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ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA
EMBASAR O PLANO NACIONAL DE
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Resumo Executivo
Brasília DF Outubro de 2014
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© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse
público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da
Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de
processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A
atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão
do conhecimento.
Presidente
Mariano Francisco Laplane
Diretor Executivo
Marcio de Miranda Santos
Diretores
Antonio Carlos Filgueira Galvão
Gerson Gomes
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br
Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado
entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013
Todos os direitos reservados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Os textos contidos
nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.
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GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães
Francisco Lobato (consultor)
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Resumo Executivo
O presente documento refere-se ao Eixo IV da Rede Água, voltado à Governança
da gestão dos recursos hídricos, tendo como objetivo principal elaborar propostas
para novas estratégias e possíveis adequações institucionais e jurídico-legais do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) – assim
como, de alguns dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (SEGREHs) –, levando em consideração o contexto do Plano Nacional
de Adaptação a Mudanças Climáticas.
Para tanto, estão sendo resumidos os conteúdos dos três relatórios elaborados,
com o primeiro voltado à identificação dos principais problemas, sejam presentes
ou previstos em cenários prospectivos. Com os problemas dispostos, o segundo
relatório concentrou-se em diretrizes e elementos norteadores, para que as
propostas pudessem ser formuladas como respostas aos perfis de problemas
identificados, até chegar ao terceiro relatório, com foco na devida integração entre
os diversos setores usuários das águas, para a qual foram formuladas estratégias
institucionais e proposto o conceito de uma devida coordenação regulatória, além
da identificação e destaques para as atuais frentes de atuação da Agência
Nacional de Águas (ANA), com ênfases para o Pacto das Águas e, também,
para os Acordos de Cooperação com os Estados, em pleno andamento.
Mesmo com o presente trabalho inserido no contexto do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, também foram consideradas outras
avaliações para adequações dos sistemas de gestão de recursos hídricos
vigentes no Brasil, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada,
notadamente para certas adequações institucionais e jurídico-legais, vez que será
bem mais realista e pragmático considerar o necessário processo de abordagens
e negociações políticas junto ao Congresso Nacional, para que ocorra a desejada
aprovação de propostas.
Ou seja, cumpre ressaltar que muitas das recomendações elaboradas não
consideraram somente adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, houve o
entendimento de que seria importante considerar o atual contexto dos sistemas
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de gestão vigentes, cujas avaliações atuais ressaltam certa estagnação nos
últimos anos, a ser vencida, especialmente por muitos dos estados federativos,
além da incorporação de mais resiliência, flexibilidade e uma gestão mais
adaptativa aos cenários de possíveis mudanças climáticas.
Com isto posto, para resumir o primeiro relatório cabe lembrar conceitos e
procedimentos metodológicos apresentados, pertinentes à avaliação da
Governança na gestão de recursos hídricos, com ênfase para um Planejamento
Institucional Estratégico e para a Metodologia APEX, desenvolvida por estudos da
União Européia.
Sob tais conceitos metodológicos, surgiram questionamentos sobre a gestão dos
diferentes perfis regionais do Brasil, para os quais deveriam ser formuladas suas
respectivas diretrizes gerais e elementos norteadores, com a devida consideração
de adaptação a possíveis mudanças climáticas.
Como justificativa para tal abordagem de diferentes perfis regionais, foi lembrado
o inciso II do Art. 3º da Lei Nacional nº 9.433/1997, litteris:
Art. 3º Constituem diretrizes gerais ...
II - a adequação da gestão de recursos hídricos às
diversidades físicas, bióticas, demográficas,
econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do
País;
Esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (8,5 milhões
de km2) e distintas características regionais, torna-se importante questionar se o
modelo institucional estabelecido para o SINGREH esteve sob uma tendência
uniformizadora ou com modelos ajustados de acordo com o perfil de cada região,
inclusive em decorrência de distintos cenários previstos para o clima.
Para chegar a respostas, outra referência metodológica muito inovadora foi
apresentada, sob o conceito da “geometria variável”, a ser empreendido mediante
a sobreposição de diferentes leituras territoriais, considerando biomas e
ecossistemas, uso e ocupação do solo, redes de cidades, infraestruturas
instaladas, sistemas produtivos e organizações institucionais vigentes, dentre
outras. A respeito, foi descrito o Mapa de Gestão da ANA, já elaborado em 2005,
o qual deve ser atualizado, além da Matriz para o Ordenamento de Escalas
Espaciais e Variáveis a Analisar.
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Com tais conceitos e abordagens, os estudos seguiram com um resumo dos
biomas do País, incluindo o da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga,
Pampa e Pantanal.
Na sequência, surgiu então a proposta de que sejam consideradas abordagens
mais próprias a três diferentes perfis regionais do País, quais sejam: da região
amazônica; do semiárido brasileiro; e, do conjunto das regiões sul, sudeste e
centro-oeste.
No que tange à amazônia, já houve a indicação de um Sistema Regional de
Gestão, tendo em vista a predominância de baixa densidade populacional, à
exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas
metropolitanas (a exemplo de Manaus e Belém). Ademais, definições de políticas
relacionadas ao ordenamento do uso e da ocupação territorial, incluindo a
indispensável criação de áreas protegidas e unidades de conservação.
Para o semiárido brasileiro, levando em consideração o seu perfil singular, foi
sublinhada a importância de identificar núcleos regionais estratégicos para um
desenvolvimento socioeconômico, com vistas a arranjos produtivos locais (APLs)
e cidades do interior, além da indicação de que sejam tratados muitos dos pontos
territoriais problemáticos relacionados aos recursos hídricos.
Estes pontos territoriais problemáticos devem envolver o gerenciamento das
disponibilidades, neste caso, incluindo: (i) a infraestrutura de armazenamento,
corretamente construída para mitigar efeitos de evapotranspiração; e, (ii) a
infraestrutura para transporte de água (canais e adutoras), definida segundo
eixos compatíveis com o desenvolvimento de atividades econômicas e estratégias
de consolidação e adensamento da rede urbana.
