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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES ESTUDO SOBRE DOIS MODOS DE CRIAR O desenho de representação como ponto de referência na arte do desenho e da gravura, antes e durante a criação artística Catarina Mendes Garcia Mestrado em Desenho 2011

ESTUDO SOBRE DOIS MODOS DE CRIAR O desenho de ... · natureza gráfica, tendo o desenho de representação como ponto inicial da obra. Temos como objectivo entender o lugar do desenho

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Page 1: ESTUDO SOBRE DOIS MODOS DE CRIAR O desenho de ... · natureza gráfica, tendo o desenho de representação como ponto inicial da obra. Temos como objectivo entender o lugar do desenho

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

ESTUDO SOBRE DOIS MODOS DE CRIAR

O desenho de representação como ponto de referência

na arte do desenho e da gravura, antes e durante a

criação artística

Catarina Mendes Garcia

Mestrado em Desenho

2011

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

ESTUDO SOBRE DOIS MODOS DE CRIAR

O desenho de representação como ponto de referência

na arte do desenho e da gravura

Catarina Mendes Garcia

Mestrado em Desenho

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Quaresma

2011

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1

.

RESUMO

Este estudo pretende abordar os processos criativos envolvidos num trabalho de

natureza gráfica, tendo o desenho de representação como ponto inicial da obra. Temos

como objectivo entender o lugar do desenho de representação na contemporaneidade,

através dos meios riscadores próprios do desenho e da gravura.

Esta última expressão plástica está historicamente ligada ao desenho, e é um meio

privilegiado por artistas que trabalham o desenho do natural. Consecutivamente,

analisaremos as suas convergências com a linguagem do desenho e abordaremos a

questão da reprodutibilidade como uma característica própria da gravura que a afasta da

área do desenho.

Os processos criativos aqui abordados mobilizam as nossas capacidades cognitivas

durante a realização da obra artística, sendo as faculdades da intuição e do entendimento

essenciais à criatividade. As actuais investigações no campo da neurociência permitem-

-nos entender melhor a forma como um artista realiza o seu trabalho criativo, e estes

estudos serão analisados e comparados com as obras de certos artistas activos na

segunda metade do século XX. Estes são, por um lado, artistas que utilizam um tipo de

desenho caracterizado por uma maior espontaneidade no acto criativo e, por outro,

artistas que trabalham previamente a obra de diversas formas.

Pretende-se estudar as duas abordagens e entender as características dos dois processos

criativos, um mais clássico e outro mais ligado ao pensamento contemporâneo.

Realizou-se também um trabalho prático que pretende dar testemunho, de uma forma

modesta, dos dois processos desenvolvidos pelos artistas.

Por último, são analisadas as experiências realizadas e tiradas conclusões em relação

aos processos explorados.

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Processo criativo, desenho representação, espontaneidade, estudos prévios, gravura,

desenho

ABSTRACT

This study aims to address the creative processes involved in an artistic work of graphic

nature, while having the act of drawing from observation as the starting point of a

creative work.

As a goal, this dissertation has as an ambition, to understand the vision of this kind of

drawing in contemporary art, being it done in a classical way, or through printmaking.

Printmaking has always had a connection with drawing, and it’s a privileged medium

for artists who value line in their work and who wish to draw directly from any

reference model. Consecutively, we have analyzed its similarities with the language

of drawing and the question of reproducibility.

The creative processes here referred, use our cognitive capacities during the course of

the artistic work. Since the faculties of intuition and understanding are essential to

creativity, the current researches in the field of neuroscience allow us to understand the

way the artist performs a work of art. These studies will be analyzed and

compared with the work of selected artists, active in the second half of the twentieth

century, who have developed drawing. These are, on one hand, artists who draw without

previous thought and, on the other hand, artists who do previous studies before

advancing to the final work.

It is intended to study the two approaches and understand the characteristics of

both creative processes. One closer to a classic background and another connected to a

more contemporary approach. Hence, a practical work was done which had the goal to

reproduce both processes, in a modest way, so that we could understand by practical

means, the kind of obstacles and advantages we would encounter.

To reach a conclusion, the experiments were analyzed and linked with the research.

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Creative process, drawing from observation, spontaneity, previous studies, printmaking,

drawing,

AGRADECIMENTOS

Pretendo expressar aqui os meus agradecimentos a todas as pessoas que, directa ou

indirectamente, ajudaram a tornar esta dissertação possível.

Agradeço ao professor José Quaresma, pela disponibilidade em orientar a minha tese e

todo o apoio manifestado durante a mesma.

Agradeço aos meus pais e à minha avó, José Garcia, Isabel Garcia e Clarisse Garcia, por

me terem sempre apoiado durante a realização da dissertação.

Agradeço igualmente ao Bruno Caetano, pelas conversas e trocas de ideias que me

ajudaram a encontrar e a desenvolver uma ideia para a tese.

Agradeço também à Joana Mateus que me esclareceu e me ajudou sempre que

necessário e, aos meus colegas de mestrado, que tornaram a aprendizagem nestes dois

anos mais interessante e motivadora.

Agradeço ao professor Pedro Saraiva, que me ajudou a encontrar o caminho para o

desenvolvimento da tese quando não tinha ainda orientador, e ainda, os contributos para

a reformulação final desta investigação.

Agradeço ainda ao professor António Pedro a oportunidade que me concedeu para

reperspectivar algumas ideias aqui desenvolvidas.

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ÍNDICE

RESUMO 1

ABSTRACT 2

AGRADECIMENTOS 3

INTRODUÇÃO 6

1. DESENHO DE REPRESENTAÇÃO: 8

1.1 Definição possível de desenho de representação 8

1.1.1 Sistemas de representação ocidentais 8

1.2 A individualidade do autor a partir do desenho de representação 11

1.3 Desenho e Pintura: diferenças 13

1.3.1 Noções de desenho em Federico Zuccari 14

1.3.2 Charles Le Brun e os propósitos de Federico Zuccari 15

1.4 Linha como síntese 16

1.5 O desenho e o espaço compositivo 18

2. GRAVURA E DESENHO 20

2.1 Gravura e Desenho: semelhanças. A reprodutibilidade como

diferença 20

2.2 Autenticidade e aura 22

2.3 Valor expositivo e Valor de culto 23

2.4 Ocorrência única e ocorrência de massa 24

3. AS FACULDADES DA INTUIÇÃO E DA RAZÃO NO ACTO

CRIATIVO 26

3.1 A intuição como processo determinante para a criação 26

3.2 A intuição filosófica 26

3.3 A intuição segundo a neurociência 28

3.4 A decisão final através dos marcadores-somáticos e da razão 31

3.5 A consciência 33

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3.6 Os processos intuitivos, os marcadores-somáticos e a razão no

processo criativo 36

4. DESENHO: UM CAMINHO PARA O PROCESSO CRIATIVO 39

4.1 Desenho: contextos históricos 39

4.2 A utilização do desenho na arte contemporânea: propósitos 42

4.3 Avigdor Arikha 43

4.3.1 Biografia 43

4.3.2 Método de trabalho 44

4.3.3 Desenho e Gravura 46

4.4 Lucian Freud 48

4.4.1 Biografia 48

4.4.2 Método de trabalho 49

4.4.3 Gravura 52

4.5 Paula Rego 53

4.5.1 Biografia 53

4.5.2 Método de trabalho 54

4.5.3 Desenho e Gravura 59

4.6 R.B. Kitaj 61

4.6.1 Biografia 61

4.6.2 Método de trabalho 62

4.6.3 Desenho, Pintura e Gravura 64

5. COMPARAÇÕES 66

5.1 A importância do desenho de representação no acto criativo 66

5.2 Duas formas de criar no momento do acto criativo 66

5.3 Dois processos que envolvem reflexões prévias 68

5.4 Outras possibilidades de criação, com e sem pensamento prévio 69

6. ANÁLISE PRÁTICA DOS PROPÓSITOS ANTERIORES 70

6.1 Trabalhos realizados sem pensamento prévio 70

6.2 Trabalhos realizados com pensamento prévio 71

6.3 Conclusões acerca dos métodos 75

7. CONCLUSÃO 77

8. REFERÊNCIAS 81

8.1 Bibliografia 81

8.2 Teses Consultadas 85

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8.3 Webgrafia 86

INTRODUÇÃO

Esta dissertação pretende ser um estudo acerca dos processos criativos envolvidos na

realização de um trabalho de natureza gráfica. Decidimos delimitar, por isso, a

experiência criativa em duas formas diversas: uma com um pensamento prévio acerca a

obra mais desenvolvido e outra mais caracterizada por um processo mais espontâneo.

Consecutivamente, este estudo tem o objectivo de pretender entender quais as vantagens

e desvantagens dos dois métodos, de que forma se processam os mesmos a um nível

cognitivo, e em que aspectos estes métodos se destacam um do outro.

Assim, esta dissertação aspira a um conhecimento mais profundo dos processos

criativos, de forma a complementar o nosso entendimento da criação artística ou, no

caso de se ser autor, a escolher e a definir caminhos de acordo com os métodos que

melhor se conjugam com o seu trabalho.

Para esta dissertação, foram tidas em conta várias obras fundamentais como os estudos

acerca dos processos cognitivos envolvidos no acto criativo de Robin Hogarth e

António Damásio, que nos permitiram estudar o assunto a partir de uma abordagem

científica. O estudo das obras de Juan Molina, Federico Zuccari, Betty Edwards e de

John Ruskin, foram igualmente essenciais para definir o desenho enquanto expressão

plástica. Esta, permitiu-nos realçar as semelhanças entre gravura e desenho, juntamente

com A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin.

Para complementar o estudo, foi igualmente necessária uma análise de obras de artistas

que desenvolveram diversos métodos criativos no acto de desenhar.

A dissertação encontra-se desenvolvida em vários capítulos. Começámos por definir o

desenho de representação, tendo como base os seus aspectos mais característicos.

Seguidamente, devido à ligação que grandes desenhadores têm com a gravura na

contemporaneidade, foram retratadas as ligações e divergências desta expressão plástica

com o desenho. Esta abordagem irá auxiliar no entendimento das obras dos artistas à

frente designados tal como na abordagem prática retratada adiante.

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Pareceu-nos igualmente importante estudar os processos cognitivos envolvidos no acto

criativo, de acordo com as mais recentes investigações da neurociência que nos

permitiram ter uma perspectiva mais desenvolvida dos métodos desenvolvidos pelo

artista no acto da criação.

Com isto, segue-se uma abordagem a alguns processos criativos ao longo da história da

arte, sendo referenciados quatro artistas activos na segunda metade do século XX.

Avigdor Arikha e Lucian Freud seguem uma abordagem onde todo o processo criativo é

realizado aquando da realização da obra final. O imediatismo do momento, a sensação

transmitida e a espontaneidade do acto de criar são valorizados, recusando

consecutivamente qualquer estudo ou pensamento prévio à obra. Paula Rego e R. B.

Kitaj caracterizaram-se por uma abordagem diferente. A primeira com um processo

criativo com raízes clássicas num determinado período e, o segundo, com um método

que envolve bases de origens diversas e sem ligações entre si que se conjugam,

formando uma união compositiva.

Perante as comparações e inferências realizadas após a investigação acerca dos dois

métodos, tornou-se importante entender em que sentidos os processos intuitivos e

lógicos influenciavam os dois processos criativos. Daí, foram realizados em desenho e

em gravura, tal como os autores estudados, uma série de obras com base nos métodos

referidos, explorando as diferenças dos médiuns com o objectivo de entender, de uma

forma experimental, as respectivas características de acordo com os diversos pontos de

vista estudados anteriormente.

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1. DESENHO DE REPRESENTAÇÃO

1.1 Definição possível de desenho de representação

A representação do espaço através do desenho permite ao indivíduo traduzir de maneira

estruturada formas, «movimentos», «comportamentos», para suportes bidimensionais

ou tridimensionais. Estas acções surgem através da descrição de um espaços e de

situações existentes ou imaginadas, e por meio de materiais riscadores, envolvendo o

gesto da mão e do braço, de onde resultam pontos, linhas e formas no suporte escolhido.

Tanto o resultado obtido como o processo se pode definir como desenho, tal como Juan

Gómez Molina o define:

«Está siempre relacionado com movimientos, conductas y comportamientos, que tienen de común el ser

sustento ordenador de una estructura, a través de gestos que marcan direcciones generativas o puntuales

que sirven para establecer figuras sobre fondos diferenciados. Está referido también a los procedimientos

que son capaces de producir esos trazos definidos, y al uso y a las connotaciones que estos

procedimientos han adquirido en su práctica histórica.» (Molina, 2003: 17)

Realizado com diversos materiais, utiliza-se como estudo prévio (esboços, traçados,

projectos), na arquitectura, pintura, escultura e outras artes. Ou seja, os parâmetros

essenciais de definição de desenho são o gesto envolvido na sua realização, sendo a

linha, através da noção de riscar, a característica mais comum quando queremos defini-

lo. Também podemos destacar a bidimensionalidade do suporte.

Interessa-nos principalmente a ligação histórica entre desenho enquanto estudo para

outras áreas das artes visuais.

O desenho de representação engloba a necessidade de “tornar real”, pelo meio da

imagem, a ideia que temos do que vemos. Através da visão, é possível ao autor

descodificar o que vê tentando transmiti-lo por meio de linhas e outros grafismos.

Este processo envolve, da parte do autor, uma atribuição de sentido a cada elemento

visualizado e seguidamente a estruturação dos mesmos. Isto pode ser alcançado através

de sistemas de representação geométricos, de uma forma empírica - meramente visual,

ou através de uma junção das duas.

1.1.2 Sistemas de representação ocidentais

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Ao longo da história, foram criadas diversas formas de traduzir a realidade para o meio

do desenho que auxiliam o artista na passagem da realidade tridimensional para a

bidimensionalidade dos diversos suportes utilizados. Na antiguidade clássica já se havia

utilizado sistemas de perspectiva apesar de ainda não ser considerada a existência de um

ponto de fuga. Este conhecimento perdeu-se durante a Idade Média, sendo utilizado

para determinar distâncias uma sobreposição de elementos. Durante o Renascimento,

Brunelleschi definiu os princípios da perspectiva linear, o que permitiu aos artistas

representar a três dimensões num suporte bidimensional.

Os sistemas perspécticos funcionam através de regras adaptadas para ilustrar os traços

gerais de qualquer objecto no espaço, relacionando-o ao mesmo tempo com todos os

outros pertencentes ao plano visível. As relações de distância e grandeza, forma,

inclinação, por exemplo, regulam as relações entre os objectos. Esta descoberta veio

revolucionar o panorama da arte Ocidental.

Vários artistas utilizaram também processos ópticos como auxílio no seu trabalho

representativo desde há vários séculos. É conhecida a utilização da câmara escura sendo

que uma das primeiras foi construída no século VI d.C. por Antémio de Tales, apesar de

já haver conhecimento sobre os princípios envolvidos na mesma desde o séc. V a.C..

É um facto que certos artistas tinham acesso à mesma sendo Vermeer um dos mais

frequentemente referidos devido à forma como a luz está tratada nas suas pinturas. Em

certos detalhes das suas pinturas a imagem encontra-se desfocada, algo que não é

possível representar através da visão gerada pelo olho humano pelo facto deste focar

sempre um ponto do campo visual de cada vez – o ponto em que o sujeito se concentra.

O “Espelho negro” ou “Espelho de Claude” foi outro instrumento que ficou conhecido

por dar uma estética pitoresca à pintura de quem o utilizava. O nome provém da ligação

entre o instrumento óptico e o trabalho de Claude Lorrain, artista francês activo no

século XVII. Tratava-se de um pequeno espelho, ligeiramente convexo, com uma

superfície pintada por tinta negra. Este, era facilmente transportável e utilizado

principalmente por artistas de paisagem. Tinha como característica criar uma

simplificação dos tons das cores, que só era perceptível quando o artista se virava de

costas para o referente. Há também a possibilidade de vários artistas terem utilizado

outros utensílios como a câmara lúcida e o espelho côncavo além da câmara escura

desde o Renascimento, como afirmou David Hockney no seu livro Secret Knowledge:

Rediscovering the Lost Techniques of the Old Masters (Hockney, 2006). 1

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___ 1 – Obra que gera alguma controvérsia como podemos verificar nos artigos científicos contidos em Art Optics: New Theories of Opticality in Western Painting of the Past 600 Years http://www.webexhibits.org/hockneyoptics/

Estes utensílios deixaram praticamente de ser utilizados desde a invenção da fotografia,

que permitiu uma imagem fixa da realidade, algo que anteriormente não era possível.

Com estes meios ópticos a imagem aparecia projectada de uma forma invertida e estava

dependente da luz existente, não sendo assim de prática utilização e tendo

provavelmente como função principal um apontamento inicial de proporções. Esse

problema técnico foi resolvido com através da utilização do retroprojector que permite

projectar a imagem sobre o suporte sem grandes deformações (dependendo do ângulo

da projecção e do suporte) de uma forma bastante semelhante à fotografia original.

A fotografia veio trazer também uma forma diferente de visualizar o desenho. Este,

deixou de estar ligado à representação literal da realidade como objectivo primário,

abrindo novos caminhos artísticos que permitiram ao artista desenvolver uma forma

mais livre de desenhar.

Mas, mesmo quando se envolve a reprodução da realidade, quer se use a perspectiva

linear ou utensílios que auxiliem ao processo de desenho, é necessário algo mais para

desenhar de uma forma criativa, artística, para não ser uma simples “cópia” da

realidade. É essencial intensificar e diversificar os modos de desenhar para saber como,

quando e porquê utilizar estes utensílios e ter uma percepção artística apurada que ajude

a tomar as melhores decisões durante o processo do desenho.

Por isso, o ensino do desenho e a prática constante da parte do desenhador são

fundamentais para a aprendizagem do desenho de representação.

As crianças que nunca passaram por um ensino artístico, geralmente tentam desenhar o

que vêm sem auxílio dos sistemas de representação referenciados anteriormente.

Desenham, na grande maioria dos casos, do particular para o geral e tentam transmitir as

proporções sem o auxílio das medições clássicas. O ensino do desenho, em princípio,

pode facultar às crianças, ou qualquer pessoa sem formação anterior na área, a

contrariar estes hábitos, ao permitir que aprendam a desenhar do geral para o particular

e a realizar as medições de uma forma que ajude o aluno a atingir o melhor resultado

possível, desenvolvendo a sua técnica e destreza manual.

Betty Edwards, levou o ensino do desenho mais além ao criar um método que ensina

não só a desenhar mas também, segundo ela, a ver o desenho pelos olhos de um artista.

Em Drawing on the right side of the brain (Edwards, 1999), Edwards baseou-se na

investigação científica de Roger W. Sperry, que distinguia dois modos de pensar no

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cérebro humano: o do lado esquerdo, mais analítico, onde se situava os processos da

linguagem; e o do lado direito, que tratava das questões visuais e perceptivas. Este

estudo, encontrando-se desactualizado, levou a autora a chegar à conclusão que o

desenho era uma actividade que deveria ser desenvolvida à parte de processos

analíticos: através da parte direita do cérebro. Ao tomar estes estudos como base,

desenvolveu um método de aprendizagem que se revelou algo natural para a percepção

humana, ao descodificar a forma como o indivíduo visualizava e compreendia o

referente durante o processo do desenho.

É de destacar certos exercícios como o do “Desenho ao Contrário”, onde o aluno é

levado a desenhar um trabalho de Picasso, predominantemente linear, virado ao

contrário. O cérebro, desta forma, não visualizará o retrato como um retrato em si, mas

sim como um conjunto de linhas que este tem a capacidade de reproduzir de acordo com

os ângulos que os traços formam entre si e a qualidade dos mesmos. A capacidade

analítica do cérebro, ao não interferir, permite ao indivíduo ver o desenho como algo de

certa forma abstracto ao nível dos conceitos. Esta forma de ver é semelhante à

visualização de um objecto pela primeira vez, quando este ainda não foi conjugado com

um nome que lhe permita a identificação: o cérebro está em processo de o conhecer.

Ou seja, o modo de o artista desenhar está relacionado com uma forma individualizada

de ver o referente – não generalizada.

A maioria dos exercícios toma como base uma descodificação do objecto através da

relação entre as linhas. Não se poderá dizer que o método base utilizado é do geral para

o particular ou vice-versa. Ela sugere, na maioria dos exercícios, o auxílio de duas

linhas base a passar no meio da folha de papel: uma horizontal e outra vertical. A partir

daí, o aluno relaciona-as com o referente que escolheu para desenhar, fazendo traços,

nunca nomeando qualquer parte do objecto que está a ver. Com a prática, o aluno

aprenderá a fazer estas relações entre linhas de uma forma cada vez mais automática

permitindo a este concentrar-se noutros aspectos de índole mais artística.

1.2 A individualidade do autor a partir do desenho de representação

O desenho envolve uma síntese do objecto visualizado e uma aplicação gráfica

reflectida para que o resultado se possa referir visualmente ao mesmo. Poderá ser o

movimento que o objecto evoca, uma textura que se destaca, ou mesmo um conceito. O

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autor, de acordo com a sua sensibilidade e conhecimento, terá consecutivamente que

adaptar a técnica às suas intenções e objectivos.

