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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância Cultura Teológica Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos Autor: Blanca Martín Salvago EAD Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação

Evangelhos sinóticos e atos dos apóstolos

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Apostila para estuo no campo da teologia

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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância

Cultura Teológica

Evangelhos Sinóticos e

Atos dos Apóstolos

Autor: Blanca Martín Salvago

EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 – JESUS DE NAZARÉ E SEU TEMPO .............................................. 06

1.1Jesus de Nazaré ................................................................................................ 06

1.2 Império romano ................................................................................................. 08

1.3 Regiões da Palestina em tempos de Jesus....................................................... 10

1.4 Grupos religiosos da época de Jesus ............................................................... 14

1.5 O Templo ........................................................................................................... 20

UNIDADE 2 – EVANGELHO OU EVANGELHOS? ................................................ 25

2.1 Evangelhos Sinóticos ........................................................................................ 25

2.2 Evangelho de Marcos ........................................................................................ 27

2.3 Evangelho de Mateus ........................................................................................ 31

2.4 Evangelho de Lucas .......................................................................................... 34

UNIDADE 3 – SERMÃO DA MONTANHA ............................................................. 40

3.1 Contexto ............................................................................................................ 40

3.2 Bem-aventuranças (Mt 5,1-10) .......................................................................... 42

3.3 Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-16) .......................................................... 46

3.4 Jesus e a Lei (Mt 5,17-48) ................................................................................. 46

3.5 O cristão e as obras de piedade (Mt 6) ............................................................. 48

3.6 Outros ensinamentos do Sermão da Montanha ................................................ 51

UNIDADE 4 – PARÁBOLAS E MILAGRES DE JESUS ........................................ 55

4.1 Por que Jesus falava em parábolas .................................................................. 55

4.2 Parábolas do Reino de Deus ............................................................................. 56

4.3 Parábolas de misericórdia ................................................................................. 57

4.4 Os milagres de Jesus ........................................................................................ 62

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UNIDADE 5 – MORTE E RESSURREIÇÃO DE JESUS ........................................ 67

5.1 Causas da morte de Jesus ................................................................................ 67

5.2 O julgamento ..................................................................................................... 69

5.3 Ressurreição ..................................................................................................... 71

UNIDADE 6 – AS PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS................................... 73

6.1Pentecostes (At 2) .............................................................................................. 73

6.2 Contexto das primeiras comunidades ............................................................... 75

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 79

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INTRODUÇÃO Sem conhecer o Antigo Testamento, a compreensão do Novo fica

comprometida. O Novo Testamento é a continuação do Antigo Testamento, não tem

ruptura e sim uma evolução. Portanto, querer entender o Novo sem o Antigo seria

como querer ficar apenas com o final do filme sem ter assistido desde o começo, ou

pular para a parte final de um livro sem ler seu começo. Desse jeito, não

conheceríamos os personagens, a cultura, a maneira que o povo tinha de se

relacionar com Deus, de entender a Lei, as festas, a oferta de sacrifícios, a relação

com o Templo, etc.

Portanto, temos que entender as palavras de Jesus à luz do que era a religião

do seu tempo, do contexto social, político e religioso que viviam e que é herança dos

séculos de judaísmo do Antigo Testamento.

Na primeira unidade faremos uma abordagem do tempo de Jesus, com

destaque para a geografia da Palestina, os principais grupos religiosos com os quais

ele conviveu (saduceus, fariseus, essênios e zelotas), o lugar do Templo na religião

da época e a postura que Jesus adotou com relação a ele.

Na segunda unidade, focaremos nossa atenção em cada um dos Evangelhos

Sinóticos: Marcos, Mateus e Lucas, tentando descobrir as características e

peculiaridades de cada um: quais as ênfases, semelhanças e diferenças entre eles,

qual a teologia, etc.

Na terceira unidade, nos centraremos no Sermão da Montanha, discurso de

Jesus que pode ser considerado como uma espécie de compêndio da ética cristã:

bem-aventuranças, como Jesus entendia o jejum, a oração e a esmola, principais

práticas da piedade judaica, e a relação de Jesus com a Lei e sua prática.

Na quarta unidade, voltaremos nossa atenção para as parábolas e milagres

de Jesus. Não poderemos estudar todas as parábolas e milagres, mas o objetivo

será entender por que Jesus falava em parábolas e qual a mensagem das mais

significativas. Queremos também apresentar as características dos milagres de

Jesus com o intuito de evitar identificar Jesus com um milagreiro, entendendo o

contexto e a finalidade dos mesmos.

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Dedicamos a unidade quinta a abordar as causas que levaram Jesus à morte

de cruz. Nesse sentido, refletimos qual o significado da cruz, entendendo a morte de

Jesus como consequência da sua postura e de sua pregação. Fechamos a unidade

com uma reflexão a respeito da importância da ressurreição de Jesus.

Por último, na unidade sexta, abordaremos o estudo do livro dos Atos dos

Apóstolos: Pentecostes, as primeiras comunidades cristãs, seus problemas, a

perseguição sofrida por parte do império romano e do sinédrio.

Veja na figura a seguir a coleção dos livros do Novo Testamento. Lembrando

que a lista de livros sagrados do Novo Testamento é comum para todas as igrejas

cristãs:

Figura 1 – Livros do Novo Testamento

Fonte: http://migre.me/fGe2f

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UNIDADE 1 – JESUS DE NAZARÉ E SEU TEMPO

O objetivo desta unidade é conhecer as características do contexto social,

político, econômico, geográfico e político do tempo de Jesus; características que

influenciam na mensagem do Novo Testamento. Conhecer esse contexto é

fundamental para uma correta interpretação dos Evangelhos.

1.1 Jesus de Nazaré

São poucos os dados que conhecemos da vida de Jesus antes do começo da

vida pública, até porque os evangelhos não são nem pretendem ser uma biografia

de Jesus, mas são relatos escritos pelos evangelistas com o intuito de formar na fé e

na adesão ao seguimento de Jesus de Nazaré, apresentando suas palavras e atos à

luz da experiência pós-pascal. A preocupação dos evangelistas era teológica,

portanto apresentaram nos evangelhos apenas os dados que consideraram

importantes para seu objetivo: a adesão ao projeto do Reino de Deus.

Está claro que os evangelhos não são informes históricos, nem crônicas do passado. Também não são biografias no sentido moderno: não descrevem o caráter do personagem, nem sua evolução, nem todos os detalhes de sua vida a partir de seus antecedentes familiares e de sua infância (MONASTERIO; CARMONA, 1992, p. 46)

Prova disso é que são apenas dois os evangelhos que dedicam espaço para

a infância de Jesus: apenas Mateus e Lucas. Marcos, que é o primeiro evangelista a

escrever, não faz menção à infância, começa o evangelho com seu batismo. João,

que é o último a escrever, também não fala da vida oculta de Jesus.

Então, não devemos nos estranhar de que não saibamos com exatidão a data

do nascimento de Jesus, até porque na época não havia a facilidade que temos hoje

para fazer os registros.

No século IV d.C. a igreja cristã convencionou em celebrar o nascimento de

Jesus no dia 25 de dezembro por ser o dia em que no Império Romano se celebrava

a festa da vitória da luz sobre as trevas, pois no hemisfério norte trata-se do dia em

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que a noite é mais longa e a partir desse dia, as noites começam a encurtar e a luz

começa a vencer sobre a escuridão. Os cristãos acharam que esse dia seria

adequado para celebrar o nascimento da Luz por excelência: o nascimento de

Jesus, que vence as trevas.

A razão é que, nessa data, se celebrava a festa ao Deus Sol no Império Romano. Como, nesse tempo, é inverno no hemisfério norte, o dia 25 de dezembro é o mais curto do ano, correspondendo ao nosso 24 de junho. Celebrava-se a vitória da luz sobre as trevas, uma vez que, a partir dessa data, cada dia ia aumentando, enquanto que as noites iam encurtando. Para as comunidades cristãs, não é o sol divinizado, mas é Jesus o verdadeiro [...] “luz que ilumina todos os povos” (Lc 2,32) (GASS, 2005a, p.100).

Os evangelhos situam o nascimento de Jesus em Belém, aldeia da Judeia em

que nascera o rei Davi. A esperança messiânica do povo judeu era de que um

descendente de Davi seria o Messias. Porém Jesus se identifica com Nazaré, aldeia

da Galileia onde passou sua vida e se identifica como nazareno: “Jesus foi para

Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam” (Mc 6,1); “Mas o jovem lhes

disse: ‘Não fiquem assustadas. Vocês estão procurando Jesus de Nazaré, que foi

crucificado’” (Mc 16,6).

Figura 2 – Localização de Belém e Nazaré

Fonte: Auth, 2001.

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Jesus teve a formação que qualquer judeu de sua época tinha: educado pelos

pais, no seio da família e na sinagoga. Mas Jesus não teve outros estudos mais

aprofundados, como é, por exemplo, o caso de Paulo, que estudou aos pés de

Gamaliel (At 22,3). Ele também não fazia parte da casta sacerdotal, “Jesus era leigo.

Não era sacerdote nem levita. Não fazia parte dos quadros dos doutores da lei nem

dos fariseus” (GASS, 2005a, p.101).

1.2 Império Romano

Na época em que Jesus nasceu, Herodes I, o Grande (Mt 2,1), era o rei da

Palestina, mas a região estava submetida ao Império Romano desde o ano 63 a.C.

“Com a morte de Herodes (ano 4 a.C.), o reino foi dividido entre seus três filhos, com

o consentimento do imperador Augusto, que [...] não outorgou o título de rei a

nenhum dos três” (MATEOS; CAMACHO, 2011, p. 09).

Veja a seguir o mapa dos territórios dominados pelo Império Romano na

época de Jesus:

Figura 3 – O Império Romano nos Tempos de Jesus

Fonte: http://migre.me/fEdxA

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Na época de Jesus o imperador romano era Octaviano (31 a.C – 14 d.C.), que

recebe o título de Augusto, que significa sagrado, sublime. Augusto foi um imperador

centralizador: “Ele exercia, ao mesmo tempo, todos os poderes, assumindo o papel

de cônsul, de príncipe, de imperador, de pontífice, de tribuno e de pretor. [...]

Intensificou também a política de ‘pão e circo’” (GASS, 2005a, p.110).

Outra característica do seu reinado era a propaganda da “paz romana”,

mesmo que, na realidade, no Império Romano não reinava a paz, mas uma situação

de paz aparente e violência camuflada e mantida na marra, por meio da opressão e

da presença militar nos territórios dominados.

É nesse contexto que devemos entender as palavras de Jesus no evangelho

de João: “Eu deixo para vocês a paz, eu lhes dou a minha paz. A paz que eu dou

para vocês não é a paz que o mundo dá. Não fiquem perturbados nem tenham

medo” (Jo 14,27). Jesus quer deixar claro que a paz dele é verdadeira para não ser

confundido com a propaganda enganosa do Império.

Nas Bem-aventuranças, Jesus diz: “Felizes os que promovem a paz, porque

serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). A paz tem que ser promovida, construída.

Ter paz não é ficar quieto para não provocar confusão. Jesus é exemplo de

construtor da paz e vemos pelo exemplo dele que não teve medo de agir e falar por

receio de provocar confusão. Aliás, chega a dizer que não veio trazer a paz, mas a

espada (Mt 10, 34). Para chegar à paz verdadeira, às vezes é necessário passar por

momentos conturbados, de confronto, de incompreensão e até de perseguição,

como vemos nos evangelhos.

Quanto à religião, o império romano permitia que os povos conquistados

tivessem seus cultos, desde que cultuassem também as divindades imperiais.

Porém, os judeus tiveram algumas concessões por conta da religião judaica ser

monoteísta, à diferença das religiões dos outros povos: “para evitar rebeliões,

liberaram o povo judeu do culto ao imperador [...]. Contudo, exigiram um sacrifício a

Javé em honra ao imperador todos os dias no templo” (GASS, 2005a, p.115).

Israel podia ter seu próprio tribunal, o

Sinédrio, para resolver os assuntos religiosos (os

assuntos políticos e econômicos eram resolvidos

Sinédrio: palavra de origem grega, que significa Conselho, assembleia.

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apenas pelo tribunal romano), mas para o império romano não perder o controle, o

chefe do Sinédrio era escolhido por Roma.

O Sinédrio era composto por 70 membros: os sumos sacerdotes, os

senadores e os letrados ou escribas. A respeito do sumo sacerdote, Mateos e

Camacho (2011), colocam:

A figura do sumo sacerdote era sagrada. Originalmente, o cargo era vitalício, mas na época de Jesus já não era vitalício nem hereditário, pois os romanos [...] depunham e nomeavam o sumo sacerdote segundo as suas conveniências políticas. O sumo sacerdote era eleito entre reduzido número de famílias. (MATEOS; CAMACHO, 2011, p.18)

1.3 Regiões da Palestina em tempos de Jesus

No mapa a seguir você pode ver a situação geográfica de algumas cidades

mencionadas nos Evangelhos. As regiões que têm mais destaque nos Evangelhos

são: Judeia no sul, Samaria no centro e a Galileia no norte.