Também deve considerar o gerenciamento e o ordenamento espacial das
demandas, com uma indução positiva à migração intrarregional e consolidação
de redes urbanas, sem deixar de empreender alternativas de baixo custo para
sistemas localizados de abastecimento (cisternas, poços locais, barragens
subterrâneas e outras formas), além de eventuais reassentamentos involuntários,
notadamente no caso de comunidades rurais dispersas e muito críticas.
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Quanto ao conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, três leituras foram
efetuadas: a produção do agronegócio; as frentes de expansão produtiva; e, os
núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e
aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,
ambientais e a mudanças climáticas têm se tornados muito relevantes.
No que tange à produção do agronegócio, o documento registra as tendências
crescentes de serviços terceirizados e de um comando urbano, por
consequência, com um inexorável processo de urbanização. Já em relação às
frentes de expansão produtiva, destaca-se a diretriz de um ordenamento
consistente da ocupação do território sujeito a novas fronteiras agrícolas e
pecuárias, tendo em vista a proteção de certos biomas, a exemplo do Pantanal.
Para os grandes núcleos urbano-industriais recomenda-se a elaboração de
diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais problemas, a
serem vistos em conjunto, para identificar o quadro de comprometimento do
meio ambiente urbano, uma devida sobreposição de diversos problemas hídricos
em pontos territoriais críticos e a inquestionável relação com o uso e ocupação
do solo nas cidades.
Enfim, trata-se da identificação dos chamados problem-sheds, tendo como
referências a bacia e o Comitê do Alto Tietê, assim como as bacias do Alto Rio
Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em
função da localização da Região Metropolitana de Curitiba. Sobre este aspecto,
um dos principais desafios refere-se à conjugação de abordagens com base em
áreas-problema e na coordenação de políticas no âmbito das bacias hidrográficas
como um todo. Em termos de estratégias institucionais, o documento ressalta que
o enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,
quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática.
Com isto posto, em termos conceituais entram em pauta o Princípio da
Subsidiariedade e o chamado Comitê de Integração, que não deve ser visto
como de agregação. Neste sentido, aparece a seguinte pergunta: cabe evitar que
em bacias de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de
afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos, a
exemplo do Alto Tietê? A resposta é não, fato que revela o entendimento de que
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as instâncias sub-regionais mencionadas não devem ser vistas como
concorrentes do comitê que abranja a totalidade da bacia, mas sim, como
possíveis parceiros estratégicos.
Por fim, no que concerne às abordagens regionais dispostas, conforme conceitos
e diretrizes advindas do Eixo I – Cenários, o relatório destaca que os sistemas de
gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que ocorra melhor
resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco advindos de
mudanças climáticas. Mais do que isto, recomenda-se que os instrumentos de
gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como base dados mais reais e
consistentes, ou seja, com mais robustez.
Com os distintos problemas regionais do Brasil já dispostos, inclusive com a
formulação de algumas diretrizes gerais e a identificação de certos atores
considerados como estratégicos, entra em pauta uma descrição mais detalhada e
a análise dos sistemas de gestão de recursos hídricos vigentes, tanto do
SINGREH quanto de certos SEGREHs.
Para tal abordagem, destaca-se que “esta construção institucional é a condição
necessária, mas não é suficiente para obter o desenvolvimento sustentável dos
recursos hídricos e do meio ambiente, pois o marco institucional é um
processo e não um fim em si próprio” (Tucci, C.E.). Por conseguinte, há
questionamentos presentes sobre a efetiva aplicabilidade e pragmatismo do
SINGREH, em relação a abordagens de distintos problemas regionais.
Mesmo sob tais questionamentos, cabe reconhecer que a Lei nº 9.433/1997 deve
ser reconhecida como uma Lei Nacional, vez que a Constituição Federal
estabelece que compete à União “instituir sistema nacional de gerenciamento de
recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso” (Art. 21,
inciso XIX). Porém, tal como já registrado, o SINGREH deve adequar-se às
diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das
diversas regiões do País. Ou seja, mesmo considerando o contexto nacional da
Lei nº 9.433, há espaço para questionar meras reproduções ou eventuais
limitações de certos SEGREHs frente ao SINGREH.
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Também se pode afirmar que as unidades federativas não devem ficar
simplesmente submetidas ao desenho geral, deixando de observar seus perfis
regionais e problemas específicos.
Seguindo a frente, o relatório passa a considerar a necessidade de que ocorra
uma Governança – entendida como a indispensável interação participativa com
os diversos stakeholders, públicos e privados, envolvidos em processos
decisórios –, assim como uma devida Governabilidade – entendida como um
controle efetivo e consistente das relações entre causas e efeitos, propiciando a
definição de objetivos e metas associadas a variáveis e indicadores de
resultados.
Quanto a Governança, ressalta-se que a qualidade do meio ambiente é
socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos atores
sociais. O Estado é um deles e, embora possa ser o mais importante, nem
sempre é o mais incisivo, fato que destaca a necessidade de que a gestão hídrica
e ambiental siga com modelos institucionais voltados a responsabilidades
compartilhadas.
No que tange às estratégias institucionais de modelos de gestão, são
esclarecidas as diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-las
efetivamente. Operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com núcleos
decisórios junto à União, revela baixa compreensão sobre o Princípio da
Subsidiariedade, que volta a entrar em pauta, sob o conceito de que toda e
qualquer decisão que possa ser assumida localmente e que não afete terceiros
e/ou áreas mais abrangentes, não deverá subir a instâncias hierárquicas
superiores.
Enfim, sem restrições aos sistemas de gestão vigentes e à sua Governança,
cabe lembrar que as modernas metodologias de planejamento institucional
destacam que modelos institucionais não devem constituir fins em si mesmo, mas
sim serem estruturados como respostas efetivas ao enfrentamento de
determinados problemas, o que significa que a Governança é uma frente
fundamental, todavia, não suficiente para se chegar a respostas concretas. Ou
seja, a Governabilidade também é essencial, para que ocorra um controle efetivo
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e consistente sobre as relações entre causas e efeitos, com destaque para a
importância do planejamento, inclusive para impIementar instrumentos de gestão.