A síntese e as decisões tomadas durante o decorrer do acto de desenhar reflectem a

identidade do artista. Isto pode ser comprovado em qualquer aula de desenho: com a

mesma técnica e o mesmo modelo, cada indivíduo toma opções diferentes. Estas, são

verificadas a vários níveis como o modo de colocar a figura na folha, a forma de utilizar

o lápis ou a sintetização da informação. Ou seja, o desenho artístico é o resultado de

uma multiplicidade de escolhas que envolvem uma interpretação da realidade que é

sempre diferente de acordo com a personalidade e experiência de cada indivíduo.

Podemos concluir que um dos aspectos fundamentais para a criação artística é educar o

gosto para essas opções serem tomadas da forma mais válida possível. E aí, surge o

papel da educação artística através da formação ao nível dos estabelecimentos de ensino

ou mesmo através do interesse que o próprio indivíduo tenha sobre a disciplina do

desenho e da história da arte.

John Ruskin (1819-1900), influente intelectual e crítico inglês no séc. XIX, reflecte

acerca da educação da percepção como ponto fundamental na aprendizagem do

desenho:

«I believe that (irrespective of differences in individual temper and character) the excellence of an artist,

as such, depends wholly on refinement of perception, and that it is this, mainly, which a master or a

school can teach(…). It is surely also a more important thing, for young people and unprofessional

students, to know how to appreciate the art of others, than to gain much power in art themselves.»

(Ruskin, 2009: 13-14)

Ou seja, mais que saber reproduzir a realidade, é necessário pensá-la e conseguir

transmitir para o suporte através da matéria todo esse processo. O conhecimento dos

sistemas básicos de representação, referências artísticas de qualidade, uma capacidade

crítica em relação ao desenho e uma visualização da realidade distinta, poderão ajudar o

indivíduo a criar um trabalho único de índole artística.

O conjunto do desenvolvimento de todos estes elementos ajudarão o aluno a alcançar

uma fase de especialização. Aqui, todo o processo de aprendizagem servirá de base para

novas criações. Interessará agora ao artista desenvolver a sua individualidade enquanto

pessoa e traduzi-la no processo do desenho. Isto fará o autor sentir-se confiante para

começar a questionar regras e acções inerentes à sua aprendizagem do desenho e

adaptar todo o seu conhecimento ao objectivo do trabalho que quer desenvolver.

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1.3 Desenho e Pintura: diferenças

O desenho é definido normalmente como monocromático e possui uma ligação com

materiais riscadores e outros que permitem uma fácil utilização em situações muito

diversas. Apesar do desenho ser importante para resolver muitas questões ligadas à

problemática da pintura, como a estrutura e proporções, há algumas diferenças entre as

disciplinas que, embora ténues, interessam definir para se compreender melhor o acto de

desenhar:

«La diferencia que separa al dibujo de las demas artes es la recurrencia a la reducción como hecho de

criación. La imagen será esencial, desnudada del mayor número de componentes (…). Pintura y dibujo

serán sistemas de detención de la imagen en una pantalla bidimensional, pero mientras la pintura necesita

de un artificio más complejo que sea capaz de elaborar una representación de la luz y el color, la esencia

del dibujo será la fabricación del objeto mediante su negación, mediante la sombra, la ocultación de la luz

en el trazo.» (Copón, 2003: 431/432)

A oposição entre a primazia da pintura e do desenho prometeu variadíssimas discussões

ao longo da história da arte. Esta distinção entre disciplinas verifica-se no século XVI,

com uma oposição doutrinária entre as cidades de Veneza, cuja produção artística se

caracterizava por uma primazia dada a cor, e Florença, que admitia o desenho como

base principal da pintura.

Em França, no século XVII, o debate tornou-se ainda mais aceso, com discussões entre

poussinistas (destacando-se Charles Le Brun) e rubenistas (com Roger de Piles). Os

poussinistas, eram seguidores de Poussin e defendiam o desenho como base da pintura.

Os rubenistas, admiradores de Rubens, defendiam os valores da cor.2

A Academia Real de Pintura e Escultura, era dirigida pelos poussinistas desde a sua

fundação, sendo a importância dada ao desenho uma teoria dominante devido às suas

finalidades teóricas e pedagógicas. Contrariamente à cor na pintura, o desenho era

ensinado com premissas e regras. Já as faculdades da cor, sendo mais difíceis de avaliar,

tornavam o seu ensino mais complicado em relação às premissas do ensino da

Academia.3

Foram realizadas várias conferências sobre o assunto a partir de 1667. Philippe de

Champaigne, tornou a discussão mais acesa ao admitir que «a cor está para as outras

partes da pintura assim como o corpo está para a alma. Ela não passa de uma bela apa-

___

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14

2 – Destacamos a obra A pintura, Textos Essenciais; Vol.3: A Idéia e as Partes da Pintura (Licthenstein, 2006) que insere estes

factos no respectivo contexto histórico e possui os textos integrais traduzidos das conferências realizadas por Charles Le Brun e

Roger de Piles na Academia Real de Pintura e Escultura. 3 – Referência a Lichtenstein, 2006: 13

rência» (Lichtenstein, 2006: 14). Gabriel Blanchard, responde com o elogio ao trabalho

da cor em Rubens. Isto trouxe uma acesa discussão durante as décadas seguintes na

Academia onde vários temas foram discutidos, postos em causa, e também, de alguma

forma, exagerados.

Roger de Piles, com a sua argumentação acerca dos valores da cor, cria uma nova teoria

acerca da pintura, onde os elementos estéticos do prazer e da sedução na obra de Rubens

ajudam a distinguir a autonomia da cor. Esta estética dominará a crítica no século

seguinte.

Importa-nos determinar, no entanto, as diferenças entre o desenho e a cor, estabelecidas

por Charles Le Brun, na sua conferência Opinião sobre o discurso do mérito da cor

pelo sr. Blanchard. (Le Brun, 2006: 41-47) Para este propósito, é útil uma incursão

complementar na acepção do desenho em Federico Zuccari.

1.3.1 Noções de Desenho em Federico Zuccari

Federico Zuccari, foi um arquitecto e pintor maneirista que escreveu um importante

ensaio intitulado Ideia dos pintores, escultores e arquitectos. (Zuccari, 2004: 40-54)

Neste, o autor distingue a noção de desenho interno de desenho externo e descreve os

vários subtipos existentes e como se formam. Esta concepção do desenho, trouxe um

novo valor ao intelecto do artista. O autor define desenho interno como:

«(…) é em geral e universalmente uma ideia e uma forma no intelecto que representa distinta e

verdadeiramente a coisa compreendida. (Zuccari, 2004: 44)

A faculdade de poder formar um desenho interno intelectivo, segundo Zuccari, foi dada

ao homem por Deus. A partir desta, o indivíduo pode conhecer todas as criaturas,

ajudando a formar a sua própria visão do mundo dentro de si. «O desenho (…) é forma,

ideia, ordem, regra, termo ou objecto do intelecto, no qual são expressas as coisas

entendidas», sendo o desenho interno «uma forma no entendimento que representa

distinta e expressamente a coisa que ele compreende, sendo também termo e objecto do

entendimento.» (Zuccari, 2004: 42)

Por meio do entendimento proporcionado pelo desenho interno, que torna possível o

conhecimento de todas as criaturas e a formação do mundo dentro do indivíduo, o

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homem pode produzir a arte, que rivaliza com a natureza por meio da imitação, mas que

nos permite ver «novos paraísos» na terra. (Zuccari, 2004: 46)

O desenho interno possibilita, pois, a existência do desenho externo. Federico Zuccari

define-o como:

« (…) o desenho delimitado por sua própria forma, e desprovido de substância corporal: simples traço,

delimitação, medida e figura de qualquer coisa imaginada ou real» (Zuccari, 2004: 47,48)

Logo, o desenho externo é menos nobre que o seu conceito interno. No entanto, este é o

que permite a representação das operações do intelecto por meio do acto visual:

«O corpo é a substância activa, (…) que é pelos sentidos compreendida e pelo intelecto realizada. Porém

esse corpo do desenho externo, (…) que, tal como uma pequena criança, cresce a pouco e pouco graças ao

leite da experiência e da prática, adestrado e douto, guia a mão, conhece a ordem e confirma as regras e as

razões de todas as coisas (…). Esse juízo humano, e o intelecto junto, adquire-se progressivamente com

longo estudo, experiência e trabalho, como qualquer um pode perceber e testemunhar, e assim vai-se

afinando e clareando a inteligência do intelecto (…).» (Zuccari, 2004: 49)

Segundo Zuccari, existem também três formas de desenho externo:

«Um denomina-se desenho natural, exemplar, próprio; é produzido pela natureza, e depois pela arte

imitado.

Outro denomina-se desenho artificial, exemplar do artifício humano, e com o qual formamos diferentes

invenções assim como conceitos históricos e poéticos.

O terceiro também o denominaremos desenho artificial, porém fantástico, pois realizará todas as

bizarrices, todos os caprichos, todas as invenções, todas as fantasias e todas as extravagâncias do

homem.» (Zuccari, 2004: 51)

O desenho natural é o principal. Trata-se daquele que representa todas as formas

externas presentes no mundo. Este tipo parte da imitação tendo como base várias formas

presentes na natureza.4

A arte não pode imitar nem representar as primeiras substâncias que constituem a parte

principal do mundo, pois estas não estão submetidas aos nossos sentidos. Devido a este

facto, só as suas formas externas podem ser imitadas pelo desenho de forma viva e

verdadeira. Assim, o mundo visível constitui o nosso primeiro e principal referente para

o desenho exterior que é essencial para as artes, tendo em vista a imitação.

1.3.2 Charles Le Brun e os propósitos de Federico Zuccari

Le Brun dá valor aos propósitos do desenho interno e externo descritos anteriormente.

Para este autor, «o verdadeiro mérito é aquele que se sustenta sozinho e que não

depende em nada de qualquer outra coisa.», e como tal é necessário avaliar em que

nível, a cor ou o desenho, se sustentam sem a ajuda um do outro (Le Brun, 2006: 41).

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___ 4 – Ver descrição das formas em Zuccari, 2004: 52

Através da concepção de Zuccari, Le Brun considera que o desenho interno corresponde

à ideia e é o princípio criativo por excelência. A transposição da ideia para o visível, é

realizada através do desenho externo. É através deste que as coisas visíveis são

imitadas, sem ser necessário o recurso da cor. A cor «representa apenas o que é

acidental»: como é produzida pela luz, está sujeita a alterações constantes ao longo do

dia (Le Brun, 2006: 42). Da mesma forma, na prática, esta está dependente da matéria,

pois só por meio das cores primárias é possível obter todas as tonalidades. Já o desenho,

como provém do espírito, é mais nobre, é independente dos recursos terrenos.

A acrescentar, está o facto de a cor depender totalmente do desenho, pois a esta é

impossível representar algo sem uma ordenação proveniente do mesmo. O mérito do

desenho, para Le Brun, é superior ao da cor, pois sem aquele a sua aplicação seria feita

sem ordem, sem sentido. Le Brun prossegue:

«Decerto não será perfeito um pintor que não souber aplicar as cores, assim como não será completo um

quadro no qual a cor não seja empregada de maneira sábia e parcimoniosa. Mas eu diria também que essa

sabedoria e essa parcimónia provêm do desenho e que, numa palavra, todo o apanágio da cor é satisfazer

os olhos, enquanto o desenho satisfaz o espírito. E como os quadros são feitos para agradar tanto os olhos

como o espírito, a cor tem a sua parte, como acabo de dizer, na perfeição da obra.» (Le Brun, 2006: 43)

Logo, a cor para o autor é importante, mas está sempre dependente do desenho. Le Brun

prossegue com referências clássicas que defendem o mesmo, exaltando Vitrúvio e

outros teóricos, referindo que não só a pintura mas também a escultura e a arquitectura

estão dependentes do desenho. (Le Brun, 2006: 47)

Podemos concluir que para Le Brun a cor é secundária no desenho de representação, o

que é o oposto à pintura ocidental realizada do séc. XVII, que é na sua maioria

policromática.

O desenho actua como ordenação do representável e, retirando a cor, podemos ter uma

obra totalmente fundamentada e independente. A obra final será vista indiscutivelmente

como desenho quando aquilo que fundamenta o mesmo se torna primário, seja o modo

como a estrutura do objecto é representada, seja pelos grafismos utilizados.

1.4 Linha como síntese

A sintetização inerente ao desenho tem como consequência a associação da linha como

grafismo à definição de desenho.

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A linha pode mostrar-se contínua ou quebrada e a junção destas forma manchas, tramas,

sombras, traduzindo-se numa graduação de tons e num sentido de profundidade ou

volume. Pode ainda transmitir tensão e movimento.

A linha também é o elemento que descreve o perímetro do suporte do desenho. Isto irá

afectar obviamente o resultado final do trabalho artístico em termos compositivos. No

entanto, no objecto a ser representado ela só existe de forma abstracta. O autor utiliza-a

somente para definir um espaço através dos contornos do mesmo ou, no caso do

sombreado, através dos valores de claro-escuro e da textura que apresentam.

Um desenho só com linhas pode não ser o suficiente para definir o volume do objecto

representado. A técnica do sombreado é normalmente referida como hipótese para

destacar a tridimensionalidade do objecto nestes casos. No entanto, nas técnicas

clássicas do desenho e da gravura (ponta de prata e água-forte, por exemplo), utiliza-se

tradicionalmente uma trama de linhas que conseguem definir o volume do objecto

através da sua ondulação e da interacção entre linhas paralelas:

«El rayado se puede realizar (…), siguindo la curvatura del objeto, logrando su fuerza de sugestión

modeladora, por así decirlo, a modo de acotación del efecto lumínico. El rayado puede dar diferencias de

claroscuro de manera totalmente independiente de la naturaleza del objeto espacial, siguiendo tan sólo su

propria motricidad. Las rayas pueden ser decididas o buscar una forma vacilante, también llena de fuerza

o nerviosamente temblorosas. Lo decisivo es la intención del espacio que les guía.» (Molina, 2003: 208)

Estas linhas em forma de trama, apesar de caracterizarem uma forma específica de

sombrear, adequam-se a cada autor, havendo margem para criatividade no modo de

modulação, como se pode ver, por exemplo, na figura seguinte:

Fig. 1 - Cabeça de Laoconte. Gravuras realizadas aplicando diferentes convenções de sombreado em distintas épocas:

1527, 1544, 1680, 1804, 1834 e 1868

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A linha é também muito importante para a composição. Esta cria tensões no quadro pois

«o ponto apenas possui uma tensão e pode não ter direcção, enquanto a linha possui

indubitavelmente, tensão e direcção» (Kandinsky, 2006: 62)

1.5 O desenho e o espaço compositivo

As tensões criadas pela linha originam problemas em termos compositivos. Kandinsky

define três tipos de linhas: A horizontal, com uma base de sustentação fria, a vertical,

que pressupõe movimentos quentes, e a diagonal, que é uma união entre o quente e o

frio. Sobre o conjunto das suas tensões Kandisky refere:

«As linhas rectas sem centro comum são as primeiras rectas que possuem uma capacidade específica (…)

de avançar ou de recuar.. As tensões das rectas puramente esquemáticas (horizontal, vertical e diagonal, e

sobretudo, a primeira e a segunda), agem sobre o plano sem a mínima tendência para o deixarem. As

linhas rectas livres e, especialmente, aquelas sem centro comum, têm uma relação mais frouxa com o

plano: fazem menos corpo com o plano e, por vezes, parecem trespassá-lo. Estas linhas são

completamente estranhas ao ponto ancorado no plano e já não possuem nada da calma inicial do ponto.»

(Kandinsky, 2006: 65)

Estas linhas podem ter várias derivações, como a linha curva e a linha quebrada, que

proporcionam consecutivamente diversos tipos de tensão.

A linha também tem várias qualidades, sendo a sua diferença de espessura um factor

determinante para o resultado final:

«No caso da escassez flagrante dos elementos principais de uma composição, este meio de expressão cria

uma certa vibração dos elementos, suscitando uma suavização na atmosfera rígida do conjunto mas, se

utilizado exageradamente conduz a um preciosismo repugnante.» (Kandinsky, 2006: 91)

A força é também uma qualidade transmitida pela linha pois está sempre presente no

seu processo de formação, na origem da mesma.

A inserção de qualquer tipo de linha no suporte (também delimitado por linhas), cria a

base compositiva que o artista tem que solucionar da melhor forma. Kandinsky,

compara as direcções da linha com o quente e o frio, podendo haver uma predominância

de um dos dois tipos ou uma junção dos mesmos.

Para o trabalho final é determinante o formato do suporte, que será a base para qualquer

composição e respectivas tensões. O artista tem também que considerar os vários

espaços dentro do suporte, pois uma linha num sítio cria uma tensão diferente da mesma

linha no lado oposto.

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No fundo, é necessário para a compreensão do desenho, uma harmonia interna, que seja

capaz de manter unidos os traços, a qualidade gráfica do material utilizado, o ritmo, o

movimento e outras características presentes. Igualmente, terá de haver uma harmonia

externa, que transmita, pelo seu todo, uma coerência composicional global onde todas

as formas e espaços vazios se unem sem interferências:

«Los trazos deben generar una imagen, algo que pueda percibirse como totalidad a escala reducida, punto

de ebullición de sus componentes que generan y transmiten unidad. Pero a su vez, al estar articulado

como partes, cada parte puede ser tomada como una zona, que comunica, compone la totalidad, al mismo

tiempo que puede ser sustituido por outro trazo, tono…» (Cópon, 2003: 439)

O domínio da composição é central para o desenho, pois, trata da organização das

formas, que é essencial à expressão e transmissão da informação ao observador.

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2. GRAVURA5 E DESENHO

2.1 Gravura e Desenho: semelhanças. A reprodutibilidade como diferença

«Etching’s not drawing exactly, but it’s a sort of drawing.» (Freud, 2007: 94)

Quando nos referimos à gravura, mais particularmente às técnicas da água-forte, ponta-

seca e litografia, a ligação com o desenho é evidente.

O desenho está, como referido anteriormente, ligado à noção de riscar e ao resultado

sintético que apresenta. A gravura, principalmente a água-forte e a ponta-seca, é

caracterizada por uma primazia dada à linha. A sua ligação com o desenho torna-se

então uma evidência inquestionável:

« Um desenho executa-se numa superfície qualquer, plana ou não, com um utensílio que nela possa fazer

traços. Ou a seco, com uma ponta, uma pedra, um estilete, um lápis – ou por meio de uma tinta,

empregando uma pena ou um pincel.» (AA. VV., s.d.1: 704).

A gravura com fins de reprodução tem como primeira grande manifestação a técnica da

xilogravura com origem chinesa. Na Europa, conhecem-se os primeiros exemplos desta

técnica durante a Idade Média. Trata-se de um entalhe realizado numa placa de madeira

onde a tinta fica na parte não intervencionada.

A gravura em metal surge nos finais do século XV, havendo na Europa gravuras datadas

desse período. A gravura em metal (antes limitada às técnicas da ourivesaria), consiste

na deposição de tinta nos sulcos realizados pelo buril ou outros instrumentos. Dentro da

gravura calcográfica existem duas formas de gravação: uma de forma directa como a

denominada ponta-seca e a maneira negra; e a forma indirecta, onde se inserem, por

exemplo, as técnicas da água-tinta, água-tinta de açúcar, verniz-mole e água-forte.

A técnica da litografia, inventada no final do século XVIII por Alois Senefelder que

procurava encontrar um meio fácil de reproduzir o seu trabalho, veio revolucionar a

imprensa. A litografia é planográfica e emprega uma matriz em pedra calcária que

utiliza as propriedades da hidrofilia e da hidrofobia para a criação da imagem: o

desenho é feito com materiais de base oleosa o que permite que a tinta se deposite

unicamente no espaço intervencionado. Esta técnica, além de possibilitar uma grande

semelhança com o desenho tal como é realizado em papel, permite a criação de

múltiplas provas em positivo. Este processo abriu caminho para a criação da impressão

___

5 – Permita-nos uma apresentação muito sucinta de algumas fases históricas da produção da gravura.

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em off-set utilizada actualmente para a impressão de grandes edições.

A serigrafia é uma derivação da técnica do stencil com uma matriz de seda. Este modo

de imprimir com stencil é a técnica mais antiga de reprodução utilizada desde tempos

imemoriais no Oriente. No entanto, a matriz de seda só começou a ser utilizada na

Europa no final do século XIX, como método de decoração de têxteis. A ferramenta

com perfil de borracha (raclete), fundamental para a actual tecnologia serigráfica, e o

método de “Selectasine” foram inventados por artesãos californianos, na segunda

década do século XX.

A técnica começou a adquirir popularidade como método artístico, nos EUA, nos anos

30, mas foi a partir dos anos 50 que os artistas aceitaram plenamente esta técnica que

teria o seu auge na designada Arte Pop.