Figura 4 – Regiões da Palestina em tempos de Jesus

Fonte: Auth, 2001.

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1.3.1 Judeia

Na Judeia encontra-se a capital, Jerusalém, centro econômico, político e

religioso da época. Outras cidades da região são: Belém, Betânia, Jericó, Hebron,

Emaús, entre outras.

Os judeus (da Judeia) achavam-se

superiores aos habitantes das outras regiões da

Palestina, que consideravam hereges e infiéis. Nos

evangelhos encontramos várias passagens que

refletem esse complexo de superioridade e que

Jesus não aceita.

Jesus desenvolveu sua missão preferencialmente na Galileia. Tinha bons

amigos na Judeia, como, por exemplo, Maria, Marta e Lázaro, em Betânia. Mas ele

tinha orgulho da sua origem e nunca escondeu que era galileu.

Esta região ficou sob o domínio de Arquelau, filho de Herodes Magno, após

sua morte. O governo dele caracterizou-se pela tirania (Mt 2,22). Foi deposto no ano

6 d.C. e Pôncio Pilatos foi nomeado procurador romano da região.

1.3.2 Samaria

Samaria é a região do centro e, uma vez deposto Arquelau, ficou também sob

o domínio de Pôncio Pilatos.

Os judeus (da Judeia) eram inimigos dos samaritanos, mesmo que a Judeia e

a Samaria eram regiões vizinhas, judeu não se relacionava com samaritano,

considerado herege e impuro. Mas Jesus faz questão de colocar os samaritanos

como exemplo de solidariedade em várias ocasiões nos evangelhos. Veja algumas

passagens:

Em Lc 17,11-19, um samaritano é colocado como exemplo de gratidão.

Jesus cura dez leprosos, mas só um volta para agradecer. E o texto faz

questão de destacar que se tratava de um samaritano (versículos 16 e

18).

Aqui, quando usamos o nome de judeu, nos estamos referindo aos habitantes da região da Judeia e não de maneira geral, aos seguidores da religião do judaísmo.

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Em Lc 10,29-37, parábola do bom samaritano, Jesus está explicando

quem é o próximo. Fala de um homem que estava quase morto e é

encontrado em primeiro lugar por um sacerdote e depois por um levita,

os dois da Judeia, pessoas vinculadas ao culto do Templo. Mas

nenhum dos dois deu socorro àquele homem, enquanto que um

samaritano fez tudo o que pode por ajudá-lo, inclusive deu dinheiro

para pagar a pensão do estranho. Esse samaritano é colocado como

exemplo de misericórdia e amor ao próximo.

Outro texto interessante é o capítulo 4 do evangelho de João: o encontro de

Jesus com a samaritana. Ao conversar em público com uma mulher samaritana

anônima, Jesus rompe, ao mesmo tempo, com os preconceitos étnicos, de gênero,

de religião e de moral, pois na época não se entendia que um homem falasse em

público com uma mulher, muito menos uma samaritana, e ainda por cima, uma

mulher de reputação duvidosa. Assim não estranha a reação dos discípulos quando

viram Jesus conversando com ela: “Nesse momento, os discípulos de Jesus

chegaram. E ficaram admirados

de ver Jesus falando com uma

mulher” (Jo 4,27). E no final o

texto diz: “muitos samaritanos

dessa cidade acreditaram em

Jesus, por causa do testemunho

que a mulher tinha dado [...]” (Jo

4,39), isto é, aquela mulher

samaritana vira testemunha e por

causa dela outros muitos

samaritanos viraram discípulos.

Fonte: http://migre.me/fGjWN

1.3.3 Galileia

Na Galileia, situada ao norte, está situada Nazaré, aldeia onde Jesus morou

com Maria e José e onde passou maior parte de sua vida. Também pertencem a

esta região outras cidades conhecidas dos evangelhos: Caná, Cafarnaum e

Magdala.

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Nazaré era uma aldeia pequena e desconhecida, de apenas duzentos ou quatrocentos habitantes. [...] Alguns de seus habitantes viviam em cavernas escavadas nas encostas; a maioria em casas baixas e primitivas [...] em geral só tinham um cômodo, no qual se alojava e dormia toda a família, inclusive os animais. Em geral as casas davam para um pátio que era compartilhado por três ou quatro famílias do mesmo grupo, e onde transcorria boa parte da vida doméstica. (PAGOLA, 2011, p.62-63)

Após a morte de Herodes Magno, esta região ficou sob o poder do seu filho

Herodes Antipas, responsável pela morte de João Batista (Mt 14).

Era uma região fértil: “havia grandes extensões de terra para o cultivo de

cereais [...] Nesses latifúndios trabalhavam diaristas, escravos e pastores. [...] Jesus

conta algumas parábolas que refletem essa realidade” (GASS, 2005a, p.147).

Esta região tinha má fama para os judeus, por considerar que era um povo

misturado, gentil e infiel. Veja algumas passagens que refletem isso:

Jo 1,46: “Natanael disse: ‘De Nazaré pode sair coisa boa?’ [...]”

Jo 7,52: “Eles responderam: ‘Você também é galileu? Estude e verá que da

Galileia não sai profeta”.

Apesar dessa fama, “Jesus

andava por toda a Galileia, ensinando

em suas sinagogas, pregando a Boa

Notícia do Reino” (Mt 4,23). “A grande

maioria do seu grupo era da Galileia.

Os Doze eram todos de lá. Conforme

as comunidades de Mateus e Marcos a

experiência com Jesus ressuscitado foi

na Galileia” (GASS, 2005a, p.148).

Fonte: http://migre.me/fGkdp

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Exercício 1

1. Analise cada um dos enunciados a seguir e indique se são Verdadeiros (V) ou Falsos (F):

I. Na lista de livros sagrados do Novo Testamento não existe diferença entre o cânon católico e o evangélico.

II. Existe uma evolução entre o Antigo e o Novo Testamento, não uma ruptura.

III. Conhecemos muitos dados a respeito da vida de Jesus, pois os evangelhos são biografias de Jesus.

IV. Todos os evangelhos trazem informações a respeito da infância de Jesus.

V. A celebração do Natal no dia 25 de dezembro é uma convenção do cristianismo, pois não se sabe ao certo qual o dia do nascimento de Jesus.

2. Indique a alternativa INCORRETA:

a) Jesus teve uma formação básica, como qualquer judeu da época.

b) Jesus desenvolveu maior parte de sua missão em Jerusalém.

c) Jesus põe os samaritanos como exemplo de solidariedade e gratidão.

d) Jesus tem orgulho de sua identidade de galileu.

1.4 Grupos religiosos da época de Jesus

Do ponto de vista da religião, podem se distinguir vários grupos religiosos na

época de Jesus. Os mais importantes são: saduceus, fariseus, essênios e zelotas.

Vamos ver a seguir as principais características de cada um destes grupos.

1.4.1 Saduceus

Este grupo recebe o nome de Sadoc, sumo sacerdote em tempos do rei

Salomão, do qual descendiam as grandes famílias sacerdotais. Pertenciam à classe

economicamente alta e detinham também o poder político e religioso. Adaptavam-se

ao domínio romano, inclusive chegaram a uma espécie de acordo não escrito: “eles

procuravam manter a ordem, ocupando os postos dirigentes, para que assim os

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romanos os deixassem tranquilos [...] aceitavam a injustiça da dominação

estrangeira contanto que não comprometesse sua posição” (MATEOS; CAMACHO,

2011, p.34).

Os saduceus, no que se refere à postura que adotavam com relação ao

Império romano, eram colaboracionistas, pois pertenciam à classe dirigente, que era

favorecida por eles. Do ponto de vista religioso, mesmo sendo a casta sacerdotal,

não acreditavam na ressurreição. Veja em Mt 22,23-30 que quem faz a pergunta a

Jesus a respeito da ressurreição foram alguns do grupo dos saduceus (v.23).

Os saduceus, que eram vinculados ao culto do templo, desapareceram após

a destruição do Templo, no ano 70 d.C. A respeito da relação que tinham com o

povo, Villac e Scardelai (2011, p. 170), citam que “[...] os saduceus praticamente não

tinham influência sobre o povo. Eram, em geral, arrogantes com as classes

populares”.

Segundo Mt 26,3-4, foram os saduceus os principais responsáveis pela

condenação de Jesus: “Então os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo se

reuniram no palácio de Caifás, o sumo sacerdote. Decidiram juntos que prenderiam

Jesus com esperteza e o matariam”.

1.4.2 Fariseus

Os fariseus constituíam um grupo formado

em sua maioria por leigos devotos que se

distinguiam pela observância da lei em seus

mínimos detalhes. “No tempo de Jesus eram uns

6 mil” (MATEOS; CAMACHO, 2011, p.34). A fidelidade a Deus, para eles, consistia

no conhecimento da lei e no seu cumprimento.

Os fariseus eram opositores dos saduceus e a partir da segunda metade do

séc. I a.C. começaram a ter uma influência significativa no povo: “a observância da

lei lhes rendeu enorme autoridade junto ao povo [...] Seu trabalho de educação

religiosa logo ganhou o respeito do meio popular” (VILLAC; SCARDELAI, 2011,

p.168).

Fariseu significa separado, pois se consideravam santos por cumprirem a Lei ao pé da letra.

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Para o fariseu, entregue à observância de uma Lei em que vê plasmada a vontade de Deus, todo mandamento é igualmente importante, pois cada um expressa a mesma vontade suprema. O decisivo é obedecer a Deus, seja no que for; e toda a vida, até nos mínimos particulares, tem que ser exercício desta obediência. A obsessão de ser fiel ao pormenor eclipsa a relação pessoal com Deus. [...] A relação homem-Deus se converte na relação homem-Lei. (MATEOS; CAMACHO, 2011, p.35).

E é isso exatamente o que Jesus não gosta deles: o excessivo legalismo,

que acaba ficando mais perto da hipocrisia do que da fidelidade a Deus: “Jesus falou

às multidões e aos seus discípulos: Os doutores da Lei e os fariseus [...] Fazem

todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. [...] Gostam dos lugares de

honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas” (Mt 23,1-6). Veja

também os versículos 13-15: “Ai de

vocês, doutores da Lei e fariseus

hipócritas! [...]”. Jesus tinha muita

liberdade perante a Lei e não

concordava com o jeito dos fariseus

entenderem a religião, pois, para

eles, a Lei estava por cima de

qualquer coisa.

Fonte: http://migre.me/fGdjt

Para Jesus o que está acima de tudo é a promoção da vida. Por isso ele diz:

“O sábado foi feito para servir ao homem, e não o homem para servir ao sábado”

(Mc 2,27).

Outras passagens onde se pode ver a oposição de Jesus ao jeito fariseu de

entender as coisas:

• Mc 7,1-13: Os fariseus recriminam Jesus por permitir que comessem pão

sem purificar as mãos. Ao qual, Jesus responde: “Isaías profetizou bem sobre vocês,

hipócritas, como está escrito: Este povo me honra com os lábios, mas o coração

deles está longe de mim [...] Vocês abandonam o mandamento de Deus para seguir

a tradição dos homens” (Mc 7,6-8). Com outras palavras: para eles o seguimento de

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Jesus não passa pelo compromisso, pela adesão a um projeto, mas apenas na

continuidade da tradição e no cumprimento da tradição. Dessa maneira eles

acreditavam estar perto de Deus.

• Lc 18,9-14: Parábola do fariseu e do publicano. Trata-se de uma parábola

colocada por Jesus. O texto começa dizendo que

Jesus estava falando com “alguns que confiavam

na sua própria justiça e desprezavam os outros”

(Lc 18,1), isto é, falava com fariseus. A eles conta

uma história, segundo a qual havia duas pessoas

bem diferentes no Templo: um fariseu e um

publicano. Os publicanos, arrecadadores de

impostos eram pessoas consideradas pecadoras,

impuras e indesejáveis por explorarem o povo com

pesados impostos. Enquanto que os fariseus

gozavam de boa fama entre o povo por serem

conhecedores da lei e se vangloriavam de cumpri-

la na sua integridade.

Fonte: http://migre.me/fGdfA

A oração do fariseu é significativa: “Ó Deus, eu te agradeço, porque não sou

como os outros homens, que são ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse

cobrador de impostos” (v.11), quer dizer, eu não sou como esse publicano, pecador,

eu sou cumpridor da lei e fiel. “Eu faço jejum duas vezes por semana e dou o dízimo

de toda a minha renda” (v.12).

Já “o cobrador de impostos ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os

olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus tem piedade de mim, que

sou pecador!” (v.13). Dentre os dois, Jesus diz que quem voltou à casa justificado foi

o publicano, pois mesmo sendo pecador, ele teve a humildade de reconhecer seu

pecado, enquanto que o fariseu se acha tão perfeito, por causa da lei, que acha que

já está justificado perante Deus.

