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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROCURADOR DE JUSTIÇA Américo Bigaton DA POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE ACORDO NOS AUTOS DE INQUÉRITOS CIVIS E AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE VERSEM SOBRE ATOS DE MENOR POTENCIAL LESIVO , FACE À VEDAÇÃO CONSTANTE NO ART. 17, § 1º, DA LEI Nº 8.429/1992. Ementa: POSSIBILIDADE DE ACORDO EM INQUÉRITOS CIVIS E AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS ÍMPROBOS DE MENOR POTENCIAL LESIVO. CONDUTA QUE, POR SUA NATUREZA, IMPORTA PENA(S) BRANDA(S), TAL COMO A MULTA CIVIL. EFETIVIDADE, ECONOMIA E CELERIDADE NA SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. RESPOSTA IMEDIATA À SOCIEDADE. APLICAÇÃO EFETIVA DA PENALIDADE. 1 INTRODUÇÃO A Lei de Improbidade Administrativa ou “Lei do Colarinho Branco” surgiu com a preocupação de prevenir e punir a corrupção de uma forma mais rigorosa e eficiente ante a ineficácia das previsões normativas antecedentes. Em âmbito constitucional, todas as Constituições Republicanas, com exceção da Carta de 1824, previram a responsabilização dos agentes públicos por atos de improbidade administrativa. Da mesma forma, em âmbito infraconstitucional, a improbidade foi objeto das Leis nº 3.240/41, nº 3.164/57 e nº 3.502/58, além de outras previsões em normas direcionadas ao funcionalismo público. A Lei nº 8.429/92 (LIA) entrou em vigor na data em que foi publicada (3 de junho de 1992), e revogou as Leis nº 3.164/1957 e nº 3.502/1958, esta última, conhecida como “Lei Bilac Pinto”, a qual tratava do sequestro e do

Estudo - TAC acordo para atos ímprobos de menor potencial lesivo

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROCURADOR DE JUSTIÇA Américo Bigaton

DA POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE ACORDO NOS AUTOS DE

INQUÉRITOS CIVIS E AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE

VERSEM SOBRE ATOS DE MENOR POTENCIAL LESIVO, FACE À VEDAÇÃO

CONSTANTE NO ART. 17, § 1º, DA LEI Nº 8.429/1992.

Ementa: POSSIBILIDADE DE ACORDO EM INQUÉRITOS CIVIS E AÇÕES

DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS ÍMPROBOS DE MENOR

POTENCIAL LESIVO. CONDUTA QUE, POR SUA NATUREZA, IMPORTA

PENA(S) BRANDA(S), TAL COMO A MULTA CIVIL. EFETIVIDADE,

ECONOMIA E CELERIDADE NA SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA.

RESPOSTA IMEDIATA À SOCIEDADE. APLICAÇÃO EFETIVA DA

PENALIDADE.

1 INTRODUÇÃO

A Lei de Improbidade Administrativa ou “Lei do Colarinho

Branco” surgiu com a preocupação de prevenir e punir a corrupção de uma forma

mais rigorosa e eficiente ante a ineficácia das previsões normativas antecedentes.

Em âmbito constitucional, todas as Constituições

Republicanas, com exceção da Carta de 1824, previram a responsabilização dos

agentes públicos por atos de improbidade administrativa. Da mesma forma, em

âmbito infraconstitucional, a improbidade foi objeto das Leis nº 3.240/41, nº 3.164/57

e nº 3.502/58, além de outras previsões em normas direcionadas ao funcionalismo

público.

A Lei nº 8.429/92 (LIA) entrou em vigor na data em que foi

publicada (3 de junho de 1992), e revogou as Leis nº 3.164/1957 e nº 3.502/1958,

esta última, conhecida como “Lei Bilac Pinto”, a qual tratava do sequestro e do

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perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito por influência ou abuso do

cargo ou função.

Segundo a doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco

Alves, “a denominada 'Lei de Improbidade' é voltada essencialmente ao ímprobo”1,

porque prevê, além do ressarcimento do dano, uma série de sanções para os

agentes que pratiquem atos que importem enriquecimento ilícito, causem lesão ao

erário ou, ainda, atentem contra os princípios da Administração Pública.

A finalidade da norma vigente é dúplice: reconstituir o

patrimônio lesado – em havendo – e punir o agente ímprobo por ter praticado

conduta ilegal.

Em razão de tratar da proteção à Administração Pública,

notadamente quanto ao erário e princípios da administração, que envolvem direitos

difusos e indisponíveis, é que o art. 17, § 1º, da Lei de Improbidade Administrativa

traz a vedação quanto à transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade

administrativa.

Visando, entretanto, um estudo mais aprofundado acerca do

assunto, dissertar-se-á sobre o alcance da referida vedação, bem como sobre a

possibilidade de se firmar acordo nos inquéritos civis ou ações de improbidade

administrativa em que se apurem atos tidos como “de menor potencial lesivo”.

2 DESENVOLVIMENTO

a) Breve Distinção entre Ressarcimento e Punição.

Inicialmente, quanto à, já mencionada, finalidade dúplice da Lei

de Improbidade Administrativa, vale mencionar que, ainda que o ressarcimento e as

demais sanções estejam previstas no Capítulo III da Lei nº 8.249/1992, intitulado

como “As penas”, em nenhuma hipótese pode-se confundir o ressarcimento com as

1 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 210-211.

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punições.

