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Universidade de Aveiro 2010 Secção Autónoma de Ciências da Saúde JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

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Ethics and Primary Care. A descriptive study in Health Centers of Portugal.José Augusto Rodrigues Simões.This work was developed in the Aveiro University and in Health Centres of the Center of Portugal and is the research program of PhD Health Sciences.Descriptive, quantitative and qualitative study, in the scope of descriptive ethics, whilst empyric research, of the non-normative type, in which 370 health professionals were inquired, 180 doctors and 190 nurses, from health centres of the central region of Portugal. The objectives were to identify and compare the set of the professionals’ ethical attitudes and the justifications they used to explain their decision making in face of ethical problems. A scale to assess the professionals’ ethical attitudes was built, validated and used in the study through a questionnaire. On a second moment, the health professionals were asked to list ethical problems from the narration of three hypothetical cases and consecutively recommend a solution for those situations, justifying their suggestion. The results point out that the professionals’ ethical attitudes are not influenced by the profession or gender. However, as age and number of years of professional activity increase, the ethical attitudes become more firm and they seem firmer in health professionals working in the health regions of Viseu and Aveiro. The ethical problems in primary healthcare are, in general, daily healthcare concerns similar to critical, dilemmatic situations, typical of hospital care. The envolving subtlety may make them go unnoticed with possible disastrous consequences to the care provided to patients, families and local community. Doctors and nurses, in general, are concerned with preserving patients’ individual rights, but they do so protecting the bonding relationships in a blend of principalist and caring approaches. Primary healthcare, when compared to hospital care, deals with distinct facts and values, often of greater amplitude and complexity although less dramatic, justifying further research to help examine thoroughly this interface of bioethics with primary healthcare.

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Universidade de Aveiro 2010

Secção Autónoma de Ciências da Saúde

JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

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Universidade de Aveiro 2010

Secção Autónoma de Ciências da Saúde

JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

Tese apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências da Saúde, realizada sob a orientação científica do Doutor Rui Manuel Lopes Nunes, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo, Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e da Universidade de Aveiro.

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Dedico este trabalho à minha esposa Hélia Marques e aos meus filhos Pedro Augusto e António Carlos, pelo seu incansável e indispensável apoio.

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o júri

presidente Doutora Ana Maria Vieira da Silva Cavaleiro professora catedrática da Universidade de Aveiro

Doutor Rui Manuel Lopes Nunes professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (orientador)

Doutor Nelson Fernando Pacheco da Rocha professor catedrático da Universidade de Aveiro

Doutor Francisco Luís Maia Mamede Pimentel professor associado convidado com agregação da Universidade de Aveiro

Doutor António José Feliciano Barbosa professor auxiliar com agregação da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo professor auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e da Universidade de Aveiro (co-orientador)

Doutor Manuel José Lima Costa Rodrigues professor auxiliar convidado da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho

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agradecimentos

Ao Professor Doutor Rui Manuel Lopes Nunes, orientador desta tese, a minha gratidão pela disponibilidade, pelo estímulo, pelo apoio e por comigo partilhar esta investigação.

Ao Professor Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo, co-orientador desta tese, o meu reconhecimento pela formação e colaboração prestada.

Ao Professor Doutor Nelson Pacheco da Rocha, director da Secção Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, a minha gratidão e o meu reconhecimento pessoal.

Ao Prof. Doutor Alberto Pinto Hespanhol, ao Prof. Doutor Armando Brito de Sá, ao Prof. Doutor Francisco Alte da Veiga, ao Prof. Doutor José Carlos Martins, ao Prof. Doutor Vítor Rodrigues, à Profª Doutora Maria da Piedade Brandão, à Doutora Ana Maria Vale Pereira, ao Doutor André Rosa Biscaia, ao Dr. Vítor Ramos e à Dr.ª Denise Alexandra, o meu reconhecimento pelo aprofundar de várias temáticas desta tese.

À Administração Regional de Saúde do Centro e em especial ao então Presidente do Conselho Directivo, Prof. Doutor Fernando J. Regateiro, o meu agradecimento e reconhecimento pelo empenho e apoio à realização deste estudo.

Aos directores dos Centros de Saúde que colaboraram na realização do estudo, o meu reconhecimento pela colaboração prestada, e em particular aos directores dos Centros de Saúde de Albergaria-a-Velha, Águeda, Anadia, Cantanhede, Castelo Branco, Celorico da Beira, Coimbra – Norton de Matos, Coimbra – São Martinho do Bispo, Covilhã, Leiria – Gorjão Henriques, Mealhada, Pombal e Viseu I, pelo empenhado apoio na distribuição, recolha e devolução dos inquéritos aos profissionais.

A todos os médicos e enfermeiros dos Centros de Saúde da Região Centro que responderam aos inquéritos e que assim possibilitaram a realização do presente estudo, o meu reconhecido bem ajam.

Finalmente, a todos os profissionais da Unidade de Saúde Familiar Marquês de Marialva do Agrupamento de Centros de Saúde Baixo Mondego III, assim como aos colegas e amigos que contribuíram com o seu encorajamento para o desenvolvimento desta tese, hoje e sempre, o meu muito obrigado.

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Ética e cuidados de saúde primários

palavras-chave

ética, bioética, cuidados de saúde primários, centros de saúde.

resumo

Estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no âmbito da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não normativo, no qual foram inquiridos 370 profissionais de saúde, 180 médicos 190 enfermeiros, dos centros de saúde da região centro de Portugal, com os objectivos de identificar e comparar o quadro de atitudes éticas dos profissionais e os fundamentos que utilizam para a justificação na tomada de decisão frente a problemas éticos. Foi construída e validada uma escala de avaliação de atitudes éticas dos profissionais, que foi utilizada no estudo num questionário. Num segundo momento, foi solicitado aos profissionais de saúde que listassem problemas éticos a partir da narrativa de três casos hipotéticos e seguidamente que recomendassem uma solução para essas situações, justificando a sua proposta. Os resultados apontam para que as atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis quer pela profissão quer pelo género, no entanto à medida que aumenta a idade e o número de anos de profissão tornam-se mais firmes essas atitudes éticas e parecem ser mais firmes nos profissionais de saúde que trabalham nas sub-regiões de saúde de Viseu e Aveiro. Os problemas éticos nos cuidados de saúde primários são, em geral, preocupações do dia-a-dia dos cuidados de saúde, parecendo comuns frente às situações críticas, dilemáticas, típicas dos cuidados hospitalares. A subtileza que os cerca pode fazer com que passem despercebidos, com possíveis consequências desastrosas para os cuidados prestados aos pacientes, famílias e comunidade local. Os médicos e enfermeiros, de maneira geral, preocupam-se em preservar os direitos individuais dos pacientes, mas fazem-no de forma a proteger as relações vinculares, numa mistura de abordagens principialista e do cuidado. Os cuidados de saúde primários, quando comparados com os hospitalares, lidam com factos e valores distintos e, por vezes, de maior amplitude e complexidade, ainda que de menor dramaticidade, justificando-se mais investigações que possibilitem aprofundar esta interface da bioética com os cuidados de saúde primários.

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Ethics and primary healthcare

keywords

ethics, bioethics, primary healthcare, health centres.

abstract

Descriptive, quantitative and qualitative study, in the scope of descriptive ethics, whilst empyric research, of the non-normative type, in which 370 health professionals were inquired, 180 doctors and 190 nurses, from health centres of the central region of Portugal. The objectives were to identify and compare the set of the professionals’ ethical attitudes and the justifications they used to explain their decision making in face of ethical problems. A scale to assess the professionals’ ethical attitudes was built, validated and used in the study through a questionnaire. On a second moment, the health professionals were asked to list ethical problems from the narration of three hypothetical cases and consecutively recommend a solution for those situations, justifying their suggestion. The results point out that the professionals’ ethical attitudes are not influenced by the profession or gender. However, as age and number of years of professional activity increase, the ethical attitudes become more firm and they seem firmer in health professionals working in the health regions of Viseu and Aveiro. The ethical problems in primary healthcare are, in general, daily healthcare concerns similar to critical, dilemmatic situations, typical of hospital care. The envolving subtlety may make them go unnoticed with possible disastrous consequences to the care provided to patients, families and local community. Doctors and nurses, in general, are concerned with preserving patients’ individual rights, but they do so protecting the bonding relationships in a blend of principalist and caring approaches. Primary healthcare, when compared to hospital care, deals with distinct facts and values, often of greater amplitude and complexity although less dramatic, justifying further research to help examine thoroughly this interface of bioethics with primary healthcare.

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abreviaturas e siglas

α – Alpha de Cronbach aC – Antes de Cristo ACES – Agrupamento de Centros de Saúde ARS-C – Administração Regional de Saúde do Centro, IP CES – Comissão de Ética para a Saúde CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados coord. – Coordenador/es CS – Centro(s) de Saúde CSP – Cuidados de Saúde Primários Dec-Lei – Decreto-Lei DGS – Direcção-Geral de Saúde ed. – Edição EF – Enfermeiro de Família EUA – Estados Unidos da América LPD – Lei de Protecção de Dados MBE – Medicina Baseada na Evidência MGF – Medicina Geral e Familiar MF – Médico de Família OMS – Organização Mundial de Saúde p. – Página SA – Sociedade Anónima S.l. – Sem local SNS – Serviço Nacional de Saúde SPA – Sector Público Administrativo SRS – Sub-Região de Saúde SSP – Sistema de Saúde Português UCC – Unidades de Cuidados na Comunidade USF – Unidade de Saúde Familiar vol. – Volume WHO – World Health Organization

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índice

Preâmbulo ………………………………………………………………………………… Parte I - Ética e Cuidados de Saúde Primários - 1. Introdução …………………………………………………….………………………. - 2. Cuidados de Saúde Primários ……………………………………………………… -- 2.1. O Conceito de Cuidados de Saúde Primários …………………………...……. -- 2.2. O Sistema de Saúde Português …………………………………………...….… -- 2.3. Os Profissionais Nucleares dos Cuidados de Saúde Primários …………..… - 3. Ética …………………………………………………………………………………… -- 3.1. Ética Principialista ………………………………………………………………… -- 3.2. Ética das Virtudes ………………………………………………………………… -- 3.3. Ética do Cuidado ………………………………………………………………….. -- 3.4. Ética Casuística …………………………………………………………………… -- 3.5. Ética Profissional ……………………………………………...………………….. Parte II - Estudo Descritivo efectuado em Centros de Saúde da Administração Regional

de Saúde do Centro - 1. Introdução …………………………………………………………………………….. - 2. Objectivos …………………………………………………………………………….. -- 2.1. Questões de Investigação ……………………………………………………….. -- 2.2. Objectivos Gerais …………………………………………………………………. -- 2.3. Objectivos Específicos …………………………………………………………… -- 2.4. Hipóteses ………………………………………………………………………….. - 3. Material e Métodos …………………………………………………………………... -- 3.1. Metodologia Utilizada …………………………………………………………….. -- 3.2. Estatística Utilizada ……………………………………...……………………….. -- 3.3. Estudo Quantitativo ………………………………………………………………. -- 3.4. Estudo Qualitatitvo …………………………………………………………..…… -- 3.5. Recolha de Dados …………………………………………………...…………… - 4. Resultados ……………………………………………………………………………. -- 4.1. Caracterização Geral da Amostra ………………………………………………. -- 4.2. Resposta às Questões em Investigação e Testes de Hipóteses ……………. -- 4.3. Respostas do Estudo Qualitativo ……………………………………………….. - 5. Discussão …………………………………………………………………………….. - 6. Conclusões …………………………………………………………………………… Parte III - A. Referências Bibliográficas ………………………………………………………….. Anexos - 1. Variáveis a Estudar ………………………………………………………………….. - 2. Questionário da Investigação ………………………………………………………. - 3. Parecer da Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São

João, do Porto ………………………………………………………………………….. - 4. Autorização do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do

Centro ………………………………………………………………………………….... - 5. Carta aos Directores de Centros de Saúde ………………………………...…….. - 6. Termo de Responsabilidade do Investigador …………………………………….. - 7. Análise da Deliberação nº 227/2007 da Comissão Nacional de Protecção de

Dados …………………………………………………………………………………… - 8. Lista de estudos consultados que serviram de base à construção da escala

……………………………………………………………………………………………. - 9. Grelha de categorias fundamentada sobre os conteúdos das respostas dos

inquiridos ………………………………………………………………………….……..

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índice de quadros

Parte I - Quadro I: Perguntas a serem respondidas durante a análise de cada caso …..… Parte II - Quadro I: Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os

pacientes e suas famílias ………………………………………………………….….. - Quadro II: Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares ……... - Quadro III: Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema

de saúde …..…………………………………………………………………………..... - Quadro IV: Centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número

de aleatorizados ……………………………………………………………………….. - Quadro V: Médicos de família dos centros de saúde por sub-região de saúde,

número total e número pelos CS aleatorizados ……………………………………. - Quadro VI: Enfermeiros dos centros de saúde por sub-região de saúde, número

total e número pelos CS aleatorizados …………………………………...…………. - Quadro VII: Distribuição dos itens da versão inicial da escala ………………….… - Quadro VIII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da

escala na sua versão inicial ……………………………………………………..……. - Quadro IX: Distribuição dos itens da segunda versão da escala ……………...….. - Quadro X: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da

escala na sua segunda versão …………………………………………………..…… - Quadro XI: Escala na sua versão final ……………………………………….………. - Quadro XII: Estrutura factorial da escala na sua versão final …………………..…. - Quadro XIII: Elementos componentes das categorias ……………………………… - Quadro XIV: Índices das categorias ……………………………….…………………. - Quadro XV: Formulação dos problemas éticos ……………………...……………… - Quadro XVI: Distribuição dos elementos da amostra de acordo com as

características sócio-profissionais ………………………………………………...…. - Quadro XVII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna

da escala no estudo final ……………………………………………………………... - Quadro XVIII: Teste de normalidade da escala ……………………………………... - Quadro XIX: Estatística descritiva relativa às atitudes dos profissionais de saúde

face aos problemas éticos ……………………………………………………………. - Quadro XX: Análise item a item …………………………………….......................... - Quadro XXI: Atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão ......................... - Quadro XXII: Atitudes éticas dos inquiridos segundo o sexo …………………….. - Quadro XXIII: Atitudes éticas dos inquiridos em função do grupo etário …….…. - Quadro XXIV: Atitudes éticas dos inquiridos em função do número de anos de

profissão ……………………………………………………………………..…………. - Quadro XXV: Atitudes éticas dos inquiridos em função da sub-região de saúde a

que pertencem ……………………………………………………………...………….. - Quadro XXVI: Atitudes éticas dos inquiridos em função da área demográfica em

que trabalham …………………………………………………………………….……. - Quadro XXVII: Distribuição dos elementos da amostra qualitativa de acordo com

características sócio-profissionais ……………………………………….…………... - Quadro XXVIII: Categorias das respostas aos casos apresentados ……………… - Quadro XXIX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o

género …………………………………………………………………………………… - Quadro XXX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a profissão …………………………………………………………………………………... - Quadro XXXI: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a área ………………………………………………………………………………………… - Quadro XXXII: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o grupo etário …………………………………………………………………..……………

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PREÂMBULO 11

PREÂMBULO

O profissional de saúde deve decidir, momento a momento, sobre aspectos que

vão influenciar, por vezes decisivamente, a vida de outras pessoas que os procuram em

busca de ajuda. Da adequação de sucessivas decisões, que se pretende encadeadas

num todo lógico e coerente, resulta a eficiência de uma prática que tem vindo a ser

pacientemente aperfeiçoada ao longo de séculos (Sá, 2002).

Assim, o presente estudo pretende ser uma aproximação inicial às questões

éticas no âmbito dos cuidados de saúde primários em Portugal, procurando identificar,

junto dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), os problemas éticos que eles

enfrentam e os fundamentos de que lançam mão para os solucionar. Pelo que se espera

poder contribuir para um processo de tomada de decisão mais adequado à realidade dos

cuidados de saúde primários e potencializar a resolução dos problemas éticos neles

emersos.

A presente tese encontra-se dividida em três partes. Na primeira é apresentado o

conceito de cuidados de saúde primários, o sistema de saúde português e, ainda, os

profissionais nucleares destes cuidados. A que se segue uma apresentação/síntese de

quatro das principais correntes éticas, as quais são consideradas essenciais para os

cuidados de saúde primários, sendo abordadas à luz das obras iniciais de cada um dos

seus proponentes.

Na segunda parte é apresentado o estudo empírico de ética descritiva, efectuado

numa amostra de médicos e enfermeiros dos centros de saúde da Administração

Regional de Saúde do Centro.

Na terceira e última parte são apresentadas as referências bibliográficas de toda a

tese e os documentos anexos.

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Secção Autónoma de Ciências da Saúde

JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS.

PARTE I

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INTRODUÇÃO

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1. INTRODUÇÃO

A sociedade em geral, e os diferentes grupos sociais em particular, desenvolveram, ao

longo da história da humanidade, diferentes enquadramentos, a fim de permitir a

convivência inter-pessoal. Entre eles destaca-se a ética. A palavra “ética”, do grego

“éthos”, refere-se aos costumes, à conduta de vida e às regras de comportamento.

Circunscreve-se ao agir humano, aos comportamentos quotidianos e às opções de vida.

Etimologicamente, significa o mesmo que moral (do latim “mos, moris”), sendo comum o

emprego destas palavras como sinónimos (Cabral, 2003).

Segundo Roque Cabral (2003), a filosofia moral, ou ética, elucida e justifica

racionalmente a realidade moral sob os seus diversos aspectos.

A ética, enquanto estudo do bem e do mal na ordem do agir, do “a-fazer”, do “fazer-

realizar”, da praxis no sentido clássico, enuncia normas de agir e não se limita a verificar

padrões fácticos de comportamento. É por isso eminentemente “prática”, pois tem por

objecto de estudo um “operável”, o “a-fazer”. (Cabral, 2003).

Pode-se então entender a ética ou moral como “um conjunto de normas de conduta, quer

em geral, quer aquelas que são reconhecidas por determinado grupo humano ou

propostas por determinado autor, corrente ou religião” (Cabral, 2003). Neste sentido, são

distintas as possíveis aplicações:

• O conjunto mais ou menos organizado e coerente de valores, de regras e de

direcções de vida de cada um: “a minha moral pessoal”;

• O sistema ou a síntese elaborada pelos diferentes autores: a ética de

Aristóteles, de Kant, de Descartes, etc.

• As exigências, os valores, os princípios que servem de base e justificativa para

o comportamento de um grupo ou de uma sociedade: ética cristã, ética grega,

moral católica, moral marxista, etc.

A ética, enquanto prática moral, é a experiência concreta do quotidiano, quando ocorre a

realização de valores, o esforço pessoal para aplicar os princípios e observar as normas.

É de salientar que seguindo a sugestão dada pelo estudo etimológico, dos termos “ética”

e “moral”, que aponta para que lhes seja atribuido o mesmo sentido, há autores que os

utilizam indistintamente, tal como o faz, por vezes, Roque Cabral (2003) havendo outros

que recorrem aos dois termos para significar conceitos diferentes. Por exemplo Paul

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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Ricoeur (1996), no texto a que chama “ma petite éthique”, constatando que

etimologicamente os dois termos são sinónimos, decide por convenção utilizar o termo

“ética” para se referir à procura da “vida boa”, com e pelos outros em instituições justas; e

“moral” para se referir ao conjunto de normas que regem em concreto o agir que pretende

atingir essa “vida boa”. Posteriormente, num texto de 2000, o mesmo autor reconhecendo

que os especialistas não se entendem sobre o sentido a dar a cada um dos termos, mas

que concordam “na necessidade de dispor de dois termos”, propõe utilizar “o conceito de

moral para o termo fixo de referência e de lhe atribuir uma dupla função, a de designar,

por um lado, a região das normas, dito de outro modo, dos princípios do permitido e do

proibido, por outro lado, o sentimento de obrigação enquanto face subjectiva da relação

de um sujeito a essas normas”. Com o termo “ética”, Paul Ricoeur (2000) aponta em duas

direcções. “A ética anterior referindo para o enraizamento das normas na vida e no

desejo, a ética posterior visando inserir as normas nas situações concretas”. À ética

anterior chama-lhe “ética fundamental” e à posterior “ética aplicada”.

Neste sentido, também não se pode esquecer que a tradição confere às palavras uma

história específica que lhes agrega um sentido próprio. Assim, é pertinente ponderar que,

no Ocidente, a primazia cultural judaico-cristã faz com que a palavra “moral” apareça

quase sempre intimamente ligada à religião e às morais que de facto servem de regra de

conduta, admitida e mais ou menos respeitada, para grande parte da população; são as

morais religiosas. Quanto mais exigentes são as religiões, mais morais se apresentam,

mais clara aparece a incompatibilidade entre a culpa moral e a adesão a Deus, mais o

dever aparece como fidelidade a Deus e a perfeição humana como união a Ele (Cabral,

2003). Dentro deste contexto, o realce para a palavra ética, ocorre na intenção de

destacar uma conotação de moral não religiosa, secular. Daí a preferência, nesta tese,

pelo uso de “ética” em vez de “moral”, mesmo reconhecendo-se que os dois termos são

considerados sinónimos devido à sua etimologia.

Para muitos autores a ética da saúde ocupa um lugar de destaque no conjunto das

reflexões éticas, pois poucas questões têm um interesse tão fundamental como o

estabelecimento de uma efectiva relação clínica entre o profissional de saúde e o

paciente. Rui Nunes (1998) considera que esta deve pautar-se por critérios éticos bem

definidos à luz da tradição profissional e das disposições internacionais que consagram a

doutrina da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. Acrescenta o

autor que ao direito compete balizar comportamentos considerados por todas as

correntes do pensamento como eticamente inaceitáveis. Numa perspectiva estritamente

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INTRODUÇÃO

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deontológica, cabe às Ordens, bem como às associações representativas de outros

grupos profissionais o estabelecimento de linhas directrizes, e face à competência que

lhes foi delegada pelo Estado, elas têm o dever de pugnar para que essas directrizes

sejam cumpridas na sua íntegra (Nunes(a), 1998).

Na busca de uma abordagem secular, pluralista, interdisciplinar, prospectiva, global e

sistemática para os temas de ética, de acordo com a afirmação e a construção dos

direitos humanos que marcam o mundo moderno desde os anos 70 do século XX, tem-se

estabelecido na área da saúde, nas últimas décadas, a Bioética. Ao não aceitar uma

única ortodoxia cultural, política ou religiosa, a comunidade humana teve que procurar um

novo rumo, uma nova orientação, que permitisse a convivência pacífica dos elementos

que a constituem (Engelhard, 2004; Gracia, 2008).

O termo “bioética” significa literalmente ética da vida, uma ética aplicada à vida. A palavra

de origem grega “bios” significa “vida”, a vida em si mesma, o “existente vivo”, sendo o

termo originariamente aplicado à vida humana e não à vida animal. Entretanto, a palavra

“bios” veio a generalizar-se e a significar a vida como fenómeno, ou seja, o biológico tal

como hoje é entendido, englobando todos os seres vivos, e o desenvolvimento observado

nas ciências da vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. “Ethos”

significa “ética”, refere-se, pois, ao comportamento ou conduta do homem, aos valores

implicados nos costumes (Neves(a), 2002).

Este neologismo foi cunhado pelo oncologista Van Ressenlaer Potter no artigo “Bioethics,

the science of survival” (Potter, 1970) e posteriormente no livro “Bioethics: bridge to the

future”, publicado em 1971, com o objectivo de, ao juntar num só campo os

conhecimentos da biologia e da ética, ajudar a humanidade a seguir na direcção da

participação racional, mas cautelosa, no processo da evolução biológica e cultural:

“The purpose of this book is to contribute to the future of the human species by promoting

the formation of a new discipline, the discipline of Bioethics. If there are ‘the cultures’ that

seem unable to speak to each other – science and the humanities – and if this is part of

the reason that the future seems in doubt, then possibly, we might build a ‘bridge to the

future’ by building the discipline of Bioethics as a bridge between the two cultures.”

(Potter, 1971).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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Desta forma, a Bioética abraça este processo de confronto entre os factos biológicos e os

valores humanos na tomada de decisões envolvendo os problemas práticos em

diferentes áreas da vida, como nos cuidados de saúde:

A existência de um consenso transcultural implica que a ciência concorra sempre para

melhorar as condições de existência da humanidade respeitando a identidade do sujeito

e da espécie a que pertence. Esta linha de pensamento está na base da edificação

daquilo que hoje conhecemos e valorizamos por direitos humanos fundamentais. Estes

mais não são do que o reconhecimento expresso de um marco axiológico fundamental

que é o valor intrínseco, inquestionável, da pessoa humana. (Nunes(a), 2002).

Na introdução à segunda edição da Enciclopédia de Bioética (Reich, 1995) o termo

Bioética encontra-se definido como:

“O estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão, a conduta e as

normas, das ciências da vida e dos cuidados de saúde, utilizando uma variedade de

metodologias éticas num contexto interdisciplinar.”

Partindo desta definição, é possível depreender que há diferentes metodologias na

análise das formas de sistematizar e tratar a reflexão teórica em Bioética. A estreita

articulação entre a teoria e a prática, como um dos elementos identificadores das “éticas

aplicadas”, é manifesta desde o aparecimento da Bioética que, suscitada pela

complexidade de problemas de ordem prática, procurou de imediato suporte teórico para

uma melhor apreciação e deliberação (Neves(b), 2002). Entre as primeiras iniciativas de

teorização da Bioética destacam-se: a do libertarianismo que tem nos direitos humanos a

justificativa para o valor central da autonomia do indivíduo sobre o seu próprio corpo e as

decisões relativas à sua vida; a das virtudes que coloca a tónica na boa formação do

carácter e da personalidade das pessoas ou dos profissionais; a da casuística que

incentiva a análise de casos a fim de elaborar características paradigmáticas para

analogias em situações semelhantes; a narrativa que entende a intimidade e a identidade

experimentadas pelas pessoas ao contarem ou seguirem histórias como um instrumental

facilitador da análise ética; a do cuidar que defende a importância das relações

interpessoais e da solicitude; e a do principialismo baseado nos princípios, do respeito

pela autonomia, da não maleficência, da beneficência e da justiça.

Este último modelo de análise, também conhecido como ética principialista fundada num

conjunto estruturado de princípios de ética biomédica, é o modelo mais difundido. Sem

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INTRODUÇÃO

19

conhecê-lo, é quase impossível compreender a história recente da Bioética, pois os

demais modelos teóricos, na sua maioria, construíram-se a partir de um diálogo com

este, seja corroborando-o ou contradizendo-o. Os quatro princípios sistematizados por

Tom Beauchamp e James Childress têm-se revelado verdadeiramente incontornáveis na

reflexão bioética o que decorre, em grande parte, de encontrarem a sua justificação na

“moral comum” (Beauchamp, 2001).

O principialismo mostra-se atractivo para a prática biomédica por propiciar uma

linguagem simples, objectiva e que possibilita a verbalização de percepções e

sentimentos éticos, permitindo uma abordagem pragmática, dado que se torna mais

simples alcançar um consenso sobre princípios gerais a adoptar do que sobre os valores

que possam fundamentar esses princípios. A estruturação do principialismo constituiu

uma resposta à necessidade, que se vinha sentindo de uma forma cada vez mais

premente, de um suporte teórico que fundamentasse, justificasse, validasse e

credibilizasse as acções a desenvolver pela biomedicina (Nunes(a), 2002).

Por fim, destaca-se também a importância dos diferentes perfis das instituições sociais,

principalmente as que se dedicam à prestação de cuidados de saúde, no moldar da

Bioética. Aqui, mais uma vez, sobressai o sentido do particular, a atenção ao individual

da perspectiva norte-americana que se repercute num menor investimento de âmbito

social comparativamente à generalidade dos países europeus (Neves, 2005).

Em todas estas situações é condição fundamental o equilíbrio da ética e da sua reflexão,

através de orientações gerais que não alterem a criatividade ou a liberdade científica e

clínica do médico e do investigador, mas que permitam uma uniformidade de actuação

diária em todas as circunstâncias em que a sua intervenção naqueles campos se tenha

que realizar (Silva, 1994).

Para se compreender melhor este assunto, torna-se necessário reexaminar alguns

aspectos que acompanharam a origem e a evolução deste campo da ética aplicada.

Como mencionado previamente, o termo bioética foi proposto pelo oncologista norte-

americano Van Rensselaer Potter, professor da Universidade de Wisconsin (EUA), no

seu artigo “Bioethics, the science of survival” publicado em Dezembro de 1970, que

reproduz uma palestra proferida anteriormente na Universidade de Dakota do Sul, em

que, após 22 anos de investigação oncológica, pensa que a ocasião chama para algo

mais filosófico e decide falar de algo que tinha em mente e nunca havia exprimido

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

20

publicamente. Questiona o progresso, para onde o avanço materialista da ciência e da

tecnologia estava a levar a cultura ocidental, o tipo de futuro que se estava a construir e

sugere a busca de alternativas. Em Janeiro de 1971 publica o livro “Bioethics: bridge to

the future”, que se torna conhecido do público em geral, através de reportagem publicada

pela Revista “Time” a 19 de Abril de 1971. Entretanto, em Julho de 1971 Andre Hellegers,

ginecologista, também norte-amiericano, de ascendência holandesa, da Universidade de

Georgetown, usa o termo “Bioethics”, num contexto institucional para designar uma área

de investigação ou campo de estudo, ao fundar o “The Joseph and Rose Kennedy

Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics” (Reich, 1995).

Curiosamente, eles reportam-se a realidades algo distintas, recorrendo ao mesmo

neologismo, no entanto têm uma designação comum: a necessidade de um plano

interdisciplinar de reflexão no âmbito das ciências da vida e da saúde, em que a

perspectiva ética ocupe uma posição destacada e indispensável (Neves, 2001).

Andre Hellegers, a partir do seu trabalho no Kennedy Institute of Ethics, é um dos que

imprime à bioética o seu significado mais corrente, ao aplicá-la à ética da medicina e das

ciências biomédicas. Assim, quer no espaço anglo-americano, quer no europeu

continental, a emergência da bioética procede essencialmente da clara percepção dos

perigos que o desenvolvimento precipitado da ciência encerra para o Homem na sua

integridade física e na sua identidade pessoal (Sgreccia, 2009).

Também é importante salientar que nas décadas de 60 e 70, do século XX, a biomedicina

experimenta um grande avanço tecnológico com: o advento da diálise em 1962, em

Seattle (EUA) e com o comité que deveria escolher quem poderia ter acesso ao novo

recurso terapêutico; a transplantação de órgãos; a alteração do conceito de morte; o

advento do diagnóstico pré-natal de algumas patologias aliado à possibilidade de

abortamento em condições clinicamente seguras; a pílula contraceptiva e os primeiros

passos da procriação medicamente assistida, tornando possível dissociar o que parecia

indissolúvel; a expansão do uso das unidades de cuidados intensivos e dos ventiladores

e o alvorecer da engenharia genética. Ao lado deste desenvolvimento biotecnológico

surgem as denúncias feitas por Henry Beecher em artigo publicado no “New England

Journal of Medicine”, em 1966, de 22 investigações eticamente incorrectas realizadas

com seres humanos, mesmo após o advento do Código de Nurenberga, em 1947, e da

Declaração de Helsínquia, em 1964 (Beecher, 2007). Estes factos, além de

escandalizarem a opinião pública, questionaram a medicina e a sua ética milenar.

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INTRODUÇÃO

21

Atendendo a este contexto, delineado pela preocupação inicial de Van Potter ao inventar

o neologismo bioética e pelo uso atribuído à palavra por Andre Hellegers, alguns autores

destacam as seguintes motivações para explicar a génese e o desenvolvimento da

bioética: os avanços no campo da biologia molecular; na ecologia, a crescente

preocupação com o futuro da vida no planeta; e a transformação ocorrida na prática dos

cuidados de saúde com a incorporação das conquistas propiciadas pelo desenvolvimento

científico-tecnológico da biomedicina (Hottois, 1998, 2003; Leone, 2004).

A bioética surge, portanto, nos Estados Unidos na década de 70, do século passado,

centrou-se nas inéditas questões éticas suscitadas pelo progresso das biotecnologias de

ponta e nas respostas possíveis atendendo ao respeito pela autonomia de todos e de

cada um dos intervenientes, assumindo-se inequivocamente como uma ética biomédica.

(Hottois, 1998, 2003; Leone, 2004).

Esta ética biomédica, modelada pela sua génese científico-tecnológica, progrediu com

uma atenção particular aos problemas de relação entre investigadores e sujeitos de

experimentação no âmbito da investigação biomédica, e profissionais de saúde e

pacientes no âmbito dos cuidados de saúde. Modelada pela sua génese sócio-política, a

Bioética progrediu numa promoção constante das relações simétricas entre pessoas,

garantidas pelo respeito pela autonomia de cada uma, e no reforço da sua respectiva

esfera individual (Hottois, 1998, 2003).

Na passagem da década de 70 para a de 80, a Bioética surge na Europa continental,

desencadeada pontualmente pelo nascimento em 1978, no Reino Unido, de Louise

Brown, a primeira bebé gerada por fertilização “in vitro”. Deste modo, a Bioética Europeia,

também ela desencadeada por uma inovação biotecnológica, à semelhança da anglo-

americana, começa a ampliar o seu foco de visão situando-o na relação do homem com a

técnica, e com uma índole mais fortemente especulativa, numa reflexão sobre a natureza

humana, a essência da técnica e seu relacionamento, ultrapassando assim as

particularidades do caso concreto (Neves, 2005).

A discrepância entre a Bioética anglo-americana e a europeia continental repercute-se de

forma significativa em diferentes planos, o que remete para as condicionantes do seu

desenvolvimento, entre as quais se destacam as “tendências filosóficas” predominantes

em cada um dos contextos, os respectivos “regimes jurídicos” e as “instituições sociais”

estruturantes da vida comunitária (Neves, 2005).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

22

O caso paradigmático para análise desta questão é certamente o dos Sistemas Nacionais

de Saúde e a política de alocação de recursos. Assim, a existência versus a ausência de

sistema nacional de saúde que universalize a prestação de cuidados de saúde primários

à comunidade é perspectivada sob o ângulo das diferentes concepções de justiça que

dominam cada sociedade. Na Europa, a noção de justiça mais amplamente partilhada é a

“comunitarista”, considerando que é cada comunidade, em diferentes momentos da sua

história e circunstâncias de vida colectiva, que tem de explicitar a sua percepção comum

de “bem”. Neste contexto, a Europa, e alguns estados americanos, o Oregon por

exemplo, têm desenvolvido uma forte preocupação social, frequentemente de cunho

“igualitarista” ao estabelecer um pacote mínimo de bens elementares e de serviços

básicos a disponibilizar a toda a população. Este sentido de justiça protagoniza diferentes

valores que caracterizam a bioética europeia, sendo eles: o da solidariedade e o da

responsabilidade, que enunciam novos princípios; o da vulnerabilidade e o da

integridade, numa ampla concepção holística da saúde como bem-estar, o que lança a

bioética no campo social, através da sua actuação no âmbito da saúde pública. Existiu ao

longo dos últimos anos uma tentativa importante de promover uma bioética de cariz

europeu, nomeadamente através de um projecto patrocinado pela União Europeia e que

congregou os seus mais reputados especialistas em bioética (Rendtorff, 2002). Este

projecto conseguiu assim identificar alguns valores partilhados a nível transeuropeu

tratando-se de uma importante iniciativa neste domínio (Nunes(a), 1997).

Na década de 90 dá-se a difusão da bioética nos países da América Latina e da Ásia,

onde convivem ilhas de excelência tecnológica em saúde com a extrema pobreza da

maioria das populações, o que torna imperativa a inclusão dos problemas sócio-culturais

na agenda das discussões, com temas como: a universalização dos cuidados de saúde,

atendendo aos desequilíbrios sociais; a acessibilidade aos mesmos, sobretudo a partir de

comunidades rurais distantes dos grandes centros; a alocação de cuidados considerados

elementares, primários, por países frequentemente pobres; os meios adequados de

promoção da saúde e de prevenção da doença em ambientes humanos, regra geral,

pouco instruídos; a discriminação nos cuidados a prestar a pessoas de diferentes etnias,

de diferentes sexos, de diferentes castas, especialmente em regiões onde os costumes

são milenares; a atenção a prestar a tradições médico-culturais particulares em que as

medicinas alternativas sempre desempenharam um papel importante e/ou diferentes

crenças religiosas que influenciam comportamentos; as estruturas familiares tradicionais

e o seu relacionamento com os progressos da biomedicina, etc.. Neste sentido deve-se

salientar a proposta de criação de uma verdadeira bioética Luso-Brasileira tendo em

Page 33: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

23

atenção a matriz cultural existente nos países de expressão oficial portuguesa e os

valores partilhados pela comunidade lusófona. Questões tal como os limites à autonomia

pessoal, o papel da família na prestação de cuidados, a protecção de minorias culturais

ou uma diferente perspectiva da justiça distributiva são instrumentais para criar uma

alternativa à corrente predominante no mundo anglo-saxónico (Nunes(a), 2007).

No ano de 1996, no decorrer do III Congresso Mundial de Bioética, em São Francisco

(EUA), como lembra Daniel Wikler (1997), inicia-se o que ele chamou de bioética da

saúde da população, que envolve não só os profissionais da saúde mas toda a sociedade

e que transcende a relação médico-paciente e apoia-se nos direitos humanos e nas

ciências biológicas, sociais, humanas e de gestão. Conferindo, assim, um maior destaque

às questões da equidade e da alocação de recursos para a saúde.

Caracteriza esta nova fase da bioética:

• A perda do lugar central que vinha sendo ocupado pela medicina de alta

tecnologia nas preocupações bioéticas, desviando-se a atenção das questões

relativas ao avanço biotecnológico, na direcção dos múltiplos determinantes da

saúde, entre os quais figura o acesso aos serviços de saúde e à tecnologia

neles incorporada;

• A ênfase é igualmente colocada na saúde e nos cuidados da saúde, com a

preocupação voltada não apenas para quem tem acesso a determinados

cuidados de saúde, mas também para quem está e quem não está doente e o

quanto equitativa é tal relação;

• A preocupação com as questões demográficas;

• A prioridade aos excluídos nos países em desenvolvimento;

• A necessidade de novas abordagens e apropriação de conceitos e teorias de

outros campos do conhecimento humano.

Para cumprir a responsabilidade social da bioética é preciso considerar a saúde da

população. Para tal é necessária formação contínua, aquisição de conhecimentos em

áreas não familiares de saúde pública, saúde mundial, análises de custo-benefício em

saúde, entre outras. As questões da bioética nesta fase, para além das questões

relacionadas com a saúde, tocam assuntos fundamentais da economia, história e política,

entre outros (Wikler, 1997).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

24

A partir desta trajectória histórica é possível compreender porque tem a bioética, no

contexto internacional, deixado de lado não somente as questões relativas à saúde

pública e comunitária, mas também porque se tem dedicado muito mais à reflexão e

discussão dos problemas de ordem ética enfrentados pelos profissionais da saúde que

trabalham nos hospitais e noutros serviços de saúde que incorporem alta tecnologia,

relegando para segundo plano a vertente dos cuidados de saúde primários e dos centros

de saúde, responsáveis por acções e por procedimentos tidos de baixa complexidade

ética (Fortes, 2002).

A sofisticação tecnológica alcançada nos hospitais e serviços especializados, nas últimas

décadas, tem sido uma das motivações mais evidentes do desenvolvimento da bioética e

isto explica porque as publicações e os procedimentos de tomada de decisão difundidos

durante este período se centram, fundamentalmente, nos casos de situação limite

(Zoboli, 2004).

Este privilégio dado aos cuidados altamente especializados em detrimento dos cuidados

de saúde primários tem sido tida em conta por alguns autores, levando-os a classificar o

actual entendimento da bioética de incompleto:

“The current understanding of bioethics is (....) incomplete as it largely ignores the health

encounters of the primary care and non medical healthcare settings. Rather, the vast

preponderance of philosophical inquiry and empirical ethical research focuses on

dilemmas arising in hospitals and tertiary care institutions.” (Fetters, 1999).

E, ao analisar-se as considerações de Diego Gracia (2002) que apresenta a bioética

como uma disciplina que tem por objecto o estudo dos valores e a sua inclusão no

processo de tomada de decisão, o que lhe imprime um carácter eminentemente prático e

operativo, com um olhar voltado para os factos, concorda-se então com a ideia de uma

perspectiva incompleta, defendida no parágrafo anterior.

Se o processo de tomada de decisão deve ter em conta os factos, ou seja, os dados da

situação descrita de modo o mais completo possível, procurando analisar os valores que

os acompanham e integrá-los no processo de decisão, a fim de aumentar a sua

qualidade e propiciar decisões, não apenas tecnicamente correctas, mas eticamente

adequadas, a bioética, ao centrar-se nos casos de situação limite nos cuidados de saúde,

esquece que esses mesmos cuidados de saúde não se configuram como um conjunto

homogéneo de serviços e acções. Parece, então, que uma parte dos factos não é

Page 35: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

25

considerada no contexto que rodeia o processo de tomada de decisão. Esta perspectiva

incompleta aumenta ainda mais se se considerar que a saúde, tem sido muitas vezes

equiparada, em bioética, ao acesso a serviços de saúde, não se levando em conta a

questão das condicionantes sociais do processo saúde-doença. Porém, alguns autores,

tal como Rui Nunes ((b), 2002) ou Guilhermina Rego ((a), 2002) defendem desde há alguns

anos uma perspectiva integrada da ética em cuidados de saúde onde a dimensão social

e comunitária assume particular relevo. A este propósito convém recordar as palavras de

Rui Nunes a propósito da doença e do fenómeno de adoecer: “Se na perspectiva da

medicina, o conceito de doença se refere, essencialmente, à categorização de grupos de

sintomas em entidades clínicas conhecidas e tipificadas, conduzindo a quadros mais ou

menos reproduzíveis de doenças, para a pessoa doente vão ser determinantes outros

factores. A título de exemplo, um episódio doloroso transforma-se culturalmente numa

realidade médica. Assim, o modo de adaptação da pessoa à nova situação de estar

doente vai ser decisivo na auto-percepção pessoal, na recuperação funcional e na

consequente integração social e familiar. Diferentes variáveis concorrem para que o grau

de perturbação não seja extrapolável a partir de dados objectivos, ainda que

sistematizados segundo critérios aceites e estabelecidos” (Nunes, 1999).

De acordo com Brody (1989), Fetters (1999), Braunack-Mayer (2001) e Zoboli (2004),

alguns aspectos indiciam que os problemas éticos vividos nos cuidados de saúde

primários podem diferir dos identificados nos demais níveis dos serviços de saúde.

Assim:

• Os problemas de saúde encontrados nos diversos serviços de saúde diferem

segundo o nível das acções e os procedimentos oferecidos;

• Os sujeitos éticos, isto é, os pacientes, os familiares e os profissionais de saúde

também são diferentes. Os pacientes de um serviço de saúde hospitalar, pela

sua condição de internados, ou pela sua maior vulnerabilidade, têm a sua

autonomia mais comprometida do que os não hospitalizados. Habitualmente os

profissionais de saúde, nos cuidados de saúde primários, visam objectivos de

mais longo prazo, como a transformação de perfis epidemiológicos da

comunidade a partir de cuidados integrais e não só o tratamento de um

problema pontual;

• O cenário em cada tipo de serviço de saúde é diferente, e isto é importante na

medida em que os problemas de ordem ética emergem do contexto no qual se

inserem. Nos centros de saúde, os encontros entre os profissionais de saúde e

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

26

os pacientes são mais frequentes e em situações de menor urgência. Assim, a

emergência, o imediatismo e o drama das situações ocorridas, por exemplo, nos

serviços de emergência ou nas unidades de cuidados intensivos, fazem com

que os problemas éticos sejam, frequentemente, mais evidentes, tempestuosos

e dilemáticos, enquanto que nos centros de saúde se apresentam, tipicamente,

de uma maneira mais subtil, passando até, muitas vezes, despercebidos;

• As soluções encontradas para problemas éticos similares podem diferir nos

diversos serviços de cuidados de saúde, pois ainda que se observe a mesma

estrutura de raciocínio ético, os sujeitos éticos e o contexto são distintos, ou

seja, os inputs do processo de decisão são distintos.

Com efeito, nas investigações desenvolvidas para identificar os problemas de ordem

ética vivenciados nos cuidados de saúde primários, algumas apontam para diferenças em

relação aos demais níveis dos cuidados de saúde. No entanto, cabem aqui algumas

considerações em relação a essas investigações. Frequentemente, utilizam padrões

ideais desenvolvidos a partir do exame de casos no ambiente hospitalar para a

identificação dos problemas éticos, e por vezes, os autores partem das suas próprias

percepções para definir o que constitui uma questão ética relevante. Desta forma, são

necessárias investigações que procurem identificar os problemas éticos nos cuidados de

saúde primários, e especificamente nos centros de saúde (Knabe, 1994; Wagner, 1996;

Fetters, 1999; Zoboli, 2004).

Parece ainda pertinente, considerar que os problemas de ordem ética relacionados com

os cuidados de saúde primários não podem ser analisados sem se considerar o contexto

do sistema de saúde em que se inserem. Isto porque, como assinalam Usategui e

Keenoy (1991), há uma relação de interacção entre a organização dos serviços e o

sistema de saúde. Afirmam os autores que, se por um lado os serviços se estruturam a

partir das características gerais do sistema de saúde, por outro, é o conjunto de

elementos próprios dos serviços de cuidados de saúde e de outros sectores relacionados

em interacção dinâmica que acabam por conformar a estrutura do sistema de saúde.

Em Portugal, a saúde estrutura-se sob a égide do Serviço Nacional de Saúde (SNS)

criado pela Constituição de 1976, que consubstanciando as reivindicações dos

movimentos sociais da época, criou um SNS inspirado no modelo inglês, garantindo o

direito à protecção da saúde a todos os cidadãos e baseando-se na universalidade e na

gratuidade do acesso aos cuidados de saúde. Como sugere Rui Nunes a este propósito

Page 37: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

27

“a priori, pode perguntar-se qual o enquadramento filosófico-político do direito à

protecção da saúde. A maioria das sociedades reconhece a existência deste direito,

inscrevendo-o no quadro dos direitos positivos (a positive welfare right como refere

Norman Daniels). Pode mesmo tratar-se de uma das mais importantes conquistas das

sociedades plurais e seculares – ou seja, um direito de natureza civilizacional – devendo

considerar-se como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Note-se que o Art.

3º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (1997) reconhece a

existência de um direito à saúde, ainda que seja limitado pelas restrições económicas do

sistema. Pelo que é possível deduzir-se que o direito à protecção e à promoção da saúde

é determinante para o exercício de uma efectiva igualdade de oportunidades, numa

sociedade livre e inclusiva” (Nunes(a), 2009).

Actualmente, o SNS encontra-se em fase de reestruturação orgânica pela aplicação do

Decreto-Lei (Dec-Lei) n.º 212/2006, de 27 de Outubro, concretizando uma inovação

importante em relação ao passado, e que assenta na opção de distinguir a gestão dos

recursos dos serviços centrais e regionais do Ministério da Saúde, da gestão dos

recursos internos do SNS. Essa passa a ser feita através de um Instituto Público, a

Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (Portaria n.º 646-2007, de 30 de Maio),

tutelado pelo Ministério da Saúde, que tem por missão assegurar a gestão dos recursos

financeiros e humanos, das instalações e equipamentos, dos sistemas e tecnologias da

informação, do SNS e promover a qualidade organizacional das entidades prestadoras de

cuidados de saúde, bem como proceder à definição e implementação de políticas,

normalização, regulamentação e planeamento em saúde, em articulação com outros

institutos públicos, nas áreas da sua intervenção. As Administrações Regionais de

Saúde, IP (Dec-Lei n.º 222/2007, de 29 de Maio), por sua vez negoceiam, no âmbito do

seu território regional, contratos-programa, com os centros hospitalares e os

agrupamentos de centros de saúde (ACES), actualmente em fase de implementação

(Dec-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro), mas ainda não totalmente concretizados,

enquanto acordos celebrados pelos quais se estabelecem, qualitativa e

quantitativamente, os objectivos a atingir e os recursos afectados ao seu cumprimento e

se fixam as regras relativas à respectiva execução.

Em 1971 o Estado Português reconhece pela primeira vez, em diploma legal, o direito à

saúde de todos os cidadãos e são criados centros de saúde (CS) em quase todos os

concelhos, na altura essencialmente vocacionados para os cuidados de saúde materna e

infantil, incluindo vacinação, mais tarde alargados ao planeamento familiar. Estes

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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cuidados eram essencialmente prestados por pediatras e ginecologistas, alguns médicos

apenas com formação básica e por um grande número de enfermeiras com razoável

formação em saúde pública. Apesar dos bons programas de que dispunham, não

conseguem abranger a totalidade da população-alvo (DEPS. Divisão de Planeamento e

Normalização, 1995). Estes centros funcionam em paralelo com os Serviços Médico-

Sociais das Caixas de Previdência (Sousa, 2001).

Após o 25 de Abril de 1974 é preconizada a criação de um Serviço Nacional de Saúde

(SNS), o que vem a acontecer em 1979, através da Lei nº 56/79, a primeira Lei de Bases

da Saúde, e é feita a integração da Federação das Caixas de Previdência no Ministério

da Saúde e são nacionalizados os hospitais das misericórdias. Nos anos seguintes é

produzida numerosa legislação destinada a regulamentar o SNS (DEPS, 1995).

A partir da década de 80 do século XX, a maioria da população começa a ter acesso a

cuidados de saúde primários (CSP) com um mínimo de dignidade. Desde então inicia-se

uma evolução sem retorno. As mudanças ocorridas foram múltiplas e traduziram-se na

definição do perfil do médico de família (MF) e do seu papel nos cuidados de saúde em

Portugal (Sousa, 2001)

Em 2008, existiam 6.169 MF em Portugal. A rede de CSP incluía 351 CS dispersos pelo

país, por sua vez divididos em mais de 2.000 extensões de saúde, que cobrem a

totalidade do país. Existem, no entanto, grandes variações, dependentes da população,

regime de trabalho e organização interna dos serviços (Campos, 2008).

Nos países desenvolvidos os cuidados de saúde também estão em fase de grandes

mudanças. O fim do milénio foi um período de conflito e debate sobre serviços de saúde

e seu financiamento (Sousa, 1998). As mudanças estão a ocorrer e envolvem os vários

intervenientes dos cuidados de saúde.

Uma nova atitude dos médicos é exigida pela mudança de mentalidade da população. Os

direitos dos doentes e utentes dos cuidados de saúde tornam-se progressivamente mais

importantes e levantam questões sobre a responsabilidade de médicos, o direito de

escolha, os auto-cuidados, as expectativas e necessidades dos pacientes, o papel de

“gate-keeper”, a educação para a saúde (Sousa, 1998; Sampaio, 1998). Os médicos

devem questionar-se sobre qual deve ser a sua atitude dentro desta nova relação

médico-paciente. Apesar dos numerosos problemas ainda existentes, muitos pacientes já

olham o seu MF como o contacto fundamental quando precisam de ajuda ou conselho

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INTRODUÇÃO

29

(Hespanhol, 2005). Por outro lado, os colegas de outras especialidades começam a

aceitar a verdade inquestionável, isto é, a medicina geral e familiar existe, é reconhecida

como especialidade e é a base do sistema de saúde português (Sousa, 2001).

A enfermagem também não é excepção, antes pelo contrário, são-lhe colocados

contextos e desafios que, a curto prazo, irão muito para além dos modelos tradicionais

nos quais têm vindo a funcionar, quer ao nível da formação, quer ao nível dos diferentes

locais de trabalho. Estes modelos têm-se mantido, umas vezes, porque essa realidade é

imposta e, outras, porque têm tido alguma dificuldade em separar-se de um passado

longo e das suas consequências, na sua autoconstrução. Isto tem condicionado a sua

forma de estar e de procurar formas inovadoras de fazer, face aos actuais problemas de

saúde e aos contextos em que se prestam cuidados (Correia, 2001).

A ideia de uma “enfermagem de família” centrada no trabalho com as famílias há muito

que vem a ser teorizada e praticada pelos núcleos inovadores da enfermagem em CSP,

mas recebeu novo impulso na Conferência Europeia de Munique (WHO, 2000).

Entretanto, apesar de todas as reformas em curso e de se reconhecer que a efectivação

de mudanças no SNS implica um processo de mudança de atitudes dos diversos actores

envolvidos, pouco se tem trabalhado no campo da preocupação ética acerca dos papéis

e das responsabilidades de cada um dos grupos profissionais nucleares nos cuidados de

saúde primários (CSP).

Para fazer frente ao desafio de concretização da reforma do SNS, parece evidente a

urgência de se lidar com os problemas de ordem ética vivenciados nos serviços e

sistema de saúde, especialmente nos CSP, que mesmo representando a maioria dos

estabelecimentos de saúde têm sido preteridos no campo das reflexões bioéticas.

Enfrentar este desafio requer que se aborde outra questão, também ainda relativamente

inexplorada na investigação em bioética. Segundo Jörg Richter e Martin Eisemann

(2000), ainda são poucos os estudos que procuram conhecer os critérios e fundamentos

que determinam ou influenciam as decisões dos profissionais de saúde.

Os problemas surgem em âmbitos distintos da vida social, dotados de peculiaridades

próprias. Não se trata, assim, de aplicar princípios gerais a casos concretos, nem tão

pouco de induzir tais princípios a partir das decisões concretas, mas sim de descobrir nos

distintos espaços a peculiar modulação dos princípios. Uma das exigências da ética

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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aplicada é entrar em cada um desses espaços e tentar captar-lhes a sua própria lógica e

modulação de princípios éticos que lhes são peculiares, e quem pode fazer isto senão os

peritos em cada campo, em estreita colaboração com quem se ocupa da ética (Cortina,

1997):

“(....) pasaron los tiempos “platónicos”, en los que parecía que el ético descubría unos

principios y después los aplicaba sin matizaciones urbi et orbe. Mas bien hoy enseña la

realidad a ser muy modestos y a buscar junto con los especialistas de cada campo que

principios se perfilan en él y cómo deben aplicarse en los distintos contextos” (Cortina,

1997).

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

31

2. CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

Neste ponto é pertinente referir que nos cuidados de saúde primários (CSP) os

problemas quotidianos de ordem ética não podem ser analisados sem se considerar o

contexto do sistema de saúde português (SSP).

Os CSP são um elemento chave de um sistema de saúde (Atun, 2004). Estão na primeira

linha, constituindo-se como os cuidados de primeiro contacto ao estarem acessíveis

quando necessários, e acompanhando global e longitudinalmente todo o processo de

saúde/doença de uma vida e não apenas os episódios de doença. Orientam-se para a

promoção da responsabilização e autonomia dos cidadãos nas suas decisões e acções,

e coordenam, quando necessário, as suas interacções com as outras estruturas no

domínio da saúde (Biscaia, 2008).

2.1. O CONCEITO DE CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

Na Declaração de Alma-Ata, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define cuidados de

saúde primários (CSP) como “cuidados de saúde essenciais baseados em técnicas e

métodos práticos, cientificamente validados e socialmente aceitáveis, universalmente

acessíveis a indivíduos e famílias da comunidade, com a sua plena participação e com

custos que a comunidade e o país possam suportar, em cada fase do seu

desenvolvimento, num espírito de auto-responsabilidade e auto-determinação” (WHO,

1978). Apesar das mudanças entretanto ocorridas, muitos países da região europeia da

OMS ainda têm que evoluir para atingir o nível de CSP que está definido na Declaração

de Alma-Ata (WHO, 1988), no entanto, outros países na mesma região já o superaram.

Para estes últimos os CSP podem ser vistos como “uma estratégia para integrar todos os

diferentes níveis dos serviços de saúde” (Vuori, 1984; Starfield(a), 2001).

Assim, os CSP são apresentados como uma “parte integrante, permanente e central do

sistema nacional de saúde, em todos os países” ou como o “meio pelo qual as duas

metas dos sistemas de serviços de saúde – optimização dos cuidados de saúde e

equidade na distribuição de recursos – se equilibram” (Basch, 1999). Eles fazem a

abordagem dos problemas mais comuns da comunidade, proporcionando cuidados

preventivos, curativos e de reabilitação, tentando maximizar a saúde e o bem-estar.

Integram, também, os cuidados quando existe mais do que um problema de saúde. Além

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

32

disso, possibilitam o tratamento no contexto em que as doenças se manifestam e

influenciam as respostas das pessoas aos seus problemas de saúde. Em suma, os CSP

organizam e racionalizam a utilização dos recursos básicos e especializados dirigidos à

promoção, manutenção e melhoria da saúde, individual e comunitária (Starfield, 1992).

Hannu Vuori (1986) descreve os elementos constitutivos dos cuidados de saúde

primários (CSP) como: 1) um conjunto de actividades; 2) um nível de cuidados; 3) uma

estratégia para organizar os serviços de saúde; 4) uma filosofia que deve implicar todo o

sistema de saúde.

1) Como “um conjunto de actividades”, o que faz eco na Definição de Alma Ata, onde se

pode identificar algumas actividades básicas a serem desenvolvidas nos CSP: a) educar

para a promoção da saúde e prevenção da doença; b) promover uma alimentação e

nutrição saudáveis; c) garantir condições sanitárias básicas à população; d) providenciar

cuidados materno-infantis e programas de planeamento familiar; e) implementar os

programas de vacinação obrigatórios; f) prevenir as doenças endémicas da população; g)

prestar especial atenção às doenças mais frequentes; h) garantir o acesso aos

medicamentos essenciais (Nunes(b), 2002).

2) Como “um nível de cuidados” significa serem os CSP o primeiro ponto de contacto das

pessoas com o sistema de saúde e onde 85 a 90% dos seus problemas de saúde podem

ser resolvidos (Nunes(b), 2002). O Relatório Lord Dawson (1920) distinguiu três grandes

níveis de serviços de saúde no Reino Unido: um nível primário: os centros de saúde; um

nível secundário: os hospitais; e um nível terciário: os hospitais-escola. Neste relatório

descreviam-se as relações entre os três níveis, assim como as funções de cada um,

numa estrutura organizacional orientada para vários graus de necessidades médicas

(Starfield, 1992). Embora esta estrutura ainda prevaleça na maioria dos países, o

conteúdo e a interface entre os cuidados primários e secundários foram-se alterando

(Atun, 2004).

3) Como “uma estratégia de organização dos serviços de saúde” os CSP fazem

referência à noção de que os cuidados devem ser acessíveis a toda a população; devem

responder às suas necessidades; devem funcionar de uma forma integrada, baseados na

participação comunitária; devem manter uma adequada relação custo/benefício; e devem

possibilitar uma colaboração intersectorial (Starfield, 2008).

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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4) Finalmente, os cuidados de saúde primários (CSP) como “uma filosofia” têm

subjacente a prestação equitativa de cuidados de saúde como um direito fundamental

dos cidadãos, independente de qualquer outro factor (Atun, 2004) que a maioria das

sociedades reconhece, inscrevendo-o no quadro dos direitos positivos (Nunes(a), 2009).

Em muitos sistemas de saúde, particularmente no contexto dos países em

desenvolvimento ou em transição, os CSP são definidos como o conjunto das

intervenções sanitárias essenciais consagradas na Declaração de Alma-Ata (WHO,

1978). Isto tem levado a que se olhe os CSP como programas verticais para valências de

saúde selectivas (Walsh, 1979) ou então como um pacote de serviços essenciais

utilizados em parte como ferramenta de financiamento, mas também para combater as

doenças, predominantemente as doenças transmissíveis, a mortalidade materna e

perinatal (World Bank, 1993). Esta abordagem por valências selectivas dos CSP tem sido

amplamente criticada: por falta de uma base científica (Unger, 1986); como uma

reinvenção da tradicional orientação técnica para programas verticais (Gish, 1982); por se

basear em juízos de valor (Eddy, 1991); por ter um impacto negativo no processo de

desenvolvimento da saúde (Rifkin, 1986); e até mesmo por ser contraproducente (Sen,

1998). Outros têm ainda questionado a validade do custo/benefício da tecnologia como

base para justificar a abordagem por valências selectivas dos CSP (Berman, 1982).

Uma alternativa aos CSP por valências selectivas são os CSP globais, que prevalecem

em muitos países desenvolvidos, abrangendo um amplo leque de serviços, e englobando

acções de educação para a saúde, de promoção da saúde, de prevenção, de cuidados

curativos, de reabilitação e de fim de vida. Alguns argumentam que os CSP globais

também devem ser acessíveis e concretizáveis nos países em vias de desenvolvimento

(Segall, 1987).

Na Europa, o conjunto de actividades a serem descentralizadas para os CSP está em

rápido desenvolvimento. Muitas das consultas de ambulatório especializado estão-se a

mudar para os CSP, através das consultas de ligação, incentivadas pelos cuidados

partilhados (Orton, 1994). Mesmo pacientes que antes eram internados em serviços

hospitalares tradicionais estão a mudar para os CSP, através de cuidados prestados pelo

especialista hospitalar no domicílio (Hughes, 1993). Os médicos de família (MF) estão a

ser chamados a prestar cuidados de urgência em situações que tradicionalmente eram

assistidas no hospital (Avery, 1995).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

34

A interface entre os cuidados primários e os cuidados secundários é dinâmica e está em

mudança, tal como as fronteiras entre os médicos de medicina geral e familiar e os

médicos especialistas hospitalares (Starfield, 2003). Existe aliás uma considerável

sobreposição de funções com médicos de família proporcionando cuidados

especializados e especialistas hospitalares proporcionando serviços de cuidados gerais

(Calnan, 1994, Rosenblatt, 1998, Moffat, 2006), o que complica, de modo muito

significativo, a comparação de resultados nos diferentes países e contextos (Atun, 2004).

Os cuidados de saúde primários (CSP) são, muitas vezes, equiparados ao papel de uma

porta de entrada “gate-keeping” (Gray, 1992). No entanto, eles desempenham um papel

muito mais importante, não apenas o de porta de entrada, mas o de um processo

fundamental no sistema de saúde (Hasler, 1992). São o primeiro contacto, mas também,

a linha da frente, contínua, global e coordenada de cuidados (van Weel, 1994). O

primeiro contacto deve estar acessível no momento da necessidade; a continuidade de

cuidados centra-se no longo prazo da saúde de uma pessoa e não no curto prazo do

período de vigência de uma doença; o cuidado global deve ser uma gama de serviços

adequada aos problemas comuns da população e disponível ao nível dos cuidados

primários; e de coordenação, pelo qual os cuidados primários devem ter o papel de

coordenar os outros serviços especializados de que o paciente necessite (Starfield(b),

2001, Atun, 2004).

As equipas de CSP podem ser formadas: por médicos de família e/ou clínicos gerais,

enfermeiros comunitários e/ou de família, e pessoal de apoio; até grandes equipas

multidisciplinares, incluindo enfermeiros especialistas, gestores, pessoal de apoio,

técnicos de serviço social, psicólogos, técnicos de saúde, médicos de família e outros

médicos especialistas a actuar nos cuidados primários (Atun, 2004, Veríssimo, 2006).

O Royal College of General Practitioners do Reino Unido definiu o profissional de

cuidados de saúde primários (CSP) como “qualquer profissional da área da saúde cuja

qualificação profissional em cuidados de saúde é reconhecida por um conselho

legalmente aprovado pelo Parlamento, e que atende clientes/pacientes, sem qualquer

referência directa a partir de outro profissional de saúde, ou que trabalha numa instituição

médica e/ou de enfermagem que fornece cuidados de saúde primários com acesso livre”

(Gray, 1978). É uma definição abrangente que permite incluir médicos (de família, de

saúde pública, de geriatria, de saúde escolar, psiquiatras comunitários, e, em alguns

países, médicos de medicina interna, pediatras, ginecologistas e outras especialidades),

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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enfermeiros, técnicos de saúde, psicólogos, médicos dentistas, farmacêuticos,

fisioterapeutas, dietistas, técnicos de serviço social, auxiliares de acção médica,

ajudantes familiares, pessoal administrativo e gestores (Biscaia, 2008).

Em muitos países europeus uma equipa nuclear de cuidados de saúde primários (CSP) é

frequentemente constituída por um clínico geral/médico de família, uma enfermeira

comunitária/enfermeira de família, uma técnica de serviço social, um fisioterapeuta e

pessoal administrativo (Klein, 2006).

O médico de família (MF) e o enfermeiro de família (EF) são parte integrante dos

cuidados de saúde primários, mas os conceitos não são sinónimos. Os papéis do MF e

do EF dão-nos uma indicação da amplitude dos serviços prestados e do grau de

uniformidade nos serviços de cuidados de saúde primários.

Nos países industrializados, o médico de família (MF) é o único médico que opera em

nove níveis de cuidados: 1) na prevenção; 2) na detecção pré-sintomática de doenças; 3)

no diagnóstico precoce; 4) no diagnóstico da doença estabelecida; 5) na gestão da

doença; 6) na gestão da doença com complicações; 7) na reabilitação; 8) nos cuidados

terminais; 9) no aconselhamento (Starfield, 1993). Portanto, em relação à prática

hospitalar, o MF observa uma gama ampla de problemas de saúde; os problemas

apresentam-se de uma forma indiferenciada; os problemas psicossociais desempenham

um papel muito importante; as probabilidades e a apresentação das doenças são

diferentes; o MF mantém uma relação mais pessoal e continuada com o paciente; os

contactos no âmbito da medicina geral e familiar são mais curtos e frequentes, ao invés

do que se passa no hospital, em que os contactos são em menor número e mais

prolongados (Sá, 2002). Logo todo o MF deve: a) aprender a avaliar o paciente na sua

globalidade biológica, psicológica, social e cultural, juntamente com a avaliação da

patologia de que esse paciente possa padecer; b) aprender a compreender os

fenómenos da saúde e da doença integrados no contexto familiar e na modificação

estrutural das famílias enquanto geradoras de problemas; c) entender as influências do

meio social envolvente e perceber as necessidades em saúde da comunidade; d) aplicar

o dever ético de prestar os melhores cuidados de saúde à luz de conhecimentos

actualizados técnica e cientificamente (Sousa, 2001).

O enfermeiro de família (EF), cujo desenvolvimento se deu a partir da Declaração de

Munique (WHO, 2000), integra o processo de promoção da saúde e prevenção da

doença, evidenciando as actividades de educação para a saúde, manutenção,

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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estabelecimento, coordenação, gestão e avaliação dos cuidados prestados aos

indivíduos, famílias e grupos que constituem uma dada comunidade (Correia, 2001).

Define-se como uma prática continuada e globalizante dirigida a todos os indivíduos ao

longo do ciclo de vida e desenvolve-se nos diferentes locais da comunidade. Pode-se

dizer que é um serviço centrado em famílias, que respeita e encoraja a independência e o

direito dos indivíduos e famílias a tomarem as suas decisões e a assumirem as suas

responsabilidades em matéria de saúde até onde forem capazes de o fazer (Biscaia,

2008).

Concluindo, o conceito actual de cuidados de saúde primários apresenta-os como os

cuidados de saúde essenciais e universalmente acessíveis a todos os indivíduos e a

todas as famílias da comunidade, tendo por vocação tratar dos principais problemas de

saúde dessa comunidade e englobando acções de promoção da saúde, de prevenção,

de cuidados curativos, de reabilitação ou de fim de vida. Exigem e fomentam a auto-

responsabilização, a autonomia e a participação activa da comunidade e do indivíduo no

planeamento, organização, funcionamento e controlo dos cuidados de saúde, tirando o

maior partido possível dos recursos locais, nacionais e internacionais e desenvolvendo a

capacidade participativa das comunidades (Biscaia, 2008).

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

37

2.2. O SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS

O sistema de saúde português começou a desenhar-se no início do século XX, com a

reforma de Ricardo Jorge, que se traduziu num conjunto de diplomas promulgados em

1899 mas só aplicados a partir de 1903, que reorganizaram a Direcção-Geral de Saúde e

Beneficiência Pública e criaram a Inspecção-Geral Sanitária, o Conselho Superior de

Higiene Pública e o Instituto Central de Higiene, como serviços centrais de coordenação,

bem como os cursos de Medicina Sanitária e Engenharia Sanitária. São ainda

explicitadas as competências das diversas entidades administrativas e eclesiásticas nos

assuntos da saúde. Esta reforma pode ser considerada o embrião do “moderno

sanitarismo” tendo sido influenciada por organismos e intervenções internacionais

(Simões, 2004).

A segunda reforma, com tradução normativa no Decreto-Lei (Dec-Lei) nº 35108, de 7 de

Novembro de 1945, decorrente do estatuto da assistência social (Lei nº 1998, de 15 de

Maio de 1944), cria duas Direcções-Gerais, a da Saúde e a da Assistência. A primeira

com funções de orientação e fiscalização quanto à técnica sanitária e de acção educativa

e preventiva; a segunda com a responsabilidade administrativa sobre os hospitais e

sanatórios. Este diploma cria ou autonomiza institutos responsáveis por programas

verticais, como o Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, Instituto Maternal,

Serviço Anti-Sezonático e de Higiene Rural, Instituto de Assistência à Família e outros

(Campos(a), 1983). E cria, ainda, em cada distrito, uma Delegação de Saúde e, em cada

concelho, uma Sub-Delegação de Saúde; são ainda previstas diversas instituições, com

autonomia técnica e administrativa, como os Hospitais Civis de Lisboa e os Hospitais da

Universidade de Coimbra e ainda regulamentadas as instituições de assistência

particular, que ficam na dependência do Ministério do Interior (Simões, 2004).

Em 1946 é publicada a Lei nº 2011, de 2 de Abril, que estabelece as bases da

organização hospitalar e promove a construção de hospitais com dinheiros públicos, mas

depois entregues às misericórdias. Atendendo a esta lei iniciou-se a regionalização

hospitalar, segundo a qual os hospitais deveriam agregar-se em circunscrições de três

níveis, o concelho, a região (distrito) e a zona (conjunto de distritos) cooperando

tecnicamente entre si (Campos(a), 1983). Ainda em 1946, pelo Dec-Lei nº 35311, de 25 de

Abril, é criada a Federação das Caixas de Previdência, que centralizou os cuidados de

saúde curativos até aí dispersos por vários sindicatos e que se desenvolveu em paralelo

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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com os serviços de saúde públicos, proporcionando aos seus beneficiários um conjunto

de regalias então muito superior às disponibilizadas pelo Estado (Simões, 2004).

A terceira reforma inicia-se no termo da década de sessenta e início da de setenta, com a

legislação publicada em 1968, o Estatuto Hospitalar (Dec-Lei nº 48 357, de 27 de Abril) e

o Regulamento Geral dos Hospitais (Dec-Lei nº 48 358, de 27 de Abril), da

responsabilidade do Dr. Neto de Carvalho, e em 1971, a lei orgânica do Ministério (Dec-

Lei nº 413/71, de 27 de Setembro) e a estruturação das carreiras profissionais dos

funcionários do Ministério da Saúde e Assistência, sendo “estabelecidas as seguintes

carreiras profissionais: Carreira médica de saúde pública, carreira médica hospitalar,

carreira farmacêutica, carreira da administração hospitalar, carreira de técnicos

superiores de laboratório, carreira de ensino de enfermagem, carreira de enfermagem de

saúde pública, carreira de enfermagem hospitalar, carreira de técnicos terapeutas,

carreira de técnicos de serviço social, carreira de técnicos auxiliares de laboratório,

carreira de técnicos auxiliares sanitários” (Dec-Lei nº 414/71, de 27 de Setembro), da

responsabilidade do Prof. Doutor Gonçalves Ferreira, que reorganizou os serviços e

baseou-se no princípio de que “a política de saúde e assistência tem por objectivo o

combate à doença e a prevenção e reparação das carências do indivíduo e dos seus

agrupamentos naturais, e, para além de assinalar o firme propósito de assegurar o bem-

estar social das populações, constitui a consagração do reconhecimento do direito à

saúde implícito na própria Constituição, que tem como únicos limites os que, em cada

instante, lhe são impostos pelos recursos financeiros, humanos e técnicos das

comunidades beneficiárias. Ao alargamento de funções e objectivos pretendidos não

pode deixar de corresponder a renovação dos meios de acção, o aperfeiçoamento dos

métodos de trabalho, o desenvolvimento dos serviços, a preparação do pessoal

necessário e consequente instalação de carreiras profissionais, cobrindo os serviços

centrais e locais, e a unidade de planeamento e direcção das actividades por que se

efectiva a política de saúde, com vista ao estabelecimento de um Sistema Nacional de

Saúde” (Ferreira, 1978).

De facto, até essa data, o papel do Estado reduzira-se a permitir que os serviços locais

funcionassem, através da actividade de clínicos gerais e de instituições locais de saúde,

na maioria ligadas a montepios e às misericórdias. O Estado era responsável pela

construção e gestão dos hospitais nas grandes cidades. O Estado tinha ainda a

responsabilidade da organização da saúde pública através da manutenção de uma rede

de funcionários de saúde em todos os municípios do país (Santos, 1999).

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

39

Até 1974 apenas cerca de 40% da população portuguesa estava coberta por esquemas

de protecção na doença, sendo os encargos com a saúde assumidos, parcial ou

totalmente, pela Previdência Social. Os restantes cidadãos (60%) suportavam os

encargos com os seus cuidados de saúde (Santana, 1995).

Igualmente, no que respeita à propriedade dos meios de produção de cuidados de saúde,

designadamente hospitalares, o Estado assumia um papel tímido, pertencendo a maioria

dos estabelecimentos às misericórdias e a outras entidades sem fins lucrativos. A

actividade privada de prestação de cuidados de saúde, como acontece ainda

actualmente, distribuía-se fundamentalmente pelas áreas das consultas e meios

complementares de diagnóstico e terapêutica, apresentando uma fraca estrutura

empresarial. No entanto, ainda no governo de Marcelo Caetano foi criado um serviço

nacional de ambulâncias e assistiu-se à estruturação jurídica dos centros de saúde (CS)

com o Dec-Lei nº 102/71, de 24 de Março, que previa “o estabelecimento de uma rede de

centros de saúde localizados nas sedes dos concelhos em articulação com os serviços

médico-sociais da Previdência e instalados, de preferência, nos hospitais sub-regionais

de acordo com um plano global”, mas no meio deste período crítico de tanta

implementação de medidas, era necessário coordenar, articular e integrar, pelo que este

Dec-Lei acabou revogado pelo Dec-Lei nº 413/71, de 27 de Setembro (Lopes, 1987).

Contudo, a profunda alteração política determinada pela Revolução de 25 de Abril de

1974 teve imediatos e profundos reflexos também no sector da saúde, iniciando-se aqui a

sua quarta reforma, que abarca o período de 1974 a 1979 (Simões, 2004).

No início de 1975, menos de um ano após a revolução de Abril, o IV Governo Provisório

lança a campanha do “Serviço Médico à Periferia”, que obriga todos os médicos recém-

formados ao exercício profissional durante um ano fora dos grandes centros urbanos, o

que criou a oportunidade de melhorar a assistência médica nos Centros de Saúde

periféricos e do interior do país (Mendo, 2004).

A nova Constituição da República Portuguesa de 1976, consubstanciando as

reivindicações dos movimentos sociais, confirma, no seu artigo 64, a saúde como um

direito dos cidadãos que deveria ser assegurado por um serviço nacional de saúde

(SNS), inspirado no modelo inglês, garantindo o direito à protecção da saúde a todos os

cidadãos e baseando-se na universalidade e na gratuidade do acesso aos cuidados de

saúde (Simões, 2008).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

40

Assistiu-se então a um crescimento exponencial da procura de cuidados,

fundamentalmente como consequência do alargamento da cobertura da população

portuguesa na doença, quer através da assumpção dos encargos com a saúde por

terceiros pagadores ou sub-sistemas – funcionários públicos, militares, bancários, etc. –

quer através do acesso directo e gratuito aos serviços públicos de saúde. Paralelamente,

verificou-se uma melhoria significativa e sustentada dos indicadores de saúde dos

portugueses. Por exemplo, a criação do serviço médico à periferia constituiu uma forma

de desconcentração dos recursos da saúde e teve um impacto importante no acesso das

populações rurais aos cuidados de saúde, assim como se reflectiu positivamente na taxa

de mortalidade infantil, a qual diminuiu de 38,9% para 19,8% entre 1975 e 1982

(Santana, 1993). Esse serviço médico à periferia estava integrado no período de pós-

graduação médica, ou seja, após o internato geral o médico só poderia prosseguir a sua

carreira nas instituições públicas se fizesse um ano de exercício de medicina a nível do

interior do país. A estatização da maior parte dos hospitais das misericórdias e a

integração do seu pessoal na função pública tornaram o Estado português o maior

proprietário e gestor de serviços de saúde. Assim, a partir dessa altura, este aliou o papel

de principal financiador dos cuidados de saúde ao de principal prestador (Simões, 2008).

Em 1979, com a criação do serviço nacional de saúde (SNS) pela Lei nº 56/79, de 15 de

Setembro, Lei de Bases do SNS, mais conhecida por “Lei Arnaud”, verificaram-se

alterações significativas na estrutura e na organização dos serviços públicos de saúde.

Estas alterações que acabaram por nunca vir a ser concretizadas em muitos aspectos

importantes, devido às oposições ao modelo definido de prestação de cuidados (a velha

querela entre o público e o privado), e ainda às dificuldades objectivas de implementação,

principalmente de natureza financeira (Simões, 2008). A direcção da Ordem dos Médicos,

da altura, fez uma oposição vigorosa, acusando a lei de limitar o princípio da livre escolha

do médico, pelo doente, e de transformar os médicos em funcionários públicos, e terá

sido em 1979 que, pela primeira vez, a Ordem dos Médicos se afirmou como grupo de

veto, tentando “inviabilizar medidas que o prejudiquem mesmo que elas favoreçam

interesses muito mais amplos e maioritários” (Santos, 1987).

Porém, apesar de ter sido regulamentada, a Lei “nunca chegou a ser integralmente

aplicada, nomeadamente no que diz respeito à orgânica dos serviços centrais e regionais

e ainda menos no que respeita à descentralização e participação” (Campos, 2002) e

depressa se constatou que lhe faltava uma direcção autónoma “o SNS existe na lei mas

não funciona como tal. Além de não terem sido criados alguns órgãos que lhe são

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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essenciais […], não foi erigida a Administração Central, pelo que a direcção das suas

actividades […], não estará a ser exercida pelo órgão que a lei determina” (Ferreira,

1986).

A quinta reforma, ou contra-reforma, inicia-se logo em Janeiro de 1980 com a suspensão,

pelo Governo da Aliança Democrática que vencera as eleições legislativas de Dezembro

de 1979, de alguns dos diplomas publicados ainda em 1979, pelo V Governo

Constitucional e que preenchiam o desenho organizativo da Lei do Serviço Nacional de

Saúde (SNS), nos termos da Resolução do Conselho de Ministros nº 1/80, de 10 de

Janeiro. Quatro destes diplomas acabariam por ser revogados pelo Dec-Lei nº 81/80, de

19 de Abril: a criação da carreira de clínico geral e a reestruturação da carreira de saúde

pública; a reorganização das administrações distritais de serviços de saúde; a criação do

Departamento de Cuidados de Saúde Primários da Administração Central de Saúde; e a

criação dos centros comunitários de saúde e a regulamentação dos órgãos locais do

SNS. No entanto, as obrigações constitucionais impuseram também limites aos projectos

de alteração do SNS através de lei ordinária. Esclarecedor é o Acórdão nº 39/84, de 11

de Abril, do Tribunal Constitucional que declara inconstitucional o artigo 17.º do Dec-Lei

nº 254/82, de 29 de Junho, que revogou a maior parte da Lei nº 56/76, o que se traduziu

na extinção do SNS, “… não é a Lei nº 56/79, em si mesma, que não pode ser revogada

– é apenas o Serviço Nacional de Saúde que, uma vez criado, não pode ser abolido. A lei

pode ser revogada, desde que outra a substitua e mantenha o serviço nacional de saúde.

O serviço nacional de saúde pode ser modificado; só a existência de um serviço nacional

de saúde passou a ser um dado adquirido no património do direito à saúde, sendo, como

tal, irreversível (a não ser mediante revisão constitucional que o permitisse) […]. O

Governo incorreu numa acção inconstitucional cujo resultado pode e deve ser impedido

em sede de fiscalização da constitucionalidade. A obrigação que impunha ao Estado a

constituição do serviço nacional de saúde transmuta-se em obrigação de não o extinguir.”

(Simões, 2004).

Nos anos oitenta e noventa, o Estado, através do Ministério da Saúde, passou a dispor

de uma vasta estrutura nacional de estabelecimentos de prestação de cuidados de

saúde, hospitais gerais e especializados, institutos e centros de saúde, com milhares de

funcionários de diferentes categorias profissionais, com uma administração central

poderosa e administrações regionais fracas, sendo todo o sistema regulado pelas normas

da administração pública (Serrão, 2002).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

42

Deste modo, começou a assistir-se a uma desvalorização dos direitos sociais e a uma

perda de qualidade dos serviços de saúde, sem recursos suficientes para fazer face a

uma procura sempre crescente dos cuidados de saúde. Ao mesmo tempo, as entidades

privadas assumiram um papel progressivamente mais importante na produção de alguns

bens e serviços de saúde, passando o Estado, cada vez mais, a assumir um papel de

mero financiador (Santos, 1987).

Também é desde os anos oitenta e noventa que se começaram a verificar as primeiras

tentativas para conter e controlar os gastos públicos com a saúde, criando-se as “taxas

moderadoras” que visaram racionalizar a utilização das prestações de cuidados de

saúde. O que de facto aconteceu foi que a gratuidade do Serviço Nacional de Saúde

(SNS) deixou de funcionar, transformando-se as taxas moderadoras em fontes de receita

e financiamento dos serviços públicos de saúde (Santos, 1987). Simultaneamente, o

sector privado beneficiou, quer directamente, com a criação e desenvolvimento de

convenções entre o Estado e entidades privadas, quer indirectamente, pelo

descontentamento crescente da população com os serviços públicos, que determinou o

desvio de parte da procura do sector público para o privado, iniciando desta forma o seu

restabelecimento progressivo, enquanto alternativa ao SNS (Simões, 2008).

Em Portugal, algumas propostas que animavam, na década de oitenta, o debate sobre a

reforma do sistema de saúde defendiam um papel mais activo do sector privado, uma

maior responsabilização individual pelo financiamento e uma orientação empresarial do

SNS. Que se traduziram, de acordo com a Lei de Bases da Saúde, Lei nº 48/90, de 24 de

Agosto, por um sistema de saúde entendido como, não apenas o SNS mas também

todas as entidades públicas que desenvolvam a promoção, a prevenção e o tratamento

na área da saúde, bem como as entidades privadas e profissões liberais que acordaram

com o SNS uma ou várias daquelas actividades. E, com base no actual artigo 64º da

Constituição da República Portuguesa, após a quarta revisão constitucional de 1997,

incumbe ao Estado articular as formas empresariais e privadas da medicina com o SNS,

por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões

de eficiência e de qualidade (Miranda, 2000), contribuindo para o estabelecimento de um

sistema global com o objectivo comum de promover a saúde dos cidadãos.

“Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”. É esta a

premissa essencial de todo o Sistema de Saúde Português, afirmada no artigo 64.º da

Constituição. “O direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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de saúde universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos

cidadãos, tendencialmente gratuito” no momento da utilização dos serviços de cuidados

de saúde, assim como “pela criação de condições económicas, sociais, culturais e

ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da

velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela

promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento

da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável” (Miranda, 2000).

O Estado também tem, constitucionalmente, de garantir o acesso aos cuidados de saúde,

uma racional e eficiente cobertura do país e a socialização dos custos. É ainda dever do

Estado, regular as formas empresariais e privadas dos cuidados de saúde e toda a

cadeia de uso de produtos de saúde (Nunes(a), 2009). O financiamento do sistema é feito,

essencialmente, através dos impostos. O Orçamento Geral do Estado estabelece a verba

que é destinada ao sector da saúde. Os trabalhadores e respectivas entidades patronais,

quando pertencentes a um designado “subsistema de saúde”, são sujeitos a quotizações

acrescidas. Quem, voluntariamente, subscrever um seguro de saúde, também terá que

pagar o respectivo prémio. Os cidadãos podem, ainda, pagar directamente cuidados de

saúde, quando recorrem ao sector privado, quando pagam taxas moderadoras ou

também, quando adquirem medicamentos. São as designadas “despesas das famílias”

com a saúde (Biscaia, 2008).

A coordenação e regulação do sistema de saúde português está a cargo do Ministério da

Saúde, contando com vários serviços centrais com funções específicas, entre os quais a

Direcção-Geral da Saúde, a Inspecção-Geral da Saúde, o Alto Comissariado da Saúde.

Recentemente, e no quadro de uma nova reforma estrutural do sector da saúde, foi

criada a Entidade Reguladora da Saúde, organismo independente orgânica e

funcionalmente em relação ao Ministério da Saúde e que pretende supervisionar todos os

operadores independentemente da sua natureza jurídica (Nunes(b), 2007; Nunes(b), 2009).

As decisões estratégicas, a organização do sistema, a alocação de recursos, o

funcionamento efectivo e a prestação dos serviços, constituem áreas sociais que se

devem ordenar pelas regras do direito positivo (as leis) e, sobretudo, adequar-se aos

princípios da bioética, pelo que a regulação se tornou um instrumento essencial, não

apenas para garantir a concorrência saudável entre os diversos operadores mas,

essencialmente, para salvaguardar o direito inalienável de todos os cidadãos a um

sistema justo, solidário e equitativo (Nunes(a), 2009).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

44

2.2.1. O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

O serviço nacional de saúde (SNS) foi criado, na dependência da Secretaria de Estado

da Saúde do Ministério dos Assuntos Sociais, pela Lei nº 56/79 de 15 de Setembro. Este

era constituído por um conjunto de órgãos e serviços que tinham como objectivo a

prestação de cuidados globais e generalizados a toda a população, visando a “promoção

e vigilância da saúde, a prevenção e o diagnóstico da doença, o tratamento dos doentes

e a sua reabilitação médica e social” (Gomes, 1987). Com este objectivo privilegiava os

cuidados de saúde primários (CSP), reorganizava a rede hospitalar, aumentava-a em

número de camas, apetrechava-a com tecnologias mais sofisticadas, reestruturava as

carreiras médicas e de enfermagem, desenvolvia o controlo da medicina privada e dos

produtos farmacêuticos. No entanto, ao nível central manteve-se uma estrutura vertical e

paralela para os CSP e para os Hospitais (Ferreira, 1986).

A revisão da Constituição de 1989 torna a saúde “tendencialmente gratuita”. Em 1990 é

aprovada a Lei de Bases da Saúde que refere que esta passa a ser da responsabilidade

não só do Estado mas também de cada indivíduo, assim como das iniciativas sociais e

privadas. Esta norma permitiu o aumento de contractos do SNS com o sector privado, a

introdução da medicina privada dentro dos hospitais públicos, o início da primeira

experiência de concessão da gestão de um hospital público a uma entidade privada e

benefícios fiscais à realização de seguros de saúde. Em 1990 são também introduzidas

as taxas moderadoras (Biscaia, 2008).

O Estatuto do SNS, aprovado pelo Dec-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, veio estabelecer o

conceito de unidades integradas de cuidados de saúde, formadas pelos hospitais e

centros de saúde de determinada área geográfica, atribuindo às Administrações

Regionais de Saúde a possibilidade de coordenarem o trabalho entre hospitais e centros

de saúde (Biscaia, 2008).

2.2.1.1. OS HOSPITAIS

Os serviços prestadores de cuidados hospitalares são constituídos pelos centros

hospitalares gerais e especializados e ainda por outras instituições especializadas

(Gomes, 1987). Compreendem o internamento hospitalar e os actos ambulatórios

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

45

especializados para diagnóstico, terapêutica e reabilitação, as consultas externas de

especialidade e os cuidados de urgência na doença e no acidente (Simões, 2008).

Até aos anos setenta a prestação da assistência hospitalar à população era feita por

unidades regionalizadas e hierarquizadas em redes de referência, que desenvolviam a

sua acção em regiões previamente definidas e que correspondiam à divisão

administrativa do país, de acordo com a Lei da Organização Hospitalar nº 2011, de 2 de

Abril de 1946. A Direcção-Geral dos Hospitais viria a ser criada em 1961 pelo Dec-Lei nº

43853, de 10 de Agosto, com o objectivo de coordenar e fiscalizar os estabelecimentos

perante a exigência de uma orientação técnica especializada e centralizada a nível

superior (Lopes, 1987).

Nos primeiros anos da década de setenta verificou-se o relançamento dos hospitais, após

a publicação, a 27 de Abril de 1968, do Dec-Lei nº 48357, Estatuto Hospitalar, e do Dec-

Lei nº 48358, Regulamento Geral dos Hospitais, que pretenderam uniformizar a orgânica

e o funcionamento de todos os hospitais do país, essencialmente estatais e das

Misericórdias, e criar carreiras para pessoal médico, de enfermagem, de administração e

de farmácia (Campos(a), 1983).

Após a Revolução de 25 de Abril de 1974 verificou-se a nacionalização dos hospitais

distritais e concelhios que, até aí, pertenciam às misericórdias, feita pelo Dec-Lei nº

704/74, de 7 de Dezembro, e o Dec-Lei nº 129/77, de 2 de Abril, aprovou a Lei Orgânica

Hospitalar, com aplicação aos hospitais centrais, gerais e especializados e aos hospitais

distritais, caracterizando-os como pessoas colectivas de direito público, dotados de

autonomia administrativa e financeira (Gomes, 1987). Em 1988 é publicada nova

legislação hospitalar, Dec-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro – Lei da Gestão Hospitalar, e

Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, que introduz alterações nos órgãos e

funcionamento hospitalar, reforçando as competências dos órgãos de gestão;

abandonando as direcções de tipo colegial, que haviam sido introduzidas em 1974; sendo

os titulares dos órgãos de gestão designados pela tutela; são introduzidos métodos de

gestão empresarial e reforçados e multiplicados os controles de natureza tutelar (Biscaia,

2008).

A procura e utilização dos serviços intensificou-se nas décadas seguintes com a abertura

de novos hospitais centrais e distritais, até que, nos nossos dias, a política de redução do

ritmo de crescimento da despesa na saúde, imposta pela conjuntura económica com a

consequente redução de verbas, reflectiu-se no incremento da hospitalização privada e

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

46

na denominada “empresarialização” dos hospitais públicos. A nova legislação sobre o

regime jurídico da gestão hospitalar, Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro, estabeleceu que

“os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde podem revestir uma

das seguintes figuras jurídicas: a) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade

jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial; b)

Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa,

financeira e patrimonial e natureza empresarial; c) Sociedades anónimas de capitais

exclusivamente públicos; d) Estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos, com

quem sejam celebrados contratos”. Os hospitais empresa são então criados pelos Dec-

Lei nºs 272-292/2002, de 9 e 10 de Dezembro, é também criada a Rede de Cuidados

Continuados pelo Dec-Lei nº 281/2003, de 8 de Novembro e ainda a Entidade

Reguladora da Saúde pelo Dec-Lei nº 309/2003, de 10 de Dezembro, entretanto

substituído pelo Dec-Lei nº 127/2009 de 27 de Maio. De facto, a necessidade de

contenção da despesa pública no sector da saúde originou a emergência ao longo da

última década de novos modelos de gestão hospitalar que se caracterizam, no essencial,

pela adopção das regras da gestão empresarial no sector público administrativo, sendo

porém fundamental determinar qual o modelo que melhor serve os interesses das

populações (Rego(b), 2002). A título de exemplo, Guilhermina Rego recorreu à

metodologia DEA (Data Envelopment Analysis) – metodologia de benchmarking que

permite comparar e confrontar os hospitais entre si e identificar as unidades hospitalares

mais eficientes (Rego, 2009). Os resultados deste estudo confirmam segundo a autora

que “a empresarialização produziu efeitos positivos no desempenho hospitalar e que os

hospitais Sociedade Anónima (SA), concretamente o seu modelo de gestão, permitiu a

estas unidades hospitalares melhorarem a sua performance e crescer em matéria de

produtividade comparativamente aos hospitais do Sector Público Administrativo (SPA)”

(Rego, 2008; Rego, 2009). Contudo, e apesar do nível de desempenho dos hospitais SA

ser claramente superior ao modelo tradicional (SPA) estes hospitais foram transformados

em 2005 em Entidades Públicas Empresariais.

No entanto, verifica-se que o sistema hospitalar que hoje emerge está ainda muito ligado

a uma estrutura de tecnologia e de administração pesadas e pouco eficazes. O seu

desempenho, como estruturas de prestação de cuidados, deve ser submetido, não só às

regras da análise económica, mas também à avaliação da qualidade dos procedimentos

clínicos, do diagnóstico aos tratamentos, com base em critérios de custo-eficácia,

apoiados nas regras gerais da boa prática clínica (Serrão, 2002). Todo este complexo

sistema hospitalar deve estar predominantemente organizado e subordinado aos serviços

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

47

a prestar às pessoas doentes ou às pessoas ameaçadas pela doença que constituem,

naturalmente, o sujeito de todo o sistema de prestação de cuidados de saúde (Simões,

2008).

2.2.1.2. OS CENTROS DE SAÚDE

Em Portugal, como em outras partes do mundo, os cuidados de saúde primários (CSP)

estão indelevelmente associados aos centos de saúde (CS). O CS pode considerar-se o

modelo da “unidade de cuidados de saúde primários” com a sua comprovada capacidade

de providenciar cuidados globais de saúde de um modo custo/efectivo, junto das

comunidades, num espírito de parceria com elas (Zurro, 1991).

Historicamente aquilo que ficou conhecido como o “movimento dos centros de saúde”

vem do final do século XVIII, com o surgimento dos dispensários gratuitos e clínicas

preventivas que tinham um âmbito comunitário e providenciavam cuidados às populações

mais desfavorecidas e aos imigrantes. Nos Estados Unidos da América (EUA), incluíam

também, centros de distribuição de leite para crianças mal nutridas, centros de

tratamento da tuberculose e doenças venéreas (Rosen, 1971). Também surgiram na

Escócia (1887) centros de tratamento da tuberculose e em França, a Clínica de Pierre

Budin (1892) para protecção das crianças (Ferrinho, 1991). Mas é nos EUA, em 1893,

que há referência ao primeiro dispensário público de cuidados de saúde globais, em

Chicago (Rosen, 1971).

O conceito de CS foi evoluindo e, nos EUA, na década de 1911-1920 significava uma

instituição de serviço público com a missão de cuidados preventivos e de promoção da

saúde, complementando os cuidados curativos dos médicos privados, embora alguns

destes centros de saúde prestassem também cuidados curativos (Rosen, 1971). Este

“movimento dos centros de saúde” foi perdendo força a partir de 1930, mas reapareceu

como um modelo mais global 30 anos depois. Este movimento teve as suas raízes no

simples “bom senso”. É de bom senso oferecer serviços de saúde no local onde as

pessoas vivem e de acordo com o modo como elas vivem. Quatro ideias dominaram este

movimento: localização por distritos; participação da comunidade; organização

estruturada com objectivos de eficiência e coordenação; e cuidados preventivos (Biscaia,

2008).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

48

Os CS estiveram sempre, de uma maneira geral, associados ao apoio às famílias,

reconhecendo-se vantagens numa inscrição familiar num mesmo profissional de saúde,

que teria a seu cargo toda a família e todas as fases do ciclo familiar. Mas esta inscrição

familiar foi variável consoante os enquadramentos dos diferentes países. Contudo, em

Portugal foi sempre estimulada a inscrição familiar (Biscaia, 2008).

Uma implicação do “movimento dos centros de saúde” registou-se a nível das profissões

de saúde e do modo como se relacionam entre si. O aspecto mais marcante foi o trabalho

em equipa multidisciplinar e a actuação segundo “o que pode ser feito pela unidade

menor de forma satisfatória não deve ser feito pela unidade maior” (Biscaia, 2008)

quando se pretendia ter uma acção o mais abrangente possível. Pelo que, se tornou

impossível que uma única profissão lidasse com toda a gama de questões que tinham

que ser abordadas. Algumas profissões tiveram um grande desenvolvimento, como foi o

caso dos enfermeiros de saúde pública, verificando-se até o surgimento de outras, que

nunca tiveram o desejável desenvolvimento em Portugal, como os “ajudantes

comunitários ou familiares” com a função de aumentarem e melhorarem a comunicação

entre o centro de saúde e a comunidade (Biscaia, 2008).

O “movimento dos centros de saúde” introduziu alterações no próprio conceito de

cuidados de saúde primários (CSP) ao acrescentar e consolidar a dimensão comunitária

na abordagem que estes cuidados fazem aos problemas de saúde. Esta dimensão

encontra-se mais ou menos consolidada nos vários sistemas de saúde (Biscaia, 2008).

A política de dar prioridade aos CSP surge pela primeira vez em Portugal, no início dos

anos setenta, integrada na política do “estado social” (Campos(b), 1983). Generalizou-se

então o atendimento gratuito a toda a população após o alargamento, em 1971, à

população rural dos serviços médico-sociais da Previdência Social e o reconhecimento

do direito à saúde, com especial atenção para os grupos de maior risco, as grávidas e as

crianças (Simões, 2008).

O Dec-Lei nº 413/71, de 27 de Setembro – Lei Orgânica do Ministério da Saúde e

Assistência, foi um marco histórico por ter lançado a reforma que estabeleceu os

fundamentos de um serviço nacional de saúde e pela criação dos, agora designados,

centros de saúde (CS) de “primeira geração” (Branco, 2001).

Na prática, manteve-se a separação dos CS – com actividades de saúde materno-infantil,

incluindo vacinação, mais tarde alargados ao planeamento familiar, saneamento do

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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ambiente e cuidados médicos de base, estes últimos limitados aos exames médicos,

exigidos por Lei, para admissão na função pública, para os manipuladores de alimentos,

para a obtenção de carta de condução – e os postos dos serviços médico-sociais das

caixas de previdência (Sousa, 2001).

Em 1975, a criação do serviço médico à periferia, pelo Despacho de 19 de Março,

obrigou os médicos recém-licenciados a trabalharem fora dos grandes centros urbanos,

criando a oportunidade de melhorar a assistência médica nos centros de saúde da

periferia (Remoaldo, 2005).

Na sequência destas medidas, o Decreto Regulamentar nº 12/77, de 7 de Fevereiro

(Suplemento), criou as regras de funcionamento dos serviços médico-sociais da

previdência, na dependência da Secretaria de Estado da Saúde. Mais tarde, pelo Dec.Lei

nº 254/82, de 29 de Junho, foram criadas as administrações regionais de saúde, de

âmbito distrital, com a incumbência de executar a política de saúde, registar dados e

fazer análise epidemiológica, fazer inspecções e controlar o exercício profissional,

planear e avaliar a prestação de serviços e actividades de saúde, formar e investigar no

campo da saúde e celebrar convénios de âmbito distrital com entidades não integradas

no SNS (Gomes, 1987). Esta legislação foi entretanto revogada tendo sido criadas, pelo

Estatuto do SNS, as novas administrações regionais de saúde, com um âmbito regional,

mais alargado e regulamentadas pelo Dec.Lei nº 335/93, de 29 de Setembro, sendo cinco

as actuais regiões de saúde do continente português: Norte, Centro, Lisboa e Vale do

Tejo, Alentejo e Algarve.

Os centros de saúde (CS) de “segunda geração” (Branco, 2001), ou integrados, foram

estruturados segundo o Despacho Normativo nº 97/83, de 22 de Abril – Regulamento dos

centros de saúde, que definia o CS como unidade integrada, polivalente e dinâmica

prestadora de cuidados primários, que visava a promoção e a vigilância da saúde, a

prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença, dirigindo-se, globalmente, a sua

acção ao indivíduo, à família e à comunidade.

Assim, em 1983 foram criados os chamados “centros de saúde integrados”, resultantes

da simples mistura das principais vertentes assistenciais extra-hospitalares preexistentes

(centros de saúde, postos dos serviços médico-sociais e hospitais concelhios). Esta

segunda geração de CS herdou das anteriores estruturas todos os recursos e património

físico e humano, assim como duas culturas organizacionais distintas. O único elemento

novo introduzido neste modelo foi a carreira médica de clínica geral (Branco, 2001).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

50

A nível central, este processo de fusão de duas linhas de serviços conduziu à criação da

Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (Gomes, 1987). A variação de atitudes

e práticas organizacionais nos diversos centros, evidenciada na descrição de

experiências e em questionários diversos, reflectia as influências, de peso variável, das

instituições preexistentes e da fragilidade da gestão, apoio e acompanhamento deste

processo de mudança (Sakellarides, 1984). Na prática, e de um modo geral, este

processo de fusão conduziu a uma maior racionalidade formal na prestação de cuidados

de saúde e na optimização de recursos, mas não conseguiu melhorar com consistência

algumas das virtudes dos componentes anteriores, nomeadamente: a) A grande

acessibilidade a consultas e a visitas domiciliárias oferecida pelos serviços médico-

sociais; b) A programação com objectivos de saúde e procedimentos preventivos e de

vigilância de saúde normalizados que caracterizavam as actividades dos centros de

saúde, com sucessos objectivados em diversas áreas, nomeadamente na área materno-

infantil (Sakellarides, 1979). O modelo organizativo dos centros de saúde de “segunda

geração” permitiu a afirmação da identidade das diversas linhas profissionais, em

especial da carreira médica de clínica geral, mas logo se mostrou desajustado em

relação às necessidades e expectativas dos utentes e das comunidades (Ramos, 1994-

1995). A prazo, este modelo organizativo, somado ao normativismo e tutela centralista

distante das sub-regiões e administrações regionais de saúde, tem contribuído para a

insatisfação, exaustão e desmotivação de muitos dos seus profissionais de saúde

(Branco, 2001).

O debate sobre a reorganização e reorientação dos cuidados de saúde primários (CSP)

em Portugal tem acompanhado a evolução destas duas gerações de CS. As críticas,

sugestões de mudança e propostas alternativas ao modelo organizativo e gestionário dos

“centros de saúde integrados” datam do próprio ano da sua criação, isto é 1983, e têm

evoluído desde então com base na experiência vivida e no estudo de experiências

equivalentes noutros países (Branco, 2001).

Entre 1989-1991, a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral conduziu uma

séria de debates e consultas aos associados, que deram origem a um conjunto de ideias

e de propostas, reunidas pela direcção nacional, no então designado “livro azul”, que

compilou as principais tendências nacionais, e internacionais, para o desenvolvimento

dos CSP em Portugal (APMCG, 1991).

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

51

O “livro azul” destaca como aspectos essenciais que deveriam ser melhorados: o perfil

profissional, o regime de trabalho, o sistema retributivo e as condições de atendimento

(Nogueira, 2003).

Em 1996 foram iniciados projectos e iniciativas experimentais de inovação organizativa,

visando explorar outros caminhos para reorganizar a prestação de cuidados aos

cidadãos. O “projecto alfa” foi um exemplo, que surgiu na região de saúde de Lisboa e

Vale do Tejo, para descongelar o esquema monólito do SNS, e estimular as ideias e

iniciativas dos profissionais para que aproveitassem melhor a capacidade e meios

instalados nos centros de saúde (CS). Em Março de 1996, a equipa em funções na

Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo lançou o desafio aos médicos

de família do SNS e aos outros profissionais dos CS no sentido de “se assumirem, em

pequenos grupos, como os principais responsáveis pela organização e prestação de

cuidados de saúde primários no âmbito do SNS, garantindo mais satisfação a todas as

partes envolvidas” (Pereira, 2003). Foi dada “autorização” à criatividade, à ousadia

inovadora e à tenacidade de pequenos grupos de profissionais, permitindo-lhes criar

novos modelos de trabalho em grupo e em equipa multiprofissional (Alves, 2000). O

edifício hierárquico e burocrático do SNS resistiu a esta primeira incursão, mas não

conseguiu impedir que 15 grupos tivessem iniciado as suas experiências. A maioria

destes grupos ainda hoje se mantêm em actividade. Os projectos foram amplamente

avaliados, quer internamente, quer por entidades externas, e foram tema para trabalhos e

dissertações académicas (Branco, 2001; Pereira, 2003; Biscaia, 2008).

A avaliação do “projecto alfa” apontou para a necessidade de estudar formas retributivas

mais justas. Isto é, que permitam recompensar os que mais e melhor trabalham. Este

facto forneceu argumentação técnica e política para ensaiar novas formas remuneratórias

nos centros de saúde. O “regime remuneratório experimental dos médicos de clínica

geral” foi aprovado em 1998, consagrando, em diploma legal, alterações na organização

do trabalho semelhantes às do “projecto alfa”, introduzindo uma modalidade

remuneratória médica associada à quantidade de trabalho e qualidade de desempenho

profissional e rompendo com o modelo salarial tradicional da função pública (Dec-Lei nº

117/98, de 5 de Maio).

Paralelamente, foi lançado o debate sobre a descentralização da gestão das sub-regiões

de saúde para os CS, combinada com a reorganização interna dos CS, associando a

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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autonomia à responsabilidade dos profissionais na realização das estratégias e dos

objectivos comuns (Branco, 2001).

Em 1997 e 1999 foram criadas as agências de acompanhamento e de contratualização,

formalizando a separação entre o financiamento e a prestação de serviços de saúde,

uma por cada região de saúde (agências de acompanhamento dos serviços de saúde,

Decreto Normativo nº 46/97, de 8 de Agosto; agências de contratualização dos serviços

de saúde, Despacho Normativo nº 61/99, de 12 de Novembro). No ano de 1998

iniciaram-se as discussões dos contratos-programa dos hospitais e, no ano seguinte, na

região de saúde de Lisboa e Valo do Tejo, o mesmo processo para os centros de saúde

(Biscaia, 2008).

Em 1999 foi aprovada, pelo governo socialista, legislação sobre os centros de saúde (CS)

de “terceira geração” (Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio) com autonomia e hierarquia

técnica e que organizava a estrutura assistencial em unidades operativas com missões

complementares (Branco, 2001). No entanto, esta legislação não chegou a ser

implementada e veio mesmo a ser alterada, pelo governo social-democrata seguinte,

através do Dec-Lei nº 39/2002, de 26 de Fevereiro, que por sua vez, através do Dec-Lei

nº 60/2003, de 1 de Abril, criou a “Rede de Prestação de Cuidados de Saúde Primários”,

que também não chegou a ser implementada e, quando se voltou a formar um governo

socialista, foi revogado pelo Dec-Lei nº 88/2005, de 3 de Junho, que repristinou o Dec-Lei

nº 157/99. E, por força do Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, os CS regulados pelo

Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio, alterado pelo Dec-Lei n.º 39/2002, de 26 de Fevereiro,

e repristinado pelo Dec-Lei nº 88/2005, de 3 de Junho, deixaram de estar sujeitos a esse

diploma a partir de 1 de Março de 2009, momento em que foram integrados nos

agrupamentos de centros de saúde (ACES), através da Portaria nº 274/2009, de 18 de

Março.

As unidades de saúde familiar (USF), previstas no Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio, e

criadas pelo Dec-Lei nº 298/2007, de 22 de Agosto, visam a modernização organizativa e

técnico-científica dos CSP nas instituições públicas do SNS (Ramos, 2005), quebrando a

prática a “solo”, que é psicologicamente perigosa para o médico de família e pode ser

perigosa para os pacientes. As USF enquanto modalidade de organização do trabalho

em CSP estão em consonância com as tendências internacionais de redução acelerada

da “solo practice” (prática profissional individual), substituindo-a pelas “group practices”

(Branco, 2001; Ramos, 2004).

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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A prática médica isolada tem, cada vez mais, inconvenientes e perigos sérios. A vivência

científica e uma razoável actualização de conhecimentos requerem uma cultura de grupo,

com discussão regular das situações dos pacientes, com a análise inter-pares de práticas

e procedimentos (Branco, 2001).

As unidades de cuidados na comunidade (UCC) criadas pelo Dec-Lei nº 28/2008, de 22

de Fevereiro, e regulamentadas pelo Despacho nº 10143/2009, de 16 de Abril, são,

talvez, a novidade mais visível da reorganização dos cuidados de saúde primários (CSP).

Enquanto as USF visam aperfeiçoar a prestação de cuidados de medicina familiar num

contexto de grupo e equipa, as UCC são uma inovação estrutural que pode modificar

radicalmente a imagem e o papel dos CSP junto das populações.

Um dos problemas da “segunda geração” de centros de saúde (CS) é a tendência para

se virarem sobre si próprios, encerrando-se nas suas paredes. Esta tendência tem

causas diversas, a começar pela própria estrutura organizativa, com uma lógica de

segmentação profissional. É certo que há CS que têm projectos e intervêm

sistematicamente na comunidade. Mas, infelizmente, não constituem a regra e fazem-no

à custa de muito voluntarismo e carolice de um número restrito de profissionais (Branco,

2001).

A reorganização estrutural prevista no Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, pode

impulsionar uma nova postura e dinâmica dos CSP, orientando-os para a sua missão na

comunidade e para os tipos de intervenção e cuidados a assegurar. As unidades

operativas propostas podem facilitar, consolidar e generalizar as boas experiências e as

melhores práticas que hoje já acontecem no terreno, apesar dos obstáculos e das

dificuldades estruturais. Estão também na linha das tendências verificáveis nos cuidados

de saúde primários dos países desenvolvidos (Branco, 2001).

Por exemplo, as USF e as UCC combinam duas abordagens complementares: uma

privilegia a liberdade de escolha do médico, mas pode levar a grande dispersão

geográfica; a outra intervém de forma sistemática e continuada por pequenas áreas

geográficas. As UCC são, assim, como que os “braços” pró-activos do CS junto da

comunidade, identificando pessoas, famílias e grupos em situação de maior necessidade

e vulnerabilidade. Identificam e mobilizam recursos de proximidade e recorrem aos

apoios existentes no ACES e no sistema de saúde (Branco, 2001).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

54

As unidades de saúde pública (USP) permitem cumprir a vocação populacional e de

preocupação com a saúde colectiva. São o elo de ligação e de entrosamento dos

agrupamentos de centros de saúde (ACES) com a restante rede infra-estrutural da saúde

pública, que está a ser estruturada por círculos de âmbito local, regional, nacional e

internacional (Branco, 2001).

As restantes unidades funcionais previstas no Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro,

visam completar a funcionalidade e capacidade de resposta dos ACES em relação às

necessidades da população. Todas as unidades são multiprofissionais, embora numas

predominem os conhecimentos e práticas de medicina geral e familiar (MGF), caso das

USF e das unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP); ou os conhecimentos

e práticas de enfermagem comunitária e de família, caso das UCC; ou da teoria e

práticas de saúde pública nas suas diversas vertentes e competências profissionais. O

que está em causa é servir os pacientes e a comunidade, e não afirmar protagonismos

de grupos profissionais (Branco, 2001).

Um dos desafios à imaginação, criatividade e capacidade de organização dos

profissionais é o de encontrarem modalidades de entrosamento e cooperação entre as

várias unidades funcionais. Por exemplo: como articular eficazmente o trabalho das USF

e das UCSP com o das UCC?

É absurdo pretender que alguém escreva normas sobre o que deve acontecer em

realidades que variam de local para local e, no mesmo local, consoante o momento e os

recursos disponíveis. A lógica dos serviços estanques tem de dar lugar a modalidades de

trabalho orientadas para as necessidades dos pacientes e para servir a população. Esta

é uma área para intenso estudo, debate, experimentação, avaliação e divulgação de

ideias, experiências e resultados obtidos no terreno. Tudo isto pressupõe um processo de

mudança progressiva e coerente, com informação, debate e envolvimento alargados e

rigorosos dos profissionais.

Desde a promoção da saúde até à emergência médica, passando pelos aspectos

relacionados com a prevenção da doença, a abordagem da doença crónica e os cuidados

na doença aguda não emergente, a saúde é uma responsabilidade partilhada por

diversos actores sociais, a maioria dos quais exteriores ao chamado sector da saúde

(Branco, 2001).

Page 65: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

55

A reforma dos cuidados de saúde primários (CSP) pressupõe, nos tempos actuais, uma

maior diversidade de oferta de cuidados e uma crescente possibilidade de escolha por

parte dos cidadãos. Há profissionais que se adaptam e trabalham bem como

trabalhadores dependentes. Há outros que se realizam e produzem melhor como

empreendedores. O sistema de saúde português, que é universal, deve poder contar com

o melhor de todos os sectores. Pelo que a possibilidade que o modelo C das USF oferece

(Despacho nº 24101/2007, de 22 de Outubro), modelo experimental, a regular por

diploma próprio, e que abrange os sectores social, cooperativo e privado, articulados com

o ACES, mas sem qualquer dependência hierárquica deste, baseando a sua actividade

num contrato-programa estabelecido com a respectiva ARS, através do departamento de

contratualização, e sujeitas a controlo e avaliação externa desta ou de outras entidades

autorizadas para o efeito, com a obrigatoriedade de obter a acreditação num horizonte

máximo de três anos, pode ampliar a possibilidade de escolha dos cidadãos, introduzir

um elemento concorrencial regulado entre os prestadores do SNS e complementar a

capacidade de oferta dos serviços com propriedade pública.

Vítor Ramos (2004) cita Armando Brito de Sá, que considera ter chegado o momento “de

reunir esforços e lançar a terceira vaga dos cuidados de saúde primários: aquela na qual

os médicos de família arriscam ser profissionais independentes, estabelecendo com o

Estado um contracto de prestação de serviços, enquadrado conceptualmente pela

medicina geral e familiar”.

A organização e a gestão determinam o desempenho do sistema através dos seus

profissionais, dos seus conhecimentos, empenho e acção. Por isso, o essencial é

conseguir desenvolver e aproveitar bem as capacidades e as potencialidades humanas

existentes. Está em causa a criação de um dispositivo de gestão com autonomia e

responsabilização cujo cenário de aplicação e desenvolvimento se caracteriza por:

a) Uma estrutura descentralizada, baseada numa rede de equipas multiprofissionais, na

linha da frente, instituindo estas equipas como princípio estrutural permanente dos

agrupamentos de centros de saúde, e não como modalidade ad hoc;

b) Uma hierarquia técnica, cuja missão essencial é a de harmonizar a intervenção das

diversas equipas e desenvolver dinâmicas de melhoria contínua da qualidade;

c) Uma equipa de gestão, de apoio ao trabalho das equipas e de coordenação e coesão

institucional.

Page 66: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

56

Este cenário está claramente em contracorrente em relação à cultura burocrática

centralista de comando e controlo enraizada entre nós desde há muitos anos. É um

desafio que requer uma intensa e persistente dinâmica de formação, experimentação,

avaliações continuadas e ajustes no terreno. E a experiência já demonstrou que a

mudança organizacional nos cuidados de saúde primários não pode ser implementada

por via normativa “clássica” (Branco, 2001).

Page 67: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

57

2.3. OS PROFISSIONAIS NUCLEARES DOS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

2.3.1. O MÉDICO DE FAMÍLIA

Em 1978, o segundo governo constitucional decidiu universalizar o acesso à saúde, a

todos os portugueses, fossem ou não trabalhadores por conta de outrem e beneficiários

da segurança social. Qualquer cidadão português, passava assim a poder ser assistido

de forma universal e gratuita nos postos dos então serviços médico-sociais da

previdência (Campos, 2008).

É neste contexto que pela primeira vez surge a necessidade de um novo tipo de médico

que, à semelhança do que acontecia noutros países mais evoluídos (EUA, Reino Unido,

Canadá, Holanda, Dinamarca e Noruega, entre outros) (McWhinney, 1994), assumisse os

cuidados aos cidadãos numa perspectiva personalizada. São vários os profissionais que

nessa época defendem a estruturação de uma carreira e a definição de um perfil

profissional. Em 1979 têm lugar diversos seminários e acções de consultadoria, com a

participação de clínicos gerais do Royal College of General Practitioners do Reino Unido,

do Instituto de Clínica Geral da Universidade de Oslo e de instituições congéneres

holandesas. Um desses seminários teve lugar na Escola Nacional de Saúde Pública, de

16 a 20 de Abril de 1979, sobre “O papel do clínico geral em cuidados de saúde

primários” (Tavares, 1997). O relatório final seria designado por “Relatório Horder” e

constituiu um marco no lançamento da clínica geral em Portugal (Horder, 1997, 2004).

Nele eram sugeridos os seguintes princípios (Horder, 1997, 2004):

1. Que os cuidados de saúde em Portugal deviam estar ao alcance de todos,

serem capazes de responder às necessidades da população, conciliarem

prevenção com tratamento e cura, serem assegurados por uma equipa que

inclua sempre médicos de clínica geral e enfermeiros de saúde pública.

Conforme o tamanho da comunidade, a equipa podia integrar um médico de

saúde pública e, às vezes, um pediatra.

2. Que os médicos de clínica geral deviam ser formados para oferecerem um

tratamento mais amplo e não restrito a um sistema orgânico, uma técnica ou

grupo etário; que fosse acessível como primeiro contacto, no domicílio do

doente, se necessário e possível, mas garantindo continuidade de cuidados.

Page 68: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

58

Estes médicos deveriam assumir responsabilidade por uma comunidade

definida e a sua formação deveria incluir medicina preventiva e saúde

ambiental. Deveriam ser pagos por salário. Para atrair os melhores estudantes

de medicina, era fundamental que a remuneração não fosse inferior à dos

especialistas hospitalares.

Ainda em 1979 o Ministério dos Assuntos Sociais publica o documento “A Carreira

Médica nos Serviços Públicos de Saúde: 1. O médico de clínica geral. 2. O médico de

saúde pública” e o Dec-Lei nº 519-N1/79, de 29 de Dezembro, que cria a clínica geral

como ramo da carreira médica. Neste diploma era definido o respectivo perfil profissional

e atribuições (Jordão, 2003). Mas, veio a ser revogado pelo Dec-Lei nº 81/80, de 19 de

Abril, e foi a Portaria nº 444-A/80, de 28 de Julho, que institui e regulamenta “uma nova

modalidade do exercício da medicina — carreira de generalista — consagrada ao

exercício das funções da clínica geral” e em 1981 tem início o internato da especialidade

de generalista (Portaria nº 357/80, de 28 de Junho).

Em 1982, é publicado o decreto-lei que regulamenta as carreiras médicas (Dec-Lei nº

310/82, de 3 de Agosto), aonde o perfil profissional do médico de clínica geral é definido

de uma forma que se aproxima muito do que defendiam alguns médicos, organizados no

embrião do que viria a ser a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral

(APMCG), nascida em 1983 (APMCG, 1991). O referido decreto prevê a criação de

Institutos que “proponham programas e desenvolvam sistematicamente acções de

formação e actualização” quer para os internos, quer para os médicos que pretendam

seguir a nova carreira, sendo então criados os Institutos de Clínica Geral (Jordão, 1995,

2003).

Nos novos centros de saúde (CS), nascidos da integração dos antigos postos dos

serviços médico-sociais nos CS criados em 1971, são colocados num curto espaço de

tempo vários milhares de clínicos gerais, a maioria dos quais inicia as suas funções sem

terem tido qualquer processo de formação de acordo com o perfil definido no Dec-Lei nº

310/82, de 3 de Agosto. Houve, contudo, um grupo de médicos que iniciaram um

processo de formação que era já um esboço de uma formação complementar específica

em clínica geral – o internato complementar de clínica geral.

Portanto, em 1982 foi criada a carreira médica de clínica geral pelo Dec-Lei nº 310/82, de

3 de Agosto – diploma das carreiras médicas, foi constituído o colégio da especialidade

de clínica geral (mais tarde medicina geral e familiar) da Ordem dos Médicos e em 1983

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

59

foi fundada a APMCG – Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, que se

transformou ao longo de 25 anos na maior associação médica de inscrição não

obrigatória, tendo como sócios fundadores, entre outros, António Branco, Maria Madalena

Mourão, Maria José Tovar, Vítor Serra, Vítor Ramos, Zaida Azeredo, Joaquim Saraiva

(Tavares, 1997). Após as primeiras eleições, ocorridas a 14 de Janeiro de 1984, o

primeiro presidente da assembleia geral, foi o Prof. Doutor Nuno Grande, o presidente do

conselho fiscal, o Dr. Joaquim Saraiva e o primeiro presidente da direcção nacional o Dr.

Mário Moura, seguindo-se-lhe o Dr. Luís Pisco (Pisco, 2003).

Em 1984 teve lugar em Évora o “Encontro Internacional de Clínica Geral”, organizado

pela APMCG, com a colaboração activa de figuras de relevo da clínica geral europeia

(Tavares, 1997; Jordão, 1995, 2003; Horder, 2004). Nesse mesmo ano a APMCG faz

publicar o primeiro número da “Revista Portuguesa de Clínica Geral”, um espaço de

reflexão, de formação e de investigação ainda hoje de referência no âmbito nacional e

internacional (Tavares, 1997; Pisco, 2003; Sá, 2003).

O perfil profissional do clínico geral, ou médico de família (MF), e a especialidade, em

Portugal designada por medicina geral e familiar (MGF), estão largamente definidos em

documentos oficiais ou particulares publicados no nosso país (Dec-Lei nº 310/82, de 3 de

Agosto; Dec-Lei nº 70/90, de 6 de Março; APMCG, 1991; Ordem dos Médicos – Colégio

de Medicina Geral e Familiar, 1995; Sá, 1995) e têm igualmente sido descritos e

propostos por diversas organizações internacionais, tais como a World Organization of

Family Doctors e a European Academy of Teachers in General Practice (Leeuwenhorst,

1974; WONCA, 1991; Olesen, 2000; WONCA – Europa, 2002, EURACT, 2005).

A medicina geral e familiar (MGF) é, antes de tudo, uma “medicina da pessoa”. Cada

cidadão deve ser compreendido e atendido na sua globalidade biológica, psicológica,

social e cultural (APMCG, 1991; WONCA, 1991; Pinto, 1991; WONCA – Europa, 2002;

Ramos, 2004; EURACT, 2005).

A “família” continua a ser um contexto fundamental a ter em conta na compreensão dos

fenómenos de saúde e doença de cada indivíduo, o adoecer na família, a família face à

doença, a família como geradora ou modeladora dos fenómenos de doença, a família

doente, etc. Nessa perspectiva, a clínica geral continua-se e aprofunda-se na “medicina

familiar” (Mendes, 1984; APMCG, 1991; WONCA, 1991; Sá, 1995; Rebelo, 2003, 2007;

Ramos, 2004).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

60

Uma vez que os indivíduos e as famílias se inserem num sistema social mais vasto, é

importante perceber as influências do meio envolvente, consideradas numa perspectiva

comunitária. O sistema de saúde deve orientar-se pelos problemas e pelas necessidades

de saúde das comunidades locais, regionais e nacional. Isto implica a definição correcta

dos objectivos de saúde a atingir (APMCG, 1991; WONCA, 1991; WONCA – Europa,

2002; Ramos, 2004; EURACT, 2005).

Evidencia-se, deste modo, que esta especialidade aborda a “pessoa” enquadrada numa

“família” e vivendo numa “comunidade”. O perfil profissional e técnico-científico do médico

de família (MF) deverá ser definido de forma a que ele possa ser o médico a quem a

pessoa recorre em primeiro lugar. O MF deverá ser o mais possível o médico de primeiro

contacto, quando alguém se sente doente ou quer cuidar da saúde, deverá sempre tentar

falar primeiro com o seu médico (APMCG, 1991; WONCA, 1991; WONCA – Europa,

2002; Ramos, 2004; EURACT, 2005; Hespanhol, 2005).

Um dos fundamentos da MGF é a liberdade de escolha do médico por parte dos

indivíduos e/ou das famílias, infelizmente nem sempre respeitada no nosso sistema de

saúde. É fundamental para que possa ser criada e mantida uma boa relação médico-

paciente que cada cidadão possa escolher livremente o médico com quem irá

estabelecer uma ligação duradoura. O paciente deverá sentir que escolheu o seu médico,

tenha sido por acaso ou porque soube que era competente e, apesar de poder realmente

mudar para outro, não o quer fazer. A escolha do mesmo médico pelos restantes

elementos da família deverá surgir naturalmente; poderá mesmo ser recomendada, mas

nunca forçada por qualquer decisão burocrático-administrativa ou coacção psicológica

(Sousa, 2001; Simões, 2008).

A existência de listas de pacientes, que é uma particularidade de certos sistemas de

saúde e de organização dos cuidados de saúde primários, foi o modelo adoptado em

Portugal. Este sistema facilita os cuidados continuados e longitudinais, as actividades

antecipatórias de prevenção e promoção de saúde, permite ainda ao paciente conhecer o

seu médico de família (MF) e a este conhecer os cidadãos sob a sua responsabilidade

(Sousa, 2001; Simões, 2008).

Outros princípios essenciais da MGF são a universalidade e a equidade. Todos os

cidadãos, independentemente das suas condições ou características, devem ter acesso

aos cuidados de saúde de que necessitam, seja qual for a forma de financiamento do

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

61

sistema e o modelo de organização da prestação de cuidados (Sousa, 2001; Ramos,

2004).

A MGF deve basear a sua actuação numa perspectiva de promoção da saúde e de

prevenção da doença. Ambas visam a elevação dos níveis de saúde das pessoas, das

famílias e das comunidades através de uma intervenção mais activa de educação para a

saúde, papel que cabe a toda a sociedade, mas que pode e deve ser desenvolvido a

nível individual ou colectivo pelos diversos profissionais de saúde, entre os quais os MF.

De acordo com Jaime Correia de Sousa e colaboradores (2001) o médico de família

(MF):

— É um profissional com habilitação específica para prestar com independência e

autonomia cuidados assistenciais aos indivíduos e famílias que o escolham como seu

médico assistente. Os pacientes deverão entender a ideia de competência técnico-

científica pela percepção de que vão a este médico porque ele é capaz de resolver a

maior parte dos seus problemas de saúde e resolvê-los bem;

— Deve exercer a sua acção integrado numa perspectiva multidisciplinar de trabalho em

equipa;

— Orienta a sua actuação para a pessoa total, independentemente da idade ou sexo, e

lida com todo o tipo de problemas de saúde – globalidade. Este conceito deve ser

completado pelo conceito de amplitude, definido pelo espectro de cuidados prestados,

pelo “leque de oferta”, bem como pelo limiar de referência e pela ligação a outros

médicos e a outros profissionais de saúde;

— Deverá dominar um conjunto de métodos e técnicas de relação e comunicação

médico-paciente e seleccioná-los em face de cada situação e contexto; deverá ser

simpático (empático), saber ouvir o paciente, interessar-se pelos seus problemas e

procurar perceber o que este sente e o que tem;

— Aborda situações de patologia crónica múltipla e/ou em que coexistem vários

problemas de saúde de natureza diversificada. Com o envelhecimento da população, as

doenças crónicas mais frequentes na comunidade constituem, aliás, uma das áreas de

actuação mais importantes e de magnitude tendencialmente crescente da actividade dos

médicos de família em todo o mundo;

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

62

— Utiliza, sempre que necessário, métodos e técnicas de avaliação familiar;

— Actua, na promoção da saúde, na prevenção da doença, no diagnóstico, no tratamento

e na reabilitação e reinserção na comunidade;

— Deve preocupar-se em prestar aos seus pacientes os cuidados que estes necessitam

ou julgam necessitar com a maior brevidade possível, nas condições mais favoráveis, no

consultório ou no domicílio do paciente, incluindo a prestação e organização de cuidados

nas chamadas “horas incómodas” – acessibilidade. Esta definição conceptual de

acessibilidade tem encontrado diversos obstáculos organizativos, funcionais e logísticos à

sua plena concretização, decorrentes do enquadramento contratual da carreira médica de

clínica geral, do sistema retributivo, dos hábitos e rotinas dos profissionais, do modelo

funcional dos centros de saúde, das expectativas dos utentes e do deficiente

funcionamento da equipa de saúde;

— Deverá oferecer aos seus pacientes continuidade de cuidados assistenciais,

entendendo-se isto como o assumir da responsabilidade personalizada de cuidar do

cidadão, que livremente o escolheu, ao longo do tempo e independentemente do

problema de saúde que apresenta – “os meus cuidados de saúde melhoram porque

consulto o mesmo médico sempre que é possível e, quando não é, sou atendido por um

colega que trabalha de forma parecida e usa a mesma ficha clínica”. A necessidade de

referência a outro nível de cuidados ou a ausência temporária do médico não contrariam

este princípio, que deverá ser assegurado através de mecanismos de intersubstituição

temporária. Como consequência da necessidade esporádica de fazer uma referência,

nasce o conceito de coordenação de cuidados – “quando é necessário, este médico é

capaz de me enviar a outros médicos ou a outros profissionais e, depois, interessa-se

pelo resultado e organiza a continuação dos tratamentos”. Um outro conceito, o de

longitudinalidade, pode ser traduzido por “já sou doente deste médico há vários anos e

ele, melhor do que ninguém, sabe o que eu tenho; já passámos por muita coisa juntos”.

Além disso, este médico conhece bem o paciente e a sua família, percebe as suas

necessidades e mantém toda a informação na ficha clínica, tendo assim um importante

conhecimento acumulado;

— Usa métodos de recolha, sistematização, anotação e utilização da informação clínica

adequados à complexidade da sua prática profissional – sistema de informação;

Page 73: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

63

— Assegura uma gestão eficiente da sua prática clínica tendo em conta as necessidades

de saúde dos seus utentes.

A perseguição destes objectivos tem sido, ao longo dos últimos vinte e sete anos, um

processo longo e difícil. Mais do que descrever as definições conceptuais dos atributos

dos MF, será interessante verificar até que ponto se conseguiu que isso se traduza, na

prática, em um exercício profissional de qualidade e, além disso, se os MF conseguiram

responder às expectativas dos cidadãos. Se sim, um dos factores importantes de

sucesso da profissão estará assegurado.

2.3.2. O ENFERMEIRO DE FAMÍLIA

Numa perspectiva internacional, a área da saúde, decorrente das determinações da

Organização Mundial de Saúde (OMS) para a região Europa, está em processo de

mudança, o que traz novas perspectivas para os profissionais que até ao presente têm

conseguido, melhor ou pior, funcionar em cenários clássicos que, por razões e interesses

diversos, se foram perpetuando (WHO, 2001).

A enfermagem não é excepção; antes pelo contrário, uma vez que lhe são colocados

contextos e desafios que, a curto prazo, irão muito para além dos modelos tradicionais

nos quais têm vindo a funcionar, quer ao nível da formação, quer ao nível dos diferentes

locais de trabalho. Estes modelos têm-se mantido, umas vezes, porque essa realidade é

imposta e, outras, porque têm tido alguma dificuldade em separar-se de um passado

longo e das suas consequências, na sua autoconstrução. Isto tem condicionado a sua

forma de estar e de procurar formas inovadoras de fazer pesar as suas potencialidades

face aos actuais problemas de saúde e aos contextos em que se prestam cuidados

(Correia, 2001).

A ideia de uma “enfermagem de família” centrada no trabalho com as famílias já vem de

há muito a ser teorizada e praticada pelos núcleos inovadores da enfermagem em

cuidados de saúde primários (CSP), mas recebeu novo impulso na Conferência Europeia

de Munique (WHO, 2000).

Em Portugal a enfermagem é hoje reconhecida como uma profissão que se impôs de

forma decisiva nos últimos trinta anos. No entanto, dos cerca de 44.000 enfermeiros

existentes em Portugal em 2005, só cerca de 16% exerciam funções nos CSP (Simões,

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

64

2007) e apenas 12% eram enfermeiros com a especialidade de saúde

pública/comunitária.

Em CSP, a enfermagem integra o processo de promoção da saúde e prevenção da

doença, evidenciando-se nas actividades de educação para a saúde, manutenção,

restabelecimento, coordenação, gestão e avaliação dos cuidados prestados aos

indivíduos, famílias e grupos que constituem uma dada comunidade (Correia, 2001).

A enfermagem de família é uma prática continuada e globalizante dirigida a todos os

indivíduos ao longo do seu ciclo de vida e desenvolve-se em diferentes locais da

comunidade. Poder-se-á dizer que é um serviço centrado em famílias, que respeita e

encoraja a independência e o direito dos indivíduos e famílias a tomarem as suas

decisões e a assumirem as suas responsabilidades em matéria de saúde até onde forem

capazes de o fazerem. Resumindo, é “trabalhar com as famílias” de forma a ajudá-las a

desenvolverem capacidades para o desempenho adequado e eficiente das suas funções

(Correia, 2001).

A sua prática é de complementaridade com a dos outros profissionais de saúde e

parceiros comunitários, responsabilizando-se por identificar as necessidades dos

indivíduos/famílias e grupos de determinada área geográfica e assegurar a continuidade

dos cuidados, estabelecendo as articulações necessárias.

A actuação dos enfermeiros em cuidados de saúde primários situa-se assim em duas

áreas distintas, a da saúde pública e a da saúde familiar, em parte por herança histórica,

mas considerando também os problemas de saúde nacionais, as orientações políticas

internacionais, nacionais e regionais, a formação e a evolução da profissão.

Reconhece-se que o enfermeiro detém um lugar privilegiado nos modelos de equipa

pluridisciplinar de saúde que têm sido experimentados entre nós devido às múltiplas

oportunidades que tem de conhecer as famílias e os seus “estilos de vida” durante o

atendimento das suas necessidades de saúde, assim como dos recursos comunitários.

Estas oportunidades conferem-lhe o papel de agente facilitador da mudança que se

pretende efectuar.

Trabalham integrados em programas ou projectos no centro de saúde (CS), no domicílio

ou em grupos institucionalizados da zona de implantação geográfica do CS, como

promotores ou participantes, a título individual e/ou de forma articulada em grupos

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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multidisciplinares e, por vezes, transectoriais, junto de pessoas, famílias e grupos da

população.

Presentemente congregam esforços para adoptarem internacionalmente uma linguagem

profissional comum e uma classificação das suas práticas. Para isso estão a ser testados

os fenómenos e as intervenções de enfermagem, pretendendo-se avançar para os

resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem. Em Portugal está em curso, o registo

sistemático dos cuidados prestados no programa nacional de vacinação no programa

SINUS, e em muitos locais o uso do programa SAPE, o módulo clínico de enfermagem.

Os enfermeiros em cuidados de saúde primários (Correia, 2001):

— São responsáveis pela execução do Plano Nacional de Vacinação;

— Partilham a responsabilidade epidemiológica com as autoridades de saúde,

identificando precocemente “novos casos”, sobretudo os detectados em grupos

comunitários;

— Efectuam inquéritos epidemiológicos, contribuindo para o diagnóstico e controlo da

situação sanitária do ponto de vista endémico e epidémico;

— Efectuam vigilância de saúde a grupos vulneráveis, segundo padrões de

comportamento ou problemas específicos ou com disfuncionalidades familiares e/ou

sociais, em aspectos ligados à saúde materna, infantil e escolar, à adolescência e às

doenças transmissíveis mais relevantes;

— Estão próximos das famílias a vivenciar processos de saúde/doença com vista à

promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença, readaptação funcional e

reinserção social em todos os contextos de vida;

— Estão próximos dos emigrantes e imigrantes, dando apoio e orientação em questões

de saúde;

— São promotores ou respondem às solicitações do poder autárquico local ou de

associações de bairro, bem como a iniciativas empresariais, no âmbito da saúde no

trabalho;

— Contribuem para a detecção precoce da doença através da realização de rastreios;

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

66

— Trabalham em articulação, sobretudo com instituições governamentais, nas áreas da

educação e da segurança social, mas também com associações na vigilância,

acompanhamento e/ou execução do programa de tratamento instituído, de doenças

infecciosas, oncológicas, mentais, entre outras;

— Integrados em movimentos sinergéticos transectoriais, participam em programas e

projectos específicos, estabelecidos em rede ou em parceria.

A “primeira geração” de centros de saúde estava orientada para a saúde pública e para a

medicina preventiva. Era organizada por valências e dava prioridade à saúde materno-

infantil.

A partir de 1983, a “segunda geração” de centros de saúde integra a primeira rede de

centros de saúde com os postos dos ex-serviços médico-sociais e implementa a carreira

médica de clínica geral. Estes centros são organizados por serviços e grupos

profissionais.

Os problemas de saúde comunitários e a evolução da prestação dos cuidados de saúde

exigem hoje a reorganização das instituições e de métodos de trabalho, enfatizando a

constituição de equipas multidisciplinares para optimizar as respostas às necessidades

da população.

O sentido da mudança é enquadrado pelo Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, que

preconiza uma organização descentralizada. Neste sentido, esta reestruturação cria,

entre outras, a unidade de cuidados na comunidade (UCC).

Esta unidade é constituída por uma equipa multidisciplinar, articula-se, sobretudo, com as

unidades de saúde familiares (USF), as unidades de cuidados de saúde personalizados e

com a unidade de saúde pública, mobilizando em simultâneo recursos existentes e

pretendendo que integre todas as intervenções comunitárias.

A OMS vem reforçar esta ideia ao introduzir o conceito de enfermeiro de saúde familiar

ou enfermeiro de família (EF), traçando os objectivos para este século, contando com o

seu papel na equipa multidisciplinar (WHO, 2001).

Neste contexto, pretende-se que a UCC se direccione para a comunidade e alcance as

pessoas que apresentam dificuldades para procurarem a ajuda dos serviços de saúde. A

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

67

sua inserção familiar exige uma intervenção de carácter domiciliário e a delimitação de

áreas geográficas.

Assim sendo, deverão ser alvo dos cuidados de enfermagem:

— As famílias com disfunções familiares e/ou sociais que sejam identificadas como

vulneráveis a problemas de saúde;

— As famílias cujo ciclo de vida possa originar risco evolutivo, nomeadamente as

grávidas e recém-nascidos;

— As famílias que vivam crises disruptivas, designadamente por marcada dependência

bio-psico-social, com doença crónica e/ou comportamental, e requeiram

acompanhamento próximo, regular e continuado.

Deste modo, considerando as mudanças no perfil demográfico e nos indicadores de

morbilidade, a emergência das doenças crónicas, que se traduzem em novas

necessidades de saúde e, a natureza dos cuidados de enfermagem (resposta humana às

situações de doença e aos processos de vida), a lógica de referenciação para o

enfermeiro de família (EF) será a correspondente a um grupo de famílias por determinada

área geográfica.

Como tal, a organização dos cuidados de enfermagem deverá ter por base as

necessidades de cuidados das famílias, o que pressupõe assegurar a definição e

permanente actualização do perfil epidemiológico de saúde na perspectiva de

enfermagem, da população utilizadora, o que na assistência no domicílio assume papel

relevante. O desenvolvimento da intervenção dos EF integra-se na resposta

multiprofissional e multidisciplinar que a saúde, enquanto fenómeno multifacetado e de

grande complexidade, exige. Ou seja, o tipo de intervenção, o contexto em que se

desenvolve e a organização do trabalho permitirá que os EF, enquanto membros da

equipa prestadora de cuidados, se articulem com os restantes recursos existentes e

procedam ao encaminhamento para outros profissionais sempre que a situação o exiga.

A enfermagem de família consiste em trabalhar com as famílias, ajudando-as a identificar

problemas e a mobilizar os seus próprios recursos. Deste modo o cuidar da família, como

unidade básica, exige conhecer como esta cuida, identificando as suas dificuldades e

forças, para que se possa ajudar a família a agir no sentido de atender às necessidades

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

68

dos seus membros e alcançar um viver-ser-estar saudável. Assim, os enfermeiros

devem:

— Proceder à inclusão deliberada da família no planeamento e prestação de cuidados ao

cliente;

— Ter a capacidade de levar em consideração as necessidades da família como um

todo, e não apenas as necessidades do indivíduo;

— Reconhecer a importância das crises interpessoais e do seu impacto na saúde da

família;

— Dar ênfase ao estilo colaborativo, que respeita as forças da família e lhes dá apoio

para encontrar as suas próprias soluções para os problemas identificados.

Segundo Friedmann (1998) de acordo com a perspectiva que a família assume, há níveis

de prática de enfermagem familiar que têm implicações nos processos de avaliação e

intervenção familiar, a saber:

Nível I – Família como contexto:

— O objectivo é cuidar um membro da família como foco da nossa intervenção

promovendo o bem-estar individual;

— A família é entendida como recurso e factor de saúde/doença individual.

Nível II – Família como soma das suas partes:

— O objectivo é prestar cuidados à família na sua globalidade;

— O alvo é cada um e todos os membros da família.

Nível III – Subsistema familiar como cliente:

— O alvo é um dos subsistemas familiares;

— O enfermeiro trabalha com dois ou mais elementos da família com o objectivo de obter

a compreensão e apoios mútuos.

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CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

69

Nível IV – Família como cliente:

— O alvo é a família como sistema interactivo;

— O todo é maior do que a soma das suas partes;

— O foco dos cuidados são as dinâmicas internas da família e as suas relações, a

estrutura da família e o seu funcionamento, assim como o relacionamento dos diferentes

sub-sistemas com o todo familiar e com o meio envolvente, e que geram mudanças nos

processos intra-familiares e na interacção da família com o seu ambiente.

O enfermeiro de família (EF) será então responsável por um grupo de famílias,

combinando actividades de promoção da saúde e de prestação de cuidados, actuando no

seio da família e da comunidade, em articulação com todos os sectores. Este papel

multifacetado e a proximidade das famílias colocam o enfermeiro em situação privilegiada

para constituir a “interface” entre todos os profissionais que intervêm no processo dos

cuidados.

Na Declaração de Munique a OMS exorta as autoridades da região europeia (WHO,

2000):

— A garantirem a participação dos enfermeiros na tomada de decisão a todos os níveis

do desenvolvimento e implantação das políticas de saúde;

— A criarem oportunidades para que enfermeiros e médicos estudem em conjunto a nível

da formação inicial e de pós-graduação, para assegurarem maior cooperação e

fomentarem o trabalho interdisciplinar;

— A procurarem oportunidades para estabelecerem e sustentarem programas e serviços

de enfermagem centrados na família, incluindo, quando apropriado, a enfermagem de

saúde familiar;

— A reforçarem o papel dos enfermeiros em saúde pública, na promoção da saúde e no

desenvolvimento comunitário.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

70

Em síntese o médico de família e o enfermeiro de família são os pilares de uma nova

prestação de cuidados de saúde primários que hoje se desenrola em moldes

organizativos radicalmente diferentes do que se verificou no passado. Por estes motivos

é necessário perceber-se as complexas relações éticas que existem neste domínio dada

a diversidade de actores existentes no sector da saúde. E como sugere Rui Nunes é

fundamental a implementação imediata de uma verdadeira “plataforma ética da saúde”

para que os direitos dos doentes não sejam mais uma vez subordinados a interesses

corporativos ou profissionais. (Nunes, 2006). É precisamente sobre esta dimensão ética

que irá versar a segunda parte deste estudo, ou seja a componente empírica desta tese.

Page 81: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA

71

3. ÉTICA

Ao iniciar este capítulo, é útil tecer alguns esclarecimentos sobre a forma como foram

escolhidas as correntes éticas para a presente análise. Ao definir este estudo como uma

investigação empírica e uma abordagem não normativa e descritiva da ética, o seu

propósito não está na busca da validade interna das diversas teorias mas sim em

explorar como estas se apresentam no dia a dia dos profissionais dos cuidados de saúde

primários. Desta forma, as análises aqui desenvolvidas relativizam diversas críticas

dirigidas a cada uma das teorias éticas. Assim, e tendo em atenção essas críticas a

opção tomada foi utilizar como recurso bibliográfico as obras consideradas marcos

iniciais de cada uma das teorias éticas, para a apresentação das correntes éticas

consideradas mais pertinentes na abordagem da prática dos profissionais dos cuidados

de saúde primários, dando preferência, quando possível, à última edição, por se

considerar que nela os autores podem ter incorporado respostas a possíveis críticas

tecidas à sua proposta inicial.

Em consequência, analisou-se para a ética principialista, a quinta edição, editada em

Nova Yorque pela Oxford University Press em 2001, da obra de Tom Beauchamp e

James Childress, «Principles of Biomedical Ethics»; para a ética das virtudes, a terceira

edição, editada em Londres pela Duckworth em 2007, de «After Virtue: A study in moral

theory» de Alasdair MacIntyre; para a ética do cuidado, analisou-se uma reimpressão,

ampliada com a introdução de um novo prefácio, de 1993, da obra «In a Different Voice:

Psychological Theory and Women’s Development» de Carol Gilligan e editada em

Cambridge (Massachusetts) pela Harvard University Press em 1993; para a ética

casuística, analisou-se o livro «The Abuse of Casuistry: A History of Moral Reasoning»

escrito por Albert R. Jonsen e Stephen Toulmin, editado em Berkeley pela University of

California Press em 1988 e a tradução portuguesa do Prof. Doutor Fernando Martins

Vale, da quarta edição da obra «Clinical Ethics. A Pratical Approach to Ethical Decisions»

de Albert R. Jonsen, Mark Siegler e William J. Winslade, «Ética Clínica. Uma Abordagem

Prática de Decisões Éticas em Medicina Clínica» editada em Lisboa pela Mc-Graw-Hill

em 1999; para a ética profissional analisaram-se os Códigos Deontológicos da Ordem

dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros e textos que discutem os fundamentos, o

ensino, a evolução e a prática da deontologia nas profissões da saúde entre outras.

Outro aspecto que é importante evidenciar é que ao optar por «After Virtue» como

recurso bibliográfico para a ética das virtudes, não se desconhece que existem outras

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

72

obras que desenvolvem esta corrente teórica especificamente para a prática da saúde,

como «For The Patient´s Good» de Edmund Pellegrino e David Thomasma e «In

Becoming a Good Doctor: The Place of Virtue and Character in Medical Ethics» de James

Drane. Mas, como referido anteriormente, procurou-se tomar por referência a obra tida

como marco inicial para a inclusão da corrente ética no desenvolvimento da bioética e

atribui-se, pelo menos segundo alguns autores, ao «After Virtue» o estímulo para o

renovado interesse na natureza e significado da ética das virtudes, tendo as obras

mencionadas reflectido sobre a proposta de MacIntyre (Hauerwas, 1995).

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ÉTICA

73

3.1. ÉTICA PRINCIPIALISTA

O modelo principialista é a forma de análise mais difundida na bioética, chegando, por

vezes, a confundir-se com ela. Os seus autores são Tom Beauchamp e James Childress

que propõem quatro princípios como referências orientadoras para a análise dos

problemas éticos: o respeito pela autonomia, a não maleficência, a beneficência e a

justiça. A sua obra «Principles of Biomedical Ethics» teve a sua primeira edição lançada

em 1978 e a quinta em 2001, sendo esta (Beauchamp, 2001) a utilizada para a presente

síntese desta corrente ética.

3.1.1. PARA COMPREENDER O PRINCIPIALISMO

3.1.1.1. ÉTICA, MORALIDADE E MORAL COMUM

Para Tom Beauchamp e James Childress, ética é um termo genérico que abarca vários

modos de entender e examinar a vida moral, distinguindo-se em abordagens normativas

e não normativas (metaética e ética descritiva).

Moralidade refere-se às normas de conduta humana, certa e errada, compartilhadas e

que formam um estável, embora incompleto, consenso social. Conforma, uma instituição

social anterior às reflexões encontradas na ética filosófica ou teológica, abrangendo

diversos padrões de conduta, como os princípios morais, as regras, os direitos e as

virtudes.

Os autores ponderam que todos crescem com um entendimento básico da moralidade,

sendo as suas normas prontamente entendidas, ou seja, todas as pessoas sérias

(“serious persons”) compreendem as dimensões nucleares da moralidade. Sabem que

não mentir; não roubar; manter as promessas; respeitar os direitos dos outros; não matar

e não causar danos às pessoas inocentes são normas basilares e que violá-las sem uma

razão moralmente boa e suficiente, é imoral e deve levar a sentimentos de remorso. A

este conjunto de normas partilhadas pelas pessoas moralmente sérias, os autores

denominam moral comum. Então, a moral comum contém as normas morais que

vinculam todas as pessoas em todos os lugares, não havendo outra norma mais

fundamental na vida moral. E, afirmam ainda que, nos últimos anos, esta dimensão

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

74

nuclear no discurso público é representada pela declaração dos direitos humanos

fundamentais.

Segundo os autores, a moralidade é mais do que a moral comum e as duas não podem

ser confundidas. A primeira pode incluir, entre outros, os ideais morais aceites

voluntariamente por indivíduos ou grupos, as normas que vinculam apenas os membros

de comunidades morais específicas e as virtudes extraordinárias. Por outro lado, a moral

comum somente compreende as normas que todas as pessoas moralmente sérias

aceitam como sendo portadoras de autoridade.

Para Tom Beauchamp e James Childress, se se considerar uma comunidade específica,

a moralidade pode reflectir diferenças culturais significativas, mas os autores consideram

isso um facto da própria moralidade com os seus preceitos fundamentais, os quais

tornam possível os juízos inter-temporais e trans-culturais que levam a considerar que

nem todas as práticas dos distintos grupos culturais são aceitáveis do ponto de vista

ético. A escravidão, a discriminação de género e racial e outras práticas inaceitáveis têm

surgido ao longo da História, mas o facto de existirem não as torna moralmente

aceitáveis, ainda que uma sociedade em particular as considere como tal.

Assim, estes autores dizem-nos que o uso da moral comum como marco inicial do

equacionar ético não leva necessariamente a conclusões comummente aceites. Uma

função das normas gerais na moral comum é propiciar base para a avaliação e a crítica

dos grupos ou das comunidades, cujos pontos de vista morais usuais são, em algum

aspecto, defectivos. A reflexão crítica pode, em última instância, defender juízos que de

início não são amplamente compartilhados. Em resumo, para os referidos autores, a

moral comum é um elemento pré-teórico que transcende costumes e atitudes locais,

estando asseguradas as conclusões críticas acerca desses costumes e atitudes ao

manter-se a fidelidade à própria moral comum.

Tom Beauchamp e James Childress entendem que a moral comum goza de autoridade

moral quanto à conduta de todas as pessoas, sendo ela a base para as teses normativas

e as teorias éticas elementares que desenvolvem no seu livro. Com isto, desejam tornar

claro que as normas que propõem não estão baseadas numa teoria ou doutrina filosófica

ou teológica em particular. Por outro lado, salientam que ao tomar a moral comum como

ponto de partida não esperam poder validamente defender a autoridade para tudo que

construíram. Reconhecem que seria absurdo supor que todas as pessoas, de facto,

aceitam todas as normas da moral comum. Muitos amorais, imorais ou pessoas

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ÉTICA

75

selectivamente morais, como os autores as classificam, não se preocupam e tão pouco

se identificam com estas ou outras exigências morais. Entretanto, os autores acreditam

que todas as pessoas sérias, de todas as culturas, aceitam as exigências da moral

comum.

3.1.1.2. PRINCÍPIOS, REGRAS E NORMAS MORAIS

Na moral comum, segundo os autores, encontram-se princípios que são básicos para a

ética biomédica. Um conjunto de princípios configura uma estrutura analítica expressando

os valores gerais que marcam as regras na moral comum. Estes princípios podem

funcionar como guias de conduta para a ética profissional. Na sua obra, Tom Beauchamp

e James Childress defendem quatro princípios que consideram centrais para a ética

biomédica, após analisarem como os juízos éticos são respeitados e a maneira pela qual

as crenças morais ganham coerência. Estes quatro princípios são: o respeito pela

autonomia (um princípio de respeito pela capacidade de as pessoas autónomas tomarem

decisões); a não maleficência (um princípio de se evitar causar danos); a beneficência

(um princípio que visa prover benefícios e ponderar benefícios/riscos e custos); e a

justiça (um princípio para a distribuição justa, equitativa, de benefícios, riscos e custos). A

escolha dos princípios e a especificação do seu conteúdo decorrem da tentativa dos

autores juntarem a moral comum e as tradições médicas numa única e coesa corrente

ética.

Sobre esta temática Rui Nunes sugere que “tal como formulados por Beauchamp e

Childress, os princípios de ética biomédica – autonomia, beneficência, não maleficência e

justiça – reflectem a secularização característica das sociedades ocidentais, que

conferem, ao que parece, uma prevalência da autodeterminação individual sobre outros

valores humanos fundamentais, como a responsabilidade social, ou a solidariedade

humana. Esta solidariedade humana, alicerçada, também, no princípio da

subsidiariedade, identifica deveres interpessoais que estão bem patentes, por exemplo,

na experimentação em seres humanos ou na dádiva de órgãos para transplantação. Esta

enunciação de princípios de aplicação prática, ainda que baseados na bagagem

humanista da cultura ocidental, preocupa-se mais em originar acções facilmente

perceptíveis como justas, bem como na definição das obrigações morais a elas

associadas e quase nunca dos valores que possam fundamentar ou justificar essas

obrigações morais. Trata-se, talvez, de uma abordagem pragmática, dado que se torna

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

76

mais simples alcançar um consenso sobre princípios gerais a adoptar do que sobre os

valores que possam fundamentar esses princípios. Este pragmatismo traduz, também, o

facto de se tratar de uma ética laica, desligada de uma tradição cultural que tem

profundas raízes sociais.” (Nunes(a), 2003).

Embora os autores acreditem que os princípios fornecem as normas mais gerais e

abrangentes, o modelo por eles proposto abarca vários tipos de normas morais,

incluindo, além dos princípios, as regras, os direitos, as virtudes e os ideais morais.

Contudo, como destacam, actuam com uma pequena distinção entre regras e princípios,

residindo a diferença no facto das regras serem mais específicas no conteúdo e mais

restritas no propósito do que os princípios. Desta forma, os princípios sugerem normas

gerais que permitem, em muitos casos, um espaço considerável para o discernimento,

não funcionando como um guia preciso da acção que informa como agir em cada

circunstância, ao contrário do que fazem as regras, mais detalhadas e precisas.

Por esta razão, defendem diversos tipos de regras que especificam os princípios e

propiciam uma linha de acção mais específica. Essas regras podem ser substantivas, de

autoridade e de procedimentos. As regras substantivas são as que descrevem padrões

substantivos ou seja critérios para a tomada de decisões: verdade; confidencialidade;

privacidade; paragem de tratamento; consentimento informado e racionamento de

cuidados de saúde. As regras de autoridade dizem respeito a quem pode e/ou deve

desempenhar as acções de tomada de decisão. Entre as regras de autoridade e as

substantivas há uma interacção. As regras de procedimentos estabelecem os

procedimentos a serem seguidos e a elas se recorre, com frequência, quando se

esgotam as regras substantivas e as de autoridade se apresentam incompletas ou

inconclusivas.

O modelo de princípios e regras, adoptado pelos autores, não menciona os direitos das

pessoas, o carácter e as virtudes dos agentes que desempenham as acções e as

emoções morais. Isto porque consideram que estes aspectos da vida moral merecem

atenção numa teoria mais ampla, embora reconheçam que os direitos, as virtudes e as

respostas emocionais são tão importantes quanto os princípios e as regras para uma

visão abrangente da vida moral.

Page 87: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA

77

3.1.1.3. A NATUREZA PRIMA FACIE DAS NORMAS MORAIS

Para discutir esta questão Tom Beauchamp e James Childress tomam por base o

pensamento de Sir William David Ross, que distingue as obrigações prima facie e as

obrigações de facto ou reais. Esta distinção é tida pelos autores como essencial para a

sua análise.

Uma obrigação prima facie deve ser cumprida a menos que conflitue, em determinadas

ocasiões, com uma obrigação de igual ou mais força, ou seja, é uma obrigação moral

vinculante a menos que, numa circunstância particular, uma outra conflituante a supere.

Alguns actos não são prima facie errados ou certos, porque duas ou mais normas podem

conflituar em certas situações e, nestas condições, os agentes devem determinar o que

fazer, encontrando uma obrigação real pelo confronto das obrigações prima facie. Isto é,

devem fazer “o melhor balanço” do certo e do errado, através do exame dos pesos das

obrigações prima facie em confronto.

Os autores entendem que nenhuma teoria ou código de ética profissional apresenta um

sistema de regras livre de conflitos e/ou excepções, contudo não vêem esse facto como

causa de descrença ou perigo. Por isso, consideram que a distinção proposta por William

Ross se adapta muito bem à experiência dos agentes morais, provendo as categorias

indispensáveis para a ética biomédica, uma vez que não são raras as situações nas

quais se deve escolher entre valores plurais e conflituantes, a partir da ponderação de

várias considerações.

A exemplo de William Ross, Tom Beauchamp e James Childress constroem os seus

princípios como prima facie, e entendem que a necessidade de ponderar princípios prima

facie nos casos de conflito moral, deixa espaço para o compromisso, a mediação e a

negociação e a sua especificação permite o crescimento moral.

3.1.1.4. ESPECIFICANDO E PONDERANDO OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS

Os quatro grupos de princípios propostos por Tom Beauchamp e James Childress não

constituem uma teoria moral geral, mas proporcionam apenas uma estrutura para

identificar e reflectir acerca dos problemas éticos. Os autores alertam que esta estrutura é

frágil, pois princípios prima facie não gozam de conteúdo suficiente para encaminhar as

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

78

distintas perspectivas de muitas circunstâncias particulares. Assim, é fundamental

especificar e ponderar estes princípios abstractos.

Especificar é atenuar a indeterminação das normas abstractas, dotando-as de conteúdo

para guiar uma acção concreta. Por exemplo, sem especificação, “não causar danos”

configura um ponto inicial muito pobre para se pensar nas questões relativas a problemas

como o suicídio assistido e a eutanásia, sendo insuficiente para nortear adequadamente

uma acção quando as normas conflituarem. Assim, os problemas éticos da prática

quotidiana requerem que as normas gerais sejam especificadas para os contextos

particulares num vasto leque de casos.

A fim de que os princípios possam ter conteúdo suficiente para a aplicação prática, os

autores alertam que é necessário especificar o seu conteúdo com vista a indicar o motivo

e a forma como os casos podem ser orientados pelos princípios, pois é a progressiva

especificação que nos pode dar conta da variedade de problemas que surgem, reduzindo

os dilemas e conflitos irresolúveis devido à insuficiência de conteúdo dos princípios em

abstracto. Dotar os princípios de conteúdo por meio da especificação é primordial para a

decisão em ética clínica e para desenvolver as regras institucionais e as políticas

públicas. Todas as normas morais são, em tese, sujeitas a tal especificação e precisam

deste conteúdo adicional porque a complexidade do fenómeno moral ultrapassa a

habilidade disponível para capturá-lo através das normas gerais.

Porém, este processo de especificação tem os seus limites, isto é, por mais precisa que

seja uma especificação, ela pode não conseguir eliminar por completo o conflito. Em

casos problemáticos ou dilemáticos, distintas especificações conflituantes podem indicar

diversas soluções possíveis fazendo a situação retornar ao ponto de partida que

determinou a necessidade de especificar as normas. E, ainda que a especificação elimine

um conflito contingente, esta pode ser arbitrária, perder a imparcialidade ou falhar por

outras razões. Além do mais, o excesso de confiança na especificação pode levar a uma

certeza dogmática. Assim, a fim de escapar da abstracção, os princípios requerem uma

especificação cuidadosa, mas não demasiada, sob risco de tornarem-se rígidos e

insensíveis às circunstâncias.

A este propósito refere Rui Nunes que “estes princípios de ética biomédica defendidos

por Tom Beauchamp e James Childress, também designados por principiologia de

Georgetown (Universidade onde se encontra sediado o Kennedy Institute of Ethics),

estariam a meia distância entre a teoria ética fundamental – corpo integrado de regras e

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ÉTICA

79

de princípios – e regras de conduta, que, por definição, são restringidas a determinados

contextos e de alcance forçosamente mais limitado. Porém, a aplicação destes princípios

tem gerado alguma controvérsia dado que, quando em presença de dilemas éticos

complexos, de difícil resolução, vários princípios entram em conflito, prevalecendo aquele

que seja interiorizado pelo agente com capacidade de decisão. De facto, em decisões

críticas, a maioria das pessoas tem uma tendência natural para não se orientar

especificamente por nenhum destes princípios, como reflexo de uma postura moral

sujeita a alguma flutuação, por vezes mesmo, a certo grau de inconsistência. O factor

decisivo na resolução de um dilema ético concreto poderá ser o grau de virtude da

consciência individual do agente. A aplicação prática dos princípios éticos subjacentes

está dependente, em larga medida, da presença ou não das referidas virtudes.” (Nunes(a),

2002). Neste contexto, tanto quanto especificar, os princípios e as regras requerem

ponderação, pois estes processos tratam de dimensões distintas. A especificação

possibilita o refinamento substantivo da extensão e do alcance das normas e regras,

enquanto a ponderação delibera e julga acerca dos seus pesos e forças relativas.

Ponderar é especialmente importante para alcançar juízos em casos individuais e a

especificação é particularmente útil no desenvolvimento de políticas. Ponderações

justificadas possibilitam o dotar de boas razões para as acções e não, meramente, que

um agente esteja intuitivamente satisfeito.

Em resposta à crítica de que a ponderação é intuitiva e aberta, faltando-lhe um firme

compromisso com os princípios, os autores listam algumas condições para reduzir a

intuição e que devem ser acatadas a fim de se justificar a infracção de uma norma prima

facie em favor de outra:

• Podem ser oferecidas melhores razões para se agir segundo a norma

preponderante que será seguida, do que pela norma que será infringida;

• O objectivo ético que justifica a infracção da norma deve ter uma perspectiva

real de realização;

• A infracção da norma torna-se necessária quando nenhuma outra acção

eticamente preferível pode substitui-la;

• A infracção da norma seleccionada deve ser a menos prejudicial possível em

comparação ao objectivo primário da acção;

• O agente deve procurar minimizar qualquer efeito negativo da infracção da

norma;

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

80

• O agente deve actuar de maneira imparcial em relação a todas as partes

afectadas, ou seja, a sua decisão não deve ser influenciada por informações

eticamente irrelevantes acerca de qualquer uma das partes envolvidas.

Embora algumas destas condições pareçam óbvias e não causem controvérsia os

autores consideram que, frequentemente, não são observadas na deliberação moral, mas

se o fossem, as acções poderiam ser bem diferentes. Para Tom Beauchamp e James

Childress, estas condições constituem obrigações morais e, juntamente com os apelos

para uma solidez ética, ajudam a alcançar uma protecção razoável contra os juízos

puramente intuitivos ou subjectivos.

3.1.2. OS QUATRO PRINCÍPIOS DA ÉTICA BIOMÉDICA

3.1.2.1. O RESPEITO PELA AUTONOMIA

No capítulo da autonomia, Tom Beauchamp e James Childress realçam que um indivíduo

deve ser livre para tomar decisões, tanto nos cuidados de saúde, como na investigação

biomédica, nomeadamente através do consentimento informado e da recusa informada.

Alertam para o facto de que apesar de começarem a discussão dos princípios da ética

biomédica pelo respeito pela autonomia, isso não significa que este tenha precedência

sobre os demais. Vêem como um equívoco as críticas usualmente feitas de que conferem

primazia ao princípio do respeito pela autonomia em relação a outras considerações

morais. Assim, reafirmam que desejam construir uma concepção de respeito pela

autonomia que não seja excessivamente individualista, negando a natureza social dos

indivíduos e o impacto das escolhas e acções individuais sobre os outros, nem

demasiadamente focada na razão, rejeitando as emoções e tão pouco indevidamente

legalista, destacando os direitos legais e desprezando as práticas sociais.

A palavra autonomia, deriva dos termos gregos “autos” (próprio) e “nomos” (regra,

governo ou lei), originalmente referia-se ao auto-governo ou a auto-legislação das

cidades, estados independentes. Somente depois foi estendida aos indivíduos,

adquirindo significados tão diversos como auto-governo, direitos de liberdade, de

privacidade, de escolha individual, de livre arbítrio, de escolha do próprio comportamento

e o de ser dono de si mesmo.

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ÉTICA

81

Algumas teorias sobre autonomia, como também assinalam os autores ao caracterizarem

os aspectos de uma pessoa autónoma, incluem as habilidades gerais para o auto-

governo, para além do entendimento, avaliação, deliberação e escolha independente.

Entretanto, por o seu foco estar centrado na tomada de decisão, como Tom Beauchamp

e James Childress admitem, concentram-se na escolha autónoma, mais do que na

capacidade geral para o auto-governo.

Assim, autonomia pessoal consiste, pelo menos, no auto-desígnio livre da interferência

controladora dos outros e de limitações, como o inadequado entendimento impeditivo de

uma escolha racional. O indivíduo autónomo age livremente segundo o seu plano auto-

escolhido, de maneira análoga à forma como um governo independente controla os seus

territórios e estabelece as suas políticas. Já os que têm autonomia reduzida são, em

certa medida, controlados pelos outros ou incapazes de deliberar ou de agir com base

nos seus desejos e planos.

Segundo os autores, todas as teorias sobre autonomia concordam que há duas

condições que lhe são essenciais: a liberdade, entendida como independência de

influências controladoras; e a competência, compreendida como a capacidade para a

acção intencional. Entretanto, quando a questão é o significado destas condições e a

necessidade de outras adicionais, as opiniões divergem.

A presença ou ausência de autonomia é analisada em função das condicionantes dos

actos dos agentes envolvidos. Esta análise da acção autónoma tem por base pessoas

comuns que agem de maneira intencionada, com compreensão e na ausência de

influências controladoras que lhes determinem a acção. A primeira destas três condições

não permite graduação, os actos são ou não são intencionais. No entanto, a

compreensão e a ausência de influências controladoras podem ser satisfeitas em maior

ou menor extensão, o que indicará o grau de autonomia das acções. Para estas

condições há um amplo “continuum” que vai desde a total ausência de autonomia até à

sua presença completa.