“Sua fidelidade às regras os levava ao desprezo dos outros (Lc 18,9), que

chamavam ‘pecadores’, ou seja, ‘descrentes’ ou ‘sem religião’ (Mt 9,10-11) ou

‘malditos’” (Jo 7,49) (MATEOS; CAMACHO, 2011, p.37).

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• Mt 9,10-13. Vendo que Jesus sentava à mesa com pecadores e

publicanos (9,10), alguns fariseus ficaram revoltados com Jesus por causa disso.

Eles podiam entender que Jesus sentasse à mesa com eles, mas com pecadores!?

Esse gesto era sinal de acolhida e perdão, coisa que os fariseus não aceitavam.

Indignados, perguntaram aos discípulos: “Por que o mestre de vocês come com os

pecadores de impostos e com pecadores?” Jesus escutou a pergunta e respondeu:

“As pessoas que têm saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes

[...] Porque eu não vim para chamar a justos, e sim pecadores” (9,12-13). Quer dizer,

os fariseus se acham sadios, se acham justos, por isso não estão dispostos a se

converter (lembre-se da parábola do fariseu e do publicano), mas quem é doente e

se sabe doente, procura a conversão e se abre ao perdão e à misericórdia de Deus.

1.4.3 Essênios

Não existe consenso quanto à origem do grupo dos essênios. Mas

normalmente são relacionados com as perseguições que os judeus sofreram na

época dos Macabeus no século II a.C.

Os essênios formavam uma seita que rompera com o sistema político e religioso; levavam ao extremo a tendência farisaica. Os fariseus eram o partido de oposição aos saduceus, mas respeitavam as instituições; os essênios, muito mais radicais, sustentavam que o culto e o templo não estavam purificados porque o sacerdócio era ilegítimo; eles esperavam que Deus os restaurasse. (MATEOS; CAMACHO, 2011, p.39)

Portanto, não participavam das cerimônias do templo, tinham seus ritos e

cerimônias próprias. Não aceitavam a propriedade privada entre eles. Tentavam se

preservar na pureza e era comum que não se casassem “pelo escrúpulo decorrente

das regras de ‘pureza’ da lei religiosa. Eram severíssimos na observância e tinham

por princípio o amor aos membros da comunidade e ódio aos de fora” (MATEOS;

CAMACHO, 2011, p.39). Viviam em comunidades nas margens do mar Morto. A

comunidade mais importante era a de Qumrã, onde foram descobertos manuscritos

com valiosas informações a respeito dos essênios.

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Segundo alguns autores, é

possível que a prática do batismo

tenha sua origem nos essênios.

“João Batista pode ter sido,

inicialmente, um essênio. Após

certo tempo de experiência

comunitária, João deixou o grupo

para formar seus próprios

discípulos” (VILLAC; SCARDELAI,

2011, p.166).

Fonte: http://migre.me/fHlNH

1.4.4 Zelotas

Este grupo estava formado por pessoas contrárias à dominação romana,

fanáticos nacionalistas, que agiam contra esse poder de maneira clandestina e na

medida de suas possibilidades. Normalmente atuavam aproveitando as

aglomerações de pessoas nas festas religiosas. “Estes grupos de rebeldes que não

chegavam a formar um movimento único, mais tarde foram chamados de zelotas.

São assim chamados por seu zelo pela lei, por sua paixão pela liberdade. Os

romanos lhes chamavam de bandidos (Mc 15,7)” (GASS, 2005a, p. 166). Eram

também chamados de sicários porque utilizavam uma sica, espécie de punhal, para

lutar contra o poder de Roma (At 21,38).

O grupo era formado por pessoas das classes mais pobres e oprimidas.

Opunham-se ao pagamento de tributos. “Aceitavam as instituições, mas aborreciam

os que ocupavam os cargos, considerando-os traidores por colaborarem com o

poder estrangeiro. [...] O partido era forte na Galileia” (MATEOS; CAMACHO, 2011,

p.42). Entre os discípulos de Jesus, alguns tinham fama de serem revolucionários,

como Tiago e João, que eram chamados filhos do Trovão (Mc 3,17-19) e Simão (Lc

6,15).

Page 20: Evangelhos sinóticos e atos dos apóstolos

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1.5 O Templo

O Templo foi construído por Salomão e posteriormente foi destruído por

Nabucodonosor, quando da segunda e grande deportação para a Babilônia, no ano

586 a.C. Quando o povo consegue voltar do exílio, em virtude do edito de Ciro (539

a.C.), o Templo é reconstruído pela comunidade judaica pós-exílica e,

posteriormente, o rei Herodes Magno iniciará uma reforma que começa no ano 20

a.C e acaba bem depois, por volta do ano 64 d.C.

O templo era motivo de orgulho para o povo. Como diz Sicre (1998, p.186), o

aspecto artístico talvez até chamasse a atenção mais do que o estritamente

religioso. O templo era ao mesmo tempo o centro político (o sinédrio funcionava

junto ao templo), religioso e também econômico. No templo se ofereciam sacrifícios

a diário. E os judeus deviam se dirigir a Jerusalém para celebrar no Templo as três

festas chamadas de peregrinação: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (ou a festa

das Tendas).

Figura 5 – Templo de Jerusalém

Fonte: http://migre.me/fGcjS

“O templo se sustentava graças às contribuições dos judeus de todo o mundo.

[...] tinham que pagar o imposto anual para o templo equivalente a dois dias de

trabalho (Mt 17,24)” (MATEOS; CAMACHO, 2011, p.21). O templo funcionava

também como banco, onde a aristocracia guardava os objetos de valor; e como casa

de câmbio (lembre os cambistas: Mc 11,15).

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Jesus demonstra uma postura muito crítica perante o templo e não se deixava

impressionar com seu luxo e ostentação. Segundo Gass (2005a, p. 132), “Jesus não

deu ao templo a importância que o judaísmo oficial lhe dava. Preferiu a casa em vez

do templo. No lugar do altar, escolheu a mesa. E em vez do sacerdócio, optou pela

família, pela comunidade”, como se pode verificar na passagem da Última Ceia:

Jesus, em lugar de levar um cordeiro no templo para ser sacrificado e celebrar a

Páscoa, como era o costume da época, ele reúne-se com seus discípulos em uma

casa e faz lá a celebração, sem passar pelo templo, pois o cordeiro pascal será ele

mesmo (Mc 14,12-16).

Já dissemos que os saduceus foram os principais responsáveis pela

condenação de Jesus à morte (Mt 26,3-4). E isso se deve à postura crítica que ele

adota quando falava do templo. Mas por que Jesus foi tão crítico? O que ele tinha

contra o templo? A crítica dele vai na mesma linha que as denúncias que os profetas

do Antigo Testamento (especialmente Amós, Isaías e Jeremias) fizeram ao culto

vazio, a um culto que não leva a pessoa a ser melhor, a se converter, mas, ao

contrário, pode até servir de tranquilizador de consciência para a pessoa que cumpre

com as prescrições cultuais, achando que é isso que Deus pede, esquecendo o

compromisso com o próximo, com o direito e com a justiça:

Ainda que vocês me ofereçam sacrifícios, suas ofertas não me agradarão, nem olharei para as oferendas gordas. Longe de mim o barulho de seus cânticos, nem quero ouvir a música de suas liras. Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca (Am 5,22-24)

De outro lado, “o culto do templo girava em torno do comércio. Já não estava

mais, em primeiro lugar para o culto a Deus, mas para o ídolo dinheiro” (GASS,

2005a, p.132). E o próprio Jesus disse que é impossível adorar a dois senhores (Lc

16,13).

O texto mais sugestivo para entender a postura de Jesus com o templo é a

expulsão dos cambistas (Mc 11). O texto divide-se claramente em quatro partes:

Entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (Mc 11,1-11)

Imagem da figueira (Mc 11,12-14)

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Expulsão dos cambistas (Mc 11,15-19)

Imagem da figueira (Mc 11, 20-22)

Não dá para querer entender a imagem da figueira tirando as palavras do seu

contexto. Pegando os quatro trechos, percebemos uma lógica. Jesus entrou em

Jerusalém e se dirigiu ao Templo, essa foi a primeira visita. Entrou no Templo e

“olhou tudo ao redor” (v.11). Tudo indica, mesmo que o texto não fale explicitamente,

que não gostou do que viu: “como já era tarde, saiu para Betânia com os Doze”. Isto

é, como era muito tarde preferiu esperar, deixar a cabeça esfriar e voltar no outro dia

para fazer o que precisava ser feito. Foi dormir a Betânia, cidadezinha perto de

Jerusalém.

No dia seguinte, voltavam de Betânia e Jesus fala com seus discípulos de

uma figueira, árvore prezada em Israel. A árvore descrita estava coberta de folhas,

chamava a atenção, mas não tinha frutos. Imaginamos que Jesus estava querendo,

por meio dessa imagem, ir preparando os discípulos para que eles pudessem

entender o que iam

presenciar logo quando

chegassem a Jerusalém. O

templo é semelhante

àquela figueira: bonito para

se olhar, mas não dava

frutos, portanto sem

serventia.

Fonte: http://migre.me/fHK0L

Quando chegou ao Templo, expulsou os que lá estavam vendendo e

comprando, negociando na casa que deveria ser casa de oração. Jesus não fica

neutro, nem é conivente com os desvios que presenciou no Templo. Mesmo

sabendo que isso ia lhe custar caro, preferiu agir e denunciar.

Quando Jesus e seus discípulos saíram da cidade (v.19), retoma de novo a

imagem da figueira, que agora estava seca até a raiz (v.20).

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Se quisermos entender o símbolo fora do contexto, parece que Jesus era

caprichoso e queria figos fora da época, mas entendendo o símbolo no seu contexto,

fica tudo bem mais claro e ajuda a entender o porquê da reação de Jesus no templo.

Outra passagem interessante a encontramos no Evangelho de João, no

diálogo de Jesus com a samaritana. Ela pergunta a Jesus onde é legítimo o culto.

Segundo os judeus, templo legítimo era apenas o de Jerusalém, mas os

samaritanos, que não se entendiam com os judeus, tinham outro templo no monte

Garizim (Jo 4,20). Jesus responde que o importante não é o lugar e sim que o culto

seja em espírito e verdade (Jo 4,23).

Sugestão de leitura

A respeito dos assuntos abordados nesta unidade,

sugiro as seguintes leituras:

- GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia. Período grego e Vida de Jesus. Vol. 6. São Leopoldo: CEBI; São Paulo: Paulus, 2005. pp. 97-196.

- MATEOS, Juan; CAMACHO, Fernando. Jesus e a sociedade de seu tempo. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2011.

Exercício 2

1. Correlacione cada grupo com suas características:

1 Saduceus Grupo leigo, zelosos observadores da Lei, tinham popularidade e prestígio entre o povo.

2 Fariseus Grupo formado das classes mais pobres, chamados também de sicários.

3 Essênios Aristocracia sacerdotal; não acreditavam na ressurreição.

4 Zelotas Viviam em comunidades; escrupulosos com as regras de pureza.

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2. A respeito da postura de Jesus com o templo, indique se os enunciados a seguir são verdadeiros ou falsos:

I. Jesus partilha a mesma postura que os judeus do seu tempo.

II. Jesus tem uma postura crítica, denunciando os abusos.

III. O único episódio em que Jesus mostra oposição ao templo é na passagem da expulsão dos cambistas.

IV. A liberdade com que Jesus se posicionou perante o templo, foi um dos motivos que o levou à morte.

3. A respeito do templo, indique se os enunciados a seguir são verdadeiros ou falsos:

I. O primeiro Templo foi construído por Davi.

II. Nabucodonosor destruiu o templo na época do exílio.

III. Após o exílio, o templo só será reconstruído na época do rei Herodes, contemporâneo de Jesus.

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UNIDADE 2 – EVANGELHO OU EVANGELHOS?

O objetivo desta unidade é conhecer as características e peculiaridades da

teologia de cada um dos evangelhos sinóticos, assim como se familiarizar com o

contexto dos evangelhos: data, destinatários, autor, etc.

2.1 Evangelhos sinóticos

A palavra Evangelho é de origem grega e significa Boa Notícia, a Boa Nova

da Salvação trazida pelo próprio Jesus. Mas esse Evangelho, essa Boa Notícia,

mesmo sendo única, foi transmitida a nós de quatro maneiras diferentes: as versões

de Marcos, Mateus, Lucas e João.

Chamamos de evangelhos sinóticos às

versões dos três primeiros evangelistas: Marcos,

Mateus e Lucas, porque, mesmo sendo versões

diferentes, são muito parecidas e, se fossem colocados em colunas paralelas, daria

para perceber a semelhança em uma visão de conjunto.