Isso porque, na primeira situação está-se falando de

ressarcimento do dano nos casos em que houve prejuízo ao patrimônio público.

Com efeito, o ressarcimento se apresenta como a obrigação do agente ímprobo de

indenizar, reconstituir, recompor integralmente o patrimônio público sempre que

houver lesão ocasionada pela prática de improbidade administrativa.

Em outras palavras, o ressarcimento visa repor o status quo da

coisa púbica, e constitui a esfera da responsabilidade civil.

Já na segunda hipótese – de punição – está-se falando na

reprimenda pela prática de conduta que se caracteriza como algum dos atos de

improbidade administrativa previstos pelo respectivo diploma legal, ou seja, constitui

a esfera de improbidade administrativa propriamente dita.

Assim, “a condenação por improbidade administrativa sujeita

seu responsável à diversas sanções, estipuladas de acordo com a gravidade do ato

cometido”2,

Nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso, a ação

atinente à improbidade administrativa “se desenvolve em dois planos: o da desejável

recomposição ao erário – mediante pagamento ou perda dos bens havidos

ilicitamente – e o da perquirição quanto à indigitada improbidade administrativa [...]”3.

No mais, é evidente que a primeira detém mero caráter

indenizatório – sempre que houver prejuízo/lesão a res publica -, enquanto a

segunda, caráter punitivo.

b) A vedação inserta no art. 17, § 1º, da Lei de Improbidade

Administrativa.

Embora, hodiernamente, muito criticado por doutrinadores, 2 FERRARESI, Eurico. Improbidade Administrativa: Lei 8.429/1992 comentada. Ed. Método. São

Paulo: 2001.3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio

Cultura e dos Consumidores. Lei 7.347/85 e legislação complementar. 9º ed. Rev. E atual . São Paulo:RT, 2004, p. 334.

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operadores do direito e juristas, o art. 17 da Lei nº 8.429/92, em seu parágrafo

primeiro, traz a vedação quanto à transação, acordo ou conciliação nas ações de

improbidade administrativa.

São os termos constantes no bojo da norma, a saber:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.[…] 4

Após a leitura do artigo supra colacionado, surgem dois

questionamentos importantes: o primeiro se refere ao alcance da vedação; o

segundo refere-se à eventual exceção ao comando ali expresso.

Ainda que muitos doutrinadores tenham entendimento no

sentido de que a proibição inserta no art. 17, §1º, da Lei de Improbidade

Administrativa possa ser interpretada de forma extensiva/elastecida, alcançando, por

analogia, os inquéritos civis atinentes à matéria5, surge, atualmente, posição

doutrinária diversa.

A norma é clara ao direcionar a vedação estritamente às ações

judicias, senão colacionamos-na, por mais uma vez:

[…] § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.[..] (sem grifo no original)

Note-se que não há qualquer menção quanto à restrição da

realização de acordos na fase extrajudicial, ou seja, quando ainda não proposta a

4 Extraída de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm em 25/09/2012.5 […] a Lei de Improbidade Administrativa vedou, expressamente, a transação nas ações de

responsabilização civil dos agentes públicos em caso de enriquecimento ilícito. Com maior razão, não se há de admitir transação nos inquéritos civis relacionados com a matéria. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 24ªed, rev. Ampl. E atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 394).

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ação judicial. E é evidente que se o legislador pretendesse fazer essa mesma

restrição para os inquéritos civis, teria feito, também, de forma expressa, ao passo

em que optou, apenas, por direcionar a proibição às ações judicias.

Assim, numa interpretação não apenas literal, como igualmente

teleológica6, pode-se concluir que se a lei não restringe, não deve o intérprete assim

fazê-lo.

Sob essa concepção, disserta Eurico Ferraresi que “a vedação

da transação, acordo ou conciliação somente se aplica à fase judicial, e mesmo

assim, com temperamentos”. Assim, “nada impede […] que se utilize o termo de

ajustamento de conduta na esfera extrajudicial, isto é, antes da propositura da ação

de improbidade”7.

Compartilha desse entendimento, igualmente, o Promotor de

Justiça da Comarca de Xanxerê, Dr. Eduardo Sens dos Santos, a saber:

[…] como ampliar para o campo extraprocessual uma restrição processual ao poder do Ministério Público tal como a prevista no art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa? Como compreender que o próprio Ministério Público restringiu, pela via interpretativa, os poderes de seus promotores de justiça em ponto que nem mesmo a própria lei claramente restringiu?8 (grifo constante do original)

Não se pode ampliar aos inquéritos civis, uma restrição legal

direcionada, tão somente, às ações judiciais, notadamente porque não foi essa a

intenção do legislador, já que se fosse, simplesmente teria feito. Não é razoável,

tampouco crível, aplicar a vedação do art. 17, §1º, da Lei n. 8.249/1992 à fase

extrajudicial, por se entender que “o legislador assim quis fazê-lo”. Se não o fez, é

porque a intenção da norma não era alcançar os procedimentos pré-processuais.

Caso contrário, teria o feito.

6 Sob o prisma do art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.7 FERRARESI, Eurico. Improbidade Administrativa. Lei 8.429/1992 Comentada artigo por artigo.

São Paulo: Método, 2011; p. 188.8 Extraído do Pedido de Reconsideração formulado pelo Dr. Eduardo Sens dos Santos, da Comarca

de Xanxerê, nos autos do Inquérito Civil Público n. 06.2012.00002324-0, cujo inteiro teor segue anexo ao presente.