Com isto posto, entraram em pauta debates atuais sobre a dupla dominialidade
das águas no Brasil. A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais
complexos e difíceis, a ser abordado dentre as propostas formuladas pelo
segundo relatório. Como uma boa referência a respeito deste tema, destaca-se a
recente iniciativa da ANA voltada ao Pacto das Águas, que tem como um de
seus objetivos apoiar a estruturação dos órgãos estaduais gestores de recursos
hídricos, como forma de reduzir assimetrias institucionais e tendências de
centralização, mediante a implementação de programas de capacitação,
fornecimento de apoio técnico e, inclusive, a transferência de aportes financeiros.
O primeiro relatório é, então, encerrado com sucintas abordagens sobre
SEGREHs, destacando-se que:
a) no caso da região norte, ainda não há qualquer referência;
b) na região nordeste, o Ceará segue como a principal referência, especialmente
para temas relacionados às características do semiárido brasileiro;
c) no sudeste, a primeira referência foi a Lei Estadual de São Paulo, já aprovada
em dezembro de 1991, que inspirou a própria Lei Nacional nº 9.433/1997, no
presente, tendo a gestão do complexo Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ)
como um bom exemplo, além da devida integração entre os processos de
licenciamentos ambientais e da emissão de outorgas em Minas Gerais e da
consideração do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Rio de Janeiro;
d) na região sul, lembra-se que o Paraná deixou de ser referência, com o Rio
Grande do Sul abordando seu território em três distintas regiões, da bacia do
Rio Uruguai, do Rio Guaíba e do Litoral Leste, enquanto Santa Catarina
merece destaque quanto a iniciativas regionais próprias à bacia do Rio Itajaí-
Açu; e,
e) por fim, na região do centro-oeste, destacam-se atividades em Brasília,
relacionadas à despoluição do Lago Paranoá, além de programas do Mato
Grosso do Sul, voltados à conservação do bioma do Pantanal.
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Para iniciar o segundo relatório, voltado às propostas de adequações e avanços
dos sistemas de gestão vigentes no Brasil (SINGREH e certos SEGREHs), foram
registrados elementos norteadores e diretrizes gerais para uma estratégia
nacional voltada a Governança na gestão das águas e adaptação a mudanças
climáticas.
Estes elementos norteadores e as diretrizes gerais foram advindos da
publicação do GEO Brasil – Recursos Hídricos e do Plano Nacional de
Recursos Hídricos, a serem vistos em conjunto com: a atual situação dos
recursos hídricos e dos principais problemas presentes e previstos, com
abordagens regionais e suas respectivas diretrizes; sob uma avaliação crítica
construtiva, para um processo de continuados aprimoramentos institucionais e
legais; e, a consideração de diretrizes advindas de cenários prospectivos sobre
possíveis mudanças climáticas.
Segundo o GEO Brasil, é importante lembrar que a gestão de recursos hídricos
não detêm uma competência total ou instrumentos completos para uma atuação
substantiva sobre todas as variáveis que condicionam os cenários prospectivos e
o contexto do desenvolvimento macroeconômico do País. Assim, cabe assumir
um viés preventivo ou de atenuação de impactos econômicos, sociais e
ambientais. Ou seja, no mínimo é possível evitar determinadas consequências,
previstas em cenários tendenciais, além de definir como serão subsidiadas as
decisões ao longo do tempo, em particular, sobre como serão contornadas as
incertezas críticas.
Também destaca a importância dos gestores de recursos hídricos
compreenderem a lógica da atuação dos diversos setores usuários,
assegurando que incorporem, em seus processos de produção ou de oferta de
serviços, os custos de externalidades negativas, ou seja, o cômputo das
externalidades negativas deve ocorrer já na fase de planejamento dos setores
usuários das águas. Com isto posto, destaca-se a necessidade de ações
regulatórias mais substantivas, tal como foi abordado pelo terceiro relatório.
Em acréscimo, sobre o SINGREH, o GEO Brasil ressalta um aprimoramento da
devida articulação e dinâmica entre as instâncias que compõem o Sistema
Nacional de Gestão. Portanto, entende-se que o SINGREH deve ser visto em
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seu conjunto, ou seja, como um Sistema, e não apenas mediante suas
instâncias isoladas – no mais das vezes, com ênfase aos comitês de bacias. Além
disso, já em 2007 indicava a necessidade de um apoio para a organização dos
SEGREHs, fato que coloca em destaque a atual iniciativa da ANA voltada ao
Pacto das Águas.
Chegando a elementos norteadores advindos do Plano Nacional de Recursos
Hídricos, o segundo relatório menciona que cabe buscar uma certa convergência
entre as legislações nacional e estaduais, sem prejuízo da manutenção da
diversidade e de especificidades decorrentes de características regionais.
Ademais, também cabe harmonizar a legislação nacional com os Acordos e
Tratados Internacionais.
No contexto do Subprograma II.3 – Adequação, Complementação e
Convergência do Marco Legal e Institucional, elaborado pelos consultores
Gilberto Canali e Percy Soares Neto, registra-se o conceito do já mencionado
Comitê de Integração, a ser visto como de articulação e não como de
agregação, para que ocorra uma efetiva gestão descentralizada, porém, sem
que se deixe de celebrar acordos e cooperações entre instâncias coletivas locais
– notadamente estabelecidas em áreas-problema –, sob uma abrangência mais
estratégica e coletiva, em bacias hidrográficas compartilhadas.
Como outros elementos norteadores, o Plano Nacional registra que a gestão
em bacias com menores dimensões tem se apresentado com maior
consistência, no mais das vezes, devido à sua maior proximidade com os
problemas relevantes a serem enfrentados. Ademais, em tese, a visão de que a
gestão exige uniformidade de critérios na aplicação dos instrumentos na bacia
como um todo, talvez deva ser relativizada, em função de peculiaridades que
possam eventualmente facilitar o avanço e maior eficiência da gestão em sub-
bacias.
Sob tal abordagem, destaca-se a importância do traçado de unidades territoriais
estratégicas de gestão (UTEGs), para as quais se entende que deveriam ser
aplicados distintos critérios para a emissão de outorgas.
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Com isto posto, percebe-se que há uma elevada convergência com muitas das
diretrizes gerais que já foram dispostas, no sentido de que modelos de gestão
devem ser estabelecidos segundo a natureza dos problemas.
