontecendo isso, isso, e isso, o

descumprimento de tal sentença, de tal

lei... isso eles fizeram errado” e eles movem

processos, tomam as atitudes cabíveis,

mas a gente também quando encontra

algo estratégico que a gente ache que

talvez isso seja estratégico colocar, a

gente também marca novamente essas

reuniões, a gente marca reuniões também

no sentido de saber o que é que esta

acontecendo, se tem alguma novidade, se

eles estão pensando em algo...

80

[...] o Ministério Público Federal, vamos

dizer assim, ele próprio, por si só [...] tendo

em vista violação de um direito público,

se manifesta né, e aí assim, a gente

atua no sentido de cobrar do Ministério

Público uma atuação, no sentido de

cobrar “tá acontecendo isso” né e a

gente coloca o caso para o Ministério

Público e o Ministério Público propõe

uma ação, propõe uma investigação, uma

averiguação sobre o caso...

As representações são mais comuns no

Ministério Público. Várias. Muitas coisas

do que a gente descobre em testes e

pesquisas não vira necessariamente uma

ação judicial. Vai uma representação para

o Ministério Público.

[...] ou quando não a gente faz o

encaminhamento da representação para

o Ministério Público, focado nessa área de

buscar que o Ministério Público faça essa

atuação [...] então aqui nós temos diversos

casos de violações de direitos humanos,

de comunidades inteiras, estamos

pleiteando no Ministério Público...

Alguns entrevistados também

relataram que, em certos casos, quando o

Ministério Público está conduzindo alguma

ação que é de interesse da entidade,

elas fazem um acompanhamento, um

monitoramento de tal ação:

o Ministério Público ele encampou [a

ação], ele entrou com a ação, e aí a gente

fica no suporte, fica no monitoramento

[...] a nossa forma de monitoramento é

muito constante, então a gente tem que

dar uma olhada no processo, ver o que

está acontecendo, ver se foi julgado o

agravo. O Ministério Público não tem

isso né, porque entra no bolo, entra

na estrutura, então às vezes a gente

percebe que teve uma movimentação

a gente aciona pra falar “olha, tem que

tentar alguma coisa aqui, né, tentar fazer

uma articulação com o legislativo, tal”,

e é isso um pouco do que a gente faz,

que acaba assim, adiantando ambos os

lados né, adianta o lado do Ministério

Público porque ele, a estrutura dele não

consegue acompanhar dessa forma... a

gente consegue chegar no objetivo de

repente, ou resguardar esse objetivo [de

acompanhar] a ação.

Outra forma de interação entre o

Ministério Público e as entidades de defesa

de direitos identificada pela pesquisa é

a parceria ou articulação. Segundo os

entrevistados relataram, neste formato de

interação há uma relação mais próxima

entre as entidades da sociedade civil e a

instituição e essa parceria ou articulação se

dá tanto com o Ministério Público Estadual

como com o Ministério Público Federal.

Alguns entrevistados apontaram que um

elemento central para que esta interação se

dê é a pessoa do promotor ou procurador

que está ocupando o cargo na instituição

naquele momento. Assim:

[...] nós temos alguns promotores de

justiça que têm uma postura muito crítica,

muito progressista, muito boa, com

esses promotores nós temos atuações

muito positivas. Então quando tem um

promotor de justiça com uma orientação

crítico-progressista [...] a atuação se dá

em parceria, quando não, essa parceria é

desatada e as coisas andam mais cada um

no seu rumo.

Uma forma dessa parceria ou

articulação se dá quando o Ministério

Público convida membros da sociedade

civil para reuniões ou seminários nos

quais se discutem questões com as quais

as entidades trabalham (por exemplo, a

eficácia de uma lei ou o funcionamento

de uma política pública), oportunidade

em que elas podem apresentar suas

análises e posicionamentos a respeito do

estado daquela questão. Em alguns casos,

tais reuniões servem até para discutir

estratégias de atuação judicial.

81

Era um diálogo constante na comissão, na

estratégia processual [...] principalmente

quando houve o trânsito em julgado

da ação, então se começou a fase de

execução e queriam saber como executar

uma ação como essa [...]. Então essa foi

uma experiência em que houve diversas

reuniões [...] com os promotores, para

dialogar e para ver qual era a melhora

estratégia. Ali foi uma experiência

dialógica realmente, nesse caso específico

pelo menos.

Mas eu há 15 dias tive uma reunião com o

Ministério Público sobre o andamento da

nossa ação [...], então nós combinamos

toda uma estratégia de como vamos

atuar daqui para os próximos meses.

Então assim, a procuradora responsável

pelo processo, o procurador estadual

responsável pelo processo, a procuradora

federal, o estadual, e a [entidade], se

sentaram para discutir quais seriam as

próximas estratégias a serem adotadas

para que a gente conseguisse de alguma

forma pressionar a justiça e o Poder

Público para cumprir a sentença, né?

Então assim, foi uma reunião institucional

de planejamento de atuação.

Outra forma bastante importante da

parceria ou articulação ocorre quando as

entidades da sociedade civil transferem

informações para embasar as ações do

Ministério Público. Em muitos casos,

as entidades de defesa de direitos

coletam os documentos e as informações

necessários para que o Ministério Público

proponha a ação, instrumentalizando a

atuação da instituição.

Em muitos casos também onde temos

atuação direta com o Ministério Público,

em que nós não entramos com ação, mas

temos uma parceria com o Ministério

Público e o Ministério Público é quem

acaba entrando com a ação com apoio de

informações que nós levamos, algumas

vezes até acertamos quando era uma

ação mais estreita, de acordo com teses

jurídicas e tudo mais.

E assim como é com o Ministério Público

também, porque quando a gente

faz, quando a [entidade] encaminha

algo para o Ministério Público a gente

não encaminha simplesmente, fala

“aconteceu isso e isso e isso...”, a gente

encaminha com documentações, a gente

disponibiliza para poder acompanhar o

procedimento administrativo, para poder

arrumar as pessoas, para tudo... enfim,

ajudando nessa averiguação dos fatos.

Nós fizemos ações civis públicas.

Regularização fundiária que o Ministério

propõe, como a gente tem um trabalho

de base no bairro, a gente acaba se

habilitando nos processos judiciais fazer

esse canal entre os moradores do bairro e

o Ministério Público e o próprio Judiciário.

As entrevistas revelaram ainda a

possibilidade de as entidades de defesa

de direitos terem algum tipo de atuação

judicial conjunta com o Ministério Público.

Tal atuação judicial, por sua vez, possui

formas diferentes. Uma delas se dá quando

a entidade é assistente de acusação em

ações nas quais o Ministério Público é o

autor da ação penal. Em geral, as entidades

que são assistentes de acusação do

Ministério Público trabalham com o tema

da violência e representam a vítima ou a

família da vítima.

Porque, no caso do outro atendimento,

nós continuamos realizando porque

somos assistentes do Ministério Público.

Então eu acho que fortalece o processo,

entendeu? A gente tem o Ministério

Público atuando, mas a gente representa

a família da vítima ao longo de todo o

processo.

Assistência de acusação, assim, nós

nunca tivemos nenhum requerimento de

assistência de acusação negado, e a gente

atua muito, de forma muito tranquila e

82

está até no tribunal do júri, que às vezes

algumas organizações têm dificuldades,

nós nunca tivemos, eu não posso nem

falar, “oh, nós tivemos”, nós não tivemos,

nunca tivemos dificuldade de o Ministério

Público criar algum problema, de ter

alguma, alguma reserva, não, e sempre

trabalhamos com muita independência,

por exemplo, no caso, em tribunais de

júri de a gente construir as nossas teses

e levar e o promotor nunca dizer “não, eu

não concordo com isso”, não, sempre tem

sido muito respeitoso, até hoje né.

Em outros casos, a atuação judicial

conjunta se dá na medida em que as

entidades solicitam a admissão como

litisconsorte ou assistente de litígio na ação

em que o Ministério Público é autor:

[...] a gente pede a nossa admissão como

litisconsorte, então, por exemplo, nas

ações do Ministério Público aqui em São

Paulo, a gente pediu nossa admissão

como litisconsorte. Agora, não são todas

as ações que a gente consegue entrar,

mas a gente monitora.

Um caso bem difícil [...] nós tivemos uma

parceria bem interessante com o MP que

abriu inquérito civil público ainda em

2006 para investigar [o caso], propôs

uma ação civil pública, nós ingressamos

nessa ação civil pública como assistentes

de litígio consorciais, tivemos um trabalho

em parceria, então essa é uma perspectiva

de atuação.

Quando o Ministério Público do Trabalho

ingressa com uma ação civil pública a

entidade ela, em seguida, já entra como

litisconsórcio, o termo jurídico em que

quer dizer justamente que a entidade vira

parte junto com o Ministério Público do

Trabalho, então ela se habilita também

na ação, faz pedidos em paralelo ao

Ministério Público do Trabalho requer

provas, traz documentos, enfim passa a

participar do litígio ao lado do Ministério

Público do Trabalho. Isso é a praxe.

Há a possibilidade também de a

entidade e o Ministério Público construírem

a ação conjuntamente, tendo sido relatadas

diferentes formas de interação:

com o Ministério Federal a gente já entrou

com ação judicial em conjunto também,

[...] e aí a gente fez em conjunto um

trabalho de levantamento da situação

dos municípios do interior, o Ministério

Público fez os pedidos de informação,

depois a gente ajudou a organizar toda

aquela informação e fazer algumas ações

judiciais [...] e aí teve recomendação do

Ministério Público Federal, e teve ação

judicial em conjunto.

Ali houve, desde o início do trabalho

até o final, uma atuação em conjunto

do escritório com os Procuradores do

Trabalho, então ali, que eu me recordo,

houve sim uma divisão do trabalho. Nós

fizemos a peça, submetemos a peça a uma

análise dos Procuradores, em especial

do presidente da entidade na época, [...]

mas os Procuradores analisaram a peça,

debateram alterações, nós fomos fazer

um trabalho em conjunto até que houve

uma versão final e essa versão final foi

ajuizada e o acompanhamento vem sendo

feito pelo escritório e pela Associação

Nacional dos Procuradores do Trabalho,

então houve na elaboração da peça, sim,

uma divisão de trabalhos: a elaboração

ficou por nossa conta, revisão e sugestões

por conta deles e na fase de tramitação,

que é a fase atual, isso vem sendo feita de

maneira conjunta.

Foi proposto tudo conjuntamente. A

gente, por exemplo, nesse caso [...] a

gente terminou no Ministério Público

Federal, e fez uma representação. E no

decorrer das reuniões com eles a gente

optou por fazer uma ação conjunta.

Então ambos contribuíram para o texto,

e também, no decorrer do processo

judicial, a gente tem tanta possibilidade

quanto eles de responder, de atuar.

83

Agora, nos níveis superiores, atuar

quando precisava de recurso em Brasília,

algumas vezes a gente foi, outras vezes

contava com eles. Ou seja, acho que era

muito paritária a relação. Agora, eles têm

mais estrutura, então às vezes quando

você está meio amarrado, não consegue

ir para uma viagem, e tal, eles têm a

Procuradoria lá em Brasília que vai fazer

o que é necessário, então para isso é

importante também.

O Ministério Público já tem anos de

existência. Então aí, a gente já fez ações

civis públicas juntos. Várias. A gente

comunica sempre os resultados das

nossas pesquisas para o Poder Público, e

para o Ministério Público, a gente manda.

Algumas viram representação. Outras não.

Outras se encerram no inquérito civil. Ou a

própria representação se encerra. Outras

viram ações judiciais deles mesmos, que

a gente não teve perna para fazer, mas

comunicou, eles entendem que precisa.

Ou eles nos procuram, “Vamos fazer

então ação judicial junto?”. [...] Então, às

vezes, até o próprio Ministério Público

toma a iniciativa de instaurar inquérito

policial, do que a gente falou, do que a

gente pesquisou, ou mesmo de uma ação

judicial que a gente ingressou, aí pede

para comunicar à delegacia e instaurar

procedimento, instaurar inquérito policial

para investigar a prática de infração [...]. É

assim, é mais ou menos assim que funciona.

Não é nada muito institucionalizada, é

mais no feeling mesmo, de... E assim,

sempre com uma posição cooperativa.

[...] E é aquela história, tem que trabalhar

junto, senão ninguém dá conta sozinho.

Nos casos em que o Ministério Público

tem obrigação legal de atuar, há também a

possibilidade da atuação judicial conjunta

com as entidades de defesa de direitos,

como, por exemplo:

No caso do deficiente é interessante,

por quê? Porque a legislação obriga

o Ministério Público a defender os

direitos coletivos do deficiente, então

toda ação coletiva o Ministério Público

é obrigado a participar, então, por

exemplo, toda ação coletiva que a gente

entrou, imediatamente o Ministério

Público passou a fazer parte dessa ação

defendendo os direitos do deficiente

junto com [a entidade]. Agora, fora essa

relação formal de entrar numa ação, a

gente tem uma relação excelente com

diversos procuradores, oficialmente com

o Ministério Público e mesmo oficialmente

com procuradores que atuam na área,

porque alguns têm áreas específicas de

atuação e alguns procuradores têm a

responsabilidade da área específica da

pessoa com deficiência. Então nós temos

uma excelente relação com o Ministério

Público.