Nesta perspectiva, as decisões podem ser substancialmente autónomas e não

completamente autónomas, ou seja, para que uma acção seja tida como autónoma

somente é necessário um grau substancial de compreensão e de liberdade de influências

e não uma compreensão total e uma completa ausência de influências. A linha que

separa o substancial e o não substancial pode parecer arbitrária. Contudo, os limiares

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

82

para as decisões substancialmente autónomas podem ser fixados à luz de objectivos

específicos.

Entretanto, algumas visões feministas têm questionado estas concepções individualistas

de autonomia com base na ideia de “autonomia relacional” em que defendem a convicção

de que as pessoas estão socialmente inseridas e que as identidades dos agentes são

formadas dentro do contexto social de relacionamentos e modeladas por uma complexa

intersecção de determinantes sociais, como a raça, a classe, o género e a etnia. Afirmam

que a opressiva socialização e os opressivos relacionamentos sociais podem prejudicar a

autonomia através do incremento de desejos, crenças, emoções e atitudes nos agentes;

da frustração do desenvolvimento de capacidades e competências essenciais para a

autonomia e de várias restrições e limitações no leque de alternativas para a acção. Tom

Beauchamp e James Childress afirmam apoiar os apelos para a superação da

socialização de relacionamentos opressivos e ressaltam que estes chamam a atenção

para a autonomia relacional, mas sem com isso rejeitar a autonomia em si.

Os autores registam que muitos lamentam o “triunfo da autonomia” na bioética norte-

americana, salientando que este força os pacientes a fazerem escolhas mesmo quando

não querem receber informação sobre a sua situação ou tomar as suas próprias

decisões. Reconhecem a existência de uma visão que parece afirmar o dever dos

pacientes decidirem, entretanto esclarecem que eles não defendem esta visão, mas sim

um princípio de respeito pela autonomia com um correlativo direito e não um dever

obrigatório de escolher.

Assim, para os autores, a interpretação mais adequada do respeito pela autonomia

abarca o reconhecimento de uma obrigação fundamental de assegurar, de forma igual,

aos pacientes dos serviços de saúde, o direito de escolherem, aceitarem ou declinarem a

informação. Tanto a informação e a escolha forçadas quanto a revelação incompleta são

contraditórias com esta obrigação. Por outras palavras, consideram que os profissionais

de saúde deveriam sempre informar-se junto dos pacientes, dos seus desejos de receber

informação e tomar as suas decisões, não assumindo que pelo facto de pertencerem a

uma determinada comunidade, estes partilham totalmente da visão do mundo e dos

valores por ela defendidos. O fundamental está no respeito pelas escolhas autónomas

das pessoas em particular. O respeito pela autonomia não constitui um mero ideal nos

cuidados de saúde, mas uma obrigação profissional. E a escolha autónoma configura um

direito e não um dever dos pacientes.

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ÉTICA

83

Respeitar uma pessoa como agente autónomo significa, no mínimo, acatar o seu direito a

ter opiniões próprias, de fazer as suas escolhas e de agir segundo os seus valores e

crenças pessoais. Isto envolve uma acção de respeito e não meramente uma atitude de

respeito, requerendo mais do que uma não interferência nos assuntos alheios e inclui,

especialmente em certos contextos, as obrigações de construir ou manter a capacidade

dos outros para procederem às suas escolhas autónomas através da atenuação de

medos e demais condições destrutivas das decisões autónomas. Nesta perspectiva, o

respeito pela autonomia abrange a aceitação dos direitos para tomar decisões e a

capacitação das pessoas para agirem autonomamente, enquanto o desrespeito inclui

atitudes e acções que ignoram, insultam ou desprezam os direitos de autonomia dos

outros.

O princípio do respeito pela autonomia pode ser enunciado como uma obrigação negativa

ou positiva. Na primeira condição, afirmam que as acções autónomas não devem ser

submetidas a influências controladoras de outros. Na situação de uma obrigação positiva,

impõe-se um tratamento respeitoso no fornecimento da informação e no estímulo para

tomar decisões autónomas, havendo, em alguns casos, o dever de aumentar as

alternativas disponíveis. Muitas acções autónomas seriam impossíveis sem a cooperação

material de terceiros com vista a disponibilizar opções alternativas. O imperativo de tratar

os outros como um fim, implica apoiar as pessoas na realização dos seus próprios

objectivos e em estimular as suas capacidades como agentes autónomos e não

simplesmente evitar tratá-las como meios para os objectivos dos outros. Estas

obrigações positivas de respeitar a autonomia emanam, em parte, das próprias

obrigações especiais que os profissionais de saúde têm para com os seus pacientes e os

investigadores para com os sujeitos.

Por abranger obrigações positivas e negativas, o princípio do respeito pela autonomia

está na base de muitas regras morais mais específicas, como: dizer a verdade; respeitar

a privacidade; proteger a informação confidencial; obter o consentimento antes de intervir

e, quando solicitado, ajudar a pessoa a tomar decisões importantes.

Tom Beauchamp e James Childress salientam que o respeito pela autonomia configura

um dever “prima facie”, podendo, em determinadas circunstâncias, ser superado por

outras obrigações morais que com ele competem, como no caso de escolhas autónomas

de indivíduos ameaçarem a saúde pública, poderem causar danos a terceiros ou exigirem

indevidamente a utilização de recursos escassos. Na ocorrência destas condições

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

84

justifica-se a restrição do exercício da autonomia, a exemplo do que acontece quando as

pessoas não podem ser declaradas autónomas para tomar decisões, sejam as gerais ou

mesmo as mais pontuais. Conferir ao princípio do respeito pela autonomia primazia em

relação aos demais, além de lhe atribuir um peso excessivo para um sistema “prima

facie”, despreza o facto de que a moral comum está igualmente enraizada nos outros três

princípios que constituem a proposta dos autores.

Para os autores, o paradigma básico da autonomia nos cuidados de saúde, na

investigação, na política e noutros contextos consiste em exprimir o seu consentimento. A

competência para tal é um requisito complexo, pois os pacientes e os sujeitos da

investigação podem, em potencial, não ser competentes para exprimir um consentimento

ou uma recusa válidos. A verificação sobre a competência focaliza-se na capacidade

psicológica ou legal das pessoas para adequadamente tomarem decisões, pois o facto de

alguém ser competente para decidir está intimamente ligado ao grau de autonomia

presente no acto e à validade do consentimento ou da recusa daí resultante.

Desta forma, segundo os autores, o conceito de competência para tomar decisões tem

um vínculo íntimo com o de autonomia. Os pacientes podem ser considerados como

competentes para decidir quando apresentam capacidade de entender a informação

recebida; de proceder ao juízo desta informação à luz dos seus valores; de ambicionar

um determinado resultado e de comunicar livremente os seus desejos aos profissionais.

Neste sentido, a lei, a medicina e, em certa extensão, a filosofia partilham uma

correspondência das características da pessoa competente e das propriedades da

pessoa autónoma. Assim, embora autonomia e competência se distanciem no

significado, com a primeira expressando auto-desígnio e a segunda a habilidade para

desempenhar tarefas, aproximam-se na semelhança dos critérios para a sua avaliação.

Daqui decorre que uma pessoa autónoma é necessariamente competente para tomar

decisões, e que os juízos acerca da competência de uma pessoa para autorizar ou

recusar uma intervenção deveriam basear-se na sua capacidade de escolher

autonomamente em circunstâncias particulares.

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ÉTICA

85

3.1.2.2. NÃO MALEFICÊNCIA

O princípio da não maleficência afirma a obrigação de não causar danos aos outros, ou

seja, de não fazer ou promover o mal a uma pessoa. Na ética médica associa-se à

máxima “primum non nocere”, que significa que em primeiro lugar não se deve causar

danos, sendo que no juramento hipocrático se encontram expressas obrigações de não

maleficência e beneficência: “Utilizarei a dieta para o benefício dos doentes, conforme

minha capacidade e discernimento; eu os protegerei do dano e da injustiça”.

Tom Beauchamp e James Childress reconhecem que alguns filósofos combinam a não

maleficência e a beneficência num único princípio, como William Frankena (1973), que

sob a égide deste último, inclui quatro obrigações gerais assim ordenadas: não causar

mal ou dano; prevenir o mal ou dano; eliminar o mal ou dano; e fazer ou promover o bem.

Entretanto, os autores discordam desta junção e reafirmam a distinção dos princípios que

propõem, a primeira obrigação insere-se na não maleficência e as demais na

beneficência, sendo dispensável hierarquizar as obrigações, pois esta necessidade

decorre do facto de William Frankena juntar as ideias de beneficiar os outros e não os

prejudicar num único princípio, o da beneficência. Por isso, ao invés de apresentarem

uma ordem hierárquica, incorporam nos princípios de não maleficência e beneficência o

arranjo com as quatro normas, sendo que sob o primeiro se encontram as exigências de

não causar mal ou dano e no segundo as de prevenir o mal ou dano; de eliminar o mal ou

dano; e de fazer ou promover o bem.

As normas abrangidas pela não maleficência apenas exigem a contenção intencional de

actos que causem mal ou dano, tendo as suas regras a forma de proibição, ou seja, de

“não fazer”, ao passo que as de beneficência requerem uma acção directa de ajuda, seja

prevenindo ou eliminando o mal ou dano, seja promovendo o bem. Assim, na opinião de

Tom Beauchamp e James Childress, a condensação das obrigações de não maleficência

e de beneficência num único princípio não proporciona a percepção de que as obrigações

de não prejudicar os outros (não roubar, não mutilar e não matar) são diferentes das de

ajudá-los (prover benefícios, proteger interesses e promover o bem estar).

As obrigações de não causar mal ou danos são, algumas vezes, mais rigorosas do que

as de ajudar, contudo podem ocorrer situações nas quais as obrigações de beneficência

se apresentem mais pertinentes do que as de não maleficência. Em geral, quando o mal

causado é pequeno, como o inchaço de uma punção venosa e o beneficio fornecido

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

86

maior, como uma intervenção que salva a vida, então a tendência é atribuir à obrigação

de beneficência prioridade sobre a de não maleficência.

Desta forma, na opinião dos autores, dever-se-ia reformular a ideia da rigorosa

necessidade de observância do princípio da não maleficência do seguinte modo:

geralmente, as obrigações de não maleficência são mais estritas do que as obrigações

de beneficência e, em alguns casos, a não maleficência ultrapassa a beneficência,

mesmo quando o melhor resultado utilitarista é obtido por se agir com beneficência.

Nos casos de conflito, habitualmente a não maleficência é vinculante, mas o peso deste

princípio – como dos demais – varia nas diferentes circunstâncias particulares. De acordo

com os autores, não há, na ética, nenhuma regra que determine que, em todas as

circunstâncias, evitar o mal ou danos deva prevalecer sobre o fornecer benefícios. Da

mesma maneira, uma acção que cause mal ou dano pode não ser errada ou injustificada

no balanço ético. Embora, actos que causem o mal ou danos, em geral, sejam “prima

facie” errados por contrariarem os interesses da pessoa afectada, acções que causem o

mal ou danos, mas envolvam um impedimento justificado dos interesses de outros não

podem ser tidas como erradas.

Destacam os autores que algumas percepções de mal e dano se ampliam tanto que

chegam a abranger os entraves a interesses na reputação, na propriedade, na

privacidade e na liberdade, para além das condições que restringem a acção autónoma,

como o desconforto, a humilhação, a ofensa e a perturbação. Em contrapartida, visões

com uma base mais reduzida compreendem o mal ou dano apenas enquanto entraves a

interesses físicos e psicológicos, como os relativos à saúde e sobrevivência. Apesar

destas controvérsias, há concordância quanto ao facto de que os danos físicos e outros

entraves aos interesses de outrem podem ser vistos como exemplos paradigmáticos do

que vem a ser dano. Tom Beauchamp e James Childress admitem que se concentram

nos danos físicos, especialmente na dor, na incapacidade e na morte, sem, no entanto,

negar a importância dos danos mentais e dos entraves aos interesses dos outros.

Do princípio da não maleficência decorrem algumas regras morais de cunho mais

específico, como não matar; não causar dor ou sofrimento; não incapacitar; não ofender;

não privar os outros dos bens da vida.

A não maleficência engloba também a obrigação de não impor riscos de danos

desnecessários. A moralidade e a lei, reconhecem um padrão de cuidados devidos, que

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ÉTICA

87

determina se o agente é causalmente responsável pelo risco de danos e permite a

imputação quer legal quer moral. Por cuidados devidos, entende-se o cuidar de maneira

suficiente e apropriada para evitar o causar danos, tal qual como é exigido a pessoas

prudentes e sensatas. A má prática profissional é pois exemplo de negligência causada

pela não observância dos padrões profissionais de cuidado. Entretanto, os autores

alertam que, mesmo quando o relacionamento terapêutico é danoso ou de não ajuda, a

má prática ocorre se, e somente se, os padrões profissionais de cuidado não forem

observados. A linha entre o cuidado devido e aquele que fica aquém ou além deste limite,

é frequentemente difícil de ser traçada.

Segundo os autores, uma curta distância separa a premissa de que se pode e deve

proteger as pessoas contra alguns danos e a conclusão que há uma obrigação positiva

de lhes fornecer benefícios, como os cuidados de saúde. Esta distância pode-se encurtar

ainda mais, graças à incerteza conceptual e moral que atinge as distinções entre as

obrigações de evitar danos a outros; de beneficiá-los; e de tratá-los de modo justo.

3.1.2.3. BENEFICÊNCIA

Para a ética biomédica é central fornecer benefícios; prevenir e eliminar danos; pesar e

balancear os possíveis bens de uma acção contra os seus custos e possíveis danos.

Além do mais, há uma implícita assunção da beneficência nas profissões da saúde e no

seu contexto institucional, sendo o seu objectivo, racional e justificativo, a obrigação de

promover o bem dos pacientes, ultrapassando o simples evitar danos.

Tom Beauchamp e James Childress diferenciam a beneficência em geral, o princípio da

beneficência e a benevolência. A primeira refere-se a uma acção feita para beneficiar

outros, enquanto que a última diz respeito ao traço de carácter ou virtude que leva à

disposição para agir em benefício dos outros. Por outro lado, o princípio da beneficência

configura uma obrigação moral de agir para o benefício dos outros, e passa por um

desdobramento noutros dois princípios: o da beneficência positiva, que requer que os

agentes proporcionem benefícios; e o da utilidade, que exige dos agentes o balanço dos

benefícios e das desvantagens com vista a produzir o melhor resultado possível. O

princípio da utilidade consiste numa extensão do princípio positivo da beneficência, sendo

necessária esta extensão porque na vida moral é impossível produzir benefícios ou

eliminar danos sem criar riscos ou incorrer em custos. A fim de ser correctamente

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

88

beneficente, uma acção tem de originar um benefício suficiente que compense os seus

custos.

Os autores esclarecem que o princípio de utilidade, enquanto desdobramento do princípio

da beneficência, não equivale ao princípio de utilidade do utilitarismo. Este constitui um

princípio absoluto, ao passo que aquele não pode ser interpretado como o princípio único

da ética e tão pouco como o que justifica ou supera os demais, ou seja, é um entre vários

princípios “prima facie”. Além disso, o princípio da utilidade ou proporcionalidade, como

propõem, limita-se ao balanço dos prováveis resultados das acções – benefícios, danos e

custos – a fim de alcançar o mais elevado benefício, mas não determina o balanço global

das obrigações, ou seja, pode ser legitimamente restringido pelos demais, o que não

acontece no utilitarismo.

No objectivo do princípio da beneficência positiva encontra-se um conjunto de regras

morais mais específicas: como proteger e defender os direitos dos outros; prevenir os

danos que possam ocorrer a outros; eliminar as condições que podem causar danos a

outros; ajudar as pessoas com incapacidades; e ajudar as pessoas em perigo.

Embora várias teorias éticas empreguem o termo beneficência para identificar obrigações

positivas para com os outros, não é rara a argumentação negando a existência destas

obrigações e sustentando que constituem ideais virtuosos ou actos de caridade. Desta

forma, os que falham em agir de maneira beneficente não poderiam ser tidos como

moralmente reprováveis. Estas considerações, na opinião dos autores, apontam para a

necessidade de se clarificar e especificar a beneficência, tendo eles o cuidado de

caracterizar os limites das obrigações e identificar em que condições ou circunstâncias a

beneficência é mais opcional do que obrigatória.

Na opinião de Tom Beauchamp e James Childress, na moral comum não há nenhum

princípio de beneficência que requeira grandes sacrifícios ou um altruísmo extremo, como

o doar ambos os rins para transplante. Somente ideais de beneficência incorporam tal

generosidade extrema. Não há, então, uma exigência moral de beneficiar as pessoas em

todas as ocasiões, mesmo quando isso é possível. Desta forma, pode-se anuir que muita

da conduta beneficente se inscreve no âmbito do ideal moral, e não do obrigatório, sendo

a linha separadora entre a obrigação e o ideal moral, frequentemente, pouco clara no

caso da beneficência.

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ÉTICA

89

As normas da beneficência, por vezes, estabelecem obrigações suficientemente fortes

para terem prioridade sobre as da não maleficência. Por exemplo, as obrigações de

beneficência podem-se aliar às exigências do princípio da utilidade, tornando o beneficiar

mais robusto, tal é possível quando se produz um benefício maior com um dano menor

ou ainda se um benefício maior pode ser atingido para um grande número de pessoas,

provocando-se um dano menor para um grupo reduzido. Muitos programas de Saúde

Pública, como por exemplo os da vacinação, causam danos a algumas pequenas

parcelas da população ao mesmo tempo que proporcionam um bem maior à população

no seu global. Estas acções seriam injustificadas se não houvesse uma obrigação de

beneficência, mas somente ideais morais de tal ordem. Então, não é sempre verdade que

a não maleficência tem prioridade em relação à beneficência.

Os autores fazem ainda uma distinção entre beneficência geral e específica. A última,

como indica o próprio nome, dirige-se a terceiros específicos, enquanto a geral volta-se

para todas as pessoas e, por levantar muita controvérsia, tem sido alvo de várias

justificativas. Neste sentido, Tom Beauchamp e James Childress, embora reconheçam

que a reciprocidade pode não justificar todo o leque das obrigações de beneficência,

defendem uma abordagem baseada na reciprocidade, por a considerarem a mais

adequada para a ética biomédica.

Por reciprocidade entendem a prática de se proceder ao proporcional retorno. Por

exemplo, retornar um benefício por um proporcional benefício, um dano por uma

proporcional pena criminal e a amizade por uma proporcional gratidão. As obrigações de

beneficência para com a sociedade, na visão dos autores, não deixando de ser diferentes

das que existem para com os indivíduos identificados, configuram alguma forma de

reciprocidade. A defesa de uma liberdade tal, que desconheça as dívidas para com os

pais, os investigadores da medicina e da saúde pública, os educadores e as instituições

sociais, como a escola, é tão irrealista quanto a ideia de que é sempre possível agir

autonomamente sem afectar os demais. Na verdade, muitas obrigações de beneficência

são justificadas através dos arranjos implícitos que incorporam o necessário dar e

receber da vida social.

Os autores consideram errado o tradicional entendimento dos códigos de ética médica

que vêem estes profissionais como independentes, auto-suficientes e filantropos, com

uma beneficência similar à que rege os actos generosos de doação. Isto porque

acreditam que tanto os médicos quanto os outros profissionais de saúde têm um débito

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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para com a sociedade, pela educação e privilégios, e para com os pacientes, devido à

investigação e prática. Graças a esta dívida, é errado moldar o papel de beneficência do

profissional de saúde primariamente na filantropia, no altruísmo e no compromisso

pessoal. Ao invés disto, este tem de ser enraizado na “reciprocidade de dar e receber”

que cria uma obrigação de beneficência geral para com o paciente e a sociedade, ainda

que seja difícil especificar, de maneira precisa, os termos desta obrigação.

Um problema central na ética biomédica é o conflito de prioridade entre os princípios do

respeito pela autonomia dos pacientes e o da beneficência que orienta o agir profissional.

Tom Beauchamp e James Childress argumentam que este debate não pode ser resolvido

com a mera defesa a favor de um princípio em prejuízo do outro, ou pela tentativa de

tornar um deles absoluto. Nem o paciente e nem o médico gozam de autoridade superior,

sendo que nenhum princípio tem preponderância na ética biomédica, nem mesmo a

obrigação de agir no melhor interesse do paciente. A beneficência fornece o objectivo

primário e racional dos cuidados de saúde, enquanto o respeito pela autonomia –

juntamente com a não maleficência e a justiça – estabelecem os limites morais para as

acções dos profissionais de saúde na persecução de seus objectivos.

3.1.2.4. JUSTIÇA

A justiça distributiva abarca a distribuição justa, equitativa, apropriada e determinada por

normas justas que estruturam os termos da cooperação social. Refere-se à distribuição

dos direitos e responsabilidades na sociedade, incluindo os direitos civis e políticos.

Os problemas de justiça distributiva ganham destaque sob condições de escassez e

competição para obter bens ou evitar penalizações. Em situações de escassez, a

sociedade é, por vezes, forçada a fazer “escolhas trágicas”, infringindo, comprometendo

ou sacrificando os princípios de justiça.

Assim, as questões concernentes à justiça distributiva remetem para os debates acerca

dos princípios de justiça e, como destacam Tom Beauchamp e James Childress, não há

um único princípio capaz de orientar todos os problemas nesta área. A exemplo da

subdivisão que ocorre com a beneficência, há na moral comum vários princípios de

justiça que precisam de ser especificados e ponderados em contextos particulares, com

vista à sua consistência.

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ÉTICA

91

Segundo os autores, há um requerimento formal mínimo, tradicionalmente atribuído a

Aristóteles, que afirma: “os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais devem

ser tratados desigualmente”. Este princípio de justiça, também chamado de princípio de

igualdade formal, é tido como “formal” por não identificar nenhum aspecto particular no

qual os iguais devem ser tratados igualmente e não fornecer nenhum critério para

determinar se dois ou mais indivíduos são, de facto, iguais. Meramente afirma que, sejam

quais forem os aspectos relevantes, as pessoas iguais, naqueles aspectos, devem ser

tratadas igualmente.

Os princípios que especificam as características relevantes para o tratamento igual são

chamados de materiais, porque identificam as propriedades substantivas para a

realização da justiça distributiva. As políticas públicas ou institucionais que tomam por

base a justiça distributiva, em última instância, decorrem da aceitação ou rejeição de

certos princípios materiais de justiça e de procedimentos para especificar, refinar ou

ponderar. Assim, muitos dos argumentos acerca da política mais correcta para a

distribuição de bens decorrem do facto de partirem de pontos iniciais distintos que tomam

por referência princípios materiais de justiça que se não são rivais, pelo menos, são

alternativos.

Entre os princípios materiais de justiça distributiva, na visão de Tom Beauchamp e James

Childress, encontram-se os seguintes:

• A cada pessoa uma parte igual;

• A cada pessoa de acordo com a sua necessidade;

• A cada pessoa de acordo com o seu esforço;

• A cada pessoa de acordo com a sua contribuição;

• A cada pessoa de acordo com o seu mérito;

• A cada pessoa de acordo com as transacções do mercado livre.

Não há nada que impeça a aceitação de mais do que um destes princípios, e tanto assim

é que algumas teorias de justiça aceitam os seis como sendo válidos e a maioria das

sociedades invoca alguns deles ao formular as suas políticas públicas, de acordo com as

distintas esferas e contextos. Tom Beauchamp e James Childress consideram uma tese

plausível admitir que cada um destes princípios materiais identifica uma obrigação moral

“prima facie”, cujo peso não pode ser avaliado independentemente dos contextos

particulares ou das esferas nas quais são aplicáveis.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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Na opinião dos autores, as teorias de justiça distributiva mais influentes são: as teorias

utilitaristas, que lançam mão de uma mistura de critérios com o propósito de maximizar a

utilidade pública; as teorias libertárias, que enfatizam os direitos à liberdade económica e

social, dando prioridade à justiça dos procedimentos em lugar dos resultados

substantivos; as teorias comunitárias, que estreitam os princípios e práticas de justiça

que envolvem as tradições e práticas da comunidade; e as teorias igualitárias, que

defendem o acesso igual aos bens, frequentemente invocando critérios materiais de

necessidade e igualdade.

Ao tentar trazer consistência e compreensão para as visões fragmentadas de justiça

social, estas teorias obtêm apenas um sucesso parcial, e as políticas públicas, para

acesso e distribuição dos cuidados de saúde, em muitos países, constituem exemplos

dos problemas que são enfrentados por elas. Os objectivos de cuidados excelentes,

igualdade de acesso, liberdade de escolha e eficiência social podem ser louváveis,

entretanto são de difícil consistência em alguns sistemas sociais. Diferentes concepções

de uma sociedade justa sublinham-nos e, por vezes, a persecução de um objectivo

parece aniquilar o outro. Entretanto, as várias teorias de justiça tentam fazer um balanço

entre os objectivos conflituantes, eliminando alguns deles, mas mantendo outros.

Assim, para Tom Beauchamp e James Childress, as diferentes teorias de justiça social

que foram construídas ao longo da história da humanidade têm, cada uma delas, as suas

características atractivas e não atractivas, o que, para muitos, provoca um compreensível

temor acerca das consequências para a sociedade em se adoptar um único sistema

filosófico como base da justiça na saúde. A experiência sugere que as exigências de uma

teoria de justiça podem funcionar bem em alguns contextos, mas produzir resultados

desastrosos noutros. Cada teoria de justiça propicia a reconstrução filosófica de uma

perspectiva válida da vida moral, porém capta apenas parcialmente a sua amplitude e

diversidade.

Na ausência de um consenso social, os autores consideram plausível que as políticas

públicas ora enfatizem uma teoria de justiça ora outra. Entretanto, alertam que a

existência destas diferentes teorias de justiça não justifica a fragmentada abordagem que

muitos países, incluindo os Estados Unidos, têm dedicado a este aspecto do sistema de

saúde. Esta fragmentação impede que se debatam questões muito mais abrangentes de

justiça, como as relativas ao que as pessoas esperam do sistema de saúde do seu país e

como o Estado deve lidar com as necessidades dos cidadãos.

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ÉTICA

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Evocando a teoria de justiça de John Rawls e a sua interpretação para a área da saúde

proposta por Norman Daniels, Tom Beauchamp e James Childress incluem-se entre os

defensores da regra da justa oportunidade. Entendem que esta regra exige que a

ninguém sejam destinados ou negados benefícios sociais com base nas propriedades

imerecidas, de cunho vantajoso ou desvantajoso, pois sendo estas distribuídas pela

lotaria social e biológica da vida não podem dar fundamento para uma discriminação

moralmente aceitável, já que as pessoas não têm chance de adquiri-las ou superá-las. Ao

contrário, a regra da justa oportunidade requer que cada um receba os benefícios

necessários para amenizar ou corrigir os efeitos deletérios decorrentes dos infortúnios da

lotaria da vida.

Por analogia, é possível concluir que os portadores de incapacidades funcionais

necessitam de cuidados para alcançar um nível melhor de função e ter uma justa chance

na vida, ou seja, como não são responsáveis pela sua condição, a regra da justa

oportunidade requer que recebam tudo que os possa ajudar a atenuar ou corrigir os maus

efeitos para a saúde causados pela lotaria da vida. Por outro lado, se a pessoa for

responsável pelas suas incapacidades, o direito aos cuidados de saúde encontra-se mais

fragilizado, sendo justo considerar a hipótese de negar-lhe tal benefício.

Frente à regra da justa oportunidade, os autores consideram que a questão primária é

saber se o governo se deveria envolver ou não na alocação e distribuição dos cuidados

de saúde, ao invés de deixá-los ao sabor do mercado. Neste sentido, admitem que a

regra de capacidade para pagar não deve constituir o único princípio de justiça

distributiva a pautar o acesso aos bens e serviços de saúde.

Desta questão, segundo Tom Beauchamp e James Childress, decorre um importante

aspecto do direito aos cuidados de saúde que se refere à especificação dos seus limites

e critérios. As duas visões de maior influência que se têm destacado são: a do igual

acesso e a do mínimo decente. Para os autores, ambas são igualitárias, a primeira

promove o acesso igual a todos os recursos de saúde tidos como necessários e a

segunda, partindo de uma visão enfraquecida de igualdade, defende o acesso igual

apenas aos recursos tidos como essenciais.

Frente a temas complexos como o das políticas do justo acesso e financiamento dos

cuidados de saúde e o das estratégias para a eficiência das instituições sanitárias, os

autores evidenciam que outras questões sociais tratadas na sua obra têm uma

importância reduzida. Compreendem que ainda existem muitas barreiras no acesso aos

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cuidados de saúde para milhões de pessoas, e que para elas um sistema de saúde justo

permanece como um objectivo distante. Embora toda a sociedade deva limitar o acesso

aos cuidados de saúde através de algum mecanismo, muitas estão um passo aquém e

têm de diminuir os abismos no acesso de uma maneira mais firme do que o têm feito até

agora. A proposta dos autores é que a sociedade reconheça e reforce um direito a um

mínimo decente de cuidados de saúde, dentro de uma estrutura de alocação que

incorpore tanto padrões utilitaristas quanto igualitários.

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ÉTICA

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3.2. ÉTICA DAS VIRTUDES

Virtude é a tradução do termo grego “areté” que significa qualquer forma de excelência.

Aristóteles, segundo a tradução de António Caeiro, define virtude (excelência) como “uma

disposição do carácter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida

relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato

a definirá para si próprio” (Aristóteles, 2004). É uma disposição do carácter que dispõe

não apenas a fazer a coisa certa da forma correcta, mas a ter prazer em a fazer. Os

homens têm potencialidades naturais para as virtudes que devem ser intensificadas

através do hábito, que se pode definir como “acção ou uso repetido que leva a um

conhecimento ou prática” (Houaiss, 2002), que é entendido como o meio de formar

precocemente o carácter, que é o “conjunto de traços psicológicos e/ou morais (positivos

ou negativos) que caracterizam um indivíduo” (Houaiss, 2002), através de um acostumar-

se suave e progressivo, e não uma repetição mecânica e forçada (Hauerwas, 1995).

Os filósofos da antiguidade e os teólogos cristãos, apesar de partirem de diferentes

compreensões do que vem a ser virtude, concordam que qualquer percepção de viver

bem deve tomá-la em consideração. Na modernidade, quando as virtudes são

analisadas, aparecem como algo secundário à ética baseada nos princípios e valores.

William Frankena (1973), citado por Stanley Hauerwas (1995), defende que a teoria ética

deve-se ocupar com a justificação da moral e com o esclarecimento das diferenças entre

os apelos para o dever e as suas consequências. As virtudes constituem suplementos na

determinação da correcção ou incorrecção de um acto e são vistas como o componente

motivacional dos princípios éticos. Para William Frankena, duas virtudes devem ser

cultivadas: a benevolência, disposição para ser beneficente; e a justiça, inclinação para

tratar as pessoas de modo igual. Entretanto, nas éticas deontológicas, a função das

virtudes não consiste em determinar o que deve ser feito mas sim assegurar que o sujeito

ético agirá, com boa vontade, segundo o dever, em qualquer situação (Hauerwas, 1995).

Este entendimento da ética é particularmente assumido pela bioética nos seus

primórdios, que vê a virtude como a motivação para a acção e compreende que a

descrição de um acto pode ser abstraída do carácter do agente. No livro «Principles of

Biomedical Ethics», Tom Beauchamp e James Childress mantêm a proposta de William

Frankena, fundamentando a ética biomédica em torno das alternativas normativas das

teorias utilitarista e deontológica e dos princípios da autonomia, não maleficência,

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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beneficência e justiça. Assim, a cada um dos princípios fundamentais, ainda que

imperfeitamente, correlaciona-se uma virtude primária (Beauchamp, 2001):

Princípios Virtudes correspondentes O respeito pela autonomia Respeitabilidade Não maleficência Não malevolência Beneficência Benevolência Justiça Justiça

O renovado interesse pela natureza e importância da ética das virtudes é estimulado pelo

trabalho de Alasdair MacIntyre, «After Virtue», cuja primeira edição ocorreu em 1981. O

autor concorda que os princípios e as regras são importantes para a ética, mas rejeita a

tentativa de justificá-los isoladamente das suas raízes criadas nas particularidades

históricas de comunidades concretas. A defesa de Alasdair MacIntyre é uma alternativa

ao desafio de conseguir um acordo entre pessoas que têm apenas em comum a

necessidade de cooperar no interesse da sobrevivência (Hauerwas, 1995).

É, então, a terceira edição do livro «After Virtue: A study in moral theory» de Alasdair

MacIntyre, editada em Londres pela Duckworth em 2007 (MacIntyre, 2007), que serve de

base para a elaboração da presente síntese da ética das virtudes.

Segundo o próprio autor, a natureza e a concepção das virtudes que desenvolve partem

da defesa da tradição moral aristotélica como o melhor exemplo disponível de uma

tradição que, racionalmente, outorga aos seus seguidores um elevado grau de confiança

nos seus recursos morais e epistemológicos.

Para Alasdair MacIntyre, uma virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e

exercício tendem a capacitar-nos para realizar os bens que são internos às práticas e

cuja falta nos impede de realizar tais bens. A sua explicação das virtudes prossegue

através de três etapas: uma primeira que diz respeito às virtudes como qualidades

necessárias para realizar os bens internos às práticas; uma segunda que as considera

como qualidades que contribuem para o bem de toda uma vida; e uma terceira que as

relaciona à persecução de um bem para os seres humanos, cuja concepção somente

pode ser elaborada e possuída dentro de uma contínua tradição social. São então

essenciais, os conceitos de prática, unidade narrativa da vida e de “telos” da vida

humana.

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ÉTICA

97

3.2.1. A EXPLICAÇÃO DE ALASDAIR MACINTYRE PARA AS VIRTUDES

Existem diferentes e incompatíveis concepções de virtude e isso ocorre mesmo dentro da

tradição do pensamento que Alasdair MacIntyre esquematiza na sua obra, como destaca

o próprio autor. Esta diversidade é tal que parece difícil encontrar uma unidade para o

conceito ou para a história das virtudes. Homero, Sófocles, Aristóteles, o Novo

Testamento e os pensadores medievais diferem uns dos outros de várias maneiras.

Apresentam-nos listas de virtudes distintas, inconciliáveis e com ordens de importância

discordantes. Se se considerar escritores ocidentais mais recentes, estas discrepâncias e

divergências tendem a aumentar, e se se estender a investigação para os povos

orientais, como por exemplo os japoneses, ou para as culturas dos índios americanos as

diferenças crescerão ainda mais. A conclusão que fica assim evidente é de que há um

sem número de concepções propostas e rivais para as virtudes.

Uma vez que os vários autores incluem distintos conjuntos e tipos de itens nas suas listas

de virtudes, nas diferentes épocas e lugares, mas dentro de uma só história, que é a da

cultura ocidental, Alasdair MacIntyre questiona-se acerca das bases em que seria

possível aspirar a listar itens de um único e mesmo tipo de conceito comum. Uma

resposta negativa parece ser a mais óbvia a esta questão, pois além de cada um dos

diversos autores arrolar distintas espécies de itens, também cada rol corporifica e

expressa uma teoria diferente acerca do que é a virtude.

Nos poemas homéricos, virtude é uma qualidade cuja manifestação capacita alguém para

fazer exactamente o que o seu papel social bem definido requer. Assim, é impossível

identificar as virtudes homéricas sem primeiro reconhecer os papéis chave na sociedade

e as exigências de cada um.

Para Aristóteles, ainda que algumas virtudes estejam disponíveis apenas para certos

tipos de pessoas, não se vinculam ao facto destas serem depositárias de um papel

social, mas ao humano como tal. O “telos” da espécie humana determina as qualidades

apreciadas como virtudes e o seu exercício configura um componente essencial da “vida

boa”.

A explicação do Novo Testamento segue a mesma estrutura lógica e conceptual da visão

aristotélica, embora apresente divergências em relação ao conteúdo. Uma virtude é, da

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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mesma maneira que em Aristóteles, uma qualidade cujo exercício leva ao alcance do

“telos” humano. O bem humano não consiste somente num bem natural, mas

sobrenatural, pois este redime e completa a natureza. Depois, tal como em Aristóteles, o

relacionamento das virtudes como meios para o fim que é a incorporação humana no

reino divino com a chegada dos tempos, apresenta-se como algo interno e não externo.

Uma característica central em ambas as explicações é que o conceito de “vida boa”

antecede o de virtude, da mesma maneira que na explicação homérica a concepção de

papel social ocorre apriori. A aplicação do primeiro conceito determina a utilização do

último, ou seja, a noção de virtude é secundária.

Dentre os autores mais recentes que escreveram sobre as virtudes, Alasdair MacIntyre

destaca a explicação de Benjamim Franklin que, como a de Aristóteles, é teleológica,

mas difere desta ao ser utilitarista. Para Benjamim Franklin, as virtudes configuram meios

para um fim, porém entende esta relação de meios e fins como externa e não interna. O

objectivo do cultivo das virtudes é a felicidade, entendida como sucesso, primeiro na terra

e, em última instância, no céu. As virtudes têm que ser úteis, desta maneira vê-se

reforçada a utilidade como um critério para os casos individuais.

Há então, segundo o autor, pelo menos três concepções muito diferentes de virtude:

como uma qualidade que capacita um indivíduo a desempenhar o seu papel social

(Homero); como uma qualidade que possibilita o movimento do indivíduo rumo à

realização de um “telos” especificamente humano, seja natural ou sobrenatural

(Aristóteles e o Novo Testamento); e como uma qualidade útil na obtenção do sucesso,

na terra e no céu (Franklin).

Entretanto, no que concerne às diferenças, Alasdair MacIntyre considera que estas

explicações para as virtudes esquematizadas sumariamente na sua obra, de facto,

corporificam apenas uma única asserção. Cada uma requer, além da hegemonia teórica,

a institucional. Na Odisseia, os ciclopes permanecem condenados porque lhes falta a

agricultura, “agora” e “themis” (segundo Alasdair MacIntyre, o conceito homérico de

“themis” é o da lei partilhada pelas pessoas civilizadas); Aristóteles reprova os bárbaros

por não possuírem a “polis” e, portanto, serem incapazes de fazer política; para os

cristãos do Novo Testamento não há salvação fora da igreja apostólica; e Benjamim

Franklin vê na Filadélfia, antes de Paris, o local mais propício para a origem das virtudes.

Até aqui, para o autor, um dos traços que marca a concepção de virtude e que emerge

com alguma clareza é que esta requer, para a sua aplicação, a aceitação de certas

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ÉTICA

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características da vida moral e social em termos das quais é definida e explicada. Assim,

na visão homérica a noção de virtude é secundária ao sentido de papel social, em

Aristóteles ao de “vida boa” que configura o “telos” da acção humana e para Benjamim

Franklin ao de utilidade.

Na visão homérica, o exercício das virtudes implica qualidades que são requeridas para

sustentar um papel social e propiciar a excelência numa área definida da prática social.

Aristóteles quando fala da excelência na actividade humana refere-se, por vezes, a algum

tipo bem determinado de prática humana, como a guerra, a geometria ou o tocar flauta.

Alasdair MacIntyre, então, sugere que esta noção de um tipo particular de prática como a

arena na qual as virtudes são exibidas e nos termos das quais recebem a sua primeira

definição, ainda que incompleta, é crucial para a tarefa de identificar uma explicação

central de virtude.

Por prática, o autor entende qualquer forma coerente e complexa de actividade humana

cooperativa, socialmente estabelecida, cujos bens internos inerentes são concretizados

no decurso da tentativa de realizar os padrões de excelência apropriados e parcialmente

definidos para essa actividade, resultando na expansão sistemática dos poderes

humanos para operar a excelência e das concepções humanas dos fins e bens

envolvidos. Assentar tijolos ou plantar nabos não constituem práticas, mas a arquitectura

e a agricultura já o são, assim como as investigações de física, química e biologia, e o

trabalho do historiador, a pintura e a música. Nos mundos antigo e medieval, a criação e

a manutenção de comunidades humanas – famílias, cidades, nações – é geralmente

tomada como uma prática no sentido definido por Alasdair MacIntyre. Desta forma, o

espectro das práticas é amplo e inclui as artes, as ciências, os jogos, a política (não no

sentido aristotélico), o estabelecimento e a conservação da vida da família.

Entretanto, segundo Alasdair MacIntyre, a discussão acerca do exacto alcance das

práticas tem menos importância do que a explicação dos termos chave envolvidos na sua

definição, começando com a noção de bens internos. Para esta explicação, o autor

recorre ao exemplo do jogo de xadrez que se pode resumir da seguinte forma:

Existe uma criança de 7 anos de idade, extremamente inteligente que, mesmo contra a

sua vontade, alguém quer ensinar a jogar xadrez. A criança, porém, deseja comer doces

e tem poucas oportunidades para o conseguir. Esse alguém, então, oferece guloseimas à

criança para que esta jogue com ele uma vez por semana, acrescentando que, em caso

de vitória, ganhará uma porção extra. A pessoa informa que fará jogadas com um certo

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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nível de dificuldade, mas não ao ponto de impossibilitar a criança de jogar. Assim

motivada, a criança joga e para ganhar. Contudo, como é o doce que configura para a

criança uma boa razão para jogar xadrez, não há nenhuma razão para não fazer batota,

pelo contrário, não lhe faltam motivos para tal, desde que a criança obtenha sucesso

nisso. Mas, como esclarece o autor, é possível que surja um momento em que a criança

encontre nos bens específicos do xadrez – realização de um certo tipo de habilidade

analítica altamente específica, imaginação estratégica e intensidade competitiva – um

novo conjunto de razões, não para ganhar em alguma ocasião particular mas sim para

tentar superar-se quaisquer que sejam as exigências do xadrez. Nesse momento, se a

criança faz batota já não estará a enganar quem lhe está a ensinar o jogo, mas a si

mesma.

Jogar xadrez, então, propicia a obtenção de duas espécies de bens: os externos e os

internos. Os externos são vinculados a este jogo mas, também, a outras práticas pelas

circunstâncias sociais, como prestígio, status e dinheiro, ou seja, para a obtenção de tais

bens existem outros meios alternativos e a sua realização não depende única e

exclusivamente do empenho em algum tipo particular de prática. Por sua vez, os bens

internos à prática do jogo de xadrez não podem ser obtidos de outro modo que não seja

jogando xadrez. São chamados bens internos porque só é possível especificá-los

lançando mão de exemplos, de práticas – como o jogo de xadrez – e somente podem ser

identificados e reconhecidos pela experiência de participar da prática em questão. Os que

não têm a experiência relevante da prática também são incompetentes como juízes dos

bens internos.

Verifica-se, então, que os bens internos e externos a uma prática se distinguem de uma

maneira importante e decisiva. Os bens externos correspondem a alguma propriedade ou

domínio individual. Assim, quanto mais alguém tem destes bens, menos sobra para as

outras pessoas, configurando-se, portanto, como objectos de disputa onde,

necessariamente, há perdedores e ganhadores. Ao invés que, os bens internos decorrem

na verdade da competição para superar-se no rumo à excelência, sendo que a sua

realização representa um bem para toda a comunidade participante na prática.

Uma prática envolve padrões de excelência, obediência às suas regras e conquista dos

bens. Entrar numa prática significa aceitar a autoridade dos padrões e a inadequação do

seu próprio desempenho aos seus impulsos, ou seja, é submeter as próprias atitudes,

escolhas, preferências e gostos aos padrões definidos pela prática. Sejam jogos, ciências

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ÉTICA

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ou artes, as práticas, como destaca o autor, têm uma história. Desta forma, os padrões

de excelência estabelecidos são passíveis de crítica, mas, a iniciação numa prática não

pode ocorrer sem a aceitação da autoridade dos melhores padrões reconhecidos até

então.

Destas considerações, para Alasdair MacIntyre, emerge uma primeira e parcial definição

de virtude:

“A virtue is an acquired human quality the possession and exercise of which tends to

enable us to achieve those goods which are internal to practices and the lack of which

effectively prevents us from achieving any such goods” (MacIntyre, 2007).

Ou seja: Uma virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício tendem

a capacitar-nos para realizar os bens que são internos às práticas e cuja falta nos impede

de realizar tais bens.

Esta noção indica-nos o lugar das virtudes na vida humana, não sendo difícil, na opinião

do autor, mostrar que existe um leque de virtudes chave sem as quais os bens internos

às práticas são impossíveis de serem alcançados.

É inerente ao conceito de prática delineado por Alasdair MacIntyre, o facto dos seus bens

só poderem ser realizados através da subordinação do próprio no relacionamento com os

outros praticantes. Quem entra numa prática tem que: aprender a reconhecer o que é

devido a quem; estar preparado para assumir, quaisquer que sejam, os riscos de auto-

exposição ao perigo que são requeridos ao longo da jornada; escutar atentamente o que

é dito sobre as suas próprias inadequações, respondendo com a mesma atenção a esses

factos. Por outras palavras, as virtudes da justiça, coragem e honestidade têm de ser

aceites enquanto componentes necessárias de qualquer prática com bens internos e

padrões de excelência. Ao não aceitá-las, por exemplo, com o fazer batota, fica impedida

a realização dos padrões de excelência dos bens internos à prática, ficando esta sem

sentido, excepto como um estratagema para a obtenção de bens externos.

Toda a prática requer então, um certo tipo de relação entre todos os que nela participam.

Consequentemente, as virtudes passam a adequar os bens por referência aos quais,

quer se goste ou não, são definidos os relacionamentos entre as pessoas que partilham

as propostas e os padrões constituintes dessas práticas. Alasdair MacIntyre apresenta o

seguinte exemplo:

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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A, B, C e D são amigos no sentido de amizade que Aristóteles refere como primária:

partilham a procura de certos bens. Nos termos de Alasdair MacIntyre, partilham uma

prática. D morre em circunstâncias obscuras, A descobre como D morreu e conta a

verdade sobre isso a B, enquanto mente a C. C acaba por descobrir a mentira. A não

pode, então, de forma inteligível, reclamar que mantém o mesmo relacionamento de

amizade com B e C. Por contar a verdade a um e mentir ao outro, define uma diferença

nesse relacionamento. Obviamente, está aberta a possibilidade de A explicar esta

distinção de várias maneiras. Talvez estivesse a poupar C de uma dor, ou simplesmente

enganou-o. Porém, é inegável que existe alguma diferença nos relacionamentos, como

resultado dessa mentira. Consequentemente, a fidelidade de uns para com os outros na

procura dos bens em comum está posta em causa.

Assim, na medida em que se partilham os padrões e as propostas típicas das práticas,

define-se, seja isso reconhecido ou não, um relacionamento de uns para com os outros

por referência a padrões de honestidade e confiança, além de justiça e coragem. Na

explicação de Alasdair MacIntyre, a justiça exige que as pessoas sejam tratadas de

maneira uniforme e impessoal, de acordo com o mérito de louvor ou o merecimento de

castigo. O afastamento dos padrões de justiça denota um relacionamento especial ou

particular entre as pessoas.

Com a coragem é um pouco diferente. Esta, para Alasdair MacIntyre, é uma virtude

porque o cuidado e a preocupação para com os indivíduos, as comunidades e as causas,

que são tão determinantes nas práticas, requerem a sua existência. Se alguém diz que

cuida de algum indivíduo, comunidade ou causa, mas não ao ponto de abandonar os

seus próprios interesses ao risco de danos ou perigos, permite que se lancem dúvidas

acerca da genuinidade do seu cuidado e preocupação. Isto não significa que não se

possa genuinamente cuidar e ao mesmo tempo ser covarde. Mas, quer dizer que este

alguém que genuinamente cuida e não tem a capacidade de se arriscar ao dano ou

perigo tem que se definir, tanto para si próprio quanto para os outros, como um covarde.

Desta forma, o autor afirma que, tendo-se em conta a perspectiva destes tipos de

relacionamento, sem os quais as práticas não podem ser concretizadas, a honestidade, a

confiança e a coragem configuram genuínos bens de excelência. Constituem virtudes à

luz das quais as pessoas têm que se caracterizar a si mesmas e aos outros,

independentemente do seu ponto de vista moral privado ou do código da sociedade

particular onde vivam. Este reconhecimento de que é impossível escapar à definição dos

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ÉTICA

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relacionamentos em termos de tais bens, não parece, para Alasdair MacIntyre,

incompatível com a constatação de que diferentes sociedades têm distintos códigos de

honestidade, justiça e coragem.

Para Alasdair MacIntyre, se por um lado a diversidade de códigos não impede o

florescimento das práticas, por outro, a não valorização das virtudes pela sociedade

impede-o, embora possam continuar a surgir propostas equiparáveis de instituições e

habilidades técnicas. Isto porque a cooperação, o reconhecimento de autoridade, a

realização, o respeito por padrões e a assunção de riscos que estão caracteristicamente

envolvidas nas práticas requerem: justiça no juízo de si próprio e dos outros; honestidade

inflexível a fim de possibilitar a aplicação da justiça; disposição para confiar nos juízos

dos que devido às suas realizações gozam dentro da prática de autoridade para julgar;

justiça e honestidade nos juízos; e a possibilidade de periodicamente se expor, a si

próprio, e à realização da prática, a riscos.

Ingressar numa prática é passar a relacionar-se tanto com os seus praticantes

contemporâneos, quanto com os seus predecessores, especialmente com os

participantes cujas realizações expandiram o seu alcance até ao ponto presente. Então, o

que se confronta é a autoridade de uma tradição que tem que ser aprendida. Por esta

razão, a aprendizagem e o relacionamento com o passado que possibilita a

materialização das virtudes da justiça, coragem e honestidade são pré-requisitos para a

manutenção das relações presentes no interior das práticas.

Não se pode deixar de considerar, como refere Alasdair MacIntyre, que onde as virtudes

são exigidas, os vícios também encontram terreno fértil. Porém, os que têm vícios e um

espírito mau, necessariamente contam com as virtudes dos demais para que as práticas

nas quais se alistam possam prosseguir. Além disso, negam a si próprios a experiência

da realização dos bens internos à prática.

No sentido defendido pelo autor, uma prática não configura apenas um conjunto de

habilidades técnicas, ainda que estas sejam requeridas para o seu exercício. O que

caracteriza uma prática são as concepções dos bens e fins relevantes, aos quais as

habilidades técnicas servem, são transformadas e enriquecidas pelo aumento das

potencialidades humanas e pela ponderação dos próprios bens internos, que são apenas

parcialmente definitivos, para cada prática em particular ou para cada tipo de prática

específico. Os objectivos e as metas de uma prática não são perenes, mas transmutáveis

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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pela sua história. E esta, por sua vez, transcende a melhoria das habilidades técnicas

relevantes. Esta dimensão histórica é determinante para as virtudes.

Práticas e instituições não devem ser confundidas: por exemplo, física e medicina são

exemplos das primeiras; laboratórios, universidades e hospitais das segundas. As

instituições, caracteristicamente, preocupam-se com os bens externos, isto é, estão

envolvidas com o ganhar dinheiro e outros bens materiais, além de serem estruturadas

em termos de poder e status, conferidos, juntamente com o dinheiro, como recompensas.

Alasdair MacIntyre considera que nem poderia ser de outra maneira, uma vez que elas

existem para sustentar não somente a si mesmas, mas às práticas das quais são

portadoras sociais. Nenhuma prática é capaz de sobreviver sem o apoio de uma

instituição. Na verdade, a interface das instituições com as práticas e,

consequentemente, dos bens externos com os internos é tal que chegam a formar uma

única ordem motivadora, na qual os ideais, a criatividade e a preocupação cooperativa

pelos bens comuns da prática ficam vulneráveis à ganância e à competitividade da

instituição. Neste contexto, para o autor, a função essencial das virtudes fica clara. Sem

estas, ou seja, sem justiça, coragem e honestidade, as práticas são incapazes de opor

resistência ao poder corruptor das instituições.

Assim, a capacidade de uma prática reter a sua integridade depende das possibilidades e

do real exercício das virtudes na manutenção das instituições que a sustentam. Para ser

íntegra, uma prática requer que, ao menos alguns dos indivíduos que a corporificam nas

suas actividades, exerçam as virtudes, sendo a corrupção das instituições, pelo menos

em parte, efeito dos vícios. Entretanto, alerta Alasdair MacIntyre, nunca é demais lembrar

que é sempre dentro de alguma comunidade particular, com as suas instituições

específicas, que as pessoas aprendem a exercer as virtudes ou falham nessa

aprendizagem.

A posse das virtudes – mas não a sua aparência ou simulação – é necessária para

alcançar os bens internos às práticas, podendo, contudo, tornar-se empecilho para

realizar os bens externos. Estes são genuinamente bens, não apenas enquanto objectos

do desejo humano, cuja distribuição acompanha as virtudes da justiça e da generosidade,

mas porque ninguém pode desprezá-los sem uma certa hipocrisia. Desta maneira, na

opinião de Alasdair MacIntyre, considerando as condições do mundo, não é de espantar

que o cultivo da honestidade, da justiça e da coragem possam representar um estorvo

para a riqueza, a fama ou o poder, isto é, embora seja possível esperar a realização dos

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padrões de excelência e os bens internos de certas práticas pela posse das virtudes,

alcançar riqueza, fama e poder pode-se tornar impossível com essa posse. Se numa

sociedade específica dominar a procura dos bens externos, o conceito de virtude pode

ficar sob risco de um grande desgaste ou, até mesmo, da total extinção, apesar das suas

imitações poderem ser abundantes.

Esta noção de virtude apresentada por Alasdair MacIntyre, e de acordo com o próprio

autor, tem semelhanças e afastamentos da visão aristotélica das virtudes. Quanto a este

último aspecto, destaca que embora a sua explicação para as virtudes seja teleológica,

não guarda fidelidade à biologia metafísica de Aristóteles. Outro aspecto é que não

considera o conflito exclusivamente como falha do carácter individual, pois entende que

há uma multiplicidade de práticas humanas e uma consequente diversidade de bens,

muitas vezes incompatíveis, na persecução dos quais as virtudes podem ser exercidas.

Em relação às semelhanças destaca, entre outras, que esta explicação adopta a noção

aristotélica de prazer e gozo, irreconciliável com qualquer perspectiva utilitarista, pois é

próprio da virtude o seu exercício sem a consideração das consequências, a fim de ser

efectiva na produção dos bens internos. Os que realizam a excelência no interior das

práticas, caracteristicamente, gozam com essa realização e obtenção. Entretanto, tal

prazer não constitui um fim que o agente ambiciona, porque este resulta da actividade

com êxito. Lembra o autor que nem todo o prazer corresponde ao gozo que sobrevém

pela realização com êxito da actividade. Alguns dos prazeres configuram estados

psicológicos e físicos independentes da actividade, ou seja, conformam bens externos

juntamente com o prestígio, status, poder e dinheiro, podendo, como tais, serem

procurados enquanto recompensas externas passíveis de serem conseguidas pelo

dinheiro ou recebidas em virtude do prestígio.

Alasdair MacIntyre define as virtudes em termos do seu lugar nas práticas, entretanto,

algumas delas, ou seja, algumas actividades humanas consistentes e que se encaixam

no seu entendimento de prática – são más, como alerta o próprio autor. Parece óbvio,

para ele, que graças a factos circunstanciais, as práticas, em algumas ocasiões

particulares, se apresentem como produtoras de mal. Esclarece que não pretende, com a

sua explicação, desculpar ou fechar os olhos ao mal que pode advir das práticas, e que

tão pouco defende que tudo quanto germine de uma virtude é bom. A coragem, às vezes,

pode manter a injustiça e a lealdade pode proteger um assassino. O facto das virtudes

terem de ser inicialmente definidas e explicadas com referência à noção de prática não

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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significa, de maneira alguma, a aprovação de todas as práticas, em qualquer

circunstância.

Por outras palavras, a definição das virtudes não em termos de práticas boas e correctas,

mas simplesmente de práticas, não implica que estas, tal como são desenvolvidas na

realidade, em determinados tempos e lugares, não necessitem do criticismo moral. E não

faltam recursos para a elaboração de tal crítica, uma vez que não há inconsistência

alguma em apelar para as exigências de uma virtude com o intuito de criticar a sua

própria prática. Uma moralidade das virtudes requer como contrapartida uma concepção

de lei moral, cujas ordens também têm de ser acatadas pelas práticas.

Alasdair MacIntyre enfatiza que o âmbito de qualquer virtude na vida humana ultrapassa

os limites das práticas nos termos das quais recebe a sua definição inicial, ou seja,

requer-se uma noção de bem humano que transcende a limitada compreensão das

virtudes que é viabilizada pelas práticas. Isto porque uma virtude não é apenas uma

tendência que colabora para o sucesso somente nalgum tipo particular e específico de

situação, ao contrário, o que se espera de alguém possuidor de virtudes é que as

manifeste, nas diferentes circunstâncias da vida.

Alega o autor que se esta extensão não ocorresse, primeiro de tudo, a vida seria invadida

por uma excessiva conflituosidade e arbitrariedade, já que a existência de múltiplos bens

abre espaço para que o conflito ocorra até mesmo na vida de uma pessoa virtuosa e

disciplinada. As exigências das distintas práticas podem ser incompatíveis a ponto de

fazer a pessoa oscilar de maneira arbitrária, ao invés de escolher racionalmente. Se a

vida das virtudes é continuamente quebrada por escolhas nas quais a fidelidade a uma

acarreta a renúncia aparentemente arbitrária de outra, poderia parecer que os bens

internos às práticas, afinal de contas, derivam a sua autoridade de opções individuais.

Segundo, a noção de certas virtudes permanece imparcial e incompleta enquanto não

existir uma concepção mais abrangente de “telos” para a vida humana, pois este garante

a subordinação de uns bens aos outros. Desta forma, o autor sugere que se não houver

um “telos” que transcenda os bens limitados das práticas, constituindo um bem da vida

humana como um todo, a vida moral pode ser invadida pela arbitrariedade e chegar à

incapacidade de especificar o contexto de certas virtudes de maneira adequada. Por

último, há pelo menos uma virtude reconhecida pela tradição, cuja pormenorização

somente pode ocorrer por referência à unidade da vida humana, a virtude da integridade

ou constância.

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ÉTICA

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Actualmente, segundo Alasdair MacIntyre, qualquer tentativa de confrontar a vida

humana como um todo, uma unidade cujo carácter pode prover às virtudes um “telos”

adequado, encontra obstáculos de tipo social e filosófico. Os óbices sociais decorrem da

forma como a modernidade divide a vida humana numa variedade de segmentos, cada

qual com as suas próprias normas e modos de comportamento. Assim, o trabalho é

separado do lazer, a vida privada da pública, a corporativa da pessoal, a infância e a

velhice do resto da vida. E estas separações formam-se de tal maneira que é com base

na distinção de cada uma delas, e não na unidade da vida de um indivíduo, que ocorrem

o pensamento e o sentimento. Os obstáculos filosóficos incluem a tendência actual de

pensar a acção humana atomisticamente, analisando actividades e permutas complexas

em termos de componentes simples.

As virtudes, portanto, a partir desta expansão na sua concepção proposta pelo autor,

constituem disposições que não apenas mantêm práticas e capacitam para a realização

dos bens internos a estas, mas sustentam um relevante tipo de expedição para o bem,

por possibilitar a superação das ofensas, prejuízos, perigos, tentações e perturbações

percebidas, proporcionando um crescente auto-conhecimento e cognição do bem. O

catálogo de virtudes, desta maneira, contempla as requeridas para manter o tipo de

famílias e comunidades políticas nas quais homens e mulheres possam juntos procurar

pelo bem.

Por isso, na visão de Alasdair MacIntyre, é impossível ser-se capaz de procurar o bem ou

exercitar as virtudes apenas enquanto indivíduos. E isto acontece, em parte porque o

sentido de “vida boa” varia segundo o tempo histórico e o local, ou seja, o que é

considerado “vida boa” por um ateniense do século V aC difere da visão de uma freira

medieval ou de um agricultor do século XVII. Entretanto, não é só por estes diferentes

indivíduos viverem em distintas realidades sociais, mas cada um aborda a sua própria

circunstância enquanto portador de uma identidade social particular, isto é, cada um é

filho ou filha de alguém, primo ou tio de outro mais, cidadão desta ou daquela cidade,

membro desta ou daquela associação ou profissão, pertencente a este clã, ou àquela

tribo, ou àquela nação. Como tal, herda do passado da família, da cidade, da tribo, da

nação uma variedade de dívidas, patrimónios, expectativas e obrigações legítimas que

constituem o doado de uma vida, o seu ponto de partida moral.

A história da vida de uma pessoa está sempre inserida na história das comunidades das

quais ela obtém a sua identidade. Cada um nasce com um passado e tentar desligar-se

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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dele, de modo individualista, significa desfigurar as relações presentes. As posses de

uma identidade histórica e de uma identidade social coincidem. É claro que este

pensamento, alerta o autor, é estranho e mesmo surpreendente do ponto de vista do

individualismo moderno, defensor de que cada um pode ser o que escolher ser,

passando os aspectos históricos e sociais a representar meros traços casuais da sua

existência.

Alasdair MacIntyre destaca o facto da identidade moral se construir na pertença às

comunidades, como a família, a vizinhança, a cidade, a tribo, entre outras, mas, não

significa que se tem que aceitar as limitações morais acrescidas das particularidades

destas formas de comunidade. Se, por um lado, sem tais particularidades morais fica-se

impossibilitado de construir um ponto de partida moral, por outro, é movendo-se para

além delas que a procura pelo bem, pelo universal se concretiza. Ainda assim, a

particularidade nunca pode ser simplesmente deixada para trás ou esquecida. O autor

considera que a noção de escapar das particularidades para um reino inteiramente de

máximas universais, que pertencem ao humano como tal, cria uma ilusão de

consequências dolorosas.

O que cada um é, consiste em grande parte no que se herda, ou seja, existe no presente,

em algum grau, um passado específico. Cada um toma parte de uma história e isto

significa para o autor que, goste-se ou não, reconheça-se ou não, cada um é portador de

uma tradição. E o que mantém e fortalece as tradições ou as enfraquece e destrói é, em

grande medida, o exercício das virtudes ou a sua falta, respectivamente. A falta de

justiça, honestidade, coragem e virtudes intelectuais corrompe tradições, assim como as

instituições e práticas que são as suas portadoras sociais contemporâneas.

Quando o autor caracteriza o conceito de prática é importante notar, como ele próprio

destaca, que estas têm histórias e que em qualquer momento o que uma prática é

depende do modo como ela é entendida e transmitida através das gerações. E as

tradições através das quais as práticas particulares são passadas e remodeladas não

existem isoladamente das tradições sociais mais amplas.

Parece ficar claro, então, como salienta o próprio Alasdair MacIntyre, que a sua

concepção das virtudes prossegue através de três etapas: a primeira que diz respeito às

virtudes enquanto qualidades necessárias para realizar bens internos às práticas; a

segunda que as considera como qualidades contribuintes para o bem de toda uma vida; e

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ÉTICA

109

a terceira que as relaciona à persecução de um bem para os seres humanos, cuja noção

somente pode ser elaborada e apropriada dentro de uma contínua tradição social.

A menos que satisfaça as condições especificadas em cada uma das três etapas, uma

qualidade humana não pode ser considerada uma virtude. Isto é importante porque há

qualidades que, mesmo decorrendo de práticas, não são virtudes, pois sobrevivendo aos

testes da primeira etapa, falham na segunda ou na terceira.

Para exemplificar situações deste tipo, Alasdair MacIntyre considera as qualidades da

impiedade e rigidez, distinguindo-as da qualidade sábia de saber reconhecer quando ser

impiedoso e rígido. Há práticas, como o viajar pelo meio selvagem, nas quais a

habilidade para ser impiedoso e rígido em guiar-se a si próprio e aos outros pode ser uma

condição não apenas para alcançar bens, mas para sobreviver. Tal habilidade pode

requerer como condição para o seu exercício o cultivo de uma certa insensibilidade para

com os sentimentos dos outros, uma vez que levar isso em conta pode resultar em pôr

em risco a sobrevivência. A transposição deste complexo de qualidades para a prática de

estabelecer e manter a vida numa família descreve a receita para o desastre, isto é, o

que parecia ser uma virtude num contexto, torna-se um vício noutro. Mas, estas

qualidades não representam, para o autor, nem uma virtude nem um vício. Não são

virtudes porque se mostram incapazes de satisfazer a exigência que uma virtude tem de

contribuir para o bem da vida humana como um todo, uma unidade na qual os bens de

práticas particulares se integram num padrão total de objectivos que respondem à

questão, de qual é o melhor tipo de vida para um ser humano levar.

Alasdair MacIntyre considera que uma dificuldade, entre muitas a serem enfrentadas pela

sua noção de virtude, é que o tipo de trabalho feito pela maioria dos habitantes do mundo

actual não pode ser entendido em termos da natureza de uma prática com bens internos.

Um dos momentos chave na criação da modernidade ocorreu quando a produção se

deslocou para fora da família e se colocou ao serviço do capital impessoal. Isto fez com

que o trabalho, além de se ter afastado do reino das práticas com bens internos a elas

próprias, se vincula à busca da sobrevivência biológica e da produção da força de

trabalho de um lado e à ambição institucionalizada do outro, com relações meios/fins

necessariamente externas. Consequentemente, as práticas foram removidas para as

margens da vida social e cultural.

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ÉTICA

111

3.3. ÉTICA DO CUIDADO

No desenvolvimento da noção de cuidado têm ocorrido ao longo da história várias

abordagens, como a mitológica, a religiosa, a filosófica, a psicológica e a teológica que

acabam por influenciar orientações éticas e comportamentos morais. Disto decorrem

distintas estruturas explicativas para a ética do cuidado, incluindo a sua compreensão

como uma ética evolucionária, uma ética da virtude, uma ética do desenvolvimento, uma

ética da responsabilidade e uma ética do dever. Estas explicações revelam que não há

uma ideia única de cuidado, mas um conjunto de noções de cuidado que se unem por

alguns sentimentos básicos, algumas narrativas formativas cuja influência perdura

através dos tempos e de diversos temas recorrentes.

Uma das concepções de cunho psicológico que goza de grande destaque é a proposta

por Carol Gilligan, e contida no seu livro «In a Different Voice: Psychological Theory and

Women’s Development», editado pela primeira vez em 1982. Nesta sua obra, ela refere-

se à interface entre a teoria psicológica e o desenvolvimento psicológico das mulheres,

criticando o carácter prescritivo atribuído à primeira. Com base em dados de estudos

empíricos, reconstrói o desenvolvimento psicológico das mulheres a partir do

entendimento de que este está centrado numa batalha pela relação, negando assim a

visão corrente, defendida por vários teóricos da psicologia, que consideram as mulheres

defectivas no seu desenvolvimento moral por não alcançarem a separação.

Ao abordar a perspectiva do cuidado no desenvolvimento moral das mulheres, uma ética

do cuidado emerge, questionando as concepções éticas vigentes e apontando novos

rumos para a Bioética, com vista a valorizar não apenas os actos, as motivações e o

carácter dos envolvidos, mas se as relações positivas são ou não favorecidas (Reich,

1995, Beauchamp, 2001).

São comuns, desde a publicação da obra de Carol Gilligan, trabalhos contrastando a

visão ética baseada nos princípios ou nos direitos individuais, nomeadamente na óptica

da justiça, com a ética do cuidado (Tong, 1998):

Ética da justiça Ética do cuidado Abordagem abstracta Abordagem contextual Separação humana Conexão humana Direitos individuais Relacionamentos comunitários Âmbito público Âmbito privado Reforça o papel da razão Reforça o papel das emoções É relativa ao género masculino É relativa ao género feminino

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

112

Para a elaboração da presente síntese da ética do cuidado, recorreu-se à reimpressão do

livro «In a Different Voice: Psychological Theory and Women’s Development», editado em

1993. Esta versão amplia a original com a introdução de um prefácio contendo uma “carta

aos leitores”, na qual Carol Gilligan esclarece os seus objectivos com a obra e responde

a algumas das críticas que o seu trabalho recebeu nesse período (Gilligan, 1993).

Assim, no seu início, a autora assinala que a época em que começou a escrever o livro,

início de 1970, foi marcada pelo ressurgimento do Movimento das Mulheres e por um

facto relevante para a sociedade norte-americana: a decisão do Supremo Tribunal do

país de tornar o aborto legalmente possível, no caso Roe versus Wade. Este caso integra

uma série de decisões do Supremo Tribunal dos EUA emitidas durante uma década

sobre a considerável confusão legal relativa ao tema do aborto. Nesta sentença, o

Supremo Tribunal sustenta o direito da mulher grávida interromper a gestação dentro de

certos limites. Reconhece o interesse do Estado na vida fetal desde o início da gravidez e

permite aos Estados norte-americanos instituírem exigências legais, desde que não

imponham uma carga indevida sobre as decisões e acções da mulher grávida, embora

não confirme a obrigação do Estado de suprir meios e assistência para a realização de

abortos não terapêuticos (Beauchamp, 2001). Com esta resolução, as bases das

relações entre homens, mulheres e crianças são abaladas. Carol Gilligan, ressalta que

quando o Supremo Tribunal dos EUA torna legal para a mulher, falar por si própria e

conferir-lhe a voz de decisão num problema complexo de relacionamento, que envolve a

responsabilidade pela vida e pela morte, muitas mulheres dão-se conta da força de uma

voz interior que interfere com a sua habilidade para se exprimirem. Essa voz interior ou

interiorizada diz à mulher que ela pode ser egoísta, trazer a sua visão para as relações;

que ela não sabe o que realmente quer ou ainda que a sua experiência anterior não

constitui directriz de confiança para pensar sobre o que fazer, ou seja, as mulheres

consideram perigoso dizer, ou mesmo saber, o que querem ou pensam, pois podem-se

incompatibilizar com os outros, configurando-se, assim, uma ameaça de abandono ou de

retaliação.

Muitas mulheres, então, sob a intimidação dos temores representados por estas

ameaças, pensam ser melhor parecer “desprendidas” e abrir mão da sua voz para

ficarem em paz. Esta escolha pode ser deliberada ou involuntária e, frequentemente,

apesar de bem intencionada, psicologicamente protectora e motivada por preocupações

para com os sentimentos das pessoas, acabam perpetuando uma civilização de vozes

masculinas e uma ordem de viver fundada na separação. Por isto, Carol Gilligan

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ÉTICA

113

considera revolucionária a descoberta pelas mulheres que ser desprendida significa não

estar em relação, pois desafiam a desunião e divisão mantidas pela sociedade patriarcal.

A autora salienta que na medida em que continua a explorar as relações entre a ordem

política e a psicologia da vida das mulheres e dos homens, fica-lhe gradativamente mais

claro o papel crucial das vozes das primeiras na manutenção ou transformação do mundo

patriarcal. Ao se envolver activamente neste processo de mudança, vê-se a si própria e

ao seu livro, no centro de um debate no qual está em questão a saúde e o poder.

Ouvindo as reacções das pessoas ao seu livro, Carol Gilligan lamenta que a forma

diferente das mulheres falarem seja prontamente assimilada nas velhas categorias do

pensamento, perdendo a sua novidade e sendo colocada em questões do tipo quem

seria melhor ou pior, se as mulheres ou se os homens. Ressalta que, quando vê o seu

trabalho ser discutido nestes termos – se as mulheres e os homens são realmente

diferentes ou quem é melhor – sabe que não foi bem compreendida, porque não são

estas as questões que deseja fazer emergir. Ao invés disso, as suas questões são sobre

as percepções da realidade e da verdade; sobre voz e relacionamentos; e sobre

processos e teorias psicológicas, nas quais as experiências dos homens constituem a

base para a totalidade da experiência humana, eclipsando a vida das mulheres e calando

as suas vozes.

Quando esta voz diferente resiste, configurando uma voz relacional, uma voz que insiste

em ficar em relação, as separações psicológicas que tomam por base a autonomia, a

personalidade e a liberdade não aparecem mais como uma condição “sine qua non” para

o desenvolvimento humano. Ressalta a autora que, dentro do contexto de sociedades

como a norte-americana, articular esta voz diferente pode equiparar-se a questionar o

valor da liberdade, pois os valores de separação, independência e autonomia são tão

historicamente fundamentados, reafirmados e enraizados na tradição dos direitos

naturais que, frequentemente, são tomados como factos, ou seja, por natureza as

pessoas são separadas, independentes e auto-governadas.

Encontram-se na base dos seus escritos, esclarece Carol Gilligan, questões sobre voz,

diferença e desenvolvimento de mulheres e homens. Quanto à voz, entende que ter uma

voz é ser humano, ou seja, ter algo a dizer é ser uma pessoa. Também por voz, a autora

explica que, quer exprimir o que as pessoas significam quando falam da essência do eu.

Voz é natural e cultural, porque composta de respiração, som, palavras, ritmos e

linguagem. Configura um poderoso instrumento e canal psicológico, ligando os mundos

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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externo e interno. Falar depende de escutar e de ser ouvido, constituindo um acto

intensamente relacional, uma relação mútua de troca entre as pessoas, mediada pela

linguagem, cultura, diversidade e pluralidade. Por estas razões, considera a voz como

uma nova chave para a compreensão da ordem psicológica, social e cultural.

No que diz respeito à diferença, Carol Gilligan esclarece que tenta deslocar esta

discussão do foco do relativismo para os relacionamentos, entendendo as diferenças

enquanto marcas próprias da condição humana e não como problema a ser resolvido.

Entretanto, alerta que ao falar sobre diferenças e suas consequentes teorizações há que

estar atento para a rapidez com que a diferença se torna desvio e este adquire quase um

tom de “pecado” numa sociedade preocupada com a normalidade, escrava da estatística

e historicamente puritana.

A autora reputa de perturbadoras as discussões que abordam se as diferenças de género

são biologicamente determinadas ou socialmente construídas, pois, na sua opinião, esta

maneira de apresentar a questão implica que as pessoas – homens e mulheres – são ou

geneticamente determinadas ou um produto da socialização, não restando qualquer

possibilidade para a resistência, a criatividade ou a mudança, cujas fontes são

psicológicas. Para ela, a presente redução da psicologia na sociologia, na biologia ou

numa combinação de ambas prepara o caminho para uma espécie de controle que

sufoca a voz e provoca a morte da linguagem, possibilitando o irromper de condições

para o totalitarismo.

Os problemas éticos adequam problemas de relações humanas e, ao traçar o

desenvolvimento de uma ética do cuidado, Carol Gilligan explora os fundamentos

psicológicos para as relações humanas não violentas. Esta ética relacional transcende a

oposição entre egoísmo e desprendimento que tem sido o elemento principal da

linguagem ética. A procura de uma voz que supere tal dicotomia representa uma tentativa

de mudar o foco da discussão ética das questões acerca de como alcançar objectividade

e distanciamento, para as relativas a como se prender a relacionamentos com

responsabilidade e cuidado.

Relacionamento requer vínculo e depende tanto da capacidade para a empatia ou da

habilidade para ouvir os outros a fim de aprender a sua linguagem ou o seu ponto de

vista, quanto o ter uma voz, uma linguagem. As diferenças entre as mulheres e os

homens, descritas pela autora, centram-se na tendência de ambos cometerem diferentes

erros de relação: os últimos pensando que ao conhecerem-se a si próprios,

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ÉTICA

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consequentemente, conhecem as mulheres; e estas entendendo que somente por

conhecerem os outros, se conhecerão a si próprias. Então, quer os homens, quer as

mulheres, tacitamente se entrelaçam ao não darem voz para as experiências das

mulheres e construírem os relacionamentos baseados no silêncio que é mantido pela

dupla falta de percepção dos seus erros de relação: os homens com a sua desconexão

das mulheres, e estas com a sua dissociação de si mesmas.

A este equívoco nos relacionamentos, de acordo com Carol Gilligan, juntam-se os erros

das teorias psicológicas que têm tomado os homens como únicos representantes dos

humanos, fazendo com que as mulheres, no seu desenvolvimento psicológico, se

empenhem em alterar as suas vozes para se encaixarem nas imagens de relacionamento

e bondade construídas a partir de falsas vozes femininas.

Ao comparar esta compreensão do desenvolvimento psicológico das mulheres com as

teorias do desenvolvimento humano que, na verdade, representam teorias sobre os

homens, Carol Gilligan elabora a sua proposta de trabalho, de que a crise relacional

experimentada pelos homens, geralmente no início da infância, nas mulheres ocorre na

adolescência e envolve, tanto para os rapazes como para as raparigas, uma separação

das mulheres, que é essencial para a manutenção das sociedades patriarcais. A

resistência das raparigas a separações culturalmente impostas numa etapa posterior do

seu desenvolvimento confere uma maior articulação e robustez à sua relutância, que,

encontrando eco em desejos de homens e mulheres por relacionamentos novos, levanta

novas possibilidades de relações e maneiras de viver.

Neste sentido, a autora considera inevitável o desafio que representa para a ordem

patriarcal, perpetuada pela sonegação contínua da experiência feminina, uma nova teoria

psicológica na qual as raparigas e as mulheres sejam vistas e ouvidas. Assim, ficar em

relação com elas no ensino, na investigação, na terapia, na amizade, na maternidade ou

no decurso das suas vidas diárias, focando as suas vivências, é potencialmente

revolucionário.

É com a intenção de trazer as vozes das mulheres para a teoria psicológica e de

reformular o diálogo entre estas e os homens que Carol Gilligan escreve a sua obra, cuja

publicação lhe permite, com surpresa como confessa, descobrir que a sua experiência

ecoa com a de outras mulheres e também, de diferentes maneiras, com a dos homens.

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O seu objectivo, como o demarca, é ampliar a compreensão do desenvolvimento humano

através da inclusão do grupo deixado de fora na construção das teorias anteriores, o das

raparigas e das mulheres, com a finalidade de chamar a atenção para os aspectos que

faltam. A partir desta perspectiva, os dados divergentes sobre a experiência feminina

propiciam uma base sobre a qual se cria uma nova teoria, potencialmente produtora de

uma visão mais abrangente da vida dos homens e das mulheres.

3.3.1. UMA VOZ DIFERENTE

Nos dez anos que precedem o lançamento de «In a Different Voice», em 1982, Carol

Gilligan ouve as pessoas falarem sobre moralidade e sobre si próprias e em determinado

momento deste percurso, começa a notar uma diferença nas vozes. Duas maneiras

diferentes de falar sobre os problemas éticos; dois modos diferentes de narrar o

relacionamento entre “o outro” e “o eu”.

São estas diferentes maneiras de pensar sobre as relações e a sua associação com

vozes masculinas e femininas nos textos psicológicos, literários e nos dados das

investigações da autora que se encontram registadas no livro. A divergência existente

entre as experiências das mulheres e a representação do desenvolvimento humano

descrita na literatura psicológica, geralmente é vista como um problema do

desenvolvimento das mulheres. Habituados a ver a vida através dos olhos dos homens,

os teóricos da psicologia cometem, segundo Carol Gilligan, um viés de observação, ao

adoptarem implicitamente a vida masculina como a norma e tentando a ela moldar a da

mulher, que então é vista como desviante, quando comparada com o padrão masculino.

Contrariando esta visão, a autora propõe que em vez de ser uma falha das mulheres por

não se encaixarem nos modelos existentes do desenvolvimento moral humano o que

pode estar a acontecer é um problema na representação, uma limitação na concepção da

condição humana, uma omissão de certos aspectos sobre a vida.

O associar esta “voz diferente” às mulheres corresponde à descrição de uma

investigação empírica, ou seja, é essencialmente através das vozes das mulheres que se

esboça o seu desenvolvimento. Entretanto, alerta a autora, ela não se caracteriza pelo

género, mas pelo tema, assim os confrontos entre as vozes masculinas e femininas

apresentados na obra servem mais para revelar uma diferença entre dois modos de

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pensar e salientar um problema de interpretação do que para representar uma

generalização sobre qualquer um dos géneros.

Para a autora, graças às suas diferentes visões acerca do “eu” e da moralidade, as

mulheres trazem para o ciclo da vida um ponto de vista diferente e ordenam a

experiência da vida em termos de diferentes prioridades. Para elas, os problemas éticos

originam-se por responsabilidades em conflito e não por direitos em competição,

requerendo para a sua resolução um modo de pensar contextual e narrativo no lugar do

modo de pensar formal e abstracto. Pela sua preocupação com a actividade de “tomar

conta”, centram o seu desenvolvimento moral em torno da compreensão da

responsabilidade e dos relacionamentos, contrapondo-a à concepção voltada para a

justiça, que vincula o desenvolvimento moral ao entendimento de direitos e regras.

Segundo Carol Gilligan, como as mulheres percebem a agressão vinculada a uma

ruptura da relação humana, as actividades de cuidado são as que tornam o mundo social

seguro, evitando o isolamento e prevenindo a agressão e, portanto, não correspondem à

mera enunciação de regras que limitem a ocorrência de actos agressivos. Nesta

perspectiva, a agressão deixa de ser entendida como um impulso incontrolável que deve

ser contido, para ser vista como um sinal de ruptura na relação, de falha no

relacionamento. As mulheres tendem a mudar as regras a fim de preservar os

relacionamentos, enquanto os homens, acatando-as, descrevem as relações como

facilmente substituíveis. O ideal do cuidado consiste, então, numa actividade de

relacionamento, de perceber e responder às necessidades, de tomar conta do mundo

procurando a manutenção da rede de relações de modo que ninguém seja deixado

sozinho.

O mundo das mulheres é formado por relacionamentos e verdades psicológicas, no qual

a consciência da relação entre as pessoas leva ao reconhecimento da responsabilidade

de uns pelos outros e à percepção da necessidade de dar resposta. Ao tomar a

moralidade como resultante do reconhecimento do relacionamento; ao acreditar que a

comunicação é o modo de solucionar os conflitos e ao ter a convicção de que a chave

para a solução do dilema ético está na forma da sua representação, longe de ser ingénuo

ou cognitivamente imaturo, o juízo das mulheres contém as compreensões decisivas para

uma ética do cuidado, em contraste com a lógica da abordagem da justiça. O princípio

central da resolução não violenta de conflitos e a crença na actividade restauradora do

cuidado fazem com que os actores de um dilema sejam vistos não como adversários

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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numa contenda de direitos, mas como membros entrelaçados de uma rede de relações,

de cuja continuidade todos dependem. Consequentemente, a resolução para um

problema ético consiste no activar esta rede de relacionamentos através da

comunicação, garantindo a inclusão de todos mediante o fortalecimento, ao invés do

rompimento, das relações.

3.3.2. OS CONCEITOS DO “EU” E DE MORALIDADE

A elaboração das questões éticas como problemas de cuidado e responsabilidade com

os relacionamentos, e não enquanto problemas de direitos e normas, liga o

desenvolvimento moral das mulheres às mudanças no seu sentido de responsabilidade e

de relacionamento, da mesma maneira que a concepção de moralidade pautada pela

justiça a une à lógica da igualdade e da reciprocidade. Assim, ressalta Carol Gilligan,

subjaz à ética do cuidado uma lógica psicológica dos relacionamentos, em contraposição

à formal de igualdade que dá corpo à ética da justiça.