Assim, entra em pauta a possibilidade positiva da própria União delegar certos
encargos aos estados federativos, sempre que demonstrem capacidade
técnica e institucional para o desempenho das funções delegadas, também
contando com possíveis delegações a prefeituras municipais, considerando as
competências constitucionais dos municípios, com forte incidência sobre vários
dos aspectos da gestão dos recursos hídricos.
Surge, então, a necessidade de se buscar novos mecanismos para a
Governança na gestão de recursos hídricos, sempre com modos voltados a
uma atuação mais conjunta entre os entes federativos.
A necessidade de uma abordagem mais conjunta já foi recomendada por
Monica Porto e Carlos Eduardo Tucci, em 2006, a propósito do reduzido
alcance e, portanto, de baixa eficácia de planos de bacias hidrográficas. Ambos
mencionaram que “o país precisa fazer um esforço sério para avançar no
processo de Avaliação Ambiental Estratégica. São muitos os setores para os
quais a Avaliação Ambiental Estratégica traria mais objetividade e rapidez à
implantação de seus programas e projetos de desenvolvimento e, principalmente,
poderia abreviar o processo decisório nas instâncias dos Sistemas de Gestão de
Recursos Hídricos e do Sistema Ambiental”.
Com isto posto, percebe-se o entendimento de que qualquer abordagem sobre
adaptação às mudanças climáticas também deverá constar de Avaliações
Ambientais Estratégicas de bacias hidrográficas, sobretudo, quando for
considerada a nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, a qual
expressa que o gerenciamento de riscos e de desastres deve ser focado nas
ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.
Ademais, prevê a integração das políticas de ordenamento territorial, com o
desenvolvimento urbano, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de
recursos hídricos, geologia e infraestrutura.
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Esta nova Política Nacional de Proteção e Defesa Civil também dispõe sobre a
elaboração e implantação dos correspondentes Planos de Proteção e Defesa
Civil, previstos como necessários nos três níveis de governo.
Com tais méritos, esta Lei, desde que efetivamente implementada, poderá
contribuir para os propósitos de uma gestão conjunta do interesse comum, no
âmbito de bacias hidrográficas, inclusive e principalmente, levando em conta a
indispensável adaptação a mudanças climáticas.
Enfim, contando com diretrizes gerais e regionais e com os elementos
norteadores, torna-se possível propor uma estratégia para rearranjo do
arcabouço legal e institucional vigente, também considerando o compromisso do
Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do
Clima e com o Protocolo de Quioto.
Como primeiro tema das propostas, volta a entrar em pauta a questão relacionada
à dupla dominialidade das águas no Brasil. A propósito, o Dr. Benedito Braga,
atual Presidente do Conselho Mundial da água, fez as seguintes afirmações:
...se o domínio sobre os rios brasileiros fosse totalmente
federal, como ocorre no México, seria mais fácil evitar
conflitos, como o que ameaça irromper entre São Paulo e o
Rio de Janeiro, sobre o aproveitamento da bacia do Rio
Paraíba do Sul. O modelo no qual os rios são todos
nacionais seria o ideal.
Por seu turno, G. Canali sublinha a necessidade de uma gestão descentralizada,
além do princípio da subsidiariedade. Ademais, a gestão em bacias com
menores dimensões tem se apresentado com maior consistência, devido à sua
maior proximidade com os problemas. De fato, mesmo com a dupla dominialidade
das águas e não obstante a dimensão de certas bacias, devem ocorrer
abordagens diferenciadas segundo a natureza de problemas relacionados aos
recursos hídricos, inclusive daqueles que poderão ser advindos de mudanças
climáticas.
Além do perfil dos problemas, também cabe considerar as capacidades
institucionais presentes, portanto, tanto com apoios top-down quanto bottom-up,
em casos distintos. Muito resumidamente, levando em consideração a necessária
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adaptação a mudanças climáticas, recomenda-se que sejam desenvolvidas
estratégias próprias aos problemas que deverão ser equacionados, com uma
presença democrática e efetiva da União e dos estados federados e, também, dos
municípios, segundo a natureza dos problemas e as capacidades institucionais
presentes.
Como outra referência sobre a dupla dominialidade dos recursos hídricos no
Brasil, cabe registrar o artigo “Quem é responsável pela administração dos rios?”,
elaborado por Jerson Kelman e Bernardo Cabral. Neste artigo, foi registrado:
Sempre que possível, tudo o que puder ser resolvido pelo
governo do estado, ou por consórcio de governos estaduais,
não deve ser resolvido pela União.
Sob tais abordagens, de pronto pode-se afirmar que não deve ser alterada a
dupla dominialidade das águas, como forma fundamental para que ocorram
avanços na gestão.
Um segundo tema para propostas refere-se a ações e atividades mais conjuntas e
articuladas entre as esferas federativas do Brasil. Neste sentido, há uma
abordagem promissora da Lei Complementar nº 140 (08/dezembro/2011), onde
constam artigos voltados à cooperação entre a União, estados, DF e municípios,
com uma competência comum relativa à proteção do meio ambiente, além do
combate à poluição. Assim, há uma dificuldade reconhecida para a competência
da gestão das águas, em muitos casos, não se inscrevendo dentre as
competências comuns, como é o caso da gestão ambiental.
Resta, então, indagar: como a União poderá promover a articulação da Política
Nacional de Meio Ambiente com a de Recursos Hídricos, além de outras políticas
correlatas? Como resposta, entende-se que será fundamental considerar a leitura
de bacias hidrográficas, sempre sobreposta com outras diferentes abordagens
territoriais, sob o conceito de “geometria variável”. Ou seja, a abordagem de
bacias, em escalas adequadas, é essencial para muitas das ações,
especialmente, para a aplicação dos instrumentos de gestão, que certamente
estarão em pauta em decorrência da indispensável adaptação a mudanças
climáticas e, também, para fins da Política de Proteção e Defesa Civil, que se
apresenta com alta relevância social.