Uma importante forma de interação

entre as entidades de defesa de direitos

e o Ministério Público é a divisão de

trabalho na atuação judicial. Assim, as

entidades entrevistadas relataram que,

em muitos casos, assumem a tarefa de

coletar informações e documentos com a

comunidade ou grupo com que trabalham,

levando tal material relevante para o

Ministério Público para que a instituição

ajuíze e dê andamento a ações judiciais.

cada um assume um papel, a gente acaba

às vezes assumindo aquele papel mais de

contato com a comunidade, de buscar

os elementos de produção das provas,

os elementos que vão fundamentar, ou

que fundamentaram aquela ação, aquele

contato diretamente com a comunidade

no decorrer do processo. Seja colhendo

provas, abaixo-assinado, documentos,

depoimentos, termos, e aí com toda essa

documentação é que a gente produz o

instrumento ou a peça jurídica necessária,

e aí se dá prosseguimento [a ação].

Na verdade assim: a nossa atuação é

uma atuação que se dá muito no campo

84

da organização, da mobilização do

grupo. Então, acontece uma divisão

de tarefas entre aspas. Também meio

natural no sentido de que a gente reúne

o grupo, a gente reúne a documentação,

a gente articula as pessoas, esclarece

os questionamentos e faz o

encaminhamento das demandas, mas

não só o encaminhamento das demandas,

mas alguma coisa já bem resolvida,

no que diz respeito à organização da

documentação, a instrução das pessoas

a respeito do que está representando

aquele encaminhamento, então isso é

muito comum. A gente atua no campo da

política e atua também na organização

das pessoas, na reunião dos documentos,

mas depois a intervenção passa a ser uma

intervenção desses órgãos que têm uma

atribuição institucional pra isso.

Mas a gente também tem essa divisão e,

geralmente, quando é com o Ministério

Público o nosso papel é muito assim,

fazer essa ponte com a comunidade,

com o grupo, de entender o que o

grupo quer e traduzir isso em propostas

e soluções jurídicas junto ao Ministério

Público, debater.

É sempre o advogado popular quem tem

uma relação mais próxima, o Defensor

não tem, o Ministério Público não tem,

porque não tem tempo, porque não quer

sair da sua sala... e essa ponte com a

comunidade geralmente é o que tem de

mais forte nessa divisão, né? Quem vai

para a reunião à noite? Quem vai fazer

arrumação e fazer a reunião? Quem vai

fortalecer a articulação? É a gente. [...]

Mas essa coisa, essa relação, quanto mais

próxima com a comunidade... a gente é

muito mais acessível, mais próximo e tem

mais identidade.

Além da forma de divisão de trabalho

citada acima, ainda há aquela na qual

a entidade leva ao Ministério Público

pesquisas que realiza e documentos que

coleta para que estes sejam usados de

subsídio nas ações judiciais, como, por

exemplo:

A gente já participou desde fazer

levantamentos de jurisprudência, fazer

levantamentos de textos que possam

auxiliar o Ministério Público [...] porque isso

faz com que a gente também se fortaleça

teoricamente, conheça determinadas

coisas, até identificando situações

parecidas que já foram discutidas em

outros estados, por outras organizações,

já foram produzidos encaminhamentos. E

é como eu digo para você, a gente nunca

teve nenhuma dificuldade com isso, né,

desde discutir, por exemplo, antes da

denúncia, de discutir com promotor,

e o promotor “o que que você acha, a

denúncia poderia ir nesse caminho”, e o

promotor concordar e aceitar, e assim, eu

acho que isso é muito muito importante...

pelo Ministério Público ser uma instituição

independente, porque ele podia muito

bem dizer “eu não quero saber e pronto”.

Então nós já tivemos desde atuação,

numa parceria completa, de fornecimento

de informação, divisão de pesquisa de

informação, partilhamento da estratégia

jurídica, inclusive compartilhamento das

próprias peças judiciais, entendeu? Até

depois na atuação judicial um trabalho

conjunto de conversar com o juiz, tudo

isso, até casos em que a gente só passa

informação, porque é um Procurador meio

desconfiado, não tem muita ligação, não

tem muita abertura, então você tem uma

relação mais formal, né? Então acho que

isso varia muito, mas, em geral, há sim uma

divisão de trabalho, ou seja, há caso em

que você simplesmente leva informação

e toca o resto, mas, muitas vezes, no

mínimo, você permanece municiando o

Ministério Público de informações para ele

fazer o trabalho judicial dele, né? É menos

comum, digamos, partilhar estratégia

judicial, peças, teses jurídicas, isso é

menos comum, embora já tenha havido,

85

mas divisão de tarefas assim, digamos,

pelo menos de esperar [da entidade] e

[a entidade] colaborar com informações,

isso é quase sempre.

Em alguns casos em que era necessário

um conhecimento específico a respeito

de certas questões, a interação se dá na

medida em que as entidades de defesa de

direitos fornecem sua expertise no tema

com o qual trabalham para o Ministério

Público. Assim, o MP busca as entidades

para que elas forneçam pareceres e

conhecimento técnico, tendo a ideia de que

elas podem emitir opiniões qualificadas a

respeito daquele assunto. Em outros casos,

membros dessas entidades são chamados

para falar dos temas a respeito dos quais

elas são especialistas em seminários

que o Ministério Público promove. O

Ministério Público também utiliza dados e

informações produzidos pelas entidades

em sua argumentação judicial, assim como

solicita que elas realizem pesquisas.

As entidades de defesa de direitos

com certa frequência afirmam participar

de audiências públicas promovidas pelo

Ministério Público para discutir temas mais

amplos com os quais ambos trabalham.

Em muitos casos, é o próprio Ministério

Público que faz o convite para que tais

entidades da sociedade civil participem

das audiências, com o intuito de ter uma

melhor compreensão do que se passa na

sociedade em torno de uma questão, para

ouvir a opinião da sociedade civil e mesmo

para esclarecer fatos ocorridos. Em alguns

casos, as entidades da sociedade civil

colaboram, inclusive, com a organização

de tais audiências. Várias das entidades

entrevistadas afirmaram também participar

de eventos, seminários, encontros etc.

promovidos pelo Ministério Público, assim

como o Ministério Público eventualmente

participa de eventos organizados por elas.

Há algumas entidades que possuem

convênios com o Ministério Público para

situações diferentes, como, por exemplo,

um convênio para o encaminhamento

rápido de casos para a instituição ou um

convênio de cooperação técnica.

Com o MP a gente tem um convênio

de via rápida, a gente receber algumas

denúncias e encaminha para a área de

direitos humanos do Ministério Público

[...] para eles encaminharem direto para

o promotor que é responsável por aquele,

por aquela área ou tema, enfim, é, para

encaminhar esses casos de denúncias.

Nós temos um convênio direto com o

Ministério Público aqui [na cidade], esse

convênio [existe] eu acho que tem desde

2008 ou pouco antes, esse convênio é de

cooperação técnica entre as instituições.

Então a gente já desenvolveu pesquisas

utilizando dados do Ministério Público,

como também já atuou em casos

específicos para o Ministério Público

como consultoria, como parecer [...].

Então a gente tem uma atuação bastante

parceira com Ministério Público, não

só [Estadual] como também com o

Ministério Público Federal.

Algumas das entidades entrevistadas

também afirmaram participar de discussões

a respeito da reforma institucional do

Ministério Público, nas quais é debatido,

por exemplo, o modelo de ouvidoria da

instituição. Algumas entidades trabalham

para a criação e/ou fortalecimento de

certos núcleos ou varas temáticas.

Das formas de interação citadas

acima, pode-se depreender que, mesmo

que indiretamente, as entidades da

sociedade civil buscam influenciar a

agenda temática do Ministério Público por

meio, por exemplo, de encaminhamento

de casos, denúncias e representações.

Algumas das entidades entrevistadas

fazem de forma mais direta este trabalho de

86

influenciar a agenda de casos do Ministério

Público. Esta tentativa de influência - de

sensibilizar pessoalmente promotores e

procuradores para certas questões - se

dá de várias formas, como, por exemplo, a

participação em grupos temáticos, debates

e articulações com a sociedade civil e com

outros órgãos do Estado.

E participamos desses grupos de trabalho,

então existe, é um grupo do, acho que,

isso se não me engano tem no Ministério

Público estadual também, eles têm alguns

grupos temáticos. Então, a nossa ideia é

trabalhar juntos esses grupo temáticos,

participando de reuniões, [...], porque

estão lá não só tentando influenciar

novos casos, mas como a maneira como

eles defendem alguns casos. Tenta usar,

fazer com que eles usem mais padrões

internacionais, por exemplo, é também

uma das ideias, mas é uma coisa recente

[...].

As organizações da sociedade civil foram

convocadas, foi feita uma consulta, esse

processo também teve consulta com

a comunidade acadêmica, com alguns

órgãos públicos, enfim, de tentar coletar

algumas informações para conseguir

criar um plano de ação dentro do

Ministério Público, então isso está em

construção ainda, mas é um avanço, se

a gente pensar que isso pode ser tirado

do papel [...]. Existi ali uma intenção,

existe ali uma carta de intenção, como é

o Plano Nacional de Direitos Humanos,

enfim, mas você não, você não consegue

realizar aquilo né, então, para além da

carta de intenções tem que ter ali mesmo

uma forma de executar isso.

É então aí fica o desafio assim, por exemplo,

isso é um desafio para [a entidade],

porque se você deixa isso no âmbito só

do Ministério Público, só da Defensoria, ou

das comunidades, daí se você não articula

com outras organizações da sociedade

civil que atuam para isso, que tem no

seu escopo, no seu objetivo isso, não vai

para frente, porque aí vai virar outra carta

de princípios, você tira lá na audiência

pública uma série de recomendações, de

encaminhamentos que não saem do papel,

a organização ela pode fazer isso, retomar,

continuar provocando o Ministério

Público, mandando, por exemplo, isso

para a Prefeitura, comunicando isso

no processo, isso é uma forma de você

conseguir amarrar né, para além do

Judiciário, porque só no Judiciário não

resolve, eu acho que [a entidade] já tem

isso muito claro, por isso o fortalecimento

de comunidades não tem, se fica só no

âmbito do Judiciário você não consegue.

Procura influenciar agenda de temas, sim.

Aquele diálogo que eu te falei, de propor

um debate, por exemplo, uma solução de

um assunto que possa estar chamando

atenção, [...], então nós procuramos

influenciar sim, fazendo cartas, fazendo

reuniões, com grupos, tanto do Ministério

Público, Defensoria, Governo Federal,

para que não tivesse uma postura na

época, o governo postura restritiva,

mas que não houvesse aquela postura

e houvesse sim uma acolhida ampla de

defesa dos direitos.

Então assim, pra isso tem um conjunto

de estratégias de articulação que passam

tanto pela promoção de ações jurídicas

coletivas e ou exemplares, não muito

grande, mas ações que permitem a gente

incidir com essa perspectiva de levar essa

discussão para o sistema de justiça, a

provocação aos órgãos da Defensoria, do

Ministério Público, para que também eles

incorporem essa agenda.

E no Ministério Público a gente sempre

esteve muito próximo a, ao promotor,

agora é a promotora do centro de apoio

às promotorias e provocando também no

sentido de uma atuação forte deles, da

promotoria sobretudo.

A gente participa desses seminários que eu

87

te disse né, levantando as problemáticas

que a gente acha mais importantes [...]

Sempre saem recomendações de atuação

e a gente contribui na elaboração dessas

recomendações, e é muito a partir do que

a gente está atuando, do que a gente

está vendo como problemas e aí a gente

tenta pautar para que eles... pra que eles

abracem.

Finalmente, uma forma de interação

bastante citada nas entrevistas, e que

também se pode depreender do exposto

acima, é a mediação feita pelas entidades

de defesa de direitos entre as comunidades

e grupos com os quais elas trabalham e o

Ministério Público. Alguns entrevistados

apontaram que o Ministério Público, em

muitos casos, não conhece as demandas

vindas dos grupos com os quais as

entidades trabalham. Nesses casos, as

entidades teriam o papel de fazer a conexão

entre esses grupos e o Ministério Público.

Os entrevistados também fizeram críticas

a este distanciamento entre a instituição e

os grupos e as comunidades que têm seus

direitos violados.

Eu acho que seria assim, até uma

qualificação, das próprias pessoas, com

relação àquilo que diz respeito aos

direitos humanos, para deixar os órgãos

mais flexíveis em relação a isso. Os órgãos

acabam sendo muito institucionalizados

e legalistas e acabam não chegando na

comunidade, a comunidade não tem uma

porta de acesso, com a comunidade e

entre esses órgãos. Então a comunidade

acaba chegando mais a nós por conta

disso, porque nós temos essa aproximação

que as instituições não têm, e eu acho que

isso é o que faltaria, seria esse diálogo

à comunidade, que absolutamente não

existe aqui.