As três perspectivas reveladas pelos estudos da autora denotam uma sequência no

desenvolvimento da ética do cuidado. As diferentes visões de cuidado e a transição entre

elas surgem da análise de como as mulheres usam a linguagem moral, de como

reflectem e julgam o seu pensamento e das mudanças que nele aparecem.

Na sequência observada e descrita por Carol Gilligan, a uma focagem inicial no cuidado

do “eu”, com vista a assegurar a sobrevivência, segue-se uma fase de transição na qual

se crítica este primeiro juízo como egoísta. A crítica determina uma nova compreensão

da relação entre o “eu” e o “outro”, articulada pelo conceito de responsabilidade. A

elaboração desta concepção de responsabilidade e a sua união com uma moralidade

materna, que busca garantir o cuidado dos dependentes e dos desiguais caracteriza a

segunda perspectiva. A este ponto, o bom equipara-se com o cuidar dos outros.

Entretanto, quando a mulher se exclui e reconhece apenas os outros como receptores

legítimos dos seus cuidados, geram-se problemas nas relações e cria-se um

desequilíbrio que redunda na segunda transição. Num esforço para desfazer a confusão

entre auto-sacrifício e cuidado, inerente às convenções da bondade feminina, tem lugar

uma reconsideração das relações com base no argumento da equiparação entre

conformismo e cuidado, presente nas definições convencionais e na falta de lógica

existente na desigualdade entre o “outro” e o “eu”. A terceira perspectiva focaliza a

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dinâmica dos relacionamentos e dissipa a tensão entre egoísmo e responsabilidade com

uma nova compreensão da inter-relação do “outro” e do “eu”. O cuidado torna-se o

princípio auto-escolhido de um juízo que continua psicológico na sua preocupação com

os relacionamentos e as respostas, mas que se abre ao universal, na sua condenação da

exploração e do sofrimento.

Tem-se então, uma compreensão progressivamente mais adequada da psicologia das

relações humanas, com uma diferenciação cada vez maior do “eu” e do “outro” e uma

crescente compreensão da dinâmica da interacção social, que dão corpo ao

desenvolvimento de uma ética do cuidado. Esta reflecte um conhecimento acumulativo

das relações humanas e desdobra-se em torno de um entendimento central, a

interdependência do “eu” e do “outro”. As diferentes maneiras de pensar esta relação ou

os distintos modos de apreendê-la, marcam as três perspectivas e as suas fases de

transição. Nesta sequência, salienta Carol Gilligan, a premissa da inter-relação dá forma

ao reconhecimento central e recorrente de que a violência, no fim, é destrutiva para

todos, da mesma maneira que a actividade do cuidado fortalece tanto o “outro” quanto o

“eu”.

A fim de se ser capaz de cuidar do “outro”, deve-se primeiro ser capaz de cuidar

responsavelmente de si mesmo. O desenvolvimento da infância para a idade adulta é

concebido como um movimento do egoísmo para a responsabilidade. Neste sentido, a

autora alerta, que o auto-sacrifício atrasa e luta contra o auto-desenvolvimento das

mulheres, sendo este um dever mais elevado que o primeiro.

O admitir a verdade da perspectiva feminina na concepção do desenvolvimento moral

implica reconhecer, tanto para as mulheres quanto para os homens, a importância da

relação entre o “eu” e o “outro” e a universalidade da necessidade de compaixão e

cuidado. O imperativo moral que emerge das entrevistas com as mulheres é uma

obrigação para cuidar, uma responsabilidade de discernir e aliviar o problema real do

mundo. Para os homens, o imperativo moral aparece mais como uma obrigação de

respeitar os direitos dos outros e proteger contra interferências os direitos à vida e à auto-

realização. Na “voz diferente” das mulheres, subjaz a expressão de uma ética do

cuidado, do vínculo entre relacionamento e responsabilidade e a visão da agressão como

falha nesta relação. A moralidade dos direitos fundamenta-se na igualdade e centra-se no

entendimento da justiça, configurando uma manifestação de igual respeito e contra-

balançando as reivindicações do “outro” e do “eu”. A moralidade da responsabilidade

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(ética do cuidado) tem por base o conceito de equidade, de reconhecimento das

diferenças nas necessidades, apoiando-se numa compreensão que dá origem à

compaixão e ao cuidado.

Portanto, de acordo com Carol Gilligan, o desenvolvimento moral, para os dois géneros,

propicia uma integração de direitos e responsabilidades através da descoberta da

complementaridade de duas visões distintas. Para as mulheres, a integração de direitos e

responsabilidades ocorre através do entendimento da lógica psicológica dos

relacionamentos, resultando na moderação do potencial auto-destrutivo de uma

moralidade autocrítica ao universalizar a necessidade de cuidado. Para os homens, o

reconhecimento da responsabilidade do cuidado corrige a latente indiferença de uma

moralidade de não interferência e volta a atenção da lógica para as consequências da

escolha. Numa compreensão pós-convencional da ética, as mulheres chegam a ver a

violência inerente à desigualdade e os homens a perceber as limitações de uma

concepção de justiça míope para as diferenças da vida humana.

Em resumo, para a autora, as mulheres imprimem uma construção distinta para os

problemas morais, vendo-os em termos de responsabilidades conflituantes. Esta

construção desenvolve-se através de uma sequência consistente de pensamentos e

sentimentos com três perspectivas, cada qual representando uma maior complexidade no

entendimento do relacionamento entre o “eu” e o “outro” e cada transição envolve uma

reinterpretação crítica do conflito entre o egoísmo e a responsabilidade. A sequência do

juízo moral das mulheres começa numa preocupação inicial com a sobrevivência, segue

em direcção à bondade que censura a primeira inquietação como egoísta e oposta à

responsabilidade de uma vida vivida na relação para, finalmente, alcançar uma

compreensão reflexiva do cuidado como a directriz mais adequada para a resolução dos

conflitos nas relações humanas, percebendo que o “eu” e o “outro” são interdependentes

e a vida, embora valiosa em si, só pode ser mantida pelo cuidado nos relacionamentos.

Segundo Carol Gilligan, na configuração do reino moral das mulheres regista-se a

centralidade dos conceitos de responsabilidade e de cuidado, havendo uma ligação

estreita no seu pensamento das noções do “eu” e de moralidade. Além disso, torna

evidente a necessidade de uma teoria de desenvolvimento moral mais abrangente que

inclua as diferenças da “voz feminina”, ao invés de a eliminar como desviante. Tal

inclusão, na visão da autora, é essencial tanto para explicar o desenvolvimento das

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mulheres, quanto para compreender, nos dois géneros, as características e os

precursores de uma concepção adulta de moralidade.

Isto porque, compreender como a tensão entre responsabilidades e direitos mantém a

dialética do desenvolvimento humano significa visualizar na íntegra duas experiências

díspares que no final são conectáveis. Uma ética dos direitos que decorre da premissa da

igualdade e defende que todo o mundo deve ser tratado igualmente e uma ética do

cuidado que, partindo da ideia da não violência, advoga que ninguém deveria ser ferido

ou injuriado. No desenho da maturidade, ambas as perspectivas convergem na

percepção de que a desigualdade afecta todas as partes num relacionamento e que a

violência é destrutiva para todos os envolvidos.

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3.4. ÉTICA CASUÍSTICA

Albert Jonsen e Stephen Toulmin na sua obra publicada em 1988, «The Abuse of

Casuistry: A History of Moral Reasoning» fazem uma revisão da história da casuística,

desde as suas origens na filosofia greco-romana e no judaísmo até ao cristianismo

católico. Segundo os autores, a finalidade do livro é recuperar a validade da casuística

para a discussão de problemas éticos, ou seja, pretendem reabilitar a “arte da casuística”

para a “resolução prática de perplexidades morais ou casos de consciência” (Jonsen,

1988).

Como pressupostos essenciais para a compreensão da sua obra, os autores incluem a

distinção das diferentes formas possíveis de tratar problemas éticos, a delimitação do

campo do conhecimento humano ao qual pertencem a ética e a prática clínica, e a

relação entre a resolução de problemas éticos e a prática clínica.

Assim, distinguem duas formas de discutir os problemas éticos. Uma que os ordena em

termos de princípios, regras e outras ideias gerais, e outra centrada nas características

específicas de casos tipo particulares. Na primeira, as regras éticas gerais relacionam-se

com os casos específicos de uma maneira teórica, com regras universais servindo como

“axiomas” dos quais os juízos éticos particulares são deduzidos como teoremas. Na

segunda, a relação entre as regras e os problemas é francamente prática. As regras

éticas gerais servem como “máximas”, as quais só podem ser totalmente compreendidas

nos termos dos casos paradigmáticos que definem o seu sentido e a sua força.

Para os filósofos da Atenas clássica, como explicam os autores, uma opinião poderia ser

aceite como conhecimento ou como argumento sólido e verdadeiro apenas se estivesse

necessariamente relacionada de maneira dedutiva a princípios iniciais claros e óbvios.

Porém, Aristóteles advoga que nem todos os conhecimentos são desse tipo e que tão

pouco há esse tipo de certeza teórica em todos os campos. No campo da prática, no qual

o filósofo inclui a ética, a certeza não requer domínio prévio das definições, princípios

gerais e axiomas como no campo da teoria, cujo protótipo de raciocínio é a geometria. Ao

contrário, depende da experiência prática acumulada de situações particulares da qual

resulta um tipo de sabedoria – “phronesis” – diferente da que decorre do domínio

abstracto de qualquer ciência teórica, a “episteme”.

No campo teórico, os argumentos gozam de sentido formal e são: idealizados (os

objectos físicos concretos nunca podem ser feitos com uma perfeita precisão, como

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

124

cortar o metal em triângulos ou círculos perfeitos); atemporais (serão verdades em

qualquer tempo e em qualquer ocasião); necessários (os argumentos teóricos são

estruturados de forma a libertá-los de qualquer dependência das circunstâncias nas quais

são apresentados e a assegurar-lhes um tipo de validade que não é afectada pelo

contexto prático do uso), conformando cadeias de prova, de proposições interligadas

para garantir uma conclusão. Os argumentos práticos diferem dos teóricos porque são:

concretos (a verdade das proposições práticas baseia-se na experiência directa, ao invés

de visar vínculos estritos, recorrem aos resultados de experiências prévias e reaplicam-

nas em novas situações problemáticas); temporais (a mesma experiência que ensina o

que o caso normalmente é, em qualquer tempo, também mostra o que o caso é somente

nalgumas vezes, então, às verdades da experiência prática não se aplicam as

expressões “universalmente” ou “em qualquer tempo”, mas “na ocasião” ou “nesse ou

naquele momento”, isto é, usualmente, frequente, quase sempre); presuntivos (a

conclusão permite refutação, as conclusões presuntivas estão, na verdade, abertas às

dúvidas). De sentido substancial, configuram métodos para resolver problemas, uma rede

de considerações apresentada para a solução de um dilema prático, cujo poder depende

do quanto as presentes circunstâncias se assemelham às dos casos precedentes para os

quais esse tipo particular de argumento foi originalmente construído.

Para Albert Jonsen e Stephen Toulmin, recolocar a ética no campo da sabedoria prática

tem implicações procedimentais para se poder encontrar a solução para problemas desta

ordem, assim é estabelecido como passo necessário a identificação da situação na qual

o acto em questão ocorre. Outra consequência é que os argumentos éticos são retóricos,

não no sentido fraudulento, prejudicial ou enganador, mas no de assegurar que a sua

explicação seja efectiva, inteligível, capaz de causar interesse nos ouvintes e dar-lhes

base, fundamentando-se em verdades gerais tidas como convincentes.

A prática clínica, na visão dos autores, participa do tipo de certeza da experiência directa

que marca o campo do conhecimento prático. Afirmam que, a bem da verdade, a

medicina mistura, à sua própria maneira, teoria e prática, compreensão intelectual e

habilidades técnicas, “episteme” e “phronesis”.

Na prática clínica, a questão central para o profissional de saúde é saber que condição

específica está a afectar um determinado paciente em particular e o que deve fazer para

lhe responder, nesse exacto momento e lugar. O diagnóstico clínico tem, então, o seu

ponto inicial nos anais correntes de doenças, lesões e incapacidades para as quais existe

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ÉTICA

125

descrição na literatura médica. Na medida em que novos casos se apresentam para

exame, o médico colhe detalhes da história do paciente, faz a sua observação imediata

bem como dos resultados dos testes diagnósticos, usando estes factos para localizar a

condição particular do paciente num ou mais dos diagnósticos reconhecidos. Forçado a

escolher entre as várias alternativas diagnósticas, deve decidir quão perto ou análogo

está o caso presente de cada uma das suas possibilidades.

Desta forma, as relações entre uma conclusão diagnóstica e as evidências que lhe dão

suporte são mais próprias do raciocínio prático do que da prova teórica. Isto porque, a

conclusão está mais relacionada com as evidências substantivas do que com as relações

formais. Aproxima-se mais de uma presunção refutável do que de um vínculo necessário,

sendo que a inferência das evidências para a conclusão é circunstancial, pois depende

de factos detalhados sobre as condições e a natureza de um caso particular. Por essa

razão, pode dizer-se que as conclusões diagnósticas são tentativas e estão abertas à

reconsideração, se certos sintomas cruciais ou circunstâncias forem superadas ou se o

decurso posterior da doença trouxer à luz novas evidências importantes.

Neste sentido, a prática clínica pode-se apresentar como um modelo para a análise de

problemas éticos, pois, da mesma forma que os juízos clínicos não podem ser isolados

das condições reais de pacientes individuais, o juízo ético não pode ser abstraído das

circunstâncias concretas e detalhadas dos casos práticos. Assim, a exemplo das

inferências clínicas, as conclusões no campo da ética não são necessárias e não podem

ser tomadas à revelia do contexto, sendo presumíveis e passíveis de revisão à luz da

experiência posterior. Em ambos os campos, o melhor a ser feito é apreciar a situação

particular, trazendo a ela o maior grau de percepção clínica possível.

3.4.1. CASUÍSTICA: ELEMENTOS E CONCEITOS

Como explicam Albert Jonsen e Stephen Toulmin é a partir da sua própria execução que

o método da casuística é inferido, uma vez que os casuístas não formulam explicitamente

uma metodologia, mas, apenas um estudo da prática real pode revelar os passos que

seguem. Assim, da leitura dos casos tal como descritos pelos casuístas, os autores

identificaram seis passos que são dignos de nota para a compreensão deste método: a

confiança nos paradigmas e analogias; o apelo às máximas; a análise das circunstâncias;

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

126

os graus de probabilidade; o uso de argumentos acumulativos; e a apresentação de uma

resolução final.

A primeira característica do método casuístico é a ordenação dos casos por paradigma e

analogia, segundo um princípio. Ao iniciar cada tópico, o casuísta oferece uma definição

dos termos chave e depois propõe exemplos de casos que possibilitem o questionar se

uma dada acção, descrita de um determinado modo, configura ou não uma ofensa moral.

Na abertura da série de casos, encontra-se exposto o desvio mais óbvio, um exemplo

extremo que serve como “caso paradigmático” que ilustra a violação mais evidente do

princípio geral, apreendido no seu sentido mais óbvio. No seguimento de que se

apresentam outros casos que se afastam do paradigma, introduzindo várias combinações

de circunstâncias e motivos que tornam a ofensa menos aparente.

A segunda característica da casuística é o uso de máximas. Se, por um lado, a

classificação dos casos toma por base um inquestionável princípio moral, como um dos

“Dez Mandamentos”, por outro, os argumentos evocam fórmulas retiradas de discussões

tradicionais, expressas de maneira aforística e que fornecem o sustentáculo e a garantia

de argumentação. As máximas, então, consistem em pequenos ditos extraídos da

sabedoria popular, literatura e epítetos de sábios, comummente reconhecidas como

verdades, ao menos em parte, e que são usadas para iniciar um argumento.

A progressiva dificuldade dos casos constrói-se pela adição de circunstâncias

complicadoras aos exemplos paradigmáticos. Os casuístas recorrem à tradicional lista de

circunstâncias: quem, o quê, onde, quando, por quê, como e por que meios. Chamam a

atenção para estas circunstâncias, insistindo que são elas que caracterizam o caso e,

inevitavelmente, modificam o juízo ético acerca da questão envolvida.

As opiniões sobre os casos não paradigmáticos raramente são emitidas como

necessárias, conclusivas ou evidentes, em vez disso, com base na argumentação e

autoridade, suportam uma maior ou menor convicção. Desta forma, de acordo com o

grau de probabilidade das suas conclusões, os casos são qualificados como: certo; mais

ou menos provável; fragilmente provável; e dificilmente provável. Esta escala de

qualificação representa o juízo do casuísta acerca da força dos argumentos e do peso

das autoridades que advogam as opiniões em causa. É de posse desta qualificação que

as pessoas podem avaliar a extensão do risco de infringir o princípio ético em questão e

tomar as suas decisões.

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ÉTICA

127

Os casuístas utilizam argumentos breves que apresentam vários tipos distintos de razões

para sustentar as suas conclusões, como textos das escrituras, citações da lei canónica e

apelos às virtudes da caridade ou da justiça, sem qualquer esforço para integrá-los num

único discurso consistente. A conclusão de que uma opinião merece ser classificada

como mais ou menos provável não se baseia no rigor da lógica do argumento, mas na

acumulação de múltiplas e variadas justificativas, ou seja, o peso de uma opinião

casuística decorre mais do acumular de razões do que da validade lógica dos

argumentos ou da consistência de qualquer prova.

A meta dos casuístas é chegar o mais próximo possível à decisão e à acção, portanto,

encerram sempre a sua análise sobre um caso com uma solução e um conselho relativo

à licitude ou à permissão para agir de um ou de outro modo. Nos casos mais difíceis de

serem solucionados, as resoluções são enunciadas como mais ou menos prováveis, com

a introdução de alertas do tipo: “nestas circunstâncias, dadas estas condições, pode com

razoável segurança, agir de tal e tal modo” ou “fazendo desta forma, não irá agir de forma

precipitada ou imprudente e somente pode estar com boa consciência” (Jonsen, 1988).

A partir destas características da casuística que incluem a ordenação dos casos por

paradigma e analogia; o apelo a máximas; a análise das circunstâncias; a qualificação

das opiniões; o acumulo de múltiplos argumentos; e a proclamação de resoluções

práticas de problemas éticos particulares à luz destas considerações, Albert Jonsen e

Stephen Toulmin propõem como conceito para casuística:

“The analysis of moral issues, using procedures of reasoning based on paradigms and

analogies, leading to the formulation of expert opinions about the existence and

stringency of particular moral obligations, framed in terms of rules or maxims that are

general but not universal or invariable, since they hold good with certainty only in the

typical conditions of the agent and circumstances of action” (Jonsen, 1988).

Isto é: A análise de problemas morais, usando procedimentos de ordenação baseados

em paradigmas e analogias, guiando-se pelas opiniões formuladas por peritos sobre a

existência e o rigor das obrigações morais particulares, delineadas em termos de regras e

máximas que são gerais mas não universais ou inalteráveis, uma vez que asseguram o

bem com a certeza de ser somente nas condições típicas do agente e nas circunstâncias

da acção.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

128

Desta contextualização, como alertam os próprios autores, depreende-se que nas

questões de natureza ética o que conta realmente é a habilidade para reconhecer, de

maneira completa e subtil, os detalhes, as características relevantes dos casos

particulares, isto é, as circunstâncias da acção e as condições do agente, tendo

importância reduzida o domínio prévio dos princípios, das definições e dos axiomas.

Assim, o equacionar ético na prática não é uma questão de engendrar deduções formais

de axiomas invariáveis, mas de exercitar o juízo, de ponderar as considerações umas

com as outras. Consequentemente, a casuística vai proporcionar um alcance limitado

para generalizações universais e inflexíveis, pois reconhece-se que as regras ou

máximas são gerais na sua forma, mas restritas no seu alcance prático pelo facto de só

poderem ser aplicadas, sem questionamento, unicamente nos casos que se aproximam

bastante do paradigmático, nos termos em que são definidos.

3.4.2. CASUÍSTICA NA ÉTICA CLÍNICA

Percebendo que o modo como os casuístas analisam e resolvem os problemas éticos se

correlaciona metodologicamente com a forma como os médicos lidam com os problemas

de diagnóstico na prática clínica, e acreditando que os profissionais de saúde precisam

de um método próprio que lhes proporcione um caminho claro para ordenar os factos e

os valores de cada caso em análise, com vista a facilitar a discussão e a resolução dos

problemas éticos que se lhes deparam, Albert Jonsen, um filósofo, juntamente com um

médico, Mark Siegler, e um advogado, William Winslade, desenvolveram um método para

ser utilizado nestas situações.

Este método, que toma por base vários dos elementos da casuística como o ordenar dos

casos por paradigma e analogia, a análise das circunstâncias, o acumulo de múltiplos

argumentos e a proclamação de resoluções práticas, está apresentado na obra «Clinical

Ethics: A Practical Approach to Ethical Decisions in Clinical Medicine», cuja quarta edição

de 1998, foi traduzida para português pelo Prof. Doutor Fernando Martins Vale, e

publicada em 1999, e é a que serve de referência principal a esta parte do presente

estudo (Jonsen, 1999).

Segundo os autores, a ética clínica é uma disciplina de cunho prático que proporciona

uma abordagem estruturada com vista a ajudar os profissionais de saúde a identificar,

analisar e resolver os problemas éticos que procedem da prática clínica. Aborda os

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ÉTICA

129

aspectos éticos presentes em qualquer acto clínico e os problemas que podem surgir,

especialmente quando os profissionais e os pacientes discordam sobre os valores ou

enfrentam opções que desafiam as suas convicções. Depende da firme convicção de

que, mesmo perante grandes perplexidades e fortes emoções, os profissionais de saúde

podem trabalhar construtivamente para identificar, analisar e resolver muitos dos

problemas éticos que surgem na sua prática clínica.

O método por eles proposto não começa com os aspectos reais de cada caso, nem com

os princípios e regras, como é comum nas análises éticas. Há medida que vão surgindo

na discussão dos tópicos, os princípios e regras são referidos, sendo apreciados no

contexto específico das circunstâncias concretas de cada caso. Deste modo, entendem

os autores, evita-se a discussão abstracta sobre os princípios e previne-se a tendência

de encarar um único princípio como a directriz numa determinada situação.

Segundo o método proposto, cada caso clínico, quando observado como problema ético,

deve ser analisado em função de quatro tópicos: indicações médicas; preferências do

doente; qualidade de vida; e aspectos conjunturais (Quadro I na página 133). Apesar dos

factos de cada caso diferirem, os quatro tópicos são sempre relevantes e organizam as

distintas informações, chamando a atenção para os princípios éticos mais apropriados a

cada situação. Oferecem um caminho sistematizado para identificar, analisar e resolver

problemas éticos que surgem na prática clínica, sendo os equivalentes éticos dos tópicos

clínicos utilizados pelos médicos na apresentação de casos, na formulação de um

diagnóstico e na prescrição de um plano terapêutico, ou seja, correspondem aos itens:

queixa principal do doente, história actual, pregressa, familiar e social da doença, exame

clínico e dados laboratoriais.

Os títulos dos tópicos descrevem as principais características que definem a ética da

prática clínica, sendo que estas adquirem especificidades e apresentam-se de forma

concreta a partir das circunstâncias reais de cada caso. Assim, para cada caso, os quatro

tópicos devem ser analisados, com a finalidade de averiguar como o conjunto de

princípios e circunstâncias definem o problema em questão e que resolução sugerem. As

situações com as quais os profissionais de saúde se deparam na prática clínica podem

levantar problemas que não são paradigmáticos, constituindo-se uma combinação única

e complexa de circunstâncias e valores. Os quatro tópicos configuram referências que

orientam o caminho através da ambiguidade e dificuldade dos casos concretos.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

130

A análise ética deve ocorrer com base numa revisão ordenada dos tópicos, sendo

recomendado seguir em todos os casos a mesma sequência, que se inicia pela

apreciação das indicações médicas, seguindo-se as preferências do doente, a qualidade

de vida e terminando com a abordagem dos aspectos conjunturais. Este procedimento

presta-se tanto à esquematização dos factos éticos relevantes no caso, quanto à

elucidação da necessidade de se obter mais informação antes de dar início à discussão.

A revisão pelos quatro tópicos, além de constituir uma estratégia de organização para

ensino e discussão, orienta a discussão de um problema ético no sentido da sua

resolução. Por outras palavras, os autores defendem que as discussões devem

ultrapassar o mero discurso ou debate e conduzir a uma solução prática e sensata.

Assim, após a apresentação de um caso, tem início a tarefa de procurar a resolução do

problema em análise.

Os autores assinalam que, embora a análise dos problemas éticos se inicie pelas

circunstâncias concretas dos casos, a discussão de cada tópico levanta e pressupõe

certas noções de ética, que propõem determinadas normas de comportamento e atitudes

aceites ou indicadas para determinada situação. Deste modo, a competência em ética

clínica não depende somente de se ser capaz de usar um método de análise, mas da

familiaridade com a literatura sobre o tema. Por esta razão, na sua obra, os autores além

de apresentarem o método de tipo casuísta para a análise dos problemas, incluem

indicações de textos sobre ética e ética clínica (Jonsen, 1999).

No tópico denominado “indicações médicas” abrange-se o conteúdo habitual de uma

história clínica, isto é, o diagnóstico e o tratamento da condição patológica do paciente. A

expressão “indicações” refere-se à relação entre a fisiopatologia apresentada pela

pessoa, o diagnóstico e as intervenções terapêuticas indicadas, ou seja, as apropriadas à

avaliação e ao tratamento da presente situação. Uma visão clara dos possíveis

benefícios da intervenção constitui o primeiro passo na avaliação dos aspectos éticos de

um caso, ou melhor, qualquer discussão de problemas éticos na prática clínica deve

começar pela exposição dos factos clínicos da situação. Assim, a análise não se deve

iniciar com a pergunta “tem o doente direito a recusar o tratamento”, mas antes com a

resposta à questão “quais são as indicações médicas para o tratamento” (Jonsen, 1999).

Portanto, a cuidadosa apresentação e a clara compreensão das queixas e do estado do

paciente, da natureza do dano, do diagnóstico, do prognóstico e dos recursos

terapêuticos a fim de determinar que benefícios, ou por outras palavras, que objectivos

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ÉTICA

131

da intervenção médica são plausíveis de serem alcançados em cada caso em particular,

são cruciais para a compreensão de qualquer questão ética que possa surgir.

Para os autores, toda a actuação médica deve alcançar todos ou, pelo menos, alguns

dos seguintes objectivos (Jonsen, 1999):

a) Promoção da saúde e prevenção da doença;

b) Alívio dos sintomas, dor e sofrimento;

c) Cura da doença;

d) Prevenção da morte prematura;

e) Melhoria do estado funcional ou manutenção da função residual;

f) Educação e aconselhamento do doente face à sua doença e prognóstico;

g) Não lesão do doente no decurso do tratamento.

Na opinião dos autores, não é raro que o problema ético de um caso particular surja da

falta de clareza acerca dos objectivos da intervenção ou da aparente incompatibilidade

entre eles. É por esta razão que as análises éticas se devem iniciar com uma avaliação

realista dos objectivos das indicações da intervenção médica, que têm de ser

explicitamente apresentadas pelos profissionais de saúde de modo que a própria equipa,

os pacientes e a família possam compreender as alternativas disponíveis para a situação.

Apenas depois de clarificadas as opções da intervenção, é que os outros tópicos

(preferências do paciente, qualidade de vida e aspectos conjunturais) devem ser

considerados.

O juízo clínico, objecto do primeiro tópico, conduz a uma recomendação que é

apresentada ao doente que vai decidir, segundo a sua preferência. A escolha da pessoa

informada para aceitar ou recusar a conduta proposta tem importância ética, legal, clínica

e psicológica. As “preferências do doente” constituem o núcleo ético e legal da relação

clínica, portanto, o conhecimento das preferências do paciente é essencial para uma boa

actuação dos profissionais de saúde, já que a cooperação e satisfação dos primeiros

reflectem em que medida a intervenção programada vem ao encontro das suas

necessidades, opções e valores. A deliberação do paciente é baseada nas indicações e

nas suas preferências.

Depois de terem sido consideradas as indicações médicas e as preferências do doente,

segue-se uma apreciação acerca da “qualidade de vida” do doente, antes da doença

actual e a esperada com ou sem o tratamento. Qualquer dano ou lesão ameaça as

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

132

pessoas com uma diminuição, real ou potencial, da sua qualidade de vida, por isso o

objectivo fundamental da intervenção médica deve ser restaurar, manter ou melhorar a

qualidade de vida dos que buscam esse tipo de cuidados. A avaliação da qualidade de

vida deve ser levada em linha de conta em todas as discussões acerca dos cuidados de

saúde, devendo os profissionais de saúde e as pessoas de quem cuidam estimar que

nível de qualidade de vida é desejável, como este pode ser atingido e quais os riscos e

vantagens. Ao contrário do balanço risco/benefício que se preocupa com um âmbito

relativamente mais imediato, as considerações sobre a qualidade de vida focalizam as

consequências a longo prazo da aceitação ou da recusa das indicações médicas. É o

mais delicado e perigoso dos tópicos porque pode abrir espaço para distorções e/ou

preconceitos. Neste sentido, os autores referem como questões importantes: quem faz a

avaliação, com que critérios ela é feita e que tipo de decisão clínica pode ser justificada

com base nos juízos sobre a qualidade de vida.

Nos “aspectos conjunturais” discutem-se as circunstâncias sociais, legais e institucionais

nas quais o caso particular se desenrola, ou seja, o contexto do caso, sendo por isso que

este tópico também é denominado de “aspectos contextuais”. Os casos ocorrem no meio

de um contexto complexo que enreda pessoas, instituições e organizações económicas e

sociais. Os cuidados prestados são influenciados positiva ou negativamente pelas

possibilidades e limites desse contexto que, ao mesmo tempo, também é afectado pelas

decisões tomadas pelo paciente ou em seu nome, já que estas exercem impacto

psicológico, emocional, económico, legal, científico, educacional e/ou religioso sobre

terceiros.

Estas características contextuais podem ter uma importância capital na compreensão e

resolução do caso, especialmente nos tempos actuais, quando a relação clínica é

mediada por estruturas institucionais e económicas de complexidade nunca antes

atingida na área da saúde. Em alguns casos podem adquirir tal relevância que se tornam

decisivos, entretanto, dada a multiplicidade e complexidade destes aspectos, é difícil

estabelecer uma regra geral sobre a sua prioridade. Na opinião dos autores, os aspectos

conjunturais não devem ser decisivos em detrimento das indicações médicas, das

preferências do doente ou da qualidade de vida, nesta respectiva ordem. Desta maneira,

para que tenham peso decisivo nas situações clínicas, é necessário que preencham, na

totalidade, as seguintes condições: o alcance de objectivos significativos da intervenção

médica é duvidoso; as preferências do paciente são desconhecidas e não é possível

conhecê-las; a qualidade de vida do paciente é mínima ou abaixo do mínimo; o aspecto

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ÉTICA

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contextual em questão é específico, nitidamente lesivo para terceiros e a decisão faz

diferença em termos do alívio dessa lesão.

As perguntas a serem respondidas durante as discussões de cada tópico estão

resumidas no Quadro I.

Quadro I: Perguntas a serem respondidas durante a análise de cada caso INDICAÇÕES MÉDICAS PREFERÊNCIAS DO DOENTE

1. Qual o problema do doente? História? Diagnóstico? Prognóstico? 2. O problema é agudo? Crónico? Crítico? Emergência? Reversível? 3. Quais os objectivos do tratamento? 4. Quais são as hipóteses de sucesso? 5. Quais são os planos em caso de falha terapêutica? 6. Em resumo, como este paciente vai se beneficiar dos cuidados médicos e de enfermagem e como os danos podem ser evitados?

1. O que expressou o paciente acerca das preferências pelo tratamento? 2. O paciente foi informado sobre benefícios e riscos, compreendeu e deu seu consentimento? 3. O paciente está mentalmente capaz e tem competência legal? O que é demonstrativo da incapacidade? 4. O paciente expressou antecipadamente suas preferências? Por exemplo: directivas antecipadas de vontade? 5. Se incapacitado, quem deve ser o representante? O representante segue as regras apropriadas? 6. O paciente está relutante ao tratamento ou é incapaz de cooperar? Se sim, por quê? 7. Em suma, foram os direitos de escolha do paciente respeitados em toda a sua extensão ética e legal?

QUALIDADE DE VIDA ASPECTOS CONJUNTURAIS 1. Quais são as perspectivas, com e sem tratamento, para um retorno do paciente a sua vida normal? 2. Há predisposições que possam prejudicar a avaliação da qualidade de vida do paciente? 3. Que déficit físico, mental e social pode o paciente sofrer se o tratamento for bem sucedido? 4. A situação presente ou futura do paciente é tal que a continuação da vida pode ser considerada indesejável por ele? 5. Existe alguma fundamentação lógica para renúncia do tratamento? 6. Quais os planos para os cuidados paliativos e o conforto?

1. Existem assuntos familiares que possam influir nas decisões terapêuticas? 2. Existem problemas dos profissionais (médicos ou enfermeiras) que possam influenciar as decisões terapêuticas? 3. Existem factores económicos ou sociais? 4. Existem factores religiosos ou culturais? 5. Há alguma justificação para violar o segredo médico? 6. Existem problemas de alocação de recursos? 7. Quais as implicações legais das decisões terapêuticas? 8. Está envolvida a investigação ou o ensino? 9. Existe conflito de interesse institucional ou com os profissionais de saúde?

(Jonsen, 1999)

De acordo com o método proposto, depois de delinear os detalhes segundo os quatro

tópicos, há ainda uma outra série de questões que devem ser respondidas, como: qual é

a questão ética no presente caso; onde está o conflito; a que se refere o caso; é parecido

com outros já analisados; o que se conhece sobre outros casos similares a este; há

precedentes claros; é um caso paradigmático; em que medida o caso actual se aproxima

de um caso paradigmático ou dele difere; a sua similitude ou diferença ao caso

paradigmático é eticamente significativa e em que medida a resolução de qualquer outro

caso particular dependerá dos factos do presente.

Somente após vencer todos estes passos estipulados para a análise de cada caso é que

se está apto a identificar o problema ético em questão e a se poder traçar cursos

alternativos da acção, no sentido da sua resolução.

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ÉTICA

135

3.5. ÉTICA PROFISSIONAL

A ética clássica defende a existência de um único código de preceitos e obrigações, que

por ser algo revelado deveria ser cumprido pelas pessoas, sem discussão. Este código

único tradicionalmente expressa-se sob a forma de leis, preceitos e mandamentos, o que,

por vezes, provoca a coincidência dos procedimentos éticos e jurídicos (Davis, 2003). Na

religião, a ética religiosa converte-se no direito canónico e no âmbito civil, isto aplica-se

às profissões, chegando-se mesmo a confundir o desempenho profissional com as

normas éticas ou jurídicas. Assim, os campos profissionais têm uma dimensão

ético/jurídica que, usualmente, é conhecida como a deontologia (Nunes(a), 2002).

A palavra “deontologia” deriva do grego δέον, transcrito “déon”, que significa dever,

obrigação, regras, aquilo que se deve fazer, + λόγος, “logos”, que significa ciência. Logo,

a deontologia é a ciência dos deveres, no entanto, o mais adequado é compreendê-la

como “teoria dos deveres”, já que este termo não se aplica à ciência do dever em geral,

no sentido kantiano, mas transporta consigo a ideia do estudo empírico dos diferentes

deveres relacionados com uma dada situação social (Privitera, 2004). Portanto, inclui-se

entre as teorias morais que orientam as escolhas sobre o que deve ser feito.

O termo “deontologia” foi introduzido em 1834, por Jeremy Bentham, para se referir ao

ramo da ética cujo objecto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais

(Houaiss, 2002). É um dos dois ramos principais da ética normativa, juntamente com a

axiologia. Pode-se também falar, de uma deontologia aplicada, caso em que já não se

está diante de uma ética normativa, mas sim descritiva e inclusive prescritiva. Tal é o

caso da “deontologia profissional” (Privitera, 2004).

A deontologia na visão de Kant fundamenta-se em dois conceitos que lhe dão

sustentação: a razão prática e a liberdade. O agir por dever é o modo de conferir à acção

valor moral; por sua vez, a perfeição moral só pode ser atingida por uma vontade livre. O

imperativo categórico no domínio da moralidade é a forma racional do “dever ser”,

determinando a vontade submetida à obrigação. O predicado “obrigatório” da perspectiva

deontológica designa na visão moral o “respeito de si” (Privitera, 2004).

As profissões constituem exemplos característicos de situações sociais que são alvo da

deontologia. Historicamente, aparece relacionada à experiência das profissões liberais

tradicionais, como a medicina e o direito, estendendo-se mais tarde a outras, como a

enfermagem e a arquitectura. Surgem, então, para marcar as diversas práticas

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

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profissionais, códigos de ética e ou de conduta profissional para advogados, educadores,

enfermeiros, engenheiros, fiscais, investigadores, jornalistas, juízes, serviço social, etc.

(Thompsom, 2004).

Neste sentido, a deontologia indica o conjunto de deveres inerentes ao exercício de uma

profissão, isto é, adequa o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais

no exercício da sua profissão (Hottois, 1998, 2003). Define como alguém se deve

comportar na qualidade de membro de uma classe sócio-profissional determinada,

anotando os comportamentos adequados e os que devem ser evitados, a fim de que a

imagem social da profissão seja favorecida ou, pelo menos, não se veja ofuscada ou

prejudicada. Fica claro, então, que a deontologia não pretende guiar a consciência ética

individual dos que formam uma classe profissional, estando a sua preocupação na

justeza da acção, considerando a profissão, a sociedade e a relação entre ambas. As

regras de comportamento são, usualmente, reunidas em códigos conhecidos como

“códigos deontológicos” ou “códigos de ética profissional”. Adoptados oficialmente pelas

distintas classes profissionais, em alguns países, impõem sanções disciplinares aos

membros da classe que porventura falhem na sua observância. Por isso, num senso

jurídico, a deontologia pode ser considerada uma extensão do direito profissional

(Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a), 2009).

A deontologia também se refere ao conjunto de princípios e regras de conduta – os

deveres – inerentes a uma determinada profissão (Santos, 1996). Assim, cada

profissional está sujeito a uma deontologia própria a regular o exercício da sua profissão,

conforme o código de ética de sua categoria. Neste caso, é o conjunto codificado das

obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua

profissão. São normas estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não

exactamente a qualidade moral mas a correcção de suas intenções e acções, em relação

a direitos, deveres ou princípios, nas relações entre a profissão e a sociedade. O primeiro

código de ética profissional, ou de deontologia, foi feito na área médica, nos Estados

Unidos da América, em 1847 (Davis, 2003).

As ordens ou as associações profissionais promulgam os códigos com a intenção de se

auto-regularem e de poderem resolver os seus conflitos internamente, evitando, assim,

socorrer-se do aparelho judiciário comum à sociedade. O sentido destas regras está em

assegurar a convivência ou a utilidade de uma classe sócio-profissional, para que esta

possa conseguir, da melhor forma, o fim que deseja alcançar. Na medida em que cada

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ÉTICA

137

classe profissional pretende fechar-se em si e impedir qualquer juízo externo, este modo

de proceder é passível de uma leitura corporativa. No entanto, convém não esquecer que

é positivo o facto dos profissionais tomarem consciência das exigências da sua profissão

e serem os primeiros interessados em dignificá-la (Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a),

2009).

Ao reunirem as orientações gerais que devem servir de directriz e limite para os

profissionais no cumprimento das suas funções, os códigos indicam pontos de reflexão e

devem funcionar como um instrumento educacional para os profissionais, traduzindo os

melhores e mais positivos comportamentos e valores inerentes ao seu trabalho (Ricou,

2004). Além disso a existência de regras que condicionem a todos, ajudam a que

indivíduos e empresas, que actuem bem eticamente, se forem os únicos a actuarem

dessa forma, não sejam injustiçados por essa unilateralidade (Brandão, 2004).

Embora válida, a perspectiva dos deveres deontológicos mostra-se limitada, pois os

códigos podem adequar um esquema redutor incapaz, muitas vezes, de fazer frente aos

problemas e/ou dilemas éticos que surgem das experiências vividas no dia a dia

profissional. Daí a necessidade de modelá-los com a perspectiva ética de uma

abrangência mais ampla que vai para além dos deveres mínimos expressos nos códigos

e procura a excelência profissional (Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a), 2009).

Convém lembrar que a adopção de um código não supre a responsabilidade da decisão

pessoal, pois a noção de ética não se resume a uma obrigação por efeito de coação

externa, mas supõe o livre consentimento e a adesão espontânea do indivíduo. O sujeito

ético não é o que se submete a regras simplesmente por obrigação ou temor a

determinada punição, mas sim porque nelas acredita e está convencido do seu valor e da

sua legitimidade. Daí a essência do conteúdo dos códigos dever ser aceite pelos

membros de uma classe profissional. Na verdade, os autores destes códigos deveriam

ser os próprios profissionais reflectindo e analisando, de maneira crítica, a prática

quotidiana do exercício da sua profissão. Por outro lado, ainda que o temor às punições

não seja a forma ideal de se conseguir a observância dos códigos, a previsão destas

pode constituir um factor de auxílio para tal. No entanto, convém lembrar que é muito

importante que um código não fique reduzido a uma mera declaração de boas intenções.

Assim, se quiser ser eficaz, um código deve especificar as consequências decorrentes da

sua não observância, o que no caso dos médicos portugueses aconteceu com a

publicação do Estatuto Disciplinar dos Médicos (Decreto-Lei nº 217/94, Pina, 2003) e no

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

138

caso dos enfermeiros com a publicação do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (Decreto-

Lei nº 104/98).

Fundamentando-se no carácter inquestionável e inegociável da dignidade e da

integridade da pessoa humana, da veracidade, da necessidade de estabelecer relações

justas e de actuar segundo a prudência, o conteúdo dos códigos deontológicos procura

dar respostas a algumas questões, como:

• Quem é o principal cliente da profissão;

• Quais os valores centrais da profissão;

• Quais os parâmetros de um relacionamento ideal entre os profissionais e os

clientes ou a comunidade;

• Quais os sacrifícios exigidos aos membros da profissão e em que condições as

suas obrigações devem constituir prioridade, até mesmo em relação a outras

questões éticas que os afectem;

• Quais as normas de competência da profissão;

• O que constitui e em que se baseia a relação ideal entre os membros de uma

profissão;

• Quais os deveres de cada profissional, a fim de preservar a integridade do seu

compromisso com os valores e educar os demais quanto a esse aspecto (Ozar,

1995, Veiga, 2006).

Em Portugal, as normas deontológicas gozam de poder disciplinar com a garantia de

sanções às suas violações. Os médicos e os enfermeiros, para poderem legalmente

exercer a sua profissão, e segundo a legislação portuguesa, estão obrigados a

inscreverem-se na respectiva ordem profissional. Este órgão de classe que, em

conformidade com a legislação, regula o acesso e regulamenta o exercício profissional,

pode punir ou mesmo impedir o exercício da actividade de qualquer um dos profissionais

sob a sua jurisdição se houver comprometimento das normas profissionais estabelecidas

e dos deveres deontológicos.

O presidente da Ordem dos Médicos, o plenário dos Conselhos Regionais, o Conselho

Nacional Executivo, o Conselho Fiscal Nacional e o Conselho Nacional de Disciplina

configuram os órgãos nacionais, com jurisdição em todo o país, a nível da Ordem dos

Médicos (Decreto-Lei nº 282/77). A Assembleia Geral, o Conselho Directivo, o

Bastonário, o Conselho Jurisdicional, o Conselho Fiscal e o Conselho de Enfermagem

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ÉTICA

139

configuram os órgãos nacionais, com jurisdição em todo o país, a nível da Ordem dos

Enfermeiros (Decreto-Lei nº 104/98). As secções regionais de cada uma das Ordens têm

a sua jurisdição restrita a uma dada região. O licenciado (com a reforma de “Bolonha” do

ensino superior, o mestre) em medicina ou enfermagem só se torna um profissional apto

para o exercício da profissão após o seu registo na respectiva secção regional. Só após a

inscrição no órgão legalmente habilitado, é que os formados numa profissão

regulamentada a podem exercer. A lei que regulamenta a profissão fixa o seu campo de

actividade e as condições para o seu exercício, nomeadamente as exigências em termos

de cursos superiores (Pina, 2003).

A jurisdição disciplinar a nível da Ordem dos Médicos é exercida pelo Conselho Nacional

de Disciplina, nos termos do artigo 67º do estatuto da Ordem e pelos Conselhos

Disciplinares Regionais, nos termos do artigo 71º (Decreto-Lei nº 282/77). São atribuições

do conselho disciplinar regional julgar as infracções à deontologia e ao exercício da

profissão médica previstas no estatuto e regulamentos da Ordem dos Médicos e no

código de deontologia, praticadas voluntariamente ou por negligência por qualquer

médico. As infracções cometidas serão instruídas e julgadas pelo Conselho Disciplinar

Regional, nos termos previstos no estatuto disciplinar dos médicos (Decreto-Lei nº

217/94). Compete ao Conselho Nacional de Disciplina julgar os recursos interpostos das

decisões proferidas a nível regional.

No caso da enfermagem a jurisdição disciplinar é uma competência do Conselho

Jurisdicional, nos termos do nº 1 do artigo 24º do estatuto da Ordem (Decreto-Lei nº

104/98). Para auxiliar o Conselho Jurisdicional na fiscalização do exercício profissional e

cumprimento do código deontológico, existem os Conselhos Jurisdicionais Regionais, nos

termos do nº 1 do artigo 24º, que devem ser constituídas no âmbito das secções

regionais por exigência dos respectivos estatutos. Os Conselhos Jurisdicionais Regionais

têm como principal função a instrução dos processos disciplinares para apuramento dos

factos nas situações que pareçam atentar contra os princípios que regem a deontologia

da profissão. Das decisões do Conselho Jurisdicional Regional cabe recurso para o

Conselho Jurisdicional, nos termos do regimento disciplinar.1

Os códigos deontológicos representam um instrumental útil enquanto uma directiva da

prática profissional e também do processo de tomada de decisão frente a situações que

configuram problemas éticos. A explanação acerca dos códigos feita nesta parte não tem

1 Disponível em http://www.ordemenfermeiros.pt/index.php?page=157 [citado em 23-12-2008]

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

140

por objectivo explorar os valores e o referencial ético filosófico dos códigos deontológicos

da medicina e da enfermagem, pretende-se apenas registar que estes podem representar

um aporte para o equacionar ético dos profissionais da saúde que, por vezes, recorrem

aos códigos e aos conselhos disciplinares como fonte de recurso para orientação e

solução dos problemas éticos que enfrentam.

No campo da saúde, temos ainda as Comissões de Ética para a Saúde (CES), que

devem ser constituídas e funcionar no âmbito de todas as instituições e serviços de

saúde públicos e unidades privadas de saúde. Às CES cabe zelar pela observância de

padrões de ética no exercício das ciências da saúde, no âmbito do funcionamento da

instituição ou serviço de saúde respectivo, por forma a proteger e garantir a dignidade e

integridade humanas, procedendo à análise e reflexão sobre temas da prática médica

que envolvam questões de ética. Podem emitir, por sua iniciativa ou por solicitação,

pareceres sobre questões éticas no domínio das actividades da instituição ou serviço de

saúde respectivo (Decreto-Lei nº 97/95). A função de uma CES não pode ser confundida

com a tarefa de um conselho de deontologia: este avalia um determinado comportamento

à luz das regras deontológicas vinculativas já estabelecidas e codificadas. Todas as

decisões e acções profissionais implicam, além da sua correspondência com as normas

deontológicas, a presença de valores éticos que têm um alcance ético mais interpelativo

do que a observância estrita dos deveres profissionais. Os casos duvidosos devem ser

analisados pela CES quando colocam em conflito vários princípios éticos fundamentais.

Deste modo, sem se substituir a um conselho de deontologia, a CES será chamada

casuisticamente a pronunciar-se sobre casos aparentemente meramente deontológicos

(Renaud, 2003).

De facto, a institucionalização das comissões de ética é um importante salto civilizacional

dado que, independentemente da corrente ética predominante, importa que exista

alguma supervisão da actividade profissional no sector da saúde, nomeadamente quando

os direitos básicos dos doentes possam ser violados. Na opinião de Rui Nunes “Enquanto

instrumento da sociedade plural que pretende defender, sem reservas, os legítimos

direitos dos doentes, as comissões de ética são um importante veículo de regulação

intra-institucional, nomeadamente no que se refere à investigação em seres humanos

(Nunes(b), 2003). No nosso país, desconhecia-se qual a realidade das Comissões de

Ética para a Saúde (CES) – no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) –, o que

desencadeou a elaboração de um estudo a nível nacional que permitiu esclarecer

algumas dúvidas existentes nesse âmbito. O estudo sobre a realidade nacional das CES,

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ÉTICA

141

levado a cabo pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da

Universidade do Porto, desenrolou-se no âmbito de um projecto de investigação

patrocinado pela Comissão de Fomento da Investigação em Cuidados de Saúde do

Ministério da Saúde (Nunes(c), 2002). De acordo com o estudo citado, cerca de 80% dos

hospitais portugueses (no âmbito do SNS) apresentavam em 2002 uma CES

pluridisciplinar e em pleno funcionamento. Outro facto digno de menção é a evolução

sustentada dos hospitais portugueses ao longo da última década. Ou seja, em menos de

dez anos, o parque hospitalar português evoluiu não apenas no plano tecnológico e

assistencial mas também no que se refere à existência de um organismo que pretende

proteger com eficácia os legítimos direitos dos utentes.”.

Em síntese, a ética profissional deve repousar, por um lado, nas normas

ético/deontológicas das profissões da saúde, por outro deve ser fiscalizada pela

sociedade civil através de um organismo plural e independente que hoje é uma realidade

em todo o sistema de saúde português.

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Universidade de Aveiro 2010

Secção Autónoma de Ciências da Saúde

JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES

UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

PARTE II

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Page 155: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

145

1. INTRODUÇÃO

Actualmente, a teoria ética já não se encontra isolada da investigação empírica

prévia, forma tradicional como ela apareceu na filosofia ética, mas está ligada a essa

investigação e é informada por ela. O objectivo da directriz de acção já não é fazer uma

determinação conclusiva de um dever moral, mas ir fazendo declarações provisórias que

devem ser investigadas com critérios científicos e revistas quando se justifique, ou seja,

quando houver mais conhecimento empírico. A abordagem filosófica daquele que busca

respostas racionais conclusivas é substituída pelo compromisso de melhorar aspectos da

vida humana, pelo menos alguns. Para a ética clínica é o melhorar as condições das

pessoas com valores conflituantes e/ou preferências em casos particulares (Shelton,

2008).

Assim, a investigação empírica, e portanto, a bioética empírica, são essenciais

para o campo da bioética, da ética e de todos quantos buscam soluções para conflitos de

valores. O aprofundar da investigação empírica em bioética também permite gerar novos

conhecimentos sobre conflitos éticos na prática clínica. Essa investigação leva, em

primeiro lugar, a um maior conhecimento sobre as associações e causalidades dos

elementos que geram conflitos éticos. Com mais conhecimento empírico é possível

melhorar a estratégia para o decurso de eventos clínicos, o que pode acontecer através

da disponibilização de uma consultadoria ética mais eficaz para os casos particulares.

Mais conhecimento empírico também pode tornar-se a base para um desenvolvimento

mais amplo de estratégias preventivas para lidar com os conflitos éticos. É mesmo um

sinal de maturidade, mais alinhado com as outras áreas do saber baseadas na

metodologia científica. Trata-se de um campo da ética aplicada, em que muitos

profissionais de saúde, decisores políticos, entre outros são, cada vez mais, chamados a

centrar a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde, na redução da incidência de

conflitos éticos. O que pode ser medido por meio de testes, estudos empíricos ou seja

investigação científica, e que também permite avaliar a eficácia de estratégias que

incidam numa melhor gestão dos elementos geradores de conflitos éticos. Todos

concordarão que uma boa gestão preventiva é muito mais eficiente para evitar os

conflitos éticos, do que ter de lidar com eles através das suas manifestações como

dilemas éticos. Isto exige que o eticista se torne competente em estudos empíricos de

tomada de decisão clínica e aplique os seus resultados às questões que afectam o

paciente e a sua família (Shelton, 2008).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

146

Enquanto alguns se dedicam à bioética de muitas formas, incluindo a análise e

discussão filosófica, a consulta de ética clínica e a investigação empírica, a maioria dos

profissionais de saúde na sua prática diária dedica muito pouca atenção a estes

assuntos. A maioria dos médicos tem pouca preocupação com distinções morais

particulares quando confrontados com um pedido de assistência de um paciente

moribundo, ou com a oferta de uma empresa farmacêutica para assistir a uma sessão

sobre um produto num “resort” de cinco estrelas com um evento atractivo (Nunes(b),

1998). O que os médicos querem saber é o que pode incidir sobre os factos, como

resolver os conflitos éticos que têm impacto na assistência aos pacientes. No entanto, a

investigação empírica de questões relacionadas com a bioética tem proporcionado dados

úteis e orientadores de linhas de acção para os médicos, tanto a nível individual,

assistencial como político, e o continuar da investigação em mais áreas pode ajudar a

enfrentar as questões éticas (Frader, 2008).

Assim, neste estudo optou-se por seguir dois caminhos de investigação empírica,

uma abordagem quantitativa através da utilização de um questionário elaborado, validado

e testado para o efeito, e uma abordagem qualitativa através da introdução de questões

de resposta aberta sobre três casos-problema, pois o fenómeno a investigar, problemas

éticos, situa-se no universo dos significados, motivações, aspirações, crenças, valores e

atitudes e é próprio das investigações qualitativas procurar compreender este espaço

mais profundo das relações, dos processos e dos fenómenos, que dificilmente pode ser

reduzido à operacionalização de variáveis, típica das abordagens quantitativas. Segundo

Maria Cecília Minayo (2006) é a investigação qualitativa que permite incorporar a questão

do significado e da intencionalidade como inerentes aos actos, às relações e às

estruturas sociais.

Além disto, como referem Michael Fetters e Howard Brody (1999), a complexidade

e a subtileza que cercam os problemas éticos que emergem dos cuidados de saúde

primários (CSP) requerem abordagens quantitativas e qualitativas capazes de os

elucidar.

A utilização de metodologias mistas é referido por John Creswell, Michael Fetters

e Nataliya Ivankova (2004) como sendo metodologicamente adequado para

investigações em CSP. Metodologias mistas envolvem a integração de métodos

quantitativos e qualitativos de recolha de dados e de análise num único estudo.

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INTRODUÇÃO

147

Deste modo, esta investigação configura-se como um estudo quantitativo e

qualitativo, de tipo descritivo. Situa-se no âmbito da ética descritiva, enquanto

investigação empírica, de tipo não normativo.

Merece aqui consideração o lugar dos estudos descritivos nas investigações que

têm como objecto a ética e a moral (Sieber, 2004). Para tal, é necessário ter presente a

distinção entre ética e moral, mencionada na introdução da primeira parte deste trabalho,

que apresenta a ética como o estudo (investigação e sistematização) da moral (prática).

Daniel Sulmasy e Jeremy Sugarman (2001), citando William Frankena (1973),

afirmam que há três tipos básicos de investigação ética: ética normativa, metaética e

ética descritiva. Tom Beauchamp e James Childress (2001) também reconhecem estes

três tipos de investigação, considerando ainda que a metaética e a ética descritiva

constituem abordagens não normativas da ética.

A abordagem normativa empenha-se em responder a questões relativas às

normas que devem ser aceites para avaliar as condutas e as razões para tal. Dirige-se,

deliberada e conscientemente para a questão da validade dos princípios morais.

Conforma a busca dos fundamentos das normas e dos valores, o que a associa,

indissoluvelmente, à crítica, ou seja, ao permanente questionamento de cada

fundamentação. As teorias e os princípios constituem ponto de partida para o

desenvolvimento de normas de conduta apropriadas que são suplementadas por casos

paradigmáticos exemplificativos da maneira correcta de agir e por uma defesa ou

justificação da aceitação de tais princípios (Beauchamp, 2001; Sulmasy, 2001).

A metaética envolve a análise da linguagem, ou seja, a investigação do sentido e

significado dos termos morais, a lógica e linguística do equacionamento moral e as

questões fundamentais de ontologia moral, epistemologia e justificação. Assim, não

consiste em investigações e teorias empíricas ou históricas, não implica em estabelecer

ou defender quaisquer juízos normativos ou de valor e não trata de responder a

perguntas particulares ou gerais acerca do que é justo, bom ou obrigatório. Mas antes,

empreende a busca de respostas a questões lógicas, epistemológicas ou semânticas, do

tipo “qual o sentido ou o emprego das expressões moralmente justo ou bom?”

(Beauchamp, 2001; Sulmasy, 2001).

A ética descritiva, por sua vez, é a investigação factual da conduta moral,

utilizando procedimentos e metodologias de cunho científico para estudar como as

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

148

pessoas equacionam e agem. Assim, não se detém directamente em questões do tipo “o

que deve ser feito” ou “qual o uso apropriado dos termos éticos”, mas investiga “como as

pessoas pensam que deveriam agir nesta situação particular que é objecto de

preocupação normativa”, ou “que factos são relevantes para esta questão da ética

normativa”, ou ainda “como as pessoas realmente se comportam nesta circunstância

particular que traz problemas éticos”. O ethos, entendido como conjunto de atitudes,

convicções, crenças morais e formas de conduta, seja da pessoa individual ou de um

grupo social, étnico etc. é o objecto da investigação, procedendo-se à sua observação e

descrição. Este tipo de investigação constitui tarefa científica e não filosófica, requerendo

instrumentos e metodologias de natureza científica. Caracteriza, de forma paradigmática,

o aporte que a ciência proporciona à reflexão filosófica, podendo as suas observações,

ao tratar de extrair informação da facticidade normativa, serem proveitosamente

utilizadas na ética normativa (Beauchamp, 2001; Sulmasy, 2001).

Pelo que, é pertinente localizar as investigações descritivas em ética no campo da

bioética, uma vez que o presente estudo se insere nessa abordagem secular,

interdisciplinar, prospectiva e global da ética em saúde. Segundo Miguel Sánchez-

González (1998), na década de 70 do séc. XX, predominaram na produção literária da

bioética, os teólogos, filósofos e juristas, pelo que as obras desse período consistem em

ensaios teóricos que analisam os problemas utilizando os métodos próprios dessas

disciplinas. Mas, a partir da década de 80, ao incorporarem-se na bioética os médicos e

os cientistas sociais, como referem Liva Jacoby e Laura Siminorff (2008) foram

introduzidos novos tipos de investigação que aplicaram os métodos empíricos das

ciências sociais e da epidemiologia, desenvolvendo-se assim novas linhas

metodológicas. Cresceu, deste modo o interesse por conduzir investigações empíricas na

bioética, Pascal Borry, Paul Schotsmans e Kris Dierickx (2006) concluíram que a

proporção de investigação empírica em nove revistas aumentou de forma constante,

passando de 5,4% em 1990 para 15,4% em 2003. E a importância da investigação

empírica em ética médica e bioética continua a aumentar, estimando James DuBois,

Rebecca Volpe e Erica Rangel (2008) em 2,2% a investigação ética oculta, publicada

anualmente nas mais importantes revistas, por se encontrar mal indexada.

A investigação ética teórica, de natureza normativa é desenvolvida a níveis mais

genéricos, inclui as investigações de cunho teológico, filosófico, jurídico e político.

Emprega a argumentação lógica, com vista a definir conceitos, estruturar argumentos

consistentes e elaborar recomendações. Por outro lado, a investigação ética empírica,

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INTRODUÇÃO

149

que lança mão de procedimentos próprios das ciências sociais, da análise decisória, da

epidemiologia e da avaliação de serviços de saúde, recolhe e analisa dados a fim de

descrever e estudar como se tomam as decisões, que valores lhes estão subjacentes,

como se cumprem na prática as normas ou as directrizes éticas. Constitui-se, assim, uma

abordagem de natureza descritiva e que se move, preferencialmente, a um nível mais

concreto (Sánchez-González, 1998, 2005).

A investigação ética empírica, de cunho não normativo, segundo Miguel Sánchez-

González (1998), tem como funções:

• Identificar e caracterizar os problemas éticos que emergem na prática dos

cuidados de saúde, permitindo elaborar uma bioética centrada nos problemas

reais;

• Descrever como habitualmente se lida com os problemas, podendo esta

descrição constituir objecto de crítica ou ponto de partida para a proposta de

soluções alternativas;

• Descobrir as consequências das acções e das normas aceites, estabelecendo

uma forte interface com a ética normativa que também tem a avaliação das

consequências como seu objecto;

• Evidenciar deficiências nas teorias éticas e propor a sua revisão.

Discutindo os diferentes tipos de investigação ética – a normativa, a metaética e a

descritiva – Daniel Sulmasy e Jeremy Sugarman (2001) afirmam a igual importância dos

três e reconhecem a centralidade do primeiro. Segundo os autores, a ética normativa é

central, porque dela deriva a importância da investigação metaética e da descritiva. Por

outras palavras, a investigação do que a “palavra” deve significar (metaética) é

desenvolvida porque há interesse em saber o que se deve fazer (ética normativa). Da

mesma maneira, o conhecer o pensamento da população (ética descritiva) sobre o que

deve ser feito em determinadas circunstâncias, ou como as pessoas realmente se

comportam em tais ocasiões surge face a situações para as quais há directrizes morais

que determinam como elas deveriam agir (ética normativa). Entretanto, apesar desta

centralidade da ética normativa, os três tipos de investigação ética são necessários

porque proporcionam perspectivas distintas do mesmo objecto.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

150

Entre a ética normativa e a descritiva instala-se uma retroalimentação de dupla

via. A primeira pode gerar explanações que estão associadas com hipóteses passíveis de

testes empíricos, ou estabelecer padrões normativos que têm de ser operacionalizados e

podem ser estudados nos cenários da educação e da prática. As lições empíricas obtidas

de tais estudos podem, por sua vez, retroalimentar e influenciar as teorias normativas. Os

argumentos normativos também podem depender de factos possíveis de serem

acumulados das investigações empíricas e que lhes fornecem sustentação ou refutação.

A ética descritiva pode ainda proporcionar novo material para estudos normativos, por

exemplo, estudos antropológicos e sociológicos podem levantar questões sobre a

universalidade de explanações normativas e os estudos de casos podem sugerir

questões jamais tratadas por investigações normativas ou suprir uma base para a

casuística e a narrativa (Sulmasy, 2001).

Para Daniel Sulmasy e Jeremy Sugarman (2001), os diversos tipos de

investigação estimulam-se mutuamente, ou seja, bons estudos em ética normativa

estarão fundamentados em bons dados empíricos, e bons estudos descritivos estarão

pautados pela teoria ética que providencia uma estrutura na qual os dados serão

interpretados. Esta integração assumida de maneira interdisciplinar e cooperativa é que

possibilitará, para os autores, a reflexão ética.

Ambos os tipos de investigação conformam os pilares fundamentais da bioética

actual, dependem um do outro e nutrem-se mutuamente, pois, como alerta Erica Haimes

(2002), não é possível conduzir uma investigação empírica de boa qualidade sem estar

bem informado acerca de algumas teorias, daí ter-se lançado mão da ética principialista,

da ética das virtudes, da ética do cuidado e da ética casuística, com especial ênfase para

a primeira, analisadas na primeira parte desta tese e, igualmente, não se pode entender

as explicações teóricas sem compreender como vive o mundo empírico quotidiano.

Visando este trabalho estudar as atitudes que condicionam a tomada de decisão

frente a problemas éticos por parte dos médicos de família e dos enfermeiros que

trabalham em centros de saúde, parece pertinente clarificar um pouco o conceito de

atitude.

A palavra “atitude” existe na língua portuguesa não só como posição do corpo,

postura, ou pose, mas também como maneira de agir ou conduta, e pode ainda significar

um propósito ou modo de proceder (Houaiss, 2002). A etiologia da palavra vem do latim:

actitudo,inis = posição, acção; actus,us = acto, acção, gesto.

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INTRODUÇÃO

151

Apesar de ser um termo relativamente ambíguo, tem sido muito explorado no

campo da psicologia social que o tem como um mediador entre a forma de pensar e o

modo de agir dos indivíduos. Assim, se de acordo com Glenn Wilson (1986), atitude é

uma orientação de avaliação, relativamente persistente no que respeita a um objecto

particular ou classe de objectos, já outros autores como Maria Lima (1997) e Henry

Gleitman (1998), acentuam a dimensão cognitiva das atitudes e o seu valor preditivo da

acção.

Também, continuam a existir inúmeras divergências na significação do conceito,

consoante este é pensado por autores de uma corrente mais comportamentalista ou mais

cognitivista. Mas existem alguns pontos em comum que são acentuados por Maria Lima

(1997):

• As atitudes referem-se a experiências subjectivas, expressando o

posicionamento de um indivíduo ou de um grupo, construído a partir da sua

história, e portanto com um carácter aprendido;

• As atitudes são sempre referidas a um objecto ou situação. Quando se fala de

atitudes é referido de imediato face a quê;

• As atitudes incluem sempre uma dimensão avaliativa, traduzindo sempre uma

posição face a um determinado objecto social: gosto/não gosto;

concordo/discordo.

Assim, diferentes pessoas podem ter diferentes atitudes face a um mesmo

objecto, como é o caso das diferentes atitudes da população face ao aborto ou à possível

legalização do consumo de drogas. E embora este posicionamento seja relativamente

persistente, não é estático, podendo mudar por interacção de inúmeros factores.

As atitudes têm merecido grande atenção por parte dos metodólogos, e um

grande número de estratégias tem sido desenvolvido para medir as atitudes dos

inquiridos (Foddy, 1996).

Uma das metodologias mais utilizadas consiste na construção de conjuntos de

afirmações sobre determinado objecto de atitude (normalmente cerca de 10-20)

acompanhados por uma escala de classificação numérica (por exemplo, 1, 2, 3, 4, 5, ou,

-2, -1, 0, +1, +2), de tipo verbal (por exemplo, “concordo fortemente”, “concordo”, “neutro”,

“discordo”, “discordo fortemente”), ou por representações gráficas de uma face (por

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

152

exemplo, desenhos de caras que expressam desde “tristeza” a “contentamento”,

passando por “neutralidade”), ou, simplesmente, uma linha com atributos nos extremos

(por exemplo, “muito bom” / “muito mau”). Os inquiridos são instruídos para classificar

cada uma das afirmações e é possível construir uma pontuação global adicionando as

diferentes classificações atribuídas às diversas afirmações. O valor assim obtido constitui

um indicador do posicionamento do inquirido face ao objecto de atitude proposto.

Normalmente este tipo de procedimentos é conhecido por “escala de Likert” ou por

“escalas de adição” (Foddy, 1996).

Segundo William Foddy (1996) existe um generalizado consenso na definição

publicada em 1935 por Gordon Allport de que “uma atitude é uma predisposição

aprendida para reagir a um objecto ou classe de objectos em termos conscientemente

favoráveis ou desfavoráveis”.

Mas, alguns autores concordando com a ideia de que a atitude é uma

predisposição aprendida para reagir, sugerem que uma vez aprendida, o indivíduo

também assimila diferentes formas de a exprimir. Outros acrescentam que ao decidir

sobre o seu comportamento face a um objecto, os indivíduos têm em conta as pressões

sociais e não apenas a sua atitude perante esse objecto. Neste contexto, estes autores

defendem que a relação entre atitude e comportamento é mais forte quando o

comportamento se expressa na esfera privada (por exemplo, respondendo a testes de

auto-resposta) do que quando ocorre em público (por exemplo, respondendo a

entrevistadores em público). Na esfera privada, ao expressar perspectivas socialmente

reprováveis, os indivíduos não sentem tanto os efeitos de pressões e eventuais sanções

sociais. William Foddy (1996) refere que Tittle e Hill (1967) verificaram que os valores

obtidos por uma escala cumulativa sobre a classificação de uma multiplicidade de tópicos

(tipo escala de Likert) que implica definições pouco precisas, assim como quem dispara

simultaneamente vários tiros para um mesmo alvo, proporciona correlações mais fortes

com os comportamentos correspondentes.

A cada progresso alcançado o ser humano mantém-se em estado constante de

renovação; muito raramente o Homem se classifica como plenamente satisfeito consigo e

com o seu nível de realização profissional e pessoal. Quando ocorre uma estagnação

pode-se avaliar que algo foi interrompido, colocando-se em dúvida a plenitude da

capacidade de aspiração do indivíduo. Cecília Bergamini (2005) enfatiza que, vendo o

comportamento humano em circunstâncias normais, a motivação é geralmente vista

Page 163: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

153

como sinónimo de forças psicológicas, desejos, impulsos, instintos, necessidades,

vontades e intenções. Todo este conjunto tem uma conotação de movimento e acção. A

motivação é assim algo sob a forma de energia interna activa que faz com que os

indivíduos empreendam acções para alcançar determinados objectivos. Quando essa

energia é libertada e o ser humano se torna capaz de realizar os objectivos desejados, os

seus resultados são excelentes.

Os valores pessoais evoluem a partir do contacto com o mundo exterior e podem

mudar ao longo do tempo. A integridade na aplicação dos valores refere-se à sua

continuidade; as pessoas têm integridade se aplicam adequadamente os seus valores,

independentemente dos argumentos negativos ou do reforço de outros. “Os valores são

crenças e atitudes sobre a forma como as coisas deveriam ser e envolvem o que para

nós é importante” (Santrock, 2007). Os valores aplicam-se adequadamente quando são

aplicados na área da ética e do direito. Por exemplo, é adequado aplicar valores

religiosos nos momentos de felicidade, bem como nos momentos de desespero. “Uma

forma de medir os valores das pessoas é perguntar-lhes quais são os seus objectivos”

(Santrock, 2007). Os valores pessoais desenvolvidos muito cedo na vida podem ser mais

resistentes à mudança. Deles derivam sistemas ou grupos específicos, tais como a

cultura, a religião e o clube de futebol. No entanto, os valores não são universais, são de

uma família, nação, geração e ajudam a determinar um ambiente histórico de valores

pessoais. “Prosseguimos com a influência dos valores nos nossos pensamentos,

sentimentos e acções” (Santrock, 2007). Isto não quer dizer que os valores e conceitos

próprios não são universais, mas apenas que cada indivíduo possui uma única

concepção deles, ou seja, um conhecimento pessoal dos valores adequados para os

seus próprios genes, sentimentos e experiências.

Para o desenvolvimento do nosso estudo fez-se uma revisão da literatura onde se

identificaram mais de 55 estudos de ética realizados entre 1981 e 2006, quer com

médicos, quer com enfermeiros, quer com ambos, em diferentes países, tanto em

contexto hospitalar como em cuidados de saúde primários e que se apresentam no anexo

8. De seguida referem-se resumidamente apenas os considerados mais significativos.

Edmund Pellegrino e colaboradores (1985) apresentam os dados do inquérito

realizado em 1982, pela Associação Médica Americana, para apurar como os médicos

avaliam a eficácia da sua educação na preparação em lidar com as questões éticas

encontradas na prática clínica. Os resultados indicam que os médicos que tiveram cursos

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

154

de ética médica percebem que eles são de grande valor prático e recomendam que o seu

conteúdo seja expandido. Apresentam também dados sobre a frequência relativa das

questões éticas específicas encontradas na prática e sobre a influência relativa de

valores pessoais, educação médica, prática médica, ética e cursos sobre abordagens

para as questões éticas.

Patricia Prescott e Sally Bowen (1985) referem que o desacordo entre médicos e

enfermeiros em relação aos pacientes nem sempre é um factor negativo e que, muitas

vezes, serve para proteger os pacientes. Porém, se não for adequadamente resolvido

pode afectar adversamente os pacientes. O seu estudo questionou mais de 1000

enfermeiros e cerca de 700 médicos, de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas

dos Estados Unidos da América (EUA), sobre a natureza da sua relação, as áreas de

desacordo relacionadas com os cuidados aos pacientes, e como foram essas

divergências resolvidas. 70% dos médicos e 69% dos enfermeiros descrevem os

relacionamentos como positivos. Os desentendimentos foram categorizados em quatro

áreas, sendo o maior número relativo ao plano geral de cuidados ao paciente. A

resolução dessas divergências foi descrita por 65% dos médicos e 53% dos enfermeiros

como competição natural.

Helen Robillard e colaboradores (1989) referem que embora a maior parte dos

cuidados de saúde seja fornecida a nível dos cuidados de saúde primários, pouca

investigação tem sido feita para documentar as questões éticas a esse nível de cuidados.

O seu estudo, realizado no Kentuchy, nos EUA, foi efectuado com uma amostra aleatória

estratificada, de 702 médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes médicos, que foi

questionada sobre a frequência de problemas éticos nos cuidados de saúde primários. O

problema ético mais frequente incidiu sobre a quantidade de tempo a gastar com cada

paciente. A comparação dos médicos com os restantes profissionais de saúde revelou

diferenças significativas nas frequências das várias questões. A idade teve um ligeiro

impacto nas respostas, enquanto o género, a religião e a região de prática não teve

impacto. O estudo mostrou que as mais frequentes são as questões pragmáticas,

relativas à auto-determinação dos pacientes, à adequação dos cuidados, à

responsabilidade profissional e à distribuição de recursos.

Robert Walker e colaboradores (1991) realizaram um estudo, na Florida, nos EUA,

para entender que tipos de situações clínicas os médicos e os enfermeiros consideram

ser “problemas éticos”. Estudaram prospectivamente médicos e enfermeiros sobre as

Page 165: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

155

suas percepções dos problemas éticos utilizando entrevistas emparelhadas. Foram

realizadas entrevistas individuais aos médicos e enfermeiros sobre como eles cuidavam

dos pacientes durante o mesmo período de seis semanas. Embora, os médicos e os

enfermeiros tenham identificado um número semelhante de casos com problemas éticos,

muitas vezes os problemas éticos foram identificados em pacientes diferentes ou foram

identificados no mesmo paciente vários problemas éticos. Os médicos identificaram mais

problemas relacionados com a qualidade de vida, o internamento hospitalar inadequado e

os custos dos cuidados de saúde; os enfermeiros identificaram mais problemas

relacionados com as preferências do paciente, os desejos da família, a gestão da dor, a

execução de tratamentos e o planeamento da alta. Um quarto dos problemas éticos

identificados pelos médicos e enfermeiros envolveram conflitos interprofissionais. Os

médicos e os enfermeiros estudados consideraram uma vasta gama de situações clínicas

que ocorrem frequentemente como “problemas éticos”. Foram encontradas diferenças

sistemáticas nas percepções dos médicos e dos enfermeiros acerca dos problemas

éticos e muitos destes problemas foram gerados por conflitos interprofissionais.

Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) realizaram um estudo envolvendo 674

médicos de família dos EUA e Canadá e clínicos gerais de Inglaterra e País de Gales. Os

médicos americanos, mais do que os canadianos ou britânicos, optaram por divulgar as

informações aos pacientes, enquanto que, mais os médicos britânicos do que os

canadianos ou americanos, não se queriam envolver com os estilos de vida dos seus

pacientes, admitindo discutir o estilo de vida dos pacientes, sem interferir.

Rivka Grundstein-Amado (1992) relata os resultados de um inquérito realizado em

Toronto, no Canadá, sobre os diferentes padrões éticos de tomada de decisão utilizados

por médicos e enfermeiros. A conclusão do estudo é que os médicos e os enfermeiros

actuam a partir de diferentes valores, motivações e expectativas, e que existe uma grave

lacuna de comunicação entre eles. Os enfermeiros valorizam mais a perspectiva do

“cuidar”, o que implica receptividade e sensibilidade para os desejos dos pacientes. Em

oposição, os médicos valorizam mais os direitos dos pacientes e a abordagem científica,

o que implica uma grande preocupação com a doença e o seu tratamento. O estudo

sugere que existe a necessidade de desenvolvimento de uma nova prática, com base em

atributos comuns aos dois grupos profissionais e em que ambos os grupos estejam

empenhados. Isso constituiria um ponto de referência comum compartilhado pelas duas

classes profissionais, a partir do qual se poderia resolver os problemas éticos e iria

remover as barreiras de comunicação.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

156

Giggi Udén e colaboradores (1992) apresentam um estudo qualitativo realizado

em Tromsö, na Noruega, em que 23 enfermeiros e 9 médicos relataram 43 histórias

sobre situações eticamente difíceis nos cuidados de saúde. Os temas das histórias de

enfermeiros e médicos foram descritos por meio da teoria ética narrativa. Os enfermeiros

e os médicos relataram diferentes tipos de histórias e também utilizaram diferentes tipos

de raciocínio ético. Estes resultados foram interpretados como estando essencialmente

ligados ao facto de as duas profissões terem diferentes tarefas a realizar e estarem

treinadas em disciplinas com focos diferentes, a enfermagem e a medicina. É sublinhada

a necessidade de encontrar um quadro comum que abranja as duas histórias

profissionais.

Susan Duncan (1992) estudou enfermeiros de serviços extra-hospitalares de

British Columbia, no Canadá, que revelaram que as situações éticas mais difíceis que

enfrentam na sua prática diária envolvem os direitos dos adultos e adolescentes em risco.

A defesa e o desenvolvimento da comunidade requerem que os enfermeiros que actuam

na comunidade se centrem nas condições que determinam a saúde, encontrando

maneiras de fortalecer as habilidades dos pacientes para assegurarem os seus direitos e

avaliarem a qualidade dos serviços. No entendimento da autora, um aumento na

participação dos pacientes no seu cuidado, tanto no âmbito individual como no

planeamento da saúde da comunidade, aumentaria a resposta do sistema de saúde às

suas necessidades, principalmente para os que estão em situação de alto risco.

Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996) relatam um estudo realizado em Israel, com o

objectivo de avaliar em que medida os enfermeiros encontram e identificam dilemas

geradores de situações de conflito ético em função da publicação e divulgação do código

de ética dos enfermeiros israelitas em 1994. Os seus resultados foram utilizados como

base para um programa que visou a promoção da tomada de decisão e competências

para enfrentar dilemas éticos por parte dos enfermeiros. Numa época de grandes

avanços na medicina, o papel do profissional de enfermagem como protector dos direitos

dos pacientes pode trazer conflitos com os médicos, com as instituições públicas, ou com

as famílias dos pacientes. Os enfermeiros em Israel confrontam-se no decurso do seu

trabalho com dilemas e conflitos éticos e morais, pelo que o estudo, de âmbito nacional,

foi realizado com o objectivo de os identificar e descrever. Um terço dos dilemas

enumerados foram referidos por mais de 50% dos enfermeiros participantes. O principal

determinante influenciador de como os dilemas são percebidos pelos enfermeiros foi o

seu local de trabalho, nomeadamente o hospital versus a comunidade. Demonstrou-se

Page 167: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

INTRODUÇÃO

157

que os enfermeiros procuram apoio principalmente entre os seus pares, que estão pouco

familiarizados com o código israelita, e que considera as suas próprias famílias como o

factor predominante na definição das suas atitudes éticas.

David Robertson (1996) descreve um estudo etnográfico realizado numa

enfermaria psiquiátrica, em Inglaterra, para estudar empiricamente as teorias éticas (com

base nos princípios, nas virtudes e nas escolas feministas) descrevendo as abordagens

de médicos e enfermeiros no quotidiano dos cuidados aos pacientes. Foi realizada uma

observação participante e entrevistas, cujas transcrições foram analisadas para identificar

os temas éticos das abordagens. Os médicos e enfermeiros de serviço à enfermaria, num

total de 20, diferiam nas suas concepções dos princípios da beneficência e do respeito

pela autonomia do paciente. Os enfermeiros partilham com os médicos de um visão

liberal e utilitarista na concepção destes princípios, mas também colocam um maior peso

nas relações e no carácter das virtudes quando expressam os mesmos princípios. Os

enfermeiros salientavam a autonomia do paciente, enquanto os médicos estavam mais

propensos a defender a beneficência, quando os dois princípios entravam em conflito. O

estudo indica que as teorias éticas podem, ao contrário da acusação de alguns críticos,

ser relevantes para a vida quotidiana dos cuidados de saúde, se elas: a) atenderem ao

contexto social; b) forem suficientemente flexíveis para terem várias escolas.

Helga Kuhse e colaboradores (1997) descrevem um estudo realizado na Austrália,

para determinar a relação entre raciocínio ético e género e/ou ocupação, num grupo de

médicos e enfermeiros de ambos os sexos. Formas de raciocínio ético parciais e

imparciais foram definidas e referidas como sendo fundamentais para a diferença entre o

que é conhecido como a orientação moral pelo “cuidado” (Gilligan) e a orientação moral

pela “justiça” (Kohlberg). Um questionário estruturado com base em quatro hipotéticos

dilemas morais envolvendo combinações de profissionais de saúde e não profissionais de

saúde, situações com risco de vida e situações sem risco de vida, foi testado e, em

seguida, enviado para uma amostra aleatória de médicos e enfermeiros (400 médicos de

Victoria, e 200 médicos e 400 enfermeiros de Nova Gales do Sul). 178 médicos e 122

enfermeiros devolveram os questionários devidamente preenchidos. 115 médicos eram

do sexo masculino e 61 do sexo feminino, 50 enfermeiros eram do sexo masculino e 72

do sexo feminino. As hipóteses em estudo eram de que haveria uma associação entre

indivíduos femininos e raciocínio parcial e entre indivíduos masculinos e raciocínio

imparcial, e que os enfermeiros iriam adoptar uma abordagem de raciocínio parcial e os

médicos uma abordagem imparcial. O estudo não confirmou nenhuma das hipóteses.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

158

Allyson Lipp (1998) refere que uma teoria definitiva para a tomada de decisões

éticas em enfermagem é ainda apenas uma conjectura. A literatura confirma que tem

havido inúmeros estudos sobre a tomada de decisão ética em enfermagem, quer

propondo a orientação pela justiça quer pelo cuidado, ou por uma combinação de ambas.

Na ausência de uma teoria definitiva, o presente trabalho exploratório procura, através da

“grounded theory”, lançar alguma luz sobre os métodos utilizados diariamente pelos

enfermeiros para tomarem decisões éticas na área clínica. Os dados mostram que alguns

factores, tais como os médicos, os colegas e a organização, influenciam profundamente a

tomada de decisões éticas. Os informantes utilizaram tanto o cuidado como a justiça para

a formulação de decisões, o que é conhecido como a abordagem combinada.