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Contando com tais abordagens, o segundo relatório apresenta as seguintes
propostas para adequações e novos avanços da gestão das águas no Brasil:
redefinir uma estratégia institucional, com maior ênfase em abordagens
locais de problem-sheds, tanto face a adaptação a mudanças climáticas,
quanto para equacionamento dos principais problemas interrelacionados aos
recursos hídricos, que sejam identificados em cada região;
aplicar o princípio da subsidiariedade, além de leituras territoriais
estratégicas;
considerar modelos mais próprios de gestão para a Amazônia, o Semiárido
brasileiro e o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste;
recomenda-se que seja atualizado o Mapa de Gestão da ANA;
no caso da região Amazônica, verificar a possibilidade de um Sistema
Regional de Gestão, pautado por um órgão regulador conjunto;
para o Semiárido brasileiro, empreender estudos e planejamentos estaduais
para ordenamento da ocupação do território e ao desenvolvimento da rede de
cidades, face ao inexorável processo de urbanização e núcleos de APLs, com
comunidades rurais menos dispersas, eventualmente reassentadas das áreas
de riscos mais críticos, inclusive em decorrência de mudanças climáticas;
seguindo sobre o Semiárido, com: (a) o gerenciamento das disponibilidades
(açudes, reservatórios, canais e adutoras); (b) o gerenciamento da demanda
(ordenamento espacial da demanda); e, (c) o gerenciamento de conflitos;
para o conjunto do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, incentivar tecnologias mais
sustentáveis, tendo a referência do Programa Produtor de Águas;
quanto as atuais fronteiras de expansão do agronegócio planejar antecipado
um ordenamento consistente da ocupação do território;
para aglomerações urbanas, empreender Programas de Saneamento
Ambiental Urbano (PROSAMs), que devem chegar a modelos de gestão
próprios a áreas-problema, também incluindo as regiões metropolitanas do
Nordeste;
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os PROSAMs devem promover eventuais reassentamentos de moradores
localizados em áreas de risco – no mais das vezes, em favelas, cortiços e
ocupações desconformes;
também devem: (i) proteger certas áreas ambientais, notadamente no caso de
mananciais para abastecimento, identificados como relevantes; (ii) buscar a
redução de perdas e desperdícios, chegando a uma O&M mais consistente dos
sistemas de reservação e de distribuição de água; e, (iii) promover avanços nos
atuais níveis de coleta e tratamento de esgotos e no possível reuso das águas;
grande destaque para a iniciativa do Pacto das Águas, com ênfase inicial para
o fortalecimento dos órgãos estaduais gestores de recursos hídricos, com a
realização de estudos para um planejamento institucional estratégico;
neste sentido, recomenda-se um cruzamento entre as estruturas institucionais
dos órgãos gestores e os perfis dos principais problemas de recursos hídricos a
serem enfrentados;
maior integração com outras áreas, em particular, com a gestão do meio
ambiente, incluindo sistemáticas que articulem instrumentos, como sistemas de
informação, licenciamento ambiental e emissão de outorgas;
empreender estudos sobre o licenciamento de atividades com base na
capacidade de suporte de certas unidades territoriais, avançando em
relação ao mero controle tradicional, no mais das vezes, limitado somente a
padrões de emissão;
possíveis delegações de encargos e responsabilidades, para entidades
mais próximas aos problemas a serem enfrentados, com as eventuais
propostas de delegação tendo uma estratégia institucional consistente e
calibrada em função das mútuas capacidades técnicas e institucionais;
no caso de bacias compartilhadas com países vizinhos, a exemplo da bacia do
Rio Amazonas, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações
hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante;
face a problemas mais graves advindos de possíveis mudanças climáticas,
recomenda-se articular a gestão de recursos hídricos com a Defesa Civil, a
qual se encontra identificando e mapeando áreas de risco, nas quais
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18
intervenções poderão ser necessárias e indispensáveis, sobretudo para
reassentamento de populações inadequadamente residentes;
uma inserção bem mais substantiva dos municípios nas estratégias de
gestão dos recursos hídricos, vez que muitas das variáveis decisivas
encontram-se sob sua competência (uso e ocupação do solo, posturas urbanas
de obras e edificações, serviços de saneamento, drenagem e disposição de
resíduos sólidos);
as prefeituras municipais devem ser consideradas: (a) de um lado, como
usuárias de recursos hídricos, especialmente mediante a atuação de certas
secretarias municipais executivas, com obras de drenagem; e, (b) de outro,
como entidades com certas funções regulatórias, no caso de secretarias do
meio ambiente, para fiscalizações e para emitir licenciamentos ambientais, na
maioria dos casos, mais locais;
possível revisão da composição do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos (CNRH) e da necessária identificação de atores estratégicos, que
devem ser representantes junto a inúmeros dos comitês de bacias;
ampliar as alternativas para o perfil institucional de agências de bacias
hidrográficas, no presente, estabelecidas como “entidades delegatárias” – em
muitos casos, seguem problemas e restrições advindas de limites para
autossustentação financeira, vez que as “entidades delegatárias” estão sujeitas
ao limite de 7,5% das arrecadações via Cobrança pelo Uso da Água;
recomenda-se, então, que sejam mais flexibilizadas as alternativas para que
outras instituições possam atuar executivamente na gestão de recursos
hídricos, tanto para certas funções e encargos de agências de bacias, quanto
para empreendimentos previstos pelos planos de bacias;
ou seja, entende-se que não se deve limitar atuações somente a “entidades
delegatárias”, mas também considera órgãos estatais – ou até mesmo privados
ou de economia mista –, com os quais podem ser celebrados convênios ou
contratos de gestão;
para definir a melhor opção institucional, devem ser dispostas as respectivas
vantagens e desvantagens das alternativas;
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aprofundar conceitos e princípios legais sobre o Direito das Águas,
notadamente para o trato de eventos críticos, que poderão exigir, de forma
preventiva, um racionamento, suspensão de outorgas e/ou a realocação de
disponibilidades, no caso de quadros decorrentes de mudanças climáticas;
como última recomendação sob uma ótica de planejamento institucional
estratégico, interno à estrutura da ANA, recomenda-se que suas diretorias
sejam definidas com base em abordagens regionais do Brasil.