E aí sempre fazendo essa articulação com

o sistema de garantia de direito e com,

tanto com os promotores quanto com

os defensores, e também aproximando

e fazendo um elo com a comunidade,

porque muitos deles nunca tinham

vindo até a comunidade, então fazendo

reuniões aqui, indo com eles até a favela,

caminhando até a favela, trazendo para

poder ouvir o que o povo estava dizendo.

Na verdade, essas entidades eu acho que

são a primeira porta de acesso à justiça

que muitas das populações que são

excluídas e marginalizadas do processo

de desenvolvimento e do processo de

inclusão em direitos e de efetividade em

direitos e políticas públicas têm. [...] essas

entidades são a primeira porta que as

pessoas batem para reivindicar direitos.

E eu acho que estar nessa primeira porta

é fundamental para que as outras portas

que virão mais à frente possam ser abertas,

como Defensoria, Ministério Público,

para que essas pessoas possam ter seus

direitos garantidos. Dar esse primeiro...

uma palavra que me vem à cabeça agora,

mas talvez não seja interessante utilizar,

esse primeiro atendimento, entre aspas,

essa primeira conversa, esse primeiro

diálogo, é muito importante para essas

pessoas que são diariamente vítimas de

violações psicológicas, físicas, possam ser

recepcionadas e terem, serem atendidas,

entre aspas novamente, de forma que

possam estar fortalecidas mais para a

frente para lutar pelas garantias dos seus

direitos e em outros órgãos ou instituições

como a Defensoria, o Ministério Público e

o Poder Judiciário.

Exato. O pessoal vem pra cá e procura

saber aqui porque às vezes, e é natural

que às vezes aconteça isso ainda e

infelizmente, há um distanciamento

claro da população com relação aos

órgãos públicos, mas quando a gente

trabalha no contexto da sociedade civil

e numa vinculação com as relações de

base [a entidade] acaba se tornando

essa referência especial na área jurídica.

Ainda que a gente não se coloque mais

88

efetivamente como assessoria jurídica às

organizações populares, mas o viés de

gabinete de assessoria jurídica ainda é

muito presente e, sento muito presente as

pessoas às vezes terminam muito vindo

aqui e, daqui, a gente favorece os devidos

encaminhamentos, as devidas referências

à Defensoria Pública Estadual, da União,

do Ministério Público Estadual.

Apontadas essas formas de interação

entre as entidades de defesa de direitos

e o Ministério Público captadas pelas

entrevistas, passamos agora para o

próximo item que se refere às avaliações

e percepções dos entrevistados sobre o

Ministério Público.

5.2 PERCEPÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO

PÚBLICO

Como afirmado no início deste

capítulo, não só a relação, mas a percepção

e a avaliação das entidades a respeito do

Ministério Público são ambíguas.

Alguns dos entrevistados apontaram

para o “caráter elitista” dos concursos para

ingresso tanto no Ministério Público quanto

na Defensoria Pública. Isso porque, para ser

aprovado em tais concursos, o candidato,

em geral, teria de passar por uma série de

cursos pagos (colégio, faculdade, curso

preparatório), o que tornaria a aprovação

no concurso algo para pessoas com

uma condição financeira mais elevada.

O conteúdo das provas também seria

elitista na medida em que não cobraria dos

candidatos conhecimento sobre direitos

humanos ou direitos coletivos.

Muitos entrevistados têm uma

percepção de que a carreira de promotor e

procurador, apesar de sua clara importância,

possui uma série de engessamentos e

protocolos em comparação com a profissão

de advogado. Para tais entrevistados,

o Ministério Público teria, portanto, a

característica de ser uma instituição

burocratizada que dá menos autonomia e

independência para seus membros do que

a advocacia.

Outra percepção do Ministério

Público é a de que a instituição, em alguns

casos, atua de forma isolada da sociedade

civil, não tem uma grande interlocução

com ela, está “encastelada”. Assim, foi

mencionado em algumas das entrevistas

que o Ministério Público tem uma cultura

de atuar “sozinho”. Algumas entidades

apontaram a necessidade de haver um

diálogo mais próximo do Ministério Público

com os movimentos sociais, comunidades

e grupos que compõem o “público” com

o qual essas entidades trabalham, de a

instituição estar mais aberta e sensível

para suas demandas. Outros entrevistados

relatam uma mudança mais recente do

Ministério Público em alguns Estados, na

medida em que este está procurando se

aproximar mais da sociedade, realizando

audiências públicas para ouvir demandas

ou mesmo para apresentar suas diretrizes

de atuação. Isso se deve, em partes, pela

própria pressão da sociedade civil que

atua de forma próxima a esta instituição,

por exemplo, por meio das denúncias

e representações encaminhadas para

o Ministério Público. No entanto, há

outro grupo de entrevistados que vê no

Ministério Público uma atuação bastante

próxima da sociedade civil, havendo a

possibilidade de se realizar um trabalho

articulado e com uma interação mais

profunda com as entidades.

Como afirmado no item anterior,

muitos dos entrevistados apontaram

para uma postura bastante conservadora,

criminalizadora e repressiva de alguns

promotores e procuradores em sua atuação.

Outros, porém, afirmam que há promotores

89

bastante progressistas e combativos, que

são verdadeiros parceiros das entidades de

defesa de direitos entrevistadas.

Apresentadas essas linhas gerais das

percepções dos entrevistados a respeito do

Ministério Público, passaremos a apontar

alguns elementos do desenho institucional

da instituição que foram apontados

nas entrevistas como facilitadores ou

bloqueadores da interação.

5.3 DESENHO INSTITUCIONAL

De acordo com as entidades

entrevistadas, os canais de interação mais

frequentes com o Ministério Público são

os núcleos e câmaras especializados e

contatos individuais com procuradores e

promotores com afinidade com a sociedade

civil. Isso significa dizer que a existência de

núcleos e câmaras especializados em certas

temáticas facilita a interação da instituição

com a sociedade civil. Contudo, muitos

dos entrevistados também apontaram que

a interação do Ministério Público com as

entidades da sociedade civil é bastante

dependente da pessoa do próprio promotor

ou procurador. Isso quer dizer que, em

muitos casos, a qualidade da relação entre a

entidade e o Ministério Público depende do

perfil do promotor ou procurador. Ou seja,

o posicionamento político desses membros

do MP em relação a certo tema determina o

grau de parceria (ou mesmo a ausência dela)

entre as entidades e o Ministério Público.

Os entrevistados apontaram que, embora

haja canais institucionais por meio dos

quais a relação se dá, ainda assim a relação

pessoal com o promotor ou procurador é

bastante relevante para determinação de

sua qualidade.

Outra questão bastante apontada

pelos entrevistados é a necessidade de

haver órgãos externos de controle da

instituição, tais como ouvidorias externas

independentes. Outro canal de interação

importante apontado nas entrevistas são

as audiências públicas realizadas pelo

Ministério Público como forma de diálogo

com a sociedade civil, como canal para

“ouvir” suas demandas ou mesmo ter

melhores conhecimentos de questões

e problemas que estão ocorrendo na

sociedade.

A independência funcional dos

membros do Ministério Público, apesar

de ser considerada característica de

desenho institucional fundamental, é

vista em muitos casos como excessiva e

prejudicial à definição de uma estratégia

de atuação comum à instituição. Esta

característica pode gerar fragmentação e

descontinuidade na atuação de promotores

e procuradores. Um caso bastante citado

se dá quando o procurador ou promotor

por algum motivo é promovido ou muda

de cargo e o membro do MP que o substitui

não dá continuidade à atuação do anterior,

rompendo, muitas vezes, com anos de

construção da relação da instituição com

a sociedade civil naquele tema.

Finalmente, apesar de esse

apontamento ser muito mais frequente

no que diz respeito à Defensoria Pública,

muitos dos entrevistados apontam para a

necessidade de uma ampliação do número

de promotores e procuradores e da

estrutura do próprio Ministério Público.

91

A relação das entidades de defesa

de direitos entrevistadas com a Defensoria

Pública guarda muitas semelhanças com

a relação com o Ministério Público. A

maior parte das formas de interação das

entidades da sociedade civil com o MP

também vale para a Defensoria Pública,

com algumas diferenças. Assim, tal relação

será apresentada de forma similar à que

foi apresentada a relação com o Ministério

Público: os principais padrões de interação

entre as entidades da sociedade civil

entrevistadas e a Defensoria Pública (6.1),

as avaliações e percepções que estas

entidades têm da instituição (6.2) e os

pontos de seu desenho institucional que

dificultam ou facilitam a relação com as

entidades da sociedade civil (6.3).

6.1 FORMAS DE INTERAÇÃO

Uma primeira característica da

relação das entidades de defesa de direitos

entrevistadas com a Defensoria Pública

é de que ela não apresenta situações de

antagonismo mais explícito como ocorre

com o Ministério Público. Assim, a avaliação

mais geral dos entrevistados a respeito de

tal interação é positiva, apontada como uma

relação de parceria e complementariedade.

Os aspectos negativos da interação seriam

justamente uma “ausência” de relação,

seja porque a Defensoria ainda não foi

formada naquele estado da federação, seja

porque a defensoria tem uma estrutura

frágil e deficitária. Da mesma maneira

como foi apontado no caso da relação

com o Ministério Público, a interação entre

as entidades entrevistadas e a Defensoria

Pública se altera de estado para estado,

assim como é diferente quando se dá com

a Defensoria Pública Estadual e quando se

dá com a Defensoria Pública da União.

A interação de parceria ou

complementariedade, apontada com

bastante frequência pelos entrevistados,

entre as entidades de defesa de direitos

e a Defensoria Pública se dá de várias

formas. Uma forma de interação bastante

citada neste âmbito é o encaminhamento

de casos das entidades de defesa de

direitos para a Defensoria Pública. Assim

como ocorre na relação com o Ministério

Público, em muitas das vezes as entidades

entrevistadas afirmaram que fazem

o encaminhamento dos casos para a

Defensoria Pública ou porque só fazem o

trabalho de orientação jurídica, ou porque

não têm estrutura (técnica, financeira,

física), ou ainda porque o caso foge da

temática com a qual a entidade trabalha, ou

porque só levavam para o Poder Judiciário

casos paradigmáticos e não realizam

atendimento individual. Há entidades que

afirmaram que é dever do Estado e da

Defensoria Pública fazer o atendimento

individual de casos, promover o acesso

à justiça, e, por esse motivo, acabam se

dedicando a outros tipos de atividades,

como, por exemplo, a realização de litígio

apenas em casos exemplares.

Defensoria Pública: a Defensoria Pública aí

sim, a gente participou do movimento de

criação, uma vez criada a gente sempre

compartilhou casos com a Defensoria,

mas casos que já estavam lá ou casos

6 - INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA

92

que a gente achava que teriam de ser

judicializados e a pessoa não tem como

pagar advogado e a gente orienta a

Defensoria, por quê? Por que a gente não

quer pegar processo? Porque a gente

acredita que acesso à justiça é um direito

que tem que ser garantido também por

mais um serviço estatal. Não à toa a gente

lutou pela criação.

Nós tínhamos a princípio um trabalho de

atendimento de população carente, ou

de pessoas que tinham seus direitos [...]

discriminados. Só que nós entendemos que

isso daí cabe muito mais para o Estado,

cabe pra defensoria, por questões que

acabam pautando com um trabalho de

assistencialismo. Embora ele seja importante,

porque temos ali um grupo de especialistas,

pessoas voltadas; ele não é a questão mais

relevante. A gente continua, mas não é a

questão mais relevante. A gente sempre

encaminha, a gente faz atendimentos de

orientações, um grande número deles pela

internet [...]. Encaminhamos muita gente

para a Defensoria.

[Encaminhamos para] a Defensoria quando

nos chega um caso que não está no escopo

da atuação de uma, vamos dizer, uma

violação de direitos humanos no campo

da nossa intervenção. Ex.: Alguém bate

na nossa porta pedindo uma informação

sobre um inventário que ele tem direito e

não está sendo atendido. Então a gente faz

o atendimento porque a instituição, ela é

pública, ela tem que fazer o atendimento

jurídico... dá consultoria, o esclarecimento,

e faz o encaminhamento pra Defensoria

Pública. Não tem a nossa intervenção

propriamente dita.

Na parte de assessoria, a gente passa,

a gente tenta encaminhar alguns casos

que chegam pra gente, que não estão

muito na nossa esfera ou que a gente não

tem condição de acompanhar naquele

momento, a gente busca dialogar com a

Defensoria.

Não, a gente nunca entrou com ações, a

gente sempre orientou, na hora de entrar

com ações, dependendo do caso, a gente

manda procurar a Defensoria Pública ou o

Ministério Público, estadual ou federal.

À Defensoria Pública a gente encaminha

casos quando não é possível [...] atender

[...] a gente encaminha casos para a

Defensoria Pública.

[...] nós temos aqui como princípio que,

como a gente só vai atender as questões

coletivas, as pessoas que nos procuram,

nós encaminhamos. [...] E atualmente

trabalhamos muito com a Defensoria

Pública, mas encaminhando as pessoas

que veem individualmente até nós, e como

nós não atendemos, nós encaminhamos à

Defensoria Pública.