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Logo, afastada a interpretação extensiva da norma e,

utilizando-se da gramatical/literal e da teleológica, conclui-se que a vedação objeto

do presente deve ficar restrita apenas às ações judicias de improbidade

administrativa.

Ultrapassada essa questão, disserta-se acerca da vedação

propriamente dita.

Em que pese a existência da referida proibição – seja qual for o

entendimento adotado acerca de seu alcance -, chegou-se a conclusão de que,

quanto a essa regra, é cabível uma exceção.

Isso porque, a doutrina atual construiu o entendimento,

bastante firme no sentido de que o acordo, sim, é possível, em ações/inquéritos civis

de improbidade administrativa, quando vise tão somente ao ressarcimento do dano

causado – ou seja, em não sendo dispensada as punições ao agente.

Tal entendimento foi elaborado sob a ótica de que o

ressarcimento do dano e a aplicação de penas são atos de caráter e esferas

distintos. O primeiro, por deter caráter indenizatório e esfera de responsabilidade

civil, passível de “reversão”, é que permite o ajustamento de acordo; enquanto, o

segundo, por deter caráter punitivo – direito subjetivo do Estado - e esfera de

improbidade administrativa, não comportaria tal composição.

Este, também, é o posicionamento do Centro de Apoio

Operacional da Moralidade Administrativa do Ministério Público do Estado de Santa

Catarina que, por meio da Pesquisa n. 28, originária da Consulta formulada pela

ilustre Promotora de Justiça da Comarca de Itapema, Dra. Carla Mara Pinheiro

Miranda, se manifestou no sentido de que “ em que pese uma regra geral vedar a

prática de acordo em ação sobre ato de improbidade administrativa, a doutrina

demonstra que é possível acordar sem interferir no direito subjetivo do Estado de

punir”9.

Sobre o tema, disserta José Roberto Pimenta Oliveira que “é

9 Extraído da Pesquisa n. 28, originária da Consulta formulada pela Promotora de Justiça da Comarca de Itapema, Dra. Carla Mara Pinheiro Miranda.

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possível, pois, sem reconhecimento da ocorrência da improbidade, autor e réu

possam ajustar forma de ressarcimento ao erário, que apenas pressupõe o

reconhecimento de ilegalidade na conduta originária dos prejuízos”10.

Dentre outros doutrinadores que corroboram esse

entendimento, pode-se citar: Hugo Nigro Mazzili, Marcelo Figueiredo, Emerson

Garcia e Rogério Pacheco Alves, Juarez Freitas, Eurico Ferraresi e Suzana

Henrique da Costa.

Há que se mencionar, também, que na prática, os acordos para

ressarcimento do dano causado são bastantes utilizados pelos membros do

Ministério Público, especialmente na fase do inquérito civil, por meio dos “termos de

ajustamento de conduta”.

Resume-se, então: embora haja expressa vedação quanto à

celebração de acordo em ações judiciais de improbidade administrativa, o contexto

jurídico atual, independentemente do entendimento adotado acerca de seu alcance,

vem admitindo o ajuste de acordos, desde que detenham a finalidade exclusiva de

ressarcir o dano causado, devendo, outrossim, ser “respeitada a órbita punitiva”11.

Assim, questiona-se: se, atualmente, tem-se admitido a

celebração de acordo para ressarcimento do dano, porque não se deveria admiti-los

nos casos em que a penalidade a ser aplicada ao ímprobo – no final da ação judicial

e em razão de sua natureza – seria, apenas, a multa civil ou outra pena branda?

O argumento utilizado por aqueles que defendem a vedação da

transação – exceto quanto ao ressarcimento do dano, cuja posição é bastante

consolidada - é que o direito de punir do Estado, traduzido nas penas previstas no

art. 12 da Lei n. 8.249/1992, somente se concretiza quando prolatada a sentença

judicial, não havendo “espaço para acordos”12.

Sustentam, ademais, que os atos de improbidade, por refletir

10 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009; p. 381.

11 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009; p. 381.

12 COSTA, Suzana Henrique. Comentários à lei de ação civil pública e lei de ação popular. São Pulo: Quartier Latin, 2006, p. 424.

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em toda a coletividade, são alcançados pela indisponibilidade do interesse público,

o que resultaria na obrigatoriedade da propositura das demandas judiciais.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade - internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los - o que é também um dever - na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.13

Entretanto, ao nosso ver, os argumentos não são consistentes

o bastante para obstar o acordo/transação ora defendido/a, pelos motivos que serão

expressos no item subsequente do presente estudo.

c) Os atos de improbidade administrativa de “menor

potencial lesivo”.

A Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 12, prevê

diferentes sanções a serem aplicadas aos casos de afronta aos arts. 9º, 10 e 11 da

mesma lei, quais sejam: a perda de bens ou valores, perda da função pública,

suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder

Público ou receber, deste, incentivos fiscais.

Conforme entendimento majoritário, as sanções previstas em

cada um dos incisos do mencionado art. 12 não serão, necessariamente, aplicadas

em bloco, podendo o magistrado optar pela aplicação de uma e/ou de outra –

cumulativamente ou não – de acordo com a natureza e a gravidade da conduta

ímproba.

A escolha por cada uma das penalidades, dessa forma, é

subjetiva, pois vai depender do entendimento e do livre convencimento do

13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. Rev. E atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2011; p. 74.

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magistrado atuante.