Com todas estas propostas já formuladas, o segundo relatório é, então, encerrado
com capítulos complementares que apresentam mais detalhes sobre: (a) o Pacto
das Águas a ser empreendido como um Pacto Federativo; (b) formas de maior
articulação com a Defesa Civil, com ênfase ao ordenamento da ocupação do
solo urbano e rural e ao combate da ocupação de áreas ambientalmente
vulneráveis e de risco, além da realocação da população residente nessas
áreas; (c) a consideração de Planos Estaduais de Defesa Civil, como também
de Planos Municipais, ambos ainda a serem elaborados, os quais também
deverão identificar as bacias de seus territórios, com risco de ocorrência de
desastres; e, (d) por fim, recomendações relativas a mais opções para
atividades executivas de agências de bacias hidrográficas, vez que os
comitês de bacias não têm personalidade jurídica e não se apresentam no dia-a-
dia necessário para empreender deliberações e intervenções previstas em planos
de recursos hídricos, fato que, s.m.j., tem gerado muitas das estagnações que
vêm ocorrendo no contexto do SINGREH e de muitos dos SEGREHs, em
decorrência da falta de entidades executivas mais consistentes.
Chegando ao terceiro e último relatório, tendo as propostas já formuladas para
adequações e avanços nos sistemas de gestão vigentes (SINGREH e certos
SEGREHs), entram em pauta questões mais próprias aos diversos setores
usuários das águas.
Neste sentido, cabe ressaltar recomendações metodológicas para uma devida
coordenação regulatória, além de estratégias institucionais para que ocorra
mais proximidade entre os setores usuários e algumas recomendações gerais
que orientem a tomada de decisão de gestores em situações críticas,
inclusive daquelas que forem advindas de possíveis mudanças climáticas.
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Quanto às estratégicas institucionais, há destaques para o planejamento de
recursos hídricos e para as devidas articulações verticais – entre as esferas
federativas do Brasil – e horizontais – entre as diversas entidades relacionadas
aos setores usuários das águas.
Percebe-se, portanto, que volta a entrar em pauta uma indispensável gestão
integrada dos recursos hídricos (GIRH), agora com maior ênfase e certos
detalhes e variáveis relacionadas com seus diversos setores usuários. Para tanto,
cabe lembrar que a GIRH deve considerar suas variáveis supervenientes (meio
ambiente e desenvolvimento regional) e, também, suas variáveis intervenientes
(os diversos setores usuários das águas).
Sob tal conceito muito relevante, deve-se sublinhar que a gestão de recursos
hídricos não deve ser vista como um setor isolado, mas sim sob uma ótica
transversal aos diversos usos das águas. Assim, torna-se importante
reconhecer a complexidade do tema em pauta. Com efeito, mesmo sob um
consenso geral, ainda há muitas dificuldades e restrições para que soluções
concretas sejam efetivamente alcançadas. Em muitos casos, a gestão integrada
permanece apenas como retórica.
Revela-se, então, a necessidade de uma atuação mais coordenada sobre dois
campos regulatórios importantes: (a) aquele mais amplo e transversal, que
abrange a temática ambiental e dos recursos hídricos; e, (b) dos setores
usuários, que apresentam seus aspectos operacionais mais específicos.
Entende-se que, entre ambos, deve necessariamente ocorrer uma coordenação
regulatória.
A respeito de encargos regulatórios, cabe sublinhar a importância de estabelecer
uma devida regulação independente, tanto no que tange ao papel dos
diferentes agentes privados, quanto de diversas empresas públicas – sobretudo,
voltadas à operação de sistemas e de infraestruturas, por vezes em campos de
monomercados –, vez que estas também apresentam seus interesses
particulares. Por conseguinte, demandam uma consideração muito próxima
daquela aplicada sobre usuários privados, requerendo suas atividades e serviços
igualmente submetidos à regulação.
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No caso mais próprio às agências regulatórias, para que haja esta independência
muito recomendada, recomenda-se que seu quadro de diretores tenham
mandatos permanentes por certos períodos, ou seja, sem que venham a ser
submetidos a interesses próprios ao governo em mandato.
Contando com os conceitos apresentados para a GIRH, em acréscimo a seus
encargos no contexto da gestão de recursos hídricos, a atuação da ANA e dos
órgãos estaduais correlatos deve ser devidamente articulada e coerente com os
órgãos regulatórios do meio ambiente, como o IBAMA e seus órgãos estaduais
correspondentes, para que não ocorram inconsistências entre decisões e
condicionantes advindos do licenciamento ambiental e da outorga para uso
da água.
Tal como já dito, também deve ocorrer uma coordenação regulatória entre o
espaço hídrico e ambiental, que é mais amplo, e aspectos específicos a cada
setor usuário das águas. Como um exemplo, sabe-se que a ANA deve tomar
decisões coerentes com a ANEEL e com o ONS, notadamente no que tange a
operação de reservatórios de hidroelétricas, cujos volumes hídricos também
devem considerar demandas de outros segmentos usuários das águas, como
perímetros de irrigação, controle de cheias e hidronavegação, além da
manutenção das vazões ecológicas necessárias.
Contudo, sob a atual predominância de políticas setoriais, surgem algumas
perguntas: como compatibilizar propostas locais e setoriais, com as regionais e
integradas? Quais os principais indicadores a serem observados? No caso de
possíveis mudanças climáticas, como os setores das águas deverão atuar, para
que novos perfis de problemas e áreas de risco adicionais venham a ser
consistentemente tratadas, no mais das vezes, sob a ótica de uma gestão mais
adaptativa?
Sob uma ótica integrada, deve-se identificar as diversas fontes de poluição
existentes, que causam impactos ambientais e sobre os recursos hídricos, por
consequência, com a identificação dos limites de resultados das ações
relacionadas aos investimentos em serviços locais, vez que o somatório
desses pontos pode ultrapassar a capacidade regional de suporte do
território.
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Portanto, cabe aos usuários – privados e públicos –, sempre sob o predomínio de
seus interesses particulares, reconhecerem que problemas de qualidade e de
disponibilidade hídrica não estão relacionados somente a sistemas locais, a
exemplo do saneamento básico, mas também com todos os demais setores
usuários das águas.
Com isto posto, o terceiro relatório apresenta um Quadro exemplificativo, que
demonstra genericamente como podem ser sistematizados objetivos e
indicadores, partindo de aspectos executivos, de operação e manutenção, da
prestação de serviços e de atividades produtivas, até chegar às abordagens
hídrico-ambientais, de modo a aplicar a pretendida coordenação regulatória.