[A entidade] lida atualmente, por exemplo,

nós só judicializamos questões que digam

respeito ao [temas específicos com os

quais a entidade trabalha]. Algumas ações

que são essenciais pras vidas daquelas

pessoas. Boa parte do nosso trabalho é

de encaminhamento e orientação e esse

encaminhamento é feito especialmente

para a Defensoria Pública da União.

Outra forma de interação entre a

Defensoria Pública e as entidades de defesa

de direitos são os convênios firmados

entre elas. Em geral, em tais convênios, a

Defensoria Pública ou designa defensores

para trabalhar dentro da entidade ou

repassa a verba para que advogados e

estagiários sejam contratados. A Defensoria

também pode encaminhar casos individuais

ou coletivos para que tais defensores ou

advogados ajuízem ações.

Hoje a demanda é muito grande então

a Defensoria estabelece convênios com

algumas organizações. É um filtro muito

bem-feito, eles procuram saber qual a

contrapartida que a gente dá, a gente pode

dar, a nossa contrapartida é um espaço físico,

é a nossa história, nós temos computadores,

93

temos toda uma logística de atendimento,

e, e uma parceira muito grande com os

defensores nas lutas do cotidiano.

[...] a Defensoria Pública como ela atua

na forma da assistência judiciária, que é

garantir a defesa e a própria judicialização

de algumas questões... a Defensoria

Pública ainda atua com uma estrutura

muito limitada frente a toda demanda

que existe de população de baixa renda

e que precisa de alguma forma acessar

o Judiciário. Então a Defensoria Pública

realiza convênios com entidades sem

fins lucrativos, como organizações civis

[...] então [essas entidades] atua[m]

como se fosse um anexo. [É] uma relação

de parceria, existe uma confiança no

desempenho, porque existe uma trajetória

de atuação nessa proposta, com assessoria

jurídica, mas também é como um anexo,

uma estrutura, caso de uma Defensoria, do

que precisa numa Defensoria, a quantidade

de advogados que atuam nisso, então o

convênio daqui, por exemplo, é específico

para uma questão [...]. [E]ntão o que chega

na Defensoria passa por uma triagem, e

se estiver dentro dos critérios que são

estabelecidos por esse convênio, por

exemplo de área, matéria que está sendo

discutida, pode ser distribuída para cá e aqui

é tocada toda a parte de acompanhamento

do processo normalmente, né, então essa é

a forma como a Defensoria atua.

De a gente passar casos pra eles

[Defensoria Pública] ou, inclusive a gente

fazer, com o suporte deles assistência para

adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa nas comarcas em que não

haja defensor. E que não são poucas aqui

[no estado].

Eles trabalham aqui. Os cinco trabalham

aqui. Eles são conveniados com a

Defensoria, pelo convênio. São contratados

pela [entidade], mas a remuneração,

não são funcionários [da entidade], são

contratados pelo convênio.

Algumas das entidades entrevistadas

participaram da luta pela criação das

Defensorias Públicas nos seus estados.

Isso, em muitos casos, significa que tais

entidades têm uma relação de parceria

mais aprofundada com as Defensorias

Públicas que ajudaram a criar, e atualmente

trabalham para que a instituição seja

fortalecida e mais bem estruturada,

ampliando, assim, o acesso à justiça.

Nós nos empenhamos aqui no movimento

pela criação da defensoria pública [...].

Nossa avaliação é uma das melhores do

ponto de vista da atuação dos defensores.

É uma das instituições do Estado que tem

demonstrado um compromisso com as

causas sociais e de maneira geral nós somos

muito favoráveis à criação da defensoria

e à ampliação do número de defensores.

Tanto do Estado e dentro das instituições

do Estado, é uma das instituições que

mais tem participado junto e defendido o

interesse do povo como um todo. Então

somos muito favoráveis à Defensoria

Pública. O ideal seria se todos os Estados

tivessem Defensorias Públicas autônomas

e uma Defensoria da União também. [...]

Mas a Defensoria é nossa grande parceira

nas grandes lutas.

A Defensoria Pública foi uma discussão

dos movimentos sociais, o movimento

social desenhou a Defensoria Pública,

lutamos juntos, corremos para que ela

aconteça, ocorra. Hoje a luta é para que

aumente o número de Defensores, que

o número é pequeno e sobrecarrega a

Defensoria Pública.

Da criação, da luta pela criação da

Defensoria, foi uma das lutas institucionais

que de certa maneira passou a ser a nossa.

A nossa ideia é que é o Estado que tem

que prover essas coisas. Então, tipo,

existe uma Constituição que estabelece

direitos do cidadão e o Estado tem que

fazer isso. Em suma, a [entidade] trabalha

justamente nesse sentido, de entender que

94

o Estado tem que remover os obstáculos

que impedem à igualdade e isso se faz

através da participação, da mobilização

das pessoas em torno disso. Então

fundamentalmente é essa a nossa prática.

É que a gente teve uma proximidade, uma

identidade com a Defensoria Pública, então,

[a entidade] fez parte do movimento pela

criação da Defensoria Pública, participou

ativamente desse movimento [...]. Então

[a entidade] luta pelo fortalecimento da

Defensoria Pública, essa é uma das nossas

maiores lutas, a gente está dentro disso,

isso é uma missão pra gente, extremamente

importante e estratégica porque a gente

entende que, pra você democratizar acesso

à justiça e pra você ter uma defesa de

qualidade, você precisa de uma Defensoria

Pública fortalecida, né? Esse é um trabalho

importante pra gente.

As entidades entrevistadas também

relataram participar ativamente de

audiências públicas e eventos promovidos

pela Defensoria, formações realizadas pelos

defensores públicos para os movimentos

sociais, comunidades e grupos com os

quais a entidade atua, ou até mesmo

formação promovida pelas entidades para

os defensores em temas nos quais elas são

especializadas.

De qualquer maneira, nós temos trabalhado

em parceria com a Defensoria Pública

em algumas demandas em especial

também na formação de Defensores, em

especial na DPU, na Defensoria Pública

da União, na área de direitos humanos. A

Defensoria Pública da União nos procurou

informando [...] a dificuldade de muitos

Defensores de ainda compreenderem

um pouco mais a atuação nos direitos

humanos e, principalmente, terem a

possibilidade, enquanto Defensoria, de

encaminhar à esfera internacional, em

especial, ao Sistema Interamericano e

à ONU determinadas violações, porque

isso também faz parte das possibilidades

e competências previstas à Defensoria

Pública e, nesse sentido, nós temos cada

vez mais afinado no nosso discurso de

parceria e estamos nas últimas fases de

organização do termo de parceria para

realização dessa formação.

Eu sei que a Defensoria também tem

algumas, não são conferências, mas eles

fazem uma espécie de consulta assim

para fazer um planejamento interno, então

eventualmente a gente poderia ter também

esse tipo de relação.

Isso foi muito bom, porque fortaleceu,

propiciou formar um fórum [do

movimento social] porque nessa

formação [a entidade] acabou sendo

uma referência de articulação. O defensor

público esteve conosco agora no final do

ano, em dezembro, e se comprometeu

mensalmente a fazer uma reunião junto à

Defensoria para dar encaminhamento para

a luta. A luta, quando a gente fala é de a

organização coletiva buscar caminhos.

Em muitos casos, as entidades

relataram em suas entrevistas que há uma

complementariedade entre o trabalho que

elas realizam e que a Defensoria Pública

realiza. Essa complementariedade, além

dos casos já mencionados, pode se dar

por meio da atuação judicial conjunta ou

da divisão de trabalho de preparação para

a proposição de ações judiciais ou durante

o processamento dessas. A entidade pode

ainda colaborar com o trabalho da Defensoria

Pública, assim como ocorre com o Ministério

Público, fornecendo conhecimento técnico

ou especializado que ela possua.

Com a Defensoria ainda não. Defensoria

Pública em São Paulo é muito nova. Então,

não deu tempo ainda, para desenvolver [...]

A gente tem momentos de cooperação,

de conteúdo mesmo. Como a Defensoria

Pública é nova [...], tem coisas que a gente

já fez, de ação civil pública, que eles não

tiveram a oportunidade ainda de fazer,

95

porque eles não existiam. Então eles

pedem, “Ah, passa pra mim a sua ação...”,

“Em que pé que está o seu processo

tal?”, claro, a gente passa. Então, é esse

tipo de colaboração, normalmente com a

Defensoria Pública.

Então a gente teve que deixar de ajuizar

essas ações pra realizar os pareceres, então

nós trocamos pelos pareceres como uma

forma de a gente prestar essa assessoria e a

gente encaminha para a Defensoria Pública

para que eles ajuízem essa ação. Mas

hoje, principalmente o núcleo de direitos

humanos aqui da Defensoria Pública do

Estado, é uma grande parceira, eles têm

nos solicitado esses pareceres para instruir

os processos deles, principalmente as

ações civis públicas.

Defensoria é a grande parceira. Porque

constitucionalmente é o órgão responsável

pela assessoria jurídica integral e gratuita

dos hipossuficientes. A atribuição

constitucional é deles. A universidade faz

isso como um apoio, dentro da prática

jurídica, mas faz todo sentido a gente ter

um convênio com eles. E aí a ideia, não é

que a gente substitua o trabalho deles.

[...] e muitos casos com Defensoria

Pública, que a Defensoria entra com ação

e a gente acompanha extrajudicialmente,

ou ao contrário, a gente está com ação e

a Defensoria entra judicialmente, enfim...

diariamente qualquer encaminhamento

de denúncia, órgão de denúncia e

requerimentos, vamos dizer assim, com

poder executivo, principalmente formação

de esclarecimentos, de providências, e

também para os órgãos de defesa.

[...] são processos que a gente acompanha

e são processos da Defensoria, mas que

a gente acompanha junto, discute junto

estratégia, enfim, faz acompanhamento do

caso de uma forma mais ampla.

A Defensoria desde o início tem sido um

parceiro também bastante, até mais do

que o Ministério Público [...], no caso da

Defensoria [...] desde o início da criação

sempre houve por parte da Defensoria,

de Defensores especificamente, uma

procura pela [entidade] para apoiá-los e

fazer um trabalho conjunto nas agendas,

nas pautas [do tema que entidade

trabalha] que eles recebiam.

A ideia é de complementar o trabalho, trazer

uma lógica um pouco diferente, agregar

conhecimento de outras áreas. Então a

gente tem um trabalho interdisciplinar.

Alguns casos a gente trabalha mesmo

em conjunto, em parceria com eles pra

agregar dados, agregar questões. [No

caso concreto], por exemplo, eles atuam

junto com a gente. As ações judiciais é [a

entidade] que cuida, mas várias vezes a

gente deu: oficia você porque a resposta

da Defensoria vem mais rápido do que pra

gente, eles têm poder de requisição ou uma

inserção maior na mídia, ou conseguem

uma agenda mais fácil. E o inverso também.

Às vezes eles [Defensoria Pública] estão

com uma ação judicial e precisam de um

trabalho social. A gente tem todo um grupo

de assistentes sociais, psicólogos. Tem

casos que a gente trabalha juntos mesmo.

Algumas das entidades falam ainda

em uma articulação política e jurídica

entre elas, a Defensoria Pública e, em

alguns casos os grupos, comunidades ou

movimentos sociais que elas representam.

Os entrevistados relataram que em muitos

casos a Defensoria Pública tem mais

facilidade de comunicação com o Poder

Executivo e outros órgãos do Estado.

[Com a] Defensoria a gente tem uma

relação muito boa nesse sentido, buscamos

sempre reunir, sempre levar alguns casos,

porque tem algumas questões que a

gente entende que são necessárias de ter

uma atuação da Defensoria diferenciada.

Então a questão [do grupo com o qual

eles atuam], por exemplo, é uma questão

que a gente já fez algumas reuniões com a

Defensoria para pensar a incidência mesmo

96

dos Defensores nessas demandas, com

uma preocupação de entender o contexto

mesmo, que é contexto do movimento

coletivo, que do tipo de repressão que é

feito, então a gente tem encaminhado

algumas questões para a Defensoria.

Olha, geralmente, quando é um caso

emblemático assim né, que são os casos

em que atua em conjunto, nos casos

coletivos, [...] na hora de propor, ou de

fazer a articulação é que é feita uma

reunião Defensoria Pública e [a entidade]

e às vezes os movimentos também

participam dessas, dessas reuniões, que

é para pensar como é que vai ser a ação,

aí tem um momento onde é discutido, dali

tira a decisão de como é que vai ser feito,

o que vai fazer, o que cada um vai fazer,

e aí não existe assim, ah geralmente essa

tarefa fica pra tal e essa fica pra tal, é assim:

a situação, às vezes você tem... o defensor

que está responsável tem uma relação mais

próxima com determinado, determinada

pessoa que pode ajudar, articular dentro

da prefeitura, enfim, alguma coisa assim, e

aí isso é feito dessa forma, “olha tenho tal

contato, tenho tal contato”, e aí é o que é

mais rápido nesse tipo de situação.