Arie van der Arend e Corine Remmers-van der Hurk (1999) no seu artigo relatam

um estudo empírico, exploratório, realizado, na década de 90, com a finalidade de

efectuar um levantamento dos problemas morais que os enfermeiros holandeses

experienciam durante a sua prática quotidiana. No estudo, figuram como problemas mais

frequentes nos cuidados primários: a demora na transferência do paciente para outros

serviços (93,3%); o conhecimento insuficiente dos enfermeiros (50%); a agressão verbal

ao paciente (48,9%); o persuadir o paciente a cooperar (48,9%); o desacordo com acções

prescritas (45,9%); o desacordo com as escolhas dos pacientes (40,7%); o manter-se em

silêncio sobre erros cometidos (37,8%).

Annette Braunack-Mayer (2001) apresenta no seu trabalho a análise qualitativa

das entrevistas realizadas com 15 clínicos gerais na Austrália do Sul, argumentando que

a forma como a literatura bioética define um dilema ético capta apenas parte de toda a

gama de pontos de vista sobre a natureza dos problemas éticos. A literatura bioética tem

definido os dilemas éticos em termos de conflito e de escolha entre valores, crenças e

opções de acção. Enquanto alguns dos clínicos gerais participantes neste estudo sobre a

natureza dos seus dilemas éticos concordam com esta definição, outros referem os

problemas em torno da publicidade associada com questões que discutem, como por

exemplo, a preocupação com as suas relações para com os pacientes, e a ansiedade

com as ameaças à sua integridade e reputação. A variedade de pontos de vista sobre o

que torna um problema em problema moral indica que o domínio moral é, talvez, mais

amplo e mais rico do que, em geral, tem sido referido na literatura bioética.

Elma Zoboli e Paulo Fortes (2004) realizaram um estudo empírico, qualitativo, de

ética descritiva, com 17 enfermeiros e 16 médicos do programa saúde da família, em São

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INTRODUÇÃO

159

Paulo, Brasil, com o objectivo de identificar os problemas éticos vivenciados por esses

profissionais. Foi-lhes solicitado que listassem problemas éticos a partir da narrativa de

um caso vivido. Os resultados apontam para problemas éticos na relação com os

pacientes e as famílias, na relação da equipa de saúde e nas relações com a

organização e o sistema de saúde. Isto é, aspectos éticos que permeiam circunstâncias

comuns da prática diária dos cuidados de saúde e não situações dilemáticas, que

requerem soluções imediatas, e que habitualmente são mais explorados na literatura

bioética. Esta peculiaridade dos problemas éticos vividos nos cuidados de saúde

primários pode levar à dificuldade em identificá-los como tal.

Lee Berney e colaboradores (2005) apresentam um estudo qualitativo com

clínicos gerais de Londres, Reino Unido, questionando um tema sensível, como o

racionamento e a negação de tratamentos e cuidados de saúde, o que levanta uma série

de problemas metodológicos e éticos. Descrevem os métodos e as conclusões de uma

série de grupos focais, que discutiram e analisaram como os clínicos gerais aplicam os

princípios éticos na situação de afectação de recursos escassos. A metodologia consistiu

na aplicação de uma pequena escala qualitativa com a finalidade de amostragem,

seguida de entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. Participaram 24 clínicos gerais

de duas áreas contrastantes de Londres: uma relativamente abastada e outra

relativamente necessitada. Nas entrevistas iniciais, foi pedido aos clínicos gerais para

identificarem as principais questões relacionadas com a atribuição de recursos. As

entrevistas foram transcritas e os temas foram identificados. Foram escritos alguns

casos, cada um ilustrativo de uma questão ética relacionada com o racionamento de

recursos. Em discussões de grupo focal, foram dados aos clínicos gerais alguns destes

casos para debate. No que diz respeito à base ética para a tomada de decisão, as

conclusões desta parte do estudo enfatizam o papel dos factores sociais e psicológicos, a

influência da qualidade das relações entre médicos e pacientes, e a confusão entre os

médicos sobre o seu papel na tomada de decisão. A utilização dos casos, desenvolvidos

a partir das entrevistas com os clínicos gerais, criaram um ambiente não ameaçador o

que permitiu discutir questões tão sensíveis como controversas. A aceitação por parte

dos clínicos gerais dos princípios morais não implica clareza e coerência na aplicação

prática destes princípios.

Luana Silva e colaboradoras (2006) realizaram um estudo quantitativo exploratório

para identificar e verificar a frequência dos problemas éticos vividos por enfermeiros e

médicos no programa saúde da família em São Paulo, Brasil. Os dados foram obtidos a

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

160

partir das respostas de 24 enfermeiros e 22 médicos a um questionário auto-aplicado,

contendo situações geradoras de problemas éticos e uma escala de quatro pontos para a

sua frequência. O desrespeito do profissional para com o paciente, problemas

relacionados com as informações aos pacientes e seus familiares, e à preservação da

privacidade e confidencialidade apareceram na maioria dos questionários, embora com

frequências diferentes. Os resultados indicam que a bioética nos cuidados de saúde

primários lida com situações do quotidiano e não com dilemas de maior apelo dramático.

A subtileza desse panorama pode levar à não percepção dos problemas, reforçando a

necessidade de capacitação dos profissionais em comunicação e acolhimento, para

instituir uma atitude ética baseada na cidadania, solidariedade e humanismo.

Seetharaman Hariharam e colaboradores (2006) apresentam um estudo cujo

objectivo foi avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas dos profissionais da saúde de

Barbados, em relação à ética e ao direito relacionado com os cuidados de saúde numa

tentativa de ajuda e guia da sua conduta profissional e no seu desenvolvimento curricular.

Um questionário auto-preenchido sobre o conhecimento da ética dos cuidados de saúde,

do direito e do papel de uma comissão de ética no sistema de saúde foi concebido,

testado e distribuído a todos os níveis de pessoal do Hospital Queen Elizabeth, em

Barbados (um hospital universitário de cuidados terciários) durante os meses de Abril e

Maio de 2003. O artigo analisa as respostas de 159 médicos e enfermeiros de diferentes

níveis de graduação. A frequência com que os inquiridos encontraram problemas legais

ou éticos variou amplamente. 52% do pessoal médico mais graduado e 20% do pessoal

de enfermagem mais graduado sabia muito pouco sobre as leis pertinentes ao seu

trabalho. 11% dos médicos não conheciam o conteúdo do juramento hipocrático,

enquanto um quarto dos enfermeiros não tinha conhecimento do código de enfermagem.

O código de Nuremberga e a declaração de Helsínquia eram conhecidos apenas por

alguns indivíduos. 29% dos médicos e 37% dos enfermeiros não tinha conhecimento de

que no hospital existia uma comissão de ética. Os médicos tiveram uma opinião mais

forte do que os enfermeiros quanto à prática da ética, destacando-se a adesão aos

desejos dos pacientes, a confidencialidade, o paternalismo, o consentimento informado

para os procedimentos e tratamentos não conformes dos pacientes (p = 0,01). O estudo

destaca a necessidade de identificar os profissionais de saúde, que parecem ser

indiferentes às questões éticas e jurídicas, de conceber meios para os sensibilizar para

estas questões e de lhes dar uma adequada formação.

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INTRODUÇÃO

161

Baseados nos estudos descritos identificam-se três dimensões de problemas

éticos a nível dos cuidados de saúde primários, que se descrevem nos Quadros I, II, III.

Quadro I: Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias Relações, propriamente ditas, dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Dificuldade em estabelecer os limites da relação profissional–paciente. Limites da interferência do profissional de saúde no estilo de vida dos pacientes ou famílias. Ideias pré-concebidas sobre os pacientes. Falta de respeito do profissional para com o paciente. Atitude do profissional frente aos seus valores religiosos e aos dos pacientes.

Plano terapêutico Indicações clínicas imprecisas. Prescrição de medicamentos que o paciente não pode comprar. Prescrição de medicamentos caros com eficácia igual a outros mais baratos. Solicitação de procedimentos pelo paciente. Solicitação de procedimentos por menores de idade sem autorização ou conhecimento dos pais.

Informação Recusa do paciente às indicações médicas. Como informar o paciente para conseguir a sua adesão ao tratamento. Omissão de informações ao paciente. Acesso dos profissionais de saúde a informações relativas à intimidade da vida familiar e conjugal do paciente.

Privacidade e confidencialidade

Discussão inter-pares de detalhes da situação clínica do paciente na sua frente. Dificuldade em manter a privacidade nos cuidados domiciliários. Dificuldade em o profissional de saúde preservar o segredo profissional. Partilha de informações sobre um dos membros da família com os demais membros dessa família. Não solicitação de consentimento do paciente ou da sua família para relatar o seu caso em sessão clínica ou publicação científica.

Adaptado de Zoboli (2004)

Quadro II: Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares Falta de compromisso dos profissionais que actuam na unidade de saúde. Falta de companheirismo e de colaboração entre os membros da equipa de saúde. Falta de respeito entre os membros da equipa multiprofissional. Falta de preparação para trabalhar nos cuidados de saúde primários. Dificuldade em delimitar as especificidades e responsabilidades de cada profissional de saúde. Questionamento da prescrição médica por parte de membros da equipa não médicos. Omissão dos profissionais frente a indicações clínicas imprecisas. Partilha de informações relativas ao paciente e sua família no âmbito da equipa de saúde. Quebra do sigilo médico por membros da equipa ao publicarem relatos de casos. Não solicitação de consentimento da equipa para relatar caso em publicação científica.

Adaptado de Zoboli (2004)

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

162

Quadro III: Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde Centro de saúde Dificuldade para preservar a privacidade por problemas na estrutura

física e rotinas da unidade de saúde. Falta de estrutura na unidade de saúde para a realização das visitas domiciliárias. Falta de condições na unidade de saúde para cuidados de urgência. Falta de apoio estrutural para discutir e resolver problemas éticos. Falta de transparência da direcção da unidade de saúde na resolução de problemas dos profissionais.

Sistema de saúde Excesso de utentes e famílias adstritas a cada equipa de saúde. Restrição no acesso dos pacientes aos serviços de saúde secundários. Desconsideração da referenciação feita pelos médicos dos centros de saúde. Dificuldade quanto ao retorno de informação dos cuidados secundários. Dificuldade no acesso a exames complementares de diagnóstico. Dificuldade quanto à fiabilidade dos resultados de exames complementares.

Adaptado de Zoboli (2004)

É essencial investigar estes problemas, para se poder intervir, junto dos

profissionais de saúde e/ou da administração de saúde. Sendo importante tornar

manifestas as teorias, ideologias e conceitos que, na maioria das vezes, até

inconscientemente, estão subjacentes às práticas profissionais.

Assim, o presente estudo pretende ser uma aproximação inicial às questões

éticas no âmbito dos cuidados de saúde primários em Portugal, no contexto dos cuidados

realizados nos centros de saúde da região Centro, onde se procura identificar, junto dos

profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), os problemas éticos que eles enfrentam

e os fundamentos de que lançam mão para os solucionar. Pelo que se espera poder

contribuir para um processo de tomada de decisão adequado a esta realidade e também

potencializar a resolução dos problemas éticos nela emersos.

Para este trabalho inicial, foram escolhidos os centros da saúde da Administração

Regional de Saúde do Centro, por facilidade de acesso aos mesmos.

Page 173: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

OBJECTIVOS

163

2. OBJECTIVOS

No capítulo anterior justificou-se que o presente trabalho desenvolve um estudo

quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no âmbito da ética descritiva,

enquanto investigação empírica, de tipo não normativo. E identificou-se na literatura

referida três dimensões de problemas éticos na área dos cuidados de saúde primários

passíveis de serem estudados:

1) Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e

suas famílias;

2) Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares;

3) Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de

saúde.

2.1. QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

A formulação das questões da investigação empírica parte dos elementos de

informação adquiridos em estudos prévios e orientam para o tema em estudo, delas

decorrendo todo o trabalho subsequente.

Formula-se, como ponto de partida para este estudo, a seguinte questão:

Q1 – Existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes éticas

dos profissionais de saúde?

Pela pesquisa bibliográfica, descrita no capítulo anterior e no anexo 8, pode-se

responder afirmativamente, assim vai-se procurar responder às seguintes questões:

Q2 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde nas relações com os

pacientes e suas famílias no contexto dos cuidados de saúde primários?

Q3 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde nas relações inter-

profissionais e inter-pares no contexto dos cuidados de saúde primários?

Page 174: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

164

Q4 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde na

gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde?

Q5 – Quais são os factores que interferem ou influenciam estas atitudes?

2.2. OBJECTIVOS GERAIS

Com o presente estudo procura-se dar resposta aos seguintes objectivos gerais:

A. Construir uma escala de avaliação das atitudes éticas dos profissionais de

saúde dos cuidados de saúde primários;

B. Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações dos profissionais de

saúde com os pacientes e suas famílias;

C. Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações inter-profissionais e inter-

pares;

D. Analisar o quadro de atitudes éticas na gestão/organização do centro de

saúde/sistema de saúde;

E. Analisar as relações existentes entre algumas características sócio-

demográficas dos profissionais de saúde e as suas atitudes éticas.

2.3. OBJECTIVOS ESPECÍFICOS

Procura-se, igualmente, dar resposta aos seguintes objectivos específicos:

1. Construir e validar uma escala de avaliação das atitudes éticas dos

profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários;

2. Identificar problemas éticos nas relações entre médicos de família – que

trabalham em centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias);

3. Identificar problemas éticos nas relações entre enfermeiros – que

trabalham em centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias);

Page 175: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

OBJECTIVOS

165

4. Comparar os problemas éticos identificados nas relações entre médicos de

família – que trabalham em centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias) com os

problemas éticos identificados nas relações entre enfermeiros – que trabalham em

centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias);

5. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

reconhecidos por médicos de família, que trabalham em centros de saúde;

6. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros de saúde;

7. Comparar os problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-

pares reconhecidos por médicos de família, que trabalham em centros de saúde, com os

reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros de saúde;

8. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do centro

de saúde/sistema de saúde reconhecidos por médicos de família, que trabalham em

centros de saúde;

9. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do centro

de saúde/sistema de saúde reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros de

saúde;

10. Comparar os problemas éticos implicados na gestão/organização do

centro de saúde/sistema de saúde reconhecidos por médicos de família, que trabalham

em centros de saúde, com os reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros

de saúde;

11. Identificar as atitudes que influenciam a tomada de decisão frente a

problemas éticos por parte de médicos de família, que trabalham em centros de saúde;

12. Identificar as atitudes que influenciam a tomada de decisão frente a

problemas éticos por parte de enfermeiros, que trabalham em centros de saúde;

13. Comparar as atitudes que influenciam a tomada de decisão frente a

problemas éticos por parte de médicos de família, que trabalham em centros de saúde,

com as que influenciam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de

enfermeiros, que trabalham em centros de saúde.

Page 176: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

166

2.4. HIPÓTESES

A formulação de hipóteses constitui uma predição dos resultados esperados, pois

uma hipótese é uma previsão ou uma explicação provisória da relação entre duas ou

mais variáveis (Fortin, 1999).

No entanto, em alguns contextos pode-se não formular hipóteses, como é o caso

dos estudos descritivos (Ribeiro, 2007).

Os estudos descritivos são normalmente estudos exploratórios que decorrem do

facto do investigador não ter necessariamente um conjunto de assumpções bem

desenvolvidas para formular hipóteses. Em estudos exploratórios qualquer resultado é

um bom resultado que pode ser discutido com o mesmo mérito (Ribeiro, 2007).

Os estudos descritivos têm como finalidade descrever as características dos

indivíduos estudados, estimar a frequência de determinado problema de saúde, avaliar a

eficácia de um tratamento ou a fiabilidade de um instrumento de medida (Ribas e Yaphe,

2008).

Ao contrário dos estudos descritivos, os estudos analíticos formulam hipóteses de

investigação, que no final do estudo irão ser, ou não, rejeitadas (Fonseca(a), 2008).

Apesar de se pretender fazer um estudo descritivo, avançou-se com a formulação

das seguintes hipóteses, porque se pretende desenvolver uma componente analítica:

H1 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela

profissão (médico ou enfermeiro).

H2 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo

sexo (masculino ou feminino).

H3 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela

idade.

H4 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo

número de anos de profissão.

Page 177: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

OBJECTIVOS

167

H5 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela sub-

região em que trabalham (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu).

H6 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela área

geográfica em que trabalham (urbana, rural, semi-rural/urbano).

Page 178: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude
Page 179: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

169

3. MÉTODOS

3.1. METODOLOGIA UTILIZADA

Os métodos de investigação constituem uma das partes nobres de qualquer estudo. São

estes que permitem, ou não, responder às questões de investigação, que permitem

recolher a informação necessária (quantitativa ou qualitativa), do modo apropriado e com

os procedimentos adequados (Ribeiro, 2007).

Foi neste sentido, que após a revisão bibliográfica considerada de interesse para o

assunto e apresentada no primeiro capítulo desta Parte, deu-se início ao presente

trabalho que se pode descrever como sendo um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo

descritivo, com componente analítica, situando-se no âmbito da ética descritiva, enquanto

investigação empírica, de tipo não normativo.

No capítulo anterior já se apresentaram as questões de investigação, os objectivos gerais

e os específicos.

Neste capítulo vai-se começar por fazer uma breve revisão da estatística que se pretende

utilizar no estudo. Será abordada a metodologia quantitativa, referindo-se as populações,

a técnica de amostragem e as variáveis em estudo, após o que será apresentada a

metodologia qualitativa utilizada e, por fim, será indicado como se efectuou a recolha dos

dados para o estudo.

3.2. ESTATÍSTICA UTILIZADA

Para uma melhor compreensão dos passos metodológicos dados no decorrer do estudo

optou-se por fazer aqui uma breve apresentação da estatística utilizada.

Para se proceder à organização e análise dos dados optou-se pelo programa informático

de estatística “SPSS” (Statistical Package for the Social Sciences), na versão 15.0 para

Windows (2006), que foi também utilizado para o cálculo das várias medidas de

estatística descritiva e analítica.

Page 180: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

170

A primeira análise estatística a ser efectuada, independentemente do delineamento do

estudo, é sempre a análise de estatística descritiva, de cada variável que compõe o

estudo (Aguiar, 2007).

Para a análise descritiva das variáveis calcularam-se as frequências absolutas, e as

frequências relativas. Ainda no que diz respeito às variáveis numéricas devem-se

determinar medidas estatísticas de tendência central e medidas de dispersão.

Quando se constrói uma escala, como é o primeiro objectivo deste estudo, deve-se

procurar testar estatisticamente a sua validade e consistência.

O coeficiente Alpha de Cronbach (α) fornece a consistência interna de um teste. Uma boa

consistência interna resulta num alpha > 0,80. São no entanto aceitáveis valores acima

de 0,60. Estes valores justificam-se quando as escalas têm um baixo número de itens

(Ribeiro, 2007).

Quanto mais elevado for o valor do item com o valor final da escala, melhor ele discrimina

entre os que obtêm resultados elevados e os que têm pior resultado. Uma correlação

elevada indica ainda que o item mede o mesmo construto que o valor global do teste

(Ribeiro, 2007).

Para se verificar a validade estatística (teórica) de uma escala, recorre-se à análise

factorial. E para se poderem utilizar testes paramétricos é necessário avaliar a

normalidade da escala e das suas dimensões, utilizando o teste de Kolmogorov-Smirnov.

As hipóteses podem ser testadas recorrendo-se ao teste t de Student, quando se trata de

duas amostras independentes, e ao teste f de ANOVA, para mais de duas amostras

independentes, assumindo-se um valor de p<0,05 como nível de significância estatística

dos resultados.

Muitas das situações de investigação em saúde envolvem comparações entre grupos

face a variáveis numéricas. Considerando que se querem comparar dois grupos

independentes face a valores obtidos em variáveis numéricas, naturalmente sugere-se a

aplicação do teste t de Student para comparação das médias obtidas nesses dois grupos

independentes. O valor p que permite chegar à conclusão que as diferenças entre as

médias são estatisticamente significativas é obtido pelo teste t para amostras

independentes (Aguiar, 2007).

Page 181: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

171

Na investigação em saúde também é perfeitamente usual pretender-se comparar mais de

dois grupos independentes face a uma variável numérica de interesse. Por exemplo,

pode ter interesse comparar três ou mais grupos etários relativamente a uma variável

resposta numérica, ou face ao valor numérico de uma escala utilizada. Note-se que estas

situações de investigação constituem uma extensão do teste t para amostras

independentes, com um número superior de grupos em comparação.

Sempre que se usa o teste f de ANOVA convém corroborar os resultados previamente

obtidos com a análise “post-hoc” (depois de), por exemplo usando o teste LSD (“the Least

Significant Difference between any two means”), o que ajuda na consistência dos

resultados estatísticos obtidos (Sousa, 2001).

3.3. ESTUDO QUANTITATIVO

Pretende-se realizar um estudo observacional, transversal, descritivo, com componente

analítica, através da aplicação de um questionário construído para este estudo, de acordo

com a metodologia a seguir descrita, na área geográfica de intervenção da Administração

Regional de Saúde do Centro (ARS-C) (Dec-Lei nº 222/2007, de 29 de Maio).

3.3.1. POPULAÇÕES E AMOSTRAS

O universo das populações a estudar, são os médicos de família e os enfermeiros a

trabalhar nos centros de saúde (CS) da área geográfica da ARS-C, que segundo a

Divisão de Estatística da Direcção de Serviços de Informação e Análise da Direcção-

Geral de Saúde (DGS) eram 1660 médicos e 1659 enfermeiros no ano de 2005.

Devido ao número de médicos e enfermeiros a estudar e à sua dispersão geográfica, o

que levantava problemas de custos na realização da investigação, inteiramente

suportada pelo investigador, houve necessidade de obter uma amostra, que tivesse

representatividade de toda a região. Por não haver indicadores primários, nem dados de

estudos anteriores que permitissem calcular um número significativo, optou-se por uma

amostragem de agrupamento (Cardoso, 1998) com base geográfica no Distrito, que

correspondia a cada uma das sub-região de saúde (SRS).

Page 182: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

172

Assim, foram definidas as amostras das populações a estudar: médicos de família

(especialistas de medicina geral e familiar e clínicos gerais com listas de utentes) e

enfermeiros (especialistas e não especialistas) a trabalhar em 50% dos CS de cada SRS

da área da ARS-C. Este foi considerado o número máximo que o investigador tinha

possibilidade de estudar.

Os centros de saúde foram ordenados alfabeticamente, por sub-região de saúde,

seguindo-se um sorteio, por números aleatórios, dos CS até perfazer os 50%.

No Quadro IV é apresentada a distribuição do número de CS por SRS, bem como do

número de CS aleatorizados.

Quadro IV: Centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número de aleatorizados Sub-Região de Saúde Nº CS Nº CS Aleatorizados % CS Aleatorizados

Aveiro 19 10 52,63%

Castelo Branco 11 6 54,54%

Coimbra 22 11 50,00%

Guarda 14 7 50,00%

Leiria 17 9 52,94%

Viseu 26 13 50,00%

Total 109 56 51,38% Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005.

A aleatorização de Centros de Saúde acabou por determinar que mais de 50% dos CS

fossem escolhidos, para se garantir o sorteio de pelo menos metade dos CS de cada

Sub-Região de Saúde.

Nos Quadros V e VI são apresentadas as distribuições do número de médicos de família

e de enfermeiros dos CS por SRS, bem como do número de médicos e enfermeiros pelos

CS aleatorizados.

Page 183: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

173

Quadro V: Médicos de família dos centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número pelos CS aleatorizados

Sub-Região de Saúde Nº Méd - CS Nº Méd - CS Aleator % Méd - CS Aleator

Aveiro 453 190 41,94%

Castelo Branco 151 105 69,54%

Coimbra 356 161 45,22%

Guarda 133 100 75,19%

Leiria 306 219 71,57%

Viseu 261 161 61,68%

Total 1660 936 56,38% Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005 + Dados obtidos pelo autor nos serviços das SRS.

Quadro VI: Enfermeiros dos centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número pelos CS aleatorizados

Sub-Região de Saúde Nº Enf - CS Nº Enf - CS Aleator % Enf - CS Aleator

Aveiro 386 140 36,27%

Castelo Branco 184 99 53,80%

Coimbra 354 141 39,83%

Guarda 182 105 57,69%

Leiria 276 196 71,01%

Viseu 277 135 48,74%

Total 1659 816 49,19% Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005 + Dados obtidos pelo autor nos serviços das SRS.

Verifica-se que a aleatorização de centros de saúde, acabou por determinar a selecção

de CS com um total de 936 (56%) dos médicos de família e 816 (49%) dos enfermeiros

da área geográfica de intervenção da Administração Regional de Saúde do Centro.

Foi solicitada a necessária autorização ao Conselho Directivo da Administração Regional

de Saúde do Centro, IP para a realização do estudo e ainda que dessa autorização fosse

dado conhecimento aos Directores dos Centros de Saúde aleatorizados, o que

aconteceu. O investigador contactou então, pessoalmente ou pelo correio, os directores

dos centros de saúde aleatorizados pedindo-lhes colaboração na distribuição dos

questionários junto de todos os médicos de família e enfermeiros em serviço no seu CS,

bem como na recolha e devolução dos questionários respondidos ao investigador.

Tendo a expectativa de uma taxa de resposta de cerca de 30% dos profissionais de

saúde, esperava-se obter uma amostra de 280 médicos de família (16,9% do universo) e

245 enfermeiros (14,8% do universo).

Page 184: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

174

3.3.2. VARIÁVEIS

Variável é uma palavra que deriva do latim variabilis, e que designa aquilo que pode

variar, é sujeito a variação ou mudanças, mutável, que pode assumir qualquer um dos

valores num conjunto de valores (Houaiss, 2002), que se distribui por diferentes níveis ou

que é de diferentes tipos e é oposto a uma constante (Ribeiro, 2007).

Em investigação, variáveis são qualidades, características ou atributos de situações,

pessoas ou objectos que variam, ou seja, assumem diferentes valores na população

estudada, e podem ser classificadas em dependentes e independentes (Fortin, 1999).

De seguida vai-se desenvolver os conceitos e a forma como serão medidas as variáveis.

A sua concepção e operacionalização são essenciais para que a hipótese científica seja

passível de refutação empírica (Aguiar, 2007).

3.3.2.1. VARIÁVEL DEPENDENTE

“Atitudes éticas dos profissionais de saúde, nas relações com os pacientes e suas

famílias, nas relações inter-profissionais e inter-pares e na gestão/organização do

centro de saúde/sistema de saúde”.

Através da pesquisa bibliográfica realizada, foram encontrados 55 estudos acerca deste

assunto (anexo 8), mas apenas um avalia quantitativamente as atitudes éticas dos

profissionais de saúde no contexto dos cuidados de saúde primários (Silva, 2006). Trata-

se de um estudo exploratório para identificar e verificar a frequência dos problemas éticos

vividos por enfermeiros e médicos no programa de saúde da família em São Paulo

(Brasil). Os dados foram colhidos através de um questionário auto-aplicado, contendo

situações geradoras de problemas éticos e uma escala de frequências com quatro

pontos. Com esta informação, avançou-se para a construção de um instrumento que

fosse útil para este estudo.

Page 185: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

175

Construção da escala

A construção da escala foi precedida por uma revisão da literatura sobre o tema,

procurando-se uma análise conceptual, descrita no primeiro capítulo desta Parte. Dessa

análise, parece pertinente a proposta de Zoboli e Fortes (2004) que baseados nas suas

investigações, realizadas com médicos e enfermeiros do Programa de Saúde da Família

em São Paulo (Brasil), identificaram três dimensões de problemas éticos nos cuidados de

saúde primários – uma relativa às relações dos profissionais de saúde com os pacientes

e suas famílias, outra relativa às relações inter-profissionais e inter-pares e uma terceira

relativa aos problemas éticos na gestão/organização da saúde. Esta proposta é reforçada

por outros estudos efectuados em contexto de cuidados de saúde primários e descritos

no anexo 8.

Descrição da escala

Assim, foi elaborada uma escala com 35 itens, baseados na bibliografia consultada,

organizada conforme se pode ver no quadro VII.

Destes 35 itens, 21 (60%) foram inicialmente formulados no sentido negativo, procurando

desta forma reduzir o risco de enviesamento das respostas. Foi solicitado, relativamente

a cada item, uma resposta através de uma escala de Likert, de 1 a 5 pontos, invertida nos

itens formulados em sentido negativo (Hill e Hill, 2000), de acordo com a seguinte

indicação:

“Segue-se uma lista de afirmações, por favor, assinale com uma cruz (X) o grau de

concordância, segundo a escala de 1 a 5, que melhor descreve a sua atitude perante

cada uma.”

Deu-se como possibilidades de resposta:

— Totalmente em desacordo;

Page 186: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

176

Quadro VII: Distribuição dos itens da versão inicial da escala Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”

P1 Eu procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente. P2 Eu discuto adequadamente a situação clínica com o meu paciente. P3 Eu aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas. P4 É difícil não ter limites na interferência no estilo de vida do meu paciente. P5 É difícil não ter ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente. P6 Eu respeito os valores religiosos do meu paciente. P7 Eu discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos.

P8 Eu avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a autorização dos seus pais ou tutores.

P9 Eu partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente.

P10 Eu partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o seu estado de saúde.

P11 É difícil preservar o segredo profissional.

P12 Eu solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar e discutir o seu caso em sessão clínica ou publicação científica.

P13 É difícil estabelecer os limites na relação profissional-paciente. P14 Muitas das indicações clínicas para os meus procedimentos são imprecisas. P15 É difícil não omitir informação relevante ao meu paciente. P16 Eu estou atento à prescrição de produtos que o meu paciente possa pagar. P17 Eu estou atento à não prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais baratos.

Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”

P18 Existe desrespeito entre os profissionais de saúde que trabalham no centro de saúde.

P19 É difícil delimitar as competências, especificidades e responsabilidades de cada profissional de saúde na equipa de saúde.

P20 É difícil a partilha de informação relativa ao paciente e sua família entre os diversos profissionais de saúde na equipa de saúde.

P21 É difícil a partilha de informação entre os profissionais de saúde face a indicações clínicas imprecisas. P22 Existe quebra do sigilo profissional por parte dos profissionais de saúde no centro de saúde.

P23 É solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato de casos em sessão clínica ou publicação científica.

P24 Existe falta de acordo no compromisso ético dos profissionais de saúde que trabalham no centro de saúde. P25 Existe falta de solidariedade e colaboração entre os profissionais de saúde no centro de saúde.

Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”

P26 É difícil preservar a privacidade dos pacientes devido a problemas na estrutura física dos consultórios e gabinetes da unidade de saúde.

P27 Faltam meios no centro de saúde para a realização de domicílios. P28 Falta apoio da gestão para discutir e resolver os problemas detectados no centro de saúde.

P29 Falta transparência da direcção e chefias do centro de saúde na resolução dos problemas com os profissionais de saúde.

P30 Há excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde do centro de saúde. P31 A organização do centro de saúde restringe o acesso de alguns utentes aos serviços de saúde.

P32 Há dificuldades no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos utentes do centro de saúde.

P33 Há dificuldades quando à fiabilidade dos resultados de meios complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes do centro de saúde.

P34 A organização do sistema de saúde não garante serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários) que dêem resposta atempada às solicitações do centro de saúde.

P35 Há dificuldade quanto ao retorno de informação pertinente sobre os utentes do centro de saúde dos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).

Page 187: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

177

— Em desacordo;

— Nem de acordo, nem em desacordo;

— De acordo;

— Totalmente de acordo.

Frequentemente, as perguntas incluídas em questionários não atingem os objectivos

específicos que lhes estão associados, daí a necessidade de testar a validade e

consistência do questionário. Para testar um questionário, 10 a 20 pessoas serão

suficientes para obtermos conclusões, desde que as características definidas para esta

amostra sejam as incluídas nos critérios de selecção da amostra final (Canhota, 2008).

Pré-Teste

O questionário com a versão inicial da escala foi aplicado a um grupo de 23 médicos de

família e 6 enfermeiros que trabalhavam em centros de saúde fora da área geográfica de

intervenção da Administração Regional de Saúde do Centro, de forma a realizar um pré-

teste, em Março de 2007. Nele procurou-se identificar possíveis falhas quanto à clareza

das perguntas, assim como testar a escala construída.

Fiabilidade

Após este primeiro pré-teste avaliou-se a fiabilidade da escala através do teste Alpha de

Cronbach (quadro VIII) utilizando o programa de estatística SPSS (Statistical Package for

the Social Sciences), versão 15.0 para Windows (2006). Para a análise da

homogeneidade dos itens e da consistência interna da escala foram calculadas as

correlações de cada item com o total da escala (excluindo o respectivo item) e a sua

influência sob a coeficiente Alpha (α) de Cronbach, que estima o valor médio de todos os

coeficientes possíveis, utilizando este como indicador de fiabilidade interna do

instrumento de medida.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

178

Quadro VIII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da escala na sua versão inicial

Dimensão Itens Média Desv.Padrão Correlação com o total (corrigido)

Alpha se o item for eliminado

A

P1 4,69 ,471 ,373 ,713

P2 4,31 ,712 ,158 ,718

P3 3,62 ,862 ,303 ,711

P4* 4,14 ,789 -,021 ,727

P5* 3,90 ,900 ,051 ,724

P6 4,69 ,541 ,311 ,713

P7 4,31 ,761 ,370 ,708

P8 3,90 1,081 ,033 ,727

P9 3,31 1,312 ,169 ,720

P10 3,24 1,123 -,020 ,731

P11* 4,34 ,553 ,331 ,713

P12 3,97 1,180 ,062 ,726

P13* 3,62 1,083 ,235 ,714

P14 3,52 ,829 -,047 ,728

P15* 4,07 ,799 ,109 ,721

P16 4,28 ,649 ,416 ,708

P17 4,17 ,658 ,073 ,721

B

P18* 3,62 ,903 ,184 ,717

P19* 3,93 ,753 ,275 ,713

P20* 3,83 ,966 ,442 ,702

P21* 3,14 ,990 ,283 ,711

P22 3,69 ,930 ,398 ,705

P23 2,79 1,048 -,028 ,730

P24* 3,48 ,911 ,535 ,697

P25* 3,76 ,912 ,454 ,702

C

P26* 3,59 1,053 ,335 ,708

P27* 3,59 1,296 ,059 ,728

P28* 3,34 1,317 ,213 ,717

P29* 3,21 1,320 ,210 ,717

P30* 2,86 1,329 ,409 ,701

P31* 3,72 1,099 ,003 ,729

P32* 3,76 1,023 ,511 ,697

P33* 3,83 ,848 ,421 ,705

P34* 2,17 1,037 ,404 ,703

P35* 1,97 1,149 ,318 ,709

* Itens de sentido negativo N = 29

Alpha de Cronbach (escala global – 35 itens) = ,721 Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 17 itens) = ,570 Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão B – 8 itens) = ,612

Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão C – 10 itens) = ,697

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MÉTODOS

179

É muito importante dar atenção à fiabilidade de um questionário construído para medir

uma variável porque não vale a pena tirar conclusões a partir de uma medida que não

tem fiabilidade adequada (Hill, 2000).

Verificou-se para esta escala, no seu global (35 itens), um alpha de 0,721, e para as três

sub-escalas valores de Alpha de Cronbach inferiores: dimensão A – “Problemas éticos

nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias” (17 itens) um

alpha de 0,570; dimensão B – “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-

pares” (8 itens) um alpha de 0,612; e dimensão C – “Problemas éticos na

gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde” (10 itens) um alpha de 0,697.

Pode-se concluir que esta escala tinha um valor de Alpha de Cronbach razoável (0,721)

mas a sub-escala da dimensão A tinha um valor inaceitável (0,570) e os valores das sub-

escalas das dimensões B e C também eram fracos (Hill, 2000).

Entretanto, tinha-se pedido aos 29 profissionais de saúde inquiridos no pré-teste que

anotassem comentários às afirmações efectuadas. Assim, da análise dos valores dos

itens da escala e da sua correlação com o total e ainda dos comentários que alguns dos

inquiridos deixaram expressos, concluiu-se pela necessidade de corrigir as afirmações

dos itens.

Elaborou-se então uma nova redacção para a escala, mantendo os 35 itens, que foram

organizados como se pode ver no quadro IX.

Agora, os 35 itens foram todos formulados com sentido positivo, isto apesar de ser

desejável que metade das afirmações fossem de natureza positiva e a outra metade de

natureza negativa (Hill, 2000), porque um dos aspectos mais criticado pelos inquiridos no

pré-teste foi a formulação negativa de algumas das afirmações. Foi mantido o esquema

de resposta através de uma escala de Likert, de 1 a 5 pontos, para cada item.

A nova versão do questionário foi dada a corrigir a uma especialista em Língua

Portuguesa.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

180

Quadro IX: Distribuição dos itens da segunda versão da escala Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”

P1 Procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente. P2 Discuto com o meu paciente a sua situação clínica. P3 Aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas. P4 Não interfiro no estilo de vida do meu paciente. P5 Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente. P6 Respeito os valores religiosos do meu paciente. P7 Discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos.

P8 Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a autorização dos seus pais ou tutores.

P9 Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente.

P10 Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o seu estado de saúde quando relevante.

P11 Preservo o meu segredo profissional.

P12 Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou publicação científica.

P13 Estabeleço os limites na relação profissional-paciente.

P14 Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com prováveis efeitos secundários significativos, comunico o facto ao meu paciente.

P15 Não omito informação relevante ao meu paciente. P16 Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe prescrevo. P17 Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais baratos.

Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”

P18 Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde que trabalham neste centro de saúde.

P19 No meu local de trabalho existe delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde.

P20 No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e sua família entre os diversos profissionais da equipa de saúde.

P21 No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais de saúde face a indicações clínicas imprecisas.

P22 No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte dos profissionais de saúde.

P23 No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato de casos em evento ou publicação científica.

P24 No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos profissionais de saúde. P25 No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de saúde. Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”

P26 Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos consultórios e gabinetes neste centro de saúde.

P27 Existem os meios necessários neste centro de saúde para a realização de domicílios. P28 Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados neste centro de saúde.

P29 Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na resolução dos problemas com os profissionais de saúde.

P30 Não existe excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde neste centro de saúde.

P31 Existe uma organização deste centro de saúde que garante o acesso de todos os utentes aos seus serviços.

P32 Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos utentes deste centro de saúde.

P33 Existe fiabilidade nos resultados dos meios complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes deste centro de saúde.

P34 A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às solicitações deste centro de saúde.

P35 Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos utentes deste centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).

Page 191: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

181

Estudo Piloto

Em Maio de 2007 deu-se início ao presente estudo através da aplicação do questionário

com a nova versão da escala, a médicos e enfermeiros de centros de saúde

aleatorizados da sub-região de saúde de Coimbra. Em Junho de 2007, após se ter

recolhido os questionários respondidos por 44 médicos de família e 31 enfermeiros,

testou-se a escala na sua nova redacção, fazendo-se um estudo piloto.

Neste estudo, a avaliação da fiabilidade da escala utilizando o teste Alpha de Cronbach

(quadro X) com recurso ao programa de estatística SPSS 15.0 para Windows (2006)

apresentou: um valor alpha de 0,808 para a escala no seu global (35 itens); de alpha de

0,580 para a dimensão A – “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde

com os pacientes e suas famílias” (17 itens); de alpha de 0,791 para a dimensão B –

“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” (8 itens); e um alpha de

0,813 para a dimensão C – “Problemas éticos na gestão/organização do centro de

saúde/sistema de saúde” (10 itens).

Apesar de, nesta sua segunda versão, a escala global apresentar um bom valor de Alpha

de Cronbach, assim como as sub-escalas das dimensões B e C, o valor da sub-escala da

dimensão A é ainda inaceitável. Pela análise do quadro X verifica-se que os itens P5

(“Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente”) e P10

(“Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o

seu estado de saúde quando relevante”) apresentam valores negativos na correlação

com o total, pelo que se resolveu eliminar esses itens e re-testar o Alpha de Cronbach,

que foi agora de 0,823 para a escala no seu global (com 33 itens) e um alpha de 0,622

para a dimensão A (com 15 itens), o que já é aceitável (Hill, 2000).

Apesar de os itens P2 (“Discuto com o meu paciente a sua situação clínica”), P12

(“Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em

evento ou publicação científica”), P15 (“Não omito informação relevante ao meu

paciente”) e P23 (“No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa para

o relato de casos em evento ou publicação científica”) apresentarem correlações muito

próximas de zero, optou-se por os deixar para não reduzir demasiado os itens em

algumas das dimensões.

Page 192: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

182

Quadro X: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da escala na sua segunda versão

Dimensão Itens Média Desv.Padrão Correlação com o total (corrigido)

Alpha se o item for eliminado

A

P1 4,76 ,430 ,154 ,807 P2 4,17 ,778 ,057 ,810 P3 3,72 ,847 ,232 ,805 P4 3,96 ,779 ,165 ,807 P5* 4,13 ,905 -,315 ,822 P6 4,77 ,481 ,190 ,806 P7 4,35 ,707 ,315 ,803 P8 4,00 ,930 ,141 ,808 P9 3,48 1,212 ,353 ,801

P10* 3,29 1,206 -,201 ,824 P11 4,29 ,588 ,672 ,796 P12 3,79 1,287 ,001 ,816 P13 3,69 1,013 ,121 ,809 P14 3,47 ,759 ,137 ,808 P15 3,99 ,780 ,001 ,811 P16 4,15 ,672 ,303 ,803 P17 4,05 ,695 ,076 ,809

B

P18 3,40 1,013 ,442 ,798 P19 3,75 ,917 ,527 ,795 P20 3,77 1,060 ,611 ,791 P21 3,16 1,053 ,346 ,801 P22 3,77 ,924 ,556 ,794 P23 2,75 ,931 ,031 ,812 P24 3,40 1,078 ,573 ,792 P25 3,68 1,055 ,650 ,789

C

P26 3,59 1,079 ,580 ,792 P27 3,36 1,420 ,410 ,798 P28 3,32 1,307 ,305 ,803 P29 3,25 1,306 ,264 ,805 P30 2,67 1,308 ,427 ,797 P31 3,65 1,157 ,120 ,810 P32 3,67 1,107 ,646 ,789 P33 3,76 ,942 ,633 ,791 P34 2,35 1,168 ,439 ,797 P35 2,15 1,312 ,474 ,795

N = 75 Alpha de Cronbach (escala global – 35 itens) = ,808

Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 17 itens) = ,580 Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão B – 8 itens) = ,791

Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão C – 10 itens) = ,813 * Itens eliminados

Alpha de Cronbach (escala global – 33 itens) = ,823 ; Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 15 itens) = ,622

Validade

Para comprovação empírica da organização dos itens que se tinha feito de forma

racional, procedeu-se à sua validação factorial. Esta técnica analisa, no essencial, as

correlações entre diversas variáveis para encontrar um conjunto de “factores” que,

teoricamente, representam o que têm em comum as variáveis analisadas (Hill, 2000).

Page 193: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

183

Utilizando o programa de estatística SPSS 15.0 para Windows (2006) fez-se a análise

factorial com rotação ortogonal de tipo varimax, forçando 3 factores (quadros XI e XII).

Quadro XI: Escala na sua versão final (33 itens)

Factores Eigenvalues

Total % de Variância % Acumulada Factor 1 6,336 18,102 18,102 Factor 2 3,399 9,711 27,812 Factor 3 2,143 6,122 33,934

Quadro XII: Estrutura factorial da escala na sua versão final (33 itens)

Itens Cargas Factoriais

Factor 1 Factor 2 Factor 3 P1 ,338 ,147 P2 ,737 ,113 P3 ,381 ,199 P4 ,687 ,123 P6 ,389 ,075

P7 ,623 ,176 P8 ,268 P9 ,268 ,102

P11* ,146 ,503 P12 ,370 ,161 P13* ,145 ,647 ,106 P14* ,146 ,640 ,113 P15 ,526 P16 ,534 ,263 P17 ,542 P18* ,148 ,445 ,481 P19 ,563 ,438 P20 ,246 ,688 ,195 P21 ,517 ,219 P22 ,531 ,388 P23* ,211 ,209 ,155 P24 ,154 ,621 ,325 P25* ,353 ,654 P26* ,085 ,506 ,346 P27 ,082 ,117 ,515 P28 ,219 ,784 P29 ,128 ,825 P30 ,151 ,236 ,415 P31 ,065 ,549 P32 ,156 ,405 P33* ,232 ,443 ,222 P34 ,108 ,444 P35 ,136 ,431

Foram retirados do quadro os valores inferiores a ,050

O resultado obtido não foi animador, tendo a rotação convergido em 5 iterações e 8 itens

(*) convergido em factor diferente daquele criado racionalmente. No entanto, pareceu não

ser pertinente subdividir mais a escala, optando-se assim por manter a anterior divisão

racional dos itens.

Page 194: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

184

Os valores obtidos pelo teste Alpha de Cronbach são, por si só, indicadores abonatórios

para a escala como instrumento de medida fiável.

Como argumentos favoráveis para a validade da escala, ou seja, que ela poderá medir

aquilo que pretende medir, refere-se a distribuição dos itens abarcando as temáticas

identificadas pelos autores consultados.

3.3.2.2. VARIÁVEIS INDEPENDENTES

Parece pertinente analisar a possível influência de algumas variáveis sócio-profissionais

sobre a variável dependente, isto é, em que medida é que a idade, o sexo, a profissão, o

número de anos de profissão, a sub-região de saúde a que se pertence e o facto de se

trabalhar em área urbana ou rural influenciam as atitudes éticas dos profissionais de

saúde, nas relações com os pacientes e suas famílias, nas relações inter-profissionais e

inter-pares e na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde. Nesse

sentido, estabeleceu-se como variáveis independentes a idade, o sexo, a profissão, o

número de anos de profissão, a sub-região e a área de trabalho (anexo 1). Será

conveniente referir a forma como foram operacionalizadas.

Idade

No sentido de quantificar a idade dos inquiridos, recolheu-se os dados no questionário

através de uma questão aberta. Os dados obtidos foram posteriormente agrupados em 5

classes (“20-29, 30-39, 40-49, 50-59 e 60-69”) com as quais se trabalhou na análise

descritiva.

Sexo

No sentido de quantificar o sexo dos inquiridos, recolheu-se os dados no questionário

através de uma questão fechada com 2 alternativas de resposta: “masculino, feminino”.

Profissão

Page 195: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

185

No sentido de quantificar a profissão dos inquiridos, recolheu-se os dados no questionário

através de uma questão fechada com 2 alternativas de resposta: “médico, enfermeiro”.

Número de anos de profissão

No sentido de quantificar o número de anos de profissão dos inquiridos, recolheu-se os

dados no questionário através de uma questão aberta. Os dados obtidos foram

posteriormente agrupados em 5 classes (“< 5, 5-14, 15-24, 25-34 e > 34”) com as quais

se trabalhou na análise descritiva.

Sub-Região

No sentido de quantificar a sub-região de saúde a que pertencem os inquiridos, recolheu-

se os dados no questionário através de uma questão fechada com 6 alternativas de

resposta: “Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu”.

Área de trabalho

No sentido de quantificar a área demográfica onde os inquiridos trabalham habitualmente,

considerando o maior número de horas semanais, recolheu-se os dados no questionário

através de uma questão fechada com 3 alternativas de resposta: “urbana, rural, semi-

rural/urbana”. Não foi apresentada qualquer definição destes conceitos, pelo que eles

foram qualificados pelos próprios inquiridos.

3.4. ESTUDO QUALITATIVO

Para esta segunda fase da investigação optou-se por descrever três casos problema

retirados da bibliografia e procurou-se reflectir um problema de relacionamento entre

profissionais de saúde/paciente, um relacionamento inter-profissionais e problemas de

gestão/organização do sistema de saúde, e ainda solicitar uma resposta escrita a três

questões (“que problemas éticos lista nesta situação”; “o que recomendaria aos

profissionais envolvidos neste caso”; “e por quê”), pedindo-se que o inquirido

Page 196: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

186

descrevesse a sua atitude perante cada caso. Estas respostas foram objecto de análise

categorial ou temática, que é uma das técnicas da análise de conteúdo, proposta por

Laurence Bardin (2004).

A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando

obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das

mensagens, indicadores, qualitativos ou não, que permitam a inferência de

conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (Bardin,

2004).

O tratamento descritivo constitui um primeiro momento do procedimento, não sendo

exclusivo e nem exaustivo da análise de conteúdo. O interesse não se resume à

descrição dos conteúdos, mas naquilo que podem ensinar após serem organizados e

tratados, isto é, codificados. Como assinala Laurence Bardin (2004), a intenção da

análise de conteúdo é alcançar através de indicadores, qualitativos ou não, a inferência

de conhecimentos relativos às condições de produção ou eventualmente de recepção, ou

seja, a análise de conteúdo não visa o estudo da língua ou da linguagem, mas a

determinação das condições de produção dos textos, que são o seu objecto. Portanto, o

fundamento da especificidade da análise de conteúdo reside na articulação entre a

superfície dos textos, descrita e analisada, e os factores que determinam as

características encontradas, deduzidos logicamente.

Segundo Augusto Triviños (1995) os procedimentos básicos da análise de conteúdo

incluem a pré-análise, a descrição analítica e a interpretação inferencial. A pré-análise é a

fase de organização do material em que se especifica o campo no qual o investigador

deve fixar a sua atenção. Na fase da descrição analítica, o material empírico recebe

tratamento, incluindo a codificação, a classificação e a categorização. Já na interpretação

inferencial procura-se o estabelecimento de relações entre os resultados do material

empírico e a realidade social, assumindo-se, no entanto, que a realidade nunca pode ser

totalmente compreendida e que a investigação só permite uma aproximação a essa

realidade. Atendendo a isto, não é suficiente ficar pelo conteúdo manifesto dos textos,

mas deve-se desvendar o conteúdo latente, pois sendo este dinâmico, estrutural e

histórico é ele que possibilita a identificação de crenças e tendências (Triviños, 1995).

Fazer uma análise temática requer descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a

comunicação e cuja frequência, numa abordagem mais quantitativa, ou presença e

ausência pode ter um significado para o objectivo analítico escolhido. O tema, como

Page 197: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

187

unidade de registo, é geralmente utilizado para estudar motivações de opiniões, de

atitudes, de valores, de crenças, de tendências. Por unidade de registo, entende-se a

unidade de significação a codificar, ou seja, o segmento de conteúdo a ser considerado

como unidade de base a ser categorizada. A noção de tema em análise de conteúdo é

uma afirmação sobre um assunto, uma frase, um resumo, é a unidade de significação

que se extrai naturalmente de um texto quando analisado à luz de certos critérios que

servem de guia para a sua leitura (Bardin, 2004).

Além da unidade de registo, convém delimitar a unidade de contexto, que serve de

unidade de compreensão para codificar a primeira. Corresponde ao segmento da

mensagem, cujas dimensões, superiores à unidade de registo, possibilita compreender a

significação exacta desta. No caso do tema será um parágrafo que o contenha.

As motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, entre

outras, além das respostas a questões abertas em questionários, em entrevistas não

directivas ou mesmo mais estruturadas, em registos de reuniões de grupos, em

comunicações de massa, etc. são frequentemente analisadas por temas.

Assim, considerando-se o objecto do presente estudo, a ética em cuidados de saúde

primários, e a técnica utilizada para a colheita de dados, questões abertas num

questionário, pareceu adequada a análise temática, dentro da análise de conteúdo

proposta por Laurence Bardin (2004). Como unidade de registo tomaram-se os

problemas identificados e as propostas de solução efectuadas pelos médicos e

enfermeiros inquiridos e como unidade de contexto os trechos das respostas que os

continham.

Cada resposta, escrita pelo profissional inquirido, foi lida para identificação dos

problemas apontados e das soluções propostas. O conjunto dos problemas e soluções

listadas passou a configurar numa grelha de categorias fundamentada sobre os

conteúdos (anexo 9). Não se tem em conta a dinâmica e a organização, mas a frequência

dos temas extraídos do conjunto das respostas, considerados como dados segmentáveis

e comparáveis (Bardin, 2004)

A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um

conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo a analogia com

os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, que reúnem um

grupo de unidades de registo sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

188

razão dos caracteres comuns desses elementos (Bardin, 2004). O critério de

categorização pode ser temático, neste trabalho considerou-se como categorias as

correntes éticas em estudo, assim todos os temas que reportavam para o cuidado foram

agrupados na categoria “ética do cuidado”. Empregou-se, portanto, um processo de

categorização pelo conceito da resposta, ou seja, as categorias foram previamente

estabelecidas e os elementos encontrados no conteúdo das respostas distribuídos entre

elas. Este é o chamado “procedimento por caixas” (Bardin, 2004).

A opção por esta técnica foi motivada pelo facto dos olhares seleccionados para a análise

teórica dos dados serem as categorias que eram pertinentes para os objectivos do

estudo. Assim, as respostas foram pesquisadas na busca de elementos componentes

destes distintos olhares descritos na síntese das correntes éticas, que se considerou

serem importantes para os cuidados de saúde primários, efectuada na primeira parte

desta tese.

Os elementos das categorias procuradas nas respostas basearam-se nos diferentes

olhares das correntes éticas estudadas e estão apresentados no quadro XIII.

As respostas escritas foram lidas com base nessa grelha a fim de se identificar a sua

presença. Isto porque, segundo Laurence Bardin (2004), uma das características da

análise qualitativa é o facto da inferência, que é sempre realizada, fundar-se na presença

do “índice” (tópicos ou ideias) em cada resposta individual (quadro XIV). Assim, a simples

presença do “índice” na resposta permitiu inferir que o inquirido estava a considerar o

olhar em questão para resolver o caso problema proposto.

Page 199: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

189

Quadro XIII: Elementos componentes das categorias Ética principialista Ética das

virtudes Ética do cuidado

Ética casuística Ética profissional O respeito

pela autonomia

Não maleficência

Beneficência Justiça

Capacidade para decidir

Não causar mal ou dano

Fazer ou promover o

bem. Prevenir o

mal ou o dano

Distribuição dos bens e

recursos, de maneira

justa, equitativa, apropriada

e determinada por normas justificadas

Percepção dos

cuidados de saúde como prática com

bens internos

Reconhecimento da importância

do vínculo mútuo

Equacionamento por paradigma e

analogia

Acatamento do código

deontológico como o meio para resolver

problemas éticos

Dizer a verdade

Não matar Proteger e defender os direitos dos

outros

Distribuição dos

benefícios necessários a cada um

para amenizar ou

corrigir os efeitos

deletérios da lotaria

biológica e social

Honestidade na relação

com os outros

Fortalecimento das relações de

vínculo

Apelo às máximas

Temor às sanções e

penalizações

Respeitar a privacidade

Não causar dano ou

sofrimento

Ajudar pessoas com incapacidades

Acesso igual ao mínimo decente

Confiança nos outros

Não rompimento das relações de

vínculo

Análise das circunstâncias

Recurso às comissões

de ética para resolver os problemas

Proteger a informação confidencial

Não incapacitar

Prevenir danos que

possam ocorrer a

outros

Maior bem para o maior

número

Tratamento uniforme e impessoal de acordo

com o mérito

Felicidade de todos

Probabilidade

Consentimento livre e

esclarecido

Não ofender Eliminar condições

que causarão danos aos

outros

Expor os seus

próprios interesses ao risco de danos ou perigos

Não magoar ninguém

Ajudar na tomada de

decisão

Não privar os outros dos

bens da vida

Resgatar pessoas em

perigo

Busca de soluções não violentas para

os conflitos através do

diálogo

Adaptado de Zoboli (2003)

Todas as respostas passaram por uma leitura com o objectivo de identificar como os

inquiridos elaboravam o problema em análise nos cenários propostos. Isto porque,

segundo Carol Gilligan (1993), as diferentes imagens dos relacionamentos redundam em

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

190

distintos modos de compreender a moralidade e de pensar acerca de conflito e escolha,

dependendo, então, o juízo ético do modo como o problema é formulado (anexo 9).

Quadro XIV: Índices das categorias Ética principialista Ética das virtudes Ética do cuidado Ética casuística Ética profissional

Direitos Paciência Ajuda Probabilidade Deontologia

Recursos Honestidade Protecção Analogia Responsabilidade

Decisão Confiança Acompanhamento Causas Negligência

Acesso Coragem Diálogo Circunstâncias Sanções

Regras Companheirismo Relação Casos Denuncia

Equidade Tentação Estima Cumprimento

Autocuidado Respeito Negociar Legis artis

Assim, pode-se depreender que os diversos modos de compreender a moralidade,

expressos nos olhares escolhidos, implicam diferentes modos de pensar acerca de

conflito e escolha, ou seja, envolvem distintas maneiras de formular e,

consequentemente, conduzir a solução do problema ético. Realçar esta elaboração do

problema pode servir para favorecer a compreensão da argumentação presente na

tomada de decisão.

Da mesma maneira, as diferentes correntes éticas permitiram delinear diferentes

maneiras de se formularem os problemas em cada um dos olhares (quadro XV).

Quadro XV: Formulação dos problemas éticos Ética principialista

Confronto de divergentes obrigações morais decorrentes dos princípios.

Ética das virtudes

Ameaça à realização do bem interno de uma prática.

Ética do cuidado Ruptura na rede de responsabilidades e relacionamentos mútuos. Ética casuística Arranjo do caso por paradigma e analogia num conjunto de

situações do mesmo tipo. Ética profissional Infracção ao código deontológico e às demais legislações que

regulamentam o exercício profissional. Adaptado de Zoboli (2003)

Quanto a este ponto, é importante referir que também Beauchamp e Childress (2001)

apontam para a possibilidade de haver várias formulações dos problemas éticos, ao

distinguirem as diversas formas de cada teoria moral, que exploram na sua obra,

explicarem e abordarem um mesmo caso clínico apresentado.

Page 201: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

191

3.5. RECOLHA DE DADOS

Todas as ciências naturais, bem como todas as ciências sociais, têm por base

investigações empíricas, em que se fazem observações para compreender melhor o

fenómeno a estudar, e podem ser utilizadas para construir explicações ou teorias mais

adequadas (Hill, 2000).

A investigação empírica assenta em três actos essenciais: contar, medir e comparar.

Qualquer destes actos pressupõe a recolha ou colheita de dados elementares, relativos a

entidades com características variáveis que, ao serem tratados, analisados e

interpretados conduzem à produção de informação. Essa informação pretende responder

a perguntas que são o ponto de partida de um projecto de investigação (Ramos, 2008).

3.5.1. INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS

Existem vários tipos de instrumentos de recolha de dados disponíveis, tendo-se que

seleccionar aquele que melhor se adapta ao presente estudo, população, objectivos e

recursos disponíveis.

Optou-se pela utilização de um questionário auto-preenchido.

Um questionário é um processo estruturado de recolha de informação, uma série de

questões ou afirmações ordenadas sobre um determinado assunto (Ribeiro, 2007).

O auto-preenchimento do questionário significa que se requer uma interferência mínima

entre o inquiridor e o inquirido, e que pode ser feito sem a presença do avaliador. Em

saúde, muitas investigações, principalmente se exigem grande quantidade de inquiridos,

são realizadas com questionários de auto-preenchimento. Verificou-se que este tipo de

preenchimento, não produzia resultados diferentes, em amostras da mesma população,

entre os que respondiam na presença do investigador e os que respondiam em casa com

devolução posterior do questionário (Ribeiro, 2007).

O questionário utilizado neste estudo (anexo 2) pode ser dividido em três partes. A

primeira incluiu seis questões, (A a F), sobre os aspectos sócio-profissionais de

caracterização do inquirido: a idade, o sexo, a profissão, o número de anos de profissão,

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

192

a sub-região e a área de trabalho. A segunda parte, (P1 a P35), incluiu a escala

construída para o estudo, através da qual se pretende avaliar as atitudes éticas dos

profissionais de saúde, nas relações com os pacientes e suas famílias, nas relações

inter-profissionais e inter-pares e na gestão/organização do centro de saúde/sistema de

saúde. A terceira parte, incluiu a descrição de três casos problema, (I a III), retirados da

bibliografia e procurando reflectir um problema de relacionamento profissionais de

saúde/paciente, relacionamento inter-profissionais e problemas de gestão/organização do

sistema de saúde, e ainda da solicitação de resposta escrita a três questões (“que

problemas éticos lista nesta situação”; “o que recomendaria aos profissionais envolvidos

neste caso”; “e por quê”), pedindo-se que o inquirido descrevesse a sua atitude perante

cada caso.

I) O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que dificultam

as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de

tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa

onde ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que

passa sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. (Zoboli, 2003).

II) Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida

afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam

algumas queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos

bruscos. Notava-se-lhe grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se

um hálito alcoólico quando alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem

para a confrontar directamente. Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por

escrito, queixando-se do seu atendimento e acusando a equipa de saúde de

cumplicidade neste estado de coisas. (Loff, 2004).

III) F., de 46 anos de idade, foi à consulta aberta/complementar do centro de saúde, por

não ter médico de família, tal como mais de 3.000 pessoas na área, por insuficiência de

médicos no centro, queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-

lhe um exame sumário e requisitou uma mamografia a ser efectuada na cidade a 50 Km

de distância. Dois meses depois voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o

radiologista dizia não poder concluir sem uma ecografia. Nova requisição e novo exame

na cidade. Dois meses depois nova consulta e terceiro médico a consultá-la no centro de

saúde, é necessário a sua referenciação ao hospital por lesão mamária suspeita pelo que

lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à consulta hospitalar seis

Page 203: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

193

meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames analíticos

pedidos pelo centro de saúde e voltar para punção-biopsia do nódulo. Novas consultas,

novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punção-

biopsia deram-lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para

a operação. Esperou seis meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde

trabalhava a dias, que tinha um colega médico, que lhe desse uma ajuda e passado um

mês foi internada pelo serviço de urgência e operada: tumor maligno com metástases

ganglionares. (Serrão, 2002).

Estudo Piloto

A utilização do instrumento de colheita de dados deve ser precedida de um estudo piloto

(pré-teste), que é fundamental para assegurar a validade e precisão do instrumento de

recolha de dados e verificar se a metodologia utilizada não tem problemas.

Ou seja, efectua-se uma aplicação do questionário a um grupo com características

semelhantes às da população em estudo, por forma a identificar todos os problemas que

poderão vir a surgir, possíveis falhas quanto à clareza, à quantidade e à forma das

perguntas e ainda quanto ao seu ordenamento.

Como já foi referido aquando da descrição da escala, o questionário com a versão inicial

da escala foi aplicado a um grupo de 23 médicos de família e 6 enfermeiros que

trabalhavam em centros de saúde fora da área geográfica de intervenção da

Administração Regional de Saúde do Centro, de forma a realizar um estudo piloto, em

Março de 2007. Também foi pedido a esses 29 profissionais de saúde inquiridos que

anotassem comentários às afirmações efectuadas. Assim, da análise dos comentários

que alguns dos inquiridos deixaram expressos, e dos valores dos itens da escala e da

sua correlação com o total da mesma, como já foi descrito, concluiu-se pela necessidade

de alterar a formulação das afirmações da maioria dos itens P1 a P35. Elaborou-se então

uma nova redacção para a escala. Este novo questionário, com a nova versão da escala,

começou a ser aplicado à nossa amostra de profissionais de saúde que trabalhavam em

centros de saúde da Administração Regional de Saúde do Centro, e após dois meses,

Maio e Junho de 2007, e com 75 respostas recebidas, 44 médicos de família e 31

enfermeiros, testou-se a escala na sua nova redacção, realizando assim um estudo

piloto. Como os valores obtidos pelo Alpha de Cronbach foram por si só, indicadores

Page 204: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

194

abonatórios para a escala como instrumento de medida fiável, prosseguiu-se com a

recolha dos dados para o estudo.

3.5.2. PROCEDIMENTOS NA RECOLHA DE DADOS

Antes de se iniciar a aplicação do questionário foram pedidos, à Comissão de Ética para

a Saúde do Centro de Saúde de São João, do Porto, a elaboração de um parecer para a

realização do estudo proposto (anexo 3), e ao conselho directivo da Administração

Regional de Saúde do Centro, a necessária autorização para a realização do mesmo, e

ainda que dessa autorização fosse dado conhecimento aos directores dos centros de

saúde aleatorizados, o que aconteceu (anexo 4). Tendo sido obtida a autorização

solicitada através do ofício nº 3735 de 7 de Março de 2007.

Foram contactados, pessoalmente ou pelo correio (anexo 5), os directores dos centros de

saúde (CS) aleatorizados pedindo-lhes colaboração na distribuição dos questionários

junto de todos os médicos de família e dos enfermeiros em serviço no seu CS e na

recolha e devolução dos questionários respondidos ao investigador.

O questionário era antecedido de um termo de responsabilidade (anexo 6) em que o

investigador solicitava a colaboração no preenchimento do questionário; garantia a

confidencialidade dos dados recolhidos, referindo que os mesmos seriam unicamente

utilizados para fins de investigação no âmbito da sua tese de doutoramento em Ciências

da Saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em parte, em

revistas médicas ou de saúde; que seria elaborado um relatório da investigação

efectuada para a Administração Regional de Saúde do Centro; e apresentava os

objectivos da investigação. Referia ainda que a resposta ao questionário era facultativa, e

que o seu preenchimento era considerado como expressão de consentimento presumido

em participar na investigação.

Em Junho de 2007, já com o estudo em andamento e a recolha de dados iniciada tomou

conhecimento da Deliberação nº 227/20072 da Comissão Nacional de Protecção de

Dados (CNPD) aplicável aos tratamentos de dados pessoais efectuados no âmbito de

estudos de investigação científica na área da saúde.

2 Disponível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/del/del227-07.htm [citado em 13-06-2007]

Page 205: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

MÉTODOS

195

Pela análise exposta no anexo 7, considera-se que o presente estudo cumpre os

fundamentos da Deliberação nº 227/2007, apesar de não se ter solicitado, nem

previamente nem a posteriori, autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados,

por este estudo não fazer tratamento de dados pessoais, mas unicamente tratar,

anonimamente, a opinião dos inquiridos.

O questionário do estudo foi então aplicado nos centros de saúde previamente

aleatorizados (quadro I) da Administração Regional de Saúde do Centro, entre Maio de

2007 e Abril de 2008. Este longo período para a recolha de dados ficou a dever-se à

necessidade que o investigador teve de se deslocar a muito centros de saúde da região

para motivar os profissionais de saúde a responderem ao questionário, tendo mesmo, a

partir do questionário nº 163, desistido de pedir o preenchimento da 3ª parte do mesmo,

ou seja, a resposta às questões sobre os casos-problema, por que se mostrou ser um

elemento que levava ao não preenchimento.

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Page 207: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

197

4. RESULTADOS

Neste capítulo vai-se apresentar os dados recolhidos de forma organizada e procurando

evidenciar aqueles que se consideram mais pertinentes.

4.1. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA AMOSTRA

As principais características sócio-profissionais da amostra são apresentadas no quadro

XVI. A amostra é constituída por 370 indivíduos, sendo 272 do sexo feminino e 98 do

sexo masculino, o que representa uma percentagem de 73,5% e 26,5% respectivamente.

A média de idades é de 46,2 anos e a mediana situa-se nos 48 anos. O desvio padrão é

de 8,94 anos. O indivíduo mais novo tinha 23 anos e o mais idoso 61 anos.

Por sexos, a média de idades para o sexo feminino é de 44,8 anos e a mediana situa-se

nos 44 anos. O desvio padrão é de 9,07 anos. A mulher mais nova tinha 23 anos e a

mais idosa 61 anos. A média de idades para o sexo masculino é de 50,1 anos e a

mediana situa-se nos 51 anos. O desvio padrão é de 7,29 anos. O homem mais novo

tinha 23 anos e o mais idoso 58 anos.

Quando agrupados por grupos etários, verifica-se que predominam os grupos etários 50-

59 anos (43,8%) e 40-49 anos (28,6%). Os grupos menos numerosos são o dos 20-29

anos (3,2%) e dos 60-69 anos (2,2%).

Profissionalmente, verifica-se que a amostra é constituída por 180 médicos (48,6%) e por

190 enfermeiros (51,4%).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

198

Quadro XVI: Distribuição dos elementos da amostra de acordo com as características sócio-profissionais

Variáveis Nº %

Sexo

Feminino 272 73,5

Masculino 98 26,5

Idade

20 – 29 anos 12 3,2

30 – 39 anos 82 22,2

40 – 49 anos 106 28,6

50 – 59 anos 162 43,8

60 – 69 anos 8 2,2

Profissão

Médico 180 48,6

Enfermeiro 190 51,4

Nº de anos de Profissão

< 5 anos 12 3,2

5 – 14 anos 68 18,4

15 – 24 anos 108 29,2

25 – 34 anos 164 44,3

> 34 anos 18 4,9

Sub-Região

Aveiro 62 16,8

Castelo Branco 102 27,6

Coimbra 96 25,9

Guarda 40 10,8

Leiria 40 10,8

Viseu 30 8,1

Área de Trabalho

Urbana 180 48,6

Rural 62 16,8

Semi-rural/urbana 128 34,6

Por profissões, a média de idades para os médicos é de 51,1 anos e a mediana situa-se

nos 52 anos. O desvio padrão é de 6,46 anos. O indivíduo mais novo tinha 30 anos e o

mais idoso 61 anos. A média de idades para os enfermeiros é de 41,5 anos e a mediana

situa-se nos 41 anos. O desvio padrão é de 8,43 anos. O indivíduo mais novo tinha 23

anos e o mais idoso 61 anos.

Page 209: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

199

Quanto à Sub-Região a que pertencem, verifica-se que 62 indivíduos da amostra

pertencem a Aveiro (16,8%), 102 indivíduos a Castelo Branco (27,6%), 96 indivíduos a

Coimbra (25,9%), 40 indivíduos à Guarda (10,8%) e o mesmo número a Leiria (10,8%) e

por fim, 30 indivíduos pertencem a Viseu (8,1%).

Quanto à área de trabalho, 180 indivíduos consideraram que trabalhavam em meio

urbano (48,6%), 62 indivíduos em meio rural (16,8%) e 128 indivíduos consideraram que

trabalhavam num meio semi-rural/urbano (34,6%).

4.2. RESPOSTA ÀS QUESTÕES EM INVESTIGAÇÃO E TESTES DE HIPÓTESES

A primeira questão formulada, como ponto de partida para o estudo, foi:

Q1 – Existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes éticas dos

profissionais de saúde?

Após a recolha de todos os questionários reavaliou-se a fiabilidade da escala através do

teste Alpha de Cronbach (quadro XVII) utilizando o programa de estatística SPSS 15.0

para Windows (2006), sendo o valor α = 0,848 para a escala no seu global (33 itens) e de

α = 0,664 para a dimensão A – “Problemas éticos nas relações dos profissionais de

saúde com os pacientes e suas famílias” (15 itens), de α = 0,805 para a dimensão B –

“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” (8 itens) e um α = 0,765

para a dimensão C – “Problemas éticos na gestão/organização do centro de

saúde/sistema de saúde” (10 itens).

Pode-se responder, com os dados já anteriormente descritos, no ponto 3.3.2.1., e os

agora obtidos no teste Alpha de Cronbach dos dados finais, que existe suporte empírico

para a validação de uma escala de atitudes éticas dos profissionais de saúde.

Page 210: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

200

Quadro XVII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da escala no estudo final

Dimensão Itens Média Desv.Padrão Correlação com o total (corrigido)

Alpha se o item for eliminado

A

P1 4,64 ,610 ,215 ,832

P2 4,30 ,663 ,333 ,830

P3 3,71 ,839 ,194 ,833

P4 4,17 ,644 ,199 ,833

P6 4,63 ,604 ,095 ,834

P7 4,14 ,745 ,313 ,830

P8 3,41 1,193 ,078 ,838

P9 3,48 1,117 ,158 ,835

P11 4,31 ,858 ,261 ,831

P12 4,26 ,924 ,206 ,833

P13 3,62 1,045 ,468 ,825

P14 3,34 ,997 ,327 ,829

P15 3,79 ,926 ,154 ,834

P16 4,13 ,747 ,321 ,830

P17 3,91 ,885 ,221 ,832

B

P18 3,58 1,260 ,566 ,821

P19 3,62 1,076 ,557 ,822

P20 3,70 ,952 ,566 ,823

P21 3,05 1,027 ,310 ,830

P22 3,85 1,035 ,426 ,826

P23 3,32 1,052 ,264 ,831

P24 3,67 1,012 ,570 ,822

P25 3,53 1,145 ,586 ,821

C

P26 3,35 1,280 ,506 ,823

P27 3,29 1,266 ,383 ,828

P28 3,49 1,246 ,484 ,824

P29 3,45 1,271 ,502 ,823

P30 2,75 1,161 ,400 ,827

P31 3,84 1,138 ,338 ,829

P32 3,37 1,124 ,345 ,829

P33 3,63 ,868 ,464 ,826

P34 2,18 ,925 ,237 ,832

P35 2,05 ,956 ,255 ,831

N = 370 Alpha de Cronbach (escala global – 33 itens) = ,848

Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 15 itens) = ,664 Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão B – 8 itens) = ,805

Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão C – 10 itens) = ,765

Page 211: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

201

Apesar de se ter uma amostra suficientemente grande para utilizar os testes paramétricos

seleccionados, avaliou-se a normalidade da escala e as suas dimensões, recorrendo ao

teste de Kolmogorov-Smirnov. Os resultados demonstraram que a distribuição dos

valores é gaussiana para as dimensões e para o global da escala. (quadro XVIII)

Quadro XVIII: Teste de normalidade da escala Dimensão A Dimensão B Dimensão C Global

N 370 370 370 370

Parâmetros Média 3,989 3,539 3,140 3,556

Desvio Padrão 0,364 0,698 0,641 0,460

Diferenças Extremas

Absoluta 0,069 0,057 0,068 0,067

Positiva 0,069 0,044 0,068 0,067

Negativa -0,054 -0,057 -0,041 -0,064

Kolmogorov-Smirnov 1,334 1,097 1,304 1,291

p 0,057 0,180 0,067 0,071

De acordo com os dados obtidos, pode-se constatar que os inquiridos apresentam uma

atitude de concordância em relação aos problemas éticos, apresentando uma média de

resposta aos itens propostos, na escala global, de 3,56, com um mínimo de 2,31 e um

máximo de 4,51 (quadro XIX). Recorda-se que as respostas poderiam variar entre um e

cinco, representando o valor “um” a discordância completa e o valor “cinco” a

concordância completa (em relação ao item).

Quadro XIX: Estatística descritiva relativa às atitudes dos profissionais de saúde face aos problemas éticos

Dimensão A Dimensão B Dimensão C Global

Nº de itens 15 8 10 33

Média 3,99 3,54 3,14 3,56

Mediana 3,93 3,63 3,10 3,56

Desvio Padrão 0,36 0,70 0,64 0,46

Variância 0,13 0,49 0,41 0,21

Mínimo 3,07 1,25 1,50 2,31

Máximo 4,80 5,0 4,80 4,51

Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”

Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

202

No entanto, analisando as dimensões estudadas verifica-se que esta atitude de

concordância se fica a dever principalmente à dimensão A (Problemas éticos nas

relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias), com uma média

de respostas de 3,99, encontrando-se uma média bastante inferior na dimensão C

(Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde), com

uma média de respostas de 3,14. A dimensão B (Problemas éticos nas relações inter-

profissionais e inter-pares) teve uma média de respostas de 3,54.

Fazendo uma análise item a item (quadro XX) verifica-se as diferenças atrás referidas de

uma forma mais minuciosa.

Enquanto que as médias dos itens da dimensão A são em 80% superiores a 3,5 (12 em

15 itens) e na dimensão B são em 75% (6 em 8 itens), na dimensão C são só em 20% (2

em 10 itens). De referir ainda que nas dimensões A e B nenhum item obteve uma média

inferior a 3,0, já na dimensão C tal aconteceu em três itens, no item P30 (“Não existe

excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde neste centro de

saúde”), no P34 (“A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de

referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às

solicitações deste centro de saúde”) e no P35 (“Existe informação de retorno pertinente

sobre os cuidados prestados aos utentes deste centro de saúde pelos serviços de

referenciação (cuidados de saúde secundários)”). Na dimensão A, o item P1 (“Procuro a

melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente”) é o mais bem pontuado com 4,64

e um dos que apresenta menor dispersão das respostas (desvio-padrão de 0,610). Na

dimensão B é o item P22 (“No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo

profissional por parte dos profissionais de saúde”) o mais bem pontuado com 3,85 e na

dimensão C é o item P31 (“Existe uma organização deste centro de saúde que garante o

acesso de todos os utentes aos seus serviços”) com 3,84.

Page 213: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

203

Quadro XX: Análise item a item Dimensão Itens Média Desvio Padrão

A

P1 4,64 0,610

P2 4,30 0,663

P3 3,71 0,839

P4 4,17 0,644

P6 4,63 0,604

P7 4,14 0,745

P8 3,41 1,193

P9 3,48 1,117

P11 4,31 0,858

P12 4,26 0,924

P13 3,62 1,045

P14 3,34 0,997

P15 3,79 0,926

P16 4,13 0,747

P17 3,91 0,885

B

P18 3,58 1,260

P19 3,62 1,076

P20 3,70 0,952

P21 3,05 1,027

P22 3,85 1,035

P23 3,32 1,052

P24 3,67 1,012

P25 3,53 1,145

C

P26 3,35 1,280

P27 3,29 1,266

P28 3,49 1,246

P29 3,45 1,271

P30 2,75 1,161

P31 3,84 1,138

P32 3,37 1,124

P33 3,63 0,868

P34 2,18 0,925

P35 2,05 0,956

Apresenta-se agora os resultados dos testes das hipóteses formuladas relativamente às

atitudes dos profissionais de saúde perante os problemas éticos.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

204

H1 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela

profissão (médico ou enfermeiro).

Para conhecer a possível influência da profissão sobre a atitude dos profissionais de

saúde perante os problemas éticos, efectuou-se um teste t de Student para diferenças de

médias de grupos independentes, cujos resultados se apresentam no quadro XXI.

Quadro XXI: Atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão Profissão Médicos

(n=180) Enfermeiros

(n=190) Teste t de Student

Atitude Média D.P. Média D.P. T p

Dimensões

A 4,024 0,355 3,957 0,372 1,758 0,080

B 3,611 0,697 3,471 0,694 1,935 0,054

C 3,171 0,582 3,111 0,694 0,908 0,365

Global 3,602 0,457 3,513 0,459 1,867 0,063

Pela análise do quadro XXI, pode-se observar que as médias relativas aos médicos são

superiores às dos enfermeiros. No entanto, estas diferenças não são estatisticamente

significativas, na medida em que surge um p>0,05 em relação ao global e a cada uma

das dimensões estudadas, levando assim a aceitar a hipótese nula. Isto é, as diferenças

encontradas nas médias das atitudes éticas dos profissionais de saúde entre as duas

profissões (médico ou enfermeiro) não são estatisticamente significativas.

H2 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo sexo

(masculino ou feminino).

Para conhecer a possível influência do sexo sobre a atitude dos profissionais de saúde

perante os problemas éticos, efectuou-se um teste t de Student para diferenças de

médias de grupos independentes, cujos resultados se apresentam no quadro XXII.

Page 215: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

205

Quadro XXII: Atitudes éticas dos inquiridos segundo o sexo Género Masculino

(n=98) Feminino (n=272)

Teste t de Student

Atitude Média D.P. Média D.P. T p

Dimensões

A 3,992 0,373 3,989 0,362 0,072 0,942

B 3,559 0,563 3,532 0,742 0,322 0,748

C 3,151 0,609 3,136 0,654 0,198 0,843

Global 3,567 0,423 3,552 0,473 0,274 0,784

Pela análise do quadro XXII, pode-se observar que as médias relativas aos indivíduos do

género masculino são superiores às do género feminino. No entanto, estas diferenças

não são estatisticamente significativas, na medida em que surge um p>0,05 em relação

ao global e a cada uma das dimensões estudadas, levando assim a aceitar a hipótese

nula. Isto é, as diferenças encontradas nas médias das atitudes éticas dos profissionais

de saúde entre os dois géneros (masculino ou feminino) não são estatisticamente

significativas.

H3 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela

idade.

Para conhecer a possível influência da idade sobre a atitude dos profissionais de saúde

perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância pelo teste f de

ANOVA. Pela análise do quadro XXIII, pode-se observar que as médias da escala

crescem à medida que aumenta a idade, a partir do grupo etário dos 30-39 anos, para o

global e para a dimensão C. Para a dimensão A esta constatação só existe a partir do

grupo etário dos 40-49 anos. E na dimensão B tal constatação não existe. Tal

crescimento é um factor marcante para a diferença de atitude, principalmente na

dimensão C da escala, na medida em que as diferenças encontradas são aí

estatisticamente significativas (p<0,05).

Page 216: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

206

Quadro XXIII: Atitudes éticas dos inquiridos em função do grupo etário Grupo etário

20 – 29 anos (n=12)

30 – 39 anos (n=82)

40 – 49 anos (n=106)

50 – 59 anos (n=162)

60 – 69 anos (n=8) ANOVA

Atitude Média D.P. Média D.P. Média D.P. Média D.P. Média D.P. f p

Dimensões

A 3,84 0,21 4,03 0,37 3,94 0,35 3,99 0,36 4,10 0,60 1,473 0,210

B 3,89 0,42 3,47 0,77 3,48 0,59 3,58 0,71 3,43 1,00 1,357 0,249

C 3,26 0,53 2,84 0,52 3,21 0,70 3,20 0,63 3,60 0,21 6,537 0,000*

Global 3,66 0,32 3,45 0,43 3,54 0,46 3,59 0,46 3,71 0,60 1,771 0,134

* Diferença estatisticamente significativa

A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,

entre o grupo etário dos 30-39 anos e o grupo etário dos 50-59 anos. O mesmo

acontecendo para a dimensão B, em que o grupo etário dos 30-39 anos tem diferenças

significativas (p<0,05) com o grupo etário dos 20-29 anos. Para a dimensão C, existem

diferenças significativas entre o grupo dos 30-39 anos e todos os outros grupos etários.

Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo etário dos 30-39 anos. Para

a dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre grupos etários.

Verifica-se portanto, que à medida que aumenta o grupo etário, a partir dos 30-39 anos,

tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde, nomeadamente para

o global da escala e para a dimensão C. Sendo também mais firmes as atitudes éticas

dos profissionais de saúde do grupo etário dos 20-29 anos, excepto para a dimensão A.

Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da

aplicação da escala.

H4 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo

número de anos de profissão.