A diferença entre uma gravura de carácter linear e um desenho assenta essencialmente

na reprodutibilidade e nas condições que a própria técnica apresenta. O desenho é,

classicamente, o início de uma gravura e estas eram realizadas através de desenhos que

posteriormente eram passados para a matriz. No caso da água-forte, a matriz era

frequentemente realizada pelo artista, devido à semelhança e facilidade do traço em

relação às técnicas normais de desenho. O desenho era a criação em si, o embrião da

gravura. Esta, pelos seus meios, tinha o propósito de o reproduzir mantendo o registo do

artista sempre que possível. Quando era o mesmo a realizá-la, as provas eram capazes

de manter um carácter uno e uma aura própria em cada prova, apesar das inúmeras

reproduções possíveis. No entanto, quando não era o próprio artista, a qualidade da

linha do desenho estava dependente da qualidade e experiência do artesão.

Mesmo na contemporaneidade o desenho e a gravura continuam a ter uma ligação

evidente. No entanto, a gravura ganhou alguma independência em relação ao desenho

principalmente com a introdução da fotografia. Outras técnicas, como a serigrafia e o

fotopolímero, ganharam terreno e nem sempre o desenho é a característica principal.

Mesmo a invenção da água-tinta veio permitir um carácter mais ligado à modulação da

mancha que actualmente é desenvolvido por vários artistas. Além disso, a utilização da

cor na gravura é actualmente recorrente, o que pode remeter para uma ligação mais

evidente com a pintura do que propriamente com o desenho.

Contudo, a gravura, especialmente a técnica da água-forte, continua a ser um meio

privilegiado do desenho. David Hockney, por exemplo, disse numa entrevista que um

artista que queira desenvolver a linha tem na gravura o médium adequado:

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«I mean if you want to work in line I think it’s (água-forte) the loveliest medium of all. (…) the best

etchings are line etchings.» (Hockney, 1970: 12)

Quanto à sua condição reprodutiva, importa questionar o valor e a autenticidade da obra

de arte no âmbito da gravura.

2.2 Autenticidade e aura

Ao reflectir sobre a gravura e a sua ligação com a noção de reprodução, é

imprescindível falar no ensaio de Walter Benjamin6, A obra de Arte na Era da sua

Reprodutibilidade Técnica. Aqui se formularam os primeiros conceitos de originalidade

e autenticidade ligados à ideia da reprodutividade, o que influenciou naturalmente as

artes relacionadas com a reprodução. Esta obra foi escrita numa altura em que a

tecnologia se desenvolvia de uma forma entusiasmante e o capitalismo se começava a

afirmar ligado a uma nova era industrializada.

O sucesso derivado desta nova ordem social, o surgimento do cinema e, por exemplo, a

admiração pelo livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley têm em Walter

Benjamin o ponto de partida para o desenvolvimento deste pequeno ensaio.

Aqui, Walter Benjamin retrata e questiona as inúmeras alterações que surgiram na

humanidade e de como esta passa a ver a arte, derivadas da reprodutibilidade técnica da

obra de arte.

A aura, o “aqui e agora” da obra de arte, é o ponto inicial em que Benjamin se foca. O

autor faz uma reflexão sobre a perda da aura no objecto artístico: aquilo que a história e

o ritual mantinham na obra original, depois do avanço dos métodos de reprodução da

mesma. Pois, apesar da reprodução deixar intacto o conteúdo ou aparência da obra, a

sua autenticidade, segundo ele, é afectada:

«Mesmo na reprodução mais perfeita falta uma coisa: o aqui e agora da obra de arte – a sua existência

única no lugar em que se encontra. (...) O aqui e agora do original constitui o conceito da sua

autenticidade. (...) As situações a que se pode levar o resultado da reprodução técnica da obra de arte, (…)

desvalorizam-lhe, de qualquer modo, o seu aqui e agora. (...). A autenticidade de uma coisa é a suma de

tudo o que desde a origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico.

(…) O que murcha na era da reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura.» (Benjamin, 1992: 77-79)

No entanto, o autor, defende a reprodutibilidade técnica, afirmando que esta abriria

inúmeras possibilidades, mudando a reacção das massas perante a arte. As reproduções

___

6 - Walter Benjamin (1892 – 1940), foi um crítico literário, ensaísta, sociólogo e filósofo integrante na Escola de Frankfurt.

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seriam capazes de moldar o sentido crítico do apreciador de forma positiva, pois, permi-

tiriam às pessoas ter contacto com obras de arte que de outra forma nunca poderiam ver.

Com o surgimento da fotografia e do cinema, a obra de arte começa a ser produzida já a

pensar na sua própria reprodutibilidade devido ao original ser só devidamente

visualizado quando é reproduzido, questionando desta forma a autenticidade da mesma.

Walter Benjamin deixa à tecnologia da gravura apenas umas menções de contexto, o

que é claramente um lapso. A gravura destaca-se autonomamente das outras artes

reprodutíveis ao não perder a sua aura, o seu carácter original, aquando da reprodução.

Isto acontece, pois, a técnica requer manualidade, experimentação e envolvimento por

parte do artista no seu processo, o que não sucede da mesma forma com outras artes

reprodutíveis.

«Supõe-se que o saber da gravura, por ser pré-digital, por não ser high-tech, não lhe acompanha o passo

(referente à arte digital), e se queda num exercício nostálgico e ritual de destreza manual e de exploração

das potencialidades do que é eminentemente material.» (Quaresma, 2008: 88)

De igual forma, é uma arte que se insere nas práticas artísticas da arte contemporânea

devido aos inúmeros resultados possíveis de se atingir com a experimentação, sendo até

alcançável ligar-se de inúmeras formas com outras artes visuais.

Ou seja, a gravura artística afirma-se perante as artes do aqui e agora, mas ao mesmo

tempo insere-se nas artes reprodutíveis, o que cria uma tensão característica da própria

técnica. A sua aura permanece na reprodução devido à forma de trabalhar a matriz por

um lado, mas também devido ao processo manual de tintagem, que requer

conhecimentos técnicos, experiência e dedicação tendo cada prova, mesmo inserida

numa série, características individuais, únicas.

No entanto, é de notar que o conceito de aura é um atributo externo à obra pois depende

do conhecimento do espectador em relação ao contexto em que a mesma se insere. A

essência da obra, o seu potencial evocador de sensações e pensamentos, é independente

da noção de aura.

2.3 Valor expositivo e valor de culto

Segundo Walter Benjamin, a perda de “aura” da obra de arte acompanha a

desvalorização do “valor de culto” em favor do “valor expositivo”. O original será

sempre visto como o mais valioso, mas quanto ao seu valor de culto este pressupõe

certo tipo de contemplação por parte do observador. Já o valor expositivo, segundo

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Benjamin, traz uma nova forma de percepcionar a imagem que se pode prender com o

sentido extraído da mesma ou o que esta pode trazer ao mundo.

«O culto foi a expressão original da integração da obra de arte no seu contexto tradicional. Como

sabemos, as obras de arte mais antigas surgiram ao serviço de um ritual, primeiro mágico e depois

religioso. É, pois, de importância decisiva que a forma de existência desta aura, na obra de arte, nunca se

desligue completamente da sua função ritual.» (Benjamin, 1992: 82)

A única situação em que o valor de culto nas artes reprodutíveis é conservado, segundo

ele, é na fotografia de retrato, pois trata-se da única imagem que fica dos seres humanos

depois destes deixarem de existir o que lhe dá valor simbólico por parte dos entes

queridos, o que acontece igualmente na fotografia pos mortem. Todos os outros tipos de

fotografia necessitam de uma legenda, devido ao ser humano não sentir de imediato

uma ligação afectiva com a mesma.

No entanto, o valor de exposição da obra de arte aumentou, requerendo à mesma novas

funções, principalmente a artística que abre imensas possibilidades. Esta viragem

também trouxe, segundo Walter Benjamin, mudanças sociais na funcionalidade da arte:

esta substituiu a sua função de culto pela política. Presumiu que a proliferação de

imagens ajudaria à democratização da arte mas que, ao mesmo tempo, a mesma podia

servir de instrumentação política.

2.4 Ocorrência única e ocorrência de massa

A gravura tem como característica de destaque a sua dualidade entre matriz e prova.

Uma não existe totalmente sem a outra, o que consequentemente faz com que a matriz

conserve o seu carácter único de objecto trabalhado manualmente, mas que ao mesmo

tempo perca valor unitário com as suas múltiplas reproduções.

Interessa então reflectir sobre esta dualidade de uno e múltiplo, mesmo quando nos

referimos ao impacto sobre o público, sobre as massas.

Benjamin, no seu ensaio A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica,

reflecte acerca do impacto recorrente da proliferação de imagens sobre as massas,

concluindo que o valor de culto do original iria ser afectado com a sua reprodução:

«A reprodutibilidade técnica da obra de arte emancipa-a, pela primeira vez na história do mundo, da sua

existência parasitária no ritual. A obra de arte reproduzida, torna-se cada vez mais a reprodução de uma

obra de arte que assenta na reprodutibilidade.» (Benjamin, 1992: 83)

No entanto, sobre as reproduções do original, seja ele pintura, arquitectura, ou outras

artes, ignorou o facto de que as próprias reproduções poderiam trazer ainda mais

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destaque ao original em si mesmo. Toda a proliferação de imagens das obras aumenta a

curiosidade do espectador em ver a mesma e em possuí-la. De outra forma, esse desejo

não seria alcançado. Numa perspectiva semelhante, todas as publicações realizadas de

forma a divulgar a história de arte trouxeram ainda mais valor para os originais. Nesse

sentido, a perda de aura da pintura ou outra arte reproduzida não tem razão de ser.

É de destacar ainda o facto das obras tradicionalmente vistas como algo a ser usufruído

individualmente (como a pintura, a escultura e mesmo a própria gravura quando se trata

de um público a nível mundial), com a sua reprodução, passarem a ser pensadas tendo

em vista sua a recepção colectiva. Uma perspectiva cujas consequências ainda não estão

bem estudadas mas que Walter Benjamin já tinha reflectido neste ensaio.

Outra questão importante referida nos seus textos é a democratização da arte através da

acessibilidade das massas às imagens. A seu ver, as massas iriam seleccionar

intuitivamente as reproduções de maior qualidade. No entanto, este testemunho é

extremamente optimista tendo em conta tudo o que aconteceu no século XX, aquando

das grandes transformações verificadas na indústria cultural.

Adorno, outro teórico da Escola de Frankfurt, refere que a indústria cultural satisfaz os

interesses dos veículos de comunicação fazendo com que as reproduções se adaptem ao

consumo das massas e também determinem o próprio consumo, o que torna possível o

controlo do gosto geral. A própria indústria cultural, segundo Adorno, impede a

autonomia do indivíduo, dificultando a sua capacidade de julgar e decidir

conscientemente.

Este argumento pode de certo modo conjugar-se com a própria citação que Walter

Benjamin faz de um texto de Aldous Huxley citado no seu próprio ensaio (Benjamin,

1992, p.97), onde este refere que o aumento da reprodutibilidade do material artístico

não é proporcional ao aumento de talentos artísticos destacados no mesmo material. Ou

seja, a indústria cultural para sobreviver não pode viver só de talentos consolidados,

pois, a “procura” é muito maior que a “oferta”. A indústria aproveitou assim esta folga,

adaptando as noções de artista como criador de vários movimentos do século XX, sendo

agora o talento manual algo que não é essencial para se ser artista. O mercado

permanece assim activo e cada vez mais ligado ao investimento.

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3. AS FACULDADES DA INTUIÇÃO E DA RAZÃO NO ACTO CRIATIVO

3.1 A intuição como processo determinante para a criação

Os nossos comportamentos são influenciados pela cultura em que crescemos, através

das nossas vivências e do conhecimento adquirido. Com esta base, a nossa forma de

agir perante os problemas nem sempre é do foro consciente devido à acumulação

constante de experiências ao longo do tempo. É impossível aceder a este conhecimento

e experimentação acumulados de forma consciente devido à natureza da vida psíquica e

à quantidade interminável de informação de que dispomos. Por estas razões, estes dados

presentes no subconsciente permitem-nos ter acções irreflectidas. Estas acções, rápidas

e inconscientes, são de natureza intuitiva pois não é necessário esforço mental para as

realizar, surgem naturalmente.

Para o assunto em questão, o entendimento do carácter intuitivo na criação da obra de

arte é essencial, pois, características como a espontaneidade e a expressividade,

presentes frequentemente no desenho criativo, requerem o desenvolvimento da

faculdade de intuição.

3.2 A Intuição filosófica

Este processo intuitivo foi abordado por vários filósofos. Segundo Ferrater Mora, no seu

Dicionário de Filosofia, a intuição «designa em geral a visão directa e imediata de uma

realidade ou a compreensão directa e imediata de uma verdade» (Mora, 1982: 222).

Para que o pensamento intuitivo se cumpra, é então necessário que a razão, ou outra

forma de pensar não directa, não se interponha durante a acção intuitiva.

Kant, por exemplo, descreveu a intuição na Crítica da Razão Pura, como uma

capacidade que se verifica quando algum objecto nos é dado.

A percepção dos objectos só consegue permitir a capacidade intuitiva, se for realizada

por meio da sensibilidade:

«Sem a sensibilidade, nenhum objecto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado.

Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceito são cegas. Pelo que é tão necessário tornar

sensíveis os conceitos (isto é, acrescentar-lhes o objecto na intuição) como tornar compreensíveis as

intuições (isto é, submetê-las aos conceitos). (…) O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada

podem pensar. Só pela sua reunião se obtém conhecimento.» (Kant, 2001: 89)

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Para a recepção dos objectos por meio da intuição temos que estar equipados com

estruturas receptivas específicas. A essas estruturas, Kant dá o nome de tempo e espaço.

Estas são formas a priori da sensibilidade que permitem estabelecer relações entre

aquilo que nos é dado.

Ou seja, o espaço e o tempo são as formas como intuímos e as impressões sensíveis e os

dados são aquilo que intuímos.

Para Bergson, crítico da filosofia de Kant, a intuição tem como fim o conhecimento e

como objectivo conhecer directamente o espírito. Bergson associa frequentemente a

intuição à simpatia. Para Bergson, «a simpatia designa um processo de interiorização do

eu e exprime o sentimento da sua coincidência consigo mesmo» (Bergson, 1994: 61). A

mesma palavra é aplicada pelo autor em relação à arte, devido ao espírito criador

requerer também da espontaneidade da vida uma acção de interiorização.

Em Intuição Filosófica, Bergson descreve o surgimento da intuição na criação do

pensamento filosófico como uma espécie de impulso que cria um crescimento

espontâneo e derivativo:

«Assim o movimento característico de qualquer acto de pensamento leva esse pensamento, por uma

subdivisão crescente espontânea, a expor-se cada vez mais sobre os planos sucessivos do espírito até que

atinja o da fala. Aqui exprime-se por uma frase, isto é, por um grupo de elementos pré-existentes; mas ele

pode escolher quase arbitrariamente os primeiros elementos do grupo, desde que os outros lhe sejam

complementares: o mesmo pensamento traduz-se igualmente bem em frases diversas compostas de

palavras completamente diferentes, desde que estas palavras tenham entre elas a mesma relação.»

(Bergson, 1994: 51)

Da mesma forma, esta noção de intuição nas letras pode ser aplicada ao desenho. Todo

o crescimento do desenho de representação é feito a partir da reprodução dos detalhes

do objecto de forma singular. O conhecimento prévio do artista no acto de desenhar

permite que o desenho flua sem esforço durante o processo. Caso um modo analítico de

pensamento se activasse durante o acto, este levaria mais esforço e tempo da parte do

artista, criando um processo menos espontâneo, mais pensado.

Bergson refere posteriormente que o problema da inteligência científica, o pensamento

lógico a partir de factos, não tem em atenção o que se passa «entre uns e outros». Ou

seja, um dos problemas da metodologia analítica é os factos em que esta se baseia já

estarem pré-determinados: para esta ser aplicada é necessário haver uma definição

lógica de cada elemento em questão e este não pode proporcionar algum tipo de

problema de entendimento. Este tipo de pensamento analítico não permite então entrar

mais profundamente no facto e compreender a vida das coisas.

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28

O pensamento filosófico de Bergson é importante para entender o processo de intuição

no acto criativo no âmbito da filosofia. Mesmo sem o desenvolvimento da neurologia,

Bergson tocou em questões fortes que revelam a ligação do acto criativo ao pensamento

intuitivo e de como a lógica de certa forma tinha que estar afastada para a faculdade de

intuir ser realizada da melhor forma. Chega a ser curioso ligar tanto a faculdade de

intuir como a arte, à «simpatia».

Contudo, investigações mais recentes demonstram como a própria biologia desenvolve

a sua teoria contribuindo para uma compreensão ainda mais alargada do processo

criativo.

3.3 A intuição segundo a neurociência

No âmbito da psicologia e da neurologia, esta faculdade tem interessado igualmente os

investigadores da área do cérebro. Ao longo de um século, foram realizados estudos

científicos que contribuíram para hoje se ter uma visão mais detalhada das capacidades

cerebrais que podem determinar os processos do pensamento intuitivo ou lógico.

Robin M. Hogarth, no seu livro Educating Intuition, faz uma análise a todos os estudos

científicos mais importantes até à data, relatando de uma forma esclarecedora a sua

visão acerca do assunto e indicando formas de utilizarmos da melhor forma a nossa

intuição.

Nas teorias citadas no livro, prevalece uma visão de dicotomia entre a intuição e a

metodologia analítica.

O autor refere vários exemplos de estudos já concretizados sobre o assunto.

Seymor Epstein, por exemplo, professor e investigador, refere que o indivíduo processa

a informação de duas formas distinguíveis: experiencial e racional. O sistema

experiencial é caracterizado por ser intuitivo e automático, conduzido por emoções. O

racional é um sistema abstracto que opera primeiramente por meio da linguagem, sendo

capaz de realizar níveis elevados de abstracção. Já no modelo de Kenneth Hammond,

existe um maior número de processos cognitivos, cuja maioria funciona por uma

mistura entre elementos de intuição e análise.

Apesar de destacar que existem mais processos envolvidos na forma do indivíduo

pensar do que uma pura dicotomia, Hogarth mantém-na para definir mais

objectivamente as origens das reacções que contribuem para o surgimento da intuição.

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29

No entanto, define-as como sistema deliberativo e sistema tácito, indicando

características distintas para cada um dos sistemas.

O sistema deliberativo, proposto por Hogarth, processa informação através de

«mecanismos deliberados e conscientes» (Hogarth, 2001: 191). Este sistema tem uma

base analítica no sentido em que há uma intenção consciente de dividir tarefas em

componentes. No entanto, segundo o autor, não se pode definir estritamente como

analítico ou lógico, uma vez que o pensamento consciente e deliberativo pode não

seguir unicamente os ditames da lógica ou análise.

O sistema tácito «cobre todos os processos de pensamento que não são nem

deliberativos nem conscientes» (Hogarth, 2001: 191). No entanto, o autor sublinha que

embora este sistema seja referido como único, este recebe dados de diferentes sistemas

de processamento de informação do organismo como o afectivo, o sensor-motor, o

neural, ou até mesmo de sistemas cognitivos. Por esta razão, o próprio sistema tácito

pode ser influenciado pelo sistema deliberativo.

A actividade mental cobre estes dois sistemas, podendo haver compromissos ou

conflitos entre os dois. No entanto, o sistema tácito está presente na maioria dos

pensamentos do indivíduo. Mesmo na resolução de problemas de ordem lógica, o

sistema tácito intervém inicialmente no reconhecimento do problema como se verá

posteriormente.

A maioria do tipo de pensamentos provenientes deste sistema segue objectivos

colocados pelo organismo. Por exemplo, todo o tipo de reacções automáticas, repetidas

inúmeras vezes anteriormente, que se colocam antes e durante da realização da tarefa

pretendida. Ou seja, grande parte das tarefas realizadas por este sistema possuem um

carácter automático proveniente da experiência anterior da realização da mesma tarefa.

Este automatismo requer pouco esforço por parte do indivíduo que executa a tarefa, daí

o mesmo realizar várias vezes algo que mais tarde não se recorda de ter feito. Por este

mesmo facto, a tarefa realizada automaticamente terá a sua boa realização dependente

da solidez da aprendizagem. Se o indivíduo apreender a informação de uma forma

negativa que prejudique o mesmo, a acção posterior realizada pelo sistema tácito irá ser

afectada e realizada de forma incorrecta.

Já o sistema deliberativo opera essencialmente nos processos de memória de curta-

duração. Como consequência, a atenção e o esforço por parte do organismo são

essenciais para a apreensão da informação.

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Estes sistemas são essenciais para o entendimento do surgimento da intuição. Primeiro,

para a faculdade surgir, implica que haja um conhecimento prévio da área em que se

quer realizar a tarefa, neste caso, o desenho. Devido à quantidade de informação

recebida pelo cérebro ao longo da vida do indivíduo, este conhecimento é impossível de

ser disponibilizado ao mesmo tempo para qualquer acção. Esta informação é, de certa

forma, armazenada pelo cérebro que tem a capacidade de a sintetizar para a utilizar

quando for necessário. A experiência adquirida no desenho pela parte do artista, ao

longo da sua vida, é então armazenada e activada pelo sistema tácito quando tal for

necessário.

Esta activação é referida no modelo de Kenneth Bowers, citado no livro de Hogarth.