Por óbvio que o servidor que utiliza de veículo público, por uma

só vez, para satisfazer interesse particular emergencial não merece as mesmas

sanções do que aquele servidor que utiliza do mesmo veículo para, reiteradamente,

praticar conduta ilícita, como a venda de substâncias estupefacientes.

Neste enfoque, é que se traz à baila o fato da lei em comento

não fazer qualquer distinção entre os atos de improbidade, no que diz respeito a sua

natureza e gravidade, mas tão somente quanto a sua espécie.

Veja-se quanto a esse aspecto que a todos os atos de

improbidade do art. 9º da Lei n. 8.249/1992, incisos I a XII, foram previstas as

mesmas sanções: aquelas insertas no inc. I do art. 12, da mesma lei. Desta forma

também ocorre com as condutas do art. 10 em relação às penalidades do inciso II do

art. 12, e as condutas do art. 11 em relação às penalidades do inc. III do art. 12.

Logo, não há precisão para distinção quantitativa de sanções

que sopese a gravidade da conduta praticada, já que, repita-se, a aplicação delas é

subjetiva, ficando exclusivamente a critério do juiz.

Esse fato acarreta, não somente a dúvida em relação à

aplicação, pelos Juízes de Direito, das sanções aos agentes incidentes na Lei de

Improbidade Administrativa, como também, a acumulação demasiada de processos

acerca de questões que, por sua singeleza, poderiam ser resolvidas de outras

formas que não por meio da jurisdição contenciosa.

Chega-se, pois, ao cerne da quaestio.

No âmbito penal, para que não houvesse uma banalização dos

delitos previstos; para se filtrar os casos que realmente demandam a intervenção

judicial; para conceder mais celeridade e efetividade na solução de conflitos; bem

como para zelar pelo princípio da economia processal, onerando ao mínimo o Poder

Judiciário, já tão assoberbado, é que criou-se, dentre outros, os institutos da

transação penal e da suspensão condicional do processo.

Ao que interessa, a transação penal é o benefício concedido

àquele que cometeu ato denominado de “menor potencial ofensivo”, e detém a

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finalidade de extirpar da apreciação do judiciário casos banais – de pouca gravidade

- que podem, simplesmente, ser resolvidos por acordos substitutivos das penas,

mediante condições “punitivas mais brandas” que serão imediatamente aplicadas ao

agente infrator, sem maiores delongas e gastos pecuniários.

Neste enfoque, lembre-se que a transação penal não interfere

ou extirpa do Estado o seu direito subjetivo de punir, já que ao infrator é aplicado a

sanção pertinente, ainda que, em forma de “acordo”.

Nas palavras de Flávio Martins Alves Nunes Júnior:

A transação penal consiste, perfunctoriamente falando, em um acordo entre a acusação e o criminoso, na busca de se evitar um processo penal. Baseando-se, com evidência, no plea barganing norte americano, a Lei 9.099/95 permite que o Ministério Público proponha imediata aplicação de pena de multa ou pena restritiva de direitos para o suposto criminoso.14

Da mesma forma, pelos mesmos motivos ensejadores da

transação penal, é que se justificaria a possibilidade de acordo nas hipóteses de

atos de improbidade administrativa – também - de “menor potencial lesivo”, como

por exemplo, aqueles atos que, ao final de uma morosa ação judicial, ensejariam

apenas a penalidade de multa civil.

Essa questão, inclusive, já vem sendo objeto de estudo de

outros operadores do direito, tais quais, os doutrinadores Emerson Garcia e Rogério

Pacheco Alves, Juarez Freitas e Eurico Ferraresi, e a Promotora de Justiça do

Estado de São Paulo, Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais, autora do artigo

intitulado “Mitigação à vedação da transação na aplicação das sanções da Lei de

Improbidade Administrativa”, cujo inteiro teor segue anexo ao presente.

Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, a celebração

de acordo/transação são medidas pertinentes – tanto na fase do inquérito civil,

quanto nas ações de improbidade –, nos casos de atos ímprobos de “menor

potencial lesivo”, senão vejamos:

14 NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Princípios do processo e outros temas processuais. Vol. I. Taubaté: Cabral, 2003.

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Sem prejuízo, a partir de reflexões teóricas e, sobretudo, da experiência exaurida do contato diário com a matéria, entendemos que, de lege ferenda, seria interessante e conveniente, de modo a facilitar a reparação do dano causado ao patrimônio público, a possibilidade de uma “transação” nas hipóteses que poderíamos chamar de “atos de improbidade de menor lesividade” ou “de menor potencial ofensivo”, como, por exemplo, os atos culposos e os omissivos que, de um modo geral, menores prejuízos causam ao patrimônio coletivo, incidindo as mesmas razões relativamente a condutas dolosas causadoras de danos de pequena monta, devidamente definidas pelo legislador.15

(sem grifo no original)

Assim, ao se permitir a celebração de termo de ajustamento de

conduta/transação, nos casos de improbidade administrativa de “menor potencial

lesivo”, está-se visando obter uma punição mais eficaz e imediata e uma reparação

do dano mais ágil e eficiente, visto que a penalidade imposta pela sentença

prolatada ao final de um processo judicial é, em muitas destas situações, tão

somente a multa civil – ou outra pena branda.

Questiona-se, pois, a ausência de praticidade, concedida pela

lei, para reparação do dando causado e para imposição de penas brandas aos

ímprobos – nos casos que assim demandar.