A Boa Nova é uma só, trata-se da

pessoa de Jesus, da instauração do Reino

de Deus. Mas a maneira de contar essa

Boa Notícia é diferente em cada um dos

evangelhos. Cada um tem ênfases

diferenciadas, faz abordagens específicas,

e acaba marcando de maneira singular as

características do evangelho, dependendo

da sua personalidade, da sua cultura (ser

de origem judeu ou pagão, ser da Palestina

ou da diáspora), dependendo também de

quem são seus destinatários, da época em

que escrevem, da situação específica que

estão vivendo as comunidades cristãs

nessa época, etc.

Fonte: http://migre.me/fPMey

Sinóticos: do grego syn opsis, que significa visão de conjunto, com um olhar.

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Os quatro se complementam, mas é interessante também perceber as

diferenças. Mesmo que a mensagem é basicamente a mesma, o resultado final são

obras diferentes. Talvez por isso também cada um de nós se identifica mais com um

ou com outro evangelista.

Segundo Monasterio e Carmona (1992, p. 48-50), a finalidade dos quatro

evangelhos pode ser sintetizada em três pontos:

Despertar e fortalecer a fé das comunidades cristãs: “Estes sinais

foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o Messias, o

Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham vida em seu

nome” (Jo 20,31). Portanto são textos escritos para pessoas de fé, com

um chamado à conversão e a aprofundar na fé recebida com coerência

de vida.

Fazer da vida de Jesus o paradigma para compreender suas

palavras: “A fé cristã não é um mero conteúdo doutrinal, porque essa

doutrina está indissoluvelmente unida à pessoa de quem a proclama.

[...] A adesão ao Ressuscitado não se pode separar do seguimento do

Crucificado” (MONASTERIO; CARMONA, 1992, p.48).

Dar uma visão equilibrada e sintética da pessoa de Jesus:

apresentam a figura de Jesus em diversidade de situações. Se

houvesse só milagres se acentuaria apenas o seu poder; se fossem

apenas discursos, se acentuaria a figura de Jesus como mestre; etc.

Mas os evangelhos apresentam de maneira harmônica e sintética os

sinais que consideraram mais significativos para apresentar a figura de

Jesus e sua mensagem.

Jesus é a origem dos evangelhos. Sua pregação e seu comportamento foram

a origem do movimento que continua até hoje. Esse jeito de Jesus foi incômodo para

as autoridades da época e sentenciaram sua morte. Mas se tudo tivesse acabado

com a morte, teríamos apenas um personagem do passado que se destacou por ter

uma personalidade interessante. É a fé na ressurreição de Jesus o que faz com que

Ele seja realmente a Boa Nova que dá um sentido novo à sua vida (AUNEAU et al.,

1985).

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A experiência da ressurreição dá um novo olhar, uma compreensão diferente

do Jesus histórico, de sua atividade, de sua pregação e do próprio fato da sua

morte.

2.2 Evangelho de Marcos

Nas nossas Bíblias, este evangelho é o segundo, porém foi o primeiro a ser

escrito. Mesmo que não existe consenso quanto à data de sua composição, a

opinião mais aceita é que seria por volta do ano 70 d.C., isto é, aproximadamente 40

anos após a morte de Jesus. Os autores dos evangelhos de Mateus e Lucas

conhecem o primeiro evangelho, que serve de modelo para eles.

O evangelho de Marcos não menciona o nome do autor. O evangelista se

retira para deixar passo à mensagem, a Boa Nova, e a seu verdadeiro protagonista:

Jesus. Uma tradição antiga atribui o evangelho a Marcos, colaborador de Pedro (At

12,12.25; 13,5). Portanto, o autor não seria um apóstolo, mas alguém vinculado à

figura de Pedro, inclusive pode se pensar em várias pessoas colaborando na escrita,

desde a sua origem até a versão final.

De qualquer maneira, o que é evidente é que por trás do evangelho existe

uma comunidade, que são os destinatários do evangelho: “os autores de Marcos

estão interessados em animar as comunidades galileias a se manterem vigilantes e

firmes na fé, apesar das perseguições durante a guerra judaico-romana (Mc 13)”

(GASS, 2005b, p. 51).

Segundo Monasterio e Carmona (1992), o evangelho tem uma trama e um

sentido coerente no seu conjunto:

a) Introdução (1,1-13). Estes versículos iniciais preparam o leitor. A obra tem

o objetivo de mostrar que a Boa Nova, o Evangelho, é Jesus, Messias e Filho de

Deus (1,1). João Batista e sua mensagem de conversão abrem o Evangelho; Jesus

é ungido com o Espírito e vence as tentações no deserto.

b) Quem é Jesus? (1,14-8,30). Esta segunda parte do evangelho pode-se

dividir em três seções.

Na primeira seção (1,14-3,6), revela-se o messianismo de Jesus e as

diversas reações perante ele. Em primeiro lugar, encontramos a reação

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dos escribas e fariseus. Jesus prega com autoridade na sinagoga

(1,21-22), faz vários milagres (1,29-34.40-45). A fama de Jesus se

estende rapidamente por todas as partes (1,45). Em 2,1-3,5 Marcos já

começa a apresentar as reações à atividade desenvolvida por Jesus.

Os escribas e fariseus vão mostrando progressivamente sua reação

contrária a Jesus: “Logo depois, os fariseus saíram da sinagoga e,

junto com alguns do partido de Herodes, faziam um plano para matar

Jesus” (3,6).

Na segunda seção (3,7-6,6a), continua a revelação de Jesus, mas

agora destacando a reação do povo. A rejeição dos nazarenos na

sinagoga tipifica a rejeição da maior parte do povo judeu.

A terceira seção (6,6b-8,30) centra-se na resposta dos discípulos

diante da revelação de Jesus: os Doze não entendem (6,30-52), em

contraste com a fé do povo (6,53-56). Jesus dá de comer a uma

multidão e os discípulos se mostram torpes (8,1-10). Os discípulos

acabam confessando Jesus como Messias por meio de Pedro (8,27-

30). (MONASTERIO; CARMONA, 1992, p.115-116).

c) Como é o messianismo de Jesus? (8,31-16,8). Nesta terceira parte

Jesus explica que seu messianismo é de morte e ressurreição.

Na primeira seção (8,31-10,52), destacam os três anúncios da paixão,

morte e ressurreição.

Depois do primeiro anúncio (8,31-33), Jesus convida seus

discípulos e o povo a optar por ele de maneira radical, isto é,

assumindo as consequências: “se alguém quer me seguir,

renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (8,34).

O segundo anúncio (9,30-32) é seguido de uma exortação ao

serviço, a acolher o pequeno, a não escandalizar os pequenos:

“Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser

aquele que serve a todos” (9,35). A seguir, exorta a acolher o

Reino como uma criança (o Reino de Deus pertence às

crianças: 10,14) e fala da dificuldade das riquezas para entrar no

Reino (10,17-31).

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Fonte: http://migre.me/fNkkb

Após o terceiro anúncio (10,32-34), os filhos de Zebedeu pedem

a Jesus os primeiros lugares no Reino de Deus. Em

contrapartida, o ensinamento de Jesus é o serviço: “quem de

vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês”

(10,43).

A segunda parte (11-13) narra a atividade de Jesus durante três dias e

explica o porquê da sua morte.

Finalmente, a terceira parte (14,1-16,8) narra a paixão, morte e

ressurreição. Marcos coloca o contraste entre a generosidade de uma

mulher (unção de Betânia: 14,3-9), que tem a iniciativa de ungir Jesus

com perfume, e a figura de Judas que, mesmo sendo um dos Doze, vai

entregar Jesus por umas moedas (14,10-11).

2.2.1 Os discípulos no Evangelho

Se acompanharmos os discípulos ao longo do evangelho, percebemos que

no início o grupo parece uma comunidade modelo, um grupo privilegiado. Mas aos

poucos tudo vai mudando:

Eles começam a dar sinais de não entenderem mais nada e de serem tudo menos discípulos de Jesus. Não compreendem as parábolas (Mc 4,13; 7,18). Não têm fé em Jesus (Mc 4,40). [...] Não sabem quem é Jesus, apesar de conviver com ele (Mc 4,41) [...] Brigam entre si pelo poder (Mc 9,34; 10,35-36.41). Querem ter o

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monopólio de Jesus, pois acham que são os donos (Mc 9,38). Levam um susto quando Jesus fala da Cruz (Mc 8,32; 9,32) [...] (MESTERS; LOPES, 2008, p. 76)

Aqui cabe uma reflexão: por que os evangelhos falam dos discípulos

destacando tantos defeitos? Será que se os evangelhos tivessem sido escritos na

nossa época, nós escreveríamos tudo isso ou silenciaríamos os defeitos para

destacar apenas as coisas boas? Vemos afirmações pesadas, inclusive a respeito

de Pedro.

A nossa sensibilidade moderna é bem diferente: mostra o que é motivo de

orgulho e esconde o que é motivo de vergonha. E isso acontece tanto na vida

pessoal, como na vida comunitária ou de igreja. Ninguém gosta de reconhecer os

defeitos. Mas não é isso que vemos nos evangelhos: não se escondem as falhas.

Podemos pensar em dois motivos: por um lado, é possível que os evangelistas

queiram que todos nós nos possamos ver refletidos nessas figuras pecadoras e

infiéis. Pedro negou Jesus três vezes, mas não é o único... Pode servir de reflexão

para os discípulos de todos os tempos. De outro lado, faz pensar a respeito do

nosso puritanismo. Deus sabe que o ser humano é fraco, pecador e conta com sua

imperfeição. Sabe que não chama a pessoas perfeitas, mas pessoas que não

entendem, que não têm fé, que negam Jesus, que dão mais importância ao dinheiro

que ao Reino de Deus, que querem os melhores lugares, que normalmente buscam

o poder em lugar do serviço, etc.

Mas, Mesters e Lopes (2008) destacam que, apesar de tudo, os discípulos

são o xodó de Jesus (p.26).

Seguir Jesus era uma expressão que [...] significava três coisas: 1. Imitar o exemplo do mestre: Jesus era modelo a ser imitado [...]. 2. Participar do destino do mestre: quem seguia Jesus devia comprometer-se com Ele. [...] 3. Ter a vida de Jesus dentro de si: identificar-se com Jesus ressuscitado, vivo na comunidade. (MESTERS; LOPES, 2008, p. 27)

É interessante perceber que a primeira coisa que Jesus faz logo após o

batismo e as tentações, antes mesmo de começar a pregação e a vida pública, é

escolher um grupo de pessoas para formar uma pequena comunidade (Mc 1,16-20).

E, por sua vez, o último que faz é chamar discípulos (Mc 16,7.15). Portanto o

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exemplo de comunidade vem do próprio Jesus, que não quis fazer a caminhada

sozinho, mas preferiu partilhar tudo com um grupo de pessoas.

2.3 Evangelho de Mateus

Sabemos que o evangelho segundo Mateus foi escrito com base no

evangelho de Marcos. Mas, Mateus tinha outras fontes. Além do primeiro evangelho,

Mateus dispunha de outras fontes de informação: as próprias de sua comunidade e

a ‘Coleção de ditos de Jesus’, conhecida como fonte Q (do alemão Quelle, que

significa “fonte”).

O evangelho de Mc, escrito para cristãos procedentes do paganismo, não se

adequava plenamente à comunidade de Mateus, que era formada

fundamentalmente por judeus. A eles não era necessário explicar os costumes e

tradições dos fariseus. Seu público conhecia perfeitamente as profecias do Antigo

Testamento, por isso, Mateus lembra com frequência que com Jesus se cumprem

plenamente as profecias feitas no passado.

Tudo isso justificava a escrita de um novo evangelho. Mas, segundo Sicre

(1998), pode-se perceber mais um motivo: parece que Mateus não concordava

plenamente com o jeito em que às vezes Marcos apresentava a figura de Jesus, por

parecer excessivamente humano, enquanto que Mateus tinha uma imagem de Deus

mais grandiosa e soberana.

Por exemplo, na mentalidade de Mateus não cabe que Jesus manifeste seus

sentimentos, coisa habitual em Marcos:

Na cura do leproso, omite ‘sentindo compaixão’ (Mc 1,41; Mt 8,2-3). Quando cura em sábado o homem da mão seca, não faz referência à ira de Jesus (Mc 3,4; Mt 12,12). Na visita a Nazaré, omite o sentimento de estranheza (Mc 6,6a). O de irritação com seus discípulos quando afastam as crianças (Mc 10,14). O de carinho ao jovem rico (Mc 10,21; Mt 19,21). Etc. (SICRE, 1998, p.105).

Também percebemos omissões de detalhes de Marcos que poderiam se

interpretar como ignorância de Jesus:

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Marcos conta a cura da mulher com hemorragias de maneira dramática: “Jesus percebeu imediatamente que uma força tinha saído dele. Então virou-se no meio da multidão e perguntou: ‘Quem foi que tocou na minha roupa?’” (Mc 5,30). Ao qual segue a resposta insolente dos discípulos: “Estás vendo a multidão que te aperta e ainda perguntas: ‘quem me tocou?’” (Mc 5,31). Tudo isso é inaceitável para Mt: que Jesus não saiba quem o tocou e que os discípulos lhe respondam desse jeito [...] (SICRE, 1998, p.105).