Este modelo designa a memória humana como redes mnemónicas que podem ser

activadas por um processo de activação alastrada, isto é, quando o indivíduo está

exposto a vários estímulos que podem activar uma resolução que possui algo de comum

a todos. (Hogarth, 2003: 253)

Este processo funciona por duas fases. A primeira é a fase de guia (guiding), onde um

sentido de coerência implícito guia um processo de activação alastrada que determina

quais os aspectos da memória necessários de salientar ou activar.

A segunda fase, a integrativa (integrative), é uma fase da intuição que ocorre quando

uma certa ideia ou hipótese recebeu suficiente activação para crescer acima do limiar da

consciência. Este processo parece surgir ao indivíduo como se a ideia tivesse

simplesmente irrompido, quando, de facto, o subconsciente esteve a trabalhar algum

tempo. Este processo é de certa forma semelhante ao método dos marcadores-somáticos

de António Damásio, referido no tópico seguinte.

A experiência, adquirida de forma válida, é então essencial no domínio da actividade do

desenho. Esta irá ajudar o artista a resolver com pouco esforço os problemas surgidos ao

longo da acção. Ou seja, uma actividade que antes era realizada maioritariamente pelo

sistema deliberativo, com esforço, devido à falta de experiência, passa a ser realizada

pelo sistema tácito quando se chega a um determinado nível de especialização. Isto só

acontece ao atingir um elevado grau de experiência, o que se pode relacionar com a

aprendizagem do desenho.

Contudo, é necessária confiança no resultado das intuições da parte do autor, só dessa

forma, o desenho irá surgir com o mínimo de hesitações e interferências possíveis pela

parte do sistema deliberativo.

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31

O sistema tácito permite então o surgimento da improvisação no desenho já que esta

não necessita de estrutura lógica, contribuindo para a riqueza expressiva do mesmo. Da

mesma forma, como a intuição não permite que se explicifique os processos das fases

de pensamento, o resultado final é livre de verificação, ao contrário de um processo

analítico.

3.4 A decisão final através dos marcadores-somáticos e da razão

Segundo António Damásio, «o mecanismo mais antigo de tomada de decisão pertence à

regulação biológica básica; o seguinte ao domínio pessoal e social; e o mais recente a

um conjunto de operações abstracto-simbólicas em relação às quais podemos encontrar

o raciocínio artístico e científico, o raciocínio utilitário-construtivo e os

desenvolvimentos linguístico e matemático» (Damásio, 1996: 202). No entanto, o autor

admite que provavelmente todos estes mecanismos se encontram interligados, até

mesmo no acto criativo.

Damásio no seu livro O Erro de Descartes, destaca que no processo de decisão, o

objectivo final é escolher uma só via de solução para o problema. Neste sentido, o

processo decisivo teria que questionar as inúmeras hipóteses possíveis para chegar à

mais adequada. Com isto, chega-se à conclusão que «raciocinar e decidir são processos

tão interligados que se podem confundir» (Damásio, 1996: 178).

Estas capacidades de decisão e raciocínio, para serem utilizadas, necessitam de um

processo com uma estrutura lógica que permita seleccionar uma opção de resposta

adequada perante o problema. Exigem também concentração e memória de trabalho da

parte do indivíduo.

Porém, segundo o autor, terão que existir também outros processos biológicos que

contribuem para a selecção de uma resposta. Isto acontece, pois, as capacidades da

atenção e da memória são limitadas, o que não permite ao indivíduo analisar e

armazenar toda a informação de perdas e ganhos inerentes a cada decisão que possa

tomar, a cada cenário possível. Ou seja, caso o indivíduo usasse unicamente a razão

para decidir sobre algo, iria cometer erros ou então desistir antes de encontrar uma

solução, pois, provavelmente não seria possível fazê-la em tempo útil:

«A atenção e a memória possuem uma capacidade limitada. Se a sua mente dispuser apenas do cálculo

puramente racional, vai acabar por escolher mal e depois lamentar o erro, ou simplesmente desistir de

escolher, em desespero de causa.» (Damásio, 1996: 184)

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Tendo este factor em conta, António Damásio criou a hipótese do indivíduo utilizar os

marcadores-somáticos no processo de decisão. Ele teve em conta a possibilidade de o

indivíduo antes de raciocinar e decidir a solução do problema, suceder algo no

organismo que parece criar uma sensação de desconforto em relação a uma ideia ou

solução. Como a sensação é corporal atribuiu o termo somático (soma, em grego,

significa corpo), e marcador, devido ao facto deste estado despoletar uma imagem, o

que, de certa forma, «marca» o organismo.

O marcador-somático criará no indivíduo uma espécie de sinal de alarme que conduzirá

o mesmo a abandonar uma hipótese mal sinta que há um ligeiro perigo em seguir aquele

caminho. Isto fará com que o mesmo preste atenção a outras soluções mais viáveis sem

precisar de raciocinar sobre todas as vias possíveis.

Os marcadores-somáticos colaboram então no processo de filtragem de todas as

decisões, dando destaque a algumas, positivas ou negativas, eliminando as menos

benéficas de imediato do processo de decisão.

A maior parte destes marcadores e a sua forma de aplicação foi provavelmente

desenvolvida durante a infância e/ou adolescência do indivíduo, ou seja, durante o seu

processo de educação e socialização, através da associação de estímulos a determinados

marcadores:

«É provável que, à medida que fomos sendo socialmente «sintonizados» na infância e na juventude, a

maior parte das nossas decisões fossem sendo moldadas por estados somáticos relacionados com castigos

e recompensas.» (Damásio, 1994: 195)

Segundo o autor, quando o indivíduo se encontra perante uma tomada de decisão, surge

uma sucessão de imagens. Estas correspondem a diversas opções de acção e respectivos

resultados. A informação linguística correspondente também se encontra presente,

concorrendo simultaneamente para o centro da atenção. Disto resulta uma justaposição

de imagens ao qual se aplicou o termo «gerador de diversidade».

Neste gerador, toda a informação disponível é categorizada de acordo com as suas

características. Isto contribui para determinar qual será a decisão mais vantajosa. Da

mesma forma, contribui para determinar as consequências de qualquer alteração na

decisão escolhida, o que permitirá saber se a vantagem da opção se mantém em diversas

situações. Por fim, o gerador reconhecerá os diversos graus de vantagem de cada opção,

o que permitirá ao indivíduo escolher a melhor decisão.

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No entanto, para o desenvolvimento deste processo, é necessário que dois mecanismos

sejam utilizados: a atenção e a memória de trabalho básica. A atenção básica é

necessária para o indivíduo manter a imagem mental na consciência. A memória de

trabalho básica é necessária para o mesmo manter activas diversas imagens em separado

durante um curtíssimo período de tempo.

Sem estas duas faculdades não é possível gerar-se uma actividade mental coerente, o

que não permitirá a funcionalidade dos marcadores-somáticos.

É ainda importante salientar que os critérios para a decisão de escolha dos marcadores

estão enraizados nos impulsos biológicos do organismo. Mesmo as diferenças culturais

que os moldam, servem para adequar o organismo e ajudá-lo a sobreviver de acordo

com as prescrições culturais da sociedade onde vive.

Mesmo depois dos marcadores-somáticos terem sido utilizados, ou seja, mesmo na

última fase de decisão, a atenção e a memória de trabalho continuam a ser fundamentais

para o processo de raciocínio lógico. Nesta fase, o indivíduo utilizará a razão diante das

suas últimas opções. Aqui ponderará os prós e os contras da sua decisão em tempo útil

pois terá poucas opções disponíveis. Os marcadores-somáticos, apesar de já não estarem

a ser utilizados, contribuirão ainda nesta fase de raciocínio, não como selecção mas

como intensificadores da utilização da memória de trabalho e da atenção. Isto é

realizado através do sistema cognitivo.

3.5 A consciência

A consciência define-se como «o conhecimento dos próprios actos ou estados interiores

no momento em que são vividos» (1985: 15). Ou seja, para que os processos intuítivos

ou analíticos tenham efeito, é necessária uma mente consciente que consiga relacionar

as imagens utilizadas nos processos intuitivos e racionais.

A entrada do Eu na mente torna-a consciente. António Damásio, na sua mais recente

obra O Livro da Consciência: A Construção do Cérebro Consciente, explica através dos

seus estudos acerca do cérebro como a consciência se forma.

O Eu forma-se através de uma «organização de conteúdos mentais centrada no

organismo que produz e motiva esses conteúdos» (Damásio, 2010: 27). Por este motivo,

as ligações entre o corpo e o cérebro são essenciais para o entendimento da consciência.

As imagens são fundamentais para o pensamento humano e respectivos processos

mentais. Estas ajudam no mapeamento do corpo, sendo parte das estruturas cerebrais

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que se localizam na região do tronco cerebral. Estas estruturas constituem o designado

proto-eu. Devido a este mapeamento, o proto-eu tem uma relação priveligiada com o

corpo. Com isto, pode concluir-se que «o proto-eu é o eixo em torno do qual gira a

mente consciente» (Damásio, 2010: 40).

O proto-eu, no entanto, necessita dos sentimentos primordiais para se alicerçar nas

imagens consequentes da interacção corpo-cérebro. Estes sentimentos geram-se

enquanto nos encontramos em estado de vigília, permitindo-nos a experiência directa do

nosso corpo e, consequentemente, traduzindo o estado do corpo para o cérebro. Ou seja,

estes sentimentos são as primeiras imagens geradas pelo cérebro.

No entanto, devido à complexidade do cérebro humano, estes dois processos não são

suficientes para criar a consciência no indivíduo. É necessário um processo que nos

conceda a sensação de identidade (eu autobiográfico), e um eu nuclear situado entre o

eu autobiográfico e o proto-eu.

O eu nuclear eleva o perfil mental do proto-eu, introduz na mente um protagonista.

Para Damásio, o encontro do organismo com um objecto gera uma alteração no proto-

eu. Isto acontece devido ao cérebro ter que mapear o objecto em questão para este se

adequar ao corpo. Os resultados desta alteração e o conteúdo da imagem, interagem

com o proto-eu.

Estas alterações criam uma nova cadeia fenómenos e, instantaneamente, o eu nuclear.

Damásio descreve o processo:

«O primeiro fenómeno da cadeia é uma transformação do sentimento primordial que tem como resultado

‘um sentimento de conhecimento do objecto’, um sentimento que diferencia o objecto de outros objectos

do momento. O segundo fenómeno da cadeia é uma consequência da sensação de conhecimento. É a

criação de «realce» para o objecto com que se estabeleceu ligação, um processo em geral descrito pelo

termo atenção, o encaminhamento de recursos cognitivos para um objecto específico, em detrimento de

outros. Assim sendo, o eu nuclear é criado através da ligação do proto-eu modificado ao objecto que

provocou a modificação, um objecto que foi agora destacado pelo sentimento e realçado pela atenção.»

(Damásio, 2010: 254)

O que está a produzir a mente consciente é então uma série de imagens: a «imagem do

organismo», produzida pelo proto-eu modificado, a «imagem de uma reacção emocional

relacionada com o objecto» (sentimento), e a «imagem do objecto causativo

momentaneamente realçado». O eu nuclear é então o «mecanismo central» para o

aparecimento da consciência.

Este processo faz com que se crie registos sobre a aparência do objecto e, também, da

forma como o indivíduo interagiu com ele. Estas interacções podem modificar

automaticamente o proto-eu.

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Como a cada imagem segue-se um sentimento correspondente, o objecto criará

sentimentos relativos ao mesmo. Estes, terão o grau de valor diferenciado, consoante a

importância dada. Ou seja, os sentimentos contribuem para o processo do eu, mantendo

também a manutenção do estado de vigília.

Nem todos os objectos adquirem a mesma importância durante a interacção. Ou seja, a

importância e interesse dado a um objecto faz com que outros, igualmente presentes

durante a interacção, permaneçam de forma não-consciente na mente. Eles podem

competir pela atenção, mas não conseguem. Será assim até ao momento em que algum

deles se torna mais interessante, de alguma forma, para o indivíduo.

Sendo a memória parte importante da construção do eu, o eu autobiográfico possui

assim uma importância fundamental para a construção da consciência do indivíduo. Este

eu utiliza todas as memórias do indivíduo, podendo ser utilizado conscientemente,

fazendo-o recordar as suas experiências, ou inconscientemente.

Será de forma inconsciente que o eu se constrói através da reavaliação e reagrupação

das memórias. Isto poderá acontecer devido a uma reflexão consciente ou a um processo

do foro inconsciente.

Quando o indivíduo interage com o objecto, a evocação de memórias relativas ao

mesmo, é seleccionada através do eu autobiográfico. Desta forma, o eu pode tratar o

objecto como algo individual. De seguida, o objecto, tal como descrito anteriormente,

modifica o proto-eu com os respectivos sentimentos de conhecimento, influenciando o

eu nuclear.

Por último, pode concluir-se que a consciência necessita, para estar activa, da mente, do

eu e de um estado de vigília.

O processo agora descrito contribui para o entendimento do acto de desenhar e constitui

um acrescento para o conhecimento do modo como os processos intuitivos e lógicos se

activam durante o acto.

A consciência é claramente essencial para a percepção do objecto no acto de desenhar.

Sem ela, os processos mentais necessários para o mesmo nunca seriam activados. O

desenhar de um objecto, além de contribuir para uma forma de entendimento mais

profunda e complexa do mesmo, altera também o próprio artista no sentido em que se

criam sentimentos relativos à experiência capazes de alterar o eu nuclear.

O facto das recordações da interacção com o objecto serem sempre acompanhadas de

sentimentos, podem de algum modo explicar como o processo do desenho pode

transmitir sentimentos da parte do autor.

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36

3.6 Os processos intuitivos, os marcadores-somáticos e a razão no processo criativo

«Le processus de création naît en dehors de la prise de conscience et dans la majorité des cas va à

l’encontre de tout ce que le peintre connaît. (…) C’est le premier stade de son processus créateur.

Le deuxième stade, c’est le moment où ce processus passe au stade de la révélation, ou le degré psychique

de tension (si l’on peut ansi s’exprimer) commence à faire se détacher l’image. Mais cela ne signifie pas

encore que la soustraction de l’image soit déjà la phase de la prise de conscience. Cette image, c’est

l’homme d’un centre inconscient qui est encore loin du centre de la conscience. Ce n’est que le processus

achevé de la manifestation créatrice, c’est tout.

Le troisième stade, c’est l’insertion de limage dans le centre des informations conscientes. On peut

appeler désormais ce centre un centre analytique où l’image est oblige de recevoir une formulation Claire.

Ainsi, si l’artiste sait intoduire dans cette période toutes ses connaissances scientifiques ou bien faire

passer sa crátion ao troisième stade sous le contrôle du savoir, alors elles ne menaceront pas sa création

artistique. Mais si l’artiste ne sait pasfaire cela, alors toutes ses connaissances scientifiques lui resteront

«en tant que tells» et l’oeuvre reproduite dans le centre du savoir ne servira que de forme, forme sur

laquelle se fera une certaine analyse connue, et cela aura l’air d’un des diagrammes pour une étude

scientifique.» (Malevitch 1994: 131)

Nesta afirmação de Malevitch conseguimos ter presentes todas as fazes do acto criativo

descritos anteriormente. A utilização do sistema tácito permite ao artista realizar o

começo do seu trabalho de uma formal fluida e simples, de acordo com o seu objectivo.

No entanto, o artista tem que resolver problemas que lhe vão surgindo durante o curso

do trabalho. Estes problemas, frequentemente, são resolvidos de uma forma espontânea,

o que implica a utilização de uma capacidade mental que utilize todo o conhecimento da

experiência e conhecimento adquiridos anteriormente de uma forma breve e válida.

Neste processo de sintetização não convém actuar a faculdade da razão. Isto é devido ao

facto da espontaneidade não ser compatível com a razão: o processo da razão implica

tempo, concentração, análise e trabalho mental. Aqui provavelmente os processos são

resolvidos pelo sistema tácito que permite aceder ao conhecimento prévio do artista.

A intuição surge, assim, como um processo que se caracteriza pelo pouco esforço no

momento necessário para actuar. Este carácter espontâneo resulta, muitas vezes, em

acções imprevistas, arbitrárias, que levam a resultados não esperados pela razão.

«Por muito que num momento se sobrevalorize a estrutura e a ordem da lógica, como aconteceu no

neoclacissismo, sobrevive sempre em cada traço o aleatório e o arbitrário, e na descrição mais precisa e

detalhada está sempre o gosto pelo não premeditado e pelo encontro afortunado, e inclusivamente o traço

mais convulsivo, se instaura com o plano mais premeditado.» (Molina, 2010: 139)

A inteligência científica, caso actuasse, arruinaria assim a génese do acto criativo. Ela

levaria a atenção do artista a concentrar-se nas partes mais objectivas da obra, ignorando

aspectos individuais, únicos a qualquer objecto, algo que Bergson já haveria referido.

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De certa forma, podemos ligar este aspecto ao estudo de Betty Edwards no seu livro The

New Drawing on the Right Side of the Brain.

Edwards, a partir da sua experiência, nota que as crianças a partir dos cinco, seis anos,

começam a desenhar com referência a símbolos visuais como um círculo para o sol ou

um triângulo para um telhado de uma casa. Não se concentram na reprodução do

objecto em si mas sim num pensamento que simplifica a forma adequando facilmente

uma palavra a uma forma sintetizada. Quando estas crianças não continuam a

desenvolver o desenho durante o seu crescimento e voltam a praticá-lo mais tarde,

parecem ter parado no tempo. Não desenvolveram o tipo de percepção que permite ver

o desenho de outra forma.

Esta forma simbólica de pensar o desenho parece estar ligada a uma tipo de pensamento

analítico que não permite actuar a capacidade intuitiva. Se o artista, ao desenhar um

olho, pensar imediatamente nas características da forma geral do olho prestando pouca

atenção ao objecto em si, ao desenhá-lo irá reproduzir as suas características de forma

geral ou simbólica, ignorando assim as características únicas do organismo que está a

ver.

A não utilização da lógica permitirá ao desenhador ver cada objecto simplesmente como

um organismo representável. Assim, o artista concentrar-se-á nos aspectos da

representação que permitirão por um lado, uma semelhança (entendimento das

proporções, texturas, por exemplo), e por outro, na forma como utiliza o grafismo ao

representar.

No entanto, como diz Malevitch, a utilização do pensamento lógico também é

necessário no acto criativo quando se tem que tomar decisões, resolver certos

problemas.

Os marcadores-somáticos surgirão então como fundamentais nesta fase criativa. O

artista tem que prever o que irá acontecer durante a concretização do trabalho,

especialmente se o artista não se guiar por estudos prévios. Nesta fase precisará de

prever o que acontece na composição caso tome determinadas decisões. Os marcadores

permitirão assim ao artista seleccionar as opções possíveis. Numa última fase

deliberativa, as opções disponíveis do processo analítico serão necessárias, não só para

tomar uma decisão, mas sim para ajudar na crítica ao trabalho em si. Agora o artista

poderá comparar com o seu conhecimento prévio e decidir qual a melhor opção para o

seu trabalho.

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Durante todo este processo a consciência foi sempre crucial, seja aquando da utilização

do sistema tácito ou aquando do sistema deliberativo. Esta permite ao autor, através do

eu autobiográfico, ter em conta todas as suas experiências, mesmo quando estas

permanecem no subconsciente, como vimos anteriormente. O eu autobiográfico, por

exemplo, possui um aparelho neural capaz de «coordenar a evocação de memórias,

apresentá-las ao proto-eu para a devida interacção e manter os resultados dessa

interacção num padrão coerente ligado aos objectos causativos» (Damásio, 2010: 265).

Com esta evocação, o objecto torna-se único aos olhos do observador. Este interage

com as memórias e associa-as ao seu passado, à sua experiência. Isto permite uma visão

própria do objecto o que, conjugado com uma especialização na área do desenho, leva a

que o sistema tácito seja capaz de adequar a experiência técnica e sensível ao momento,

conseguindo assim exprimir uma visão única do momento no papel.

Da mesma forma que o autor consegue transmitir um desenho único, o próprio é

influenciado por todo este actos, através dos processos da consciência que são

modificados, reavaliados, consoante as interacções que o indivíduo tem com os

objectos, sejam eles quais forem.

A criação de um desenho artístico não implica assim uma estrutura lógica. A

improvisação e a espontaneidade são inerentes ao desenho. A intuição tem então um

papel fundamental e o autor tem que a saber utilizar com convicção para um bom

resultado.

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4. DESENHO: UM CAMINHO PARA O PROCESSO CRIATIVO

4.1 Desenho: contextos históricos

O desenho existe como forma de expressão desde o tempo do homem primitivo, tendo

sido utilizado como meio primordial para o processo da criação de todo o género de

imagens.

Os primeiros registos do desenho surgiram no Paleolítico Superior tendo tido enorme

importância aquando do desenvolvimento da escrita. Inicialmente, esta foi desenvolvida

pela forma de ideogramas: símbolos desenhados que significavam uma palavra ou um

conceito.

Na Arte Egípcia, já se pode ver o desenho como estudo para um trabalho final. Podem

ver-se, no Museu do Cairo, lâminas de copiar (ostraka), que serviam para transferir o

esboço.7 O desenho era extremamente importante para a civilização egípcia, sendo a

arte da pintura caracterizada por um desenho de contorno evidente.