Na verdade, a vedação – genérica - à possibilidade de

transação para todo e qualquer ato de improbidade, apresenta um retrocesso em

relação à evolução do Direito, que há muito vem empreendendo esforços e métodos

para resolução pacífica de controvérsias – o que, consoante anteriormente dito, é

evidenciado na realização de audiências conciliatórias nos juizados especiais civis e

criminais, e de mutirões de conciliação, oferecimento de transações penais e

suspensão condicional de processos, dentre outros.

Para que se obtenha uma solução mais eficiente para os casos

ímprobos, há que se ponderar acerca daqueles que, pela gravidade da conduta de

seu agente, demandam efetiva tutela estatal e aqueles que podem ser resolvidos no

plano extrajudicial.

15 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 739.

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Resta ausente na vedação do art. 17, § 1º, da Lei de

Improbidade Administrativa, radical ao extremo, o bom senso para solução prática

das demandas.

Acerca do assunto, questiona a Promotora de Justiça de São

Paulo, a saber:

[...] no âmbito cível, por que não aceitar a improbidade administrativa de menor potencial ofensivo? Neste caso, por que não permitir ao promotor de justiça a celebração de uma transação com o ímprobo, com o fim de, sem a propositura de ação civil, reconhecer o cometimento de ato de improbidade e concordar com o integral ressarcimento ao erário/perdimento dos bens ou valores, além de aplicação de uma ou mais sanções, dependendo da situação concreta a ser analisada pelo promotor de justiça, tendo como critério norteador as reiteradas decisões dos Tribunais Superiores, lastreadas nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade das sanções ?16

(sem grifo no original)

Complementando o pensamento exposto no excerto acima,

importante mencionar que são inúmeros os casos que alcançam o duplo grau de

jurisdição, acarretando gastos pecuniários excessivos e dispêndio desnecessário de

laboro de servidores públicos, para se chegar a – por que não dizer, mísera? –

condenação do agente ímprobo a pena de multa civil e/ou ao ressarcimento integral

do dano.

Senão vejamos, alguns retratos do que se mencionou no

parágrafo antecedente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AQUISIÇÃO FRACIONADA DE PEÇAS PARA ILUMINAÇÃO PÚBLICA - DISPENSA DE PROCESSO LICITATÓRIO - HIPÓTESE NÃO ABRANGIDA PELO ART. 24, INCISO II, DA LEI N. 8.666/93 - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - EXEGESE DO ART. 11, CAPUT, DA LEI N. 8.429/92 - APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA CIVIL AO EX-AGENTE POLÍTICO, NOS TERMOS DO ART. 12, INCISO III - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO17.

16 Extraído da Tese “Mitigação à vedação da transação na aplicação das sanções da Lei de Improbidade Administrativa”, elaborada pela Promotora de Justiça de São Paulo, Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais, cujo inteiro teor segue anexo ao presente, e disponível em http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_cidadania/Congresso/Congresso_Pat_Publico.

17 TJSC. Apelação Cível n. 2006.046634-7, de Araranguá, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra. j. em

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(sem grifo no original)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE FUNCIONÁRIOS - AUSÊNCIA DO ATO DE NOMEAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR EM QUAL LEI ESTÃO AMPARADAS AS CONTRATAÇÕES - VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISO IX, DA CRFB/88 E ART. 11 DA LEI N. 8.429/92 - APLICAÇÃO DE MULTA CIVIL (ART. 12, III, LEI N. 8.429/92) - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO18.(sem grifo no original)

A morosidade na aplicação da multa civil, nos casos acima, é

evidenciada se compararmos a data da ocorrência dos fatos e a data da prolação

dos acórdãos. Ainda que ambos tenham sido julgados no ano de 2010, os atos

ímprobos ocorreram, respectivamente, em janeiro de 1999, e em janeiro de 1998.

Assim, denota-se que foram necessários 11 e 12 anos,

respectivamente, para que se obtivesse uma tutela jurisdicional que culminou

apenas com a aplicação de multa pecuniária, quando se poderia ter-se assim

procedido mediante a simples celebração de transação/acordo quando da

instauração dos inquéritos civis e/ou interposição de ações de improbidade

administrativa.

Confira-se mais alguns casos semelhantes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA À PENA DE MULTA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA REGRA GERAL DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 14) PARA CONFERIR EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO À APELAÇÃO. DESCABIMENTO. CONCESSÃO TAMBÉM DO EFEITO SUSPENSIVO. APLICABILIDADE DA DIRETRIZ GERAL ENGASTADA NO ART. 520 DO CÓDIGO DE PROCESO CIVIL. RECURSO PROVIDO.19

(sem grifo no original)

APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÃO DE PLACAS DE VEÍCULO OFICIAL, COM O FIM DE PROMOÇÃO PESSOAL. IDENTIFICAÇÃO DO VEÍCULO COM INICIAIS DO NOME E NÚMERO DE VOTOS OBTIDOS PELO APELANTE NO PLEITO EM QUE FORA ELEITO.

04/06/2010.18 TJSC. Apelação Cível n. 2009.061971-0, de Armazém, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. j. em

08/01/2010.19 TJSC. Agravo de Instrumento n. 2009.057239-5, da Capital, rel. Des. João Henrique Blasi. j. em 28/04/2010.