Deve ter sido por isso que Mateus prefere optar pela omissão dos versículos

de Mc 5,29-33. E o desfecho da história se desenvolve de uma maneira muito mais

simples: “Jesus virou-se, e, ao vê-la

disse: ‘Coragem, filha! Sua fé curou

você’” (Mt 9,22). Dessa maneira,

Mateus inclui o episódio da cura da

mulher com fluxos de sangue, mas

omite a parte que ele entende que

pode passar uma imagem de Jesus

que ele não considera adequada.

Fonte: http://migre.me/fGd0F

Outros muitos exemplos poderiam ser citados na comparação dos dois

evangelhos, mas estes dois exemplos já bastam para que possamos ter uma ideia

de como cada evangelista vai marcando o relato com seu jeito peculiar de ser e de

entender a figura de Jesus.

Você mesmo pode verificar a imagem diferente que Mateus apresenta da

família Jesus. Basta comparar Mc 3,21.31-35 com Mt 12,46-47. Também se pode

perceber uma imagem diversa das figuras dos discípulos. Compare Mc 4,10.13 e Mt

13,10.18). Mateus também apresenta uma imagem muito mais polêmica das

autoridades religiosas judaicas (compare, por exemplo: Mt 15,12-13 e Mc 7,1-23).

2.3.1 Estrutura do evangelho

“Ao longo de todo o relato de Mt percebe-se um grande afã doutrinal. Quer

instruir sua comunidade sobre os diversos aspectos do Reino dos Céus”

Page 33: Evangelhos sinóticos e atos dos apóstolos

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(MONASTERIO; CARMONA, 1992, p.199-200). Essa preocupação do evangelista

fica evidente na estrutura que dá ao evangelho, pois organiza o material de uma

maneira muito sugestiva: com cinco grandes discursos. Todos eles acabam com as

mesmas palavras: “quando Jesus acabou de dizer essas palavras [...]” (Mt 7,28;

11,1; 13,53; 19,1; 26,1). Os cinco discursos estão precedidos de uma introdução (Mt

1-4) e têm como desfecho o relato da Paixão, Morte e Ressurreição (Mt 26-28).

Essa divisão do material em cinco partes lembra, sobretudo, o Pentateuco

(cinco livros), nas cinco partes em que se pode dividir o livro dos Salmos. Cada

discurso desenvolve uma temática, apresentando diversos aspectos do Reino dos

Céus:

a) Mt 5,1-7,29 – O Sermão da Montanha: discurso dirigido aos discípulos e

à multidão. Jesus proclama as exigências do Reino dos Céus. Dedicamos

a próxima unidade ao estudo destes capítulos.

b) Mt 9,35-10,42 – Discurso de missão: discurso dirigido aos discípulos.

Segundo Monasterio e Carmona (1992), o motivo da missão é a

misericórdia de Jesus para com o povo e o fato de que a colheita é

grande, mas os trabalhadores são poucos (9,35-38). Na seção, podem-se

distinguir três partes: o envio e a lista dos Doze (10,1-5a); instruções

ajustadas à missão em tempo de Jesus (10,5b-16); instruções que

refletem a situação da missão pós-pascal (10,17-42).

Mt apresenta os discípulos como continuadores de Jesus:

As obras de Jesus (9,35) são continuadas pelos seus discípulos (10,1).

Ambos pregam a mesma mensagem do Reino dos Céus (4,17 e 10,7) [...]

Como a atividade de Jesus, também a atividade inicial dos discípulos se limita a Israel; usam-se as mesmas expressões (10,5-6; 15,24).

A atuação de Jesus é atribuída ao poder dos demônios (9,34; 12,24), como também a dos discípulos (10,24-25).

Na perseguição, os discípulos serão entregues aos tribunais (10,17), à morte (10,21) e à tortura (24,9-10). (MONASTERIO; CARMONA, 1992, pp.208-209).

c) Mt 13,3b-52 – Discurso em parábolas: aqui Mt apresenta 7 parábolas.

Em primeiro lugar, dirige ao público mais amplo a parábola do semeador

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(13,3-9) e três parábolas de crescimento: parábola do joio (13,24-30, da

mostarda (13,31-32), do fermento na massa (13,33). Depois, Mt dirige três

parábolas a um público mais reduzido, os discípulos (13,36): parábola do

tesouro (13,44), da pérola (13,45-46) e da rede (13,47-50).

Mais adiante dedicaremos uma unidade ao estudo das parábolas.

d) Mt 18,3-35 – Discurso eclesial: trata-se de um discurso dirigido aos

discípulos (18,1-2). “Está em jogo como tem que viver a comunidade que

aceita o Reino dos Céus. Concretamente preocupam as divisões internas

da comunidade, o pecado e a situação dos irmãos fracos” (MONASTERIO;

CARMONA, 1992, p. 202). A misericórdia do cristão deve tender a se

identificar com a misericórdia de Jesus, que sempre acolhe e perdoa

(18,21-35).

e) Mt 23,1-25,46 – Discurso escatológico: segundo Monasterio e Carmona

(1992), esta parte se subdivide claramente em duas seções: no cap. 23

olha-se para trás e reflete a ruptura com o judaísmo; enquanto que nos

capítulos 24 e 25, o olhar se centra no futuro, na vinda definitiva do Reino,

com uma exortação à perseverança na perseguição e a estar prontos para

a volta do Senhor.

2.4 Evangelho de Lucas

O evangelho de Lucas, na realidade, é a primeira parte de uma obra que

continua nos Atos dos Apóstolos. Basta ler Lc 1,1-4 e At 1,1-8 para perceber as

semelhanças.

Lucas dedica sua obra a um tal de Teófilo (Lc 1,3; At 1,1). Quem é Teófilo?

Podemos pensar que se trata de um personagem histórico, mas esse nome significa

“amigo de Deus”, alguém que ama a Deus, portanto, podemos também pensar que

se trata de um nome simbólico para falar de qualquer pessoa que ama a Deus e é

amada por Deus. Os destinatários do evangelho são cristãos convertidos do

paganismo, que por volta do ano 85, quando Lucas escreve, já formavam um grupo

numeroso.

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Segundo Mesters e Lopes (2013), são dois os problemas que levaram Lucas

a escrever esta nova versão do Evangelho. O primeiro problema é a tensão que

surge entre os cristãos convertidos do judaísmo e os cristãos que procedem do

paganismo. Os convertidos do judaísmo se achavam mais fiéis por manterem as

tradições do Antigo Testamento, como a circuncisão e não viam com bons olhos a

abertura do Evangelho fora da Palestina, ao mundo gentil. Nesse sentido, Lucas

apresenta em seu evangelho um Jesus aberto a um público mais amplo, com um

objetivo universal.

O segundo problema é a tensão entre ricos e pobres nas comunidades vindas

do paganismo. O acúmulo de riqueza na capital do império contrastava com a

pobreza dos povos submetidos, que eram obrigados a pagar taxas, tributos,

impostos, dízimos, etc. O endividamento com frequência obrigava as pessoas mais

pobres a cair na escravidão como maneira de

pagar a dívida. Percebe-se que os primeiros

cristãos nas comunidades da diáspora eram

pessoas pobres (1 Cor 1,26), só mais tarde que

vão entrando também pessoas mais ricas nessas

comunidades.

Segundo Pagola, o evangelho de Lucas é muito atraente:

É a primeira coisa que devemos ler para descobrir prazerosamente Jesus, o Salvador enviado por Deus “para buscar e salvar o que estava perdido”. Ao mesmo tempo, é o mais acessível para captar a mensagem de Jesus como Boa Notícia de um Deus compassivo, defensor dos pobres, curador dos doentes e amigo de pecadores. (PAGOLA, 2012, p.13).

Evangelho redigido nos anos 80, como o evangelho de Mateus. A tradição

posterior identificou o autor com Lucas, membro da equipe missionária de Paulo (Cl

4,14; Fm 24). É possível que a redação tenha sido em Antioquia ou Éfeso, mesmo

que alguns autores também mencionam a Grécia como possível lugar de

composição.

A atividade de Jesus se desenvolve em três cenários: Na Galileia, no caminho

rumo a Jerusalém e em Jerusalém, onde acontece a morte e ressurreição.

Diáspora: palavra grega que significa dispersão. Nome que se dava aos judeus que moravam fora da Palestina. Foi depois do exílio que esse movimento de saída de judeus começou a ser mais intenso.

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Lucas apresenta o evangelho como um caminho programado e dirigido por

Deus. João Batista diz: “preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas”

(3,4). Várias vezes ao longo do evangelho, fala-se do caminho de Jesus: “Jesus,

passando pelo meio deles, continuou seu caminho” (4,30); “Então, Jesus pôs-se a

caminho com eles” (7,6); “enquanto caminhava [...]” (10,38), etc. Depois da

ressurreição, continua caminhando: “Não estava o nosso coração ardendo quando

ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (24,32).

O evangelho apresenta o caminho de Jesus e os Atos dos Apóstolos

apresentam o caminho da igreja e, juntos, formam o caminho da salvação

(STORNIOLO, 1992).

Seguindo Pagola (2012), destacamos algumas características que destacam

no terceiro evangelho:

O evangelho de Lucas é o evangelho da alegria. Lucas convida a

seguir Jesus com prazer. Não adianta um seguimento motivado pelo

medo. Desde o início do evangelho, fala-se da alegria, a começar por

Maria: “alegra-te, cheia de graça” (1,28). Jesus já irradia alegria desde o

seio da mãe: “a criança saltou de alegria no meu ventre” (1,44). “Não

tenham medo! Eu anuncio para vocês a Boa Notícia, que será uma

grande alegria para todo o povo” (2,10). Fala-se também da alegria que

sente Deus quando um pecador se converte (15,7.10.32). Isto é, Lucas

quer apresentar um Jesus que dá alegria e prazer; o seguimento de Jesus

não deve ser motivado pelo medo ou obrigação, mas porque o discípulo

descobre a alegria de seguir Jesus e servir à construção do Reino.

Essa alegria está motivada pela notícia da salvação que Deus oferece

em Jesus, salvador (2,11.30): Jesus “veio procurar e salvar o que estava

perdido” (19,10). Jesus é o hoje da salvação. Em casa de Zaqueu Jesus

diz: “Hoje chegou a salvação a esta casa” (19,9). “Lucas nos convida a

acolher Jesus, o Cristo, que vem [...] para ressuscitar o que está

morrendo em nós. [...] Este relato vai ensinar-nos a viver o seguimento de

Jesus como uma experiência de salvação” (PAGOLA, 2012, p.15). A

salvação que oferece Jesus é total e universal, não está limitada ao povo

de Israel.

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Esta salvação é fruto da misericórdia de Deus. Jesus revela um rosto

de Deus misericordioso, que não tem limite para perdoar e que sempre

está disposto a acolher o pecador, a procurar a ovelha que está perdida

(15,3-7), a fazer festa para o filho pródigo que tinha abandonado o pai,

mas volta a casa (15,11-32). Jesus oferece o perdão a uma prostituta

(7,36-50) e a Zaqueu, o publicano (19,1-10). Inclusive lembra-se de pedir

a Deus o perdão para os responsáveis pela sua morte na hora da

crucifixão (23,34).

A misericórdia de Deus se revela também nas curas de Jesus, que Lucas apresenta mais como gestos de misericórdia do que como manifestações de seu poder (17,11-19). Jesus é como o bom samaritano que, ao ver em seu caminho alguém caído, “se comove”, se aproxima e, movido de compaixão, cura-lhe as feridas (10,33-37) (PAGOLA, 2012, p.15).

A salvação de Deus nos chega pela força do Espírito. O Espírito é a

promessa do Pai, é o protagonista do caminho. Sua tarefa é ungir e

capacitar os profetas que devem percorrer o caminho (MONASTERIO;

CARMONA, 1992, p.325). É o espírito que recebe no batismo que o

empurra ao deserto (4,1). “Ungido por esse mesmo Espírito, Jesus vive

anunciando aos pobres, aos oprimidos e desgraçados a Boa Notícia de

sua libertação (4,17-20)” (PAGOLA, 2012, p.16). É o Espírito Santo que

ensinará aos discípulos o que têm que dizer (12,12) e ajudará na missão

(24,49). A comunidade cristã se constrói a partir do Espírito de Jesus em

Pentecostes (At 2).

Lucas é o evangelho dos pobres.

Seu relato de Jesus vem preparado por dois textos programáticos de grande importância. Em primeiro lugar, o canto de Maria proclama um Deus revolucionário, o Deus do Reino que Jesus anuncia: um Deus “que derruba de seus tronos os poderosos e exalta os humildes: enche de bens os pobres e despede os ricos sem nada” (1,52-53). Em segundo lugar, o programa traçado por um texto de Isaías, que Jesus aplica a si mesmo na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu e me enviou para anunciar aos pobres a Boa Notícia” (4,18) (PAGOLA, 2012, pp.16-17).