A civilização grega também utilizou e desenvolveu desenho. Destacam-se

essencialmente os vasos gregos, caracterizados por uma soltura de traço que se

aproxima da concepção moderna do desenho. Estes vasos, segundo fontes literárias,

podem ser reflexo de uma arte maior da qual só prevalecem descrições. No entanto,

através destas, parece comprovado que o desenho era importante para os mestres da

época, tanto na fase dos projectos, como autonomamente.8

Apesar de poucos exemplos permanecerem até hoje, o desenho existiu como esboço

para outras artes durante a Idade Média.9 O desenho foi executado como projecto para

as artes da arquitectura, escultura, pintura, ou mesmo no traçado subjacente à tinta, nas

iluminuras.

A difusão do uso do papel, a partir do século XIV, veio permitir o seu maior

desenvolvimento. A Primeira Renascença trouxe novas formas de ver a arte. O desenho

assume uma posição proeminente, tornando-se a disciplina base para a aprendizagem da

pintura. O seu uso tem nesta época, como finalidade, o estudo e a preparação da solução

final da composição. Isto reflectiu-se principalmente na arte da província da Toscânia

sendo que, em Florença, os pintores tinham que ser bons desenhadores e vice-versa.

Giorgio Vasari, descreveu as fases da utilização de estudos pelos artistas da época:

___

7 - Referência a Pignatti, 1982: 9 8 - Referência a Pignatti, 1982: 9

9 - Referência a Pignatti, 1982: 14

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«Llamamos bocetos a un tipo de dibujos que se hacen para ensayar las actitudes y primera composición

de una obra. Y se hacen en forma de mancha, apenas trazadas las líneas. Y, porque surgen com rapidez de

la imaginación del artista, universalmente se les llama bocetos (…). Los bocetos se utilizan como base

para realizar buenos dibujos, que ya se trabajan com la mayor atención posible, tratando de servirse de

modelos vivos, en el caso de que el artista no se sienta capaz de realizarlos de memoria. Después se mide

com compás o a simple vista y se recrecen hasta la medida que se quiere dar a la obra definitiva.» (Vasari,

2004: 71)

Vasari reconhece também o uso dos cartoni, desenhos à escala da obra final, que são

utilizados para transferir para o muro ou tela o esboço final. (Vasari, 2004: 72) Quando

este é retirado, o artista tem os traços gerais das figuras já marcados no suporte. Este

processo de desenho com modificação de escala pode ser realizado através da utilização

de quadrículas. Estas ajudam principalmente na transferência de desenhos de escorços e

perspectivas.

Este método clássico de criação da obra final viria a influenciar inúmeros artistas ao

longo da história. O desenho torna-se assim fundamental no processo criativo da

Renascença, tal como Vasari descreve no seu livro Le Vite.

Os desenhos com estudo são recorrentes, tanto para a realização de pinturas como

referido anteriormente, como para a gravura. A própria natureza da técnica envolve uma

dedicação diferente. A imagem aparece em espelho, o que pode trazer problemas se a

mesma não for pensada, esboçada, como se pode ver nas imagens seguintes em que se

figuram um desenho preparatório de Albrecht Dürer e a gravura final.

Fig. 2 e 3 – O filho pródigo entre os porcos, Albrecht Dürer, 1496, desenho e gravura sobre papel

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Ao mesmo tempo, esta técnica, numa época em que não existia a fotografia, era vista

também como um negócio pois tratava-se de uma das poucas formas de reprodução de

imagens. A elaboração do desenho em xilogravura, desde os primórdios, era realizada

essencialmente por artesãos que reproduziam os desenhos dos artistas (Hind, 1963: 20).

No entanto, o surgimento da gravura em água-forte, trouxe facilidade aos artistas de

realizarem as suas próprias gravuras devido à fluidez que a cera permite ao traço.

Devido à reprodutibilidade inerente a este método, o desenho permitiu uma maior

difusão da arte, sendo as gravuras de Dürer várias vezes utilizadas como estudo para

outros autores.

Vários artistas se destacaram na mestria do desenho nos séculos posteriores, com

especial destaque para Rembrandt (séc. XVII), Piranesi (séc. XVIII), Canaletto (séc.

XVIII) Tiepolo (séc. XVIII), Goya (séc. XVIII-XIX) e Ingres (séc. XIX). No entanto,

com o surgimento da fotografia, a gravura deixou de ser a técnica reprodutível

privilegiada para a reprodução da realidade. A ascenção do movimento impressionista

no final do séc. XIX trouxe novas visões à arte.

Os primeiros impressionistas não abordaram muito a linguagem gráfica, seja no

desenho ou na gravura, apesar da notória influência das gravuras japonesas de autores

como Hokusai e Hiroshige. No entanto, durante o Pós-Impressionismo, os valores

gráficos do desenho voltaram a ser utilizados como meio para traduzir expressividade,

onde se pode destacar Degas e Van Gogh no desenho expressivo.

As vanguardas do início do século trouxeram valores diferentes ao desenho abrindo um

caminho para uma arte de autonomia plena. Movimentos como o Fauvismo e o

Cubismo centravam-se noutros aspectos que não a expressividade gráfica, apesar de,

por exemplo, Picasso, desenvolver a linha com uma grande mestria. Já outros autores

ligados ao Expressionismo, como George Grosz, encontraram no desenho e na linha

uma grande força expressiva repleta de imediatismo.

A arte da segunda metade do século XX tem grande influência em todas as vanguardas

do início do século. O movimento expressionista teve claramente grande importância no

desenho devido aos artistas que nele encontraram sentido para o seu caminho. Os

desenhos de Alberto Giacometti, por exemplo, estão repletos de expressividade sendo

este claramente o mais importante no seu processo criativo, tal como o mesmo referiu.10

___

10-«What I believe is that whether it be a question of sculpture or of painting it is fact only drawing that counts. One must cling

solely, exclusively to drawing. If one could master drawing, all the rest would be possible.» (Lord, 1971: 26)

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Este tipo de desenho valorizou o instantâneo do momento, sendo que vários autores

abdicaram de processos anteriores que ajudavam a resolver o trabalho previamente à

execução do mesmo, dando consecutivamente mais valor ao momento único da

execução da obra de arte.

Outros artistas seguiram o mesmo rumo, encontrando na expressividade da linha e da

mancha um caminho para o desenho enquanto arte autónoma. O imediatismo é uma

característica inerente ao desenho. A sua capacidade sintética dificilmente se encontra

tão notoriamente noutras artes. Este tipo de registo diferencia esta arte das outras

tornando-a autónoma artisticamente e dando-lhe um valor único às suas produções.

4.2 A utilização do desenho na arte contemporânea: propósitos

De forma a entender a diferença entre o método clássico do processo criativo e a forma

mais imediata de criar na contemporaneidade, importa estudar e entender artistas que

desenvolveram trabalho dentro desses parâmetros, cujo sucesso foi de grande

importância na segunda metade do século XX.

Depois das vanguardas do início do século, várias visões da arte foram desenvolvidas,

sendo o imediatismo visto como algo importante e característico da personalidade do

artista. Certos criadores, como alguns dos apresentados mais adiante, chegaram à

conclusão que o não reflectir sobre o trabalho previamente poderia aumentar a

dificuldade, o que contribuiria para um maior desafio aquando do desenvolvimento da

obra. Isto também levaria a que outros pensamentos não interferissem no processo

criativo principalmente quando este envolve um modelo e a sua presença desperta

sentimentos que o artista pretende que sejam reflectidos no trabalho.

No entanto, há que notar a importância que o desenho teve ao longo dos séculos no

processo criativo de vários artistas. Os estudos prévios permitem que a artista reflicta

por meios visuais, acerca da melhor composição que lhe permita transmitir o que

pretende. No entanto, a presença do modelo, mesmo após tendo a composição estudada,

pode continuar a afectar o trabalho e há a possibilidade de se verificarem alterações na

obra final em relação aos estudos.

Finalmente, há que mencionar que os artistas a que nos estamos a referir, têm todos

ligação, de forma directa ou indirecta, aos artistas da Escola de Londres, sendo Kitaj e

Lucian Freud parte do grupo inicial, Paula Rego integrou exposições do grupo

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posteriormente, e Avigdor Arikha, um artista com ligações fortes de amizade a R. B.

Kitaj.11

4.3 Avigdor Arikha

4.3.1 Biografia

Avigdor Arikha (1929 –2010), distinguiu-se como pintor, desenhador, gravador e

historiador de arte. Nasceu em Radauti, na Roménia, filho de pais judeus, mas cresceu

em Czernowitz, actual Ucrânia.

A sua família foi forçada à deportação, em 1941, para um campo de concentração

romeno, onde o seu pai faleceu. Arikha acabou por sobreviver devido aos desenhos que

realizou de cenas de deportação. Estes foram apreciados pelos delegados da Cruz

Vermelha que lhe propuseram a emigração para a Palestina em 1944, que Arikha

aceitou.

De 1946 a 1049, frequentou a Escola de Artes de Bezalel em Jerusalém, onde o modelo

de ensino da Bauhaus tinha sido implementado.

Em 1949 ganhou uma Bolsa de Estudo que lhe possibilitou estudar em Paris na École

des Beaux Artes tendo-se, mudado definitivamente para esta cidade, cinco anos depois.

Paris permitiu-lhe ter acesso ao estímulo artístico e intelectual de que necessitava. O seu

círculo de amigos incluía, por exemplo, Samuel Beckett, Alberto e Diego Giacometti,

Henri Cartier-Bresson, entre outros.

No início dos anos 60, Arikha começou a ganhar reconhecimento internacional como

pintor abstracto. No entanto, em 1965, após questionar o seu próprio percurso, começou

a desenvolver o seu processo criativo tendo como base o desenho de representação.

Seguir-se-ia um período excepcionalmente inventivo de oito anos onde desenvolveu

gravura e desenho sem o uso da cor tendo, posteriormente, recomeçado a trabalhar em

pintura.

O seu método de trabalho era profundamente visual e incidia na representação do

objecto escolhido. A sua temática recaía principalmente no auto-retrato, nos retratos de

amigos e família, em nus, naturezas-mortas e em objectos e interiores do seu

quotidiano.

___

11 – Referência a Ríos, 1997: 55

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Paralelamente à sua actividade artística, Arikha escreveu variados artigos e ensaios

sobre arte. Pintou também um número variado de retratos encomendados, incluindo o

retrato da Rainha Elizabeth, a Rainha-Mãe (1983).

Avigdor Arikha faleceu em Paris, em 29 de Abril de 2010, devido a doença prolongada.

4.3.2 Método de trabalho

Fig. 4 - Samuel Beckett in profile, etching, 1970, 18 cm x 14 cm

Em meados dos anos 60, depois de Avigdor Arikha adquirir notoriedade como pintor

abstracto, vários factores fizeram-no questionar a sua própria abordagem em relação à

pintura que havia desenvolvido.

Destaca-se como influência o contacto com o escritor Samuel Beckett e Alberto

Giacometti: o primeiro devido à sua necessidade de justificar cada detalhe e o segundo

pelo interesse dado ao desenho de representação.

Pela mesma altura, Arikha tomou contacto com uma exposição de Caravaggio e

constatou que o mesmo tinha encontrado uma forma de ir até à essência do referente

pelo uso da observação. Esta foi a pista definitiva para começar uma nova fase que

durou oito anos. (Thomson, 2007: 11)

Em Março de 1965, Avigdor Arikha recomeçou a fazer desenho de representação com

referentes, com destaque para a figura humana, acreditando que o este era o seu único

caminho possível para uma tentativa de captar o visível:

«I had not linked the act of painting to the fact of seeing, and it struck me. (…) Then I realized that you

can draw nothing that won’t be read as something, interpreted back to the real world: so why not paint

things? (…)The problem remains to find a drawing that enables us, not just to see, but to see how we

see.» (Thomson, 2006: 11)

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Os oito anos seguintes foram dedicados unicamente ao acto de desenhar o modelo,

abdicando da cor.

Nestes anos, os princípios de Arikha e métodos de trabalho foram rapidamente

estabelecidos e permaneceram relativamente fixados. Para os seus trabalhos não

apareceriam nenhuns estudos preparatórios ou esboços. Outro elemento importante foi a

necessidade de terminar um trabalho numa sessão prolongada e a sua total renunciação

em continuar no dia seguinte. Neste intervalo, demasiada informação sensorial seria

perdida, o que faria com a semelhança da coisa que tinha sido conquistada naquele

momento de tensão inicial, fosse modificada e escondida por outras sensações diferentes

surgidas nos dias seguintes de trabalho.

Estas obras eram concretizadas rapidamente e sem retoques posteriores. Mesmo as

gravuras eram realizadas desta forma. A rapidez de Arikha tinha como intenção

prevenir a persistência do estilo e servir para manter o processo do desenho tão

transparente e aberto à emoção imediata quanto possível.

O mesmo aconteceria se trabalhasse de memória. Em vez do tumulto do momento,

outras abstracções, pensamentos, que nada teriam a ver com o referente, teriam tomado

controlo. Assim, a imaginação e a generalização tornaram-se consecutivamente

processos rejeitados. O acto de olhar e investir no suporte com tinta tinha que ser o

resultado do momento sentido, menosprezando desta forma os processos lógicos e

programáticos do pensamento:

«Imagination and generalization, both in the particular moment of creation and in metaphysical sense,

were also processes of thought that had to be rejected. The acts of looking and investing the canvas with

paint had to be virtually instantaneous, hardly a thought process at all, the thinking contained in the seeing

(…). Such strict adherence to observation meant the rejection of a system of breaking up areas of colour,

or cast shadows, so as to give as “impression of reality”, with its concomitant of approximation and the

seductions of hadling for its own sake, which would have been a regression to a kind of abstraction.»

(Thomson, 2008: 76)

Para evitar seguir um certo tipo de “fórmula” durante o processo criativo como o autor

julgou fazer anteriormente na sua arte abstracta, o pigmento teria que ser aplicado

apenas no sítio da área do objecto que realmente tinha este tom, sendo cada detalhe

tratado a seu tempo.

Isto envolvia um contexto de luz ideal, ou seja, com níveis constantes, uma condição

que Arikha tentou criar no seu estúdio. O artista determinou também só trabalhar com

luz natural.

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Além disso, o seu trabalho teria um ponto de partida de onde se desdobrava um

continuado acumular de marcas.

Todas estas regras apareceram, de certa forma, devido ao facto do artista se querer

afastar ao máximo do seu método de trabalho anterior:

«I had to unlearn what I had learned; I had to learn how not to generalize, not to interpret, not to “make

art”, but to hold, by the line, or brush stroke, what I see, through feeling.» (Thomson, 2006: 27)

Utilizava dois tipos diferentes de materiais: por um lado, tinta suave que se vai

acumulando trabalhando a mancha e, por outro, materiais específicos de um desenho de

linha, como pincel e tinta Sumi, pontas de metal em papel preparado, grafite, giz, água-

forte e água-tinta.

Os materiais adequados eram sugeridos de acordo com o seu impulso inicial, e

adequavam-se desta forma ao referente. Arikha descreve o início de um trabalho como

uma chamada, um “toque de telefone”13

que precisa de uma resposta imediata.

Os referentes eram essencialmente objectos pessoais e pessoas que pertenciam ao seu

quotidiano.

O trabalho de Avigdor Arikha notabiliza-se neste período por um método de trabalho

distinto e com objectivos rigorosos. Salienta-se o desenho de representação levado ao

limite do possível, algo que distingue o trabalho deste artista. A ausência de estudos

preliminares contribui para o fluir do trabalho e para a originalidade do mesmo, sendo

cada um único, criado num dado momento.

4.3.3 Desenho e Gravura

As regras que Arikha aplicou ao seu método de trabalho curiosamente adaptavam-se

também à gravura, conhecida pela sua morosidade.

A gravura assumiu-se como actividade central no trabalho de Avigdor Arikha entre

1965 e 1973. Era o próprio que preparava as matrizes, as colocava no ácido e as

imprimia numa pequena prensa. O papel, normalmente rugoso, era cuidadosamente

seleccionado para se adaptar às suas intenções. O processo de impressão era realizado

pelo próprio artista pois este encontrava-se fascinado pelos segredos técnicos da

gravura.

___ 12 – «Arikha speaks of the beginning of the work as “a call”, rather like a telephone ringing, which demands an immediate

response. In the grip of this urge there is no alternative but to submit to it, using the new language that he was forging and the forms

of which were all quite quickly in place.» (Thomson, 2008: 76)

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Avigdor Arikha adaptou esta técnica aos propósitos que tinha estabelecido para o seu

trabalho. Conseguiu que a gravura fosse realizada numa só sessão, atingindo mesmo

assim tons variados de cinza. Para o fazer, introduzia a chapa no ácido e retirava-a

protegendo seguidamente com verniz as partes que queria que ficassem mais claras.

Seguidamente repetia o processo criando assim uma diferença de tons.

Para outros trabalhos que pretendiam recriar a intensidade dos seus desenhos a pincel

criou uma técnica própria dentro da água-tinta que resultava numa textura que se

aproximava da modulação que Arikha desenvolvia nos seus desenhos.

Mesmo sendo possível com esta técnica intervencionar noutras fases a imagem criada,

Arikha renunciou a esta possibilidade. Desta forma, muitas vezes o trabalho final não

resultava pelo facto das matérias não possuírem a consistência correcta ou outras

limitações próprias da gravura. No entanto, isso não fez renunciar ao seu objectivo de

criar a gravura numa só sessão. E o mesmo se passou com o seu desenho. Esta categoria

de trabalhos não deve ser categorizada como estudos preliminares, tal como são vistos

pela cultura ocidental.

A diferença entre pintura e desenho era quase inexistente para Avigdor Arikha.

Quebrando a noção de desenho como estudo, a barreira entre desenho e pintura torna-se

mais ténue. Avigdor confirma o mesmo quando oito anos depois faz a transição de novo

para a cor de uma forma tão natural que o deixaria surpreendido:

«I didn’t comprehend how it happened. It came all by itself. It was only much later that it occurred to me

how in drawing with brush and ink in black and white, suggesting colour without using it, I had crossed

the bridge from abstraction to tonal painting.»( Thomson, 2008: 74)

Quando recomeça a pintar, o seu trabalho de desenho acompanha este processo. Ou

seja, os seus desígnios são comuns às duas técnicas. O seu método mantém-se.

A diversidade de materiais utilizados também aumenta, sendo cada um dominante num

determinado espaço de tempo. Estes materiais integram-se sempre na sua forma de ver o

momento.

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48

4.4 Lucian Freud

4.4.1 Biografia

Lucian Freud (1922-2011) distinguiu-se como artista plástico utilizando como meios de

expressão as técnicas da pintura, da gravura e, no início da sua carreira, do desenho.

Lucian Freud, filho de pais judeus, nasce em Berlim e, com apenas dez anos muda-se

para Inglaterra, país do qual se tornou cidadão anos mais tarde. Ernst Freud, seu pai,

inscreve-o na Central School of Arts and Crafts, em Londres. Lucian passa a viver

sozinho durante o seu tempo de estudante e conhece gente influente do mundo das artes.

Publica por esta altura os seus primeiros desenhos no jornal intitulado Horizon. Em

1941 alistou-se na Marinha Mercante. No entanto, devido a doença, é dispensado e

regressa à vida de estudante. Nos anos seguintes, participou em várias exposições

individuais. Em 1954, partilha um pavilhão na Bienal de Veneza juntamente com

Francis Bacon e Ben Nicholson.

Numa primeira fase, os seus trabalhos aproximaram-se do movimento surrealista. Estes

eram caracterizados por uma enorme minúcia minúcia e a textura da pintura era plana

devido ao detalhe utilizado, o que não agradou plenamente os críticos de arte.

Lucian Freud, não ficando indiferente às críticas, durante a década de 50 muda de

registo estilístico e o detalhe minucioso dá lugar a pinceladas repletas de volume e

textura. Durante este período e até aos anos 80, abandona a prática do desenho (com

algumas excepções pontuais), só voltando à mesma mais tarde, quando se dedica à

técnica da gravura em água-forte.

Desde sempre vinculado a uma linguagem figurativa, nunca cedeu a gostos em voga

com os quais não se identificava. Durante estas décadas os géneros de linguagem

plástica não figurativa atingiam o seu auge e Lucian ficou, de certa forma,

desenquadrado.

A sua temática envolvia quase sempre a representação do corpo humano. O seu

objectivo era representar os aspectos individuais de cada organismo, seja ele um

indivíduo ou um objecto.13

Também representou algumas vezes paisagens, animais e

objectos. No entanto, todos tinham que ter algo com que Freud sentisse empatia, daí o

___

13 - «For LF, everything he depicts is a portrait. He has a completely un-Platonic sensibility, to put it in philosophical terms. In his

work nothing is generalized, idealized or generic. He insists that the most humble and – to most people – nondescript items have their own characteristics.» (Gayford, 2010: 20)

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mesmo ter recusado quase sempre encomendas.

Em média, cada trabalho seu demorava meses até ser finalizado (quando era), o que

implicava também uma grande disponibilidade da parte do próprio modelo.