Para conhecer a possível influência do número de anos de profissão sobre a atitude dos

profissionais de saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância

pelo teste f de ANOVA. Pela análise do quadro XXIV, pode-se observar que as médias

da escala crescem à medida que aumenta o número de anos de profissão, a partir do

grupo dos 5-14 anos de profissão, para o global e para todas as dimensões. No entanto,

o grupo de < 5 anos de profissão tem médias da escala superiores às do grupo dos 5-14

anos. Tal crescimento é um factor marcante para a atitude, principalmente para a escala

Page 217: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

207

global e para as dimensões B e C, na medida em que as diferenças encontradas são

estatisticamente significativas (p<0,05). Ou seja, à medida que aumenta o número de

anos de profissão, a partir dos 5-14 anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos

profissionais de saúde. Sendo também mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de

saúde com < 5 anos de profissão.

Quadro XXIV: Atitudes éticas dos inquiridos em função do número de anos de profissão Grupo < 5 anos

(n=12) 5 – 14 anos

(n=68) 15 – 24 anos

(n=108) 25 – 34 anos

(n=164) > 34 anos

(n=18) ANOVA

Atitude Média D.P. Média D.P. Média D.P. Média D.P. Média D.P. f p

Dimensões

A 3,96 0,31 3,93 0,26 3,98 0,42 4,01 0,33 3,99 0,55 0,678 0,608

B 3,97 0,40 3,37 0,81 3,54 0,58 3,54 0,70 3,75 0,76 2,640 0,034*

C 3,21 0,47 2,84 0,57 3,18 0,67 3,18 0,63 3,46 0,48 5,384 0,000*

Global 3,72 0,35 3,38 0,44 3,57 0,43 3,58 0,46 3,73 0,46 3,782 0,005*

* Diferença estatisticamente significativa

A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,

entre o grupo dos 5-14 anos de profissão e todos os outros grupos. O mesmo

acontecendo para a dimensão C, em que o grupo dos 5-14 anos tem diferenças

significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos <5 anos

de profissão. Para a dimensão B, é o grupo dos <5 anos que tem diferenças significativas

(p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos >34 anos de

profissão. Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo dos 5-14 anos de

profissão. Para a dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre

os grupos.

H5 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela sub-

região a que pertencem (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu).

Para conhecer a possível influência do pertencer a determinada sub-região de saúde

sobre a atitude dos profissionais de saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às

análises de variância pelo teste f de ANOVA. Pela análise do quadro XXV, pode-se

observar que existem diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias

Page 218: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

208

da escala e a sub-região de saúde a que pertencem os profissionais de saúde. Estas

diferenças ocorrem na escala global e nas três dimensões estudadas. Ou seja, as

atitudes éticas dos profissionais de saúde são mais firmes nas sub-regiões de saúde de

Viseu e Aveiro e menos firmes nas sub-regiões de saúde de Leiria e Castelo Branco.

Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da

aplicação da escala.

Quadro XXV: Atitudes éticas dos inquiridos em função da sub-região de saúde a que pertencem Sub-

Região Aveiro (n=62)

Cast.Branco (n=102)

Coimbra (n=96)

Guarda (n=40)

Leiria (n=40)

Viseu (n=30)

ANOVA

Atitude Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. Méd D.P. f p

Dimensões

A 4,03 0,33 3,88 0,40 4,01 0,27 3,98 0,44 3,92 0,31 4,29 0,29 6,975 0,000*

B 3,69 0,72 3,43 0,73 3,49 0,57 3,33 0,65 3,47 0,66 4,07 0,67 5,813 0,000*

C 3,42 0,61 2,98 0,60 3,14 0,66 3,13 0,53 2,80 0,52 3,52 0,61 8,755 0,000*

Global 3,71 0,44 3,43 0,48 3,54 0,40 3,48 0,43 3,40 0,40 3,96 0,35 9,841 0,000*

* Diferença estatisticamente significativa

A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,

entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O mesmo

acontecendo entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões.

Acontece ainda o mesmo para a dimensão C, em que as sub-regiões de saúde de Viseu

e Aveiro tem diferenças significativas (p<0,05) de todas as outras sub-regiões excepto

entre si. Para esta dimensão verifica-se também diferenças significativas (p<0,05) entre a

sub-região de saúde de Coimbra e a de Leiria e entre a sub-região de saúde da Guarda e

a de Leiria. Para a dimensão B, volta a verificar-se diferenças significativas (p<0,05) entre

a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O mesmo acontece entre

a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões. Para a dimensão A só

existem diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde

de Viseu e todas as outras sub-regiões e entre a sub-região de saúde de Coimbra e a de

Castelo Branco.

Page 219: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

209

H6 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela área

geográfica (urbana, rural, semi-rural/urbana) em que trabalham.

Para conhecer a possível influência da área laboral sobre a atitude dos profissionais de

saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância pelo teste f de

ANOVA. Pela análise do quadro XXVI, pode-se observar que só existem diferenças

estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias da escala e a área laboral a que

pertencem os profissionais de saúde para a dimensão A. Para a escala global e para as

outras duas dimensões estudadas não existem diferenças estatisticamente significativas

entre as respectivas médias. Ou seja, as atitudes éticas dos profissionais de saúde são

mais firmes para a dimensão A nos que trabalham em área urbana.

Quadro XXVI: Atitudes éticas dos inquiridos em função da área geográfica em que trabalham Área Urbano

(n=180) Rural (n=62)

Semi-rural/urbano (n=128)

ANOVA

Atitude Média D.P. Média D.P. Média D.P. f p

Dimensões

A 4,06 0,36 3,91 0,42 3,91 0,30 7,500 0,001*

B 3,54 0,71 3,57 0,69 3,51 0,67 0,148 0,862

C 3,17 0,67 2,97 0,60 3,17 0,60 2,608 0,075

Global 3,59 0,47 3,48 0,47 3,53 0,42 1,415 0,244

* Diferença estatisticamente significativa

A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a dimensão A, entre

a área urbana e todas as outras áreas. O mesmo acontece para a dimensão C entre

todas as outras áreas e a área rural.

Page 220: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

210

4.3. RESPOSTAS DO ESTUDO QUALITATIVO

Dos 370 questionários recebidos verificou-se que em 107 os inquiridos tinham respondido

a todas ou a algumas das perguntas abertas da terceira parte e que foram a base da

análise qualitativa que já foi descrita no ponto 3.4.

As características sócio-profissionais deste segundo estudo são apresentadas no quadro

XXVII. A amostra é assim constituída por 107 indivíduos, sendo 78 do sexo feminino

(72,9%) e 29 do sexo masculino (27,1%), dos quais 56 são médicos (52,3%) e 51

enfermeiros (47,7%).

Quadro XXVII: Distribuição dos elementos da amostra qualitativa de acordo com características sócio-profissionais

Variáveis Nº %

Sexo

Feminino 78 72,9

Masculino 29 27,1

Idade

20 – 29 anos 3 2,8

30 – 39 anos 24 22,4

40 – 49 anos 26 24,3

50 – 59 anos 52 48,6

60 – 69 anos 2 1,9

Profissão

Médico 56 52,3

Enfermeiro 51 47,7

Sub-Região

Aveiro 23 21,5

Castelo Branco 23 21,5

Coimbra 34 31,8

Guarda 8 7,5

Leiria 14 13,1

Viseu 5 4,7

Área de Trabalho

Urbana 55 51,4

Rural 16 15,0

Semi-rural/urbana 36 33,6

Page 221: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

211

As respostas escritas nos questionários foram copiadas para ficheiros Word. Depois

foram lidas as respostas dadas para cada uma das três perguntas de cada um dos casos

e perante a presença dos índices, referidos no quadro XIV do sub-capítulo 3.4, foram

agrupadas em cinco categorias “ética principialista”, “ética das virtudes”, “ética do

cuidado”, “ética casuística” e “ética profissional” e escritas numa folha Excel (anexo 8).

Numa segunda fase as categorias atribuídas às respostas dadas a cada um dos casos

foram lidas e reagrupadas numa das cinco categorias em análise, se da maioria das 3

respostas dadas se inferisse que prevalecia uma das categorias; ou então era agrupada

na categoria “mista”, que se refere à utilização de várias categorias, não prevalecendo

nenhuma. Na análise descritiva, utilizando o programa de estatística SPSS 15.0 para

Windows (2006), aparece a categoria “sem resposta”, que se refere à não existência de

resposta ao caso (quadro XXVIII).

Quadro XXVIII: Categorias das respostas aos casos apresentados Caso I Caso II Caso III n % n % n %

Ética principialista 43 40,2 10 9,3 34 31,8 Ética das virtudes 12 11,2 3 2,8 6 5,6 Ética do cuidado 25 23,4 20 18,7 3 2,8 Ética casuística 7 6,5 1 0,9 15 14,0

Ética profissional 7 6,5 48 44,9 30 28,0 Mista 11 10,3 15 14,0 8 7,5

Sem resposta 2 1,9 10 9,3 11 10,3 Total 107 100,0 107 100,0 107 100,0

Da análise do quadro XXVIII verifica-se que para o caso I, que reflecte um problema de

relacionamento profissionais de saúde/paciente, 40,2% das respostas foram

consideradas na categoria “ética principialista”, 23,4% na categoria “ética do cuidado”,

11,2% na categoria “ética das virtudes” e 10,3% foram respostas “mista” em que

nenhuma das categorias consideradas prevaleceu nas 3 questões.

Para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento inter-profissionais, verifica-se

que 44,9% das respostas foram consideradas na categoria “ética profissional”, 18,7% na

categoria “ética do cuidado” e 14% foram respostas “mista” em que nenhuma das

categorias consideradas prevaleceu nas 3 questões.

Por fim para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de

saúde, verifica-se que 31,8% das respostas foram consideradas na categoria “ética

principialista”, 28% na categoria “ética profissional”, 14% na categoria “ética casuística” e

Page 222: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

212

7,5% foram respostas “mista” em que nenhuma das categorias consideradas prevaleceu

nas 3 questões.

No quadro XXIX são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,

segundo o género dos respondentes.

Quadro XXIX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o género Caso I Caso II Caso III

Masc Fem Masc Fem Masc Fem

n % n % n % n % n % n %

Ét.principialist 11 37,9 32 41,0 1 3,4 9 11,5 6 20,7 28 35,9

Ét.virtudes 4 13,8 8 10,3 1 3,4 2 2,6 3 10,3 3 3,8

Ét.cuidado 5 17,2 20 25,6 4 13,8 16 20,5 0 0,0 3 3,8

Ét.casuística 1 3,4 6 7,7 0 0,0 1 1,3 5 17,2 10 12,8

Ét.profissional 5 17,2 2 2,6 14 48,3 34 43,6 11 37,9 19 24,4

Mista 2 6,9 9 11,5 7 24,1 8 10,3 2 6,9 6 7,7

Sem resposta 1 3,4 1 1,3 2 6,9 8 10,3 2 6,9 9 11,5

Total 29 100 78 100 29 100 78 100 29 100 78 100

Verifica-se que, para o caso I que, como foi dito, reflecte um problema de relacionamento

entre os profissionais de saúde e um paciente, 37,9% das respostas dos homens e 41%

das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética principialista”; para a

categoria “ética do cuidado” foram consideradas 25,6% das respostas das mulheres e

17,2% das respostas dos homens; é ainda de referir que 17,2% das respostas dos

homens foram consideradas na categoria “ética profissional” e só 2,6% das respostas das

mulheres o foram.

Para o caso II que, como foi dito, reflecte um problema de relacionamento inter-

profissionais, verifica-se que 48,3% das respostas dos homens e 43,6% das respostas

das mulheres foram consideradas na categoria “ética profissional”; 20,5% das respostas

das mulheres e 13,8% das respostas dos homens foram consideradas na categoria “ética

do cuidado”; e 11,5% das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética

principialista” e só 3,4% das respostas dos homens o foram.

Page 223: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

213

Por fim, para o caso III que, como foi dito, reflecte um problema de gestão/organização

do sistema de saúde, verifica-se que 37,9% das respostas dos homens foram

consideradas na categoria “ética profissional” e 35,9% das respostas das mulheres foram

consideradas na categoria “ética principialista”; 17,2% das respostas dos homens e

12,8% das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética casuística”.

No quadro XXX são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,

segundo a profissão dos respondentes.

Quadro XXX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a profissão Caso I Caso II Caso III

Méd Enf Méd Enf Méd Enf

n % n % n % n % n % n %

Ét.principialist 22 39,3 21 41,2 3 5,4 7 13,7 10 17,9 24 47,1

Ét.virtudes 7 12,5 5 9,8 1 1,8 2 3,9 3 5,4 3 5,9

Ét.cuidado 12 21,4 13 25,5 11 19,6 9 17,6 1 1,8 2 3,9

Ét.casuística 4 7,1 3 5,9 1 1,8 0 0,0 11 19,6 4 7,8

Ét.profissional 5 8,9 2 3,9 25 44,6 23 45,1 20 35,7 10 19,6

Mista 5 8,9 6 11,8 11 19,6 4 7,8 5 8,9 3 5,9

Sem resposta 1 1,8 1 2,0 4 7,1 6 11,8 6 10,7 5 9,8

Total 56 100 51 100 56 100 51 100 56 100 51 100

Verifica-se que para o caso I, 39,3% das respostas dos médicos e 41,2% das respostas

dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética principialista”; para a categoria

“ética do cuidado” foram consideradas 25,5% das respostas dos enfermeiros e 21,4% das

respostas dos médicos; é ainda de referir que 12,5% das respostas dos médicos e 9,8%

das respostas dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética das virtudes”.

Para o caso II, verifica-se que 44,6% das respostas dos médicos e 45,1% das respostas

dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética profissional”; 19,6% das

respostas dos médicos e 17,6% das respostas dos enfermeiros foram consideradas na

categoria “ética do cuidado”; e 13,7% das respostas dos enfermeiros foram consideradas

na categoria “ética principialista” e só 5,4% das respostas dos médicos o foram.

Page 224: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

214

Por fim, para o caso III, verifica-se que 35,7% das respostas dos médicos foram

consideradas na categoria “ética profissional” e 47,1% das respostas dos enfermeiros

foram consideradas na categoria “ética principialista”; 19,6% das respostas dos médicos

foram consideradas na categoria “ética casuística” e só 7,8% das respostas dos

enfermeiros o foram.

No quadro XXXI são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,

segundo a área de trabalho dos respondentes.

Quadro XXXI: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a área Caso I Caso II Caso III

Urb Rural Semi Urb Rural Semi Urb Rural Semi

n % n % n % n % n % n % n % n % n %

É.princ

21

38,2

3 18,8

19

52,8

3 5,5 2 12,5

5 13,9

17

30,9

5 31,3

12

33,3

É.virt 4 7,3 5 31,3

3 8,3 2 3,6 1 6,3 0 0,0 2 3,6 2 12,5

2 5,6

É.cuid 14

25,5

5 31,3

6 16,7

12

21,8

1 6,3 7 19,4

3 5,5 0 0,0 0 0,0

É.cas 4 7,3 0 0,0 3 8,3 1 1,8 0 0,0 0 0,0 5 9,1 3 18,8

7 19,4

É.prof 3 5,56

2 12,5

2 5,6 25

45,5

8 50,0

15

41,7

18

32,7

4 25,0

8 22,2

Mista 8 14,5

1 6,3 2 5,6 11

20,0

1 6,3 3 8,3 7 12,7

0 0,0 1 2,8

Sem 1 1,8 0 0,0 1 2,8 1 1,8 3 18,8

6 16,7

3 5,5 2 12,5

6 16,7

Total 55

100 16

100 36

100 55

100 16

100 36

100 55

100 16

100 36

100

Urb=Área urbana; Rural=Área rural; Semi=Área semi-rural/urbana É.princ=Ética principialista; É.virt=Ética das virtudes; É.cuid=Ética do cuidado; É.cas=Ética

casuística; É.prof=Ética profissional

Verifica-se que para o caso I, que reflecte um problema de relacionamento entre os

profissionais de saúde e um paciente, 38,2% das respostas dos profissionais que

trabalham em área urbana e 52,8% das respostas dos profissionais que trabalham em

área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria “ética principialista”; para os

profissionais que trabalham em área rural, embora em número mais reduzido, verifica-se

que 31,3% (n=5) das respostas foram consideradas nas categorias “ética das virtudes” e

“ética do cuidado” e só 18,8% (n=3) foram consideradas na categoria “ética principialista”.

Para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento inter-profissionais, verifica-se

que 45,5% das respostas dos profissionais que trabalham em área urbana, 50% das

Page 225: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

215

respostas dos profissionais que trabalham em área rural e 41,7% das respostas dos

profissionais que trabalham em área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria

“ética profissional”; 21,8% das respostas dos profissionais que trabalham em área urbana

e 19,4% das respostas dos profissionais que trabalham em área semi-rural/urbana foram

consideradas na categoria “ética do cuidado” e só 6,3% das respostas dos profissionais

que trabalham em área rural o foram.

Por fim, para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de

saúde, verifica-se que 32,7% das respostas dos profissionais que trabalham em área

urbana foram consideradas na categoria “ética profissional” e 31,3% das respostas dos

profissionais que trabalham em área rural e 33,3% das respostas dos profissionais que

trabalham em área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria “ética

principialista”.

No quadro XXXII são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,

segundo o grupo etário dos respondentes. Por só haver 4 respostas no grupo etário dos

20 aos 29 anos foram juntas ao grupo dos 30 aos 39 anos, assim como só havia 2

respostas no grupo etário acima dos 59 anos foram juntas ao grupo dos 50 aos 59 anos,

tendo sido analisados 3 grupos etários.

Page 226: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

216

Quadro XXXII: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o grupo etário

Caso I Caso II Caso III

< 40 40-49 > 49 < 40 40-49 > 49 < 40 40-49 > 49

n % n % n % n % n % n % n % n % n %

É.princ 12 44,4 9 34,6 22 40,7 6 22,2 2 7,7 2 3,7 11 40,7 12 46,2 11 20,4

É.virt 2 7,4 5 19,2 5 9,3 0 0,0 2 7,7 1 1,9 4 14,8 1 3,8 1 1,9

É.cuid 6 22,2 7 26,9 12 22,2 4 14,8 5 19,2 11 20,4 1 3,7 0 0,0 2 3,7

É.cas 2 7,4 2 7,7 3 5,6 0 0,0 0 0,0 1 1,9 2 7,4 1 3,8 12 22,2

É.prof 1 3,7 1 3,8 5 9,3 10 37,0 12 46,2 26 48,1 5 18,5 6 23,1 16 35,2

Mista 3 11,1 2 7,7 6 11,1 4 14,8 2 7,7 9 16,7 1 3,7 4 15,4 3 5,6

Sem 1 3,7 0 0,0 1 1,9 3 11,1 3 11,5 4 7,4 3 11,1 2 7,7 6 11,1

Total 27 100 26 100 54 100 27 100 26 100 54 100 27 100 26 100 54 100

< 40=Idade inferior a 40 anos; 40-49=Idade compreendida entre os 40 e os 49 anos inclusive; > 49=Idade superior a 49 anos

É.princ=Ética principialista; É.virt=Ética das virtudes; É.cuid=Ética do cuidado; É.cas=Ética casuística; É.prof=Ética profissional

Verifica-se para o caso I, que foram consideradas na categoria “ética principialista” 44,4%

das respostas dos profissionais com menos de 40 anos, 34,6% das respostas dos

profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos e 40,7% das respostas dos profissionais

com mais de 49 anos; na categoria “ética do cuidado” foram consideradas 22,2% das

respostas dos profissionais com menos de 40 anos, 26,9% das respostas dos

profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos e 22,2% das respostas dos profissionais

com mais de 49 anos.

Para o caso II, foram consideradas na categoria “ética profissional” 37,0% das respostas

dos profissionais com menos de 40 anos, 46,2% das respostas dos profissionais com

idade entre os 40 e os 49 anos e 48,1% das respostas dos profissionais com mais de 49

anos; foram consideradas na categoria “ética principialista” 22,2% das respostas dos

profissionais com menos de 40 anos; e 19,2% das respostas dos profissionais com idade

entre os 40 e os 49 anos; e 20,4% das respostas dos profissionais com mais de 49 anos

foram ainda consideradas na categoria “ética do cuidado”.

Por fim, para o caso III, verifica-se que 40,7% das respostas dos profissionais com menos

de 40 anos, 46,2% das respostas dos profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos

foram consideradas na categoria “ética principialista”; enquanto para os profissionais com

Page 227: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

RESULTADOS

217

mais de 49 anos se verifica 35,2% das respostas serem consideradas na categoria “ética

profissional” e 22,2% das respostas serem consideradas na categoria “ética casuística”.

Page 228: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude
Page 229: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

219

5. DISCUSSÃO

No capítulo anterior foram apresentados os resultados obtidos pelo presente trabalho que

tomou a forma de um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no

âmbito da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não normativo.

O estudo desenvolveu-se através da aplicação de um questionário, previamente

elaborado e testado, nos centros de saúde (CS) da Administração Regional de Saúde do

Centro (ARS-C), que previamente haviam sido aleatorizados (quadro IV, p. 172), e

decorreu entre Maio de 2007 e Abril de 2008. A recolha de dados foi bastante demorada

porque a adesão inicial, através do contacto postal para os CS, foi reduzida. No final de

Junho existiam 75 questionários correctamente preenchidos, com os quais se fez a

validação da segunda versão da escala (quadros X, XI e XII, p. 182 e 183). Mas,

passados três meses, em Outubro, existia o mesmo número de questionários, pelo que o

investigador teve de se deslocar a vários dos CS da região para motivar os profissionais

de saúde a responderem ao questionário, tendo mesmo, a partir do questionário nº 163,

desistido de pedir o preenchimento da terceira parte do mesmo, ou seja a resposta às

questões sobre os casos-problema, por se ter mostrado ser um elemento que dificultava

o preenchimento.

Infelizmente, não foi possível ao investigador ir pessoalmente a todos os CS, que tinham

sido aleatorizados para o estudo, e esta constituiu a maior alteração que o estudo sofreu,

pois transformou a amostra inicialmente aleatória numa amostra de conveniência. Este

facto compromete a possibilidade de se generalizar os dados obtidos pelo estudo a toda

a região Centro.

A aleatorização de CS tinha determinado a selecção de um total de 936 médicos de

família (MF) e 816 enfermeiros, o que representava 56% dos MF e 49% dos enfermeiros

da área geográfica de intervenção da ARS-C.

Havia a expectativa de uma taxa de resposta de cerca de 30% dos profissionais de

saúde, pelo que se esperava obter uma amostra de 525 indivíduos, com 280 MF e 245

enfermeiros.

Após todos os esforços efectuados só foi possível obter para este estudo, um total de 370

indivíduos que responderam à primeira e segunda partes do questionário, sendo 180 MF

e 190 enfermeiros, o que representa 21% dos profissionais de saúde dos CS

aleatorizados, e 70,5% da expectativa inicial. Este facto impediu o atingir da significância

Page 230: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

220

estatística em alguns testes. No entanto, permite considerar os dados como preliminares

e indiciarem possíveis tendências.

Em termos de distribuição por género verifica-se que 73,5% dos respondentes ao

questionário são do sexo feminino, o que está de acordo com a informação de que os

efectivos do Ministério da Saúde são predominantemente mulheres (Martins, 2003) e de

que está a ocorrer uma feminização da medicina (Machado, 2003).

Outro dado que se pode considerar de acordo com o esperado é o facto de predominar o

grupo etário dos 50-59 anos com 43,8% dos indivíduos. Este facto confirma o alerta para

o problema de carência de médicos de família a nível dos cuidados de saúde primários,

por a curto prazo um grande número destes profissionais ir entrar na idade da reforma

(Biscaia, 2003, 2008). Aliás, a média de idades para os MF neste estudo é de 51,1 anos

e a mediana situa-se nos 52 anos, enquanto a média de idades para os enfermeiros é de

41,5 anos e a mediana situa- se nos 41 anos.

Por sub-região verifica-se que pertencem a Aveiro 16,8% dos respondentes ao

questionário, 27,6% a Castelo Branco, 25,9% a Coimbra, 10,8% à Guarda, 10,8% a Leiria

e 8,1% a Viseu. Em relação à aleatorização dos CS (quadros IV, V e VI, p. 172 e 173)

verifica-se que percentualmente as sub-regiões de Castelo Branco e Coimbra estão

sobrerepresentadas nesta amostra, Aveiro e Guarda estão devidamente representadas, e

Leiria e Viseu estão subrepresentadas. Este facto ocorreu por ter havido uma boa

participação dos profissionais dos centros de saúde de Castelo Branco e da Covilhã, e

por o investigador trabalhar na sub-região de saúde de Coimbra, pelo que teve maiores

oportunidades de motivar os profissionais desta sub-região para o estudo.

Em relação à primeira questão formulada como ponto de partida para o estudo, pela

pesquisa bibliográfica (Bagss, 1993; Dolan, 1999; Doughery, 2005) já se tinha respondido

afirmativamente, mas com os dados descritos nos quadros X e XVII (p. 182 e 200)

confirmou-se que existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes

éticas dos profissionais de saúde.

Assim, e de acordo com os dados obtidos e descritos no quadro XIX (p. 201), verifica-se

que os inquiridos apresentam uma atitude de concordância face aos itens da escala,

apresentando uma média de respostas no global da escala de 3,56, com um mínimo de

2,31 e um máximo de 4,51. Recorda-se que as respostas poderiam variar entre um e

Page 231: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

221

cinco, representando o valor “um” a discordância completa e o valor “cinco” a

concordância completa (em relação à afirmação feita em cada item).

No entanto, pela ponderação das dimensões estudadas verifica-se que esta atitude de

concordância se fica a dever principalmente à dimensão A (“Problemas éticos nas

relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”), com uma média

de respostas de 3,99, encontrando-se uma média bastante inferior na dimensão C

(“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”), com

uma média de respostas de 3,14. A dimensão B (“Problemas éticos nas relações inter-

profissionais e inter-pares”) teve uma média de respostas de 3,54.

Pela leitura do quadro XX (p. 203) verifica-se as diferenças atrás referidas de uma forma

mais minuciosa. Enquanto, que as médias dos itens da dimensão A são, na sua maioria

(80%), superiores a 3,5 e na dimensão B são-no em 75%, na dimensão C são só em

20%. De referir ainda, que nas dimensões A e B nenhum item obteve uma média inferior

a 3,0, já na dimensão C tal aconteceu em três itens.

Daqui se pode concluir que as atitudes éticas dos profissionais de saúde de cuidados de

saúde primários foram, neste estudo, mais firmes na dimensão A (“Problemas éticos nas

relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”) do que nas

dimensões B (“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”) e C

(“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”).

Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da

aplicação da escala.

A presente constatação está de acordo com os resultados de outros estudos empíricos

em ética realizados com médicos e enfermeiros de diferentes países, tanto a nível

hospitalar como em cuidados de saúde primários (CSP), nos quais os profissionais de

saúde apontam os seus colegas ou os membros da outra categoria profissional como

fontes de problemas éticos, muitas vezes mais importantes que os pacientes e/ou as

suas famílias (Pellegrino, 1985; Prescott, 1985; Udén, 1992; Wagner, 1996; van der

Arend, 1999; Ducati, 2001; Zoboli, 2004). Outros estudos, também referem como

problemas frequentes nos CSP a acessibilidade aos cuidados de saúde, traduzida na

demora no acesso a consultas nos CSP, e na demora na transferência/referência do

paciente para outros níveis de cuidados (Robillard, 1989; Viens, 1994; Morrow, 1997; van

der Arend, 1999; Zoboli, 2004).

Page 232: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

222

Pela leitura do quadro XXI (p. 204) verifica-se que as médias relativas aos médicos (3,6

na escala global, 4,0 na dimensão A, 3,6 na dimensão B e 3,17 na dimensão C) são

superiores às médias dos enfermeiros (3,5 na escala global, 3,9 na dimensão A, 3,4 na

dimensão B e 3,11 na dimensão C), mas, estas diferenças não atingem o limiar de

significância estatística, na medida em que surge um p>0,05 no teste t de Student, quer

em relação ao global da escala (p=0,06) quer em relação a cada uma das dimensões

estudadas (p=0,08 na dimensão A, p=0,054 na dimensão B e p=0,36 na dimensão C),

levando assim a aceitar a hipótese nula, ou seja, de que as atitudes éticas dos

profissionais de saúde não são influenciáveis pela profissão (médico ou enfermeiro).

Na literatura consultada temos estudos que apontam no sentido de que existem

diferenças de atitude ética entre os enfermeiros e os médicos (Robillard, 1989; Grunstein-

Amado, 1992; Udén, 1992; Robertson, 1996; Richter, 2002; Hariharan, 2006), outros

estudos, tal como este, que referem que não existem diferenças (Kollemorten, 1981;

Gramelspacher, 1986; Gallagher, 1995; Rickard, 1996; Silva, 2006), e ainda outros

estudos que referem que não há diferenças no número de problemas identificados entre

médicos e enfermeiros, mas que há diferenças no tipo de problemas identificados, ou

seja estas diferenças não ocorrem em virtude de haver diferença no compromisso ou na

abordagem ética mas, em função da estrutura hierárquica da organização assistencial e

dos papéis de médicos e enfermeiras como prestadores de cuidados de saúde (Walker,

1991; Oberle e Hughes, 2001).

Assim, Helen Robillard e colaboradores (1989) num estudo realizado a uma amostra,

aleatória e estratificada, de 702 profissionais de saúde (médicos, enfermeiros,

fisioterapeutas e assistentes médicos) que trabalham em serviços de cuidados de saúde

primários no Kentuchy (EUA), ao compararem os médicos com os outros profissionais de

saúde encontram uma diferença estatisticamente significativa entre esses dois grupos no

tocante ao registo da frequência com a qual se deparam com problemas éticos. Isto

ocorreu para 28 dos 36 itens do questionário aplicado e, somente em dois deles, os

médicos reportam uma maior proporção (tratamentos desnecessários aplicados pela

preocupação de se proteger legalmente e suspensão das medidas de suporte de vida),

nos demais, o grupo dos restantes profissionais afirma encontrar os problemas,

comummente ou ocasionalmente, com mais frequência, o que poderia indicar maior

sensibilidade desses profissionais para as situações potencialmente problemáticas.

Page 233: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

223

Rivka Grunstein-Amado (1992) em entrevistas a 9 enfermeiros e 9 médicos que

trabalham em unidades hospitalares de Toronto (Canadá) encontra diferenças que

sugerem uma tendência dos primeiros apresentarem uma maior sensibilidade para as

questões éticas. Também indica que ambos os grupos profissionais entendem como

importante procurar o melhor bem dos pacientes, entretanto sob perspectivas distintas,

com os enfermeiros enfatizando mais a dignidade, o conforto e os desejos destes,

enquanto que os médicos estão mais preocupados com os direitos dos pacientes e a

abordagem científica, o que implica focar mais a doença e o seu tratamento.

Giggi Udén e colaboradores (1992) entrevistaram enfermeiros e médicos dos

departamentos de Medicina Interna e Oncologia do Hospital Universitário de Tromsö

(Noruega). Ao pedirem para que os entrevistados narrassem uma situação de cuidado

que tivessem vivido na enfermaria e que fosse eticamente problemática, perceberam que

os enfermeiros tendem mais a respeitar a autonomia dos pacientes, enquanto que os

médicos se inclinam mais para o paternalismo. Estes resultados foram interpretados

como estando essencialmente ligados ao facto de as duas profissões terem tarefas

diferentes a realizar e estarem treinadas em disciplinas com focos diferentes, a

enfermagem e a medicina. Sublinham a necessidade de encontrar um quadro comum

que abranja as duas histórias profissionais.

David Robertson (1996) desenvolveu um estudo etnográfico numa enfermaria

psiquiátrica, em Inglaterra, com o objectivo de estudar empiricamente a teoria moral –

dos princípios, das virtudes e do cuidado – que de forma mais adequada descreveria as

abordagens dos enfermeiros e dos médicos no cuidado diário aos pacientes. Concluiu

que a abordagem moral dos dois grupos profissionais é diferente. As suas observações

mostraram uma coincidência entre a virtude e as concepções de beneficência baseadas

no relacionamento (um conceito elaborado pela teoria da ética do cuidado) e, embora o

compromisso com a beneficência fosse central para toda a equipa, a ocorrência deste

tipo de reflexão encontra-se mais expresso entre os enfermeiros (16 eventos) do que

entre os médicos (3 eventos).

Jörg Richter e colaboradores (2002) realizam um estudo transversal com o objectivo de

avaliar e comparar as decisões entre médicos e enfermeiros numa perspectiva multi-

cultural no tratamento de idosos incompetentes severamente doentes. Foi estudada uma

amostra de conveniência de 192 médicos e 182 enfermeiros alemães e 104 médicos e

122 enfermeiros suecos, que responderam a um questionário. Entre 39 e 58% dos

Page 234: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

224

respondentes optaram, nos diversos grupos, por opções de tratamento, que não eram

compatíveis com a vontade dos pacientes. No entanto, os enfermeiros mostraram ter um

significativo maior respeito pela vontade dos pacientes do que os médicos. As

preocupações éticas e os desejos dos pacientes apareceram como as determinantes

mais importantes nas decisões de tratamento, enquanto os custos dos cuidados, bem

como a religião dos profissionais foram de menor importância.

Seetharaman Hariharan e colaboradores (2006) fizeram um estudo, com o objectivo de

avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas dos profissionais da saúde em relação à

ética e ao direito relacionado com os cuidados de saúde. Foi aplicado um questionário

auto-preenchido a todos os níveis de pessoal do Hospital Queen Elizabeth, em Barbados

(um hospital universitário de cuidados terciários) durante os meses de Abril e Maio de

2003. Como já foi referido, o seu artigo analisa as respostas de 159 médicos e

enfermeiros de diferentes níveis de graduação. Os médicos tiveram uma opinião mais

forte do que os enfermeiros quanto à prática da ética, tal como a adesão aos desejos dos

pacientes, a confidencialidade, o consentimento informado para os procedimentos e

tratamentos (p = 0,01). O estudo destaca a necessidade de se identificarem os

profissionais de saúde, que parecem ser indiferentes às questões éticas e jurídicas, de se

conceberem meios para os sensibilizar para estas questões e de lhes dar uma adequada

formação.

Pelo outro lado Iben Kollemorten e colaboradores (1981) num estudo, que procurou

descrever e classificar os problemas éticos significativos encontrados pelo pessoal de

saúde (médicos e enfermeiros) durante o trabalho clínico diário num departamento de

medicina de um hospital dinamarquês, referem que não foi encontrada diferença

significativa da frequência de problemas éticos entre os dois grupos. No entanto,

concluem que os resultados do estudo sugerem que uma maior atenção deve ser dada

ao debate sobre problemas éticos entre os médicos e enfermeiros.

Gregory Gramelspacher e colaboradores (1986), para identificarem o modo como os

médicos e os enfermeiros percebem os problemas éticos na prática clínica, realizaram

entrevistas com 26 enfermeiros e 24 médicos que trabalham em unidades de cuidados

intensivos no Michigan (EUA). Ambos os grupos referiram que frequentemente enfrentam

problemas éticos.

Ann Gallagher (1995) no seu artigo faz três recomendações: que se deve promover uma

ética da saúde que incorpore o que é valioso da “ética médica principialista” e da “ética

Page 235: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

225

do cuidado”; que se encoraje os enfermeiros e os médicos a participarem na "partilha da

aprendizagem" e da discussão ética; e que assim como a nossa língua é comum, as

nossas preocupações éticas são comuns a todos, e não divididas em dicotomias inúteis.

Também em Portugal se antecipa que apesar das divergências existentes entre estas

duas profissões o ensino da bioética tenderá a esbater progressivamente os diferentes

backgrounds existentes na medicina e na enfermagem (Nunes(d), 2002). Em larga medida

porque independentemente da corrente ética predominante, e das tradições profissionais

envolvidas, o referencial axiológico da bioética é a eminente dignidade da pessoa

humana e a sua responsabilidade substantiva com os outros membros da comunidade

moral no quadro de uma verdadeira solidariedade ontológica (Nunes(b), 1997).

Maurice Rickard, Helga Kushe e Peter Singer (1996) desenvolveram um estudo, numa

amostra de enfermeiros e médicos de diferentes serviços de saúde australianos, com a

finalidade de descobrir se o género ou a ocupação influenciavam a abordagem, parcial ou

imparcial, formulada pelos participantes para os diversos cenários hipotéticos, com

dilemas éticos, que lhe foram apresentados. Para os autores, a parcialidade caracteriza

um aspecto central da ética do cuidado e envolve os juízos que enfatizam as ligações

pessoais e o favorecimento de terceiros, aos quais se está pessoalmente ligado,

sobretudo nas situações em que os interesses destes competem com os de outros aos

quais não se está pessoalmente ligado. Por outro lado, a abordagem imparcial baseia-se

em juízos neutros que não privilegiam ligações pessoais e reflectem uma preocupação

pelas exigências decorrentes da igualdade e responsabilidade impessoal, expressas em

termos dos direitos universais, regras e princípios. Segundo os autores, os resultados do

seu estudo surpreendem e não correspondem à expectativa que tinham de que os

enfermeiros raciocinariam mais parcialmente e os médicos mais imparcialmente. Os

resultados evidenciam que não há associação entre o tipo de abordagem e a ocupação

ou género dos inquiridos, ou seja, os enfermeiros e os médicos entrevistados são

igualmente propensos para responder parcial ou imparcialmente aos problemas éticos

propostos nas questões. Concluem, assim, que os dados não sustentam a concepção de

que a ética “parcial” do cuidado seja característica do enfermeiro e a “imparcial” da

justiça, própria do médico. Enfermeiros e médicos pensam de ambos modos, em

diferentes ocasiões.

Luana Silva, Elma Zoboli e Ana Borges (2006) realizaram um estudo exploratório para

identificar e verificar a frequência dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

226

no Programa de Saúde da Família em São Paulo (Brasil). Os dados foram obtidos pela

auto-aplicação de um questionário, contendo situações geradoras de problemas éticos e

uma escala de quatro pontos para medir a frequência dessas situações. Não foram

encontradas diferenças significativas entre os enfermeiros e os médicos.

Pela leitura do quadro XXII (p. 205) verificou-se que as médias relativas aos indivíduos

dos sexos masculino e feminino são semelhantes, não existindo, pelo teste t de Student,

diferenças estatisticamente significativas quer em relação ao global da escala, quer a

cada uma das suas dimensões, levando assim a aceitar a hipótese nula, ou seja, de que

as atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo sexo (masculino

ou feminino) do profissional. O que parece sugerir uma diminuição da importância relativa

da “ética do cuidado” face às outras correntes éticas, nomeadamente ao principialismo.

Na literatura consultada existe um estudo que aponta no sentido de que pode existir

diferenças de atitude ética devidas ao género (Hoffmaster, 1991) e outros estudos, tal

como este, que referem que não existem diferenças (Kollemorten, 1981; Rickard, 1996).

Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) descrevem um estudo envolvendo 674 médicos

de família do Canadá e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País de Gales.

Foi enviado um questionário contendo seis casos que levantavam questões éticas. Os

médicos foram convidados a escolher o curso de acção que consideravam mais

adequado para cada caso e a referir as razões para essa decisão. Os problemas éticos

descritos envolviam entre outras questões algumas relativas à divulgação de informações

aos pacientes. Os inquiridos seleccionaram diferentes cursos de acção para os diferentes

casos. Os médicos americanos mais do que os canadianos ou britânicos optaram por

divulgar as informações aos pacientes, e os médicos que optaram mais por divulgar

essas informações eram jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas comunidades e

sem qualquer ligação a estruturas académicas.

Por outro lado, no estudo, já descrito, de Iben Kollemorten e colaboradores (1981), que

procurou descrever e classificar os problemas éticos significativos encontrados pelo

pessoal de saúde durante o trabalho clínico diário, num departamento de medicina de um

hospital dinamarquês, refere que não foi encontrada diferença significativa da frequência

de problemas éticos entre os dois grupos (homens e mulheres).

No estudo, também já anteriormente descrito, de Maurice Rickard, Helga Kushe e Peter

Singer (1996) desenvolvido numa amostra de enfermeiros e médicos de diferentes

Page 237: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

227

serviços de saúde australianos, com a finalidade de descobrir se o género ou a ocupação

influenciavam a abordagem, parcial ou imparcial, verificou-se não haver associação entre

o tipo de abordagem e o género dos inquiridos, ou seja, as mulheres e os homens

entrevistados são igualmente propensos para responder parcial ou imparcialmente aos

problemas éticos propostos nas questões. Concluem assim os autores que os dados não

sustentam a concepção de que a ética “parcial” do cuidado seja característica do género

feminino e a “imparcial” da justiça, própria do género masculino. Mulheres e homens

pensam de ambos modos, em diferentes ocasiões.

Pela leitura do quadro XXIII (p. 206) verificou-se que as médias da escala crescem à

medida que aumenta a idade, a partir do grupo etário dos 30-39 anos, para o global da

escala e para a dimensão C. Para a dimensão A esta constatação só existe a partir do

grupo etário dos 40-49 anos. E na dimensão B tal constatação não existe. Tal

crescimento é um factor marcante para a diferença de atitude, principalmente na

dimensão C da escala, na medida em que as diferenças encontradas, pelo teste f de

ANOVA, são aí estatisticamente significativas (p=0,0001).

A análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a

escala global, entre o grupo etário dos 30-39 anos e o dos 50-59 anos. O mesmo

acontece para a dimensão B, em que o grupo etário dos 30-39 anos tem diferenças

significativas (p<0,05) com o dos 20-29 anos. Para a dimensão C, existe diferenças

significativas entre o grupo dos 30-39 anos e todos os outros grupos etários. Em todos

estes casos, a atitude é menos firme para o grupo etário dos 30-39 anos. Para a

dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos

etários. Verifica-se portanto, que à medida que aumenta o grupo etário, a partir dos 30-39

anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde,

nomeadamente para o global da escala e para a dimensão C. Sendo também mais firmes

as atitudes éticas dos profissionais de saúde do grupo etário dos 20-29 anos, excepto

para a dimensão A. O que pode querer significar, por um lado, a importância da

experiência na consolidação dos valores e, por outro, a irreverência própria da juventude.

Irreverência que tende a esbater-se ao longo dos primeiros anos de experiência

profissional.

Como já se referiu anteriormente entende-se por mais firme a obtenção de valores

superiores na avaliação feita através da aplicação da escala.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

228

Na literatura consultada foram encontrados vários estudos que, tal como este, referem

que existem diferenças de atitude ética devidas à idade (Christie, 1983; Hoffmaster, 1991;

Bremberg, 2000; Biton, 2003) e não foi encontrado nenhum estudo que referisse a não

existência de diferenças.

Ronald Christie e colaboradores (1983) descrevem um estudo realizado com professores

do Departamento de Medicina da Universidade de Ontário Ocidental (Canadá). O estudo

sugere que a disponibilidade ou não para interferir no estilo de vida das pessoas doentes

varia de acordo com as consequências para a saúde e com o comportamento que deve

ser alterado. A maioria dos inquiridos (84,3%) está preparada para influenciar a mudança

do estilo de vida de um paciente quando este configura um potencial dano para a sua

saúde. Entretanto, poucos se sentem preparados para tentar essa alteração quando a

questão envolve problemas como a interrupção de uma gravidez, contracepção

permanente, fim de um casamento, uso de drogas ilícitas ou casos extraconjugais,

situação em que 86% dos entrevistados afirma que dificilmente interferiria. Excepção

deve ser feita aos médicos mais velhos, que além de mais propensos a coagir os

pacientes a aceitarem um plano de tratamento ou um internamento, também tendem

mais a tentar alterar o estilo de vida dos pacientes no que diz respeito a práticas sexuais,

casos extraconjugais e uso de drogas ilícitas.

No estudo, já antes descrito, em que Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) enviaram

um questionário contendo seis casos que levantavam questões éticas a médicos de

família do Canadá e Estados Unidos e a clínicos gerais da Inglaterra e País de Gales. Os

problemas éticos envolviam questões quanto à divulgação de informações aos pacientes,

quanto a um médico interferir nos estilos de vida dos seus pacientes, e quanto a lidar

com um possível problema familiar. Os inquiridos seleccionaram diferentes cursos de

acção para os casos. Os médicos americanos, mais do que os canadianos ou britânicos,

optaram por divulgar as informações aos pacientes; enquanto que principalmente não

queriam interferir nos estilos de vida dos pacientes. Os médicos que optaram por divulgar

as informações aos pacientes eram mais jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas

comunidades e sem qualquer ligação a estruturas académicas. Os médicos que

preferiram não interferir nas questões de estilos de vida dos pacientes eram, igualmente,

mais jovens, ligados a igrejas e trabalhavam em grupo em pequenas comunidades.

Stefan Bremberg e Tore Nilstin (2000) descrevem um estudo que teve como objectivo

identificar e discutir como os clínicos gerais lidam com as situações em que existe uma

Page 239: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

229

possível tensão entre a obrigação de respeitar o direito do paciente à auto-determinação

e a obrigação de promover a sua saúde. 120 clínicos gerais suecos, seleccionados

aleatoriamente, receberam um questionário enviado pelo correio com dois casos, um

descrevendo uma paciente relutante em consentir uma intervenção médica clinicamente

justificada, o outro descrevendo uma paciente solicitando uma intervenção médica

clinicamente duvidosa. 47 desses clínicos gerais foram posteriormente entrevistadas pelo

telefone. No que diz respeito ao primeiro caso, aproximadamente dois terços das

respostas ao questionário (n = 82) foram no sentido de não aceitar a relutância da

paciente. Os clínicos gerais mais velhos mostraram-se um pouco mais inclinados para

tentarem convencer a paciente do que os colegas mais jovens. Na entrevista, a maioria

dos inquiridos respondeu que deveria ser dada prioridade ao direito à auto-determinação,

mas que a obrigação de promover a saúde tinha uma grande influência no seu

comportamento. Quanto ao segundo caso, também dois terços das respostas ao

questionário foram no sentido de não dar seguimento ao pedido da paciente. Os clínicos

gerais mais jovens responderam “Não” com mais frequência do que os seus colegas mais

velhos. Nas entrevistas telefónicas justificaram as suas respostas referindo que os

médicos devem beneficiar os pacientes, que a situação era desconfortável, mas que se

deve proteger, ser justos. Quando confrontados com estes conflitos da prática quotidiana,

os códigos éticos da medicina são demasiado categoriais para darem qualquer

orientação. A situação ideal e mais útil seria tentar uma aliança, o que deve ser

enfatizado pelos professores de medicina, bem como pelos tutores mais velhos. Trata-se,

obviamente, de uma postura paternalista difícil de aceitar qualquer que seja a corrente

ética em causa. Desde logo porque quando se alega que a promoção da saúde tem

preponderância sobre a autodeterminação do doente assume-se uma visão reducionista

do conceito de saúde, distanciado das modernas correntes neste domínio que defendem

uma situação de pleno bem-estar a nível físico, psicológico e social (Nunes(c), 2007,

Nunes(d), 2007).

Vered Biton e Nili Tabak (2003) descrevem um estudo utilizando um questionário

estruturado para medir a percepção dos enfermeiros em relação à sua capacidade de

seguir o código ético num grande hospital de Israel. O questionário incidiu sobre questões

éticas do código de enfermagem. Os resultados obtidos apoiam a hipótese de que a

deficiência ética não se correlaciona directamente com a satisfação profissional dos

enfermeiros. A variável demográfica idade demonstrou exercer algum efeito na

percepção da capacidade do próprio em seguir o código ético.

Page 240: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

230

Pela leitura do quadro XXIV (p. 207) verifica-se que, assim como acontece com a idade,

era esperado que também aqui as médias da escala crescessem à medida que aumenta

o número de anos de profissão, a partir do grupo dos 5-14 anos de profissão, para o

global e para todas as dimensões. No entanto, o grupo de < 5 anos de profissão tem

médias da escala superiores às do grupo dos 5-14 anos. Tal crescimento é um factor

marcante para a atitude, principalmente para a escala global e para as dimensões B e C,

na medida em que as diferenças encontradas são, pelo teste f de ANOVA,

estatisticamente significativas (p<0,05). Ou seja, à medida que aumenta o número de

anos de profissão, a partir dos 5-14 anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos

profissionais de saúde. Sendo também mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de

saúde com < 5 anos de profissão.

Também aqui a análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas

(p<0,05) para a escala global, entre o grupo dos 5-14 anos de profissão e todos os outros

grupos. O mesmo acontecendo para a dimensão C, em que o grupo dos 5-14 anos tem

diferenças significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo

dos <5 anos de profissão. Para a dimensão B, é o grupo dos <5 anos que tem diferenças

significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos >34

anos de profissão. Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo dos 5-14

anos de profissão. Para a dimensão A não existem diferenças estatisticamente

significativas entre grupos.

Toda esta informação corrobora o que já foi dito acerca das diferenças em função do

grupo etário dos profissionais de saúde. Em ambas as situações verifica-se que as

diferenças observadas são mais significativas para o global da escala e para as

dimensões B e C, não o sendo para a dimensão A, que se refere aos “Problemas éticos

nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”. Estes dados

corroboram o que já se disse anteriormente de que, neste estudo, as atitudes éticas dos

profissionais de saúde de cuidados de saúde primários foram mais firmes na dimensão A

(“Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas

famílias”) do que nas dimensões B (“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e

inter-pares”) e C (“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema

de saúde”).

Pela leitura do quadro XXV (p. 208) verifica-se que existem diferenças, pelo teste f de

ANOVA, altamente significativas (p<0,001) entre as médias da escala e a sub-região de

Page 241: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

231

saúde a que pertencem os profissionais de saúde. Estas diferenças verificam-se quer

para a escala global, quer para cada uma das três dimensões estudadas.

A análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a

escala global, entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O

mesmo acontece entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões.

Acontece ainda o mesmo para a dimensão C, em que as sub-regiões de saúde de Viseu

e Aveiro têm diferenças significativas (p<0,05) relativamente a todas as outras sub-

regiões, excepto entre si. Para esta dimensão também se verificam diferenças

significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde de Coimbra e a de Leiria e entre a

sub-região de saúde da Guarda e a de Leiria. Para a dimensão B, volta a verificar-se

diferenças significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras

sub-regiões. O mesmo acontece entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras

sub-regiões. Para a dimensão A só existem diferenças estatisticamente significativas

(p<0,05) entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões e entre a

sub-região de saúde de Coimbra e a de Castelo Branco.

Concluindo, pelo presente estudo constata-se que as atitudes éticas dos profissionais de

saúde parecem ser mais firmes nas sub-regiões de saúde de Viseu e Aveiro e menos

firmes nas sub-regiões de saúde de Leiria e Castelo Branco.

Relembra-se que se entende por mais firme a obtenção de valores superiores na

avaliação feita através da aplicação da escala.

Face a este resultado que se considera inesperado face ao número de sujeitos em

estudo, que aliás não permitiu o atingir da significância estatística na questão relativa às

atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão dos profissionais de saúde, levanta-se

a questão de se poder estar perante culturas organizativas distintas.

Na verdade verifica-se que as sub-regiões de saúde de âmbito distrital foram

continuadoras, desde 1993, das anteriores administrações regionais de saúde que já

descendiam, desde 1982, das iniciais administrações distritais dos serviços médico-

sociais, criadas em 1974 aquando da transferência dos serviços médico-sociais da

Previdência para a Secretaria de Estado da Saúde (Simões, 2004). Portanto, eram uma

estrutura organizativa com mais de 30 anos, e que acabaram de ser extintas com a

entrada em funcionamento dos novos agrupamentos de centros de saúde (ACES) a 1 de

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

232

Março de 2009 (Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro; Portaria nº 274/2009, de 18 de

Março).

Cada administração distrital dos serviços médico-sociais, criadas em 1974 em pleno

processo revolucionário, desenvolveu-se com total autonomia, que foi alargada com a

sua transformação em administrações regionais de saúde em 1982, pelo que cada sub-

região herdeira destas administrações tem uma história e cultura muito próprias, o que

talvez explique as diferenças encontradas neste estudo.

A reflexão ética no âmbito das organizações implica a existência de certas condições,

sendo que a principal é a própria “comunidade moral” da organização, isto é, o conjunto

de normas morais comuns aos seus membros, porque as organizações mais não são do

que a complexa articulação de interesses individuais que perseguem objectivos comuns.

Mas devem fazê-lo respeitando a dignidade do cidadão e os seus direitos fundamentais

(Brandão, 2004).

A cultura organizacional surge: quando existe uma partilha de valores e crenças; um

quadro de referência da acção colectiva; e um sistema de ideias resultantes: da história

da organização; da definição das situações pelos agentes dominantes; da interpretação

cumulativa, por parte dos intervenientes; e do sentido das acções contínuas e recíprocas

(Neves(c), 2002).

As práticas éticas desenvolvem-se a nível organizacional quando há: regras de jogo

claras; práticas equitativas; remunerações justas; partilha do sucesso; cumprimento dos

compromissos; e responsabilidade social (Neves(c), 2002).

Face aos considerandos expostos e pelos dados obtidos através do presente estudo

pode-se afirmar que as práticas éticas a nível das sub-regiões de saúde de Viseu e

Aveiro eram mais firmes do que as das restantes sub-regiões da Região Centro.

Pela leitura do quadro XXVI (p. 209) verifica-se que só existem diferenças, pelo teste f de

ANOVA, estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias da escala e a área

laboral a que pertencem os profissionais de saúde para a dimensão A. Para a escala

global e para as outras duas dimensões estudadas não existem diferenças

estatisticamente significativas entre as respectivas médias. Ou seja, as atitudes éticas

dos profissionais de saúde são mais firmes para a dimensão A (“Problemas éticos nas

Page 243: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

233

relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”) nos que

trabalham em área urbana.

A análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a

dimensão A, entre a área urbana e todas as outras áreas. O mesmo acontecendo para a

dimensão C entre todas as outras áreas e a área rural.

Já o estudo anteriormente descrito de Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) refere a

existência de diferença nas atitudes éticas dos profissionais de saúde em função da área

geográfica em que trabalham.

Nurit Wagner e Ilana Ronen, (1996) descrevem um estudo realizado em Israel, durante

os anos de 1993 e 1994, com 506 enfermeiros que trabalhavam a nível hospitalar e

outros 239 que actuavam na comunidade, em centros de enfermagem comunitária ou em

serviços de saúde pública, indica que há diferenças entre os tipos de problemas

enfrentados nestes dois grupos. Através de um questionário auto-aplicado, cada

enfermeiro deveria indicar se, nos últimos doze meses, havia ou não vivenciado alguma

das 39 situações, potencialmente geradoras de problemas éticos, ali descritas, e

abrangendo as esferas clínico/profissional, administrativa e interpessoal. Os resultados

mostram que em todas as áreas, excepto nas questões relativas à informação e

confidencialidade, havia diferenças segundo o local de trabalho, sendo que no ambiente

hospitalar os enfermeiros são expostos a um leque mais variado de problemas éticos. A

análise de regressão efectuada para verificar possíveis associações entre as

características demográficas e profissionais dos sujeitos e as diferentes situações

geradoras de problemas éticos revela que esta só ocorre para a variável “cenário”:

hospital versus a comunidade, deixando claro que as diferenças devem estar

relacionadas com as particularidades de cada cenário. Ainda comparando os enfermeiros

dos centros de enfermagem comunitária com os que actuam nos serviços de saúde

pública, mais voltados para acções de prevenção, os últimos encontram menos

problemas éticos do que os primeiros.

Considerando agora as respostas ao questionário e a análise item a item (quadro XX, p.

203) verifica-se que o item P1 (“Procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu

paciente”) é o mais bem pontuado, com uma média de 4,64, e um dos que apresenta

menor dispersão nas respostas, com um desvio-padrão de 0,610. Este item, assim como

o item P2 (“Discuto com o meu paciente a sua situação clínica”), com uma média de 4,30

e um desvio-padrão de 0,663, e o item P3 (“Aceito a recusa do meu paciente às minhas

Page 244: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

234

indicações clínicas”), com 3,71 de média e 0,839 de desvio-padrão, são relacionáveis

com o princípio do respeito pela autonomia (Beauchamp, 2001) do paciente e são dos

mais bem pontuados no questionário. Pode-se concluir que se constata que as atitudes

éticas dos profissionais de saúde são firmes no respeito pela autonomia dos pacientes.

Recorda-se que entendemos por mais firme a obtenção de valores superiores na

avaliação feita através da aplicação da escala.

No entanto, a recusa de tratamento ocorre com frequência nos cuidados de saúde

primários (CSP) e inclui uma ampla variedade de situações, desde medidas de

prevenção da saúde como vacinação, citologia do colo do útero, mamografia de rastreio,

até exames auxiliares de diagnóstico, prescrições e tratamentos. Dentre os factores

explicativos para esta situação merece destaque um maior controle por parte do paciente

que, ao ser capaz de exercer a sua liberdade de escolha, se apresenta, em certa medida,

mais imune à intimidação imposta pela gravidade da doença e à competência dos

profissionais, que é própria do ambiente hospitalar. Além disso, tem mais oportunidades

para mudar de ideia, mesmo com o tratamento já em curso. Isto confere uma grande

importância ao relacionamento com a equipa de saúde, devendo-se proporcionar, através

de uma boa comunicação, espaço para que o paciente seja compreendido na sua

singularidade, com a sua história única, as suas reacções próprias, crenças, costumes,

preferências, decisões e com os seus aspectos divergentes a poderem ser abertamente

discutidos. Além disso, o paciente precisa compreender o que a equipa de saúde indica e

porquê, pois isto também contribui para formar uma recusa livre e esclarecida (Brody,

1989; Connelly, 1998, 2000).

Quando o paciente recusa uma intervenção que lhe é proposta, quer seja uma consulta,

um procedimento diagnóstico ou uma terapêutica, o profissional de saúde vê-se

confrontado com um conflito entre a sua avaliação e os desejos do paciente, o que lhe

pode causar incompreensão, frustração e desinteresse, especialmente se a escolha do

paciente lhe parecer irracional. A equipa de saúde pode não compreender as razões do

paciente para a sua recusa e não ser capaz de a aceitar.

No entanto, a atitude das equipas deverá ir ao encontro das recomendações de Julia

Connelly (1998) para a tomada de decisão dos profissionais de saúde dos CSP. Alerta a

autora que estes devem explorar a recusa do paciente, incluindo as possibilidades

emocionais, como o medo ou a ansiedade sobre os procedimentos prescritos. Os

profissionais de saúde devem ter a habilidade para encorajar o paciente a contar a sua

Page 245: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

235

história, conduzindo a interacção para uma relação aberta, lançando mão de perguntas

abertas, como “fale-me da sua dor nas costas” em vez de “quando é que a sua dor nas

costas começou?”. Outra característica chave desta abordagem, é ouvir activamente para

que, quem conta e quem ouve, possam esclarecer, discutir e descrever repetidamente a

história, com vista a aperfeiçoar a informação. A tomada de decisão esclarecida virá

desse tipo de discussão que possibilita uma resolução bem ponderada e cuidadosa. É

evidente que isto é impossível sem competências de comunicação por parte dos

profissionais de saúde, para poderem compreender os seus pacientes e/ou as suas

famílias.

Neste aspecto, pode-se recordar a observação de Albert Jonsen e colaboradores (1999)

acerca da pobreza dos métodos de comunicação dos profissionais de saúde e dos

poucos esforços que se têm desenvolvido para ultrapassar as barreiras da compreensão.

Também é oportuno mencionar que os resultados do estudo de Kathleen Oberle e

Dorothy Hughes (2001) em relação às percepções de médicos e enfermeiros sobre os

problemas éticos do final da vida apontam a comunicação como um tema distinto que

perpassa os temas contextuais encontrados e, consequentemente, uma comunicação

efectiva é apresentada como solução para muitos dos problemas éticos que enfrentam,

tanto na relação entre os profissionais como com os pacientes e as famílias.

Não é raro, os profissionais de saúde questionarem a competência dos pacientes para

decidir, ou compreender as informações que lhes são transmitidas, quando estes

recusam as intervenções propostas, particularmente se o tratamento for para uma

doença que ameaça a vida. Normalmente, os profissionais de saúde reagem com uma

tentativa agressiva de os convencer da necessidade do tratamento. Parece, pois, que

tanto médicos como enfermeiros devem aprender a estar atentos às suas próprias

atitudes e valores e serem cautelosos para não os impor aos pacientes e/ou famílias de

quem tratam, estando devidamente preparados para aceitar a vontade destes, ainda que

esta não esteja de acordo com a sua própria opinião. Da mesma forma, o não aceitar

qualquer pedido de intervenção sem uma explicação ou negociação pode comprometer a

liberdade do paciente, levar à desumanização dos cuidados, além de consistir num

desrespeito pela autonomia das pessoas (Searight, 1994; Doukas, 1996; Richter, 2000).

Parece então claro que a recusa de indicações médicas consiste num problema comum

nos CSP, representando um desafio para os profissionais de saúde. Independentemente

das consequências, antes de aceitar ou recusar a opção do paciente, a equipa de saúde

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

236

deve rever a interacção entre ambos a fim de garantir que a recusa seja informada e

esclarecida, avaliando os aspectos relativos à quantidade e qualidade da informação

dada, à compreensão pelo paciente das consequências da recusa, à sua competência

para decidir e liberdade para efectuar uma escolha voluntária. Além disto, procurar

reconhecer quais são as razões para a recusa ajuda frequentemente os profissionais de

saúde a localizar a situação no contexto das singularidades do paciente e da sua família,

compreendendo-os melhor. Algumas circunstâncias específicas podem influenciar a

decisão, como as crenças religiosas, culturais ou o estado mental do paciente. Quanto

maior o risco ou piores as consequências da recusa, maior é o desafio para os

profissionais de saúde decidirem se aceitam ou não a recusa do paciente (Connelly,

2000). Porém, não restam dúvidas de que o consenso internacional nesta matéria é o de

respeitar a vontade do doente, mesmo que ela pareça irracional à luz da boa prática

clínica (UNESCO, 2005). Em Portugal, tal como noutros países desenvolvidos, um

exemplo da preponderância do direito à recusa informada de tratamento é a legalização

das directivas antecipadas de vontade, através das quais o doente prospectivamente

recusa um tratamento, nomeadamente quando é por ele considerado como fútil e

desproporcionado (Nunes(c), 2009).

Já o estudo realizado por Diane Viens (1994) com um grupo de enfermeiros que

trabalhavam nos CSP, em cidades do oeste norte-americano, indicava que o

relacionamento com o paciente tinha um significado importante para estes profissionais,

tornando-se mais significativo na medida em que o contacto perdurava ao longo do

tempo ou quando o paciente apresentava necessidades prementes.

O item P4 (“Não interfiro no estilo de vida do meu paciente”), com uma média de 4,17 e

um desvio-padrão de 0,644, foi o 6º mais bem pontuado da escala, reafirmando a atitude

ética de respeito pela autonomia do paciente dos profissionais de saúde estudados.

Mas, já se descreveu no estudo de Ronald Christie e colaboradores (1983), realizado

com professores do Departamento de Medicina da Universidade de Ontário Ocidental

(Canadá), que a disponibilidade ou não para interferir no estilo de vida das pessoas

doentes varia de acordo com as consequências para a saúde e com o comportamento

que deve ser alterado. A maioria dos inquiridos afirmou-se preparada para tentar mudar o

estilo de vida de um paciente quando este configura um potencial dano para a sua saúde.

Mas, poucos se sentem preparados para tentar essa alteração quando a questão envolve

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DISCUSSÃO

237

problemas como a interrupção de uma gravidez, contracepção permanente, fim de um

casamento, uso de drogas ilícitas ou casos extraconjugais.

No também já descrito estudo de Barry Hoffmaster e colaboradores (1991), que envolveu

médicos de família do Canadá e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País de

Gales. Alguns dos casos apresentados referiam-se a quanto um médico pode interferir

nos estilos de vida dos seus pacientes. Os médicos britânicos mais do que os canadianos

ou americanos não queriam interferir nos estilos de vida dos pacientes.

Os limites da interferência dos profissionais de saúde no estilo de vida dos pacientes e

das suas famílias, ou em que medida os profissionais de saúde podem ser directivos

acerca das opções terapêuticas e das mudanças de estilo de vida constitui, segundo

Howard Brody (1983), um tema central das questões éticas envolvidas na medicina

familiar. De acordo com o autor, uma forma peculiar de coerção pode ser exercida pelos

profissionais de saúde, especialmente pelos médicos, quando estes, com base na sua

autoridade científica, manipulam o paciente através de apresentações distorcidas de

dados, opções ou informações. Quando o profissional descreve as alternativas de acção

de uma maneira neutra de valores, permitindo que o paciente faça a sua opção, a

coerção não acontece. Porém, sabe-se que uma comunicação com tal neutralidade é

impossível na prática, e o mais frequente é o profissional de saúde explicar ao paciente

as várias opções, tentando persuadi-lo a aceitar a que, na sua opinião, melhor o

beneficia.

Ine Gremmen (1999) num estudo que busca conhecer as considerações éticas de

enfermeiros de família na Holanda, os entrevistados ponderam que têm que se adaptar

ao estilo de vida do paciente para minimizar as consequências negativas dos aspectos

intrusivos, inevitáveis do seu trabalho. Assim, frente a uma divergência de opiniões com o

paciente ou a sua família, devem tentar chegar a um acordo, imediatamente ou no futuro,

através da explicação das consequências do decurso da acção escolhida pelo paciente e

das razões pelas quais o enfermeiro escolhe outra alternativa. Devem ser capazes de dar

sugestões sem pressionar, tentando ganhar a confiança do paciente para que ele possa

manifestar as suas objecções, medos ou preocupações e ouvindo-o atentamente, dar

informação e apoio quando ele quiser novamente discutir a questão.

O item P5 (“Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente”) foi

retirado da escala por apresentar valores negativos na correlação com o total da escala e

assim reduzir o Alpha de Cronbach (quadro X, p. 182).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

238

No entanto, o ter ideias pré-concebidas na relação clínica com os pacientes é frequente.

A influência de critérios, como idade, género, responsabilidade social, condição

económica e, especialmente, estilos de vida não aceites socialmente, sobre as decisões

clínicas e a micro-alocação de recursos de saúde têm sido abordadas em diferentes

estudos, realizados em distintos países. Albert Jonsen e colaboradores (1999) referem

vários estudos, efectuados nos EUA, em que um número significativo de médicos

marginaliza os homossexuais, demonstrando menos vontade em os atender. Também

referem várias discriminações em relação ao género, com os médicos do sexo masculino

a desvalorizarem as queixas das mulheres.

Neste sentido, os autores (Jonsen, 1999) ponderam que os profissionais de saúde têm as

suas crenças e valores que podem conduzi-los a julgamentos pré-concebidos e

discriminatórios em relação a algumas pessoas ou grupos sociais, afectando, deste

modo, as suas decisões clínicas. Porém, são contundentes ao afirmar que não é

prerrogativa dos profissionais de saúde fazerem esses julgamentos no contexto dos

cuidados de saúde, pois todos devem ser atendidos em função das suas necessidades e

não do seu valor ou mérito social. No entanto, alertam que actualmente estes

preconceitos podem ser menos explícitos, mas não menos perigosos e que devem ser

identificados para poderem ser eliminados da decisão clínica.

Mas ver-se numa situação de ideia pré-concebida em relação ao paciente também pode

gerar insatisfação e desconforto nos profissionais de saúde. Os resultados do estudo com

enfermeiros que actuam nos cuidados primários de saúde, nos EUA, mostra que a noção

de respeito pelas pessoas inclui, além das questões relativas à autonomia e

reciprocidade, o “não julgar” (Viens, 1994).

O item P6 (“Respeito os valores religiosos do meu paciente”), com uma média de 4,63 e

um desvio-padrão de 0,604, foi o 2º mais bem pontuado da escala e o que apresentou a

menor dispersão de resultados, assegurando o valor do respeito pelos valores religiosos

dos pacientes pelos profissionais dos cuidados de saúde primários.

No entanto, certas seitas religiosas impõem aos seus membros crenças sobre saúde,

doença e tratamentos, influenciando as preferências dos pacientes. Por vezes, essas

crenças são subtis e passam despercebidas aos profissionais de saúde, gerando mal

entendidos que se podem agravar se houver barreiras na comunicação. Os conflitos

habitualmente surgem quando as crenças religiosas ou culturais motivam a recusa de

Page 249: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

239

cuidados médicos, especialmente quando estes são importantes ou podem salvar a vida

da pessoa (Connelly, 2000).

Albert Jonsen e colaboradores (1999) além de considerarem que tais escolhas podem ser

imprudentes ou perigosas, ponderam que o desconhecimento das crenças e costumes

dos pacientes por parte dos profissionais de saúde pode levá-los a questionar a

capacidade do consentimento dos pacientes e suas famílias. Entretanto, o simples facto

de aderir a uma religião pouco comum, por si só, não constitui evidência de incapacidade

para o consentimento. Na ausência de sinais clínicos de incapacidade para o

consentimento, tais pessoas devem ser consideradas como competentes para escolher.

Na medida do possível, através de uma negociação, o profissional de saúde e o paciente

devem descobrir objectivos comuns e estabelecer uma estratégia mutuamente aceite

para os atingir.

O item P7 (“Discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos”) apresenta

uma média de 4,14 e um desvio-padrão de 0,745.

Acerca deste item, é oportuno referir que no estudo de Helen Robillard e colaboradores

(1989), também realizado no ambiente dos CSP, a solicitação de procedimentos pelo

paciente foi percebida como um problema ético frequente, tanto pelos médicos como

pelos restantes profissionais de saúde. À primeira vista parece que os pacientes têm o

direito de solicitar os tratamentos e os testes que autonomamente consideram ser-lhes

úteis, entretanto, talvez este não seja o ponto fulcral já que, como afirma Allan Brett

(2000), na maioria dos casos, os pedidos dos pacientes poderiam ser discutidos com

maior naturalidade, se a prática de partilhar a tomada de decisão norteasse o encontro

que se estabelece entre estes e os profissionais de saúde.

Mas, como ponderam Albert Jonsen e colaboradores (1999) a autoridade das

“preferências do paciente” não é ilimitada, sendo as obrigações éticas dos profissionais

de saúde definidas pelos objectivos da intervenção proposta e os desejos dos pacientes.

O profissional de saúde não está obrigado a realizar actos que ultrapassem ou sejam

contraditórios com os objectivos da medicina, mesmo que o paciente o solicite. Por outras

palavras, os autores defendem que os pacientes não têm o direito de pedir aos

profissionais de saúde que procedam a actos que estejam contra-indicados, sejam

desnecessários, pouco “ortodoxos”, ilegais ou eticamente inadequados. Os profissionais

de saúde não podem efectuar procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos sem o

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

240

consentimento do paciente ou do seu representante legal, quando for o caso, mas podem

abster-se de actos que considerem técnica ou eticamente errados.

Parece pertinente para o caso em apreço a recomendação, que fazem David Doukas e

Laurence McCullough (1996), para que os profissionais dos CSP explorem as

solicitações dos pacientes, verificando se há crenças resultantes de informações

distorcidas que possam ser corrigidas por acções de educação para a saúde e

averiguando se existem outras preocupações, histórias e valores a fim de, com o

paciente, trabalhar a possibilidade de outras alternativas, além da que está sendo pedida.

Ainda para situações como esta, Allan Brett (2000) afirma que, ocasionalmente, os

benefícios de renovar a confiança do paciente que está em dúvida sobre o seu

diagnóstico pode justificar a realização de exames mesmo que desnecessários e mesmo

que onerando o sistema de saúde. Esta visão parece centrar-se muito no âmbito

individual e tecnicista, valorizando excessivamente o direito à livre escolha que

caracteriza a sociedade americana. Mas, uma visão que vise a capacitação e a promoção

da cidadania dos pacientes, além do seu empoderamento nas questões relacionadas

com a sua saúde, e procure conseguir uma maior capacitação dos indivíduos, famílias e

comunidades é um elemento determinante no sucesso dos cuidados de saúde primários

(Sousa, 2007). Assim, ter-se-á que ponderar a recusa de procedimentos desnecessários

em nome de uma justa distribuição dos recursos escassos como eticamente justa, e os

argumentos a usar para justificar que não se deve ludibriar o sistema, não dizem respeito

única e simplesmente aos resultados ou às consequências indesejáveis: ofendem a

veracidade; ofendem a justiça contratual; e ofendem a justiça distributiva/equidade. Um

benefício a curto termo é, para muitos eticistas, um malefício a longo prazo (Santos,

2008). Logo no processo de co-decisão, aplicando o modelo centrado no paciente

(beneficência com confiança), seria desejável que paciente e médico incluíssem nas suas

considerações o uso apropriado dos recursos sociais (Lourenço, 2008), e procurassem

outras formas de apoiar o doente no processo de enfrentar a sua condição patológica que

ultrapasse a esfera do biológico e a mera realização de procedimentos médicos.

E, como argumenta Susan Duncan (1992) ao discutir os desafios éticos da prática da

enfermagem comunitária em Bristish Columbia (Canadá), a defesa e o desenvolvimento

da comunidade requerem que os enfermeiros que actuam nos cuidados de saúde

primários se centrem nas condições que determinam a saúde, encontrando maneiras de

fortalecer as habilidades dos pacientes para assegurarem os seus direitos e avaliarem a

Page 251: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

241

qualidade dos serviços. Na opinião da autora, o aumento da participação dos pacientes

no seu cuidado, tanto no âmbito individual como no planeamento da saúde da

comunidade, aumentaria a resposta do sistema de saúde às necessidades dos pacientes,

principalmente para os que estão em situação de alto risco.

O item P8 (“Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem

a autorização dos seus pais ou tutores”) apresenta uma média de 3,41 e um desvio-

padrão de 1,193.

A solicitação de procedimentos por pacientes menores de idade sem autorização ou

conhecimento dos pais ou tutores tem implicações éticas e legais.

Como afirmam Lainie Ross e John Lantos (2000), com base nos aspectos legais, até

recentemente era assumido que as crianças eram incompetentes para decidir, cabendo

exclusivamente considerar as escolhas dos seus pais ou tutores. Entretanto,

actualmente, já são comuns os movimentos para que se reconheça a competência da

criança para decidir em algumas situações, argumentando-se que às psicologicamente

mais maduras, e especialmente aos adolescentes, seja permitido fazerem as suas

próprias escolhas sem a permissão ou o conhecimento dos seus pais, nomeadamente na

área da sexualidade e contracepção. Há quem contra argumente, afirmando que a

competência por si só não é o único factor a determinar a participação da criança no

processo de tomada de decisão nas questões relativas à sua saúde. Estes defendem que

os pais têm o direito moral de exercer um papel determinante ou mesmo exclusivo nas

decisões sobre os cuidados de saúde aos seus filhos, acreditando que estes sempre

agirão no melhor interesse da criança e o que decidirem será bom para ela, para os pais

e para a sociedade.

Muitos profissionais optam por um caminho entre estes dois extremos e tentam incluir as

crianças, quando possível e da maneira que lhes pareça mais praticável para a decisão.

O direito da criança de participar nas decisões aumenta na medida em que

psicologicamente amadurece e desenvolve a sua capacidade de compreensão e de

análise da informação que necessita para decidir. Entretanto, quanto mais graves forem

as consequências da decisão, mais os profissionais de saúde devem tender a seguir a

opinião dos pais quando esta difere das da criança (Ross, 2000).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

242

O item P9 (“Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa

à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente”) apresenta uma média de 3,48

e um desvio-padrão de 1,117.

A privacidade constitui um mecanismo de regulação do relacionamento entre os

profissionais de saúde e os pacientes, que pode facilitar o estabelecimento da mútua

confiança necessária ao desenvolvimento do trabalho. Parece que isto pode assumir

especial importância nos CSP devido à relação pessoal e familiar que existe neste nível

de cuidados de saúde. Além do mais, os cuidados à família propiciam à equipa de saúde

o acesso a informações mais íntimas, o que chega a ser reconhecido por muitos como

um problema ético (Zoboli, 2004).

Do direito que o paciente tem à privacidade decorre o dever de todos os integrantes da

equipa manterem segredo. Como afirma Amir Halevy (2000), sem a garantia da

confidencialidade, na maioria das circunstâncias, o paciente não se sentiria à vontade

para revelar à equipa de saúde informações relevantes, mas que são potencialmente

embaraçosas, ou não teria mesmo confiança para comparecer às consultas e

tratamentos com vista ao seu cuidado.

São sigilosas não somente as informações reveladas confidencialmente, mas todas as

que os profissionais de saúde conhecem no exercício da sua actividade, seja na

entrevista de enfermagem, na história clínica, no exame físico, na realização de exames

complementares, ou em outros testes de rastreio e/ou diagnóstico, e ainda nas visitas

domiciliárias.

Alguns estudos realizados com profissionais de saúde e utentes de serviços de cuidados

de saúde primários na Austrália, nos Estados Unidos e na Inglaterra também apontam a

manutenção da confidencialidade como um problema ético frequente para o quotidiano

dos profissionais de saúde que actuam no âmbito dos CSP (Robillard, 1989; Viens, 1994;

Carman, 1995; Braunack-Mayer, 2001).

David Carman e Nicky Britten (1995) descrevem um estudo desenvolvido, numa área

semi-rural inglesa de 12.000 habitantes, com 39 utentes de seis clínicos gerais. Em

entrevistas semi-estruturadas, realizadas nas suas casas, os utentes foram encorajados

a manifestar as suas expectativas sobre a confidencialidade dos dados constantes dos

seus registos clínicos. Os entrevistados afirmaram que os médicos e a equipa de

enfermagem deveriam ter algum grau de acesso aos seus registos, mas não ilimitado,

Page 253: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

243

sendo feitas reservas principalmente para os médicos não directamente envolvidos no

seu cuidado e, 23 dos participantes afirmaram categoricamente que nenhum membro do

“staff” administrativo dos consultórios deveria ter acesso aos seus registos clínicos.

Os resultados deste estudo também referem atitudes diferentes quanto à maneira de

considerar a informação confidencial nos hospitais e nos consultórios. Dos 23

entrevistados que esperam que ninguém, excepto os médicos e a equipa de

enfermagem, em alguns casos, tenham acesso aos seus registos no consultório,

somente três defendem restrições semelhantes para os seus registos hospitalares. O

determinante desta diferença é o anonimato que ocorre no hospital e que não pode ser

garantido no consultório, especialmente na sua realidade em que moravam em pequenos

lugares de uma área semi-rural. Também 28 dos entrevistados consideraram que,

comparando os registos hospitalares com os do consultório, os últimos incluem muito

mais informação pessoal, como circunstâncias sociais, relacionamentos, comentários

críticos e tudo abarcando um longo período de tempo (Carman, 1995).

É necessário ainda considerar, com especial cuidado, o lugar da família nesta questão.

Sendo esperado que esta partilhe dos segredos dos seus membros, em virtude de seu

papel “cuidador”, que proporciona sentimento de segurança, protecção e diminui a

sensação de vulnerabilidade provocada pela doença. Os familiares são considerados

aliados no processo doença/cura e, dessa forma, há pouca expectativa em relação à

manutenção da privacidade de informações nomeadamente na família nuclear. No

entanto, fique claro que a família não deve substituir o paciente e que a questão da

proximidade deve ser algo determinante, na medida em que estabelece a fronteira entre

os familiares mais distantes e os parentes mais próximos. O profissional de saúde deve

considerar as expectativas do paciente, a quem compete sempre decidir o sentido e o

limite da inserção da família na sua situação. Para tal, esse tema deve constar da

conversa que se estabelece entre os profissionais de saúde e os pacientes (Zoboli,

2004).

Como assinala Howard Brody (1983), para os que actuam no âmbito da saúde da família

não pode haver discussão mais fundamentada do que a do significado de tratar a família

como um todo, a unidade do cuidado, e gerir os conflitos entre os interesses de um

membro, individualmente, e os dos restantes membros da família.

A ponderação dos interesses dos diferentes membros individualmente e da família como

um todo, segundo Howard Brody (1983), pode constituir uma oportunidade para o

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

244

fortalecimento dos laços familiares, desde que a decisão tomada resulte de uma

discussão face a face entre todas as partes interessadas. Entretanto, isto não pode

acontecer como algo unilateral, imposto pela equipa de saúde, não importando aqui

quanto benevolentes sejam as intenções.

Neste questionário, esta questão aparece nos problemas éticos da solicitação de

procedimentos por menores sem autorização dos pais, descrita anteriormente, e no

partilhar as informações com os demais membros da família, que era o item P10

(“Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o

seu estado de saúde quando relevante”), mas que foi retirado da escala por apresentar

valores negativos na correlação com o total da escala e assim reduzir o Alpha de

Cronbach (quadro X, p. 182). No entanto, é oportuno ainda referir que no estudo de

Helen Robillard e colaboradores (1989) os pedidos de informação por parte da família

impondo riscos à confidencialidade de um dos seus membros foram percebidos como

problemas éticos frequentes, tanto pelos médicos como pelos outros profissionais de

saúde estudados.

O item P11 (“Preservo o meu segredo profissional”), com uma média de 4,31 e um

desvio-padrão de 0,858, foi o 3º mais bem pontuado da escala, assegurando o valor

deontológico do segredo profissional para os profissionais dos cuidados de saúde

primários (CSP).

No entanto, refere-se que no estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989),

anteriormente mencionado, a violação da confidencialidade do paciente foi um dos

problemas éticos mais frequentemente apontados pelos profissionais de saúde que

trabalhavam em serviços de CSP no Kentuchy (EUA).

Amir Halevy (2000) alerta que os profissionais dos CSP devem estar particularmente

atentos, para os potenciais problemas de preservação da confidencialidade na sua

actividade diária. A maioria dos pacientes tem família e amigos que estão interessados

nos seus cuidados: esposas, filhos, “primos curiosos”, “vizinhos bisbilhoteiros”, e vários

“melhores amigos” que querem saber sobre o seu estado de saúde e o seu plano de

cuidados. Uma prática padrão de que o profissional não revela nenhuma informação a

ninguém, a não ser ao próprio paciente, embora louvável na perspectiva da

confidencialidade, pode ser problemática sob outros aspectos. Na maior parte dos casos,

dar algumas informações gerais, omitindo no entanto os detalhes delicados ou

potencialmente embaraçosos, parece apropriado, uma vez que não dar nenhuma

Page 255: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

245

informação pode ser interpretado como indicativo de que a condição do paciente é muito

pior do que é na realidade. A equipa de saúde da família deve lançar mão da discrição e

do discernimento ao determinar o que pode ser revelado e a quem. Idealmente, deve-se

procurar saber junto do paciente quais são os seus desejos quanto à revelação de

informações sobre o seu estado, à família e amigos, não cedendo automaticamente à

insistência de quem procura saber algo. Se o paciente for uma pessoa competente, a sua

vontade deve ser respeitada e na falta de capacidade de decisão deste, o seu

representante dará a devida orientação aos profissionais.

Pode-se ainda recordar que é comum, frente a problemas clínicos e éticos, o profissional

de saúde procurar conselho e orientação junto dos seus colegas. Esta prática também é

frequente aquando de dúvidas sobre a melhor maneira de conduzir o caso. Neste

sentido, é bom lembrar que uma linha muito ténue separa a consulta aos colegas, para

uma segunda opinião, da conversa de circunstância nos ambientes partilhados da

unidade de saúde, como a cafetaria, o restaurante ou as reuniões técnicas (Halevy,

2000).