[A entidade não atua] conjuntamente

escrevendo, assinando, peticionando, mas

conseguimos fazer uma articulação com o

trabalho se eles entram com alguma coisa e

precisam de algum tipo de apoio a gente faz.

A gente chegou a ter reuniões para tratar

de alguns casos, mas não judicial, mas na

questão [do grupo com o qual a entidade

trabalha] a gente chegou a ter intervenção

conjunta nesse sentido, de a gente puxar

reuniões com [tal grupo], com a Defensoria.

Mas a atuação de frente, quem apareceu

atuando foi nesse caso, [foi] a Defensoria,

que foi com pedido de informação para

o Executivo. Porque esses órgãos, em

algumas questões, eles têm mais potencial

de obter determinadas informações. [...]

Mas a gente meio que tenta fazer isso. Agir

em algumas situações em conjunto.

Como se pode depreender dos padrões

de interação anteriormente expostos,

assim como os exemplos ilustrativos das

entrevistas que foram dados, da mesma

forma como ocorre na relação com o

Ministério Público, as entidades de defesa

de direitos têm o importante papel de fazer

a mediação entre os grupos, comunidades

e movimentos sociais com os quais

trabalham e a Defensoria Pública. Assim,

a capilaridade de atuação das entidades

entrevistadas permite a identificação de

violações de direitos no contexto social no

qual elas trabalham e a comunicação e o

encaminhamento dessas violações para a

Defensoria Pública como uma das possíveis

formas de buscar soluções. Tais entidades

atuam de modo mais amplo e politizado do

que a Defensoria, articulando a mobilização

social, não só do ponto de vista dos próprios

atores da sociedade civil, mas também em

relação à própria instituição.

Apresentados os principais padrões

de interação das entidades de defesa

de direitos entrevistadas e a Defensoria

Pública, passaremos agora para as

percepções gerais de tais entidades sobre

a instituição.

6.2 PERCEPÇÕES SOBRE A DEFENSORIA

PÚBLICA

Também em relação às percepções

das entidades de defesa de direitos quanto

à instituição, há pontos em comum entre a

Defensoria Pública e o Ministério Público.

Alguns dos entrevistados fizeram

críticas a respeito da grade curricular das

faculdades de direito no sentido de que

estas poderiam ser mais voltadas para a

compreensão da realidade e para uma

atuação mais conectada com o social, assim

como apontaram que grande parte dos alunos

97

nesses cursos pertence a uma elite social e

econômica. Segundo esses entrevistados,

tais fatores teriam um reflexo nas pessoas

que passam nos concursos públicos e que

ocupam cargos na Defensoria Pública e

também no Ministério Público, assim como

na própria instituição. Como consequência,

os membros dessas instituições tenderiam

a ter um grande distanciamento dos

problemas sociais que existem no Brasil, o

que geraria uma visão preconceituosa e

conservadora a respeito dos grupos com

os quais as entidades em geral trabalham.

Os entrevistados também apontaram, assim

como ocorre com o Ministério Público, a

necessidade de uma formação em direitos

humanos para os defensores públicos.

Os entrevistados assinalaram o fato

de que os defensores públicos, assim como

promotores e procuradores, possuem

uma certa limitação em sua atuação, seja

porque estão subordinados em alguma

medida ao Estado, seja porque a própria

burocracia da instituição os restringe, o

que diminui sua capacidade de atuação.

Alguns entrevistados afirmaram ter havido

intervenções políticas no trabalho da

Defensoria Pública por parte do governo

do estado, assim como realocação de

defensores públicos para outras localidades

e dissolução de núcleos temáticos.

Algumas das entidades que possuem

convênio com a Defensoria Pública fizeram

a crítica de que há uma excessiva pressão

da instituição para que se cumpra metas

de atendimento, o que pode acabar por

descaracterizar o próprio escopo de

atuação da entidade de defesa de direitos.

Outra questão apontada é que,

atualmente, como consequência de uma

melhoria nos salários e na estrutura da

carreira, muitas pessoas estão sendo

atraídas para a Defensoria Pública,

mesmo sem ter um interesse específico

em trabalhar na instituição. Assim, há a

percepção por parte dos entrevistados de

que há uma nova geração de Defensores

que é “menos vocacionada” ao trabalho e

mais “corporativista” e, portanto, menos

aberta à interação com a sociedade civil.

Apesar dessas percepções em

alguma medida negativas, os entrevistados

acreditam que a Defensoria Pública e seus

membros são mais próximos da sociedade

civil e mais acessíveis do que os membros

do Ministério Público. Algumas entidades

afirmaram que há mais “afinidade

ideológica” entre os atores da sociedade

civil e da Defensoria Pública, e que os

defensores teriam um tipo de trabalho mais

próximo do que as entidades realizam. Há

também uma maior afinidade temática

entre as entidades de defesa de direitos

e a Defensoria Pública. Até pelo fato de

muitas das entidades entrevistadas terem

trabalhado na criação ou no fortalecimento

das Defensorias Públicas, elas acreditam

ter uma parceria maior com a instituição.

De acordo com muitas dessas entidades,

é bastante importante esse processo de

fortalecimento das Defensorias Públicas

pela sociedade civil, e que se estimule a

instituição a cumprir seu papel social.

Em linhas gerais, esses seriam os

padrões de percepção das entidades

da sociedade civil acerca da Defensoria

Pública. Passamos agora para os elementos

de desenho institucional que facilitam ou

bloqueiam a interação entre as entidades

de defesa de direitos e a Defensoria Pública.

6.3 DESENHO INSTITUCIONAL

O ponto assinalado nas entrevistas

como o mais problemático em relação

à Defensoria Pública é justamente suas

deficiências de infraestrutura e pessoal.

98

Muitos entrevistados apontaram como

uma mudança necessária na instituição

o aumento do número de defensores e a

ampliação e melhoria de sua estrutura

de atendimento. Em alguns lugares, a

deficiência de pessoal, a sobrecarga

de trabalho e a falta de estrutura da

Defensoria Pública é tão grande que chega

a comprometer a relação da entidade com

as entidades da sociedade civil. Alguns

entrevistados relataram a impossibilidade

de se relacionar com a instituição na

medida em que ela não dava conta nem

de atender os casos que chegavam a ela.

Em outros casos, entrevistados relataram

que convênios foram extintos na medida

em que a Defensoria precisava que os

defensores locados na entidade voltassem

a trabalhar na instituição, dada a enorme

falta de pessoal. Isso sem se falar, é claro,

nos estados nos quais as Defensorias ainda

não foram estruturadas, nos quais há uma

mobilização da sociedade civil para sua

criação. E mesmo nos estados em que a

Defensoria é mais forte estruturalmente e

mais atuante, membros da sociedade civil

apontam para o fato de que é necessário

consolidá-la, fortalecê-la e ampliá-la.

A Defensoria Pública da União é

bem menos citada pelos entrevistados

do que a Defensoria Pública estadual.

Como afirmado anteriormente, a DPU é a

instituição competente para tratar de casos

que envolvam matéria federal. Segundo os

entrevistados, em muitas localidades, a

DPU é citada como tendo uma interação

bastante positiva com as entidades de

defesa de direitos, mas, em outros casos,

os entrevistados apontam uma baixa

interação com a instituição, em grande

medida pela incipiência da instituição e a

dificuldade em acessá-la.

Assim como ocorre com o Ministério

Público, os entrevistados assinalaram que a

existência de núcleos e câmaras temáticas

favorece muito a relação da entidade com

a Defensoria Pública. Tais núcleos facilitam

a interação na medida em que, ao se

especializarem em certos temas, acabam

se familiarizando com problemas mais

relevantes naquela área, aperfeiçoam as

melhores estratégias de atuação judicial

e potencialmente ficam mais próximos

dos atores sociais ligados àquela questão.

Contudo, assim também como ocorre

com o Ministério Público, a existência

de núcleos especializados não diminui a

importância de contatos pessoais com os

defensores públicos e a necessidade de

que haja afinidades políticas para que a

interação se dê de forma mais intensa e

com maior qualidade.

Alguns entrevistados citaram a falta

de autonomia como um problema das

Defensorias, com a possibilidade de haver

interferência política externa no trabalho

dos defensores. As entidades também

pontuaram que seria importante que

todas as Defensorias Públicas possuíssem

ouvidoria externa independente.

As audiências públicas foram

apontadas como um importante

instrumento da Defensoria Pública para

se aproximar da sociedade civil, tomar

conhecimento das questões e problemas

com os quais as entidades estão envolvidos,

assim como ouvir seu posicionamento a

respeito de tais questões. Foi mencionado

como um ponto importante para a

interação entre as entidades de defesa de

direitos e a Defensoria a apresentação do

planejamento anual da instituição em tais

eventos.

99

7.1 - A FORMAÇÃO DE DEFENSORES

DE DIREITOS

A descrição dos elementos de

trajetória identificados a partir das

entrevistas com os 130 respondentes da

pesquisa destacou três grandes grupos de

fatores como determinantes à formação

de defensores de direitos: experiências

universitárias, experiências profissionais e

experiências sociais e pessoais. Além de

influências familiares, vínculos religiosos

e da identificação dos respondentes com

os grupos que buscam defender terem se

revelado determinantes para a formação de

defensores de direitos, há dois elementos

de trajetória que estão mais claramente ao

alcance das políticas públicas e, dessa forma,

merecem ser enfatizados no âmbito deste

relatório: as experiências universitárias e

profissionais dos respondentes.

As experiências no âmbito

universitário, que abarcam desde a dimensão

do ensino e da pesquisa até iniciativas de

extensão e o movimento estudantil, se

revelaram as mais frequentes no grupo

entrevistado pela pesquisa. Em especial

no caso de entrevistados que, formados

em direito ou ainda estudantes de direito,

essas experiências são reputadas como

responsáveis por uma maior aproximação

dos respondentes, enquanto estudantes, de

demandas sociais, de violações de direitos

e de grupos e movimentos organizados

em torno dessas demandas e violações.

A partir dessa aproximação, ocorre uma

maior politização do indivíduo, bem como

um aprendizado sobre as necessidades

de atuação em relação a determinados

grupos e sobre estratégias de trabalho.

As experiências de extensão universitária,

em especial, aparecem como um primeiro

aprendizado da advocacia de interesse

público, ainda durante a graduação em

direito.

Experiências profissionais também

contribuem neste sentido. Em especial,

estágios em ONGs e no Ministério Público

foram elementos relativamente frequentes

nas trajetórias dos respondentes. Da mesma

forma que as extensões universitárias,

estas experiências de estágio foram

relatadas como uma oportunidade de

entrar em contato com certos problemas

sociojurídicos e de conhecer técnicas e

formas de atuação para buscar resolvê-los.

A politização e o aprendizado de

estratégias de atuação e mobilização

referidos pelos entrevistados como

decorrentes dessas influências se reflete,

em grande medida, no perfil das entidades

onde eles atuam. Tendo em vista que

os entrevistados, em regra, atribuem

o seu envolvimento com defesa de

direitos às experiências de proximidade

com comunidades, coletivos, grupos

e movimentos sociais vulneráveis, a

capilaridade das entidades de defesa de

direitos não surpreende. Igualmente, a

combinação de estratégias jurídicas – ou,

sobretudo, a compreensão da atuação

judicial como parte de uma gama de

formas de atuação – pode ser identificada

nas trajetórias dos entrevistados. Com

frequência, os respondentes afirmam ter

combinado, em sua história acadêmica e

profissional, ativismo político com atuação

7 - CONCLUSÕES

100

técnica, explorando âmbitos institucionais

e estratégias de mobilização que não

estão restritos ao Judiciário ou ao direito.

Identificam-se, dessa forma, alguns dos

vetores para a formação de defensores

de direitos no Brasil e a sua relação com

o tipo de trabalho que desenvolvem nas

entidades onde atuam.

7.2 TIPOS DE ADVOCACIA

DE INTERESSE PÚBLICO

A descrição dos perfis das entidades

de defesa de direitos que compõem a

amostra apontou para uma importante

variedade de experiências, temáticas

de atuação, estruturas e formas de

organização, atividades e âmbitos de

trabalho. Há grande diversidade no perfil

das entidades entrevistadas quanto à sua

estrutura interna (física e de pessoal):

desde entidades comunitárias, que

trabalham com voluntariado ou que

contam com integrantes que são, eles

próprios, parte dos grupos a que visam

defender as entidades, e com estrutura de

funcionamento frágil (poucos contratados,

advogados voluntários e esporádicos,

sem financiamento fixo), até organizações

com estrutura mais profissionalizada

(assessoria de imprensa, grande número

de contratados, advogados com dedicação

exclusiva no corpo da entidade).

Como se viu, as entidades de defesa

de direitos da sociedade civil costumam

atuar em diversas frentes, junto aos

Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,

e com frequência apostam em estratégias

integradas para a mobilização de uma

determinada demanda. A capacidade

de atuação, tanto do ponto de vista

quantitativo quanto em termos de alcance

das ações, está relacionada à estrutura

interna da entidade. Nas distintas frentes

de atuação, as entidades mobilizam

estratégias diversas, tais como litígio,

litígio estratégico, advocacy, participação

em conselhos e audiências públicas,

mobilização social, lobby nos Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário,

estratégias de comunicação/mídia,

formação/educação/capacitação popular,

consultoria jurídica, monitoramento de

políticas públicas.