A sua obra, apesar de ter tido sempre uma conotação figurativa, não se enquadra nos

modelos académicos que caracterizam períodos anteriores. O autor não se centrava

unicamente na aparência “fotográfica” do retratado, apesar da importância da estrutura

como fonte de informação. As distorções são recorrentes, servindo os objectivos do

pintor, no que toca tanto à expressividade, como ao intuito do mesmo em retratar a

personalidade do referente no trabalho.

Em 1993, foi agraciado com a Ordem de Mérito e tem sido alvo de várias retrospectivas

sobre a sua obra, tendo a sua última sido em 2010, no Centro Georges Pompidou, em

Paris.

4.2.2 Método de trabalho

O processo criativo de Lucian Freud desenvolveu-se a partir da sua intenção de

representar o referente não pela sua aparência, mas pelo que este lhe transmite a um

nível subjectivo. Para o autor, interessava essencialmente desenvolver uma arte que

reflectisse a vida sem interferências, que lhe «transmitisse verdade».14

É necessário referir que o seu processo criativo em relação à gravura, nas suas últimas

décadas de trabalho, é semelhante ao seu processo de pintura. Difere apenas nas

características próprias dos métodos para expressão plástica utilizados. Só no início da

sua carreira viu a gravura de uma forma diferente da pintura. Estas primeiras gravuras

reflectiam uma atitude ligada ao desenho que estava prestes a mudar. Em 1982, quando

regressou à gravura, desenvolveu um novo processo que lhe permitia continuar o seu

trabalho de pintura mas de uma perspectiva diferente. Elas reflectem a liberdade e

fluidez que o artista demorou tanto tempo a atingir como pintor. Ou seja, as suas

gravuras iniciais «são gravuras de um desenhador, as suas gravuras de 1980 e de anos

seguintes, são gravuras de um pintor» (Figura, 2007: 17). Portanto, as descrições sobre

o processo criativo do autor a seguir a essa mudança, nos anos 80, aplicam-se às duas

técnicas

___ 14 – «I’m only interested in art that is in some way concerned with truth. I could not care less whether it is abstract or what form it

takes.» (Gayford, 2010: 41)

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O seu processo de trabalho é-nos descrito detalhadamente por Martin Gayford no seu

livro Man with a Blue Scarf. Lucian aceitou a proposta de retratar Martin e, ao longo de

mais de um ano, a experiência de servir de modelo para dois trabalhos, uma pintura e

uma gravura, é-nos descrita pelo autor. Grande parte da informação aqui disponível,

provém desse diário.

Lucian diz não ter método de trabalho.15

No entanto, o modo como a obra é construída

revela-nos bastante acerca do seu processo criativo.

Freud refere-se ao momento inicial do trabalho em que regista um esboço geral, a giz ou

carvão (dependendo do suporte - gravura ou pintura respectivamente) como uma fase

em que conhece o referente - «getting acquainted phase» (Gayford, 2010: 156). Esta

fase é importante, principalmente quando o artista ainda não conhece bem o modelo.

Este esboço inicial, como se trata de desenho, só voltou a ser utilizado por Lucian nas

últimas décadas de trabalho, quando tornou a dedicar-se à gravura. Isto aconteceu, como

descrito anteriormente, devido ao artista pensar que o desenho o prejudicava, no sentido

em que o fazia centrar-se muito em detalhes minuciosos, não desenvolvendo assim a

textura que as pinceladas e a técnica de pintura a óleo lhe permitiam. Portanto, Freud

preferiu afastar-se o mais possível do campo do desenho a partir dos anos 50, quando

modificou o seu tipo de trabalho. Só retornou nos anos 80 com a técnica da gravura e

com uma perspectiva de utilização da superfície típica da água-forte combinada com um

sentido de modelação e força correspondente ao seu modo de pensar a pintura.16

Lucian Freud recusava-se a trabalhar com estudos prévios. Quando muito, os desenhos

que o artista realiza com relação com outros trabalhos seus são efectuados após a

realização destes.

As marcas de giz realizadas no início, no caso da gravura, vão sendo apagadas pelo

autor ao longo do trabalho, tornando-se muitas vezes contraditórias com o percurso que

seguiu. Isto significa que ele realmente nunca sabe como vai acabar o trabalho:

«I don’t like to plan in advance. (...) When I’m working on a picture I don’t want to be thinking about

other pictures I’m doing. I usually have 5 or 6 going at a given time. But when I’m working on one I just

want to think it’s the only picture of mine that exists – I want it in a way to be the only picture that exists

at all.» (Freud, 2010: 37)

No entanto, o artista possuía uma estratégia para o trabalho em curso. Esta ia-se alteran- ___

15 - «Freud does not work from preliminary studies: instead, he draws his composition with charcoal directly on the canvas, effacing it as the painting proceeds. Freud executed a number of impressive drawings based on elements of this work, yet they were

all done after the painting was completed.» (Lucian on Paper: 23)

16 - «From the 1980’s onwards his etchings have the precision of surface detail natural to this medium, combined with the sense of mass, force and plastic power of his paintings. In fact, they are a complete answer to those critics of yesteryear. Looking at his

etchings, you can tell what a great painter he is. (…) Often, having painted a portrait of someone successfully, LF likes to go on and

do an etching.» (Gayford, 2010: 99)»

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51

do conforme surgiam novos desafios. A própria mudança do modelo ao longo do tempo

ajuda a este comportamento. Lucian vai-se dando conta de novos detalhes e tenta

acrescentá-los ou retirá-los conforme a sua intenção:

«LF applied himself only to the ground and my hair, predictably making it greyer, which had the effect –

probably his intention – of making it stand out more. ‘It wouldn’t work at all if I thought of it as a

background. That’s why I probably won’t do any more until I’ve done more to the head.’ This is the

opposite of what he said at the end of the session, when he worked a good deal on the shirt and started the

jacket. ‘I think I will now cover the whole canvas, then I’ll be able to see the head more.’ This just goes to

show that, as he says, he doesn’t have a method.» (Gayford, 2010: 185)

Da mesma forma, Lucian Freud tenta nunca se repetir a cada novo trabalho.

Lucian Freud, ao contrário do que se ensinava tradicionalmente, começa por pintar do

particular para o geral. Geralmente, só depois do detalhe estar praticamente finalizado, é

que o artista continua a trabalhar noutro detalhe: «LF (…), está inclinado em meter uma

mancha de cor no centro e depois lentamente trabalhar a partir dela, criando um

mosaico de pigmentos que se espalham pela tela. Apesar de ele mais tarde poder ajustar

os seus primeiros pensamentos, as secções que ele pinta parecem “acabadas” desde o

início, envolvidas pela tela em branco». 17

Ou seja, durante o decurso do trabalho, a área envolvente permanece da cor do suporte.

Isto dificulta-lhe o trabalho mas esta dificuldade ajuda-o a conseguir um melhor

resultado.18

Segundo Gayford, grande parte do tempo durante as sessões é dedicado a

pensar. Cada gesto é ponderado e avaliado durante o decorrer do trabalho. Se

necessário, é alterado ou apagado. Este caminho é percorrido até o resultado satisfazer o

artista, o que pode durar meses, anos, ou mesmo nunca acontecer.

Todos os seus trabalhos são realizados com figura humana. Mesmo as suas águas-fortes,

que têm como referência uma paisagem exterior, são realizadas perto do objecto devido

ao seu objectivo em querer transmitir a essência da realidade com o mínimo de

interferências possível.

___

17 - «LF (…), is inclined to put a blob in the middle then slowly work out from it, creating a mosaic pattern of pigment that spreads

across the canvas. Though he may later adjust these first thoughts, the sections he paints look fairly ‘finished’ from early on, surrounded by blank white canvas.» (Gayford, 2010: 51)

18 - «‘It makes it more difficult to get the tones, which somehow helps me. I like to think that everything in the picture is

changeable, removable and provisional. Leaving the white patches helps me to feel that.» (Lucian, 2010: 199)

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52

4.2.3 Gravura

Fig. 5 - Kai, água-forte, 78,7 x 62,4 cm, 1991-92

A gravura, para Lucian Freud, possuía características específicas que o atraia: o facto de

esta nunca lhe dar uma certeza de como irá ficar o resultado final pois este dependerá da

corrosão do ácido e da qualidade da cera, além do seu efeito de negativo: a impressão

sairá em reverso da imagem trabalhada pelo autor. Como este não utiliza estudos para

prever a imagem em reverso, ainda mais surpreendente e imprevisível será o resultado.

Outra característica é a qualidade da linha que a técnica da água-forte permite, sendo

muito difícil obter o mesmo resultado em qualquer outra técnica.

Por último, as suas gravuras são normalmente realizadas a seguir à realização de uma

pintura, quando esta é bem sucedida. Desta forma, Freud é capaz de revisitar o referente

de outro ponto de vista e também com uma estética diferente, mais linear. Devido a esta

característica, Freud tem que adequar a execução a um método diferente de trabalho.

Fá-lo concentrando-se mais na forma do que na superfície.

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53

4.5 Paula Rego

4.5.1 Biografia

Paula Rego (1935) é uma reconhecida artista portuguesa naturalizada britânica.

Nasceu numa família abastada para a época e a sua educação teve uma grande

influência inglesa. Em Portugal, estudou seis anos na Saint Julian School, em

Carcavelos, e em 1951 estuda em Kent, Inglaterra. No ano seguinte começa os seus

estudos artísticos na Slade School, onde conheceu o seu futuro marido, Victor Willing.

Depois de concluidos os estudos, o casal vem viver para Portugal. Quando o pai de

Paula Rego falece em 1966, a gerência do negócio de família passa para as mãos de

Willing mas este negócio não sobrevive à Revolução de 25 de Abril. O casal vai viver

para Londres permanentemente. Victor Willing morre de Esclorose Multipla em 1988.

A carreira artística de Paula Rego começou mais seriamente no início dos anos 60. Em

1962, entrou no The London Group, que tinha como membros David Hockney, Frank

Auerbach, entre outros. Em 1965, tem a sua primeira exposição individual na Sociedade

Nacional de Belas-Artes e no final dessa década é a artista representada por Portugal na

Bienal de São Paulo. Seguem-se várias exposições individuais em Portugal e no Reino

Unido.

Em 1990 é nomeada primeira artista associada da National Gallery de Londres. Poucos

anos depois entra na reconhecida Galeria Marlborough Fine Arts, o que lhe permite um

apoio financeiro nunca possível até à data. Desde então, tem sido alvo de várias

retrospectivas e outros honores importantes tendo o seu próprio museu (Casa das

Histórias) sido inaugurado em Cascais, em 2009.

O seu trabalho artístico desenvolveu-se essencialmente na pintura e na gravura, tendo o

desenho sido sempre essencial, para o desenvolvimento do seu trabalho nos dois

mediuns. Nos seus primeiros anos de carreira desenvolveu bastante a colagem. Estas

primeiras obras foram influenciadas pelo Surrealismo e por outros artistas como Jean

Dubuffet. No final dos anos 70 dá-se uma grande mudança no seu trabalho quando

deixa de parte a colagem. Agora passa começa a desenvolver mais desenho na fase final

da obra dando mais relevância ao traço espontâneo que a caracteriza. No mesmo

período, recebe uma Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian que lhe permite efectuar

uma pesquisa sobre contos de fadas no British Museum proporcionando-lhe novos

caminhos temáticos a desenvolver nos anos seguintes.

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No início dos anos 90, depois de se tornar artista associada da National Gallery e ter

estudado os trabalhos presentes na colecção, trocou a tinta acrílica como material

dominante na sua pintura pelo pastel o que lhe trouxe uma abordagem mais ligada ao

ensino na Slade School. Ao mesmo tempo, o seu trabalho começou a estar mais ligado

ao desenho de representação com modelo, sendo a encenação de cenários anteriores à

realização do trabalho um método de trabalho cada vez mais dominante no seu percurso

até à actualidade.

A gravura também foi uma técnica dominante no seu trabalho, nomeadamente a partir

dos anos 80. As gravuras muitas vezes surgem como obras posteriores às suas pinturas,

sendo um processo mais imediato e confortável para Paula Rego.

4.5.2 Método de trabalho

Paula Rego, ao longo da sua carreira, desenvolveu diversos métodos criativos de acordo

com o tipo de obras em desenvolvimento. As suas obras estiveram sempre em constante

evolução, sendo o seu marido, Victor Willing, uma grande influência no seu

crescimento como artista.

Posteriormente ao término do seu percurso na Slade School e a conselho de Willing

(Bradley, 2002: 10), Paula Rego começou obsessivamente a desenhar no chão, numa

mesa ou segurando o papel, para que todo o corpo se entregasse ao trabalho. Desenhava

primeiro sequências de formas que depois recortava alterando o seu aspecto antes de as

colar na tela. Depois pintava à volta dos recortes ou mesmo por cima o que criava uma

interacção entre o desenho dos recortes e a materialidade da tinta. Todo o processo de

descoberta compositiva encontrava-se dentro da obra, tendo unicamente como estudos

prévios os próprios desenhos de recorte. Desde esta altura, o desenho tornou-se uma

forma de encontrar ideias e desenvolver imagens tornando-se fundamental na sua obra.

De 1979 a 1986, a conselho de João Penalva, deixou de recortar os seus desenhos (que

este considerava muito interessantes só por si), e começou a utilizar o desenho de uma

forma imediata na própria pintura. Estes eram realizados a partir da sua imaginação tal

como anteriormente, e eram rapidamente desenhados em acrílico sobre papel. As

formas, caracterizadas por linhas fortes e cores saturadas, mantinham uma ligação às

suas anteriores colagens. A maioria destas obras não era desenvolvida através de

desenhos preparatórios, «as personagens chegam à folha de papel directamente da

cabeça e memória de Paula Rego» (Bradley, 2002: 21).

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Apesar disso, o seu amigo, João Penalva, admite que a metodologia encontrada nos seus

estudos prévios para obras da década seguinte já se encontrava visível nestes trabalhos.

No entanto, esta nunca nos será mostrada pois encontrava-se absorvida na obra final, ou

seja, era realizada durante a própria execução da obra. (Capucho, 2001: 89)

Essa metodologia descrita por João Penalva já na fase seguinte de Paula Rego, envolve

um processo criativo com ligação ao método definido por Giorgio Vasari, autor que

dava grande importância ao desenho como estudo para a obra final.

Na segunda metade da década de 80, Paula inicia frequentemente o seu trabalho com

estudos prévios a caneta e a aguada. (Capucho, 2001: 85) O desenho aparece agora

independente da obra final, parte de uma nova metodologia de trabalho:

«Pela primeira vez, na obra da pintora, surgem desenhos preparatórios, com maior ou menor grau de

independência do resultado final. Os desenhos estabelecem o enquadramento espacial e definem as

personagens; aguadas mais escuras indicam a direcção da luz, tingindo as zonas de sombra.(…) Também

as roupas, visto Paula Rego optar por as apresentar usando grandes saias rodadas, exigem estudos de

claro-escuro, próprios dos estudos de panejamento.» (Capucho, 2001: 85)

Esta nova metodologia viria a ser recorrente na sua obra, pelo menos, até ao final da

década de 90.

Outras mudanças surgiram na sua obra por esta altura. A sua pintura começa a dar uma

importância diferente ao espaço, surgindo elementos mais trabalhados, que evidenciam

uma ligação às suas aulas na Slade School. A partir de 1986, a sua obra demonstra um

tratamento mais laboroso nas figuras o que teve como consequência uma maior

sensação de tridimensionalidade, na mesma altura em que a prática do desenho de

modelo vivo se torna constante.

A obra A Dança, de 1988, retrata muito bem esta mudança. São conhecidos onze

desenhos preparatórios a caneta e a aguada sobre folhas de bloco. Assim que Paula

define posições relativas e espaciais, o uso do modelo adquire importância. As

personagens, a paisagem, a luminosidade, vai-se alterando de estudo para estudo. A

roda da dança faz-se e desfaz-se:

«Tinha um desenho já pronto, com a composição toda decidida que ajustei e transferi para a tela. Quando

comecei a pintar, arranjei modelos para posar, para poder definir bem os pormenores. Com a pintura é

tudo muito mais próximo do que quando estamos a desenhar da nossa cabeça e não conseguimos

imaginar as coisas tão bem, ou talvez não queiramos, por isso uso um modelo.» (Bradley, 2002: 43)

Podemos concluir que todos os planos nesta obra foram cuidadosamente estudados, o

que tem como consequência uma grande coerência compositiva e uma atenção aos

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detalhes de grande minúcia. O processo final, apesar da composição já estar toda

decidida, foi realizado com modelos, o que lhe permitiu acrescentar algo mais à obra.

Fig. 6 - Estudo para A Dança, 1988

Na obra Crivelli's Garden, de 1990/91, a artista revelou que os trabalhos tiveram

referências de diversos géneros: «Comecei por ler as histórias, todas as santas e a vida

da virgem. Depois desenhei toda a gente que consegui encontrar. Há imensas pessoas da

minha família na obra, mesmo eu a partir de uma fotografia (…). Pintei as cenas a partir

dos desenhos – não pedi às pessoas para pousarem outra vez.» (Bradley, 2002: 63)

Acrescentou também aqui uma nova fase de estudo prévio: o modello. Este é,

classicamente, a fase última do processo criativo, onde o artista se aproxima o mais

possível do trabalho final, tal como foi definido por Alberti. (Capucho, 2001: 97)

De acordo com Teresa d'Orey Capucho, no geral, esta metodologia de estudo

compositivo aplica-se também à técnica da gravura, com pequenas diferenças:

«A metodologia de construção das imagens através da obra gráfica, é bastante semelhante à que

encontramos nos estudos para The Dance. De desenho para desenho, Paula Rego vai experimentando

várias soluções para a obra final, em termos de personagens e de ambientes. No entanto, pensamos que

não se aprofunda tanto o tema da luz, como o faz nos desenhos para The Dance, apesar de utilizar a

mesma tipologia de materiais actuantes, tais como lápis, caneta e aguadas.» (Capucho, 2001: 92)

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Fig. 7 - Estudo para Jardim de Crivelli, caneta, tinta e aguarela sobre papel, 1990, 29,5 x 40,5

Segundo a mesma autora, nos estudos para a obra gráfica da década de 80, há

referências a estudos de figura, estudos de modelo, escorços e panejamentos, sendo que

a partir de 1986, aparecem igualmente, estudos compositivos.

Em 1994, Paula Rego deixa de utilizar a tinta acrílica e passa a preferir um novo

médium: o pastel seco. Este material permite à artista estar mais próxima do desenho,

não tendo como intermédio um pincel:

«It comes naturally to me, because I like drawing a lot, and with pastel you draw all the time. (…) Also, if

you work with pastel, you have to do it from life. You have to use a model, even if it means your own

models. You cannot do it from the imagination. It has to be seen to be done.»20

Paula consegue assim manter o aspecto de um material riscador dentro de uma pintura,

enfatizando o uso da linha. Isto é extremamente importante, visto que Rego sempre deu

grande importância ao desenho.

No entanto, a proximidade ao desenho não fez com que a artista colocasse de parte o

recurso a esboços prévios durante esta década. Os estudos de desenho continuaram a

___

19 – Excerto de entrevista à artista para ARTINFO.com, disponível em Paula Rego: http://www.artinfo.com/news/story/24113/paula-rego/?page=2 (acedido a 20/09/2011)

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permitir-lhe criar as perspectivas da história, descobrindo e destacando os assuntos que

pretendesse dar enfoque no trabalho final.

A compra de um atelier, em 1994, permitiu-lhe criar uma envolvência diferente e

intimista para trabalhar nas suas obras. A construção de cenários para os seus trabalhos

tornou-se também recorrente.

Paula Rego, foi-se sentido cada vez mais confortável no desenho de representação. No

início, utilizava quadrículas sobrepostas nos desenhos preparatórios, proporcionais à

escala final, para transpor mais facilmente as figuras para o trabalho final. Contudo, no

final dos anos 90 já desenhava directamente a pastel.

O uso do desenho de modelo vivo no desenho também trouxe um novo entendimento à

sua obra. Até nas composições mais complexas Paula desenha com vários modelos. No

entanto, faz os desenhos separadamente em vez de inseri-los todos no espaço ao mesmo

tempo, conjugando-os num todo na obra final, o que poderá transmitir um sentimento de

isolamento na composição.21

Na última década, o processo de estudo foi, em parte, sobreposto por um processo

prévio de criação de cenários que lhe permitiram desenhar e pintar directamente. As

suas decisões compositivas eram tomadas agora num plano tridimensional:

«If you build a set you can copy the set straight on to the canvas, you don't have to do many drawings.»

(Rego, 2008: 14)

Segundo Paul Coldwell, artista com quem trabalha na execução de gravuras desde 1984,

esta necessidade de trabalhar directamente do real já se haveria notado na série Dog

and Women, feita a partir de um cenário.22

O atelier, consecutivamente, foi-se

adaptando a este novo método de trabalho. Cada vez mais tornou-se num ambiente

repleto de adereços cénicos, máscaras, animais embalsamados, e outros.