O item P12 (“Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o

seu caso em evento ou publicação científica”), com uma média de 4,26 e um desvio-

padrão de 0,924, foi surpreendentemente o 5º mais bem pontuado da escala.

Desconhecia-se que esta atitude estivesse tão presente nos profissionais de saúde dos

CSP. Pelo contrário, considerava-se que a prática seria a não solicitação do

consentimento do paciente ou da sua família para relatar a sua história em evento ou

publicação científica, juntamente com a não solicitação do consentimento da equipa de

saúde para relatar o caso em evento ou publicação científica. Mas, o alerta aqui fica, não

somente os profissionais de saúde, mas também os investigadores e estudiosos, agora

que os CSP estão a ser alvo de diversas investigações e trabalhos de acompanhamento

e avaliação, no sentido de que se tomem todas as medidas para assegurar a

preservação da privacidade e confidencialidade dos pacientes, das famílias e dos

próprios profissionais de saúde, bem como para se respeitar a sua liberdade de

participação nos estudos e o seu consentimento para a divulgação das suas histórias e

casos clínicos. Aliás, as novas normas para apresentação de artigos à Revista

Portuguesa de Clínica Geral estabelecem a obrigatoriedade de juntar aquando da

submissão de artigos à apreciação editorial, uma declaração de autorização por cada

pessoa mencionada nos agradecimentos; tratando-se de um estudo original uma

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

246

declaração de conduta ética; tratando-se de um relato de caso, uma declaração de

consentimento informado assinada pelo doente que motivou o relato de caso; e havendo

fotografia de doente(s), declaração de consentimento informado assinada pelo doente

fotografado (Conselho Editorial da RPCG, 2009).

O item P13 (“Estabeleço os limites na relação profissional-paciente”) apresenta uma

média de 3,62 e um desvio-padrão de 1,045.

Sally Wellard (1992) entrevistando enfermeiros de serviços de diálise ambulatória em

Victoria (Austrália), onde a exemplo dos CSP as relações com os pacientes são mais

duradouras e com contactos constantes, identifica que o início deste relacionamento é

referido como “muito difícil”. Alguns conflitos surgem porque os pacientes não acreditam

que os enfermeiros tenham a competência requerida para providenciar o cuidado

adequado, tendo estes que demonstrar a sua competência antes de adquirirem a

confiança dos doentes. Com o decorrer do tempo, este conflito resolve-se e a relação

distante e de desconfiança dá lugar a uma amizade e a um apoio mútuo, então, o dilema

para os enfermeiros passa a ser como responder profissionalmente sendo o paciente um

amigo.

Esta preocupação em defender e proteger o paciente e os seus direitos talvez decorra da

proximidade da pessoa doente a quem se presta cuidados, o que constitui outra

característica própria dos enfermeiros, segundo os estudos de Giggi Udén e

colaboradores (1992) e de Rivka Grunstein-Amado (1992). No primeiro estudo, os

médicos nas suas narrativas expressam que uma relação próxima pode ser perigosa,

pois pode levar o profissional de saúde a ser parcial quando decide sobre a alocação de

recursos nos cuidados, enquanto os enfermeiros defendem que somente assim é

possível perceber os desejos dos pacientes e prestar melhores cuidados.

Mas, o tratamento rude e ofensivo por parte de algumas equipas de saúde para com os

pacientes também aparece em alguns estudos sobre problemas éticos nos CSP.

Elizabeth Morrow (1997) descreve um estudo, que decorreu numa cidade do sul da

Califórnia (EUA), com mulheres entre os 18 e os 60 anos de idade, e provenientes de

populações vulneráveis (idosas, latino-americanas que não falavam inglês, sem abrigo,

vítimas de violência doméstica, etc.), que revela que além de experimentarem grandes

dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, estas mulheres são alvo de falta de

respeito quando conseguem o atendimento. Da mesma forma, Cátia Ducati e Magali

Boemer (2001), que estudaram as ocorrências registadas pelas comissões de ética de

Page 257: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

247

enfermagem dos hospitais da cidade de Ribeirão Preto (Brasil), denunciam a existência

deste problema ético no contexto hospitalar. É aqui oportuno assinalar, que também Nurit

Wagner e Ilana Ronen (1996) ao compararem, em Israel, os dados obtidos nos serviços

de CSP com os dos hospitais, encontram uma maior frequência deste problema a nível

hospitalar.

O problema ético do desrespeito para com o paciente parece ser resultante da

imprevisibilidade de relações que marcam o encontro entre pacientes e profissionais de

saúde, no qual entra em jogo um conflito de interesses. De um lado o paciente procura a

resolução de um problema de saúde que ele considera muito importante e do outro lado,

o profissional de saúde, que muitas vezes, se mantém preso a procedimentos, normas e

rotinas de serviço, ou ainda ao seu sentido técnico do que é melhor para o paciente.

Neste desencontro de necessidades e interesses, a negociação é imprescindível, pois

nem sempre a necessidade do paciente é interpretada como um problema pelo

profissional de saúde (Matumoto, 2001).

Os itens P14 (“Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com

prováveis efeitos secundários significativos, comunico o facto ao meu paciente”), que

apresenta uma média de 3,34 e um desvio-padrão de 0,997, e P15 (“Não omito

informação relevante ao meu paciente”), que apresenta uma média de 3,79 e um desvio-

padrão de 0,926, alertam que os profissionais de saúde devem estar mais atentos para a

defesa do paciente e para a sua segurança (Viens, 1994).

Assim, no estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989), é mencionada a informação

inadequada aos pacientes como sendo um dos problemas éticos mais frequentemente

apontados pelos profissionais de saúde que trabalham em serviços de cuidados de saúde

primários (CSP) no Kentuchy (EUA).

Também, no estudo de Israel é mencionado, entre os problemas éticos mais

frequentemente assinalados pelos enfermeiros que trabalham em CSP, a administração

de tratamentos considerados errados ou com interesse duvidoso (52% e 49,8%

respectivamente), o constrangimento provocado pelos pacientes que recusam o

tratamento (48,2%) e a omissão de informação ao paciente por pressão da família

(45,2%) (Wagner, 1996).

A omissão de informação e a revelação da verdade ao paciente também aparecem como

problemas éticos importantes nos estudos realizados em serviços de saúde não

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

248

hospitalares do sul da Austrália (Braunack-Mayer, 2001). No estudo de Nurit Wagner e

Ilana Ronen (1996) com enfermeiros israelitas de hospitais e de CSP, as situações que

envolvem dar ao paciente informação inadequada sobre o seu diagnóstico são vistas

como geradoras de problemas éticos por 14,8% dos 506 que trabalham na área

hospitalar e por 12,3% dos 239 que trabalham nos CSP. Da mesma forma, a omissão de

informação ao paciente por insistência do médico é mencionada por 25,2% e 26% dos

grupos, respectivamente.

A transformação do modelo assistencial e a humanização do atendimento, que estão na

essência estruturante da reforma dos CSP, requerem que seja garantido o direito à

informação do paciente, pois é um dos elementos fundamentais para que este possa

tomar decisões sobre as questões relacionadas com a sua saúde. Os profissionais de

saúde devem estar conscientes da responsabilidade de esclarecer os pacientes, assim

como cabe aos gestores criar as condições para o estabelecimento de uma cultura

institucional de informação e comunicação que leve em conta as especificidades e

particularidades de cada região e da sua população.

Desta forma, em virtude da construção de uma relação de confiança, parece inadmissível

omitir ao paciente informação acerca de questões que lhe dizem respeito, como o seu

estado de saúde. Uma justificação aceitável para tal conduta poderia ser a preocupação

de não lhe causar danos ou a sua solicitação para não receber informações. No entanto,

é preciso prudência com essas justificações, pois não é raro na prática dos cuidados de

saúde a utilização da autoridade profissional para favorecer ou perpetuar a dependência

dos pacientes, em vez de promover e respeitar a sua autonomia livre e esclarecida.

Assim, é comum não os esclarecer devidamente sob a alegação de que não suportariam

ou, o que é ainda pior, não compreenderiam a informação. Mas, não se pode desprezar o

facto de que, muitas vezes, atrás da justificação de que o paciente não estaria preparado

para receber a notícia, especialmente as más notícias, esconde-se a falta de preparação

do próprio profissional para lidar com essas situações.

Um estudo acerca da discussão dos cuidados de saúde no final de vida, realizada como

43 médicos e 53 pacientes de cuidados de saúde primários, indica que os médicos

demonstram grande hesitação para iniciar este tipo de discussão, pois temem prejudicar

as esperanças dos pacientes e o seu relacionamento com eles. Por outro lado, os

resultados sugerem que os médicos provavelmente têm pouco a temer nesse sentido,

porque os pacientes entrevistados manifestaram acolher bem a discussão, vêem-na

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DISCUSSÃO

249

como parte integrante da intimidade da relação e acreditam que os profissionais de saúde

devem gerir a informação com verdade (Pfeifer, 1994).

De acordo com Albert Jonsen e colaboradores (1999), é mais difícil aos profissionais de

saúde, principalmente aos médicos, serem “emissários de más notícias”, do que as

pessoas terem capacidade para aceitar a informação. A conversa entre os profissionais

de saúde e os pacientes deve ser verdadeira, isto é, as declarações devem estar em

consonância com os factos da situação. Se estes são incertos, a incerteza deve ser

revelada. Deve ser evitada a desilusão, ao contar o que não é verdade ou omiti-la. Com

isto não se quer dizer que a forma de relatar os factos não deva ter em conta a

percepção da resistência emocional e a compreensão intelectual do paciente e/ou da

família. Ao contrário, a verdade pode ser “brutal”, mas a maneira de a revelar não o deve

ser. A equipa de saúde precisa de ser cuidadosa e sensível ao informar, tendo em conta

o respeito pela autonomia e a sensibilidade das pessoas. Somente assim a capacidade

do paciente para decidir e escolher sairá reforçada, além de se fomentar a relação deste

com os profissionais de saúde. O paciente necessita, acima de tudo, dos benefícios de

um bom e confiante relacionamento com uma equipa de saúde competente e isto é mais

fácil de se conseguir com a honestidade do que com a mentira.

Russel Searight e Rick Barbarash (1994), discutindo os aspectos clínicos, éticos e legais

do consentimento informado, livre e esclarecido, na prática dos médicos de família,

reconhecem que nas situações de uma relação médico-paciente prolongada é possível

que alguns pacientes tendam a transferir a decisão para o profissional de saúde. São

habitualmente competentes e comunicam uma clara preferência que deve ser respeitada.

Entretanto, para a procuração ser válida, devem ser esclarecidos que o profissional de

saúde tem o dever de os informar sobre o tratamento, que têm o direito legal de decidir

sobre este, que não podem ser tratados sem o seu consentimento e que têm o direito de

consentir ou recusar o tratamento. Esta discussão alertam os autores, deve ser registada

no processo clínico e esta procuração deve ser realizada somente quando o paciente

declara explicitamente que não quer mais ser informado ou indica claramente o desejo de

que o médico tome a decisão por ele. Ainda assim, os profissionais de saúde devem

deixar claro que fornecerão imediatamente qualquer informação adicional se o paciente

mudar de ideia.

Parece oportuno recordar os resultados do estudo desenvolvido por Ronald Christie e

colaboradores (1983) com professores do Departamento de Medicina da Universidade

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

250

Ontário Ocidental (Canadá), que revela um número relativamente alto de médicos que

afirmam ser sua prática habitual tentar coagir os pacientes a aceitarem exames,

tratamentos e hospitalizações. Da mesma forma, cerca de metade dos 212 enfermeiros

holandeses de instituições hospitalares e comunitárias afirmam “persuadir o paciente a

colaborar” (van der Arend, 1999).

A disponibilidade de “conversar”, de “trabalhar” os conflitos com os pacientes parece

indicar que alguns profissionais reconhecem que os múltiplos contactos mantidos com

estes e suas famílias favorecem a troca contínua de informação e as pessoas são mais

propícias a manter e compreender o que lhes é apresentado repetidamente, como

afirmam Russel Searight e Rick Barbarash (1994). As equipas de saúde da família estão

numa posição única e favorável para implementar o consentimento informado, livre e

esclarecido, no espírito ético no qual foi concebido, ou seja, como uma forma para

aumentar o conhecimento do paciente e a sua participação na tomada de decisão. Como

têm uma relação contínua com os pacientes e as famílias, podem discutir as informações

pertinentes a cada situação com mais frequência e num contexto mais pessoal (Brody,

1989).

Neste sentido, cabe citar que, para a maioria dos enfermeiros de família holandeses, não

forçar o paciente, mas ter presente que se deve tentar chegar a um acordo imediato ou

futuro, parece ser a norma mais importante quando enfrentam uma recusa da ajuda

oferecida e têm objecções a essa opção (Gremmen, 1999).

Os itens P16 (“Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe

prescrevo”), que apresenta uma média de 4,13 e um desvio-padrão de 0,747, e P17

(“Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais

baratos”), que apresenta uma média de 3,91e um desvio-padrão de 0,885, denotam uma

preocupação dos profissionais de saúde com os custos dos cuidados de saúde.

Nesse sentido merece destaque os problemas éticos que decorrem das preocupações

com as condições dos pacientes em adquirirem os fármacos prescritos, devendo ser

promovida uma reflexão com os pacientes sobre a medicalização da saúde e a relação

entre eficácia e preço dos medicamentos. Este tipo de reflexão vai para além das

habituais informações de cunho biomédico, avança para uma troca de valores e

concepções, o que denota capacitação e responsabilização do paciente favorecendo o

seu empoderamento e cidadania, em consonância com os pilares dos CSP.

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DISCUSSÃO

251

Um estudo realizado na Escócia com uma amostra representativa da diversidade da

população utente dos serviços de saúde daquele país aponta a prescrição de

medicamentos genéricos, mais baratos, como uma área especialmente problemática,

pois a falta de informação dos pacientes gera a falta de confiança na eficácia destes

produtos (Hill, 1988).

Sem esquecer as diferenças de cada país, tanto em relação ao sistema de saúde como

no que diz respeito às condições sócio-económicas da população, é de assinalar que

alguns estudos norte-americanos apontam a insuficiência de recursos financeiros dos

pacientes entre as questões éticas mais frequentes nos cuidados de saúde primários

(Aroskar, 1989; Robbilard, 1989; Viens, 1994; Connelly, 1998). Num destes estudos, o

realizado por Helen Robillard e colaboradores (1989), a limitação financeira dos pacientes

enquanto factor de não adesão ao tratamento é mencionada como problema ético por

70,8% dos 391 médicos e 78,3% dos 311 restantes profissionais.

Num estudo efectuado por Guilhermina Rego e colaboradores demonstrou-se claramente

que a implementação concreta do princípio da justiça, enquanto pilar estrutural de uma

nova ética médica, implica que a racionalidade na utilização de medicamentos seja

considerada uma prioridade ética na saúde (Rego(a), 2002). Em termos práticos estes

autores sublinham o imperativo ético da necessidade de ponderar os custos da prestação

de cuidados como um factor decisivo no processo de tomada de decisão.

O item P18 (“Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde

que trabalham neste centro de saúde”), que apresenta uma média de 3,58 e um desvio-

padrão de 1,260, e é o início da sub-escala – dimensão B (“Problemas éticos nas

relações inter-profissionais e inter-pares”), e o item P19 (“No meu local de trabalho existe

delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde”), que apresenta

uma média de 3,62 e um desvio-padrão de 1,076, referem-se ao trabalho de equipa de

saúde, e procuram avaliar o que foi encontrado em diversos estudos empíricos realizados

com enfermeiros e médicos de diferentes países, tanto em hospitais como nos cuidados

de saúde primários (CSP), nos quais os profissionais de saúde apontam os seus colegas

ou os membros da outra categoria profissional como fontes de problemas éticos, muitas

vezes mais importantes que os pacientes e/ou as famílias (Pellegrino, 1985; Prescott,

1985; Udén, 1992; Wagner, 1996; van der Arend, 1999; Ducati, 2001).

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

252

Assim, no estudo de Israel, já mencionado, entre os problemas éticos mais

frequentemente assinalados pelos enfermeiros que trabalham em CSP figura a denúncia

de actos de incompetência médica ou de enfermagem (57,3%) (Wagner, 1996).

Também o estudo realizado com enfermeiros holandeses, já mencionado, permite

perceber a ocorrência de pontos semelhantes com os atrás referidos. Nesse estudo,

figuram entre os problemas mais frequentes nos CSP: o desacordo com as acções

prescritas (45,9%); e o manter-se em silêncio sobre erros cometidos (37,8%) (van der

Arend, 1999).

Merece um comentário o facto de que tanto no estudo citado no parágrafo anterior (van

der Arend, 1999) como no realizado em Israel (Wagner, 1996) os problemas éticos

apontados pelos enfermeiros que trabalham nos CSP também são assinalados como

situações que ocorrem a nível hospitalar, às vezes até em maior proporção. Por exemplo,

no estudo holandês o manter-se em silêncio sobre erros cometidos é citado por 37,8%

dos enfermeiros que estão nos CSP e por 51,8% dos que trabalham na área hospitalar.

Giggi Udén e colaboradores (1992) ao pedirem a médicos e enfermeiros, dos

departamentos de Medicina Interna e Oncologia do Hospital Universitário de Tromsö

(Noruega), que narrassem situações de cuidados que fossem eticamente problemáticas e

que tivessem ocorrido na enfermaria, percebem que, especialmente nas histórias dos

enfermeiros há menções a desacordo entre as duas profissões. Os médicos são

frequentemente apontados como fonte de conflitos éticos pelos enfermeiros; por outro

lado, estes raramente são mencionados nas narrativas dos primeiros. Este estudo não é

o único a sugerir esta questão, também os estudos de Gregory Gramelspacher e

colaboradores (1986) e de Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001) têm dados

semelhantes.

Os problemas e conflitos nas relações entre os profissionais de saúde não são algo

inesperado, especialmente se for considerado que a equipa de saúde, como afirmam

Sílvia Matumoto e colaboradoras (2001), configura uma rede de relações tecida no

quotidiano, entre agentes que transportam saberes diferenciados e desenvolvem práticas

distintas, sendo necessária uma certa disponibilidade para que reconheçam e respeitem

as suas diferenças.

Neste sentido, Patricia Prescott e colaboradores (1985) chegam a afirmar que o

desacordo não é de todo indesejável. Antes, pelo contrário, defendem que este pode ter

Page 263: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

253

um papel importante nos cuidados de saúde, uma vez que médicos e enfermeiros têm

perspectivas diferentes quanto a muitos problemas dos pacientes.

Entretanto, para que esta afirmação seja verdadeira é necessário estar muito atento, pois

os conflitos tanto podem desempenhar esse papel protector do paciente, por levar à

percepção dos diferentes aspectos dos seus problemas e necessidades, como podem

ser prejudiciais, comprometendo a qualidade dos cuidados de saúde. O próprio estudo de

Patricia Prescott e colaboradores (1985), realizado com mais de 1000 enfermeiros e

cerca de 700 médicos de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas dos EUA,

indica que a demora no cuidado ao paciente e os problemas recorrentes de disputas não

resolvidas são um subproduto desse desacordo entre os profissionais.

No estudo realizado com enfermeiros de serviços de diálise, todos os entrevistados

descrevem conflitos na relação com a equipa médica, por situações nas quais percebem

que esta não aceita a sua competência profissional como válida ou como uma

contribuição valiosa para as decisões do tratamento. Mencionam ainda problemas

relativos a pedidos para execução de trabalhos para os quais não têm competência legal

(Wellard, 1992).

É oportuno referir que os resultados do estudo de Patricia Prescott e colaboradores

(1985) mostram que, em geral, as descrições que enfatizam a competência dizem

respeito aos enfermeiros e não aos médicos. Os primeiros assumem a competência dos

últimos, a menos que se prove o contrário. Em contraste, a preocupação dos médicos

pela competência dos enfermeiros é básica na discussão dos relacionamentos e

desacordos, sugerindo que esta não é um pressuposto. Pelo contrário, é justamente o

oposto que aparece em que o conhecimento e o julgamento dos enfermeiros é assumido

como suspeito até que pela experiência se demonstre o contrário.

No estudo de Giggi Udén e colaboradores (1992), feito com médicos e enfermeiros do

Hospital Universitário de Tromsö (Noruega), os médicos referem nas suas narrativas que

os enfermeiros querem participar das decisões sobre os cuidados, mas não estão

preparados para assumir essa responsabilidade e dão importância a aspectos que, para

eles, são menos relevantes, como a qualidade de vida. Consideram ainda que os

enfermeiros não têm vontade de aprofundar os assuntos, por exemplo, procurando ir à

biblioteca ou lendo artigos.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

254

No estudo norte-americano, os enfermeiros apontam a falta de respeito dos médicos para

com eles, enfatizando a sua falta de confiança. Do seu ponto de vista, uma relação é boa

quando o médico acredita no julgamento do enfermeiro e confia que este o chamará

quando necessário. É importante para os enfermeiros sentirem-se tratados com respeito,

como pessoas inteligentes e saberem que contarão com o apoio do médico na frente do

paciente. Já para os médicos tem importância a maneira como o enfermeiro os aborda e

a sua competência clínica, apontando que é comum a falta de diplomacia ou de tacto, de

bom julgamento clínico e de ajuda. Para os médicos, as características positivas incluem

a forma do enfermeiro comunicar com eles, a sua disposição para ajudar e a sua

competência. Uma aproximação não exigente por parte do enfermeiro assim como uma

aproximação inconveniente por parte do médico são comummente mencionadas

(Prescott, 1985).

Outro dado importante do estudo de Patricia Prescott e colaboradores (1985) é que a

maioria dos médicos (65%) e dos enfermeiros (53%) assumem uma atitude competitiva,

isto é, ambos querem fazer valer os seus direitos e não se mostram cooperativos na

forma de resolver os seus conflitos.

Quanto às dificuldades para delimitar as especificidades e responsabilidades de cada

profissional de saúde, problema que, provavelmente, subjaz aos conflitos entre médicos e

enfermeiros, torna-se necessário que estes definam as atribuições e responsabilidades

mutuamente, discutindo as questões de qualificação e competência de maneira conjunta

e não cada profissão em separado (Makadon, 1985). E isto sem esquecer que a

centralidade dos cuidados de saúde reside na atenção às necessidades do paciente e/ou

das famílias.

O item P20 (“No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e

sua família entre os diversos profissionais da equipa de saúde”) apresenta uma média de

3,70 e um desvio-padrão de 0,952.

Partilhar informações no âmbito da equipa de saúde é fundamental para um trabalho de

qualidade nos cuidados ao paciente e sua família. Entretanto, será que todos os

profissionais têm que ter acesso a tudo? A conduta mais prudente parece ser a proposta

por Debra Humphris (2007) que recorda que o trabalho multiprofissional não significa que

todos os membros da equipa necessitem e devam ter acesso a todas as informações de

um paciente. Desta maneira, apesar de a troca de informações entre a equipa ser

necessária, esta deve ser limitada às informações que cada profissional necessita para

Page 265: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

255

realizar as suas actividades em benefício do paciente e/ou família. Neste sentido, é

conveniente lembrar que esta limitação relacionada com a prestação de cuidados é

percebida e requerida pelos pacientes, como já foi discutido no item P9.

O item P21 (“No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais

de saúde face a indicações clínicas imprecisas”) apresenta uma média de 3,05 e um

desvio-padrão de 1,027.

Discutindo a ética clínica, Albert Jonsen e colaboradores (1999) alertam que, muitas

vezes, a análise de um problema ético deveria começar com a resposta à pergunta

“Quais são as indicações médicas para o tratamento?” Isto porque boa parte dos

problemas éticos pode ser evitada quando as decisões terapêuticas se baseiam em

indicações clínicas claras. Entretanto, a incerteza sobre a matéria clínica do caso é um

factor para emergência de conflitos éticos que podem ser rapidamente resolvidos ou, por

vezes, tornarem-se grandes obstáculos aos cuidados de saúde.

O estudo de Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), em Israel, também aponta a imprecisão

nas indicações clínicas como situações potencialmente geradoras de problemas éticos

para os enfermeiros, tanto nos cuidados de saúde primários como nos hospitais. O

administrar tratamentos entendidos como errados ou inadequados é citado como

problema ético por 52% dos enfermeiros da área dos CSP e 67,9% dos que trabalham no

contexto hospitalar e o administrar tratamentos de valor duvidoso é mencionado por

49,8% e 58,7% dos entrevistados, respectivamente. A discordância sobre as indicações

clínicas entre profissionais também aparece como um problema ético em estudos

realizadas com médicos de diferentes especialidades nos EUA e com enfermeiros de

diferentes tipos de serviços de saúde na Holanda (Pellegrino, 1985; van der Arend,

1999).

Em relação à omissão dos profissionais de saúde frente à indicação clínica imprecisa,

parece oportuno mencionar que outros estudos registam a denúncia da prática

incompetente como um problema ético para os profissionais de saúde. Por exemplo, no

estudo de Susan Duncan (1992), os enfermeiros de serviços comunitários de áreas

urbanas e rurais de British Columbia (Canadá) afirmam serem decisões difíceis as que

envolvem o conflito entre a sua relação com os colegas e o seu dever ético de tomar uma

atitude frente à prática profissional insegura ou inadequada.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

256

Da mesma forma, enfermeiros que trabalham em saúde pública, no estado de Minnesota

(EUA), ao descreverem questões sobre contar a verdade como um problema ético

significativo das suas práticas, exemplificam-no com situações que abrangem o

denunciar a qualidade discutível dos cuidados prestados por alguns colegas e/ou

médicos quando o bem estar do paciente está em jogo (Aroskar, 1989).

Comparando os cenários intra e extra-hospitalar, em Israel, Nurit Wagner e Ilana Ronen

(1996) afirmam que denunciar ou não a incompetência de um enfermeiro ou médico é um

problema muito mais comum para os enfermeiros da área hospitalar, embora também

seja importante para os que trabalham nos cuidados de saúde primários.

Uma das prováveis justificações para esse conflito pode estar no conflito entre o dever de

proteger o paciente contra actos potencialmente lesivos e o temor de comprometer as

relações da equipa. Quanto a este último aspecto, cabe lembrar que não é raro entre os

profissionais de saúde, de modo especial na enfermagem, o entendimento de que por

uma “questão de ética” não se deve criticar os colegas e outros membros da equipa

(Veiga, 2006).

Isto é demonstrado pelos resultados do estudo de Sally Wellard (1992), na Austrália, que

referem as preocupações manifestadas pelos enfermeiros de diálise em comprometerem

a confiança entre o paciente e o médico, no caso de criticarem as opiniões e as opções

de tratamento, chegando mesmo a desculparem-se por tecerem críticas aos seus pares.

Para atenuar este tipo de dilema alguns autores sugerem uma “nova filosofia da

medicina” de modo a ser possível diminuir consideravelmente a margem de erro na

prática clínica. Segundo Rui Nunes esta “nova filosofia da medicina” inclui, mas não se

esgota, na Medicina Baseada na Evidência (Nunes(c), 2003). Para este autor “A medicina

baseada na evidência (MBE) pode definir-se como o uso consciente e judicioso da

melhor evidência existente na tomada de decisão relativa aos cuidados de saúde de um

doente individual. Este conceito de MBE deve ser encarado como um instrumento de

grande utilidade para médicos e pacientes. Esta definição insere-se numa nova dinâmica

da relação médico-paciente, isto é na procura incessante do melhor interesse do paciente

e da sua qualidade de vida, inscrevendo-se numa perspectiva moderna do exercício da

medicina na qual a ciência exerce um papel fundamental. (…) A MBE – como uma

ferramenta de enorme importância para médicos e pacientes – deve ser enquadrada na

perspectiva tradicional da prática médica, nomeadamente na relação singular entre

médico e paciente e no compromisso em obter o melhor resultado clínico possível. De

Page 267: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

257

facto, na maioria dos países desenvolvidos, a integração da melhor evidência científica

com a experiência clínica e os valores do paciente é o novo paradigma da ética médica

contemporânea. Neste contexto, pode tratar-se mesmo de uma nova perspectiva da

prática médica – mesmo de uma nova filosofia da medicina – não tendo a medicina como

uma arte que ser oposta à objectividade de tratamentos efectivos avaliados por ensaios

clínicos aleatorizados, estudos seccionais cruzados, estudos de coorte prospectivos ou

por meta-análises estatísticas. Isto é a componente científica da medicina – através de

uma avaliação objectiva de todas as facetas da prática clínica – deve ser decisiva na

determinação do melhor interesse do paciente. Em termos éticos os conceitos de

beneficência e de MBE tendem a convergir progressivamente.” (Nunes(d), 2009).

O item P22 (“No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte

dos profissionais de saúde”) com uma média de 3,85 e um desvio-padrão de 1,035 foi o

10º mais bem pontuado da escala e o mais bem pontuado da dimensão B. O que está de

acordo com o valor já atribuído ao item P11 sobre a preservação do segredo profissional.

O item P23 (“No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde

para o relato de casos em evento ou publicação científica”), apresenta uma média de

3,32 e um desvio-padrão de 1,052, e é menos pontuado que o item P12 (“Solicito o

consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou

publicação científica”), realçando que esta atitude está menos presente que a do pedido

de autorização ao paciente. No entanto, como referido no comentário feito aquando da

discussão do item P12, a prática ética de solicitar o consentimento da equipa de saúde

para relatar o caso em evento ou publicação científica deve ser implementada nos CSP.

Os itens P24 (“No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos

profissionais de saúde”), com uma média de 3,67 e um desvio-padrão de 1,012, e P25

(“No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de

saúde”), com uma média de 3,53 e um desvio-padrão de 1,145, referem-se ao trabalho

em equipa.

De acordo com Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), os enfermeiros que trabalham nos

CSP, em comparação com os que trabalham na área hospitalar, mencionam mais

frequentemente as situações que envolvem questões de confidencialidade, cobertura dos

serviços de saúde e greves como potenciais geradoras de problemas éticos.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

258

Ainda, no estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989), é mencionada a falta de

preparação e actualização dos profissionais de saúde, entre os problemas éticos mais

frequentemente apontados pelos profissionais de saúde, que trabalham em serviços de

cuidados de saúde primários no Kentuchy (EUA).

No estudo de Giggi Udén e colaboradores (1992) o enfermeiro concebe-se como um “ser

junto com os colegas”, procurando o apoio do grupo quando tenta resolver conflitos

éticos, em contraste com o médico que se concebe como um “ser isolado, como um

indivíduo”. Neste sentido, Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996) assinalam que os

enfermeiros da área hospitalar se aconselham com os colegas quando estão frente a um

problema ético, enquanto para os que trabalham nos CSP não fica claro esse padrão.

Oddi e colaboradores (1995) defendem que estas situações representam uma pesada

carga para que o enfermeiro lide com ela sozinho.

Desta forma, tornam-se pertinentes as ponderações de Helen Robillard e colaboradores

(1989) que enfatizam a necessidade de se considerar as noções de cada uma das várias

disciplinas no reconhecimento e na resolução dos problemas éticos e de Kathleen Oberle

e Dorothy Hughes (2001) que defendem um maior diálogo dentro e entre a medicina e a

enfermagem sobre os aspectos éticos dos cuidados de saúde e das decisões clínicas.

O item P26 (“Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos

consultórios e gabinetes neste centro de saúde”) apresenta uma média de 3,35 e um

desvio-padrão de 1,280, e é o início da sub-escala – dimensão C (“Problemas éticos na

gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”).

Os problemas pontuados pelos médicos e enfermeiros nesta sub-escala relacionam-se

directamente com a ética da gestão de serviços de saúde. Não é de surpreender incluir-

se esta sub-escala, já que, pela sua própria finalidade, nas instituições de saúde, é muito

difícil separar a ética dos cuidados de saúde da ética da gestão de serviços de saúde.

Assim, parece claro que a fraca pontuação, a média das respostas da dimensão C foi de

3,14, a mais baixa das 3 dimensões da escala, reflecte que a organização do sistema, e

dos centros de saúde pode apresentar-se como um factor gerador de problemas éticos,

acabando também por determinar a forma de sua percepção, análise e solução. Albert

Jonsen e colaboradores (1999) alertam que o contexto da prestação dos cuidados de

saúde tem vindo a assumir uma proeminência nunca antes atingida e que,

ocasionalmente, os aspectos contextuais parecerão mais importantes e, algumas vezes

serão decisivos.

Page 269: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

259

Este item (P26) relaciona-se, com o valor já atribuído aos itens P11 e P22 sobre a

preservação do segredo profissional e, com o item P27 (“Existem os meios necessários

neste centro de saúde para a realização de domicílios”), que apresenta uma média de

3,29 e um desvio-padrão de 1,266, sendo oportuno referir que, segundo afirmam

Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001), é necessário que os gestores de saúde

reconheçam os problemas éticos enfrentados pelos médicos e enfermeiros na sua

actividade diária e considerem que as decisões éticas são modeladas pelas condições do

local de trabalho.

Também nesta matéria se faz sentir a preponderância da ética principialista, ao salientar

a importância de considerações de justiça distributiva na organização dos serviços de

saúde (Rego, 2001). De toda a evidência os modernos sistemas de saúde, incluindo o

norte-americano (Mentzel, 2009) – que por diversas razões não se pautava pelo princípio

da equidade no acesso a cuidados de saúde –, valorizam cada vez mais não apenas a

qualidade assistencial mas também a correcção das iniquidades existentes, tradutoras da

desigualdade existente no seio da sociedade.

O item P28 (“Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados

neste centro de saúde”) apresenta uma média de 3,49 e um desvio-padrão de 1,246.

Já no estudo de Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), em Israel, quando questionados em

que extensão os esforços para lidar com problemas éticos são institucionalizados, mais

da metade dos enfermeiros, tanto nos hospitais como nos CSP, relatam que podem

discutir as questões éticas em reuniões multidisciplinares e na formação, enquanto outros

fóruns, como as comissões de ética, estão menos disponíveis.

Pelo seu lado Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001) recomendam que sejam

implementadas estratégias para apoiar o processo de tomada de decisão ética, e que

sejam criadas oportunidades para os profissionais de saúde envolvidos na prestação dos

cuidados de saúde se ajustarem através da discussão de temas éticos, devendo isto ser

um objectivo para os gestores que desejem fomentar um ambiente de trabalho

colaborante e ético.

A gestão da organização, quando guiada pela justiça, procura agir de forma correcta, e

propicia momentos e espaços para a reflexão ética, os quais, por sua vez, dependem das

situações de comunicação existentes na organização. Para que a organização concretize

as suas possibilidades de reflexão ética, torna-se necessário desenvolver as suas

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

260

capacidades de comunicação interna, pois somente assim se potencializa a capacidade

dos profissionais para avaliarem as acções desenvolvidas, as suas alternativas,

justificarem a escolha realizada com considerações válidas e, em última instância, é esta

capacidade de prestar contas que configura a responsabilidade e a “accountability”

(Nunes(b), 2002). Equipas que comunicam fundamentalmente por ofícios, circulares,

normas, comunicados ou em reuniões com normas e rituais, nas quais as discussões

directas, francas e abertas, em torno de questões difíceis são raras e dificultadas, terão

mais dificuldade em lidar com os problemas éticos do quotidiano.

O item P29 (“Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na

resolução dos problemas com os profissionais de saúde”) apresenta uma média de 3,45

e um desvio-padrão de 1,271.

Em relação à falta de transparência da direcção do centro de saúde (CS) na resolução

dos problemas com os profissionais, pode-se afirmar que um dos maiores desafios

éticos, com que se defrontam os que estão em função dirigente, é pautar a gestão dos

conflitos pela essência dos problemas, e não pela personalidade dos envolvidos ou pelos

interesses pessoais afectados. Tornam assim claro para os membros da organização que

a resolução das situações de conflito leva em consideração o mérito, não sendo aceites

ataques, privilégios pessoais, ou práticas, como o uso de influências, o favoritismo e a

camuflagem de factos por cobardia, temor, adulação ou servilismo. Neste sentido, deve-

se assinalar que o poder da e na organização requer os limites da ética e da justiça, a fim

de não causar danos ou abusos nos direitos dos profissionais (Brandão, 2004).

O item P30 (“Não existe excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de

saúde neste centro de saúde”), que apresenta uma média de 2,75 e um desvio-padrão de

1,161, é o primeiro dos 3 itens da escala com média inferior a 3,00. Este dado representa

o assumir que, em alguns CS da região Centro existem ficheiros com um número de

utentes excessivo, por vezes superior a 2.000 utentes. Isto acontece porque em alguns

locais as direcções negociaram com os profissionais o aceitar desse número para assim

garantirem que no CS não há doentes sem médico de família.

O mesmo transparece no item P31 (“Existe uma organização deste centro de saúde que

garante o acesso de todos os utentes aos seus serviços”), com uma média de 3,84 e um

desvio-padrão de 1,138, foi o 11º mais bem pontuado da escala e o mais bem pontuado

da dimensão C, reflecte a opinião dos profissionais de saúde de que os CS da região

Centro garantem a acessibilidade a todos os seus utentes.

Page 271: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

261

Os itens P32 (“Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico

necessários aos utentes deste centro de saúde”), que apresenta uma média de 3,37 e um

desvio-padrão de 1,124, e P33 (“Existe fiabilidade nos resultados dos meios

complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes deste centro de saúde”), que

apresenta uma média de 3,63 e um desvio-padrão de 0,868, reflectem a acessibilidade a

exames auxiliares de diagnóstico a nível dos CS da região Centro.

No estudo canadiano (Oberle e Hughes, 2001), com médicos e enfermeiros, a

disponibilidade de recursos surgiu como uma preocupação ética nos dois grupos de

profissionais, embora por razões diferentes. Para os médicos ter a função de ‘gatekeeper’

e a responsabilidade de gerir os recursos, decidindo sobre a solicitação, ou não, de

meios complementares de diagnóstico e outros recursos causa uma considerável

angústia. Já as preocupações dos enfermeiros eram mais dirigidas para a incapacidade

de prover cuidados de boa qualidade devido aos cortes financeiros e de pessoal.

Os itens P34 (“A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de

referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às

solicitações deste centro de saúde”), com uma média de 2,18 e um desvio-padrão de

0,925, e P35 (“Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos

utentes deste centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde

secundários)”), com uma média de 2,05 e um desvio-padrão de 0,956, são os menos

bem pontuados no questionário. Este facto demonstra o problema ético que consiste na

falha de articulação do Serviço Nacional de Saúde particularmente sentida na região

Centro.

Um estudo realizado pelo investigador, em 2002, com 152 pacientes, do CS de Góis, a

quem tinha sido pedida uma consulta externa hospitalar em 2000, revelou graves

problemas de acessibilidade aos cuidados de saúde secundários, com uma demora

média de consultas externas de referenciação de 247,1 dias. A informação de retorno

recebida pelo médico de família, após a ida do seu utente a consulta externa hospitalar,

foi de 36,4%. Num segundo estudo, com 135 médicos de consulta externa hospitalar e 9

médicos de família, que procurou avaliar a adequação e satisfação com a troca de

informação entre os dois níveis de cuidados de saúde, mostrou que os médicos dos CS

consideraram mais adequada a informação que receberam das várias consultas externas

hospitalares (55,5% das respostas consideraram-na muito ou medianamente adequada),

do que os médicos das consultas externas hospitalares consideraram a informação que

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

262

receberam dos CS da sub-região de saúde (SRS) de Coimbra (52,6% consideraram-na

pouco ou nada adequada). Relativamente à satisfação com a informação que recebem,

os médicos dos CS mostraram-se mais satisfeitos (61,5% das respostas) do que os

médicos das consultas externas hospitalares (13,3%). A principal causa de insatisfação

referida pelos médicos das consultas externas hospitalares foi a de considerarem a

informação que recebem dos CS escassa (60,7%). Enquanto que a principal causa de

insatisfação dos médicos dos CS sobre este assunto foi a falta de informação (45,6% das

respostas) (Simões, 2003).

Mas também, o estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989), já mencionado,

realizado com diversos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas,

assistentes médicos) que trabalham em serviços de cuidados de saúde primários (CSP)

no Kentuchy (EUA), colocava entre os problemas éticos mais frequentemente apontados

as dificuldades com os serviços e procedimentos de referência.

Igualmente o estudo realizado com enfermeiros holandeses para identificar as questões

que estes vivenciam como problemas éticos nos diferentes tipos de instituições de saúde

permite perceber a ocorrência de falhas semelhantes às atrás referidas. Neste estudo,

figura entre os problemas mais frequentes nos CSP (93,3%) a demora na

referência/transferência do paciente para outros níveis de cuidados (van der Arend,

1999).

RESPOSTAS DO ESTUDO QUALITATIVO

Em 107 dos 370 questionários recebidos verificou-se que os inquiridos tinham respondido

a todas, ou a algumas, das perguntas abertas da terceira parte e que foram a base da

análise qualitativa que já foi descrita nos capítulos anteriores.

Esta segunda amostra é assim constituída por 107 indivíduos, sendo 78 do sexo feminino

(72,9%) e 29 do sexo masculino (27,1%), dos quais 56 são médicos (52,3%) e 51

enfermeiros (47,7%). As suas características sócio-profissionais foram apresentadas no

quadro XXVII (p. 210).

Como já foi descrito, as respostas escritas nos questionários foram lidas e para cada uma

das três perguntas de cada um dos casos, a presença dos “índices”, referidos no quadro

XIV (p. 190), levou ao agrupamento em cinco categorias: “ética principialista”, “ética das

Page 273: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

263

virtudes”, “ética do cuidado”, “ética casuística” e “ética profissional” (anexo 8). numa

segunda fase as categorias atribuídas às respostas dadas a cada um dos casos foram

reagrupadas numa das cinco categorias em análise, isto se da maioria das 3 respostas

dadas se inferisse que prevalecia uma das categorias, caso contrário, era agrupada na

categoria “mista”, que se refere à utilização de várias categorias, não prevalecendo

nenhuma.

Pela leitura do quadro XXVIII (p.211), verifica-se que para o caso I, que reflecte um

problema de relacionamento profissional de saúde/paciente, 40,2% das respostas foram

consideradas na categoria “ética principialista”, 23,4% na da “ética do cuidado”, e 11,2%

na da “ética das virtudes”. Já para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento

inter-profissionais, verifica-se que 44,9% das respostas foram consideradas na categoria

“ética profissional”, 18,7% na da “ética do cuidado” e 14% foram respostas “mista” em

que não prevaleceu nas 3 questões nenhuma das categorias consideradas. por fim, para

o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de saúde, verifica-

se que 31,8% das respostas foram consideradas na categoria “ética principialista”, 28%

na da “ética profissional” e 14% na da “ética casuística”.

Somando o total de respostas pelas categorias dos casos, conclui-se que 87 respostas

desenvolvem os problemas éticos pela categoria “ética principialista”, 85 respostas pela

categoria “ética profissional”, 48 respostas pela categoria “ética do cuidado”, 23 respostas

pela categoria “ética casuística” e 21 respostas pela categoria “ética das virtudes”.

Para o caso I, em que se apresenta um problema ético muito comum e próprio dos

cuidados de saúde primários (CSP), um paciente que perturba a rotina do serviço, pode-

se observar que a maioria das respostas foram atribuídas à categoria “ética principialista”

seguida pela “ética do cuidado” (quadro XXVIII, p. 211); quer pelos homens quer pelas

mulheres (quadro XXVIX, p. 212); quer pelos médicos quer pelos enfermeiros (quadro

XXX, p. 213); quer nos diferentes grupos etários (quadro XXXII, p. 216); e apenas na

área de trabalho é que surgiram diferenças (quadro XXXI, p. 214). Nas áreas urbana e

semi-urbana ainda se manteve o quadro geral anteriormente referido e só a nível da área

rural é que as categorias maioritárias foram a “ética do cuidado” e a “ética das virtudes”

com a mesma percentagem de respostas.

É curioso notar que haja menos enfermeiros que médicos na categoria “ética das

virtudes” (quadro XXX, p. 213), uma vez que o modelo da “enfermeira virtuosa” é um dos

que marca a construção histórico-social da enfermagem. Isto talvez possa ser motivado

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

264

pelo facto dos enfermeiros, nos últimos tempos, virem a desenvolver um processo de

avaliação da sua independência como profissionais de saúde e de revisão colectiva e

crítica da natureza dos seus papéis, actividades e responsabilidades profissionais, como

explica João Veiga (2006).

Ainda nas respostas principialistas do caso I, é possível identificar uma posição, em certa

medida, autoritária de alguns médicos e enfermeiros, quando estes profissionais apontam

os seguintes problemas éticos nas relações com o paciente: “como informar o utente para

conseguir a sua adesão ao tratamento”; “solicitação de procedimentos pelo utente” e

“recusa do utente às indicações médicas”. Isto remete para os comentários de Tom

Beauchamp e James Childress (2001) relativos aos problemas encontrados no contexto

dos cuidados de saúde para se efectivar o respeito pela autonomia dos pacientes nos

serviços de saúde, devido à sua condição dependente e à atitude autoritária dos

profissionais de saúde.

Nos CSP, não são raras as práticas perpetuadoras da dependência do paciente, em vez

de se procurar a promoção da sua autonomia e cidadania. Isso é percorrer o caminho da

beneficência paternalista com os seus traços de superprotecção e, em certa medida, de

autoritarismo que descrevem as atitudes do tipo “eu sei o que é melhor para si”. Na

enfermagem, esta atitude reveste-se de uma nuance particular, pois o processo do

trabalho da enfermagem é marcado pela uso de protocolos e por rotinas de cuidados e

procedimentos que, supostamente, respondem às necessidades de quase todos os

pacientes, isto na maioria das vezes. É bastante comum os enfermeiros encaixarem os

cuidados dispensados a uma pessoa ou a um grupo numa rotina pré-estabelecida, não

importando se ela é, ou não, congruente com as condições de quem procura ou precisa

dos seus cuidados. Parece que se instala o “paternalismo burocrático”, no qual as

normas, os procedimentos e as rotinas determinam o que deve ser feito, não importando

o que é melhor ou mais indicado, ou ainda, o que o paciente autonomamente solicita. Os

pacientes são, então, rotulados de “colaboradores” e “não colaboradores”, sendo que os

primeiros, geralmente recebem os cuidados sem os questionar, ao passo que os

segundos, de uma forma ou outra fazem-no (Thompson, 2004).

Tom Beauchamp e James Childress (2001) afirmam que nas instituições onde as

pessoas são admitidas contra a sua vontade, como as prisões, as violações ao princípio

do respeito pela autonomia são explícitas; mas contudo naquelas onde a admissão é

voluntária, este comprometimento das escolhas autónomas pelas regras, políticas e

Page 275: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

DISCUSSÃO

265

práticas da instituição, frequentemente, é subtil. Como exemplo citam os lares para

idosos, considerando que a liberdade dos residentes nestas instituições, para viverem de

acordo com as suas preferências e planos de vida, deve ser balanceada com a protecção

da sua saúde, a protecção dos interesses dos demais internados, a promoção da

segurança e eficiência da instituição e a alocação dos recursos escassos. Neste

contexto, segundo os autores, muitos contestam o respeito pela autonomia, afirmando

que este configura uma exigência demasiado elevada para estas organizações e

propõem, em lugar do consentimento informado, o “consentimento negociado” que regula

os deveres mútuos em vez dos direitos individuais. Esta alternativa é considerada pelos

autores como arriscada sem o estabelecimento de protecções claras à vulnerabilidade

dos residentes (Beauchamp, 2001).

Guardadas as devidas proporções, parece possível traçar um paralelo destas

considerações com os cuidados de saúde prestados nos centros de saúde (CS),

especialmente porque o contacto dos profissionais com o paciente, a exemplo do que

ocorre nos lares, perdura por um longo período e o modelo de consentimento praticado

por médicos e enfermeiros aproxima-se desta negociação em relação às normas e

rotinas. Cabe aqui um alerta para a vulnerabilidade, pois também se observa nalgumas

respostas, que o paciente é visto pelos profissionais de saúde como alguém que não

conta com os outros quando recorre ao CS, o que lhe imprime alguma vulnerabilidade,

quando deveria ser alvo de protecção, com vista a promover a sua autonomia e

cidadania.

É claro que não se advoga com isto que os profissionais de saúde desprezem as rotinas

que tão bem se prestam a organizar os serviços, melhorando o seu fluxo e o processo do

trabalho. O absurdo está na sua conversão em normas rígidas que ordenam as condutas.

Isto talvez possa ser evitado se houver uma ponderação dos princípios da não

maleficência e da beneficência pelos médicos e enfermeiros, embora no momento de

prevenir os danos ou eliminar as condições que os possam provocar, o cumprimento de

normas continue a gozar de uma importância particular.

Para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento inter-profissionais, um

profissional de saúde dependente do álcool, pode-se observar que a maioria das

respostas foram atribuídas à categoria “ética profissional” seguida pela “ética do cuidado”

(quadro XXVIII, p. 211); quer pelos homens quer pelas mulheres (quadro XXIX, p. 212); e

quer pelos médicos quer pelos enfermeiros (quadro XXX, p. 213). Na área de trabalho

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

266

(quadro XXXI, p. 214) e nos diferentes grupos etários (quadro XXXII, p. 216) é que

surgiram pequenas diferenças, não em relação à primeira categoria que se manteve, a

“ética profissional”, mas em relação à segunda. Assim, nas áreas urbana e semi-urbana

ainda se manteve o quadro geral anteriormente referido, a nível da área rural é que a

segunda categoria foi a “ética principialista” embora o número de respostas tenha sido

muito pequeno. O mesmo aconteceu com o grupo de menos de 40 anos, em que a

segunda categoria foi igual.

Para a discussão dos resultados deste 2º caso, recorda-se que, segundo Carol Gilligan

(1993), os dilemas hipotéticos, graças à abstracção da sua apresentação, afastam os

actores morais da história e da psicologia das suas próprias vidas individuais e separam

o problema ético dos contextos sociais que envolvem a sua ocorrência. Ao fazerem isso,

segundo a autora, esses dilemas são úteis para verter e apurar os princípios objectivos

da justiça e mensurar a lógica formal da igualdade e reciprocidade. Entretanto, a

reconstrução do dilema na sua particularidade contextual permite a compreensão da

causa e da consequência o que implica a compaixão e a tolerância observadas, nos seus

estudos, e na distinção dos juízos morais das mulheres. Somente quando se dá

substância aos esqueletos da vida das pessoas hipotéticas é possível considerar a

injustiça social que os seus problemas morais podem reflectir e imaginar o sofrimento

individual que a sua ocorrência pode implicar, ou que a sua resolução pode significar

(Gilligan, 1993).

Isto talvez contribua para justificar a mistura das categorias “ética profissional”, “ética do

cuidado” e “ética principialista” que, de forma geral, norteia as resoluções recomendadas

para este caso.

Para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de saúde,

em que uma paciente sem médico de família, após percorrer o percurso do sistema de

saúde só consegue que o seu problema de saúde seja resolvido com uma “cunha”, pode-

se observar que a maioria das respostas foram atribuídas à categoria “ética principialista”

logo seguida pela “ética profissional” (quadro XXVIII, p. 211). No entanto, para este caso

surgiram diferenças em todos os grupos. Assim, os homens privilegiaram a “ética

profissional” seguida pela “ética principialista”, e ocorreu o inverso com as mulheres

(quadro XXIX, p. 212). Os médicos privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética

casuística”, enquanto os enfermeiros privilegiaram a “ética principialista” seguida pela

“ética profissional” (quadro XXX, p. 213). Os profissionais de saúde da área de trabalho

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DISCUSSÃO

267

urbana privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética principialista”, mas ocorreu

o inverso com os profissionais das áreas semi-urbana e rural (quadro XXXI, p. 214). Por

grupos etários, os profissionais com menos de 50 anos privilegiaram a “ética

principialista” seguida pela “ética profissional”, enquanto os profissionais com mais de 49

anos privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética casuística” (quadro XXXII, p.

216).

Susan Pierce (1997), com base em estudos empíricos, afirma que os profissionais de

saúde, ao discutirem os casos éticos reais, não revelam nenhum modelo de tomada de

decisão linear, do tipo passo a passo. Ao invés disso, evidenciam uma abordagem

multifacetada, não linear e integrada que se move dos dados e factos para as alternativas

e consequências; voltando para os dados, valores pessoais, visões de mundo, princípios

da bioética e, finalmente, uma escolha e a sua justificação.

As respostas aos questionários revelam, também, um aspecto importante do princípio da

justiça, como defendido por Tom Beauchamp e James Childress (2001), isto é a

distribuição dos bens e recursos de maneira justa, equitativa, apropriada e determinada

por normas justificadas. Se no que respeita à alocação “macro” são essenciais as

políticas públicas, já na alocação “micro” parece também ter peso, além ou em

consequência destas, as normas internas dos CS que, muitas vezes, são determinadas

pelos próprios profissionais unilateralmente.

A inclusão da categoria “ética casuística” neste último caso ocorreu por alguns dos

profissionais de saúde terem referido as suas experiências anteriores, assim como o

raciocínio por paradigma e analogia.

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CONCLUSÕES

269

6. CONCLUSÕES

No capítulo anterior discutiu-se os dados obtidos no presente trabalho que tomou

a forma de um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no âmbito

da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não normativo.

Com o presente estudo procurou-se dar resposta aos seguintes objectivos:

• Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações dos profissionais de saúde

com os pacientes e suas famílias;

• Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações inter-profissionais e inter-

pares;

• Analisar o quadro de atitudes éticas na gestão/organização do centro de

saúde/sistema de saúde.

• Analisar as relações existentes entre algumas características sócio-

demográficas dos profissionais de saúde e as suas atitudes éticas.

• Construir uma escala de avaliação das atitudes éticas dos profissionais de

saúde.

Considerando-se “mais firme” a obtenção de valores superiores na avaliação feita

através da aplicação da escala que se construiu, pode-se concluir, para os profissionais

de saúde da área geográfica de intervenção da Administração Regional de Saúde do

Centro que responderam ao questionário, que:

• As atitudes éticas dos profissionais de saúde de cuidados de saúde primários

parecem ser mais firmes na dimensão “Problemas éticos nas relações dos

profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias” do que nas

dimensões “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” e

“Problemas éticos na gestão / organização do centro de saúde / sistema de

saúde”;

• As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela

profissão (médico ou enfermeiro);

• As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo

género (masculino ou feminino);

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

270

• À medida que aumenta a idade e o número de anos de profissão tornam-se

mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde;

• As atitudes éticas dos profissionais de saúde parecem ser mais firmes nas

sub-regiões de saúde de Viseu e Aveiro;

• As atitudes éticas dos profissionais de saúde foram mais firmes para a

dimensão “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os

pacientes e suas famílias” nos que trabalham em área que consideram

urbana.

Os profissionais de saúde estudados utilizam, na tomada de decisão frente a

problemas éticos, atitudes principalmente justificadas pelas “Ética Principialista” e “Ética

Profissional”, embora também recorram a justificações da “Ética do Cuidado” e, em

menor número, da “Ética Casuística” e da “Ética das Virtudes”.

As atitudes dos profissionais de saúde perante os problemas éticos apontados

parecem confirmar a ideia de que, nos cuidados de saúde primários, os problemas éticos

são constituídos, de maneira geral, por preocupações do dia-a-dia dos cuidados de

saúde e não por situações críticas que requeiram soluções ponderadas, como as

enfrentadas no contexto hospitalar.

Também apontam para a responsabilidade ética dos gestores da saúde, uma vez

que muitos dos problemas éticos decorrem da estruturação dos serviços. Evidenciando,

assim, que a excelência ética e técnica da prática dos profissionais de saúde passam,

obrigatoriamente, pelas políticas públicas de saúde e pelas condições organizacionais

das instituições e do sistema de saúde.

As soluções propostas para os casos apresentados indicam que os médicos e

enfermeiros que responderam aos questionários, de uma maneira geral, têm a

preocupação de preservar os direitos individuais, mas procuram fazê-lo de uma forma

que proteja tanto os vínculos familiares quanto os da equipa com os pacientes, o que

pode ser considerado como uma mistura das abordagens principialista e do cuidado.

Nesta junção ainda tem lugar o raciocínio por analogia e paradigma na análise

dos problemas éticos, o que fica patente quando os inquiridos comparam os casos

apresentados com situações reais semelhantes, vivenciadas por eles próprios ou por

colegas. Entretanto, a utilização da casuística como um método na tomada de decisão

face a problemas éticos no contexto dos cuidados de saúde primários, enfrenta limitações

e requer a constituição de um reportório de casos que incorpore as diferentes

Page 281: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

CONCLUSÕES

271

circunstâncias e situações próprias desta esfera de cuidados de saúde e que possam

servir para paradigma e analogia.

O trabalho em saúde, a despeito da fragmentação e tecnicismo do seu processo

de produção, ainda é percebido por muitos profissionais como uma prática, no sentido

defendido por Alasdair MacIntyre. Como tal, admitem haver um bem interno que os

mobiliza e quando este não é atingido, o trabalho em saúde perde o seu sentido e fica

encoberto na sua dignidade, equiparando-se a uma outra ocupação qualquer. Abre-se,

desta maneira, um espaço para a ética das virtudes nas atitudes éticas destes

profissionais e das equipas de saúde em cuidados de saúde primários.

A capacidade para tomar decisões frente aos problemas éticos que emergem das

situações do dia-a-dia é essencial para a excelência profissional e dos cuidados de

saúde, pois para que estes cuidados mereçam o qualificativo de excelente devem aliar à

qualidade técnica a correcta tomada de decisão ética, por parte dos profissionais.

A abordagem ética inclui o exame de situações que envolvam problemas éticos

através da análise, ponderação, justificação, escolha e avaliação das razões

concorrentes numa dada circunstância, proporcionando oportunidade para discutir

valores e determinar a justificação moral para o decurso de acção escolhida. Na

abordagem ética do dia-a-dia, os profissionais de saúde misturam as explicações dos

princípios, regras, direitos, virtudes, analogias, paradigmas, narrativas, correlacionando o

mais geral (teorias, princípios, regras) com o mais particular (juízos de casos,

sentimentos, percepções, práticas, etc.). Esta mistura, além de indicar que uma única

perspectiva seria incapaz de abarcar a amplitude e diversidade da dimensão moral da

experiência humana, possibilita a convergência na solução de problemas éticos por uma

equipa, ainda que persistam diferenças teóricas entre os seus membros.

O facto dos problemas éticos nos cuidados de saúde primários não serem

caracterizados por situações dilemáticas merecedoras de destaque mediático, mas o

serem aspectos éticos que permeiam circunstâncias comuns da prática diária, não

significa que sejam de menor importância, mas sim que os cuidados de saúde primários,

quando comparados com os hospitalares, lidam com factos e valores distintos e, por

vezes, de maior amplitude e complexidade, ainda que de menor dramaticidade.

Estas particularidades dos problemas éticos vividos nos cuidados de saúde

primários podem resultar numa dificuldade em percebê-los. O que pode colocar em

causa a prestação de cuidados pelas equipas de saúde e resultar no rompimento da

relação ética estabelecida entre os profissionais e os pacientes, pois, embora os

problemas identificados neste contexto pareçam triviais, frente aos típicos do hospital, e

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

272

sejam subtis a ponto de passarem despercebidos, podem implicar, quando

inadequadamente solucionados, consequências negativas, por vezes desastrosas para

os pacientes, para as suas famílias, para as relações com a equipa de saúde e para a

comunidade local.

A actuação nos cuidados de saúde primários requer um redireccionamento não só

da prática clínica, mas também da análise ética, desfocando-a do hospitalocentrismo e da

alta especialização que marcam o sistema de saúde e a formação dos profissionais, que

tem levado a bioética a centrar-se nas situações limite, em detrimento das situações do

dia-a-dia.

A reorganização dos cuidados de saúde primários, atendendo à estratégia das

unidades de saúde familiares (USF), parece reforçar a necessidade da sensibilidade e

compromisso ético, uma vez que a sua efectivação não se deve resumir a uma nova

configuração da equipa tecnico-assistencial ou da unidade prestadora de saúde. Assim,

se a construção do serviço nacional de saúde configura um processo ético por exigir dos

envolvidos, como os políticos, gestores, profissionais e pacientes, mudanças de atitudes

e de cultura frente aos cuidados de saúde, as USF ampliam e aprofundam esse trajecto

ético.

As equipas de saúde das USF têm de exercer uma nova prática marcada pela

humanização, pelo cuidado, pelo exercício da cidadania e alicerçada na compreensão de

que as condições de vida definem o processo saúde/doença das famílias, exigindo às

equipas empenho para a sua transformação.

Deste modo, a abordagem dos problemas éticos que surgem nos cuidados de

saúde primários será incompleta se não incorporar a questão das desigualdades sociais

e das políticas públicas na sua discussão, análise e deliberação. Sendo necessário reler

as distintas propostas da bioética, dando-lhes uma configuração mais estruturante.

Este estudo norteou-se pelos objectivos de identificar e comparar o quadro de

atitudes éticas, a partir das respostas de médicos e enfermeiros que trabalham em

centros de saúde, e os fundamentos que utilizam na justificação para a tomada de

decisão perante os problemas éticos por eles vividos. Teve também a finalidade de

explorar a interface da bioética com os cuidados de saúde primários, com vista a

aproximar a bioética do dia-a-dia dos cuidados de saúde. Com base nos resultados

apresentados, é possível afirmar que os objectivos e a finalidade propostos foram

atingidos.

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CONCLUSÕES

273

No entanto, é de referir que, sendo este um primeiro estudo, ainda há muito para

se investigar neste campo, ficando abertas linhas de investigação a serem continuadas

por estudos posteriores.

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Universidade de Aveiro 2010

Secção Autónoma de Ciências da Saúde

JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

PARTE III

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324. TONG, Rosemarie. The ethics of care: a feminist virtue ethics of care for healthcare practioners. Journal of Medicine and Philosophy. 1998; 23(2): 131-152.

325. TRIVIÑOS, Augusto NS. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas; 1995.

326. UDÉN, Giggi. [et al.]. Ethical reasoning in nurses’ and physicians’ stories about care episodes. Journal of Advanced Nursing. 1992; 17(9): 1028-34.

327. UNGER, Jean-Pierre. [et al.]. Selective primary health care: a critical review of methods and results. Social Science and Medicine. 1986; 22(10): 1001-1013.

328. UNESCO - Universal Declaration on Bioethics and Human Rights. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation. International Bioethics Committee; 2005.

329. USATEGUI, José O. [et al.]. M. Sistema de saúde e cuidados de saúde primários. In: ZURRO, Armando M., PÉREZ Juan FC. (editor). Manual de cuidados primários. Organização e protocolos de actuação na consulta. Lisboa: Farmapress edições; 1991. p. 12-28.

330. VAN DER AREND, Arie J. [et al.]. Moral problems among dutch nurses: a survey. Nursing Ethics. 1999; 6(6): 468-82.

331. VAN WEEL, Chris. Teamwork. Lancet. 1994; 344(8934): 1276-1279.

332. VEIGA, João. Ética em enfermagem. Análise, problematização e (re)construção. Lisboa: Climepsi Editores; 2006.

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335. VINEY, C. A phenomenological study of ethical decision-making experiences among senior intensive care nurses and doctors concerning withdrawal of treatment. Nursing in Critical Care. 1996; 1(4): 182-187.

336. VUORI, Hannu. Primary health care in Europe - Problems and solutions. Community Medicine. 1984; 6: 221-231.

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Page 304: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

294

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341. WELLARD, Sally. The nature of dilemmas in dialysis nurse practice. Journal of Advanced Nursing. 1992; 17: 951-958.

342. WHO – World Health Organization. Primary health care. Report of the international conference on primary health care, Alma-Ata, USSR, 6-12 September 1978. (Health for All Series, No 1) Geneva; 1978.

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345. WHO – World Health Organization. Community health needs assessment: An introductory guide for the family health nurse in Europe. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe Publications; 2001.

346. WIKLER, Daniel. Presidential address: Bioethics and social responsibility. Bioethics. 1997; 11(3-4): 185-192.

347. WILSON, Glenn D. Atitudes. In: EYSENCK, Hans J., WILSON, Glenn D. Manual de psicologia humana. Coimbra: Almedina; 1986.

348. WONCA – World Organization of Family Doctors. O papel do médico de clínica geral/médico de família nos sistemas de saúde: Declaração da WONCA. Revista Portuguesa de Clínica Geral. 1991; 8: 242-247.

349. WONCA – World Organization of Family Doctors – EUROPA. A definição europeia de medicina geral e familiar. Versão Reduzida. Lisboa: ADSO; 2005.

350. WORLD BANK. World development report 1993. Investing in health. New York: Oxford University Press; 1993.

351. ZOBOLI, Elma L. Bioética e atenção básica: Um estudo de ética descritiva com enfermeiros e médicos do programa saúde da família. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2003. Tese de doutoramento.

352. ZOBOLI, Elma L. [et al.]. Bioética e atenção básica: Um perfil dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos do programa saúde da família. Cadernos de Saúde Pública. 2004; 20(6): 1690-99.

353. ZURRO, Armando M. [et al.]. Cuidados de saúde primários. In: ZURRO, Armando M., PÉREZ Juan FC. (editor). Manual de cuidados primários. Organização e protocolos de actuação na consulta. Lisboa: Farmapress edições; 1991. p. 3-11.

Page 305: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

Universidade de Aveiro 2010

Secção Autónoma de Ciências da Saúde

JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES SIMÕES

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

ANEXOS

Page 306: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude
Page 307: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

VARIÁVEIS A ESTUDAR

297

ANEXO 1

VARIÁVEIS A ESTUDAR

Objectivo Questão Nome da variável no ficheiro

Definição da variável Tipo de variável

Escala de medida e gama de valores

Caracterizar a amostra

Idade Idade Número de anos completos de vida

Quantitativa Razão

Caracterizar a amostra

Sexo Sexo Sexo do inquirido Qualitativa Dicotómica 1 - Masculino 2 - Feminino

Caracterizar a amostra

Profissão Profissão Profissão do inquirido

Qualitativa Dicotómica 1 - Médico 2 - Enfermeiro

Caracterizar a amostra

Nº de anos na Profissão

Nº de anos Número de anos completos na profissão

Quantitativa Razão

Caracterizar a amostra

Sub-Região a que pertence

Sub-Região Sub-Região a que pertence o inquirido

Qualitativa Nominal 1 - Aveiro 2 - Castelo Branco 3 - Coimbra 4 - Guarda 5 - Leiria 6 - Viseu

Caracterizar a amostra

Trabalha em área urbana ou rural

Área Trabalho em área urbana ou rural do inquirido

Qualitativa Nominal 1 - Urbana 2 - Rural 3 - Semi-rural/urbana

1, 2 e 3 Eu procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente

P1 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu discuto com o meu paciente a sua situação clínica

P2 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas

P3 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu não interfiro no estilo de vida do meu paciente

P4 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu não tenho P5 Problemas éticos Qualitativa Escala de

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

298

ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente

nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Likert

1, 2 e 3 Eu respeito os valores religiosos do meu paciente

P6 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos

P7 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a autorização dos seus pais ou tutores

P8 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente

P9 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o seu estado de saúde quando relevante

P10 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu preservo o meu segredo profissional

P11 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou publicação científica

P12 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu estabeleço os limites na relação profissional-paciente

P13 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os

Qualitativa Escala de Likert

Page 309: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

VARIÁVEIS A ESTUDAR

299

pacientes e suas famílias

1, 2 e 3 Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com prováveis efeitos secundários significativos, comunico o facto ao meu paciente

P14 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu não omito informação relevante ao meu paciente

P15 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe prescrevo

P16 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

1, 2 e 3 Eu estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais baratos

P17 Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde que trabalham neste centro de saúde

P18 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 No meu local de trabalho existe delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde

P19 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e sua família entre os diversos profissionais da equipa de saúde

P20 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais de saúde face a indicações clínicas

P21 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

300

imprecisas 4, 5 e 6 No meu local de

trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte dos profissionais de saúde

P22 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato de casos em evento ou publicação científica

P23 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos profissionais de saúde

P24 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

4, 5 e 6 No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de saúde

P25 Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos consultórios e gabinetes do centro de saúde

P26 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existem os meios necessários no centro de saúde para a realização de domicílios

P27 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados no centro de saúde

P28 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existe transparência da direcção e chefias do centro de saúde na resolução dos problemas com os profissionais de saúde

P29 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Não existe excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de

P30 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

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VARIÁVEIS A ESTUDAR

301

saúde do centro de saúde

7, 8 e 9 Existe uma organização do centro de saúde que garante o acesso de todos os utentes aos seus serviços

P31 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos utentes do centro de saúde

P32 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existe fiabilidade nos resultados dos meios complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes do centro de saúde

P33 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às solicitações do centro de saúde

P34 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

7, 8 e 9 Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos utentes do centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários)

P35 Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde

Qualitativa Escala de Likert

10, 11 e 12 Questões de resposta aberta

Atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos

Qualitativa Análise de conteúdo das respostas

Para o estudo dos objectivos 10, 11 e 12 serão apresentados os três casos e colocadas três questões de resposta aberta.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

302

Casos: A) O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que

dificultam as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa onde ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que passa sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. (Zoboli, 2003)3

B) Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam algumas queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos bruscos. Notava-se-lhe grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se um hálito alcoólico quando alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem para a confrontar directamente. Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por escrito, queixando-se do seu atendimento e acusando a equipa de saúde de cumplicidade neste estado de coisas. (Loff, 2004)

C) F., de 46 anos de idade, foi à Consulta Aberta/Complementar do Centro de Saúde, por não ter Médico de Família, tal como mais 3.000 pessoas na área, por insuficiência de médicos no Centro, queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-lhe um exame sumário e requisitou uma mamografia a ser efectuado na cidade a 50 Km de distância. Dois meses depois voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o radiologista dizia não poder concluir sem uma ecografia. Nova requisição e novo exame na cidade. Dois meses depois nova consulta e terceiro médico a consultá-la no Centro de Saúde, é necessário a sua referenciação ao Hospital por lesão mamária suspeita pelo que lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à consulta hospitalar seis meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames analíticos pedidos pelo Centro de Saúde e voltar para punção-biópsia do nódulo. Novas consultas, novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punção-biópsia deram-lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para a operação. Esperou seis meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde trabalhava a dias, que tinha um colega médico, que lhe desse uma ajuda e passado um mês foi internada pelo serviço de urgência e operada: tumor maligno com metástases ganglionares. (Serrão, 2002)

Questões de resposta aberta: - Que problemas éticos lista nesta situação? - O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso? - E por quê?

3 pp. 33.

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QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

303

ANEXO 2 QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

“ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS”

O meu nome é José Augusto Rodrigues Simões, sou médico, especialista de medicina geral e familiar, mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, e estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a sua opinião e atitude perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.

Nesse sentido, agradeço a sua colaboração ao aceitar o preenchimento deste questionário, pedindo desde já desculpa pelo possível incómodo que lhe causo.

Este questionário é anónimo e os dados por si fornecidos são confidenciais, destinando-se a ser tratados em conjunto. Esses dados serão utilizados apenas para fins de investigação no âmbito da minha tese de doutoramento em ciências da saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas médicas ou de saúde. Será elaborado um relatório da investigação efectuada para a Administração Regional de Saúde do Centro.

O Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro, IP autorizou a realização do presente estudo nos Centros de Saúde da Região Centro de Portugal.

A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer favorável à realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação “Ética e Cuidados de Saúde Primários”.

A resposta a este questionário é facultativa, sendo o seu preenchimento considerado como expressão de consentimento informado em participar na investigação.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

304

Não escrever neste espaço A. Sexo:

1. - Sexo Masculino € 2. - Sexo Feminino € A - [ ] B. Idade: ______ B - [ ]

C. Profissão:

1. - Médico € 2. - Enfermeiro € C - [ ] D. Número de anos na Profissão: ______ D - [ ] E. Sub-Região de Saúde a que pertence:

1. - Aveiro € 2. - Castelo Branco € 3. - Coimbra € 4. - Guarda € 5. - Leiria € 6. - Viseu € E - [ ]

F. Centro de Saúde / Extensão / Unidade de Saúde onde trabalha habitualmente (o maior

número de horas semanais):

1. Urbano € 2. Rural € 3. Semi-rural/urbano € F - [ ] Segue-se uma lista de afirmações, por favor, assinale com uma cruz (x) o grau de concordância, segundo a escala de 1 a 5, que melhor descreve a sua atitude perante cada uma.

P1. Procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P1 - [ ]

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QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

305

P2. Discuto com o meu paciente a sua situação clínica.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P2 - [ ]

P3. Aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P3 - [ ]

P4. Não interfiro no estilo de vida do meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P4 - [ ]

P5. Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P5 - [ ]

P6. Respeito os valores religiosos do meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P6 - [ ]

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

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P7. Discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P7 - [ ]

P8. Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a autorização dos seus pais ou tutores.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P8 - [ ]

P9. Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P9 - [ ]

P10. Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o seu estado de saúde quando relevante.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P10 - [ ]

Page 317: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

307

P11. Preservo o meu segredo profissional.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P11 - [ ]

P12. Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou publicação científica.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P12 - [ ]

P13. Estabeleço os limites na relação profissional-paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P13 - [ ]

P14. Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com prováveis efeitos secundários significativos, comunico o facto ao meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P14 - [ ]

Page 318: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

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P15. Não omito informação relevante ao meu paciente.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P15 - [ ]

P16. Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe prescrevo.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P16 - [ ]

P17. Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais baratos.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P17 - [ ]

P18. Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde que trabalham neste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P18 - [ ]

Page 319: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

309

P19. No meu local de trabalho existe delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P19 - [ ]

P20. No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e sua família entre os diversos profissionais da equipa de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P20 - [ ]

P21. No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais de saúde face a indicações clínicas imprecisas.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P21 - [ ]

P22. No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte dos profissionais de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P22 - [ ]

Page 320: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

310

P23. No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato de casos em evento ou publicação científica.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P23 - [ ]

P24. No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos profissionais de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P24 - [ ]

P25. No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P25 - [ ]

P26. Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos consultórios e gabinetes neste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P26 - [ ]

Page 321: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

311

P27. Existem os meios necessários neste centro de saúde para a realização de domicílios.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P27 - [ ]

P28. Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados neste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P28 - [ ]

P29. Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na resolução dos problemas com os profissionais de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P29 - [ ]

P30. Não existe excesso de utentes e famílias inscritos em cada profissional de saúde neste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P30 - [ ]

Page 322: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

312

P31. Existe uma organização deste centro de saúde que garante o acesso de todos os utentes aos seus serviços.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P31 - [ ]

P32. Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos utentes deste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P32 - [ ]

P33. Existe fiabilidade nos resultados dos meios complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes deste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P33 - [ ]

P34. A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às solicitações deste centro de saúde.

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

€ € € € € P34 - [ ]

Page 323: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

313

P35. Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos utentes deste centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).

1 - Totalmente em desacordo

2 - Em desacordo

3 - Nem de acordo, nem em desacordo

4 - De acordo

5 - Totalmente de acordo

Não escrever neste espaço

€ € € € € P35 - [ ]

Seguem-se três casos, por favor, responda às questões apresentadas descrevendo a sua atitude perante cada caso. I. O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que dificultam as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa onde ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que passa sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. - Que problemas éticos lista nesta situação? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ - O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ - E por quê? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________

Page 324: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

314

______________________________________________________________________________ II. Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam algumas queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos bruscos. Notava-se-lhe grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se um hálito alcoólico quando alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem para a confrontar directamente. Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por escrito, queixando-se do seu atendimento e acusando a equipa de saúde de cumplicidade neste estado de coisas. - Que problemas éticos lista nesta situação? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ - O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ - E por quê? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ III. F., de 46 anos de idade, foi à Consulta Aberta/Complementar do Centro de Saúde, por não ter Médico de Família, tal como mais 3.000 pessoas na área, por insuficiência de médicos no Centro, queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-lhe um exame sumário e requisitou uma mamografia a ser efectuada na cidade a 50 Km de distância. Dois meses depois voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o radiologista dizia não poder concluir sem

Page 325: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO

315

uma ecografia. Nova requisição e novo exame na cidade. Dois meses depois nova consulta e terceiro médico a consultá-la no Centro de Saúde, é necessário a sua referenciação ao Hospital por lesão mamária suspeita pelo que lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à consulta hospitalar seis meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames analíticos pedidos pelo Centro de Saúde e voltar para punção-biopsia do nódulo. Novas consultas, novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punção-biopsia deram-lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para a operação. Esperou seis meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde trabalhava a dias, que tinha um colega médico, que lhe desse uma ajuda e passado um mês foi internada pelo serviço de urgência e operada: tumor maligno com metástases ganglionares. - Que problemas éticos lista nesta situação? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ - O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ - E por quê? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Muito obrigado pela sua colaboração.

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ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

316

Mestre José Augusto Rodrigues Simões

Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro

Campus Universitário de Santiago

3810-193 Aveiro

Telem. 968 065 135

E-mail: [email protected]

Page 327: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA PARA A SAÚDE

317

ANEXO 3

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Page 329: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ANEXO 4

319

ANEXO 4

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Page 331: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

CARTA AOS DIRECTORES DE CENTROS DE SAÚDE 321

ANEXO 5

Ex.mo(a) Senhor(a)

Director(a) do Centro de Saúde

Eu, José Augusto Rodrigues Simões, médico, especialista de medicina geral e familiar, mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a opinião e atitude de médicos e enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.

Este questionário é anónimo e os dados são confidenciais, destinando-se a ser tratados

em conjunto. Assumo a responsabilidade que esses dados serão utilizados apenas para fins de investigação no âmbito da minha tese de doutoramento em Ciências da Saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas médicas ou de saúde. Será elaborado um relatório da investigação efectuada para a Administração Regional de Saúde do Centro.

O Conselho de Administração da Administração Regional de Saúde do Centro autorizou a realização do presente estudo nos Centros de Saúde da Região Centro (anexo cópia).

A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer

favorável à realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação “Ética e Cuidados de Saúde Primários” (anexo cópia).

Na impossibilidade de me deslocar pessoalmente ao seu Centro de Saúde, agradeço a sua intermediação na solicitação a médicos e enfermeiros que trabalham consigo que aceitem preencher o questionário anexo, pedindo desde já desculpa pelo possível incómodo causado.

A resposta ao questionário é facultativa, sendo o seu preenchimento considerado como

expressão de consentimento informado em participar na investigação por parte do respondente. Agradeço a devolução dos questionários preenchidos no envelope anexo dentro de 2

semanas. Muito obrigado pela sua colaboração. Aceite os meus melhores cumprimentos.

(José Augusto Rodrigues Simões)

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Page 333: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

ANEXO 6 323

ANEXO 6

TERMO DE RESPONSABILIDADE DO INVESTIGADOR

Eu, José Augusto Rodrigues Simões, médico, especialista de medicina geral e familiar, mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a sua opinião e atitude perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.

Nesse sentido, agradeço a sua colaboração ao aceitar o preenchimento do questionário anexo, pedindo desde

já desculpa pelo possível incómodo que lhe causo. Este questionário é anónimo e os dados por si fornecidos são confidenciais, destinando-se a ser tratados em

conjunto. Assumo a responsabilidade que esses dados serão utilizados apenas para fins de investigação no âmbito da minha tese de doutoramento em Ciências da Saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas médicas ou de saúde. Será elaborado um relatório da investigação efectuada para a Administração Regional de Saúde do Centro.

Com a investigação a desenvolver, espero dar resposta aos seguintes aspectos a nível da Administração

Regional de Saúde do Centro: 1. Identificar problemas éticos nas relações entre médicos de família – que trabalham em Centros de Saúde – e

os pacientes (e suas famílias). 2. Identificar problemas éticos nas relações entre enfermeiros – que trabalham em Centros de Saúde – e os

pacientes (e suas famílias). 3. Comparar os problemas éticos identificados nas relações entre médicos de família – que trabalham em

Centros de Saúde – e os pacientes (e suas famílias) com os problemas éticos identificados nas relações entre enfermeiros – que trabalham em Centros de Saúde – e os pacientes (e suas famílias).

4. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por médicos de família que trabalham em Centros de Saúde.

5. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.

6. Comparar os problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por médicos de família que trabalham em Centros de Saúde com os reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.

7. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde reconhecidos por médicos de família que trabalham em Centros de Saúde.

8. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.

9. Comparar os problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde reconhecidos por médicos e família que trabalham em Centros de Saúde com os reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.

10. Identificar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de médicos de família que trabalham em Centros de Saúde.

11. Identificar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.

12. Comparar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de médicos de família que trabalham em Centros de Saúde com as que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.

O Conselho de Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro, IP autorizou a realização do

presente estudo nos Centros de Saúde da Região Centro. A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer favorável à

realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação “Ética e Cuidados de Saúde Primários”.

A resposta ao questionário é facultativa, sendo o seu preenchimento considerado como expressão de

consentimento informado em participar na investigação. Muito obrigado pela sua colaboração,

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DELIBERAÇÃO Nº 227/2007 DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (CNPD) 325

ANEXO 7

Análise da Deliberação nº 227/20074 da Comissão Nacional de Protecção de

Dados (CNPD) aplicável aos tratamentos de dados pessoais efectuados no âmbito de

estudos de investigação científica na área da saúde.

Nesta Deliberação a CNPD estabelece que “os tratamentos de dados com a

finalidade de realizar estudos de investigação na área da saúde incidem sobre dados

sensíveis, pelo que, nos termos da alínea a) do artigo 28º da Lei de Protecção de

Dados (LPD), estão sujeitos a controlo prévio. Consequentemente, tais tratamentos

não poderão iniciar-se antes da obtenção da respectiva Autorização da CNPD, a emitir

nos termos e condições fixadas após notificação do tratamento a esta Comissão”.

No entanto, pela leitura da deliberação verifica que “quanto à admissibilidade

do tratamento, este deve ser efectuado de forma lícita e com respeito pelos princípios

da boa fé, tratando e conservando os mesmos dados pessoais apenas durante o

tempo necessário ao cumprimento da finalidade. Desta forma, verifica-se a

conformidade do tratamento com todo o artigo 5º da LPD. A observância dos

princípios da transparência e da boa-fé está directamente relacionada com a

prestação do direito de informação, não podendo os dados ser utilizados para outras

finalidades, sendo a informação efectivamente prestada pelos responsáveis pelo

tratamento aos titulares dos dados, no momento da obtenção do consentimento, uma

das medidas da transparência, da boa fé e da lealdade do tratamento”.

No presente estudo, foi entregue pelo investigador aos inquiridos um Termo de

Responsabilidade (Anexo 6) em que garante seriam unicamente utilizados para fins de

investigação no âmbito da sua tese de doutoramento em Ciências da Saúde na

Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas

médicas ou de saúde, que seria elaborado um relatório da investigação efectuada para

a Administração Regional de Saúde do Centro.