Especificamente com relação à

atuação judicial das entidades, observou-

se uma mudança de estratégia, valorizando

a coletivização das demandas judiciais,

em detrimento de uma advocacia client-

oriented, que promovia ações judiciais

individuais. A coletivização manifesta-

se não apenas no recurso das ações

coletivas, mas também no das individuais

com potencial coletivo de repercussão

(casos exemplares, paradigmáticos). A

profissionalização das entidades de defesa

de direitos é acompanhada pela definição

clara dos limites de atuação das entidades,

com relação a público atendido, tema.

O aperfeiçoamento da atuação jurídico-

judicial envolve o emprego de uma série

de estratégias, além da judicial, tais como:

articulação social, formação, advocacy,

pesquisa, mídia e lobby judicial.

Os financiamentos internacional e

nacional público revelaram-se os mais

recorrentes nas entidades entrevistadas.

Para a atuação judicial, recursos de fora

do País são mais relevantes, tanto de

fundações públicas quanto privadas. Outras

atividades costumam ser financiadas por

editais públicos de governos municipais,

estaduais e federal. Em menor proporção,

as entidades obtêm parte de seus recursos

de doações individuais ou a partir da

prestação de serviços ou vendas de

produtos da entidade. Dificuldades de

financiamento são apontadas, de forma

101

quase unânime, como um dos principais

obstáculos à execução das atividades.

Com frequência, são seis os fatores

problemáticos ligados ao financiamento.

Primeiro, a diminuição da disponibilidade

de financiamento internacional. Muitos

dos financiadores internacionais estão

retirando financiamentos para entidades da

sociedade civil, na medida em que o Brasil

passou a ser considerado um país em um

estágio mais avançado de desenvolvimento

econômico e social, com capacidade de

captação de recursos internos para o

desenvolvimento de suas atividades. A

redução do apoio internacional à área

de litígio estaria relacionada, também, à

percepção, por parte dos financiadores,

de que a atividade poderia ser feita pela

Defensoria Pública e pelo Ministério

Público. Segundo, a conjuntura econômica,

a crise financeira internacional teria

retirado grande parte da possibilidade de

financiamento do Norte global, de onde, em

geral, parte o financiamento internacional.

Paralelamente, o fortalecimento da

economia brasileira teria valorizado a

moeda local, tornando o financiamento em

moeda estrangeira menos rentável. Terceiro,

a estrutura legal rígida e complexa imposta

às organizações não governamentais

para acessar o financiamento público

nacional e para prestar contas. Quarto, a

ausência de uma cultura de financiamento

nacional, seja por pessoas físicas, seja por

pessoas jurídicas. Quinto, a dificuldade de

financiar determinados temas. Sexto, em

particular no âmbito das ações jurídicas, as

formas de financiamento são vistas como

incompatíveis com a atividade de litígio, já

que são, em regra, focadas em projetos de

curto ou médio prazo, enquanto o litígio tem

tempo indeterminado. Alguns entrevistados

apontaram que a natureza do trabalho de

assessoria jurídica (que raramente produz

resultados concretos imediatos, em razão

da demora judicial) e a sua imprevisibilidade

também desestimulam financiadores, em

especial internacionais.

A partir das informações sobre os

temas, atividades, estrutura, financiamento

e estratégias de atuação das entidades

entrevistadas, é possível identificar uma

ampla variedade de experiências de

mobilização jurídica na sociedade civil.

A miríade de conceitos mobilizados pela

literatura para caracterizar o tipo de trabalho

dessas entidades (advocacia popular,

advocacia de interesse público, litígio

estratégico, advocacia pro bono, assistência

judicial) mostra-se, assim, insuficiente

para abarcar a complexidade desse

campo de atuação. A mobilização jurídica

é multifacetada, no Brasil, e quaisquer

políticas públicas formuladas para este

campo devem levar em conta a variedade

de experiências, perfis e necessidades de

atores tão distintos entre si.

7.3 MP E DP: O FATOR DESENHO

INSTITUCIONAL

A pesquisa identificou uma série de

padrões de interação entre as entidades de

defesa de direitos estudadas, o Ministério

Público (MP) e a Defensoria Pública

(DP), sendo que muitas dessas formas de

relação eram comuns às duas instituições.

Entre tais padrões comuns, podemos

citar, primeiramente, o encaminhamento

de casos das entidades de defesa de

direitos para o Ministério Público (por

meio de denúncias e representações) e

para a Defensoria Pública. As entidades

citaram como motivo para fazer os

encaminhamentos, entre outros, (i) o

fato de somente fazerem o trabalho de

orientação jurídica e não entrarem com

ações judiciais; e/ou (ii) o fato de que não

têm estrutura (técnica, financeira, física)

102

para atender o caso em questão; e/ou (iii)

porque o caso foge da temática com a

qual a entidade trabalha; e/ou (iv) porque

só levavam para o Poder Judiciário casos

paradigmáticos e não realizam atendimento

individual; e/ou (v) porque acreditam que

o peso institucional do Ministério Público

e da Defensoria Pública pode colaborar

para um desfecho positivo do caso. Para

algumas entidades, esse encaminhamento

de casos para o Ministério Público e para

a Defensoria Pública também é justificável

na medida em que elas acreditam ser um

dever do Estado e função das instituições

fazer o atendimento individual ou coletivo

aos cidadãos, promovendo, assim, o acesso

à justiça. Este encaminhamento de casos

também é uma forma de as entidades

da sociedade civil levarem ao MP e à DP

questões relevantes que estão ocorrendo

no campo no qual elas trabalham. Assim,

elas buscam fazer com que o MP e a DP

atuem nos casos que elas consideram

relevantes.

As entidades de defesa de direito

apontaram que também realizam

parcerias e articulações com o Ministério

Público e com a Defensoria Pública. Essas

parcerias e articulações podem se dar

tanto na forma de reuniões ou seminários

promovidos pelo MP e DP para discussão

de casos (e que em alguns conta também

com a presença de grupos com os quais

as entidades trabalham) como pela

transferência de informações da sociedade

civil para embasar ações do MP e da DP.

Outro importante padrão de interação

entre as entidades da sociedade civil e o

Ministério Público e Defensoria Pública

são as diversas formas de atuação judicial

conjunta e a divisão de trabalho para a

proposição de uma ação ou durante o seu

processamento (em geral, as entidades

entrevistadas coletam informações e

documentos com a comunidade ou grupo

com quem trabalham para embasar as

ações do MP e DP).

A participação em audiências públicas

ou eventos organizados pelo Ministério

Público e pela Defensoria Pública é outra

forma importante de interação entre tais

instituições e as entidades da sociedade

civil. Em alguns casos, ocorre o contrário,

quando as entidades é que organizam

eventos e contam com a participação de

promotores, procuradores e defensores.

O mesmo intercâmbio pode acontecer

com cursos de formação organizados

pelo MP e pela DP para as entidades e

vice-versa. Ambas as instituições também

realizam convênios de diversos tipos com

as entidades de defesa de direitos. As

entidades também buscam influenciar a

agenda temática do MP e da DP, por meio

de encaminhamento de casos ou por meio

de participação em grupos temáticos,

debates e articulações com a sociedade

civil e com outros órgãos do Estado e a

tentativa de sensibilização dos membros

do MP e da DP.

Finalmente, uma importante forma de

interação é a mediação feita pelas entidades

de defesa de direitos entre movimentos

sociais, comunidades e grupos com os

quais elas trabalham e o Ministério Público

e a Defensoria Pública. Tais entidades, por

sua capilaridade na sociedade, conseguem

identificar questões, problemas e violações

de direitos que não são visíveis para o

MP e a DP. Assim, tais entidades fazem a

conexão entre esses movimentos sociais,

grupos e comunidades com os quais elas

trabalham, levando suas questões para tais

instituições. As entidades de defesa de

direito também articulam a mobilização

social em torno de demandas, atuando de

forma mais ampla e politizada.

Os pontos da relação entre as

103

entidades e o MP e a DP que não coincidem

são no que diz respeito ao MP, o seu

antagonismo em relação a algumas das

entidades entrevistadas, principalmente

aquelas que atuam com a temática da terra

e de questões criminais e, no caso da DP,

toda a luta pela criação e fortalecimento

das Defensorias Públicas, realizada pela

sociedade civil. De maneira geral, os

entrevistados acreditam que a Defensoria

está mais próxima das entidades da

sociedade civil, e é também mais acessível

do que o Ministério Público.

No que diz respeito ao desenho

institucional das entidades, a pesquisa

constatou por meio das entrevistas que

a existência de núcleos ou câmaras

especializadas no Ministério Público e

Defensoria Pública facilita a interação

das entidades da sociedade civil com

estas instituições. Contudo, a relação

entre a pessoa do promotor, procurador e

defensor e a entidade é determinante para

que a interação ocorra. Assim, afinidades

políticas e ideológicas podem favorecer a

interação, assim como oposições podem

inviabilizá-la completamente.

Os entrevistados também apontaram

que um importante elemento no desenho

institucional tanto da Defensoria Pública

como do Ministério Público é a existência

de ouvidorias externas independentes. As

entidades criticaram também uma falta

de formação em direitos humanos mais

aprofundada dos promotores, procuradores

e defensores. Além disso, as audiências

públicas e demais eventos realizados

pelo Ministério Público e pela Defensoria

Pública para o diálogo com a sociedade

civil, assim como a apresentação do

planejamento anual das instituições nestas

datas, foram indicados nas entrevistas

como um importante canal de diálogo com

as entidades de defesa de direitos.

Outro ponto bastante assinalado foi

o de que a Defensoria Pública, em muitos

estados, tem uma grande deficiência de

pessoal e uma infraestrutura limitada. Este

fator foi apontado pelos entrevistados

como um importante limitador da relação

entre a Defensoria e as entidades da

sociedade civil.

Dado o exposto, pode-se dizer que

foram identificadas diversas e importantes

formas de interação entre o Ministério

Público, a Defensoria Pública e as entidades

de defesa de direitos entrevistadas. A

pesquisa também captou percepções e

avaliações das entidades a respeito das

instituições. E, finalmente, foram apontados

elementos do desenho institucional do

MP e da DP que facilitam ou bloqueiam

a interação das entidades de defesa de

direitos com eles. Tais informações poderão

ser usadas para promover e aperfeiçoar as

formas de interação aqui expostas.

105

Com base nas conclusões delineadas

a partir dos dados apresentados, é possível

identificar eixos potenciais para a formulação

de políticas públicas voltadas à superação

dos problemas apontados pela pesquisa

e – em especial quanto ao foco central do

estudo – à otimização da interação entre as

entidades de defesa de direito e os órgãos

de litígio do Estado: o Ministério Público e

a Defensoria Pública. Estes eixos emergem

dos tópicos abordados no relatório, a saber:

(8.1) quanto aos indivíduos que exercem a

advocacia de interesse público; (8.2) quanto

às entidades de defesa de direitos; e (8.3)

quanto aos órgãos do Estado.

8.1 EIXO INDIVIDUAL: INCENTIVOS À

FORMAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE

DEFENSORES DE DIREITOS

Com base na análise das trajetórias

acadêmicas e profissionais dos 130

respondentes das entrevistas, a pesquisa

identificou dois importantes vetores de

formação de defensores de direitos: as

experiências universitárias e profissionais pelas

quais passam esses indivíduos, em especial

se oriundos do curso de direito. O estudo

apontou, ainda, para a conexão entre o perfil

desses respondentes e o perfil de atuação

das entidades onde trabalham. A capilaridade

observada em muitas das entidades de

defesa de direitos, a sua proximidade

com outras organizações e movimentos

organizados, bem como as estratégias de

atuação adotadas são, em grande medida, as

mesmas apreendidas por estes respondentes

na sua trajetória precedente ao trabalho na

entidade. Dessa forma, o fortalecimento e a

ampliação de entidades de defesa de direitos

(ponto tratado especificamente no eixo a

seguir) estão ligados à criação de incentivos

à formação e multiplicação dos agentes que

mobilizam estas entidades: os defensores de

direitos.

A pesquisa permite identificar duas

áreas com potencial para a aplicação de

eventuais mecanismos com o objetivo de

formar e multiplicar defensores de direitos:

Experiências universitárias: sendo as

experiências de ensino, pesquisa e

extensão universitárias recorrentes

nas trajetórias dos respondentes da

pesquisa, o fortalecimento do tripé

fundamental do ensino superior brasileiro

tem potencial de gerar incentivos

para a formação e multiplicação de

defensores de direitos. No âmbito do

ensino, disciplinas e cursos na área de

direitos humanos foram repetidamente

apontados como influências positivas.