O seu trabalho gráfico também se alterou por consequência, tendo as matrizes alcançado

um tamanho superior à maioria das suas anteriores gravuras além de serem agora

desenhadas directamente da observação do modelo no estúdio. O desenho é mais

evidenciado nestas gravuras, pois a linha utilizada passa a dar mais ênfase ao volume,

em vez de ser maioritariamente ligada a aspectos de contorno como anteriormente.

___ 21- «Ses oeuvres de la dernière décennie reposent plus solidement sur l'observation directe. Tout au long des années 90, Rego a dessiné infatigablement à partir du modèle en établissant avec lui une relation de profonde complicité. Cependant, même dans les

compositions les plus complexes, Rego dessine à partir du modèle pris isolément plutôt que de créer des tableux composites dans

son atelier. Cest ainsi que les compositions sont construites au moyen dune articulation de personnages peints séparément. Les contradictions d'échelle qui résultent parfois de ce procédé ainsi que linévitable sensation d'isolement - une solitude qui semble

enfermer des personnages seuls dans des compositions de groupe - sont certainement les conséquences de ce procédé que l'artiste

emploie à des fins narratives.» (Rosengarten, 1999: 31) 22 – Referência a artigo escrito por Paul Coldwell, em Paula Rego: http://www.saatchi-gallery.co.uk/artists/paula_rego_about.htm

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No fundo, Paula Rego desenvolveu um método ao longo dos anos que lhe satisfez o

gosto pelo desenho de representação. Da mesma forma, criou, a partir do seu atelier o

seu próprio mundo de referências e vivências que constantemente transmite no seu

trabalho.

Já na última década, os estudos passam a ser realizados na sua maioria sobre a forma de

cenários realizados previamente pela artista antes do desenvolvimento final da obra.

Naturalmente, houve sempre excepções consoante o trabalho desenvolvido, visto a

artista nunca seguir um método completamente controlado e, muito menos, académico.

Apesar dos estudos prévios, as obras finais muito raramente são totalmente semelhantes

aos estudos, existem sempre alterações. Estes métodos de trabalho aplicam-se à pintura

e, a partir de meados dos anos 80, à gravura, quando esta técnica passa a ser recorrente

no seu trabalho. No entanto, Paula Rego sempre viu a gravura de uma forma mais

espontânea e criativa que a pintura, tendo muitas vezes realizado estas a partir de uma

temática utilizada anteriormente em pinturas, o que lhe permitiu uma abordagem menos

condicionada. Já o desenho utiliza-o como ponto de partida para a pintura ou gravura e

insere-o sempre, de alguma forma no seu trabalho final. Para ela o desenho é o trabalho

mais íntimo que realiza e, consecutivamente o mais importante:

«I did a lot of life drawings and I was too embarrassed to show them. (...) If you draw from your head (...)

there isn't anything, anything, more intimate and more truthful than that possible. Whereas if you turn it

into a painting it becomes something else. It becomes public, it becomes a show-off, but those little things

you do for yourself mean the most. Drawings are very personal. Drawings are more important than

anything really.» (McEwen, 2008: 12)

4.5.3 Desenho e Gravura

A gravura, para Paula Rego, é como que um intermédio entre o desenho e a pintura,

tendo em conta que o desenho, para a autora, é visto como um processo mais intimo e a

pintura uma actividade mais estudada e direccionada para o público.

Os seus desenhos a lápis possuem um carácter experimental, de procura. Já o desenho

aplicado em gravura implica uma abordagem com mais determinação técnica e formal,

algo próprio deste meio específico.

O desenho de pesquisa demonstra frequentemente um rasto de correcções e revisões. A

história está a ser contada no momento do desenho, uma espécie de «reflexão com as

mãos», com base no corpo do modelo que se torna o meio pelo qual se geram emoções.

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Fig. 8 - Estudo para amor, lápis sobre papel, 39 x 56,5 cm, 1995

Paula Rego começa geralmente uma gravura utilizando guache, de forma a criar uma

sensação de fluidez antes de materializar a intenção com um traço. Depois de gravar os

mesmos a água-forte, começa a criar as tonalidades de água-tinta. É normal revestir

outras vezes a chapa para acrescentar mais informação, frequentemente detalhes

relacionados com o modelo. Normalmente trabalha com várias chapas em simultâneo.

Sobre a obra gráfica A Cheia (água-forte e água-tinta), de 1996, Paul Coldwell diz o

seguinte: «(…) todo o processo está tão claramente enraizado no desenho, que é fulcral

em toda a sua obra e, portanto, ela sente-se perfeitamente à vontade. Utiliza as fases da

gravação de forma teatral, com os desenhos a funcionar como primeiro esboço da peça.

Pode mudar um pouco à medida que os ensaios progridem, mas as personagens e a

composição estão basicamente estabelecidas – o que muda é a ênfase, a atmosfera, as

luzes.» (Coldwell, 2002: 53).

Ou seja, o método criativo acompanha a gravura. No entanto, há diferenças:

«Apesar de cuidadosamente organizado e controlado, o trabalho gráfico da artista parece-nos muito livre

e espontaneo, talvez por causa da rapidez com que uma gravura pode ser executada, em comparação com

uma pintura, ou talvez por ser mais fácil retirar parte da imagem e substituí-la por outra coisa qualquer.»

(Rosenthal, 2003: 13)

Sobre a série de gravuras The children’s crusade, a autora explica o seu processo de

trabalho:

«Houve alguns desenhos das figuras – como as de Voices, que foram feitas a partir do modelo; e

Execution (em que os modelos são os meus netos), que foram feitos a partir de desenhos, por acaso. É

evidente que as figuras nem foram sempre agrupadas do mesmo modo; eu só as juntei a partir dos

desenhos.» (Rego, 2003: 132)

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No entanto, a partir da série Aborto, podemos já ver diferenças. Paula realizou a série

toda a partir das pinturas (algo que raramente faz). Neste caso, já tinha as composições

solucionadas mas, mesmo assim, pediu aos modelos para realizarem de novo as mesmas

poses para não ser uma simples cópia das pinturas e trazer algo de novo ao trabalho.

Podemos concluir que Paula Rego, apesar de utilizar estudos prévios nos seus trabalhos,

tenta encontrar sempre soluções para criar imediatismo nos mesmos, até quando parte

destes já foram resolvidos anteriormente. O processo nunca está fechado, todo o acto é

criativo.

Fig. 9- Sem título (II), série aborto, água-forte, 1999, 19,6 x 47,9 cm

4.6 R. B. Kitaj

4.6.1 Biografia

Ronald Brooks Kitaj (1932-2007), foi um artista americano que viveu e trabalhou

grande parte da sua vida em Inglaterra. De ascendência judaica, estudou na Akademie

der Bildenden Künste, em Viena e na Cooper Union, em Nova Iorque. Depois de servir

o exército americano, na França e na Alemanha, mudou-se para Inglaterra, onde estudou

na Ruskin School of Drawing and Fine Art, em Oxford e, posteriormente, na Royal

College of Art, em Londres.

Professor em várias universidades, teve a sua primeira exposição na Marlborough Fine

Art, em Londres, em 1963. Foi responsável pela designação do grupo Escola de

Londres, onde figuravam artistas como Frank Auerbach, Leon Kossoff, Francis Bacon e

Lucian Freud.

A sua obra é caracterizada por uma linguagem figurativa, com áreas de grande cor e

uma constante atenção dada ao desenho. O grafismo linear é uma característica

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recorrente nas suas pinturas e desenhos. Ao mesmo tempo, o artista cria uma

diversidade de planos que parecem se assemelhar no geral a colagens.

O trabalho tem influência surrealista, no sentido em que o artista conjuga referências de

origens que nada têm em comum num só trabalho. Podemos identificar referências

literárias, históricas, artísticas e judaicas, ao longo do seu trabalho.

No início, a sua obra teve uma grande influência da técnica da serigrafia sendo que a

partir dos anos 60, o artista baseou o seu trabalho no desenho de modelo.

Em 1994, teve uma grande retrospectiva do seu trabalho na Tate Gallery. As críticas

negativas foram tão intensas que tiveram um grande impacto no artista e na sua esposa

que, falecendo no mesmo ano, fez com que Kitaj culpasse os críticos pelo incidente.

Este evento influenciou imenso a sua obra e fez com que Kitaj fosse residir

definitivamente para Los Angeles. Em Outubro de 2007 suicida-se.

4.6.2 Método de trabalho

O método de trabalho de R.B. Kitaj distingue-se do de Paula Rego pois nunca recorreu à

metodologia clássica da utilização de estudos. As capacidades intuitivas têm um papel

fundamental no seu trabalho devido às associações ilógicas que realiza entre imagens

que nada têm em comum, conjugando-as na obra final.

As experiências realizadas na Copper Union, introduziram o artista à noção de

composição geral, a uma liberdade criativa e a um sentido de experimentação que

caracterizaria as suas serigrafias dos anos 60 e início dos anos 70. A colagem

demonstrou ser também bastante importante neste período, não só na pintura, mas

mesmo na serigrafia.

Durante os seus estudos na Royal College of Art, havia também desenvolvido um

método de pintura que fazia com que desenhasse em cada tela, cobrindo os desenhos

seguidamente com tinta. Este caminho leva-o para um trabalho de carácter surrealista.

Nos anos 70, o artista tornou-se crítico acerca do seu trabalho desenvolvido

anteriormente e voltou a interessar-se pelo desenho da figura humana.

Marco Livingstone descreve desta forma o seu processo criativo:

«The pictures generally have a long gestation, formulated by a mixture of impulses which reinforce one

another while controlling excesses in any particular direction: the structuring of a picture was as likely to

arise from free association from the subconscious, a legacy of Kitaj’s grounding in Surrealism, as from a

deliberate urge to integrate found images, direct observations from life, personal circumstances and

subjects drawn from sources in art, literature and history. The significance of a painting or drawing could

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change even for the artist because of the complex relationship between conscious intention and

subconscious impulse, just as events in one’s own life can be reinterpreted through recourse to memory

and later experience.» (Livingstone, 2010: 11)

Esta organização da imagem leva a que o observador não se foque num elemento em

particular mas para as suas interligações. Consecutivamente, o artista deixou de

necessitar de um método compositivo com base perspectiva, já que a lógica interna da

mesma era o suficiente para criar uma harmonia composicional.

A partir dos anos 80, os estados psicológicos pareceram ganhar uma maior expressão na

sua pintura, talvez pela forma com que o desenho se tornou explícito no trabalho final.

Apesar de nesta época a unidade espacial se tornar mais unificada, a multiplicidade de

fontes de imagens utilizadas manteve-se. A diferença é que no período inicial, estas

tinham uma natureza mais ilógica em termos de relações internas.23

Apesar de Kitaj não utilizar estudos preparatórios seguindo a metodologia descrita por

Vasari, pensámos ser importante referenciar aqui o seu método criativo. O uso do

desenho como base criativa juntamente a imagens referenciais de todo o género de

fontes cria, de certa forma, uma envolvência na obra durante a selecção e/ou realização

das fontes quando estas têm por base o seu próprio trabalho. Há, de certa forma, como

que uma procura constante prévia à realização, que o artista filtra ao efectuar uma nova

obra. No entanto, este pensamento tem como característica, não definir ao certo um tipo

de composição previamente ao resultado. Este detalhe traz espaço de manobra ao artista

para criar algo inesperado durante a elaboração da obra. Por outro lado, a quantidade de

fontes seleccionadas previamente faz com que a obra final possa ser uma espécie de

refazer das imagens originais. Kitaj nunca sabe ao certo como vai terminar cada obra

mas o autor tem, no entanto, referências prévias que lhe podem assegurar algum tipo de

resultado. Terá sido por isso que, quando questionado sobre se utiliza desenhos

preparatórios e se modifica radicalmente a obra depois de começada, o artista responde:

«(…)all things are possible. I feel like Hopper did when he used to say he was torn between painting the

“facts” and improvising. I carry themes in my mind for years before I will try to compose them… I’ve got

themes that will last me now till I die. I said that to a well-known painter in New York. He said, “how

boring!” his dedication to spontaneity was touching. To me it was a failure of imagination. Like degas

said of himself, I’m the least spontaneous of men.» (Kitaj in AA. VV, 1981: 46)

Igualmente, o facto de Kitaj se centrar em alguns assuntos de carácter narrativo e

histórico que pretendem transmitir algo mais que o sentimento sentido pelo artista no

acto criativo, têm como consequência uma concentração em outros aspectos que se en-

___

23 – Indicações referentes a Morphet, 1994: 25

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contram fora do momento de realização da obra. Daí, haver provavelmente uma

incompatibilidade entre a temática e obra realizada de forma imediata.

4.6.3 Desenho, Pintura e Gravura

O desenho, a partir dos anos 70, assume um papel fundamental na sua obra.

Quando questionado sobre o seu desenho, admite que os seus esboços «são todos alla

prima, ao contrário dos desenhos maiores que podem levar muito tempo a serem

realizados» (Kitaj, 1997: 55)

Kitaj utiliza o desenho para estudar poses de modelos e também como obra final. Os

seus desenhos são maioritariamente a carvão ou a pastel. Mantêm, no entanto, uma

ligação clara ao seu trabalho de pintura, à excepção dos estudos que têm um carácter de

registo da realidade.

Fig. 10 - R.B. Kitaj, The Murder Of Rosa Luxemburg

Contudo, não podemos separar totalmente o seu desenho da pintura, visto que o próprio

autor refere-se às mesmas como inseridas na corrente «Pintura-Desenho». Para ele, há

uma corrente na Arte Moderna onde pintura e desenho são inseparáveis, dando o

exemplo de Cézanne e Giacometti. (Kitaj, 2001: 43)

Esta ligação é óbvia ao longo da sua obra, pois mesmo as suas pinturas realizadas a

óleo, são caracterizadas por linhas que sintetizam a forma revelando imediatismo e

dando um destaque inquestionável ao traço.

Kitaj realizou uma obra significativa em serigrafia nos anos 60, no entanto, o desenho

ainda não era o ponto fulcral da sua obra nesta época. Só mais tarde voltou a

desenvolver as técnicas de reprodução, principalmente litografia e verniz-mole, além de

algumas experiências em água-forte. Contudo, a sua obra gráfica, à excepção da

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serigrafia desenvolvida em grande quantidade nos anos 60, tem pouca relevância em

relação à sua obra realizada em desenho.

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66

5. COMPARAÇÕES

5.1 A importância do desenho de representação no acto criativo

Entre os dois processos de trabalho podemos destacar várias diferenças. Contudo,

segundo os autores, o contacto com o modelo no acto de criar, é um factor indispensável

no momento da concretização da obra.

Podemos com isto questionar a influência que a presença de um modelo possa ter no

acto criativo desenvolvido pelo meio do desenho.

Ao relembrar o processo cognitivo descrito por Damásio aquando da descrição do

desenvolvimento da consciência no indivíduo, podemos ter uma pista para tal

importância. Damásio, nota uma alteração no Eu nuclear de acordo com as interacções

do proto-eu com o objecto com o qual o indivíduo se relaciona. Tratando-se de uma

interacção que envolve tamanha concentração da parte do indivíduo, não é de se

estranhar que a mesma traga modificações a vários níveis à nossa consciência. Poderá

então o desenho ser uma das melhores formas de o indivíduo interagir e conhecer o

referente, neste caso o modelo, devido a todos os processos físicos envolvidos nesta

acção.

Esta acção de conhecimento traz ao indivíduo valores profundos, fruto da interacção

entre o mais interior do ser com todos os sentimentos primordiais transmitidos ao eu

nuclear pelo proto-eu. Visto a comunicação entre a mesma espécie ser de uma

importância superior a qualquer interacção com objectos no sentido literal do termo, a

informação ganha através desta acção trará um valor mais profundo à obra e

consecutivamente uma concentração e atenção durante o curso da mesma que de outra

forma poderia não ser mantida durante tanto tempo.

Esta situação, por ser processada na sua maioria de forma inconsciente, fará com que as

faculdades intuitivas se manifestem de uma forma fluida, ao contrário da razão, que

pode criar alguma inibição à fluidez de sentimentos e informação envolvidos neste

processo de forma sensorial.

5.2 Duas formas de criar no momento do acto criativo

Avigdor Arikha e Lucian Freud preferem trabalhar sem estudos prévios. Avigdor

Arikha de uma forma mais extrema, resumindo a execução da obra a uma sessão, no

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67

máximo duas; e Lucian Freud devido ao seu interesse em desenvolver uma obra a partir

do referente que retratava sem outro tipo de interferências.

Estes dois artistas baseiam a sua obra gráfica no desenho de representação. O objectivo

é assimilar a verdade do que se vê e sente na obra final.

Lucian Freud fá-lo de uma forma mais detalhada, tendo como objectivo principal

retratar o referente e, estando mais sujeito a alterações no seu estado emocional durante

o decorrer das longas sessões. A sua obra, como consequência, reflecte vários

momentos e estados emocionais muito diferentes decorridos durante a sua realização,

algo com que o artista não se sente totalmente satisfeito.24

Avigdor, dá mais importância à “chamada inicial” que o levou a começar a obra,

tentando fazer os possíveis para que essa sensação se mantenha sempre durante o

decorrer do processo criativo independentemente do processo de finalização da obra.

No caso de Avigdor, trata-se de um processo extremamente intuitivo. A maioria das

acções são tomadas através do sistema tácito, devido à obra lhe surgir naturalmente, ou

seja, sem esforço (característica desse sistema). Trata-se de um processo muito

dependente das emoções do artista, o que faz com que os resultados, com o mesmo

referente, corram sempre de forma diferente.

Já Lucian Freud, apesar de seguir um processo semelhante, ao optar por resolver a obra

em várias sessões perde em termos da ligação inicial que levou o artista a interessar-se

pelo referente. No entanto, resulta num maior conhecimento em relação ao referente. O

resultado é a conjugação de um trabalho evolutivo de conhecimento do objecto segundo

diversos estados emotivos da parte do artista.

A nível dos processos cognitivos, podemos sugerir a partir da informação acessível, que

o artista utiliza mais o sistema deliberativo durante o acto criativo que Arikha. O seu

envolvimento com a obra é mais estudado e a mesma só termina quando o artista sente

que esta está completamente resolvida. Para o artista chegar a essa conclusão, é

necessário haver um sentido crítico apurado que aceite a obra efectuada como algo que

considere resolvido. Enquanto não chegar a esse parâmetro, o artista tem que intuir

resoluções para os obstáculos a alcançar e, ao mesmo tempo, prever todas as soluções

possíveis e decidir qual a mais acertada. Este processo envolve não só o sistema tácito

definido por Hogarth, mas também o deliberativo.

___

24 - «One thing I have never got used to, is not feeling the same from one day to the next, although I try to control it as much as

possible by working absolutely all the time» (Gayford, 2010: 72)

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68

Não quer dizer com isto que Avigdor não utilize também os mesmos sistemas durante a

execução da sua obra mas, ao criar estas regras, impede que seja dada primazia à

reflexão deliberativa durante o curso do mesmo.

5.3 Dois processos que envolvem estudos prévios

Paula Rego e R. B. Kitaj seguem processos criativos muito diferentes tendo, no entanto,

fases ou trabalhos específicos em que se assemelham no método, talvez pelo interesse

de ambos pelo movimento surrealista.

Os seus objectivos em relação ao desenho da figura humana, assentam não só no

indivíduo a representar, mas também numa conjugação de elementos de origens

diversas. Paula Rego fá-lo tendo em conta, principalmente, desenhos seus realizados

previamente a partir de modelos (principalmente desde meados dos anos 80 até ao final

dos anos 90), e Kitaj utilizando referências de vários tipos, como fotografias retiradas de

publicações, por exemplo.

A evolução de Paula Rego através dos vários estudos realizados, revela um processo de

decisão onde são tomadas em conta as vantagens ou desvantagens de cada solução. Os

sistemas tácito e deliberativo são sempre necessários a este processo, sendo que na parte

final, tendo as decisões compositivas consolidadas, haverá provavelmente uma maior

utilização do sistema tácito até à finalização da obra, quando o sentido crítico e

distanciamento em relação à obra surge com mais acentuação, permitindo uma fase em

que a capacidade de análise volta a ser requisitada de alguma forma.

Os estudos trouxeram-lhe provavelmente mais confiança no início da realização da obra

final e espaço para uma maior concentração em termos do acto de fazer, seja ele gravar

ou pintar, sem se preocupar tanto com outros aspectos compositivos que noutras

circunstâncias teriam mais primazia. Ou seja, a autora, de certa forma, resolve a obra

previamente, para mais tarde poder dedicar-se ao acto e ao prazer de desenhar da forma

mais livre possível (talvez seja esta a razão da mesma colocar à parte os seus estudos

aquando do começo da realização do trabalho final).

O acto criativo de R. B. Kitaj caracteriza-se por um processo não linear, havendo uma

conjugação de imagens de diversas fontes numa só obra. No início, as suas obras

acentuavam uma ligação com o ready-made, no sentido em que os fragmentos de

imagens sofriam uma reorganização. À medida que o autor foi tendo uma maior ligação

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com o desenho de modelo, estas imagens de base tornaram-se mais complexas e com

menos aspecto de colagem.