“Sempre que um estudo possa ser efectuado sem o tratamento de dados

pessoais, deve ser essa a opção do investigador. Isto é, sempre que o estudo puder

ser feito com dados anonimizados, em que não se identifica nem permite identificar os

titulares dos dados, deve ser esta a opção tomada para a investigação”. 4 Disponível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/del/del227-07.htm [citado em 13-06-2007]

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326 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE

No presente estudo, não é feito qualquer tratamento de dados de identificação

pessoal, todos os participantes são anónimos, não sendo sequer identificado o

respectivo Centro de Saúde, unicamente se tratam os dados por Sub-Região de

Saúde, que é equivalente aos distritos administrativos.

“Assim, no caso dos tratamentos de dados pessoais efectuados no âmbito de

estudos de investigação na área da saúde, a legitimidade terá de decorrer do

consentimento livre, específico, informado (alínea h) do artigo 3º da LPD) expresso do

titular (nº 2 do artigo 7º da LPD) e escrito (nº 3 do artigo 4º da Lei 12/2005). O

consentimento livre significa que o titular não conhece nenhuma condicionante ou

dependência no momento da sua declaração que afecte a formação da sua vontade e,

ainda, que pode revogar, sem penalizações e com efeitos retroactivos, o

consentimento que haja prestado. O consentimento específico significa que o

consentimento se refere a uma contextualização factual concreta, a uma actualidade

cronológica precisa e balizada e a uma operação determinada. O consentimento

específico afasta os casos de consentimento preventivo e generalizado, prestado de

modo a cobrir uma pluralidade de operações. O consentimento informado significa que

ao titular foi dado conhecimento, não apenas dos elementos do artigo 10º da LPD,

mas ainda de todas as informações relevantes para a compreensão de todos os

elementos atinentes ao tratamento. O dever de informação por parte do responsável

inclui o dever de esclarecer e a obrigação de se certificar que o titular conheceu e

apreendeu todos os elementos do conteúdo do direito de informação. A existência ou

possibilidade de ocorrência de riscos para o titular, quer para a sua saúde, quer para a

sua privacidade, deve ser comunicada. O consentimento expresso significa que a sua

prestação tem de visar directamente o tratamento de dados pessoais de saúde, não

podendo ser inferido ou extraído implicitamente de outras declarações ou

comportamentos. O consentimento escrito significa que deve constar de texto lavrado

ou subscrito pelo próprio titular”.

No presente estudo, a presunção da obtenção do consentimento do titular dos

dados é devida ao facto de o inquirido ter preenchido o questionário, o que ocorreu

sem a presença do investigador, e o ter devolvido. Na introdução do questionário era

expressamente dito que “a resposta a este questionário é facultativa, sendo o seu

preenchimento considerado como expressão de consentimento informado em

participar na investigação”.

Pelo exposto, o autor do presente estudo considera que, apesar de não ter

solicitado, nem previamente nem a posteriori, autorização à Comissão Nacional de

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DELIBERAÇÃO Nº 227/2007 DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (CNPD) 327

Protecção de Dados, por o estudo não fazer tratamento de dados pessoais, mas

unicamente tratar, anonimamente, a opinião dos inquiridos, cumpre os fundamentos

da Deliberação nº 227/2007.

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 329

ANEXO 8

LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA

Artigo Autores e Ano

Revista Tipo de estudo

Profissionais Meio Resumo

Ethical aspects of clinical decision-making

KOLLEMORTEN, I. et al., 1981

J Med Ethichs. 1981; 7(2): 67-9.

Quantitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar O objectivo do presente estudo foi descrever e classificar problemas éticos significativos encontrados pelo pessoal de saúde durante o trabalho clínico diário num departamento de medicina de um hospital dinamarquês. Um conjunto de definições foi preparado para o efeito, incluindo a definição de ‘problema ético significativo’. Durante um período de três meses 426 pacientes foram internados e 173 pacientes foram admitidos em consulta externa. Problemas éticos significativos foram encontrados durante o cuidado de 106 dos pacientes internados (25%) e de 9 pacientes de consulta externa (5%). Não foi encontrada diferença significativa da frequência de problemas éticos entre os pacientes mulheres e homens, mas uma correlação positiva foi observada entre o número de problemas e a idade dos pacientes. Os problemas tipo foram classificados de acordo com uma lista de problemas. Os resultados deste estudo sugerem que uma maior atenção deve ser dada ao debate sobre problemas éticos entre os médicos e enfermeiros e que, entre outros, os estudantes de medicina e enfermagem deveriam ser ensinados na análise de problemas éticos.

Empirical studies of ethics in family medicine

BRODY, H., 1983

J Fam Pract 1983; 16: 1061-3.

Reflexivo Os limites da interferência da equipa no estilo de vida das famílias ou dos pacientes, ou seja, em que medida os profissionais de saúde podem ser coercivos acerca das opções terapêuticas e das mudanças de estilo de

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330 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

vida constitui um tema central nas questões éticas envolvidas nos cuidados de saúde familiar. De acordo com o autor, uma forma peculiar de coerção pode ser exercida pelos profissionais de saúde, especialmente os médicos, pela qual estes, com base na sua autoridade, manipulam o paciente através de apresentações enviesadas ou pela omissão de dados, opções ou informações. Quando o profissional meramente descreve os cursos alternativos de acção de maneira neutra, permitindo que o paciente faça a sua opção, a coerção fica explicitamente ausente. Porém, sabe-se que uma comunicação com tal neutralidade se torna impossível na prática e o mais frequente é o profissional explanar ao paciente as várias opções, tentando persuadi-lo a aceitar a que, na opinião do profissional, defende melhor os seus interesses.

How family physicians approach ethical problems

CHRISTIE, RJ. et al., 1983

J Fam Pract 1983; 16(6): 1133-8.

Qualitativo Médicos Universitário

Estudo realizado com professores do Departamento de Medicina da Universidade de Ontário Ocidental, Canadá. Sugere que a disponibilidade ou não para interferir no estilo de vida das pessoas doentes varia de acordo com as consequências para a saúde e com o comportamento que deve ser alterado. A maioria dos inquiridos (84,3%) está preparada para tentar mudar o estilo de vida de um paciente quando este configura um potencial dano para a sua saúde. Entretanto, poucos se sentem preparados para tentar essa alteração quando a questão envolve problemas como a interrupção de uma gravidez, contracepção permanente, fim de um casamento, uso de drogas ilícitas ou casos extraconjugais, situação em que 86% dos entrevistados afirma que raramente interferiria. Excepção deve ser

Page 341: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 331

feita aos médicos mais velhos, que além de mais propensos a coagir os pacientes a aceitarem um plano de tratamento ou um internamento, também tendem mais a tentar alterar o estilo de vida dos pacientes no que diz respeito a práticas sexuais, casos extraconjugais e uso de drogas ilícitas.

Ethical decision making by family physicians

DAYRINGER, R., PAIVA, EAR., DAVIDSON, GW., 1983

J Fam Pract 1983; 17: 267-72.

Qualitativo Médicos Cuidados Primários

Estudo realizado com 131 médicos de Illinois, EUA; sobre problemas éticos encontrados na prática da medicina familiar aponta para que se um paciente do sexo masculino contraísse uma doença sexualmente transmissível, infectasse a sua esposa, não quisesse contar a verdade e pedisse que ela fosse tratada sem saber da sua condição, os profissionais resistiriam ao pedido e diriam a verdade para a esposa, tratando-a abertamente. Além de indicar que os problemas éticos relativos à contracepção são comuns na prática diária, revelam uma disposição destes profissionais para prescrever contraceptivos às adolescentes que os peçam, ainda que sem permissão dos pais. Do total de 131 respondentes, 76% prescreveriam; 13% refeririam para um serviço especializado e somente 11% se recusariam a ficar envolvidos.

Relevance and utility of courses in medical ethics: a survey of physicians’ perceptions

PELLEGRINO, ED. et al., 1985

JAMA 1985; 253(1): 49-53.

Quantitativo Médicos Estudo que apresenta os dados do inquérito realizado em 1982, pela Associação Médica Americana, para apurar como os médicos avaliam a eficácia da sua educação em os preparar para lidar com as questões éticas encontradas na prática clínica. Os resultados indicam que os médicos que tiveram cursos de ética médica percebem que eles são de grande valor prático e recomendam que o seu conteúdo seja expandido. Apresentam também dados sobre a frequência relativa

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332 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

das questões éticas específicas encontradas na prática e sobre a influência relativa de valores pessoais, educação médica, prática médica, ética e cursos sobre abordagens para as questões éticas.

Physician-nurse relationships

PRESCOTT, PA., BOWEN, SA., 1985

Ann Intern Med 1985; 103(1): 127-33.

Quantitativo Médicos e Enfermeiras

Hospitalar Estudo realizado com mais de 1000 enfermeiras e cerca de 700 médicos de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas dos EUA, que indica que a demora no cuidado do paciente e os problemas recorrentes de disputas não resolvidas são um subproduto do desacordo entre os profissionais. A maioria dos médicos (65%) e dos enfermeiros (53%) assumem uma atitude competitiva, isto é, ambos querem fazer valer os seus direitos e não se mostram cooperativos na forma de resolver os seus desacordos. Os autores chegam a sugerir que o desacordo não é indesejável. Ao contrário, defendem que este pode ter um papel importante nos cuidados, uma vez que as enfermeiras e os médicos têm perspectivas diferentes quanto a muitos problemas de saúde dos utentes. No estudo, as enfermeiras apontam o desrespeito dos médicos para com elas, enfatizando a falta de confiança. Do ponto de vista destes profissionais, uma relação é boa quando o médico acredita no julgamento da enfermeira e confia que esta o chamará quando necessário. É importante para as enfermeiras sentirem-se tratadas com respeito, como pessoas inteligentes e saberem que contarão com o suporte do médico na presença do paciente. Já para os médicos, tem importância a maneira como a enfermeira os aborda e a competência clínica destes profissionais, apontando que é comum a falta de diplomacia ou tacto, de bom julgamento clínico e de ajuda. Para os médicos, as

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 333

características positivas incluem a forma da enfermeira comunicar com eles, a sua disposição para ajudar e a sua competência. Uma aproximação não exigente por parte da enfermeira e uma não abusiva por parte do médico são comummente mencionadas.

Perceptions of ethical problems by nurses and doctors

GRAMELSPACHER, GP., HOWELL, JD., YOUNG, MJ., 1986

Archives of Internal Medicine 1986; 146(3): 577-8.

Qualitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Para identificar o modo como os médicos e os enfermeiros percebem os problemas éticos na prática clínica, foram realizadas entrevistas com 26 enfermeiros e 24 médicos que trabalham em unidades de cuidados intensivos do Michigan, EUA. Ambos os grupos referiram que frequentemente enfrentam problemas éticos, embora se tenha verificado uma variação significativa no seio de cada grupo sobre quantas vezes tinham percebido tais problemas. Os membros da equipa de cuidados de saúde muitas vezes discordaram sobre decisões éticas. Os enfermeiros frequentemente descrevem conflitos com os médicos, enquanto os médicos só muito raramente reconhecem desacordos com os enfermeiros. Os eticistas clínicos devem estar conscientes desta heterogeneidade de percepções, a fim de comunicarem eficazmente sobre os problemas éticos.

Patients’ voices, rights and responsibilities: on implementing social audit in primary health care

HILL, WY., FRASER, I., COTTON, P., 1988

J Bus Ethics. 1988; 17: 1481-97.

Pacientes Estudo interdisciplinar realizado na Escócia com uma amostra representativa da diversidade da população utente dos serviços de saúde daquele país aponta a prescrição de medicamentos genéricos mais baratos, como uma área especialmente problemática, pois a falta de informação dos utentes gera a falta de confiança na eficácia destes produtos.

Ethical issues in ROBILLARD, J Community Quantitativo Médicos e Cuidados Num estudo realizado numa amostra aleatória

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334 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

primary health care: a survey of practioners’ perceptions

HM. et al., 1989

Health. 1989; 14: 9-17.

Enfermeiras Primários estratificada, de 702 profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes médicos) que trabalham em serviços de cuidados de saúde primários no Kentuchy (EUA), também têm resultados que confirmam o facto das ocorrências éticas mais comuns nos cuidados primários configurarem as preocupações pragmáticas do dia a dia, especialmente as ligadas à prática clínica. Nesse estudo, os doze principais problemas apontados como os mais frequentes não são dramáticos ou tão pouco merecedores de destaque na imprensa, mas ocorrem repetidamente. Dentre eles estão a falta de preparação e actualização dos profissionais de saúde; o trato desrespeitoso para com os pacientes; a solicitação do paciente por procedimentos desnecessários; a informação inadequada aos pacientes; a solicitação de informações por parte da família comprometendo a confidencialidade do paciente; a violação da confidencialidade do paciente e as dificuldades com os serviços e procedimentos de referência. Ao compararem os médicos com os outros profissionais de saúde que actuam nos cuidados primários encontram uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos no tocante ao registo da frequência com a qual se deparam com problemas éticos. Isto ocorreu para 28 dos 36 itens do questionário aplicado e, somente em dois deles, os médicos reportam uma proporção maior (tratamentos desnecessários aplicados pela preocupação de proteger-se legalmente e suspensão das medidas de suporte de vida), nos demais, o grupo dos restantes profissionais afirma encontrar os problemas comummente ou ocasionalmente com mais frequência, o que poderia

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 335

indicar maior sensibilidade desses profissionais para as situações potencialmente problemáticas. A restrição financeira dos pacientes enquanto factor de não adesão ao tratamento é mencionada como problema ético por 70,8% dos 391 médicos e 78,3% dos 311 demais profissionais.

Ethical decision making in clinical practice

FOWLER MD., 1989

Nurs Clin of North Am. 1989; 24(4): 955-65.

Reflexivo Enfermeiras A educação ética contemporânea da enfermagem incide sobre a utilização de um modelo de ética analítica para a tomada de decisão tanto para o seu processo como para o seu conteúdo. Talvez este seja o caso porque ele tem algumas semelhanças com o processo de enfermagem, que é ensinado de forma semelhante. Assim, um método dedutivista de tomada de decisões éticas encaixa-se dentro do mesmo esquema geral do hipotético-dedutivo, método de tomada de decisão que é ensinado para o diagnóstico de enfermagem. A ética exige que a enfermagem respeite as pessoas, informe os pacientes e se assegure do seu consentimento, não infligindo danos, deve preservar a qualidade de vida do paciente, prevenir e eliminar os danos nocivos, criar condições de fazer o bem aos doentes, e minimizar os riscos para si própria. Estas são, entre as normas de obrigação ética que orientam a análise e julgamento em enfermagem, a essência do modelo de ética analítica da tomada de decisão. A ética da enfermagem criou elevados ideais e grandes exigências para a enfermagem. Estas são exigências que a enfermagem tem cumprido e ideais que têm sido frequentemente realizados. Qualquer que seja a força da nossa ciência, a enfermagem é um esforço intrinsecamente moral, tão forte como o seu empenho nas suas obrigações éticas

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e valores. A enfermagem deve estabelecer as suas prioridades entre os aspectos que tenta controlar. A Ética deve ser uma das suas prioridades.

Community health nurses: their most significant ethical decision-making problems

AROSKAR, MA., 1989

Nurs Clin North Am. 1989; 24(4): 967-75.

Qualitativo Enfermeiras Cuidados Primários

Enfermeiras que actuam em saúde pública, no estado de Minnesota (EUA), ao descreverem questões sobre contar a verdade como um problema ético significativo das suas práticas; exemplificam-no com situações que abrangem o não denunciar a qualidade questionável da assistência prestada por alguns colegas e/ou médicos quando o bem estar do paciente está em jogo.

Emotions and the process of ethical decision-making

CONNELLY JE., 1990

J S C Med Assoc. 1990; 86(12): 621-3.

Reflexivo Médicos As emoções desempenham um papel central nas nossas vidas diárias. Elas influenciam o nosso comportamento, bem como o desenvolvimento e direcção das nossas relações. Clinicamente, as emoções podem sinalizar a presença de conflitos éticos entre pacientes, médicos e outros profissionais envolvidos nos cuidados aos pacientes. As emoções precisam ser reconhecidas pelos médicos e trabalhadas na direcção de interacções empáticas, apesar de ambas, razão e emoção, precisarem de ser integradas no processo de tomada de decisão ética para garantir um resultado equilibrado.

An integrative model of clinical-ethical decision making

GRUNSTEIN-AMADO, R., 1991

Theor Med. 1991; 12(2): 157-70.

Reflexivo O objectivo deste trabalho é propor um modelo de tomada de decisão de ética clínica que contribua para o profissional de saúde chegar a uma decisão eticamente defensável. O modelo destaca a integração entre ética e tomada de decisão, em que a ética é uma ferramenta analítica sistemática para suportar os aspectos positivos do processo de tomada de decisão. O modelo é composto por três elementos principais. A

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 337

componente ética, a tomada de decisão e os aspectos contextuais. Esta última integra os aspectos relacionais entre o prestador e o paciente e a estrutura organizacional. O modelo sugere que, a fim de se chegar a uma decisão eticamente justificada se deve fazer referência a esses três elementos.

Communication problems between doctors and nurses

MACKAY, RC., MATSUNO, K., MULLIGAN, J., 1991

Qual Assur Health Care 1991; 3(1): 11-9.

Quantitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Dificuldades na comunicação entre médicos e enfermeiros hospitalares estão bem documentadas. Um estudo realizado em conjunto pela direcções médica e de enfermagem do Hospital Sir Charles Gairdner em Perth (Austrália Ocidental), sobre as dificuldades de comunicação entre médicos e enfermeiros percebidos pelos próprios, bem como por administrativos, como observadores imparciais. As respostas ao questionário revelaram alguns impedimentos no fluxo da comunicação. Ambos, enfermeiros e médicos, percebem com menos frequência as dificuldades em comunicarem com os membros do seu próprio grupo profissional, do que com os membros do outro grupo. Os enfermeiros com preparação universitária e outras especializações clínicas percebem significativamente menos problemas de comunicação com os médicos do que os enfermeiros com menor escolaridade. Os Internos percebem uma maior frequência da dificuldade em comunicar com os enfermeiros do que os médicos mais qualificados. As médicas que não eram internas alegaram menos problemas do que os seus homólogos masculinos. Também, os médicos do sexo masculino altamente qualificados, e que tiveram uma ocupação anterior, referem menos problemas de comunicação médico-enfermeiro.

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Physicians’ and nurses’ perceptions of ethics problems on general medical services

WALKER, RM. et al., 1991

J Gen Intern Med. 1991; 6(5): 424-9

Qualitativo Médicos e Enfermeiras

Hospitalar Estudo realizado na Florida (EUA), para entender que tipos de situações clínicas os médicos e os enfermeiros consideram ser “problemas éticos”. Estudaram prospectivamente médicos e enfermeiros sobre as suas percepções dos problemas éticos utilizando entrevistas emparelhadas. Foram realizadas entrevistas individuais aos médicos e enfermeiros sobre como eles cuidavam dos pacientes durante o mesmo período de seis semanas. Cada um foi questionado se tinha surgido algum problema ético no cuidado dos seus pacientes e, em caso afirmativo, fazer uma breve descrição do(s) problema(s). Treze médicos (na sua maioria residentes de medicina familiar) e 42 enfermeiros cuidaram de 142 pacientes internados em enfermaria geral. Os médicos e os enfermeiros referiram casos com problemas éticos em 75 dos 142 pacientes internados. Embora, os médicos e os enfermeiros tenham identificado casos com problemas éticos em número semelhante, porém, muitas vezes os problemas éticos identificados foram-no em diferentes pacientes ou foram identificados diferentes problemas éticos no mesmo paciente. Foram descritos uma variedade de tipos de problemas éticos. Os médicos identificaram mais problemas relacionados com a qualidade de vida, o internamento hospitalar inadequado e os custos dos cuidados de saúde; os enfermeiros identificaram mais problemas relacionados com as preferências do paciente, os desejos da família, a gestão da dor, a execução de tratamentos e o planeamento da alta. Um quarto dos problemas éticos identificados pelos médicos e enfermeiros envolveram conflitos interprofissionais. Os médicos e os enfermeiros estudados consideraram uma vasta gama de situações clínicas como “problemas éticos” e que

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elas ocorrem frequentemente. Foram encontradas diferenças sistemáticas nas percepções dos médicos e dos enfermeiros acerca dos problemas éticos e muitos problemas éticos foram gerados por conflitos interprofissionais. Integrar este tipo de informação nos programas educacionais e em políticas hospitalares, pode representar uma abordagem útil para melhorar a interacção médico-enfermeiro.

Ethical decision making by family doctors in Canada, Britain and the United States

HOFFMASTER, CB., STEWART, MA., CHRISTIE, RJ., 1991

Soc Sci Med. 1991; 33(6): 647-53.

Quantitativo Médicos Cuidados Primários

Estudo envolvendo 674 médicos de família do Canadá e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País de Gales. Foi enviado um questionário contendo seis casos que levantavam questões éticas. Os médicos foram convidados a escolher o curso de acção que consideravam mais adequado para cada caso e a referir as razões para essa decisão. Os problemas éticos envolviam questões quanto à divulgação de informações aos pacientes, quanto a um médico interferir com os estilos de vida dos seus pacientes, e quanto a lidar com um possível problema familiar. Os inquiridos seleccionaram diferentes cursos de acção para os casos. Os médicos americanos mais do que os canadianos ou britânicos optaram por divulgar as informações, enquanto mais os médicos britânicos do que os canadianos ou americanos não queriam interferir nos estilos de vida dos pacientes. Os médicos que optaram por divulgar as informações eram mais jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas comunidades e sem qualquer ligação a estruturas académicas. Os médicos, que preferiram não interferir nas questões de estilos de vida dos pacientes eram mais jovens, ligados a igrejas, e trabalhavam em grupo em pequenas comunidades.

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Differences in ethical decision-making processes among nurses and doctors

GRUNSTEIN-AMADO, R., 1992

J Adv Nurs. 1992; 17(2): 129-37.

Qualitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Entrevistas a nove enfermeiros e nove médicos que trabalham em unidades para pacientes agudos e crónicos de dois hospitais de Toronto (Canadá) encontra diferenças que sugerem uma tendência dos primeiros apresentarem uma maior sensibilidade para as questões éticas. Também indicam que ambos entendem como importante buscar o melhor bem do paciente, entretanto sob perspectivas distintas, com os enfermeiros enfatizando mais a dignidade, o conforto e os desejos deste, enquanto que os médicos estão mais preocupados com os direitos dos pacientes e a abordagem científica que implica focar mais a doença e o seu tratamento. O estudo sugere que existe a necessidade de desenvolvimento de uma nova prática, com base em atributos comuns aos dois grupos profissionais e em que ambos os grupos estejam empenhados. Isso constituiria um ponto de referência comum compartilhado pelas duas profissões a partir do qual se poderiam resolver os problemas éticos e que iria remover as barreiras de comunicação.

The nature of dilemmas in dialysis nurse practice

Wellard S., 1992

J Adv Nurs. 1992; 17: 951-8.

Enfermeiros Entrevistas a enfermeiros de serviços de diálise, na comunidade de Victoria (Austrália), onde as relações com os pacientes são mais duradouras e com contactos constantes, identifica que o início deste relacionamento é visto como “muito difícil”. Conflitos surgem porque os pacientes não acreditam que os enfermeiros tenham a ‘expertise’ requerida para prover o cuidado adequado, tendo estes que provar a sua habilidade antes de gozarem da confiança dos primeiros. Com o decorrer do tempo, este conflito resolve-se, a relação distante e de desconfiança dá

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lugar à amizade e ao apoio mútuo, então, o dilema para os enfermeiros passa a ser como responder profissionalmente sendo o paciente um amigo.

Ethical reasoning in nurses’ and physicians’ stories about care episodes

UDÉN, G. et al.,1992

J Adv Nurs. 1992; 17(9): 1028-34.

Qualitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Entrevistaram enfermeiros e médicos dos departamentos de Medicina Interna e Oncologia do Hospital Universitário de Tromsö (Noruega). Ao pedirem para que os entrevistados narrassem uma situação de cuidado que fosse eticamente problemática e que tivessem vivido na enfermaria, percebem que especialmente nas histórias dos enfermeiros e menos nas dos médicos, há menções a desacordo entre as duas profissões. Os médicos são frequentemente apontados como fontes de conflitos éticos pelos enfermeiros; por outro lado, estes raramente são mencionados nas narrativas dos primeiros. Por outro lado indica que os enfermeiros tendem a respeitar a autonomia dos pacientes, enquanto que os médicos se inclinam para o paternalismo. Estes resultados foram interpretados como estando essencialmente ligados ao facto de as duas profissões terem diferentes tarefas a realizar e que estão treinados em disciplinas com focos diferentes, a enfermagem e a medicina. É sublinhada a necessidade de encontrar um quadro comum que abranja as duas histórias profissionais.

Ethical challenge in community health nursing.

DUNCAN, SM., 1992

J Adv Nurs. 1992; 17(9): 1035-41.

Qualitativo Enfermeiras Cuidados Primários

Estudo com enfermeiros de serviços extra-hospitalares de British Columbia (Canadá), que revelaram que as situações éticas mais difíceis que enfrentam na sua prática diária envolvem os direitos dos adultos e adolescentes em risco. A defesa e o desenvolvimento da comunidade requerem que os enfermeiros que actuam na comunidade se centrem nas condições que

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determinam a saúde, encontrando maneiras de fortalecer as habilidades dos pacientes para assegurarem os seus direitos e avaliarem a qualidade dos serviços. No entendimento da autora, um aumento na participação dos pacientes no seu cuidado, tanto no âmbito individual como no planeamento da saúde da comunidade, aumentaria a resposta do sistema de saúde às suas necessidades, principalmente para os que estão em situação de alto risco.

Ethical decision-mking processes used by health care providers

GRUNSTEIN-AMADO, R., 1993

J Adv Nurs. 1993; 18(11): 1701-9.

Qualitativo Médicos e Enfermeiras

Hospitalar Este trabalho relata os resultados de um estudo realizado com 18 profissionais de saúde em dois hospitais de Toronto (Canadá). O estudo analisou e avaliou o modo como estes prestadores de cuidados de saúde tomavam decisões de ética clínica na linha de um modelo teórico de tomada de decisão em ética clínica. Nove enfermeiros e nove médicos foram entrevistados em duas fases, em profundidade, e em entrevista semi-estruturada. Os resultados sugerem que, em relação aos dois principais elementos do modelo, a saber, a componente ética e a componente da decisão teórica, os prestadores de cuidados de saúde não seguiram um padrão consistente e sistemático de tomada de decisão ética. As diferenças surgiram entre o seu comportamento real auto-relatado e as suas potencialidades como capacidade (isto é, o seu processo de pensamento abstracto). A imagem geral que se obteve foi que as decisões eram tomadas de um modo estreito, da forma habitual, com a eliminação dos mais importantes e exigentes elementos do processo. Para os prestadores de cuidados de saúde avaliados na abordagem do processo de tomada de decisão ética contava: a sua percepção do

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problema, a sua procura e selecção de informações e provas, e o seu desenvolvimento de alternativas e consequências daí resultantes. Sugere-se (a) a investigação e compreensão destas realidades subjectivas dos indivíduos envolvidos no processo de tomada de decisão, os seus valores e o significado que atribuem à sua escolha, e (b) estabelecer programas educativos para aumentar a capacidade dos prestadores de cuidados de saúde tomarem decisões éticas e, posteriormente, promover uma efectiva e responsável prática profissional.

Two instruments to measure interdisciplinary bioethical decision making

BAGSS, JG., 1993

Heart Lung. 1993; 22(6): 542-7.

Quantitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Para desenvolver e testar dois instrumentos de medição da tomada de decisão sobre o nível de agressividade das unidades de cuidados intensivos. Decisões sobre Agressividade da Assistência ao Paciente (DAAP) mede as percepções sobre a tomada de decisões dos prestadores de cuidados. Decisões sobre Agressividade da Assistência ao Paciente para Pacientes Específicos (DAAP [PE]) mede as percepções em situações específicas. Duas fases na avaliação dos instrumentos psicométricos. Fase I, envio de um questionário de âmbito nacional. Fase II, em unidade de cuidados intensivos médicos de um centro médico do nordeste. Fase I, 22 médicos e enfermeiras especialistas de unidades de cuidados intensivos. Fase II, 35 enfermeiras da unidade de cuidados intensivos, médicos e oito médicos residentes. Foram medidas as propriedades psicométricas dos instrumentos. A validade do conteúdo de ambas as ferramentas foi apoiado pelo seu desenvolvimento a partir da literatura e pelos peritos consultados. A validade de face foi apoiada pelos peritos, enfermeiras e médicos

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residentes. Ambos os instrumentos tinham variância nas respostas e a sua consistência interna / fiabilidade (r = 0,53, r = 0,73) e, no teste-reteste (r = 0,73). Estes instrumentos podem enriquecer a nossa compreensão de como os prestadores de cuidados nas unidades de cuidados intensivos médicos tomam as decisões bioéticas sobre os pacientes. Essa compreensão poderá ajudar no desenvolvimento de intervenções para aumentar a colaboração interdisciplinaridade na decisão, levando a uma maior satisfação e melhores resultados nos cuidados fornecidos aos pacientes.

Moral dilemmas experienced by nurse practitioners

VIENS, DC., 1994

Nurs Pract Forum. 1994; 5: 209-14.

Qualitativo Enfermeiros Cuidados Primários

Um estudo feito com enfermeiros da região oeste dos EUA, que já apresenta como um problema ético para os que actuam nos cuidados primários o direito e o acesso aos serviços de saúde, principalmente pelas situações geradas em consequência dos cortes nos gastos e das restrições de procedimentos impostas pelos seguros de saúde, através da estratégia do managed care.

The discussion of end-of-life medical care by primary care patients and physicians

PFEIFER, MP. et al, 1994

J Gen Intern Med. 1994; 9: 82-8.

Qualitativo Médicos e Pacientes

Cuidados Primários

Estudo acerca da discussão dos cuidados médicos no final da vida, realizado com 43 médicos e 53 utentes de serviços de cuidados primários, indica que os primeiros demonstram hesitação para iniciar esse tipo de argumento, pois temem prejudicar as esperanças dos últimos e o seu relacionamento com eles. Por outro lado, os resultados sugerem que os médicos provavelmente têm pouco a temer nesse sentido, porque os utentes entrevistados manifestam receber bem o argumento, vêem-no como parte integrante da intimidade da relação e acreditam que os profissionais devem gerir a informação com franqueza.

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Informed consent: clinical and legal issues in family practice

SEARIGHT, HR., BARBARASH, RA., 1994

Fam Med. 1994; 26: 244-9.

Médicos Cuidados Primários

Os autores analisam os aspectos clínicos, éticos e legais do consentimento livre e esclarecido na prática dos médicos de família, reconhecem que nas situações de uma relação médico-paciente prolongada é possível que alguns pacientes tendam a transferir a decisão para o profissional. São habitualmente competentes e comunicam uma clara preferência que deve ser respeitada. Entretanto, para que a delegação seja válida, devem ser esclarecidos que o profissional tem o dever de informá-los sobre o tratamento, que têm um direito legal de decidir sobre este, que não podem ser tratados sem o seu consentimento e que têm o direito de consentir ou recusar o tratamento. Esta discussão, alertam os autores, deve ser registada no processo clínico e esta delegação deve ser realizada somente quando o paciente explicitamente declara que não quer mais ser informado ou claramente indica o desejo de que o médico tome a decisão por ele. Mesmo assim, os profissionais devem deixar claro que imediatamente fornecerão qualquer informação adicional se o paciente mudar de ideias.

Confidentiality o medical records: the patient’s perspective

CARMAN, D., BRITTEN, N., 1995

Br J Gen Pract. 1995; 45: 485-8.

Qualitativo Pacientes Cuidados Primários

Estudo qualitativo desenvolvido, em diferentes cidades inglesas de uma área semi-rural, com 39 pacientes de consultórios de seis clínicos gerais, com 12.000 pessoas adstritas. Em entrevistas semi-estruturadas, realizadas nas suas próprias casas, os utentes eram encorajados a manifestar as suas expectativas sobre a confidencialidade dos dados constantes nos seus processos clínicos. Os entrevistados afirmam que os médicos e enfermeiras deveriam ter algum grau de acesso aos seus registos, mas não ilimitado, sendo

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referidas reservas principalmente para os médicos não directamente envolvidos no seu cuidado e, 23 dos participantes referiram que nenhum membro do staff administrativo dos consultórios deveria ter acesso aos registos de seus processos clínicos. Os resultados também apontam para diferentes atitudes quanto à maneira para tratar a informação confidencial nos hospitais e nos consultórios. Dos 23 entrevistados que esperam que ninguém, fora os médicos e a equipa de enfermagem, em alguns casos, tenham acesso aos registos nos consultórios, somente 3 defendem restrições similares para os seus registos hospitalares. O determinante dessa diferença é o anonimato que ocorre no hospital e que não pode ser garantido nos consultórios, especialmente na sua realidade que estavam em pequenas cidades de uma área semi-rural. Também 28 dos entrevistados consideram que, comparando os registos hospitalares com os dos consultórios, os últimos incluem mais informações pessoais, como circunstâncias sociais, relacionamentos, comentários críticos, e abarcando um longo período de tempo.

Medical and nursing ethics: never the twain?

GALLAGHER, A., 1995

Nurs Ethics. 1995; 2(2):95-101.

Reflexivo Médicos e Enfermeiros

Desde a publicação da Carol Gilligan's "In a different voice" em 1982, tem havido muita discussão sobre as abordagens masculina e feminina da ética. Tem sido sugerido que a ética do cuidado, ou uma ética feminina, é mais adequada para a prática da enfermagem, o que contrasta com a tradicional ética ‘masculina’ da medicina. Tem sido sugerido que a versão de Nel Noddings da 'ética do cuidado’ (ou ética feminina) é um modelo adequado para a ética da enfermagem. A abordagem dos ‘quatro princípios’ tornou-se popular

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como modelo de ética médica ou de ética da saúde. É sugerido neste artigo que, embora Noddings apresente uma interessante análise do cuidar e do relacionamento no cuidar, esta tem limitações. Ao invés de agir como uma alternativa à abordagem dos ‘quatro princípios’, é necessário fornecer um enquadramento para a estrutura de pensamento e de tomada de decisão em saúde. Além disso, é sugerido que separatismo ético (ou seja, uma ética para os enfermeiros e uma ética para os médicos) nos cuidados de saúde não é um passo para o progresso quer dos enfermeiros quer dos médicos. São feitas três recomendações: que se deve promover uma ética da saúde que incorpore o que é valioso da tradicional ética ‘masculina' (a abordagem dos ‘quatro princípios’) e da ‘ética do cuidado', ou ‘o como' (aspectos dos trabalhos de Noddings e de Urban Walker); que se encoraje os enfermeiros e os médicos a participarem na "partilha da aprendizagem" e da discussão ética; e que assim como a nossa língua as nossas preocupações éticas são comuns a todos, e não divididas em dicotomias inúteis.

Ethical decision-making by staff nurses

SMITH, KV., 1996

Nur Ethics. 1996; 3(1): 15-25.

Qualitativo Enfermeiras Hospitalar A ética da tomada de decisão é inerente à prática da enfermagem. Embora uma parcela da literatura de enfermagem seja dedicada à deontologia e ética na tomada de decisões, a profissão está apenas começando a investigar a experiência real das enfermeiras em ética. Portanto, o objectivo do presente estudo fenomenológico foi o de examinar a experiência pessoal das enfermeiras quando envolvidas no processo de tomada de decisões éticas. Os dados das entrevistas foram obtidos a partir de 19 enfermeiras da equipa de um grande hospital metropolitano do oeste

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americano. As entrevistas foram transcritas e posteriormente analisadas pelo método de Giorgi de análise de dados. As descrições que emergiram revelaram quatro aspectos comuns na tomada de decisão ética entre enfermeiras: o contexto, o desencadear do processo de tomada de decisão ética (ou seja, deliberação e integração), e os resultados. Estes dados fornecem os fundamentos para uma futura investigação em matéria de ética descritiva e formulação de uma teoria sobre a tomada de decisão ética em enfermagem.

Ethical dilemmas experienced by hospital and community nurses: an Israeli survey

WAGNER, N., RONEN, I., 1996

Nurs Ethics. 1996; 3(4): 294-304.

Quantitativo Enfermeiros Hospitalar e Cuidados Primários

Um estudo realizado em Israel, durante os anos de 1993 e 1994, com 506 enfermeiros que trabalham em hospitais e outros 239 que actuam na comunidade, em centros de enfermagem comunitária ou em serviços de saúde pública, indica que há diferenças entre os tipos de problemas enfrentados por estes dois grupos. Através de um questionário auto-aplicado, cada enfermeiro deveria indicar se, nos últimos doze meses, havia ou não vivenciado as 39 situações potencialmente geradoras de problemas éticos, abrangendo as esferas clínico-profissional, administrativa e interpessoal. Os resultados mostram que em todas as áreas, excepto nas questões relativas à informação e confidencialidade, há diferenças segundo o local de trabalho, sendo que no ambiente hospitalar os enfermeiros são expostos a um leque mais variado de problemas, de distintas natureza e extensão. A análise de regressão feita para verificar a associação entre as características demográficas e profissionais dos sujeitos e os registos das situações geradoras de problemas revela que esta ocorre

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somente para a variável “cenário do hospital versus a comunidade”, deixando manifesto que as variações devem estar relacionadas às diferenças nas peculiaridades de cada cenário. Ainda comparando os enfermeiros dos centros de enfermagem comunitária com os que actuam nos serviços de saúde pública voltados a acções de prevenção, os últimos encontram menos problemas do que os primeiros. Neste estudo, entre os 10 problemas éticos mais frequentes assinalados pelos enfermeiros que actuam em serviços comunitários figuram o conflito entre as necessidades dos pacientes e da família (69%); cuidados ofensivos a pacientes (85,1%); denúncia de actos incompetentes de médicos ou enfermeiros (57,3%); comportamento insultuoso ou rude dos profissionais para com os pacientes (58,9%); omissão de informação ao paciente por pressões da família (45,2%); administração de tratamento errado ou com validade questionável (52% e 49,8% respectivamente) e o constrangimento aos pacientes que recusam tratamento (48,2%). De acordo com os autores, os enfermeiros que trabalham nos cuidados primários, em comparação com os que estão na área hospitalar, mencionam mais frequentemente as situações envolvendo questões de confidencialidade, estigmas, cobertura dos serviços de saúde e greves como potenciais geradoras de problemas.

A phenomenological study of ethical decision-making experiences among senior

VINEY, C., 1996

Nurs Crit Care. 1996; 1(4): 182-7.

Qualitativo Médicos e enfermeiros

Hospitalar O estudo comparou e contrastou as experiências de médicos graduados e enfermeiros na tomada de decisão ética relativa à paragem de tratamento. Os médicos geralmente assumem o papel primordial na tomada de decisão ética, deixando para os enfermeiros o agirem como meros informadores da decisão. Os

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intensive care nurses and doctors concerning withdrawal of treatment

enfermeiros sofrem de perturbação moral em resultado da decisão de parar o tratamento, enquanto os médicos sofrem de dissonância moral. Os médicos e os enfermeiros necessitam de chegar a um acordo sobre a suspensão de tratamento. Um modelo de comunicação que irá reforçar a colaboração multidisciplinar da tomada de decisão ética é sugerido neste artigo.

Ethical theory, ethnography, and differences between doctors and nurses in approaches to patient care

ROBERTSON, DW., 1996

J Med Ethichs. 1996; 22:5 292-9.

Qualitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Estudo etnográfico desenvolvido numa enfermaria psiquiátrica, na Inglaterra, com o objectivo de estudar empiricamente a teoria moral – dos princípios, das virtudes ou as feministas – que descreveria de forma mais adequada as abordagens dos enfermeiros e dos médicos no cuidado diário ao paciente, chega a resultados distintos, apontando diferenças entre a abordagem moral dos dois grupos profissionais. As observações mostram uma coincidência entre a virtude e as concepções de beneficência baseadas no relacionamento (um conceito elaborado na teoria feminista do relacionamento) e, embora o compromisso com a beneficência fosse central para toda a equipa, a ocorrência deste tipo de reflexão encontra-se mais expresso entre os enfermeiros (16 eventos) do que entre os médicos (3 eventos).

Caring and justice: a study of two approaches to health care ethics

RICKARD, M., KUSHE, H., SINGER, P., 1996

Nurs Ethics. 1996; 3: 212-23.

Quantitativo Médicos e Enfermeiras

Hospitalar e Cuidados Primários

Estudo a fim de explorar a distribuição parcial e imparcial da reflexão ética numa amostra de enfermeiros e médicos de diferentes serviços de saúde australianos. A finalidade principal do estudo é descobrir se o género ou a ocupação influenciam a abordagem parcial ou imparcial que os participantes formulam para os diversos cenários hipotéticos com dilemas éticos que lhe são apresentados. Para os

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 351

Partial and impartial ethical reasoning in health care professionals

KUSHE, H. et al, 1997

J Med Ethichs. 1997; 23: 226-32.

autores, a parcialidade caracteriza um aspecto central da orientação do cuidado e envolve os juízos que enfatizam as conexões pessoais e favorecem terceiros, com os quais se é pessoalmente conectado, sobretudo nas situações em que os interesses destes competem com os de outros aos quais não se é pessoalmente ligado. Por outro lado, a abordagem imparcial baseia-se em juízos neutros e desconectados que não privilegiam ligações pessoais e reflectem uma preocupação pelas exigências decorrentes da igualdade e responsabilidade impessoal, expressas em termos dos direitos universais, regras e princípios. Em muitos aspectos, para os autores, os resultados do seu estudo surpreendem e não correspondem à expectativa de que os enfermeiros raciocinariam mais parcialmente e os médicos mais imparcialmente. As medidas tomadas evidenciam que não há associação entre o tipo de abordagem e a ocupação ou género dos inquiridos, ou seja, os enfermeiros e os médicos entrevistados são igualmente propensos para responder parcial ou imparcialmente aos problemas éticos propostos nas questões. Concluem, assim, que os dados não sustentam a concepção de que a ética parcial do cuidado seja característica do enfermeiro e a imparcial da justiça, própria do médico. Enfermeiros e médicos pensam de ambos modos, em diferentes ocasiões.

Attitudes of women from vulnerable populations toward physician-assisted death: a qualitative approach

MORROW, E., 1997

J Clin Ethics. 1997; 8: 279-89.

Qualitativo Pacientes Estudo feito numa cidade litoral do sul da Califórnia, com mulheres entre os 18 e 60 anos de idade, de populações vulneráveis (idosas, latino-americanas que não falam inglês, sem residência, vítimas de violência doméstica etc.) revela que além de experimentarem dificuldades no acesso aos cuidados médicos, são alvo

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352 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

de falta de respeito quando superam as barreiras e conseguem atendimento.

An enquiry into a combined approach for nursing ethics

LIPP, A., 1998

Nurs Ethics. 1998; 5(2): 122-38.

Qualitativo Enfermeiras A teoria definitiva para a tomada de decisões éticas em enfermagem é ainda apenas uma conjectura. A literatura confirma que tem havido inúmeros estudos sobre a tomada de decisão ética em enfermagem, quer propondo a orientação pela justiça quer pelo cuidado, ou por uma combinação de ambas. Na ausência de uma teoria definitiva, este trabalho exploratório procura, através da “grounded theory”, lançar alguma luz sobre os métodos utilizados diariamente pelos enfermeiros para tomarem decisões éticas na área clínica. Os dados mostram que alguns factores, tais como os médicos, os colegas e a organização, influenciam profundamente a tomada de decisões éticas. Os informantes utilizaram tanto o cuidado como a justiça para a formulação de decisões, no que é conhecido como a abordagem combinada.

A method for evaluating health care providers’ decision making: the provider decision process assessment instrument

DOLAN, JG., 1999

Med Decis Making. 1999; 19(1): 38-41.

Quantitativo Médicos Cuidados Primários

A validade e confiabilidade da avaliação do processo de tomada de decisão ética é essencial para que a avaliação da decisão auxilie eficazmente os programas de garantia da qualidade. O Instrumento de Avaliação do Processo de Decisão de um Prestador é um questionário de 12 itens que mede o grau de conforto com uma decisão médica por parte de um prestador de cuidados de saúde. A medida das suas propriedades foram estudadas em duas clínicas de medicina geral. A confiabilidade, medida utilizando o Alfa de Cronbach, foi de 0,90 (IC 95% = 0,87 a 0,92). A validade do construct também foi elevada, com correlações negativas esperadas variando de -0,53 a -0,67. O

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 353

instrumento também satisfez os critérios uniformes para a homogeneidade dos itens e foi prontamente preenchido pelos médicos. Estes resultados sugerem que o Instrumento de Avaliação do Processo de Decisão de um Prestador prova ser um instrumento valioso para a avaliação da decisão médica na prática clínica.

Moral problems among Dutch nurses: a survey

VAN DER AREND, AJ., REMMERS-VAN DER HURK, CH., 1999

Nurs Ethics. 1999; 6(6): 468-82.

Qualitativo e Quantitativo

Enfermeiros Cuidados Primários

Estudo empírico, exploratório, realizado, na década de 90, com enfermeiras holandesas para identificar as questões que vivenciam como problemas éticos nos diferentes tipos de instituições de saúde. Foi desenvolvido um questionário, baseado na literatura publicada, em painéis de discussão, em observações participadas e em entrevistas aprofundadas. O instrumento foi testado num estudo piloto que provou ser útil. Foram enviados um total de 2122 questionários a 91 instituições de saúde de sete diferentes configurações. Os resultados mostram que as enfermeiras não estavam enfrentando problemas sociais importantes como o aborto e a eutanásia como os mais problemáticos moralmente, mas sim situações como o comportamento verbalmente agressivo dos colegas para com os pacientes, o manter silêncio sobre erros e tratamentos médicos dados contra a vontade dos pacientes. Os problemas morais ocorreram principalmente quando as enfermeiras experienciaram sentimentos de impotência em relação ao bem-estar dos pacientes. Além disso, revelaram problemas morais relacionados com a organização institucional, a liderança e a colaboração com colegas e outros profissionais. As enfermeiras pareceram ter um conhecimento limitado das dimensões morais da sua

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354 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

prática. Neste estudo, figuram como problemas mais frequentes nos cuidados de saúde primários: a demora na transferência do paciente para outros serviços (93,3%); o conhecimento insuficiente das enfermeiras (50%);a agressão verbal para com o paciente (48,9%); o persuadir o paciente a cooperar (48,9%); o desacordo com acções prescritas (45,9%); o desacordo com as escolhas dos pacientes (40,7%); o manter-se em silêncio sobre erros cometidos (37,8%).

Visiting nurses’ situated ethics: beyond ‘care versus justice’

GREMMEM, I., 1999

Nurs Ethics. 1999; 6: 515-27.

Qualitativo Enfermeiras Cuidados Primários

Estudo que busca conhecer as considerações éticas de enfermeiras visitadoras na Holanda. As entrevistadas ponderam que têm que se adaptar ao modo de vida do paciente para minimizar as consequências negativas dos aspectos intrusivos, inevitáveis do seu trabalho. Assim, frente a uma divergência de opiniões com o paciente ou a sua família, devem tentar chegar a um acordo, imediato ou num futuro próximo, através da explicação das consequências do curso de acção escolhido pelo paciente e das razões pelas quais a enfermeira escolhe outra alternativa. Devem ser capazes de oferecer sugestões e propostas sem pressionar, tentando ganhar a confiança para que o paciente possa manifestar as suas objecções, medos ou preocupações e então o ouçam, dêem informação ou o apoiem quando quiser discutir novamente a questão.

Refusal of treatment

CONNELLY, JE., 2000

In: SUGARMAN, J. (ed) Ethics in Primary Care. New

Cuidados Primários

Certas seitas religiosas impõem crenças sobre saúde, doença e tratamentos, podendo influenciar as preferências dos utentes. Muitas vezes, estas crenças são subtis e passam desapercebidas pelos profissionais de saúde, gerando mal entendidos que

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 355

York: McGraw-Hill. 2000. pp. 187-210.

são agravados pelas barreiras de comunicação. Os conflitos habitualmente surgem quando as crenças religiosas ou culturais configuram motivos de recusa de um cuidado médico, especialmente quando este é importante ou pode salvar a vida da pessoa.

Ethical decisions making in nurses. Relationships among moral reasoning, coping style, and ethics stress

RAINES, ML., 2000

JONA’S Health Law, Ethics Regul. 2000; 2(1): 29-41.

Quantitativo Enfermeiros Hospitalar O stresse relacionado com a tomada de decisão ética é uma grave consequência dos frequentes encontros com os dilemas éticos para a enfermagem oncológica. Foi utilizado um inquérito descritivo, desenhado utilizando técnicas correlacionais, para o estudo de uma amostra nacional de 229 enfermeiras oncológicas. Os resultados indicaram que uma enfermeira confrontou-se em média com 32 tipos diferentes de dilemas éticos, no último ano. A gestão da dor é o dilema ético mais frequentemente citado, seguido pela contenção de custos e as questões relacionadas com a qualidade de vida e outras decisões no melhor interesse do paciente. Aproximadamente 80% dos respondentes classificaram o seu stresse ético como um nível de 6 ou acima, numa escala de 0 a 10. Quarenta e três por cento da amostra indicou que utiliza um estilo de raciocínio moral independente ou “soberano”; 23% dependem ou acomodam-se ao acórdão de outros; e 34% utilizam características de ambos os estilos de raciocínio moral. Compreender as relações entre o estilo de raciocínio moral, o estilo de coping, e o stresse ético podem auxiliar as enfermeiras e os administradores a lidarem de uma forma mais eficaz com o aumento do perigo moral encontrado hoje em muitos centros oncológicos. Os achados sugerem a necessidade de intervenções específicas para a redução do stresse ético na população de enfermagem.

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356 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

Patients’ autonomy and medical benefit: ethical reasoning among GPs

BREMBERG, S. NILSTIN, T., 2000

Fam Pract. 2000; 17(2): 124-8.

Quantitativo Médicos Cuidados Primários

Durante as últimas décadas, o tradicional papel dos clínicos gerais como instância de decisão dos seus pacientes tem sido questionado. O objectivo deste estudo foi identificar e discutir como os clínicos gerais lidam com as situações em que existe uma possível tensão entre a obrigação de respeitar o direito do paciente à auto-determinação e a obrigação de promover a sua saúde. 120 clínicos gerais suecos seleccionados aleatoriamente receberam um questionário enviado pelo correio com dois casos, um descrevendo uma paciente relutante em consentir numa intervenção médica clinicamente justificada, o outro descrevendo uma paciente solicitando uma intervenção médica clinicamente duvidosa. 47 desses clínicos gerais foram posteriormente entrevistados pelo telefone. No que diz respeito ao primeiro caso, aproximadamente dois terços das respostas ao questionário (n = 82) foram que não iriam aceitar a relutância da paciente. Os clínicos gerais mais velhos mostraram-se um pouco mais inclinados para tentarem convencer a paciente do que os colegas mais jovens. Na entrevista, a maioria dos inquiridos respondeu que deveria ser dada prioridade ao direito à auto-determinação, mas que a obrigação de promover a saúde tinha uma grande influência no seu comportamento. Quanto ao segundo caso, também dois terços das respostas ao questionário foram que não dariam seguimento ao pedido da paciente. Os clínicos gerias mais jovens responderam "Não" com mais frequência do que os seus colegas mais velhos. Nas entrevistas telefónicas, justificaram as suas respostas referindo que os médicos devem beneficiar

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 357

os pacientes, que a situação era desconfortável, que se deve proteger, ser justos. Quando confrontados com estes conflitos da prática quotidiana, os códigos éticos da medicina são demasiado categoriais para darem qualquer orientação. A situação ideal e mais útil seria tentar uma aliança, o que deve ser enfatizado pelos professores de medicina, bem como pelos tutores mais velhos.

Are medical ethicists out of touch? Practitioner attitudes in the US and UK towards decisions at the end of life

DICKENSON, DL., 2000

J Med Ethics. 2000; 26(4): 254-60.

Quantitativo Médicos e Enfermeiras

Para avaliar se os profissionais de saúde do Reino Unido e Estados Unidos partilham a opinião da ética médica sobre futilidade, suspensão/manutenção de tratamentos, intervenções ordinárias/extraordinárias e doutrina do duplo efeito, administrou-se um questionário de atitudes com 138 itens. O questionário foi preenchido por 469 enfermeiras britânicas a frequentar o curso sobre "Morte e Morrer" da Universidade Aberta, e foi comparado com o mesmo questionário preenchido por 759 enfermeiras americanas e 687 médicos a frequentar o curso sobre "As decisões perto do fim da vida " do Hastings Center. Os profissionais aceitaram a relevância de conceitos amplamente divulgados pelos bioeticistas: duplo efeito, futilidade médica, e as distinções entre intervenção heróica/ordinária e manutenção/paragem de tratamento. Dentro do grupo de enfermeiras britânicas um eixo "racionalista" de inquiridos que se descreve a si próprio como "sem religião" está mais perto do consenso bioético sobre manutenção e suspensão de tratamento. As crenças dos profissionais divergem substancialmente das recomendações das suas organizações profissionais e das opiniões maioritárias em bioética. Os bioeticistas devem ser cautelosos

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358 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

quanto assumem que as suas opiniões serão prontamente aceites pelos profissionais.

Attitudinal patterns determining decisions-making in the treatment of the elderly: a comparison between physicians and nurses in Germany and Sweden

RICHTER, J., EISEMANN, MR., 2000

Intensive Care Med. 2000; 26(9): 1326-33.

Quantitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar Ordens de não ressuscitar e directivas antecipadas têm sido desenvolvidas e a sua utilização pelos doentes está a aumentar. O objectivo do estudo foi avaliar a conformidade entre os desejos dos pacientes e o acordo de médicos e enfermeiros sobre a tomada de decisões no tratamento de doentes idosos a partir de uma perspectiva cultural transversal. Cento e quatro médicos suecos e 122 enfermeiros, assim como 192 médicos alemães e 182 enfermeiros de hospitais universitários, foram estudados através de um questionário baseado num caso problema com informação de três cenários possíveis sobre os desejos de tratamento do doente. Foi estabelecida uma relação entre o nível de percepção de ajuda e a opção de tratamento escolhida em todas as quatro amostras, especialmente para o cenário em que uma directiva antecipada estava disponível. Surgiram dois padrões de determinantes estreitamente relacionados: (a) “desejo do paciente”, “questões éticas”, e “desejos da família”, e (b) “idade do doente”, “nível de demência”, e “custos hospitalares”. Uma intensa e contínua formação de médicos e enfermeiros em ética médica é necessária para promover a autonomia do paciente na prática clínica. As implicações éticas da idade dos pacientes e nível de demência em relação aos custos hospitalares deve constituir um tópico importantes desses programas formativos.

Doctors’ and nurses’

OBERLE, K., HUGHES,

J Adv Nurs. 2001; 33:

Qualitativo Médicos e Enfermeiras

Hospitalar Estudo realizado com 14 enfermeiras e 7 médicos trabalhando numa unidade de cuidados intensivos

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 359

perceptions of ethical problems in end-of-life decisions

D., 2001 707-15. médico-cirúrgicas de um hospital canadiano. Na medida em que as categorias e os temas convergem e o problema nuclear é essencialmente o mesmo, o principal achado é a similaridade entre os profissionais, apesar de algumas diferenças éticas entre eles. Estas diferenças, de acordo com os autores, parecem ocorrer menos em virtude de uma diferença no compromisso ou na abordagem ética do que em função da estrutura hierárquica da organização hospitalar e dos papéis designados para médicos e enfermeiras como prestadores de cuidados de saúde, uma vez que aos médicos compete a responsabilidade de ter que tomar decisões e prescrever ordens, enquanto às enfermeiras é imposta a carga de viver com as decisões tomadas por outrem. Por esta razão, é evidente que estes profissionais fazem questionamentos distintos na mesma situação de assistência, pois enquanto os médicos se preocupam com o processo de tomada de decisão em si, as enfermeiras, por não serem as protagonistas desta actividade, centram as suas inquietudes no “como” e no “porquê” de determinada decisão.

Comissões de ética de enfermagem em instituições de saúde de Ribeirão Preto

DUCATI, C., BOEMER, MR., 2001

Rev Lat Am Enfermagem. 2001; 9(3): 27-32.

Enfermeiras Hospitalar O trato rude e ofensivo das equipas de saúde para com os pacientes também aparece em estudos brasileiros que investigam as ocorrências registadas por comissões de ética de enfermagem de hospitais da cidade de Ribeirão Preto (Brasil).

Saúde coletiva: um desafio para a enfermagem

MATUMOTO, S., MISHIMA, SM., PINTO,

Cad Saude Publica. 2001; 17: 233-41.

Enfermeiros O problema ético do desrespeito parece trazer à superfície a imprevisibilidade de resultados que é inerente às relações que marcam o encontro entre pacientes e profissionais de saúde, no qual entra em

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IC., 2001 jogo uma disputa de interesses. De um lado o paciente busca a resolução de um problema de saúde que considera importante e do outro, o profissional, muitas vezes, mantém-se preso a procedimentos, normas e rotinas do serviço ou ainda ao seu entendimento técnico do que é melhor para o paciente. Neste desencontro de necessidades e interesses, a negociação é imprescindível, pois nem sempre o pedido do paciente é interpretado como um problema pelo profissional e/ou para o serviço de saúde.

What makes a problem an ethical problem? An empirical perspective on the nature of ethical problems in general practice

BRAUNACK-MAYER, AJ., 2001

J Med Ethics. 2001; 27(2): 98-103.

Qualitativa Médicos Cuidados Primários

Estudo feito com 15 clínicos gerais do Sul da Austrália, que em entrevista semi-estruturada lhes era solicitado que falassem sobre um problema ético que tivessem encontrado na sua prática clínica. De maneira geral, as situações enfrentadas por estes profissionais, quando comparadas com as questões candentes e de maior destaque na literatura de bioética, parecem insignificantes ou comuns. Além disso, em vez de se referirem a uma crise que ocorreu raramente, falam antes de questões que lhes surgem corriqueiramente. A variedade de pontos de vista sobre o que torna um problema um problema moral indica que o domínio moral é, talvez, mais amplo e mais rico do que, em geral, permite a bioética integrar.

Whose autonomy? Which choice? A study of GPs’ attitudes towards patient autonomy in the management of low back pain

ROGERS, WA., 2002

Fam Pract 2002; 19(2): 140-5.

Qualitativo Médicos Cuidados Primários

O respeito pela autonomia do paciente é um importante princípio ético para os médicos, no entanto, investigações anteriores relataram atitudes incoerentes dos profissionais para com o respeito pela autonomia dos doentes. Este estudo de ética empírica, utilizando metodologia qualitativa, investiga as atitudes dos clínicos gerais em relação ao respeito pela autonomia

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 361

do paciente em consultas por lombalgia. O objectivo do estudo é explorar as atitudes dos clínicos gerais em relação ao respeito pela autonomia do paciente e analisar as suas atitudes em relação a quatro questões da gestão da lombalgia que levantam dilemas éticos e práticos. Os participantes foram 21 clínicos gerais seleccionados a partir de clínicas do Sul da Austrália por amostragem estratificada e intencional que visava maximizar a diversidade. Entrevistas semi-estruturadas foram gravadas, transcritas e analisadas utilizando itens desenvolvidos a partir da transcrição e outros itens obtidos do estudo teórico. Na análise, as atitudes em relação à autonomia do paciente foram caracterizadas como de autonomia, de respeito, intermediária e de controlo. Os resultados mostraram inconsistências individuais nas atitudes dos clínicos gerais em relação ao respeito pela autonomia do paciente. Por exemplo, a maioria dos clínicos gerais aceitou a decisão autónoma do paciente na utilização de terapêuticas alternativas, mas tiveram atitudes muito controladoras no que ao uso de analgésicos disse respeito. As atitudes face à duração do tempo de trabalho foram repartidas uniformemente, enquanto as atitudes em relação ao uso de raios-X foram modificadas pelo pedido de raios-X pelo paciente. Estes resultados sugerem que as atitudes dos clínicos gerais em relação à autonomia do paciente são modificadas por factores éticos e pragmáticos, e variam dependendo da natureza do assunto em questão.

Decision-making in the treatment of elderly people: a

RICHTER, J., et al., 2002

Scand J Caring Sci. 2002; 16(2):

Quantitativo Médicos e Enfermeiros

Hospitalar O objectivo do estudo foi avaliar a comparabilidade das decisões no tratamento de idosos incompetentes severamente doentes entre médicos e enfermeiros

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362 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

cross-cultural comparison between Swedish and Germany physicians and nurses

149-56. numa perspectiva multi-cultural. Uma amostra de conveniência de 192 médicos e 182 enfermeiros da Alemanha e 104 médicos e 122 enfermeiros da Suécia responderam a um questionário num estudo transversal. Entre 39 e 58% dos respondentes optaram, nos diversos grupos, por opções de tratamento, que não são compatíveis com a vontade dos pacientes. No entanto, os enfermeiros mostraram um significativo maior respeito do que os médicos. A probabilidade de escolha pela ressuscitação cardio-pulmonar diminuiu com o aumento da informação sobre os desejos do paciente. As preocupações éticas e os desejos dos pacientes apareceram como as mais importantes determinantes nas decisões do tratamento, enquanto os custos hospitalares, bem como a religião dos médicos eram de menor importância. A incoerência relativa do processo de tomada de decisões dentro e entre os grupos reflectem diferenças nos valores subjacentes e falta de consenso social, que representa uma condição essencial para a melhora da autonomia dos pacientes. Centrar-se mais frequentemente, e em maior medida, nos problemas relacionados com o tratamento de pacientes idosos gravemente enfermos, bem como para a formação em técnicas de comunicação orientadas para o consentimento informado na formação médica parece justificar-se.

The relationship between the application of the nursing ethical code and nurses’ work satisfaction

BITON, V., TABAK, N., 2003

Int J Nurs Pract. 2003; 9(3): 140-57.

Quantitativo Enfermeiros Hospitalar A satisfação profissional é conhecida como sendo um dos principais factores relacionados com a “qualidade” dos cuidados de enfermagem. O ser capaz de aplicar os princípios da profissão influencia a satisfação profissional. O código ético da enfermagem é uma boa manifestação desses princípios profissionais. A rotina

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 363

do trabalho quotidiano dos enfermeiros pode comprometer a quantidade de energia investida no seguir o código ético. A diferença entre os requisitos éticos (percebidos pelos enfermeiros) e a percepção de que são aplicados no trabalho poderá influenciar a satisfação mediante o efeito de resolução de conflitos. As variáveis demográficas, incluindo idade, ocupação e número de filhos também podem exercer algum efeito. Um questionário estruturado foi usado para medir a percepção dos enfermeiros em relação à sua capacidade de seguir o código ético num grande hospital de Israel. O questionário incidiu sobre questões éticas do código. Os resultados apoiam a hipótese de que a lacuna ética não se correlaciona directamente com a satisfação profissional. Este documento sublinha que a profissionalização manifestada pelo código ético deve ser aplicada no local de trabalho numa base diária.

Empirical research on research ethics

SIEBER, JE., 2004

Ethics Behav. 2004; 14(4): 397-412.

Reflexivo Investigadores A ética é normativa; a ética indica, em termos gerais, o que os investigadores devem fazer. Por exemplo, os investigadores devem respeitar o ser humano participante na investigação. Mas é o estudo empírico que nos diz o que realmente acontece. A investigação empírica é frequentemente necessária para aperfeiçoar as melhores formas para atingir os objectivos normativos, por exemplo, para descobrir a melhor forma de atingir o duplo objectivo de obter importantes conhecimentos e respeitar os participantes. A tomada de decisões éticas pelos cientistas e a revisão institucional não se deve basear só em opiniões (por exemplo, questões como a informação que os participantes gostariam de saber e aquilo que

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364 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

compreendem dos protocolos de investigação, ou o que eles consideram ser riscos aceitáveis). Estas perguntas devem ser respondidas por meio de estudos empíricos. Este artigo coloca a investigação empírica sobre ética de uma perspectiva mais ampla e desafia os investigadores a utilizarem os instrumentos das suas disciplinas de uma forma proactiva para resolverem os problemas éticos para os quais não existe actualmente qualquer solução empiricamente provada.

Bioética e atenção vásica: Um perfil dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos do programa saúde da família

ZOBOLI, EL., FORTES, PA., 2004

Cad Saude Publica. 2004; 20(6): 1690-9.

Qualitativo Médicos e Enfemeiras

Cuidados Primários

Estudo empírico, qualitativo, de ética descritiva, com enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família, no Município de São Paulo (Brasil), com o objectivo de identificar os problemas éticos vivenciados por esses profissionais. Tendo sido solicitado aos profissionais que listassem problemas éticos a partir da narrativa de um caso vivido, os resultados apontam para problemas éticos na relação com o utente e a família, na relação da equipe de saúde e nas relações com a organização e o sistema de saúde. Isto é, aspectos éticos que permeiam circunstâncias comuns da prática diária dos cuidados de saúde e não situações dilemáticas, que requeiram soluções imediatas, habitualmente mais exploradas na literatura bioética. Essa peculiaridade dos problemas éticos vividos nos cuidados primários pode levar à dificuldade em identificá-los como tal, pondo em risco a relação vincular que está no cerne do Programa de Saúde da Família.

A review of instruments measuring nurse-physician

DOUGHERY, MB., LARSON, E., 2005

J Nurs Adm. 2005; 35(5): 244-54.

A colaboração médico-enfermeira tem sido estudada usando uma variedade de instrumentos. A capacidade de generalizar os resultados dos estudos é baseada em valores aceitáveis da métrica de confiabilidade e

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 365

collaboration validade desses instrumentos. Para rever que instrumentos foram utilizados para medir a colaboração médico-enfermeira e comparar os pontos fortes e as oportunidades potenciais de cada instrumento, fez-se uma pesquisa bibliográfica utilizando as bases de dados PubMed e Health and Psychological Instruments para artigos publicados entre 1990 e Maio de 2004. Após a identificação dos instrumentos fez-se uma segunda pesquisa para identificar pelo menos um artigo de revisão descrevendo a psicometria do instrumento. Os artigos identificados, de seguida, foram colocados na ISI Web of Science Citation Index para identificar os instrumentos que tinham sido usados em pelo menos dois outros estudos. Os instrumentos seleccionados foram, de seguida, revistos pela seguinte informação: bases para o desenvolvimento da ferramenta, descrição da ferramenta, testes psicométricos iniciais, e aspectos fortes e aplicações potenciais para cada instrumento. Cinco instrumentos reuniram os critérios do estudo: “Collaborative Practice Scale”, “Collaboration and Satisfaction About Care Decisions”, “ICU Nurse-Physician Questionnaire”, “Nurses Opinion Questionnaire”, “Jefferson Scale of Attitudes Toward Physician Nurse Collaboration”. Os instrumentos identificados tinham testes de confiabilidade e validade e são recomendados para futuras investigações sobre a colaboração médico-enfermeira.

Ethical principles and the rationing of health care: a qualitative study in general practice

BERNEY, L. et al, 2005

Br J Gen Pract. 2005; 55(517): 620–5

Qualitativo Médicos Cuidados Primários

Estudo qualitativo com clínicos gerais de Londres (Reino Unido), questionando um tema sensível, como o racionamento e a negação de tratamentos e cuidados de saúde, o que levanta uma série de problemas metodológicos e éticos. Descrevem os métodos e as

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366 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

conclusões de uma série de grupos focais que discutiram e analisaram como os clínicos gerais aplicam os princípios éticos na situação de afectação de recursos escassos. A metodologia consistiu na aplicação de uma pequena escala qualitativa com a finalidade de amostragem, seguida de entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. Vinte e quatro clínicos gerais de duas áreas contrastantes de Londres: uma relativamente abastada e outra relativamente necessitada. As entrevistas iniciais pediram aos clínicos gerais para identificarem as principais questões relacionadas com a atribuição de recursos. As entrevistas foram transcritas e os temas foram identificados. Uma série de casos, cada um ilustrativo de uma questão ética relacionada com o racionamento, foram escritos sob a forma de cartões. Em discussões de grupo focal, foram dadas aos clínicos gerais alguns destes cartões para debate. No que diz respeito à base ética para a tomada de decisão, as conclusões desta parte do estudo enfatizam o papel dos factores sociais e psicológicos, a influência da qualidade das relações entre médicos e pacientes e a confusão entre os médicos sobre o seu papel na tomada de decisão. A utilização dos cartões desenvolvidos a partir das entrevistas com os clínicos gerais criaram um ambiente não ameaçador o que permitiu discutir questões tão sensíveis como controversas. A aceitação por parte dos clínicos gerais dos princípios morais não implica clareza e coerência na aplicação destes princípios na prática.

Bioética e atenção básica: Um estudo

SILVA, LT., ZOBOLI, EL.,

Cogitare Enferm.

Quantitativo Médicos e Enfemeiras

Cuidados Primários

Estudo quantitativo exploratório para identificar e verificar a frequência dos problemas éticos vividos por

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LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 367

exploratório dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos no programa de saúde da família

BORGES, AL., 2006

2006; 11(2): 133-142.

enfermeiros e médicos no Programa de Saúde da Família. Colheita de dados por questionário auto-aplicado, contendo situações geradoras de problemas éticos e escala de quatro pontos para a frequência. Desrespeito do profissional para com o utente; problemas relacionados com as informações a utentes e às famílias e à preservação da privacidade e confidencialidade apareceram na maioria dos questionários, embora com frequências diferentes. Os resultados indicam que a bioética nos cuidados primários lida com situações do quotidiano e não com dilemas de maior apelo dramático. A subtileza desse panorama pode levar à não percepção dos problemas, reforçando a necessidade de capacitação dos profissionais em comunicação e acolhimento, para instituir uma atitude ética baseada na cidadania, solidariedade e humanismo.

Methods to identify and address the ethical issues associated with managed care

LUNDY, C., 2006

Penn Bioeth J. 2006; 2(2):3-7.

Existem muitos benefícios dos cuidados de saúde, com o seu foco na prevenção das doenças e na promoção da saúde. A integração dos serviços de saúde pode minimizar ineficiências, e aumentar a capacidade de limitar os custos da saúde, no entanto, existem também algumas questões éticas que surgem a partir de gestão da saúde. No contexto do sistema de saúde, a ética é um método de análise do conflito de valores e obrigações, sempre que existem interesses concorrentes, cada um dos quais apresentando uma posição razoavelmente justificada. Os princípios de justiça são particularmente úteis e aplicáveis para as questões éticas relacionadas com a gestão da saúde. Através de uma revisão da literatura relevante, este artigo analisa diferentes métodos e princípios de justiça

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368 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

a considerar no estabelecimento de uma ética da gestão das organizações da saúde e oferece alguns exemplos de planos de políticas estabelecidas para atingir objectivos éticos. O definir objectivos éticos, inscritos nos planos, pode minimizar os conflitos éticos e colaborar para assegurar que a utilização consistente dos procedimentos pode garantir a qualidade dos cuidados disponíveis.

Knowledge, attitudes and practice of healthcare ethics and law among doctors and nurses in Barbados

HARIHARAN S. et al., 2006

BMC Med Ethics. 2006; 7(1): 7

Quantitativo Médicos e Enfemeiras

Hospitalar Estudo cujo objectivo foi avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas dos profissionais da saúde de Barbados, em relação à ética e ao direito relacionado com os cuidados de saúde numa tentativa de ajuda e guia da sua conduta profissional e no seu desenvolvimento curricular. Um questionário auto-preenchido sobre o conhecimento da ética dos cuidados de saúde, do direito e do papel de uma comissão de ética no sistema de saúde foi concebido, testado e distribuído a todos os níveis de pessoal do Hospital Queen Elizabeth, em Barbados (um hospital universitário de cuidados terciários), durante os meses de Abril e Maio de 2003. O artigo analisa as respostas de 159 médicos e enfermeiros de diferentes níveis de graduação. A frequência com que os inquiridos encontraram problemas legais ou éticos variou amplamente. 52% do pessoal médico mais graduado e 20% do pessoal de enfermagem mais graduado sabia muito pouco sobre as leis pertinentes ao seu trabalho. 11% dos médicos não conheciam o conteúdo do Juramento Hipocrático, enquanto um quarto dos enfermeiros não tinha conhecimento do Código de Enfermagem. O Código de Nuremberga e a Declaração de Helsínquia eram conhecidos apenas por alguns

Page 379: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA 369

indivíduos. 29% dos médicos e 37% dos enfermeiros não tinha conhecimento de que no hospital existia uma comissão de ética. Os médicos tiveram uma opinião mais forte do que os enfermeiros quanto à prática da ética, tais como a adesão aos desejos dos pacientes, a confidencialidade, o paternalismo, o consentimento informado para os procedimentos e tratamentos não conformes dos pacientes (p = 0,01). O estudo destaca a necessidade de identificar os profissionais de saúde, que parecem ser indiferentes às questões éticas e jurídicas, de conceber meios para os sensibilizar para estas questões e de lhes dar uma adequada formação.

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371 GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS

ANEXO 9

GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS

N A B C D E F Ia Ib Ic I IIa IIb IIc II IIIa IIIb IIIc III

1 2 39 2 17 3 3 Virtudes Principios Principios Principios

2 1 51 1 30 3 1 Principios Principios Principios Principios Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

5 2 57 2 32 3 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado

6 2 35 2 11 3 3 Principios Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia

7 1 45 2 20 3 3 Principios Principios Principios

8 1 36 1 10 1 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Casuistica Cuidado Misto Principios Casuistica Virtudes Misto

9 2 42 1 16 5 1 Principios Casuistica Casuistica Casuistica Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia

10 2 48 1 25 3 3 Principios Principios Virtudes Principios Deontologia Deontologia Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

11 1 53 1 28 4 2 Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

12 1 50 1 25 4 3 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

13 2 48 1 25 4 2 Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Deontologia Cuidado Principios Misto Casuistica Casuistica Deontologia Casuistica

14 2 50 1 27 3 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

15 1 58 1 28 3 3 Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Virtudes Misto Principios Casuistica Casuistica Casuistica

16 2 41 2 19 3 3 Principios Casuistica Casuistica Casuistica Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Principios Deontologia Casuistica Misto

17 2 55 1 29 3 1 Deontologia Cuidado Casuistica Misto Deontologia Casuistica Casuistica Casuistica Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

18 1 50 1 27 1 1 Principios Deontologia Principios Principios Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Principios Principios Principios Principios

19 1 51 1 26 4 1 Deontologia Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Deontologia Deontologia

20 1 48 1 24 5 2 Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Principios Virtudes Virtudes

21 2 53 1 28 3 1 Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios

22 2 33 1 7 3 2 Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia

23 1 58 1 30 3 2 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia

24 1 51 1 27 4 3 Virtudes Casuistica Virtudes Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

25 2 53 1 29 3 1 Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Casuistica Principios

27 2 57 1 30 3 1 Virtudes Principios Principios Principios Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

28 2 34 1 10 1 3 Virtudes Principios Principios Principios Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

29 1 54 1 29 3 1 Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Misto Principios Principios Principios

30 2 52 2 31 3 1 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Principios Deontologia Deontologia Deontologia

31 2 31 2 7 3 1 Virtudes Casuistica Casuistica Casuistica Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

32 1 49 1 25 6 1 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Cuidado Cuidado Principios Deontologia Deontologia Deontologia

Page 382: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

372 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

N A B C D E F Ia Ib Ic I IIa IIb IIc II IIIa IIIb IIIc III

33 2 50 1 25 2 1 Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

34 1 41 2 16 3 2 Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

37 2 32 1 8 5 1 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Virtudes Principios Virtudes Virtudes

38 2 35 1 11 5 1 Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Deontologia Misto Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

39 2 51 1 27 5 3 Principios Principios Principios

43 2 43 2 22 3 2 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

45 2 30 2 7 3 3 Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

48 2 38 2 16 3 2 Virtudes Cuidado Principios Misto Principios Cuidado Principios Principios Deontologia Principios Principios Principios

49 2 57 1 31 3 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

50 2 55 1 25 3 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

58 2 27 2 6 3 3 Principios Principios Cuidado Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios

59 2 45 2 18 3 3 Principios Principios Principios Principios Principios Cuidado Principios Principios Principios Principios Principios Principios

60 2 43 2 18 3 3 Principios Principios Principios Principios Principios Principios Virtudes Principios Principios Principios

61 2 39 2 10 3 1 Principios Cuidado Principios Principios Principios Principios Deontologia Principios Principios Principios Principios Principios

62 1 23 2 1 3 3 Principios Casuistica Cuidado Misto Deontologia Cuidado Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

63 2 43 2 16 3 3 Principios Casuistica Principios Principios Principios Cuidado Cuidado Cuidado Principios Principios Principios Principios

64 2 50 2 29 3 1 Principios Cuidado Principios Principios Principios Cuidado Deontologia Misto Principios Principios Principios Principios

65 1 53 1 30 3 1 Principios Principios Principios Principios Virtudes Deontologia Principios Misto Virtudes Virtudes Virtudes

67 2 47 2 23 3 1 Virtudes Cuidado Principios Misto Deontologia Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

68 2 48 2 28 3 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Virtudes Cuidado Principios Principios Principios Principios

72 2 57 2 32 2 1 Virtudes Virtudes

74 1 38 2 16 2 3 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Principios Virtudes Virtudes Virtudes

76 2 43 2 19 2 2 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia

77 2 33 2 10 2 2 Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes

78 2 40 2 16 2 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

79 2 47 2 21 2 1 Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Deontologia Deontologia Virtudes Deontologia Principios Principios Principios Principios

80 2 39 2 17 2 1 Virtudes Cuidado Principios Misto Deontologia Cuidado Virtudes Misto Casuistica Cuidado Cuidado Cuidado

82 1 50 1 25 2 1 Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

86 1 56 1 30 2 3 Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia

90 1 54 1 27 2 2 Virtudes Virtudes Principios Principios

95 2 49 1 25 2 1 Virtudes Casuistica Misto Deontologia Cuidado Misto Principios Casuistica Misto

96 2 44 1 20 2 2 Cuidado Cuidado Principios Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

97 2 56 1 32 2 1 Casuistica Virtudes Misto Cuidado Cuidado Cuidado Casuistica Casuistica Casuistica

Page 383: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

373 GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS

N A B C D E F Ia Ib Ic I IIa IIb IIc II IIIa IIIb IIIc III

98 1 57 1 34 2 1 Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Misto Principios Principios Principios

99 2 52 1 26 2 3 Virtudes Deontologia Principios Misto

100 1 55 1 30 2 1 Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Casuistica Virtudes Principios Misto

101 1 54 1 29 2 1 Principios Cuidado Deontologia Misto Deontologia Cuidado Misto Casuistica Casuistica Casuistica Casuistica

102 2 56 1 29 2 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Casuistica

104 2 56 1 31 5 3 Principios Principios Cuidado Principios Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Principios Principios Principios Principios

105 2 52 1 26 6 3 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Cuidado Cuidado Casuistica Casuistica Casuistica Casuistica

106 2 44 2 22 6 3 Virtudes Virtudes

107 2 39 2 18 6 1 Virtudes Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Deontologia Principios Principios

108 2 57 1 33 6 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado

109 2 58 2 36 1 1 Virtudes Casuistica Deontologia Misto Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Deontologia

110 2 38 2 15 1 3 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Cuidado Principios Principios

111 2 33 2 11 1 3 Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Principios Casuistica Casuistica Casuistica Casuistica

112 2 36 2 14 1 1 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Principios Principios Principios

113 2 56 2 36 1 3 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Principios Deontologia Principios Casuistica Casuistica Casuistica

114 2 24 2 1 1 2 Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

115 2 36 2 13 1 1 Casuistica Casuistica Casuistica Casuistica Deontologia Cuidado Principios Misto Principios Principios Deontologia Principios

116 2 44 2 20 1 1 Cuidado Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

117 1 58 1 32 1 3 Virtudes Casuistica Casuistica Casuistica Virtudes Cuidado Casuistica Misto Virtudes Casuistica Casuistica Casuistica

118 2 52 1 18 1 1 Casuistica Casuistica Casuistica Casuistica Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Casuistica Casuistica Casuistica

119 1 50 1 24 1 3 Principios Principios Principios Principios Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Principios Cuidado Principios Principios

121 2 61 1 37 4 2 Principios Principios Principios Principios Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Casuistica Virtudes Casuistica

123 2 46 2 23 4 3 Principios Principios Principios Principios Deontologia Principios Deontologia Deontologia Principios Deontologia Principios Principios

124 2 61 2 38 4 3 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Casuistica Casuistica

126 2 56 2 34 1 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Virtudes Virtudes Virtudes Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

127 2 35 2 14 1 3 Principios Virtudes Principios Principios Principios Principios Deontologia Principios Principios Principios Deontologia Principios

131 1 54 1 30 1 3 Virtudes Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

132 1 52 1 29 1 3 Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia Principios Casuistica Casuistica Casuistica

133 2 39 2 17 1 3 Principios Principios Principios Principios

134 2 49 2 26 5 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Deontologia Misto

135 2 54 2 30 5 1 Cuidado Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Casuistica Deontologia Deontologia Deontologia

136 2 41 2 10 5 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Principios Virtudes Misto

Page 384: Etica e Cuidados de Saude Primarios. Um estudo descritivo em centros de saude

374 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.

N A B C D E F Ia Ib Ic I IIa IIb IIc II IIIa IIIb IIIc III

137 2 58 2 32 5 1 Principios Cuidado Virtudes Misto Principios Cuidado Deontologia Misto Deontologia Deontologia Casuistica Deontologia

138 2 42 2 20 5 3 Cuidado Virtudes Virtudes Virtudes Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Principios Casuistica Principios Principios

139 2 59 1 33 5 1 Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Casuistica Deontologia Misto

140 2 53 1 27 5 1 Principios Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Casuistica Deontologia

141 1 55 1 30 5 1 Principios Cuidado Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia

145 2 33 2 11 1 1 Principios Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Casuistica Casuistica Casuistica

146 2 43 2 18 1 1 Principios Principios Principios Principios Virtudes Virtudes Deontologia Virtudes Principios Principios Principios Principios

147 2 53 2 33 1 1 Principios Principios Principios Principios Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Principios Principios Principios Principios

149 2 56 1 32 1 3 Casuistica Casuistica Casuistica Casuistica Virtudes Cuidado Casuistica Misto Deontologia Deontologia Cuidado Deontologia

150 2 37 1 13 2 2 Cuidado Cuidado

156 2 34 2 10 2 3 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Deontologia Cuidado Cuidado Cuidado Virtudes Virtudes Casuistica Virtudes

160 1 51 1 25 2 2 Virtudes Virtudes Principios Virtudes Deontologia Deontologia Deontologia Deontologia Virtudes Casuistica Casuistica Casuistica

163 2 50 1 25 2 1 Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Cuidado Casuistica Misto