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IMPROBIDADE DEMONSTRADA. SENTENÇA QUE IMPÕE AO RECORRENTE, ALÉM DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O SUPOSTO PREJUÍZO, A PENA DE MULTA CIVIL. REDUÇÃO PARCIAL. RECURSO PROVIDO EM PARTE.20

(sem grifo no original)

Não há que se cogitar um único motivo que justifique a

“preferência” legal pela longa caminhada de anos a fio para que se obtenha a

mesma solução que poderia ser alcançada de forma imediata com a celebração de

um acordo. A “opção” pela ação judicial nos casos de atos de “menor potencial

lesivo” – que ensejam a aplicação de multa civil ou outra pena de menor gravidade -

fere os princípios da celeridade, da economia, bem como da máxima efetividade do

processo.

Salienta-se, por oportuno, que nesses casos a transação não

implicaria, de forma alguma, na disponibilidade do interesse público, vez que a sua

finalidade, justamente, é a aplicação imediata da sanção, a celeridade na resolução

do conflito e a resposta eficiente à sociedade.

Como dizer, então, que a concessão de respostas imediatas à

sociedade poderia implicar disponibilidade do interesse público?

Acerca da indisponibilidade do interesse público – e

respondendo a esse questionamento -, dissertou o douto Promotor de Justiça de

Santa Catarina, Dr. Eduardo Sens dos Santos, conforme segue:

[…] pensemos bem: o que significa dizer que o interesse público é indisponível? Indisponível significa a qualidade daquilo que não pode ser jogado fora, que não pode ser dispensado, que não pode ser desprezado. A pergunta então, muda completamente: o interesse público é desprezado quando se faz um TAC por ato de improbidade? O interesse público é, em verdade, dispensado através de um TAC que desde logo obtém uma sanção? Ou o interesse público é desprezado com a propositura de uma ação lenta, custosa e demorada que alivia a carga sobre o promotor (“Vou deixar para o juiz decidir”), mas sobrecarrega a sociedade com mais uma impunidade?21

20 TJSC. Apelação Cível n. 2010.081085-9, de Maravilha, rel. Des. Ricardo Roesler. j. em 21/10/2011.21 Extraído do Pedido de Reconsideração formulado pelo Promotor de Justiça Eduardo Sens dos

Santos nos autos do Inquérito Civil n. 06.2012.00002324-0, cujo inteiro teor segue anexo ao presente.

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Com a celebração de acordo não se está a dispor do interesse

público, tão somente por impor uma “sanção” sem a efetiva propositura da ação ou,

se já proposta, sem a prolação de uma sentença. Ao revés, está se garantindo uma

resposta imediata ao ato ímprobo, de forma a mostrar para a sociedade que estes

atos serão repreendidos de forma rápida e eficiente.

Neste norte, importante trazer trecho do artigo “Reflexões

sobre Moralidade e Direito Administrativo” de autoria de Juarez Freitas, a saber:

[…] não parece a melhor linha interpretativa a de vedar acordo ou conciliação nas ações civis de improbidade administrativa (erro grave cometido pelo par.1o do art.17 da Lei 8.429/92), na contramão das melhores técnicas contemporâneas de valorização do consenso e da persuasão. O Direito Público do Século XXI, em novas bases, reclama estratégias conciliatórias que não significam dispor indevidamente do interesse público, mas, ao contrário, contribuem para afirmá-lo de modo mais efetivo. Impõe-se, desde logo, frisar que não se afigura universalizável a máxima que veda transação, acordo e a conciliação, notadamente essa última, que deve aflorar como uma estratégia preferencial na defesa do interesse público e da moralidade, jamais traduzível como qualquer condescendência abominável com os desonestos. Não há, pois, qualquer disponibilidade indevida do interesse público na conciliação em si.22

(sem grifo no original)

Na verdade, a indisponibilidade do interesse público não

implica ideia de ter-se a obrigatoriedade da instauração de ações judiciais para

apuração de atos ímprobos, vetando-se por completo a celebração de acordos.

A indisponibilidade do interesse público, sim, “impede que se

façam acordos em prejuízo do interesse público e também em prejuízo do agente

investigado ou processado”. Assim, não se admitirá “ajuste que viole a supremacia

do interesse público sobre o privado; da mesma forma, não se pode determinar que

o agente público perca a função pública ou se veja suspenso de seus direitos

políticos sem o devido processo legal”23.

Não há que se dizer, pois, que a celebração de

22 Extraído de artigo científico “Reflexões sobre Moralidade e Direito Administrativo”, disponível em http://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/671/462 . .

23 FERRARESI, Eurico. Improbidade Administrativa. Lei 8.429/1992 Comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2011; p. 188.

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acordo/transação possa ter o condão de configurar desrespeito ao princípio da

indisponibilidade do interesse público.

Por outro lado, essencial que fique claro que não se está

defendendo aqui a livre celebração de acordo para todo e qualquer caso que

envolva atos de improbidade administrativa.

Está-se, sim, defendendo os acordos para aqueles casos que

configurem atos ímprobos de pequena ou ínfima lesividade e importância, mediante

condições – ex. Ressarcimento integral do dano - e imposição de penalidades mais

brandas – ex. Multa civil e proibição de contratar com o Poder Público. Este

entendimento vem consubstanciado para atender tão somente aos interesses

públicos, visando conceder celeridade na resolução litigiosa, economia das

expensas públicas e efetividade de resposta ao ímprobo.