Como outro conjunto de subsídios importantes para a devida coordenação
regulatória, o relatório apresenta descrições com dados e informações sobre os
seguintes setores usuários das águas: (i) saneamento básico, incluindo
abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, macro e micro
drenagem e coleta e disposição final de resíduos sólidos; (ii) geração de energia
hidroelétrica; (iii) irrigação; (iv) setor industrial; e, (v) hidronavegação.
Chegando agora a questões relacionadas a estratégias institucionais, outro
conceito muito importante para a gestão das águas é um procedimento mais
pragmático sobre a forma de planejamento dos recursos hídricos, frente às
efetivas intervenções que são empreendidas, no presente, com a maioria dos
planos de bacias seguindo estagnados.
De fato, mesmo com muitos planos – Nacional, estaduais e de bacias
hidrográficas – já elaborados, persistem significativas dificuldades para suas
efetivas implementações, que seguem com muita morosidade, em inúmeros
casos, com distâncias entre os setores usuários, que tendem a atuar
isoladamente.
Assim, nota-se que, por vezes, a GIRH pode apresentar maiores dificuldades para
articulações institucionais horizontais, ou seja, no mesmo nível de governo, do
que para articulações verticais, entre as diferentes esferas federativas do Brasil.
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Sob tal contexto, foi reapresentada uma estratégia elaborada quando da
atualização do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), revisto em 2010,
baseada na seguinte Matriz Tridimensional:
Matriz Tridimensional da Estratégia para o PNRH 2011 – 2015
EEx = Demandas Nacionais
e Regionais para ações do PNRH
Interação 01 Interação 02
EEy =
Articulações Institucionais para Ações e
Programas Existentes e/ou a serem criados
Interação 03
EEz = Estrutura dos Componentes
e Programas do PNRH
No caso do EEy, voltado a articulações institucionais para ações e programas
existentes e/ou a serem criados, coube anotar que em inúmeras instituições
investigadas, relacionadas a diversos ministérios de setores usuários das águas,
foram identificadas muitas ações e programas relacionados aos recursos hídricos,
com potenciais contribuições junto ao PNRH. Assim, fica evidente uma histórica e
continuada dispersão institucional que caracteriza o setor público do Brasil, sem
que objetivos comuns possam ser negociados e convergidos em termos
executivos. Ou seja, de fato, a GIRH permanece apenas como retórica.
Sob uma ótica bem realista, cumpre reconhecer que será muito mais improvável
que os orçamentos do MMA, da SRHU e da ANA recebam todos os aportes
necessários à implementação do PNRH, do que admitir negociações em
programas a cargo de vários ministérios e instituições, já com orçamentos e
programas disponíveis em favor do PNRH.
Quanto ao Eixo EEz, referente à estrutura dos Componentes e Programas do
PNRH, recomenda-se que deve partir de sua última versão, todavia sujeitando-se
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às devidas adequações, seja pelo ajuste e/ou criação de novos programas que
tenham sido demandados por abordagens nacionais e/ou regionais (EEx), seja
para aproximar e convergir programas e projetos com iniciativas já existentes ou a
serem estabelecidas em outros ministérios e entidades (EEy).
Enfim, esta estratégia proposta ao PNRH deve ser vista como uma janela de
oportunidades, sob o entendimento de que o Plano Nacional de Recursos
Hídricos deve ser empreendido de forma transversal, em termos executivos e
institucionais.
Uma referência muito semelhante a respeito é apresentada pelo arranjo
institucional executivo do Programa InterÁguas, em pleno empreendimento pela
ANA, contando com financiamento do Banco Mundial, devidamente composto por
diversos ministérios, naturalmente com a presença do Meio Ambiente (MMA),
além do Ministério da Integração Nacional (MI), das Cidades (MCidades), das
Minas e Energia (MME), de Transporte, da Agricultura e da Saúde. Assim, o
InterÁguas se apresenta como um programa transversal a alguns dos setores
usuários.
Na sequência, como resposta a comentários e recomendações da Rede Espelho
da ANA, o terceiro relatório final apresenta descrições de outras referências de
atuação da Agência Nacional de Águas, em favor de avanços da Governança na
gestão de recursos hídricos, frente a possíveis mudanças climáticas. Estas
descrições incluem: o Programa Produtor de Águas; o Programa Despoluição
de Bacias Hidrográficas – PRODES; o Programa Nacional de Avaliação da
Qualidade da Água – PNQA; e, a elaboração de planos de bacias
hidrográficas, dentre os quais são mencionados o Plano Decenal e Estratégico
da Bacia do Rio São Francisco, o Plano Estratégico da Região Hidrográfica do
Araguaia-Tocantins, o Plano das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem
Direita do Rio Amazonas e o Plano da Bacia do Rio Paranaíba.
Além dessas importantes frentes de atuação da ANA, merecem um elevado
destaque, sob uma ótica muito positiva e pragmática, os Acordos de
Cooperação Técnica com os Estados Federados, com a instalação das
chamadas Salas de Situação. Trata-se de uma atuação mais recente, na qual é
considerada a indispensável necessidade de adaptação a possíveis mudanças
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climáticas, com grande convergência frente a muitas das recomendações que já
foram formuladas pelo presente trabalho, quais sejam:
(i) a identificação de problem-sheds, em muitos casos, a serem vistas como
áreas de risco, tal como consta nesta frente de atuação da ANA;
(ii) um monitoramento hidrometeorológico com mais dados e informações
sobre os recursos hídricos, para que possam ser desenvolvidos sistemas de
apoio à decisão e identificadas as relações entre causas e efeitos,
reconhecidas como fundamentais, igualmente previstas nesta frente da ANA;
(iii) repercussões sobre o devido ordenamento do território, com ajustes no
uso e ocupação do solo e com eventuais reassentamentos involuntários
de famílias e comunidades localizadas em áreas de risco, para que
eventos críticos não cheguem a afetá-las tão gravemente;
(iv) recomendação de que os sistemas de gestão de recursos hídricos
(SINGREH e SEGREHs) passem a atuar mais em conjunto com a Defesa
Civil, em decorrência de eventos críticos;
(v) avanços nas indispensáveis articulações verticais e ações mais integradas
entre os estados federativos do Brasil, considerando a importância da
iniciativa do Pactos das Águas, em cujo contexto podem ser vistos estes
Acordos de Cooperação, como uma ação já precedente; e,
(vi) a disponibilidade de um quadro de profissionais mais bem qualificados,
para que situações críticas relacionadas aos recursos hídricos venham a ser
abordadas, não somente pela ANA, como também, pelos órgãos estaduais
gestores das águas, aos quais cabem muitas das ações mais locais,
relacionadas a problemas decorrentes de crises e alterações climáticas,
possivelmente chegando até a receberem delegações de certos encargos,
competências e responsabilidades.