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Os discípulos não podem adorar a Deus e ao dinheiro (16,13). A parábola

do Lázaro e do rico denuncia a falta de sensibilidade dos ricos (16,19-31).

Quem não renunciar aos seus bens

não pode ser discípulo de Jesus

(14,33). E outras muitas passagens

em que Jesus demonstra preferência

pelos pobres e adverte do perigo das

riquezas (por exemplo: 12,16-21;

19,8).

Fonte: http://migre.me/fRdnp

Lucas é o evangelho da oração. Nos momentos mais importantes,

Jesus aparece em oração. Nos Atos dos Apóstolos também podemos ver

que as grandes decisões são tomadas em oração, inclusive Estêvão

morre dando testemunho e em oração (At 7). O evangelho da infância em

Lucas tem vários cânticos de louvor (Lc 1,46-55; 1,67-79; 2,29-32).

Encontramos também algumas catequeses sobre a oração: parábola do

amigo importuno (11,5-13); parábola do juiz e a viúva (18,1-8), parábola

do fariseu e o publicano (18,9-14).

Dá atenção especial à mulher.

Em seu relato aparecem personagens femininos de uma força extraordinária: Maria, mãe de Jesus, Isabel, Ana, a viúva de Naim, a pecadora na casa de Simão, suas amigas Marta e Maria, Maria de Magdala, a mulher anônima que tece elogios à sua mãe (PAGOLA, 2012, pp.18-19).

Em 8,1-3, as mulheres aparecem como seguidoras de Jesus. Quando os

homens abandonam Jesus na paixão, as mulheres permanecem fiéis

(23,49). E são elas as primeiras a anunciar a ressurreição de Jesus

(24,22).

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Exercício 3

1. Coloque Verdadeiro (V) ou Falso (F):

I. O evangelho de Marcos é o primeiro a ser escrito e serve de base para Mateus e

Lucas.

II. Uma das características do Evangelho de Lucas é apresentar o rosto

misericordioso de Deus e sua vontade salvífica.

III. O evangelho de Mateus foi escrito para cristãos de origem pagã.

IV. Os Atos dos Apóstolos são a continuação do evangelho de Mateus.

V. Um dos problemas que levou Lucas a escrever o evangelho foi a tensão entre os

cristãos convertidos do judaísmo e os convertidos do paganismo.

VI. Nas primeiras comunidades havia poucas pessoas de origem humilde, a

maioria era de classe alta.

2. Clique a arraste. Relacione cada evangelho com os respectivos enunciados:

Marcos

Mateus

Lucas

Nesse evangelho, as mulheres têm especial destaque.

Estrutura o evangelho em cinco grandes discursos.

Omite trechos em que Jesus deixava transparecer seus sentimentos.

Escrito por volta do ano 70 d.C.

Destaca a alegria do seguimento de Jesus.

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UNIDADE 3 – SERMÃO DA MONTANHA

O objetivo desta unidade é aprofundar em um dos discursos mais bonitos do

evangelho de Mateus (Mt 5-7), que também é recolhido por Lucas (Lc 6,17-36).

Esse discurso é conhecido como o “Sermão” da montanha. A palavra sermão

está associada na linguagem popular à homilia dominical e também à bronca,

reprimenda. Então, temos que começar esclarecendo que não é nesse sentido que

utilizamos aqui esse termo, mas no sentido de discurso. Aliás, essa compreensão

seria um contrassenso, pois o principal objetivo do discurso é instruir, esclarecer. E

nesse sentido Sicre destaca que chama a atenção o fato do discurso começar não

com um chamado à conversão, nem com a ameaça de um castigo, mas Jesus

prefere começar com a proclamação das bem-aventuranças (SICRE, 1998, p.119).

3.1 Contexto

A composição do discurso em Mateus e em Lucas nos leva à conclusão de

que os dois devem ter se servido de uma fonte anterior que já continha um discurso

estruturado, possivelmente mais próximo da versão de Lucas, que é mais curta e

Mateus teria acrescentado aqui outras palavras de Jesus para completar o discurso

(POITTEVIN; CHARPENTIER, 1982, p.29)

Mateus faz questão de situar o discurso de Jesus na montanha e isso lembra

a figura de Moisés no monte Sinai. Mateus, que escreve para cristãos de cultura

judaica, apresenta Jesus como o novo Moisés, dando a entender que o Evangelho

traz uma nova compreensão da lei e das práticas do Antigo Testamento.

Mas percebemos também uma diferença essencial entre os dois cenários.

Moisés sobe sozinho, enquanto o povo fica no pé da montanha: “Você deverá traçar

um limite ao redor da montanha e dizer ao povo que não suba à montanha, nem se

aproxime da encosta [...]” (Ex 19,12). Mateus, porém, apresenta o cenário de

maneira bem diferente, de aproximação de Jesus: “Jesus viu as multidões, subiu à

montanha e sentou-se. Os discípulos se aproximaram” (Mt 5,1).

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Não estamos no regime de terror, mas da familiaridade. Mas existe uma diferença mais importante ainda. Moisés deve esperar que Deus lhe falasse. Só transmitirá o que Deus lhe comunicar. Jesus, porém, “tomou a palavra e os instruiu nestes termos” (Mt 5,2) (SICRE, 1998, p.104).

Então, o primeiro discurso tem lugar quando os primeiros discípulos e a

multidão se reúnem em torno de Jesus. “Antes de instruir seus discípulos para a

missão, antes de revelar-lhes o mistério desconcertante do Reino e de instruir a

respeito de possíveis problemas e tensões comunitárias, Jesus expõe a forma de

vida que espera e exige de seus seguidores” (SICRE, 1998, p. 104). Mateus recolhe

aqui frases ditas por Jesus em diferentes momentos de sua atividade, fazendo uma

espécie de compêndio da ética cristã e apresentando qual o perfil de discípulo que

Jesus espera.

Os destinatários do discurso são os discípulos e a multidão, portanto, as

exigências de Jesus não se referem apenas a um grupo restrito, mas estão dirigidas

ao grupo amplo dos seus seguidores. E em 4,24-25, explicita-se quem formava

aquela multidão: “todos os doentes atingidos por diversos males e tormentos:

endemoninhados, epilépticos e

paralíticos. [...] Numerosas

multidões da Galileia, da

Decápole, de Jerusalém, da

Judeia e do outro lado do rio

Jordão começaram a seguir

Jesus”. Isto é, não eram pessoas

importantes nem poderosas. Era,

bem mais, uma procissão de

pessoas sofridas e que

buscavam libertação.

Fonte: http://migre.me/fRF9X

Em 4,24 se diz que Jesus os curava. Mas não se contenta com isso. Tem algo maior para lhes oferecer: a possibilidade de formar um novo povo de Deus, onde todos se esforçam por conseguir um mundo melhor. Por isso vai proclamar seu programa do Reino de Deus (SICRE, 1998, p. 119).

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Uma palavra característica de Mateus repete-se várias vezes neste discurso:

justiça (Mt 5,6.10.20; 6,1.33). As palavras de 5,20 colocam em contraste a justiça

que Jesus espera dos discípulos com a justiça dos fariseus, baseada no

cumprimento estrito da lei: “Com efeito, eu lhes garanto: se a justiça de vocês não

superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu”

(Mt 5,20). O agir do cristão não pode se limitar ao cumprimento de leis, o cristão tem

que superar essa compreensão e ir além.

3.2 Bem-aventuranças (Mt 5,1-10)

As bem-aventuranças são uma fórmula de felicitação, que se encontra várias

vezes em outros lugares dos evangelhos: “Bem-aventurada aquela que acreditou”

(Lc 1,45); “[...] Felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a colocam em

prática” (Lc 11,27-28), etc. Já no Antigo Testamento encontramos fórmulas

parecidas (Eclo 25,7-11).

Segundo Sicre (1998), as bem-aventuranças do texto do Eclesiástico

propõem um valor que qualquer um poderia admitir como motivo de felicidade:

alegrar-se com os filhos (v.7), viver com mulher de bom senso (v.8), etc. “Portanto,

as bem-aventuranças falam de coisas tão evidentes que não precisariam de

justificação. E isso é o primeiro que chama a atenção nas bem-aventuranças de

Jesus: todas vão acompanhadas de uma explicação” (SICRE, 1998, p. 120). Isso,

segundo o autor, significa que Jesus não propõe nesse caso valores evidentes, ao

menos à primeira vista.

“As bem-aventuranças das que se fala no sermão da montanha se referem a

pessoas que são já atualmente felizes ou que deveriam ser felizes” (DUPONT, 1981,

p.7). Mas há muitas maneiras de entender a felicidade. Hoje, um jeito muito

estendido é entender que feliz é aquele que tem posses ou tem poder. Mas não é

essa a compreensão que Jesus tem da felicidade. As bem-aventuranças se referem

a pessoas que, talvez a partir do nosso conceito de felicidade, seriam consideradas

infelizes.

O prêmio para essas pessoas é o Reino dos Céus. Isso aparece de maneira

explícita na primeira bem-aventurança (5,3), mas olhando bem, podemos dizer que a

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recompensa para as outras bem-aventuranças também é o Reino de Céus, mas

destacando aspectos concretos do mesmo. Esse prêmio não pode ser interpretado

como algo que se refere apenas à vida vindoura, mas começa a realizar-se já. Com

outras palavras: “todas essas pessoas podem se considerar felizes porque podem

formar parte da comunidade cristã (Reino inicial dos céus) e, mais tarde do Reino

definitivo de Deus” (SICRE, 1998, p. 120).

3.2.1 Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino de Deus (5,3)

Em primeiro lugar, é importante reparar que o verbo está no presente: deles é

o Reino desde já, sem ter que esperar apenas pelo futuro.

Segundo Mesters e Lopes, a bem-aventurança se refere aos “pobres que têm

o espírito de Jesus. Pois há pobres com cabeça ou espírito de rico. Os discípulos de

Jesus são pobres com cabeça de pobre. Como Jesus, [...] assumem a sua pobreza

e, com ele, lutam por uma convivência mais justa” (MESTERS; LOPES, 2013, pp.

72-73). Quer dizer, o importante não é apenas a pobreza material, mas a atitude

interior. Feliz aquele que é pobre e não quer ser como os ricos. Ou, segundo

Bonnard (1983), são pessoas que por terem uma longa experiência da miséria

econômica e social, aprenderam a não contar com a sociedade e esperar pela

salvação de Deus.

3.2.2 Felizes os aflitos, porque serão consolados (5,4)

O sofrimento é uma experiência humana universal. No livro de Jó,

encontramos uma reflexão a respeito do sofrimento, de sua origem, do sentido da

vida para aquele que sofre, pois quem sofre sente-se muitas vezes abandonado,

como Jó (Jó 7,1-5). Mas Deus não abandona a quem sofre, não é indiferente diante

do sofrimento, promete consolação.

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3.2.3 Felizes os mansos, porque possuirão a terra (5,5)

Mansos são os não violentos. Modelo de mansidão é Jesus, portanto não

podemos confundir manso com pessoa que não fala para não incomodar ou que

acha que as coisas têm que continuar do jeito que estão para não provocar

confusão. Jesus foi pessoa não violenta, mas não foi indiferente às injustiças e lutou

por uma sociedade mais justa e fraterna, mas de maneira pacífica.

3.2.4 Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (5,6)

Segundo Mateos e Camacho (1981), as duas bem-aventuranças anteriores se

sintetizam nesta. A fome e a sede indicam o desejo veemente de algo que é

indispensável para a vida. A justiça é tão necessária para o homem como a comida

e a bebida. Sem ela, se encontra em um estado de morte. “A justiça a que se refere

a bem-aventurança é a expressada antes: ver-se livres da opressão, gozar de

independência e liberdade. Jesus promete que esse desejo vai ser saciado”.

(MATEOS; CAMACHO, 1981, p.55).

3.2.5 Felizes os que são misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (5,7)

Não se trata aqui da misericórdia como sentimento, mas como obra. Mateos e

Camacho (1981) e Sicre (1998), preferem traduzir como os que prestam ajuda ao

próximo. Também não se trata de prestar ajuda em um momento determinado, mas

de orientar toda a vida, tendo como preocupação fundamental o serviço. Essas

pessoas se beneficiarão também da ajuda (misericórdia) de Deus.

3.2.6 Felizes os limpos (puros) de coração, porque verão a Deus (5,8)

Para entender corretamente esta bem-aventurança, vamos partir do Sl 24,4:

“aquele que tem mãos inocentes e coração puro”, as duas expressões são utilizadas

como sinônimas. Então, pode-se concluir que seria mesma coisa que dizer aquele

que não tem más intenções contra o próximo.

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Também podemos ver aqui uma alusão à crítica que se faz com frequência

nos profetas, que identificam o coração dividido com o coração idólatra (Jr 24,7;

32,39-41), um coração que tem espaço para Deus e para outras muitas

preocupações que afastam a pessoa da opção fundamental pelo Reino. “Ouça,

Israel! Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o

seu coração [...]” (Dt 6,4-5).