No âmbito da pesquisa, igualmente,

grupos de pesquisa e bolsas de

iniciação científica em direitos humanos

foram identificados na trajetória de

diversos entrevistados. No âmbito

da extensão universitária, o papel de

grupos de assessoria jurídica popular

como primeira fonte de experiência

em advocacia de interesse público é

notável, que pese às suas dificuldades de

manutenção, em especial a precariedade

das linhas de financiamento hoje

disponíveis, notadamente, fundos

públicos disponibilizados por editais de

curto prazo;

8 - DESDOBRAMENTOS

106

Experiências profissionais: ao lado de

experiências internas à universidade,

a participação em estágios junto a

Organizações Não Governamentais e

aos órgãos de litígio do Estado, em

especial o Ministério Público, revelou-

se central para um número relevante

de entrevistados. Fortalecer esta

dimensão da formação acadêmico-

profissional de estudantes constitui-

se, dessa forma, em um potencial

incentivo à formação e multiplicação

de defensores de direitos. A

viabilização desse fortalecimento,

porém, está ligada às condições

estruturais das instituições estatais e

das ONGs, especialmente, no caso das

últimas, no tocante à disponibilidade

de fundos para contratação.

8.2 EIXO SOCIEDADE CIVIL:

FORTALECIMENTO E AMPLIAÇÃO DA

DEFESA DE DIREITOS

Em razão da capilaridade e variedade

de temas, atividades e estratégias de

atuação, as entidades de defesa de direitos

desempenham papéis que dificilmente podem

ser subsumidos por órgãos estatais. Por

isso, complementam, em diversos sentidos,

advocacia de interesse público prestada pelo

Estado, além de tematizarem e mobilizarem

as instituições oficiais a determinados

posicionamentos e atividades. Dessa forma,

fortalecer as entidades já existentes e ampliar

o espaço para multiplicação de organizações

da sociedade civil é um instrumento em

potencial para aprofundamento da defesa de

direitos no Brasil.

Os principais obstáculos para o

desenvolvimento da defesa de direitos no

País identificados na pesquisa estão ligados

ao financiamento. Tendo em vista as seis

dificuldades de financiamento destacadas

no relatório, o fortalecimento e ampliação

da defesa de direitos podem passar por

distintos caminhos:

Alternativas de financiamento nacional

público e/ou privado frente à saída do

financiamento internacional do Brasil,

que afeta, especialmente, a atividade

jurídica das entidades de defesa de

direitos;

Alternativas jurídico-institucionais

pa ra solucionar eventuais entraves

burocráticos enfrentados no acesso

ao financiamento nacional público,

no uso e na prestação de contas

referentes a estes recursos;

A construção de incentivos para o

financiamento de temáticas preteridas

por financiadores tradicionais;

A estruturação de formas de

financiamento compatíveis com as

particularidades da atividade jurídica.

8.3 EIXO ESTADO: DESENHO

INSTITUCIONAL PARA PROMOVER

INTERAÇÃO

Com base nas entrevistas realizadas

com as entidades de defesa de direitos,

nas formas de interação delas com o MP

e a DP, nas percepções das entidades

sobre o MP e a DP e nos elementos do

desenho institucional identificados como

facilitadores ou bloqueadores da interação

com a sociedade civil, os seguintes eixos

de política pública podem ser formulados:

Estimular a criação e a consolidação de

núcleos e câmaras especializadas no

Ministério Público e Defensoria Pública;

Pensar formas de minimizar os efeitos

negativos da importância da pessoa

107

dos membros do Ministério Público

e da Defensoria Pública na interação

com as entidades de defesa de direitos,

ou seja, pensar formas de essa relação

não ficar inviabilizada ou diminuída

quando houver divergências políticas

entre os membros das instituições e

as entidades da sociedade civil;

Pensar formas de haver continuidade

do trabalho que o promotor, procurador

ou defensor estava realizando com

as entidades de defesa de direitos

quando eles mudam para outro posto

e são substituídos;

Fomentar a formação em direitos

humanos dos promotores, procuradores

e defensores, fomentar a educação em

direitos humanos nas faculdades de

direito, incentivar que a matéria que

envolva direitos humanos seja cobrada

em provas de concurso público;

Fomentar a realização de audiências

públicas pelo Ministério Público e

pela Defensoria Pública nas quais

participe a sociedade civil, assim

como incentivar que essas instituições

apresentem seus planos de ação

anuais e estejam abertos para debates

e discussões com a sociedade civil;

Estimular a criação e fortalecer

ouvidorias externas independentes;

Fortalecer as Defensorias Públicas

com investimentos no aumento dos

defensores em seus quadros, assim

como na infraestrutura da instituição;

Quando for necessário, investir

também no aumento de pessoal e

infraestrutura no Ministério Público;

Estimular a criação das Defensorias

Públicas nos estados nos quais elas

ainda não existem.

109

Entidade Cidade

1 Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil São Paulo

2 Ação Educativa São Paulo

3 Acesso Cidadania e Direitos Humanos Porto Alegre

4 ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero Brasília

5 Artigo 19 São Paulo

6 ASBRAD Guarulhos

7 Assessoria Interdisciplinar e Intercultural em Direitos Humanos – AIDH Belém

8 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT

Curitiba

9 Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA São Paulo

10 Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação Belo Horizonte

11 Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo – APOGLBT São Paulo

12 Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR-BA

Salvador

13 Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos – ACT

São Paulo

14 Associação de Mulheres da Zona Leste – AMZOL São Paulo

15 Associação de Proteção e Defesa do Crédito do Consumidor – PRODECCON Rio de Janeiro

16 Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED

Brasília

17 Casa da Mulher Trabalhadora – CAMTRA Rio de Janeiro

18 CEDECA Ceará Fortaleza

19 CEDECA DF Brasília

20 CEDECA Interlagos São Paulo

21 Centro das Mulheres do Cabo Cabo de Santo Agostinho

22 Centro de Apoio aos Direitos Humanos “Valdicio Barbosa dos Santos” – CADH Vitória

23 Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola Rio de Janeiro

24 Centro de Assessoria Jurídica Universitária da UFC – CAJU-CE Fortaleza

25 Centro de Defesa da Vida e dos DH de Açailândia Açailândia

26 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Monica Paião Trevisan” – CEDECA Sapopemba

São Paulo

27 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA – Casa Renascer

Natal

28 Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis – CDDH Petrópolis

29 Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza

Fortaleza

30 Centro de Direitos Humanos de Palmas – CDHP Palmas

31 Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Bráz – CDH Joinville

32 Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT São Paulo

33 Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social Recife

ANEXO I - LISTA DE ENTIDADES ENTREVISTADAS

110

34 Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos São Paulo

35 Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo – CSDDH São Paulo

36 Cerrado Assessoria Jurídica Popular Goiânia

37 Comissão Justiça e Paz de São Paulo São Paulo

38 Comissão Pastoral da Terra – Amazonas Manaus

39 Comissão Pastoral da Terra – Regional MG Belo Horizonte

40 Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará Belém

41 Comissão Pastoral da Terra – Regional Rondônia Porto Velho

42 Comissão Pró-Índio São Paulo

43 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil

São Paulo

44 Conectas DH São Paulo

45 Conexión Migrante Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante São Paulo

46 Confederação Nacional das Entidades de Família – CNEF Brasília

47 Conselho Indigenista Missionário – CIMI Brasília

48 Cordel Vida – Centro de Orientação e Desenvolvimento de Luta pela Vida João Pessoa

49 Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto – Núcleo Direito à Cidade – FDUSP

São Paulo

50 Dignitatis – Assessoria Técnica Popular João Pessoa

51 Embaixada Cigana do Brasil São Paulo

52 Escritório de Direitos Humanos de Minas Gerais Belo Horizonte

53 Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito Fortaleza

54 Escritório Experimental OAB/SP São Paulo

55 Escritório Modelo PUCSP São Paulo

56 Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião Rio de Janeiro

57 Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves – FDDHMMA João Pessoa

58 Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP Recife

59 Geledés Instituto da Mulher Negra São Paulo

60 Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual – GADVS São Paulo

61 Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS da Bahia – GAPA-BA Salvador

62 Grupo de Incentivo à Vida – GIV São Paulo

63 Grupo Matizes Pela Livre Expressão Sexual Teresina

64 Grupo Mulher Maravilha Recife

65 Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro

66 Instituto Braços Aracajú

67 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC São Paulo

68 Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência – IBDD Rio de Janeiro

69 Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte – IDC Goiânia

70 Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD São Paulo

71 Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – POLIS São Paulo

72 Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá Porto Alegre

73 ILANUD São Paulo

74 Instituto Luiz Gama São Paulo

75 Instituto Práxis de Direitos Humanos – IPDH São Paulo

76 Instituto Pro Bono São Paulo

77 Instituto Socioambiental – ISA São Paulo

111

78 Instituto Terramar Fortaleza

79 Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social São Paulo

80 Justiça Global Rio de Janeiro

81 Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais – MDC/MG Belo Horizonte

82 Movimento de Atingidos por Barragens – MAB São Paulo

83 Movimento República de Emaús Belém

84 Nuances Grupo Pela Livre Orientação Sexual Porto Alegre

85 Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFCE Fortaleza

86 Núcleo de Assessoria Jurídica Popular “Direito nas Ruas” da UFPE – NAJUP-UFPE Recife

87 Oficina dos Direitos da Mulher São Paulo

88 Organização de Direitos Humanos Projeto Legal Rio de Janeiro

89 Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB São Paulo

90 Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAAP São Paulo

91 Rede Social de Justiça e Direitos Humanos/SP São Paulo

92 Serviço de Apoio Jurídico da UFBA – SAJU/BA Salvador

93 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS Porto Alegre

94 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da USP – SAJU-USP São Paulo

95 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular – SAJU/UNIFOR Fortaleza

96 Setor de Direitos Humanos do MST São Paulo

97 Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos – SMDH e Centro de Cultura Negra do Maranhão

São Luís

98 Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH Belém

99 SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade – Parte I Porto Alegre

100 SOS Ação Mulher e Família de Campinas Campinas

101 SOS Ação Mulher e Família de Uberlândia Uberlândia

102 Terra de Direitos Curitiba

103 Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero Porto Alegre

113

Objetivo específico da entrevista: identificar que aspectos do desenho institucional do

Ministério Público e da Defensoria Pública contribuem com ou dificultam a relação desses

órgãos com entidades de advocacia popular.

Tópicos abordados na entrevista:

1) Perfil do respondente: o que faz na entidade; experiência com o trabalho; for-

mação; por que trabalha na entidade.

2) Perfil da entidade: definição do tipo de trabalho que desenvolve (“advocacia

popular”, “litígio estratégico” etc.); áreas e temas de atuação; estratégias de atua-

ção; organização interna; financiamento.

3) Atuação judicial: identificação dos tipos de casos em que a entidade atua

judicialmente; como esses casos chegam à entidade; estratégias de atuação da

entidade.

4) Relação com a Defensoria Pública e com o Ministério Público: identificar se há

ou não experiência de relação com a DP e o MP; ilustrar com experiências concre-

tas de relação; identificar a percepção da entidade sobre pontos positivos e nega-

tivos da relação.

5) Desenho institucional/organizacional.

ROTEIRO DE ENTREVISTA:

PERFIL DO ENTREVISTADO

(A primeira pergunta é de cunho mais biográfico, para compreendermos melhor o

perfil das pessoas que trabalham em entidades de defesa de direitos.)

1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional, acadêmica foram importantes

para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?

-

soas ou instituições foram importantes nessa escolha profissional?

2. Qual trabalho desenvolve nesta entidade? Desde quando você trabalha nesta enti-

dade?

3. (Para o caso de trabalhar na área de litígio da instituição) Por que optou por trabalhar

com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?

ANEXO II - ROTEIRO DE ENTREVISTA

114

PERFIL DA ENTIDADE

4. Essa pergunta serve para compreendermos melhor a trajetória dessa entidade, quan-

do ela foi formada e com quais objetivos.

a. (Para esmiuçar, caso o entrevistado não tenha explorado na resposta) Quais

pessoas ou instituições foram importantes para a criação da entidade?

5. Quais atividades a entidade realiza? Qual é a atividade central? Como essas ativida-

des mudaram ao longo do tempo?

Checklist de atividades:

a) Legislativo

a. Elaboração/monitoramento de leis

b. Reforma institucional

b) Executivo

a. Acompanhamento do orçamento

b. Monitoramento de políticas públicas

c. Implementação de políticas públicas

d. Participação em Conselhos

e. Reforma institucional

c) Judiciário

a. Assessoria jurídica

b. Litígio

c. Encaminhamento de casos para outros órgãos (MP, defensorias)

d. Reforma institucional

d) Mídia

e) Comunidade

a. Educação / Formação / Capacitação

6. Em que temas a entidade atua? Como esses temas foram escolhidos? Como os temas

mudaram ao longo do tempo?

7. Como está estruturada internamente a entidade? A entidade sempre se organizou

dessa forma ou houve mudanças ao longo do tempo?

8. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade? Como a área de litígio

da entidade é financiada? Quais são as principais dificuldades de financiamento da

entidade?