Como as últimas frentes de atuação da ANA, também são registradas: a
Cooperação Sul-Sul, voltada a bacias compartilhadas com certos países
vizinhos, nas quais é indispensável ter acesso a dados e informações
hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante; e, por fim, os
Estudos com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), com o título de Diálogo Político sobre a Governança da
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Água no Brasil, sendo que esta frente deve ser considerada sob uma ótica
articulada e conjunta com os presentes estudos do Plano Nacional de Adaptação
a Mudanças Climáticas, notadamente para propostas de ajustes institucionais e
jurídico-legais, do SINGREH e de alguns dos SEGREHs.
Por fim, o terceiro e último relatório é encerrado com respostas às seguintes
perguntas emitidas pela Rede Espelho da ANA:
- A estrutura atual (arranjos institucionais e ações de gestão de recursos
hídricos em curso) é suficiente para dar respostas, em tempo hábil, aos
efeitos da mudança do clima?
De pronto, pode-se afirmar que não. Mesmo com os anteriores avanços obtidos
pelo SINGREH, além de certos SEGREHs, segundo vários posicionamentos
entende-se que há certa estagnação, por consequência, com preocupações
voltadas à identificação de formas e estratégias para que a gestão das águas
no Brasil volte a seguir adiante, tanto no âmbito geral do País, quanto em vários
dos estados, notadamente nos casos sem avanços. Mais do que isto, também
cabe sublinhar a necessidade de que, nos passos à frente, sejam mais
abordados distintos perfis regionais e questões relacionadas com áreas-
problema, em muitos casos, devido às mudanças climáticas.
- Quais características precisam ser melhor desenvolvidas e como fazer
para desenvolvê-las?
Entende-se que arranjo institucional não deve ser visto como um fim em si
mesmo, ao contrário, deve ser concebido como resposta para certos problemas,
fato que indica especificidades frente à natureza do tema em pauta, tal como deve
ocorrer para a gestão das águas que, no caso do extenso e diverso território
brasileiro, exige a definição de diretrizes e orientações para que as formas de
gestão tratem dos problemas a serem enfrentados, com abordagens do quadro
regional presente e de cenários prospectivos. Enfim, o quadro presente e,
também, os cenários prospectivos, devem abordar articuladamente aspectos
hídricos e ambientais e o desenvolvimento socioeconômico, além das
possíveis mudanças climáticas previstas.
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- Quais as fragilidades identificadas? Quais as medidas propostas para
solucioná-las ou minimizá-las?
As fragilidades da gestão das águas no Brasil são muito variáveis, segundo cada
perfil regional e/ou dos estados federativos. Ou seja, cabe reconhecer que, no
caso de alguns dos estados, ocorreram certos avanços, enquanto em outros foi
verificada uma seguida estagnação. Além disso, na medida em que a ANA se
apresenta como uma instituição gestora muito mais à frente dos órgãos estaduais,
houve uma certa tendência de centralização, fato que já passou a ser vencido
pela própria ANA, em decorrência de sua iniciativa voltada ao Pacto das Águas.
Ademais, considerando os diagnósticos e as diretrizes próprias aos diferentes
perfis regionais do Brasil, muitas das medidas que foram propostas devem ser
consideradas como respostas, tal como consta nas páginas 13 a 16.
- Quais são as oportunidades identificadas? Há medidas a serem tomadas
capazes de reforçá-las ou potencializá-las?
Dentre as principais oportunidades identificadas, cumpre ressaltar o Pacto das
Águas, os Acordos de Cooperação Técnica com os Estados Federados e,
também, os estudos junto à OCDE, intitulado como Diálogo Político sobre a
Governança da Água no Brasil. Sob este contexto, de importantes iniciativas da
ANA, recomenda-se que, periodicamente, sejam avaliadas e, eventualmente,
ajustadas as estratégicas e táticas em curso, para que os avanços sigam
continuadamente à frente.
- O PróGestão – que é uma forma de fortalecer os estados, de descentralizar
recursos e decisões – é o suficiente para enfrentar os efeitos da mudança
do clima? Ou, a depender do cenário previsto para cada região, o
PrÓGestão deve ser adaptado com especificidades que podem ajudar no
enfretamento dos eventos hidrológicos críticos previstos?
Como resposta, deve-se reconhecer que, mesmo em casos onde determinado rio
afluente esteja sob o domínio estadual, caso ocorram problemas mais a jusante,
relacionados a outros estados e a problemas mais regionais, a presença da
União pode ser necessária, sem que apenas interesses pontuais a montante
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sejam considerados, como a indefinição de vazões mínimas a serem
asseguradas entre as fronteiras dos estados em pauta.
Mais do que isso, além do perfil dos problemas, também cabe considerar as
capacidades institucionais presentes, frente à natureza dos desafios,
portanto, tanto com apoios top-down quanto bottom-up, em casos distintos.
Enfim, levando em consideração a necessária adaptação a mudanças climáticas
é muito recomendável que sejam desenvolvidas estratégias próprias aos
problemas que deverão ser equacionados, com uma presença democrática e
efetiva da União e dos estados federados, segundo a natureza dos problemas e
as capacidades institucionais presentes.
Como uma referência a respeito, o Dr. Rubem La Laina Porto apresentou o caso
dos EUA, fazendo a seguinte pergunta: há nos EUA um modelo nacional de
gestão de recursos hídricos? A resposta é não. Sob uma ótica pragmática, os
americanos definem soluções próprias, segundo a natureza de cada problema.