A sua forma de selecionar as imagens, apesar de não seguir um processo específico de

estudo envolve algum tipo de processo a priori, no sentido em que a sua ideia inicial já

existe de alguma forma pois há material inicial previamente seleccionado que irá ser

objecto de uma nova ordem de acordo com o objectivo do artista.

As próprias referências históricas ou ideológicas patentes em vários trabalhos, revelam

uma preocupação não só com o referente em si mas também com outros aspectos que

podem ter um carácter mais conceptual.

Surge então um método criativo com base num processo de selecção de imagens,

adaptadas posteriormente a uma solução pictórica e gráfica. Este processo, parece

envolver o processo cognitivo descrito por Damásio, intitulado marcadores-somáticos,

já que há uma escolha realizada de forma insconsciente que acentua certas imagens que

mais tarde são reflectidas e adicionadas pelo autor.

5.4 Outras possibilidades de criação, com e sem pensamento prévio

Há ainda outras possibilidades de criação, decorrentes das experiências anteriores.

Uma será posteriormente a um grande número de estudos prévios, nos quais o autor,

face às consequências deste método, se tenta libertar dos mesmos, assumindo uma

reacção contrária e ignorando deliberadamente este tipo de método criativo. Um

empenho demasiado nos estudos pode criar resoluções que se repetem

inconscientemente, fazendo com que a obra resulte em algo já resolvido anteriomente se

o artista se fixar sempre às mesmas soluções. O autor, tomará então uma atitude de

reversão do processo, no qual a ausência de estudos é destacada.

Podemos ter como exemplo de Avigdor Arikha que, ao reflectir sobre a sua obra

realizada (na sua fase de abstracção), afirmava que parecia estar sempre perante a

mesma pintura25

, tendo consecutivamente criado um método que ignorava totalmente

qualquer estudo e qualquer forma premeditada.

Existe também uma possibilidade contrária onde o autor, saturado de uma via imediata

escolhe um caminho caracterizado por uma maior premeditação com o objectivo de

desenvolver características que se revelavam insuficientes na anterior forma de criação.

___ 25 - «It seemed to me then that all I had been doing was painting from painting (…).» (Thomson, 2006: 11)

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6. ANÁLISE PRÁTICA DOS PROPÓSITOS ANTERIORES

Interessa, contudo, ter uma perspectiva experimental para se confirmar ou ter em conta

alguns aspectos que uma abordagem lógica possa não evidenciar à partida. Daí, terem

sido efectuados vários trabalhos práticos da nossa autoria que reflectem, de alguma

forma, estes processos descritos no capítulo anterior

6.1 Trabalhos realizados sem estudos prévios

Para um melhor entendimento da abordagem que caracteriza um trabalho sem estudos

prévios, foram realizadas várias gravuras e desenhos a partir dum modelo vivo.

Fig. 11 e 12 – Desenho de observação na técnica de água-forte, 11 cm x 11cm

Estas não foram planeadas, sendo o único pensamento envolvido tido acção durante o

acto de desenhar sobre a chapa ou sobre o papel.

Já o retrato seguinte, foi realizado durante uma aula de desenho de modelo. Podemos

ver a semelhança de atitude, pois a pose e o material foram escolhidos no momento,

sem se ter conhecimento prévio da própria pose do modelo.

Fig. 13 – Desenho de observação realizado em aula de modelo, caneta sobre papel, 30 cm x 42 cm

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Os materiais seleccionados para estes trabalhos não permitem voltar atrás nas decisões,

o que não torna acessível uma grande fase de experimentação durante o acto criativo ou

final, caso o autor tenha um objectivo concreto que necessite de ser aprofundado. No

entanto, esse risco pode ser aproveitado se a execução se centrar à volta do mesmo.

Para uma maior compreensão das consequências da utilização de vários elementos

interligados entre si numa composição, foi também realizada uma gravura em água-forte

cuja organização de elementos foi pensada no momento:

Fig. 14 – Gravura em água-forte com finalização em aguarela; 15 cm x 21 cm

Esta tenta interligar quatro diferentes elementos, a partir do elemento gráfico linha, que

se encontravam no mesmo local.

6.2 Trabalhos realizados com estudos prévios

Da mesma forma, realizou-se um processo idêntico mas com estudos prévios.

Tendo como base as grandes referências literárias que habitaram as casas especializadas

em venda de café do Chiado no século XX, tivemos o objectivo de criar a sua inserção

no ambiente actual do “Café no Chiado”.

As figuras de Fernando Pessoa e Almada Negreiros em registos fotográficos foram a

base para a criação das suas figuras no suporte. Seguidamente foi estudada a sua

inserção no meio de outros normais consumidores do café tendo como auxílio um

levantamento do tipo de pessoas que frequentam actualmente o espaço. Os

frequentadores do espaço foram retratados com um tipo de desenho semelhante ao

utilizado para retratar os escritores. Pode ver-se a maioria dos estudos nas imagens

seguintes:

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Fig. 15 – Exemplos de esboços realizados para estudo das obras posteriores; tinta-da-china sobre papel, 28 cm x 22 cm

Seguidamente, o conjunto de esboços foi afixado de forma a poderem ser todos

visualizados em simultâneo, sempre que necessário. Com uma folha de formato A2 e

um material riscador, começou-se a desenhar a partir dos trabalhos que mais se

salientavam, tentando formar ligações coerentes e harmoniosas entre as figuras.

Fig. 16 – Primeiro estudo para Literatura de Café, onde se conjugou vários elementos estudados na Fig. 14

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Tendo as linhas gerais da composição formadas, seguiu-se uma maior atenção ao

detalhe e à cor, sempre tendo em conta o esboço anterior.

Fig. 17 – Segundo estudo para Literatura de Café, já com maior ênfase na disposição das cores

Com estes dois estudos feitos, onde os elementos essenciais estavam resolvidos, iniciou-

se o trabalho final:

Fig. 18 – Literatura de Café; técnica mista sobre papel, 42 cm x 60 cm

Repetimos este processo para outros desenhos, uns com estudos mais prolongados,

outros com estudos mais rápidos, de forma a tentar entender em que sentido isto nos

ajudava, ou não, no trabalho final.

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Fig. 19 e 20 – Literatura de Café II: Estudo e respectiva obra final

Fig. 21 e 22 – Literatura de Café III: Estudo e respectiva obra final

Foram realizados igualmente estudos para um só elemento, de forma a perceber se a

quantidade de informação presente na obra afecta de alguma forma o processo. Tendo o

estudo mais adequado sido seleccionado, tentou-se reproduzir o desenho para uma

matriz, recriando a mesma pose e o mesmo efeito.

Fig. 23 e 24 – Estudo e obra final da experiência de compor com um só elemento

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75

6.3 Conclusões acerca dos métodos

Após a experiência de desenvolver trabalho prático seguindo um processo com ou sem

estudos prévios, podemos confirmar questões levantadas no capítulo anterior e

expressar de uma forma mais ponderada a nossa perspectiva perante os processos

criativos envolvidos.

No caso do desenho sem estudos prévios, a experiência prática revelou uma obra com

mais riscos em termos do controlo do resultado final. Foi iniciado por impulso, tal como

as obras investigadas anteriormente, e a composição foi prevista de uma forma imediata,

prevendo os acontecimentos gráficos futuros mentalmente (quando previstos). No

entanto, pensamos que foi mais fácil nestes desenhos criar um imediatismo e

expressividade no desenho, próprias de uma obra menos reflectida e mais impulsiva. O

trabalho exemplificado nas fig. 11, comprova este facto, pois revela características que

seriam mais difíceis de atingir quando estudadas tal como podemos comprovar no outro

exemplo realizado da mesma forma mas com estudos (Fig. 24), o estudo inicial ficou

mais interessante e livre que a tentativa de reproduzir esse primeiro esboço na gravura.

Partindo desta experiência, podemos também concluir que no caso dos desenhos

realizados com estudos prévios, existe uma maior possibilidade de que estes

condicionem a liberdade da composição final. A visualização dos estudos da imagem a

realizar, pode criar mentalmente uma visão geral do resultado havendo a possibilidade

de este caminho poder bloquear novas soluções que possam resolver melhor a

composição. Esta limitação foi confirmada principalmente durante a realização da obra

da Fig. 20, durante a reprodução da composição do estudo. O desenho poderia ter tido

uma solução melhor, caso houvesse uma menor atenção ao estudo, como se nota na

demasiada condensação de figuras desenhadas no trabalho final. Claro que mais estudos

poderiam trazer um melhor resultado, no entanto considerei o estudo como o suficiente

para criar posteriormente uma harmonia de figuras.

O acto de desenhar com médiuns que não permitem apagar os grafismos, também

condiciona o resultado final, algo que a pintura a óleo, já ajuda a contornar devido à sua

fácil manipulação. O desenho torna-se assim, uma expressão plástica mais ligada ao

imediatismo e expressividade.

Visto que o sistema tácito, definido por Hogarth, é caracterizado por envolver pouco

esforço durante a realização das tarefas (ver capítulo 3.3), podemos consecutivamente

afirmar, após a realização desta breve parte prática, que o processo dos desenhos sem

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estudos prévios, necessita de uma maior actividade pela parte deste sistema. Afirmamos

isto devido à visualização prévia de uma ideia da obra quando os estudos existem, pois,

nesta situação torna-se clara a ligação com algo que foi tornado físico num momento

prévio à fase da criação.

Quando os estudos prévios não existem, a ligação a tarefas realizadas anteriormente

existe a um nível inconsciente, seja pela parte de tarefas que se tornaram automáticas e

realizáveis através do sistema tácito, seja pelas próprias ligações envolvidas a um nível

da consciência, tal como nos explicou Damásio, no capítulo 3.5.

Notámos também nestas experiências, que a existência de um maior número de

elementos a serem destacados na composição, torna a acção de compor e prever

resultados durante o acto da criação mais complicada (Fig. 14). Por isso, os estudos

poderão ser um auxílio importante nestes casos.

Os desenhos onde se encontra a presença de um só elemento e onde é mais fácil prever

mentalmente a sua inserção no espaço compositivo, necessitam de estudos com mais

importância a um nível de texturas e grafismos a serem utilizados do que a um nível

compositivo já que, as interligações entre vários elementos são mais complexas a nível

de formas e tensões e consecutivamente mais difíceis de prever mentalmente.

Por fim, podemos concluir que cada método tem características próprias que auxiliam

quem desenha a atingir o melhor resultado possível consoante os seus objectivos

durante a criação da obra.

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77

7. CONCLUSÃO

Num sentido lato, o desenho de representação está presente na vida do ser humano

desde os primórdios da nossa existência enquanto espécie. Ao longo do tempo, várias

teorias se desenvolveram em torno do exercício do desenho, sobressaindo o seu carácter

bidimensional e a sintetização da forma através do uso da linha.

É preferido por muitos artistas como a base de um processo criativo, não só nas artes

plásticas mas também em outras áreas.

O interesse gradual pelo desenho a partir do Renascimento teve como consequência o

desenvolvimento de diversos sistemas de representação que ajudaram o artista na

criação da sua obra. Os primeiros utensílios ópticos contribuíram para uma visão

diferente da realidade. Mais tarde foram gradualmente substituídos pela utilização da

fotografia ou pela respectiva projecção no suporte. No entanto, o desenho de

representação empírico nunca foi totalmente substituído por qualquer utensílio ou

aparelho. Este foi sempre aprimorado e reflectido, pois, como afirmou Zuccari, o

desenho “não deve seguir leis matemáticas”, pois a essência do mesmo provém do

“desenho interno” que trata o entendimento e conhecimento do mundo através dos

sentidos. 26

Algumas técnicas de gravura também podem ser entendidas como desenho. O acto de

riscar e a sintetização das formas através da linha caracteriza técnicas como a água-

forte, a litografia ou a ponta-seca. No entanto, difere na reprodutibilidade, que mantém

os valores do desenho mas diferencia-se no número de réplicas existentes de um

só desenho. Através de Walter Benjamin, vimos que as provas perderam a sua aura e o

seu carácter único, permitindo a um desenho reproduzir-se e adquirir um carácter mais

democrático devido ao acesso ao mesmo proporcionado a mais pessoas.

Concluímos igualmente que para o desenhador criar uma obra artística que reflicta o seu

“eu”, necessita de assimilar várias fases de aprendizagem, tanto a nível técnico como a

nível pessoal. Uma grande experiência na área pode tornar a aprendizagem técnica

intuitiva e fluida de forma que a criação artística surja com o menor número de

interferências possível do sistema deliberativo (Ver capítulo 3).

___

26 - «Digo que a arte de pintar – e sei que digo a verdade – não toma os seus princípios das ciências matemáticas e não tem a menor necessidade de dirigir-se a elas para aprender as regras ou os procedimentos indispensáveis à sua prática, e mesmo para se esclarecer

previamente sobre o assunto…» (Zuccari in Panofsky, 2000: 76)

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Interessa no acto criativo entender de que forma o artista utiliza os processos cognitivos.

A faculdade de intuir é referida frequentemente como essencial ao desenho. Esta,

segundo estudos recentes, envolve principalmente o sistema deliberativo e o sistema

tácito.

O sistema deliberativo possui uma base analítica e tem como intenção uma divisão de

tarefas em componentes, apesar de não seguir totalmente processos lógicos. O sistema

tácito é caracterizado como um processo que actua a partir dos dados percepcionados

por vários sistemas receptores de informação do organismo. O mesmo sofre influência

do sistema deliberativo pois actua sobre os próprios dados analisados por este.

O sistema tácito actua sobre os objectivos colocados pelo organismo: todas as reacções

automáticas envolvem este sistema pois já sofreram a fase de aprendizagem realizada

através do sistema deliberativo. Esta fase é de grande importância, pois, este sistema

apreende e torna de certa forma automáticas, não só as acções realizadas correctamente

mas também as acções que podem ser consideradas negativas para o organismo. Logo,

uma especialização no acto de desenhar leva, a longo prazo, a tornar decisões

automáticas de acordo com a experiência e dedicação que tiveram lugar anteriormente.

O “pouco esforço” que caracteriza o sistema tácito, reflecte-se no acto de desenhar de

uma forma fluida e imediata que claramente é de grande importância para este estudo.

Existe pouca interferência do sistema deliberativo durante o processo, no entanto,

devido à necessidade de uma capacidade crítica da parte do artista, é necessário haver

processos de selecção e previsão durante e na parte final da elaboração da obra. Aqui,

actuam os marcadores-somáticos, descritos por António Damásio que reflectem uma

capacidade do cérebro para filtrar opções de escolha não necessárias para a criação da

obra. Finalmente, a razão actua na escolha final, nunca sendo esta totalmente

independente da intuição.

O desenho como fonte de processo criativo foi algo muito discutido ao longo da

história. Vasari, descreve a criação da obra de arte com base na utilização do desenho

como estudo que pode ser realizado como esboço inicial ou como auxiliar para a

passagem do mesmo para a tela. Alberti dá o nome de modello, ao desenho final de

estudo onde já são utilizadas quadrículas para ser mais fácil a transferência do essencial

do esboço para a tela. (Capucho, 2001: 97)

Contudo, o século XX veio trazer novas perspectivas à autonomia do desenho, sendo

muito valorizado o imediatismo e a expressividade presente no mesmo. Este aspecto

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79

levou a que artistas como Alberto Giacometti abdicassem de estudos prévios, para que

todo o momento do acto criativo se condensasse no desenho.

Para exemplificar de uma forma mais profunda, foram seleccionados quatro artistas,

activos ao mesmo tempo, com ligações e influências semelhantes no campo da arte

figurativa.

Avigdor Arikha e Lucian Freud realizaram uma obra artística que reflecte um processo

criativo mais espontâneo. Arikha é mais extremista no sentido em que limita o tempo

das sessões para que a obra resulte com o mínimo de interferências possível. Lucian

Freud prefere manter o máximo de espontaneidade podendo, ao mesmo tempo,

controlar todos os aspectos da finalização da obra.

Paula Rego, realizou no final dos anos 80 e anos 90 uma obra que envolveu um recurso

a estudos prévios baseados na descrição clássica de Vasari. Estes revelaram-se

importantes no seu processo criativo devido ao carácter narrativo da sua obra.

R. B. Kitaj, é um exemplo de um processo mais ponderado, não pelo desenho de estudo

com recurso ao método de Vasari, mas pelo seu processo criativo que envolve uma

pesquisa prévia de fontes diversas, sendo uma delas, o desenho de modelo.

A partir dos estudos da obra destes autores, podemos compreender de que forma a

prática do desenho tem impacto na criação artística. Da mesma forma, podemos

relacioná-lo com os processos criativos descritos atrás. Podemos concluir que o desenho

abre portas para uma forma diferente de ver o mundo que ajuda o artista a melhorar o

seu sentido crítico e, consecutivamente, a sua obra artística.

Ao analisarmos numa perspectiva cognitiva a forma mais imediata de criar, concluímos

que o sistema tácito é mais evidente na criação, pois não envolve tantos processos de

selecção, principalmente no caso de Arikha, que limita o tempo da criação. Por outro

lado, tem como consequência ser um processo mais arriscado devido à

imprevisibilidade do mesmo.

Os estudos permitem que haja uma maior segurança e uma maior atenção a outros tipos

de detalhes durante o curso da obra final, como acontece em Paula Rego. Também têm

a sua vantagem para uma obra de carácter mais narrativo, como podemos ver tanto em

Paula como em Kitaj. Estes permitem desenvolver melhor a ideia e as interacções dos

elementos previamente ao trabalho.

Já Kitaj, mantem um carácter mais imediato, mas utiliza referências de todo o tipo

seleccionadas previamente. Ou seja, o processo criativo não está unicamente presente na

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obra final. A própria ideia pode ser desenvolvida mentalmente ao longo de muito tempo

permitindo que os processos cognitivos de carácter mais lógico sejam utilizados.

Estes processos criativos não são no entanto antagónicos, podendo ser utilizados em

conjunto. Há também a possibilidade de um método, devido aos seus próprios

condicionamentos, levar ao seu oposto, contribuindo para diferentes visões no seio do

trabalho artístico de um mesmo criador.

Foi realizada igualmente um estudo prático de acordo com a investigação decorrente

desta dissertação. Este, permitiram-nos chegar à conclusão que os estudos, por vezes,

podem condicionar a liberdade criativa ao criar uma imagem de referências prévias.

Uma vinculação excessiva a esta imagem pode conduzir o indivíduo à rejeição de outras

soluções possíveis. Ao mesmo tempo, concluímos que o imediatismo pode criar mais

resultados não aproveitáveis. No entanto, pensamos que este estudo tem como interesse

ajudar o jovem artista a escolher o seu caminho de acordo com as suas virtudes e

limitações. É natural que com a prática, estas dificuldades se desvaneçam ou possam ser

contrariadas de alguma forma, tal como Paula Rego fez ao colocar os estudos de lado

quando começava a obra final, ou ao construir os seus próprios cenários.

O estudo destes processos criativos é de grande importância para o entendimento da

criação artística no âmbito do desenho. Por esta razão, as conclusões retiradas da

investigação teórico-prática ajudam-nos a reflectir acerca dos métodos que envolvem o

ser humano enquanto potencial criador. Podemos concluir que, independentemente da

via e do processo, a actividade artística envolve essencialmente uma grande abertura e

dedicação da parte do artista que se reflectirá sempre no seu trabalho, contribuindo para

uma maior riqueza e entendimento da humanidade visto a criação artística ser algo que

nos define e nos separa dos demais seres vivos.

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81

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1999 «Nourrir l’adulte intérieur: dessins et gravures à l’eau-forte» in

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2009 The Elements of Drawing: Illustrated Edition with Notes by

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2008 Lucian Freud, Lisboa, Taschen

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2006 Avigdor Arikha: From Life: Drawings and Prints, 1965-2005,

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2004 Las Vidas de lós más excelentes arquitectos, pintores y escultores

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Zegher, Catherine

2010 On Line: drawing through the twentieth century, Nova Iorque,

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2004 «Idéia dos pintores, escultores e arquitectos» in A Pintura, Textos

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8.2 Teses Consultadas:

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2001 Paula Rego: o desenho como ponto de Referência: o desenho

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Martins, Gina

2011 Gravura – Pintura: Convergências, Lisboa, Tese de Mestrado em

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Rodrigues, Luís Filipe

2010 Desenho, Criação e Consciência, Lisboa, Books on Demand

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8.3 Webgrafia:

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http://www.webexhibits.org/hockneyoptics/ (acedido a 5 de Setembro de 2011)

Avigdor Arikha (1929-2010): an appreciation

http://www.standpointmag.co.uk/drawing-board-june-10-avigdor-arikha (acedido a

08/07/2011)

Morreu Lucian Freud, o Pntor do Corpo e da Carne

http://www.publico.pt/Cultura/morreu-o-pintor-lucian-freud_1504155 (acedido a 28 de

Agosto)

O Poder da Intuição

http://aeiou.expresso.pt/o-poder-da-intuicao=f576046#ixzz1WhPVro5y (acedido a 30

de Agosto)

Paula Rego

http://www.artinfo.com/news/story/24113/paula-rego/?page=2 (acedido a 20/09/2011)

Paula Rego

http://www.saatchi-gallery.co.uk/artists/paula_rego_about.htm (acedido a 20/09/2011)