Checklist de fontes de financiamento:

a) Doações individuais

115

b) Doações de empresas

c) Fundações nacionais

d) Fundações internacionais

e) Agências bilaterais ou multilaterais

f) Recursos públicos (municipais, estaduais ou federais)

g) Prestação de serviços

h) Venda de produtos ou serviços da própria organização

ATUAÇÃO JUDICIAL

9. Quando a entidade deu início à atividade de litígio? Para que serve a atividade de

litígio? Como ela mudou ao longo do tempo? Como a estratégia de litígio se articula

com as outras atividades da entidade?

10. Em quais temas a entidade litiga? Por que litigar nesses temas? Como são escolhidos

os casos?

perfil da entidade – client-oriented ou issue-oriented – e estratégias)

11. Em quais instâncias do Poder Judiciário a entidade litiga? Por quê? A entidade recor-

re a órgãos internacionais (OEA, OIT, ONU, OMC)? Por quê?

Checklist de instâncias:

a) Justiça Cível

b) Justiça Trabalhista

c) Justiça Criminal

d) Justiça Federal

e) Tribunais Superiores

f) Processos Administrativos

g) Internacional

Checklist de ações judiciais:

a) Ação de reparação de danos e indenização

b) Ação civil pública

c) Ação popular

d) Usucapião

e) Anulatória de ato administrativo

f) Intervenção de terceiro interessado

g) Possessórias

116

h) Assistente de acusação

i) Defesa criminal. Quais crimes?

j) Mandado de segurança

l) Habeas corpus

m) Outros. Especifique:

12. Quais as principais dificuldades que a entidade encontra para realizar a atividade de

litígio?

13. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação ju-

dicial? (Em que casos?)

RELAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA (DP) E O MINISTÉRIO PÚBLICO (MP)

14. Em que situações a entidade se relaciona com a DP? E com o MP?

Checklist de formas de interação:

a) denúncias

b) repasse de casos

c) litígio em conjunto

d) participa de audiências públicas ou conferências

e) procura influenciar a agenda de temas/casos

f) reforma institucional

g) relação de conflito

15. No litígio em conjunto, como é feita a divisão de trabalho? Quem define a estratégia

jurídica? Quem define o tempo/andamento do processo?

16. A relação se dá com quais órgãos da DP? E do MP? Com quais pessoas da DP? E do

MP?

17. Como você avalia a relação da DP ou do MP com a entidade?

dos defensores/promotores, dados do caso.

dos defensores/promotores, dados do caso.

DESENHO INSTITUCIONAL/ORGANIZACIONAL

18. O que poderia mudar nessa relação com a DP? E com o MP? E com a OAB?

19. O que poderia mudar no funcionamento da entidade? E quanto ao financiamento?

117

Informação para o/a entrevistado/a

PROJETO DE PESQUISA: Pesquisa sobre a atuação da advocacia popular

RESPONSÁVEIS PELA PESQUISA: A pesquisa é realizada pelo Núcleo Direito e Democra-

cia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), coordenada por José Rodrigo

Rodriguez e Evorah Cardoso e financiada pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Mi-

nistério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (Proje-

to BRA/05/036 - Fortalecimento da Justiça Brasileira - Convocação nº 01/2012). Contatos:

E-mail: [email protected], Skype: CEBRAP_advocacia_popular.

PROPOSTA DA PESQUISA: Este projeto de pesquisa tem por objetivo estudar as entida-

des que trabalham com a advocacia de interesse público, sejam entidades da sociedade

civil, sejam órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público e as Defensorias Públi-

cas. Este projeto analisará o quanto a presença dos órgãos de litígio do Estado impacta

no trabalho de advocacia das entidades da sociedade civil e vice-versa. Quanto o dese-

nho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social

jurídica. E o quanto a advocacia das entidades da sociedade civil repercute em termos de

tematização e reforma institucional dos órgãos de litígio do Estado e do Poder Judiciário.

FINALIDADE DA ENTREVISTA: A entrevista tem por finalidade prover informação (em

sentido amplo e compreensivo de dados, opiniões, documentos etc.) sobre a atuação

pessoal ou institucional do entrevistado/a no tema, ou de terceiros, no que for relevante.

A entrevista contribui para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que muitas das in-

formações buscadas não estão documentadas ou discutidas na literatura especializada.

Ademais, contribui para uma tarefa de pensar as potencialidades, limites e desafios do

trabalho das entidades de defesa de direitos e sua interação com Ministério Público e

Defensorias Públicas.

USO DA ENTREVISTA: O conteúdo será estritamente utilizado para fins acadêmicos da

pesquisa, a saber, relatórios e artigos acadêmicos. Confidencialidade: Trechos das en-

trevistas poderão ser classificados como confidenciais pelo entrevistado ao longo da en-

trevista. Se assim for manifestado expressamente abaixo, será garantida a sua confiden-

cialidade no texto do trabalho. Anonimato: A identificação do entrevistado poderá ser

resguardada. Se assim for manifestado expressamente abaixo, as transcrições e citações

indicarão apenas para que tipo de entidade o participante trabalha (universidade, clínica

jurídica, ONG, Ministério Público, Defensoria Pública, governo, agência financiadora etc.).

Conservação dos dados: Os dados coletados – gravações da entrevista, transcrições,

ANEXO III - TERMO DE CONSENTIMENTO PARA ENTREVISTA

118

anotações e qualquer documento oferecido pelo participante – serão armazenados pela

equipe de pesquisa.

Consentimento: Eu, ______________________________, estou de acordo em participar

da pesquisa supramencionada.

Em caso de qualquer dúvida acerca da pesquisa, contatarei os coordenadores da pesqui-

sa. Assino duas cópias do presente, sendo uma para mim.

Desejo que trechos identificados da entrevista sejam confidenciais.

Desejo que minha identidade seja resguardada.

Assinatura do(a) participante: _________________________________

Data: ____/____/____

Assinatura do(a) entrevistador(a): ______________________________

Data: ____/____/____

119

Grupo 1: RESPONDENTE

Pergunta: Quem é o entrevistado?

Objetivo: Coletar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado e

sobre o que ele faz na entidade

Aplicação:

Respondente: (livre)

Exemplos:

Respondente: Movimento Estudantil

Respondente: Extensão Universitária

Respondente: Movimento Social

Respondente: Instituição onde estudou

Respondente: Advogado

Respondente: Estágio

ANEXO IV - LIVRO DE CÓDIGOS

120

Grupo 2: ENTIDADE

Pergunta: Quem é a entidade?

Objetivo: Coletar informações sobre o perfil da entidade.

Aplicação:

Entidade: Histórico: (livre)

Entidade: Estrutura: (livre)

Entidade: Financiamento: (livre)

Entidade: Atividades: (livre)

Entidade: Temas: (livre)

Regras de aplicação:

Entidade: Histórico - Regra: aplica-se a elementos de trajetória da entidade e

questões de estrutura, atividades e temas que não são atuais;

Entidade: Estrutura - Regra: aplica-se a informações sobre a estrutura da

entidade, tais como pessoal, organização interna e estrutura física;

Entidade: Financiamento - Regra: aplica-se a informações sobre formas de

financiamento e avaliações sobre financiamento;

Entidade: Atividades - Regra: aplica-se a informações sobre os âmbitos de

atuação da entidade e aos tipos de atividades desenvolvidas. Âmbito de

atuação: Executivo, Legislativo, Judiciário, Mídia, Comunidade, etc. Tipo de

atividade: formação popular, consultoria jurídica, monitoramento de políticas

públicas etc.;

Entidade: Temas: - Regra: aplica-se a informações sobre temas/áreas de

desenvolvimento de atividades (ex.: criança e adolescente, violência, terra etc.)

Exemplos:

Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988

Entidade: Estrutura: Equipe multidisciplinar

Entidade: Financiamento: Internacional

Entidade: Atividades: Executivo: Monitoramento de Políticas Públicas

Entidade: Atividades: Judiciário: Litígio Estratégico

Entidade: Temas: Educação

121

Grupo 3: ATUAÇÃO JUDICIAL

Pergunta: Como a entidade atua judicialmente?

Objetivo: Coletar informações sobre aspectos estruturais da atuação judicial

da entidade.

Aplicação:

Atuação judicial: Instâncias: (livre)

Atuação judicial: Seleção de casos: (livre)

Atuação judicial: Instrumentos jurídicos: (livre)

Regras de aplicação:

Atuação judicial: Instâncias – Regra: aplica-se quando há menção aos órgãos

ou instâncias de atuação judicial da entidade (ex.: internacional, tribunais,

justiça comum etc.);

Atuação judicial: Seleção de casos – Regra: aplica-se à forma de definição dos

casos em que há atuação judicial e à forma de chegada dos casos;

Atuação judicial: Instrumentos jurídicos – Regra: aplica-se quando há menção

aos instrumentos jurídicos adotados para atuação judicial (ex.: ADIn, amicus

curiae, assistente de acusação etc.)

122

Grupo 4: DEFENSORIA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO

Pergunta: Qual é a percepção do entrevistado sobre a DP e o MP?

Objetivo: Coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papéis

da DP/MP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho

institucional da DP/MP.

Aplicação:

DP: (livre)

MP: (livre)

Regra de aplicação: sempre que a DP ou o MP forem mencionados, será

aplicada uma categoria desse grupo.

Exemplos:

DP: (livre)

MP: (livre)

DP ou MP: Formas de interação: (livre)

MP ou DP: Desenho institucional: (livre)

123

ANDERSEN, Ellen Ann (2004). Out of the Closets and into the Courts: Legal

Opportunity Structure and Gay Rights Litigation. Michigan: University of Michigan Press.

CARDOSO, Evorah (2012). Litígio estratégico e Sistema Interamericano de Direitos

Humanos. São Paulo: Fórum.

CASE, Rhonda E. e GIVENS, Terri E. (2010). Re-engineering Legal Opportunity

Structures in the European Union? The starting line group and the politics of the racial

equality directive. Journal of Common Market Studies, v. 48, n. 2, p. 221-241.

EPP, Charles (1998). The Rights Revolution: Lawyers, Actvists, and Supreme Courts

in Comparative Perspective. Chicago: Chicago University Press.

ERRC, INTERIGHTS, MPG (2004). Strategic Litigation of Race Discrimination in

Europe: from Principles to Practice. European Roma Rights Centre – ERRC, Interights,

Migration Policy Group – MPG.

GALANTER, M. (1974). Why the “Haves” Come Out Ahead: Speculations on the

Limits of Legal Change. Law and Society Review, 9 (1).

HILSON, Chris (2002). New Social Movements: the Role of Legal Opportunity.

Journal of European Public Policy, v. 9, n. 2, p. 238-255.

IHRLG (2001). Promoting Justice: a Practical Guide to Strategic Human Rights

Lawyering. Washington: International Human Rights Law Group.

JOHNSON, Louis (1991). The New Public Interest Law: from Old Theories to a New

Agenda. Public Interest Law Journal, p. 169-191.

JUNQUEIRA, E. B. (2002). Los Abogados Populares: en Busca de una Identidad. El

otro derecho, p. 193-227.

MACIEL, Débora Alves (2011). “Ação Coletiva, Mobilização do Direito e Instituições

Políticas: o Caso da Campanha da Lei Maria da Penha”. Revista Brasileira de Ciências

Sociais, v. 26, n. 77, outubro, p. 97-111.

MCCANN, Micheal W. (1994). Rights at Work: Pay Equity Reform and the Politics of

Legal Mobilization. Chicago/London: The University of Chicago Press.

______ (2006). “Law and Social Movements: Contemporary Perspectives”. Annual

Review on Law and Social Sicence, v. 2, p. 17-38.

______ (2010). “Poder Judiciário e Mobilização do Direito: uma Perspectiva dos

Usuários”. In: DUARTE, Fernanda e KOERNER, Andrei (orgs.). Revista da Escola da

Magistratura Regional Federal / Escola da Magistratura Regional Federal, Tribunal Regional

Federal da 2ª Região. Cadernos Temáticos - Justiça Constitucional no Brasil: Política e

Direito. Rio de Janeiro: EMARF - TRF 2ª Região.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

124

REKOSH, Edwin; BUCHKO, Kyra A.; TERZIEVA, Vessela (Ed.) (2001). Pursuing the

Public Interest: a Handbook for legal Professionals and Activists. New York: Public Interest

Law Initiative in Transitional Societies.

SARAT, A., & SCHEINGOLD, S. (1998). Political Commitments and Professional

Responsibilities. Oxford: Oxford University.

VANHALA, Lisa (2006). Fighting Discrimination Through Litigation in the UK: the

Social Model of Disability and the EU anti-discrimination Directive. In: Disability & Society,

v. 21, n. 5, agosto, p. 551-565.

______ (2011). Making Rights a Reality? Disability Rights Activists and Legal

Mobilization. Nova York: Cambridge University Press.

WEISSBRODT, David (1984). Strategies for Selecting and Pursuing International

Human Rights Matters. In: HANNUM, Hurst (Ed.). Guide to International Human Rights

Practice. Philadelphia. University of Pennsylvania Press.

WILSON, Bruce e CORDERO, Juan Carlos Rodríguez (2006). Legal Opportunity

Structures and Social Movements: the Effects of Institutional Change on Costa Rican

Politics. In: Comparative Political Studies, v. 39, n. 3, abril, p. 325-351.

125