“Esta bem-aventurança contrasta com o conceito de pureza segundo a Lei: a

pureza interior não se consegue com ritos nem com observâncias, mas com a boa

disposição para com o próximo” (MATEOS; CAMACHO, 1981, p.56). Jesus prefere

falar da pureza interior, da pureza de coração que se traduz em boas obras de

misericórdia e não de violência.

3.2.7 Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus

(5,9)

O sentido da bem-aventurança não é passivo, mas ativo, de construir,

promover, procurar a paz. Não se trata apenas de ser não violentos, mas de ter uma

atitude ativa no sentido de procurar uma vida individual e coletiva em que reine a

paz, que, na realidade, é o conjunto de bens que permitem uma vida feliz, portanto

não é apenas ausência de guerra.

3.2.8 Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o

Reino dos Céus (5,10)

Esta bem-aventurança dirige-se às pessoas que tentam ser fiéis a Deus e por

causa disso são perseguidas.

A última bem-aventurança, que completa a primeira, expõe a situação em que vivem os que optaram contra o dinheiro. A sociedade baseada na ambição de poder, glória e riqueza (4,9) não pode tolerar a existência e atividade de grupos cujo modo de viver nega as bases do seu sistema (MATEOS; CAMACHO, 1981, p. 56)

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Como exemplos desse tipo de pessoas, podemos lembrar os profetas do

Antigo Testamento e do próprio Jesus que viveram na contramão da sociedade e da

prática religiosa não autêntica e por causa dessas denúncias, foram perseguidos.

3.3 Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-16)

O sal era utilizado nos pactos, nas alianças, como símbolo de

incorruptibilidade, algo que nunca acaba (Lv 2,13; Nm 18,19). O sal também era

utilizado como adubo, para fertilizar a terra. As duas imagens são sugestivas e dão

luz para entender por que Jesus diz aos discípulos “vocês são o sal da terra”. O sal

faz toda a diferença na

comida e os discípulos

devem fazer a diferença

lá onde eles estão. Mas

sem aparecer, como

também não aparece o

sal na comida, com uma

atitude de humildade.

Fonte: http://migre.me/fGcqB

A comunidade não pode ficar escondida, nem viver fechada em si mesma. A

comunidade tem que ser portadora da luz que ela descobriu para que a luz não se

apague, tem que servir de luz que ilumine os outros. Ser discípulo não é um

privilégio, mas uma missão.

3.4 Jesus e a Lei (Mt 5,17-48)

Imaginamos que eram muitos os questionamentos que surgiam no meio judeu

com a figura de Jesus: qual a relação entre a Lei do Antigo Testamento e o

ensinamento de Jesus? Jesus anula a Lei? Em que consiste a novidade que traz

Jesus nesse sentido?

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Jesus começa falando que ele não veio abolir a Lei (5,17), mas adverte que a

justiça do cristão não pode se limitar ao cumprimento da lei, ao legalismo (5,20).

Mateus não vê uma ruptura entre a pessoa de Jesus e os ensinamentos recebidos

no Antigo Testamento, pelo contrário, a figura de Jesus supõe o cumprimento da

vontade de Deus expressa no Antigo Testamento (ZUMSTEIN, 1987).

Quanto ao legalismo que Jesus quer evitar, Sicre (1998), traz uma reflexão

interessante. O autor diz que ao legalismo se pode chegar por dois caminhos

parecidos:

a) Procurando segurança humana; uma pessoa imatura, com medo de correr riscos, prefere que em cada momento lhe seja indicado o que deve ser feito. Quanto mais normas, melhor, pois assim não se sente inseguro. b) Procurando segurança religiosa. Essas pessoas concebem a salvação como algo que se ganha pelo próprio esforço [...] Quantas mais normas, melhor conhecerei o que Deus quer e fica mais fácil conseguir a salvação. (SICRE, 1998, p. 128)

O problema é ficarmos presos à letra da lei e esquecer seu espírito, o porquê

da lei, qual o seu objetivo. Sicre (1998), coloca dois exemplos para reflexão: a lei

proíbe comer carne nas sextas-feiras de quaresma, mas comendo um banquete de

frutos do mar, estaríamos cumprindo o espírito da lei? A lei manda ir à missa aos

domingos, mas talvez não lembremos mais dele ao longo do resto da semana. Será

que é esse o cumprimento da lei que pede Jesus?

Em Mt 5,21-48 se apresentam seis antíteses entre a doutrina anterior e a

reinterpretação que Jesus faz desses preceitos. Jesus quer superar a casuística e

faz uma interpretação bem mais exigente.

Lembramos, como exemplo, a primeira antítese que fala a respeito do

mandamento não matar (Ex 20,13). Para Jesus não se trata apenas da proibição de

tirar a vida física da pessoa. Ele vai além e proíbe qualquer tipo de exclusão,

humilhação, preconceito: “todo aquele que fala com raiva do seu irmão se torna réu

perante o tribunal. Quem diz ao seu irmão ‘Imbecil!’ [...] (Mt 5,22). A exigência agora

é muito maior, fazendo entender que se pode atentar contra a vida do outro sem tirar

a vida física.

Ao longo dos evangelhos, percebe-se que Jesus nunca fica excessivamente

preocupado com o cumprimento de leis e normas, o que lhe preocupa é a vontade

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do Pai e essa vontade vai muito além do cumprimento de leis. Por outro lado, parece

que não acredita que a abundância de normas ajude mais o homem a se relacionar

com Deus. Do mesmo jeito que não são as normas que fazem com que os filhos

amem seus pais. Por último, temos que lembrar que Jesus sempre dá mais

importância à misericórdia do que ao cumprimento dos preceitos, porque para Deus

o homem é muito mais importante que todas as leis (Mt 9,13; Mc 2,27). (SICRE,

1998, p.139).

3.5 O cristão e as obras de piedade (Mt 6)

Jesus opõe a relação com Deus à prática dos fariseus, que cumprem a lei com

a intenção de serem vistos e elogiados. E deixa claro que, se for assim, já têm a

recompensa que procuravam (o aplauso do povo), portanto não devem esperar mais

nenhuma recompensa de parte de Deus (6,1).

A seguir, Jesus vai falando de cada um das três obras de piedade dos judeus:

esmola, oração e jejum.

3.5.1 Esmola (Mt 6,2-4)

A esmola deve ficar em segredo, sem publicidade: “que a mão esquerda não

saiba o que sua direta faz” (6,3). Quer dizer, nem os mais íntimos precisam ficar

sabendo. Deus que vê no escondido vai recompensar.

Aqui cabe lembrar como é nossa prática nas comunidades, paróquias e

movimentos. Quantas vezes escutamos no início de uma festa os agradecimentos

públicos às pessoas (nomeadas com nomes e sobrenomes) que colaboraram com

as doações. E o pior é que há pessoas que fazem questão dessa publicidade.

3.5.2 Oração (Mt 6, 5-15)

A oração dos hipócritas também tinha o objetivo de aparecer para os outros.

Esse tipo de prática não leva a nada, pois não é uma comunicação verdadeira com

Deus. A orientação dada no v.6 pode ser mal entendida, não se trata de fazer

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oração individual (no quarto), mas a comparação se refere à interioridade, ao mais

íntimo da pessoa. Coloca isso como o oposto de fazer oração em público para ser

visto.

A oração tem que ser vista apenas por Deus. Mas isso não quer dizer que

Jesus não valorize a oração comunitária, mais ainda quando vemos que o Pai Nosso

está todo em plural, pressupondo uma oração comunitária.

Também censura no v.7 o palavreado, que se refere à falta de fé de quem se

dirige a Deus querendo insistir, “vencer Deus pelo cansaço”. Essa atitude está

errada, pois Deus sabe o que as pessoas precisam. Na oração, o homem deve abrir

o coração a Deus, mas não querer insistir e dominar a Deus por meio da oração.

A seguir, Jesus dá um exemplo de como deve ser a oração do discípulo:

Pai Nosso: não pode ser uma oração egocêntrica, mas pensando em

coletivo, de maneira comunitária. Chamar Deus de Pai supõe proximidade

e familiaridade. O discípulo não deve ver Deus com medo, mas como pai.

Se Deus é nosso Pai, nós somos irmãos e devemos nos tratar

fraternalmente.

Que estás nos céus: indica a transcendência de Deus, que está acima

da esfera humana, terrestre.

Santificado seja o teu nome: o nome designa a divindade mesma. A

santificação é a revelação definitiva de Deus aos homens. É o pedido de

que seja proclamado que Deus é santo. Lembra a vocação de Isaías:

“Santo, santo, santo, é Javé dos exércitos, a sua glória enche toda a terra”

(Is 6,3). “O primeiro pedido se orienta nessa linha claramente profética

que situa a Deus por cima de tudo, exalta sua majestade e deseja que se

proclame sua glória” (SICRE, 1998, p.141).

Venha o teu reino: o reino de Deus é totalmente diferente dos reinos

deste mundo. Trata-se de um reino em que os valores são a justiça, o

amor, a paz, a solidariedade, etc. Desde a primeira bem-aventurança o

Sermão da Montanha vem falando desse reino. A plenitude do reino é

escatológica, mas a comunidade dos cristãos é convidada a ter esse reino

como meta e viver segundo os valores desse reino.

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Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu: pedido de que

o projeto de salvação se realize de maneira tão manifesta na terra como é

no céu (SICRE, 1998, p.141).

Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia: pão é um semitismo por

alimento, isto é, o que se pede não é apenas pão, mas todo o necessário

para uma vida plena e sadia. Esse alimento é pedido para hoje e para

cada dia, por isso, o cristão não deve acumular, como ensina também a

passagem do maná (Ex 16). Esse pedido é também um apelo à

solidariedade: o cristão não deve ser indiferente (como não é indiferente

Deus) diante das pessoas que não têm as necessidades básicas

garantidas.

Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos

nossos devedores: o perdão de Deus está condicionado e a condição é

o perdão humano. Seria como dizer: se o homem não perdoa não tem

direito a pedir perdão de Deus. Quem se fecha ao amor dos outros, fecha-

se também ao amor de Deus, que se manifesta no perdão. Podemos

lembrar aqui a mensagem da parábola do devedor implacável (Mt 18,21-

35).

E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal: as

tentações fazem parte da vida do homem; Jesus também foi tentado. Aqui

não se pede que não haja tentações, mas que o cristão seja capaz de

superá-las e não cair nelas. Quando se supera uma tentação, o ser

humano sai mais firme, fortalecido, com a fé mais sólida. Mas quando se

cai na tentação, o sentimento é o contrário: de pequenez, de baixa

estima, de fraqueza. Pede-se, então, a ajuda de Deus para ser forte nas

tentações, que fazem parte do dia a dia.

3.5.3 Jejum (6,16-18)

Seguindo a mesma estratégia que com a esmola e a oração, Jesus opõe de

novo a conduta dos hipócritas, que querem mostrar que estão jejuando com o único

objetivo de serem admirados pelos homens.

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“O jejum deve ser feito em segredo, serve para expressar diante do Pai uma

atitude íntima. Por ser privação de alimento, fonte de vida, é símbolo de

solidariedade com a dor da morte e expressa sua tristeza” (MATEOS; CAMACHO,

1981, p. 71). A tristeza deve ser interior e não dissimulada, como a dos hipócritas.

3.6 Outros ensinamentos do Sermão da Montanha

3.6.1 O cristão e os bens materiais (Mt 6,19-34)

A partir de Mt 6,19-34 o Sermão da Montanha vem explicar ou completar a

primeira bem-aventurança. A opção

fundamental do cristão deve ser pelo reino,

não pela posse das coisas materiais. Isso é

próprio dos pagãos, isto é, dos que não

descobriram o reino de Deus.

O acúmulo de coisas materiais e o

reino de Deus são incompatíveis, pois a

pessoa que acumula dinheiro está

apegada a ele. O oposto do acúmulo é a

partilha, a solidariedade, a prática da caridade.

Fonte: http://migre.me/fGcKb

Para Jesus, o dinheiro, as riquezas podem se transformar em um deus,

caindo assim na idolatria. Sicre (1998), faz uma reflexão interessante a respeito da

idolatria:

Naturalmente, ninguém vai a um Banco [...] para rezar ao deus dinheiro, nem faz novena aos banqueiros. Mas, no fundo podemos estar caindo na idolatria do dinheiro. Segundo o Antigo e o Novo Testamento, a idolatria se dá de três maneiras: 1) Mediante a injustiça direta (roubo, fraude, assassinato, para ter mais). O dinheiro se converte em bem absoluto. [...] 2) Mediante a injustiça indireta, o egoísmo, que não prejudica diretamente o próximo, mas faz com que nos despreocupemos das suas necessidades (cf. Lc 16,19-31).

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3) mediante a preocupação excessiva pelos bens deste mundo, que faz com que percamos a fé na Providência [...] (SICRE, 1998, pp.142-143).