Importantíssimo mencionar que a tese - “Mitigação à vedação

da transação na aplicação das sanções da Lei de Improbidade Administrativa”,

defendida pela Promotora de Justiça de São Paulo, Dra. Adriana Ribeiro Soares de

Morais, foi aprovada no I Congresso do Patrimônio Público e Social do MPE-SP, e

vem sendo utilizada pelo Conselho Superior do Ministério Público do

respectivo estado, desde julho de 2011, para homologação dos termos de

ajustamento de condutas celebrados na fase inquisitória, a saber:

O Conselho Superior do Ministério Público, por unanimidade, homologou termo de ajustamento de conduta da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Vinhedo em que aplicou a tese “Mitigação à Vedação da Transação na Aplicação Sanções da Lei de Improbidade Administrativa”, a qual foi aprovada no I Congresso do Patrimônio Público e Social do MPE-SP24. (sem grifo no original)

Aliás, traz-se à baila, para conhecimento, as conclusões

oriundas do I Congresso do Patrimônio Público e Social do MPE-SP, retro

mencionado :

24 Extraído de www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/CAO%20Tutela/.../pp15.doc em 27/09/2012, constante no Informativo n. 15 junho/julho de 2011 do Centro de Apoio Operacional Civil e Tutela Coletiva, Área do Patrimônio Público.

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1. no bojo do inquérito civil, o promotor de justiça pode propor transação ao agente ímprobo, no sentido de aplicar, imediatamente, algumas das sanções do art. 12 da LIA, além do necessário ressarcimento ao erário ou perdimento de bens ou valores, excetuadas as sanções de suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública;2. o juízo de dosimetria da sanção efetuado pelo Promotor de Justiça na celebração da transação deve ser controlado pelo Conselho Superior do Ministério Público, no momento da homologação do arquivamento de inquérito civil e da transação;3. com a homologação da transação pelo CSMP, o Promotor de Justiça da execução providenciará, junto ao juízo da execução, o registro das informações relevantes no cadastro nacional de improbidade administrativa gerido pelo CNJ; 4. a Procuradoria Geral de Justiça, dentro do possível, empreenderá esforços junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sentido de que não sejam criados óbices ao registro das sanções impostas por transação pré-processual no cadastro nacional de improbidade;5. deve ser encaminhada proposta de alteração da Lei de Improbidade Administrativa visando à mitigação da vedação à transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade, em termos a serem estudados. 25

Por outro lado, conforme mencionou a Promotora de Justiça de

São Paulo, Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais, o atual Subprocurador-Geral de

Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Sérgio Turra Sobrane, sugeriu

a alteração da Lei da Ação Civil Pública, nos seguintes termos:

§º -No âmbito do inquérito civil para apuração de ato de improbidade administrativa, o Ministério Público poderá fazer proposta de transação ao investigado, desde que envolva a reparação integral do dano ou a restituição total do produto do enriquecimento ilícito, além do pagamento de multa civil. A proposta poderá também contemplar a abstenção de contratação com o Poder Público ou de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, por prazo determinado. §º. Será vedada a transação se anteriormente o demandado dela se beneficiou.26

Essa sugestão traduz com perfeição a tese que aqui se adota:

tenta implementar as transações para os casos que impliquem reparação do dano –

25 Extraído de www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao.../Conclusoes_teses.doc em 27/09/2012.26 Extraído da Tese “Mitigação à vedação da transação na aplicação das sanções da Lei de

Improbidade Administrativa”, elaborada pela douta Promotora de Justiça de São Paulo, Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais, cujo inteiro teor segue anexo ao presente, e e disponível em http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_cidadania/Congresso/Congresso_Pat_Publico.

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incluindo a devolução dos bens adquiridos de forma ilícita – e multa civil. Ou seja,

para os casos que configurem “atos de menor potencial lesivo”, e por isso resultem

na aplicação de penas mais brandas.

O novo projeto de lei da ação civil pública27, ainda que não

contemple as alterações sugeridas pelo Subprocurador-Geral de São Paulo, traz

várias inovações com a inserção, ao texto legal, de 48 artigos. Ao que interessa, o

referido projeto de lei prevê a possibilidade de se transacionar no âmbito das ações

civis públicas, com algumas condicionantes, ipsis litteris:

Art. 19. Não sendo o caso de julgamento antecipado, encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.§ 1o O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, sem prejuízo de outras formas adequadas de solução do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro, observada a natureza disponível do direito em discussão.[…] § 3o Quando indisponível o bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.(sem grifo no original)

No projeto, assim, há a previsão de acordos em âmbito judicial,

para duas situações distintas: na primeira, que se refere aos bens jurídicos

disponíveis, é livre a celebração de conciliação; e na segunda, que se refere aos

bens jurídicos indisponíveis, somente poderá se transigir acerca do modo em que se

cumprirá a obrigação.

No mais, o novo projeto reservou um capítulo, “Capítulo VIII”,

aos termos de ajustamento de conduta e inquéritos civis (“DO COMPROMISSO DE

AJUSTAMENTO DE CONDUTA E DO INQUÉRITO CIVIL”), ou seja, foi direcionado

ao âmbito extrajudicial ou pré-processual, em que se repetiu quase que, na íntegra,

os termos do art. 19, § 3º, acima colacionado, a saber:

Art. 49. O compromisso de ajustamento de conduta terá natureza jurídica

27 Extraído de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/PL/2009/msg238-090413.htm em 02/10/2012.

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de transação, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade da sua homologação judicial, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial. Parágrafo único. Não será admitida transação no compromisso de ajustamento de conduta que verse sobre bem indisponível, salvo quanto ao prazo e ao modo de cumprimento das obrigações assumidas.(sem grifo no original)

Ainda, em seu art. 26, há uma previsão específica àquelas

ações judiciais em que se busca tão somente a aplicação da pena de multa

pecuniária, nos moldes abaixo:

Art. 26. Na ação que tenha por objeto a condenação ao pagamento de quantia em dinheiro, deverá o juiz, sempre que possível, em se tratando de valores a serem individualmente pagos aos prejudicados ou de valores devidos coletivamente, impor a satisfação desta prestação de ofício e independentemente de execução, valendo-se da imposição de multa e de outras medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias.(sem grifo no original)

Percebe-se que, apesar de trazer alguns avanços no que diz

respeito à resolução de problemáticas sobre interesses difusos, coletivos ou

individuais homogêneos, o projeto de lei mencionado não conseguiu alcançar as

mudanças necessárias para garantir a agilidade e eficiência na solução das

demandas atinentes à improbidade administrativa que, atualmente, o Poder

Judiciário tanto clama.

Conclui-se, pois, que todos os argumentos – sejam eles de

economia, celeridade, eficiência, evolução do Direito, aplicabilidade imediata das

sanções como resposta ágil à sociedade – conduzem a um único fim: a celebração

de acordos e de transações para os casos de atos ímprobos de “menor potencial

lesivo”.

Obviamente que, para tanto, será necessário, além de uma

evolução na interpretação da Lei de Improbidade Administrativa, uma reforma severa

no respectivo diploma legal que possa levar a implementação das ideias/teses aqui

discutidas, bem como de tantas outras que sirvam para garantir maior celeridade,

economia e eficiência na aplicação das penas aos ímprobos – tantos aos de “menor

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potencial lesivo” por sua aplicação imediata, como também as demais, já que, o

Poder Judiciário poderá ocupar-se, tão somente, com aquelas que efetivamente

exigem seus serviços.

3 CONCLUSÃO

Não há vedação expressa quanto à celebração de TAC na fase

do Inquérito Civil. A Lei só proíbe transação nas ações de improbidade;

Embora haja essa vedação, a doutrina atual construiu

entendimento no sentido de que é possível tanto TAC – na fase do inquérito -,

quanto transação – na fase da Ação de Improbidade - , quando visem tão somente

ressarcimento ao erário, não sendo dispensada as punições ao agente ímprobo.

Se admite-se a celebração de acordo para ressarcimento do

dano, porque não admitir nos casos em que a penalidade, ao final da ação, seria

apenas de multa civil?

Assim, ao se permitir a celebração de termo de ajustamento de

conduta/transação, nos casos de improbidade administrativa de “menor potencial

lesivo”, está-se visando obter uma punição mais eficaz e imediata e uma reparação

do dano mais ágil e eficiente, visto que a penalidade imposta pela sentença

prolatada ao final de um processo judicial é, em muitas destas situações, tão

somente a multa civil – ou outra pena branda.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Suzana Henrique. Comentários à lei de ação civil pública e lei de ação

popular. São Paulo: Quartier Latin: 2006.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Ed. Dialética,

2007.

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Page 21: Estudo - TAC acordo para atos ímprobos de menor potencial lesivo

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

FERRARESI, Eurico. Improbidade Administrativa: Lei 8.429/1992 comentada. São

Paulo: Ed. Método, 2001.

FERRARESI, Eurico. Improbidade Administrativa. Lei 8.429/1992 Comentada artigo

por artigo. São Paulo: Método, 2011.

GARCIA, Emerson; PACHECO ALVES, Rogério. Improbidade Administrativa. 6ª ed.

Revista e Ampliada. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública em defesa do Meio Ambiente,

do Patrimônio Cultura e dos Consumidores. Lei 7.347/85 e legislação complementar.

9º ed. Rev. E atual . São Paulo:RT, 2004.

MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Ed.

Saraiva, 2009.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 24ªed, rev. Ampl.

E atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. Rev. E

atual. São Paulo: Malheiros, 2011.

NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Princípios do processo e outros temas

processuais. Vol. I. Taubaté: Cabral, 2003.

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia

constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

Artigo de Flávia Cristina Moura de Andrade e Lucas dos Santos Pavione, extraído

de http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/7_ler_mais.pdf.

5 ANEXOS

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

1) Pedido de Reconsideração formulado pelo Promotor de Justiça Eduardo Sens

dos Santos nos autos do Inquérito Civil n. 06.2012.00002324-0.

2) Tese “Mitigação à vedação da transação na aplicação das sanções da Lei de

Improbidade Administrativa”, elaborada pela Promotora de Justiça de São Paulo,

Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

1) Pedido de Reconsideração formulado pelo Promotor de Justiça Eduardo Sens

dos Santos nos autos do Inquérito Civil n. 06.2012.00002324-0.

2) Tese “Mitigação à vedação da transação na aplicação das sanções da Lei de

Improbidade Administrativa”, elaborada pela Promotora de Justiça de São Paulo,

Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais.

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Page 24: Estudo - TAC acordo para atos ímprobos de menor potencial lesivo

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

1) Pedido de Reconsideração formulado pelo Promotor de Justiça Eduardo Sens

dos Santos nos autos do Inquérito Civil n. 06.2012.00002324-0.

2) Tese “Mitigação à vedação da transação na aplicação das sanções da Lei de

Improbidade Administrativa”, elaborada pela Promotora de Justiça de São Paulo,

Dra. Adriana Ribeiro Soares de Morais.

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