Fonte: http://migre.me/fV8MF

Não temos que entender o convite a acreditar na Providência (6,25-34) num

sentido alienante, não significa cruzar os braços e esperar que tudo venha caído do

céu, mas evitar a angústia excessiva, confiando que Deus nos ajudará, mas através

do nosso esforço e do esforço dos outros. Isto é, se trata de relativizar os bens

terrenos se comparados com o valor supremo de Deus e de seu reino e se abrir com

generosidade e sensibilidade para as necessidades dos outros.

3.6.2 Atitude cristã com o próximo (Mt 7,1-12)

A atitude cristã deve ser de prudência

na hora de levantar o dedo acusador. Antes

de julgar os outros, somos convidados a

olhar para o defeito próprio para assim ser

mais tolerante com os outros. Isso não quer

dizer que não tenha que se praticar a

correção fraterna, mas sempre com

misericórdia e caridade e sabendo que nós

também somos pecadores.

Fonte: http://migre.me/fYkmT

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Esta seção fecha com a regra de ouro bem conhecida de todos nós: fazer aos

outros o que gostaríamos que fosse feito para nós. Esse deve ser sempre o critério

de discernimento para não ter medo de errar (Mt 7,12).

3.6.3 Conselhos para se manter na atitude cristã (Mt 7,13-29)

Jesus começa alertando que o seguimento exige esforço, que a porta é

estreita, mas mesmo assim vale a pena, pois se trata do caminho da vida.

Apresenta-se a escolha, o homem é livre para escolher, mas tem que saber quais

são as vantagens e desvantagens da escolha. O caminho que leva à morte é largo e

por isso pode ser mais atrativo. Precisa-se de discernimento para saber escolher

com amadurecimento (Mt 7,13-14).

Em seguida, Jesus alerta a respeito dos falsos profetas (Mt 7,15-20), que são

pessoas que se apresentam falando em nome de Deus, mas estão servindo a seus

próprios interesses. São muito perigosos porque aparentemente parecem cordeiros,

inofensivos, por isso enganam com facilidades, mas na realidade, são lobos. Precisa

estar atentos aos frutos, pois é pelos frutos que se conhecem os verdadeiros

seguidores de Cristo. Às vezes escutamos opiniões muito diferentes a respeito de

qual deve ser a atitude do verdadeiro cristão. O que fazer? Em quem acreditar? O

conselho de Jesus é a calma e o discernimento. O critério que nunca nos levará a

engano é a mensagem do Evangelho: se as palavras que escutamos estão de

acordo com os valores evangélicos e com a atitude de Jesus, podemos concluir que

é verdadeiro profeta.

Mt 7,21-23 é um alerta para que o cristão não se engane a si mesmo. “Viver o

Sermão da Montanha não é questão de palavras, nem de obras portentosas [...] O

que Deus quer é que se cumpra sua vontade. E isso se faz através das coisas mais

simples e cotidianas” (SICRE, 1998, p. 138).

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Exercício 4

1. Analise os enunciados a seguir e indique se são verdadeiros ou falsos:

I. Para Mateus, Jesus é o novo Moisés, pois dá uma nova compreensão da lei.

II. Jesus dirige o Sermão da Montanha aos discípulos e à multidão.

III. Jesus identifica a justiça dos cristãos à justiça dos fariseus.

IV. As bem-aventuranças se referem a pessoas que são ou deveriam ser felizes.

V. A felicidade anunciada nas bem-aventuranças é apenas futura.

VI. Os misericordiosos são os que têm como princípio fundamental de sua vida a

ajuda e o serviço ao próximo.

VII. O sal era utilizado como símbolo de algo que não acaba.

VIII. A imagem do sal convida o cristão a ter um lugar de destaque na comunidade,

pois ser discípulo é um privilégio.

IX. Jesus não é legalista, mas cumpria todas as leis da época dele.

X. Cristão não deveria ter bens materiais nem trabalhar, mas viver da Providência.

XI. Finalidade da oração é que Deus faça o que o orante pede.

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UNIDADE 4 – PARÁBOLAS E MILAGRES DE JESUS

Os objetivos desta unidade são: entender por que Jesus falava em parábolas

e conhecer a mensagem fundamental das parábolas mais importantes. Pretende-se

também adentrar no mundo dos milagres, tentando entender qual o principal objetivo

da atividade de cura de Jesus para poder distinguir Jesus das pessoas que se

apresentam como curandeiros ou milagreiros.

4.1 Por que Jesus falava em parábolas

Jesus tinha um jeito peculiar de falar com o povo simples e se fazer entender,

mesmo falando de coisas complicadas, como compreender o que é o reino de Deus.

Mas parece que esse jeito simples agradava bastante ao povo, pois as

pessoas viam Jesus como aquele que ensina com autoridade: “as pessoas ficavam

admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem

autoridade e não como os doutores da Lei” (Mc 1,22).

Jesus não explicou diretamente sua experiência do reino de Deus. “Com

criatividade inesgotável, inventava imagens, concebia belas metáforas, sugeria

comparações e, sobretudo, narrava com maestria parábolas que cativavam as

pessoas” (PAGOLA, 2011, p.145).

Em lugar de recorrer a ideias abstratas e frases complicadas, que o povo não

entenderia com facilidade, prefere utilizar a linguagem do povo, utilizando imagens

do dia a dia, de pescadores, da lavoura, das festas do povo, etc.

Ele tinha uma capacidade muito grande de encontrar imagens bem simples para comparar as coisas de Deus com as coisas da vida que o povo conhecia e experimentava na sua luta diária pela sobrevivência. Isto supõe duas coisas: estar por dentro das coisas da vida e estar por dentro das coisas de Deus, do reino de Deus. (MESTERS; LOPES, 2008, p.71).

Esse jeito de falar tem várias vantagens: além de ser facilmente

compreensível, leva à reflexão, pois quem escuta é convidado a extrair a mensagem

da parábola, da comparação ou metáfora colocada. Por outro lado, essas imagens

ficam na memória do povo com muito mais facilidade que um discurso.

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Após a parábola da semente (Mc 4,3-9), quando alguém dos Doze pergunta a

Jesus o que significavam as parábolas, Jesus explica assim: “Para vocês foi dado o

mistério do Reino de Deus, para os que estão fora tudo acontece em parábolas,

para que olhem, mas não vejam, escutem, mas não compreendam” (Mc 4,11-12). Os

de fora são os que não fazem parte da família de Jesus. Estes ainda não sabiam

que Jesus era a própria semente da que falava a parábola. “Alguns deles, como, por

exemplo, os fariseus e os herodianos que queriam matar Jesus (Mc 3,6), nunca

aceitaram que Jesus fosse a semente. Por isso, mesmo vendo, não enxergavam e

ouvindo, não entendiam” (MESTERS; LOPES, 2008, pp.71-72).

São muitas as parábolas que encontramos nos evangelhos sinóticos. Como

não podemos trabalhar todas, a seguir vamos escolher algumas parábolas para o

nosso estudo.

4.2 Parábolas do Reino de Deus

Começamos com a parábola da semente de mostarda (Mc 4,30-32). Jesus

compara o Reino de Deus com uma semente que é considerada como a menor de

todas: a semente de mostarda. Trata-se de uma semente que não passa do

tamanho da cabeça de um alfinete, mas com o tempo, vai crescendo e se

transformando em uma grande árvore. Essa comparação é desconcertante, pois se

esperava a vinda de um Messias poderoso. Mas Jesus prefere falar do Reino como

algo fraco, insignificante e pequeno

(PAGOLA, 2011). A semente precisa

de tempo para amadurecer, como

também o Reino. Assim Jesus quer

também combater a ideia de que as

coisas pequenas e simples não têm

valor.

Fonte: http://migre.me/fGcMU

Em Mc 4,26-29, Jesus faz pensar a respeito do que acontece com a semente

após a semeadura: a colheita segue à semeadura. “Ninguém sabe muito bem como,

mas algo acontece misteriosamente embaixo da terra. O mesmo acontece com o

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Reino de Deus. Já está atuando de maneira oculta e secreta. Só é preciso esperar

que chegue a colheita” (PAGOLA, 2011, p. 153).

É claro que a figura do semeador aqui tem sua importância, mas o que é

realmente decisivo não depende mais dele. Com essa parábola, Jesus convida a

perceber a ação oculta de Deus. A colheita vai além do esforço dos camponeses:

eles cuidam da semente, mas nem tudo depende deles. Isso mesmo se pode dizer

do Reino de Deus: É um presente de Deus imensamente superior a todos os

esforços humanos (PAGOLA, 2011).

Em Lc 13,20-21, Jesus compara o Reino de Deus a uma mulher que está

fazendo pão e pega uma porção de fermento para que cresça toda a massa. Do

mesmo jeito que vimos com a imagem do sal na comida, podemos ver que acontece

com o fermento no pão: sem fermento não tem pão, mas ele entra na massa e se

dissolve, não aparece. E esse fermento, sem aparecer, faz com que toda a massa

cresça e vire um belo pão.

Em Mt 13,44 Jesus compara o Reino do Céu a um tesouro escondido no

campo. O homem que o encontra vende todos seus bens e compra aquele campo. E

em seguida, em Mt 13,45-46 compara o Reino a um comprador que procura pérolas

preciosas, e igualmente, vende todos os bens para comprar a pérola achada. Isto é,

o Reino de Deus é um tesouro oculto que tem que ser encontrado. Mas é tão valioso

que as pessoas que o encontram consideram que de nada valem todos os outros

bens se comparado com o valor do Reino. Trata-se de uma oportunidade que

ninguém deve deixar escapar.

4.3 Parábolas de misericórdia

Lc 15 “é um ponto central na longa caminhada de Jesus para Jerusalém. É

como o alto da serra, de onde se vê o caminho percorrido e se enxerga o caminho

que ainda falta. É o capítulo da ternura e da misericórdia acolhedora de Deus [...]”

(METSERS; LOPES, 2013, p.121).

Neste capítulo encontramos três parábolas dirigidas ao mesmo público.

Segundo Lc 15,1-2, “todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam

de Jesus para escutá-lo. Mas os fariseus e os doutores da Lei criticavam Jesus,

dizendo: ‘Esse homem acolhe pecadores e come com eles’”.

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Para entender corretamente as passagens dos evangelhos é interessante

identificar com quem Jesus está falando em cada momento, a quem ele se dirige.

Está falando à multidão? Ao grupo dos Doze? Com uma samaritana? Com uma

pecadora? Com fariseus? Com saduceus? Etc.

Neste capítulo de Lucas vemos que os destinatários das três parábolas são

os fariseus e doutores da Lei, que criticavam Jesus por aceitar a companhia de

pecadores e publicanos, cobradores de impostos. Eles não entendiam que o

Messias se misturasse com povo que eles consideravam maldito por não cumprir a

Lei (Jo 7,49).

Antes de apresentar a parábola conhecida como parábola do Filho Pródigo,

que, na realidade, deveria se chamar melhor parábola do Pai Bom ou

misericordioso, Lucas apresenta duas parábolas com a mesma intenção de revelar o

rosto misericordioso e compassivo de Deus.

Lc 15,3-7 - A parábola da ovelha perdida fala de um pastor que tem 100

ovelhas, mas se perder uma, deixa as 99 e vai buscar a perdida. Quer dizer: Deus

não quer perder nenhuma e busca todas suas ovelhas e quando as encontra, se

enche de alegria. No texto aparece três vezes a palavra alegria (ou alegrar-se).

Todas as ovelhas são importantes para Ele.

Lc 15,8-10 – A parábola da moeda perdida. Agora se trata de uma mulher

que perde uma moeda. Varre a casa até encontrá-la. Aqui também aparece duas

vezes a palavra alegria. A conversão de um pecador é sempre motivo de alegria,

pois Deus não quer que ninguém se perca, mas que todos se convertam e se

salvem.

Lc 15,11-32 – Parábola do Pai misericordioso. Lembrando que as

parábolas se dirigem aos fariseus e doutores da Lei, que se achavam justificados por

cumprirem a Lei, na parábola, eles são representados pelo irmão mais velho que

sempre ficou ao lado do pai. Já o filho mais novo, o filho pródigo, estaria

representando os pecadores.

O filho mais novo exige sua parte da herança, dessa maneira está dando o

pai por morto, rompe a solidariedade da família e joga por terra sua honra. Mas o pai

não fala nada, respeita o pedido do filho e o atende (PAGOLA, 2011).

Com o dinheiro em mão, ele se afasta da família e vai morar longe. Esbanja o

dinheiro e quando fica sem nada vai procurar trabalho com um homem que o coloca

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para cuidar dos porcos (animais considerados impuros para os judeus). Quer dizer,

não podia cair mais baixo: perdeu absolutamente tudo, até a dignidade. Ao ver-se

nessa situação limite, ele reage e quer voltar ao pai. Ele é consciente que não teria

mais como exigir direitos de filho, mas talvez possa conseguir do pai ser tratado

como um empregado.

E aí vem a parte mais surpreendente da parábola: a reação do pai. Sua

acolhida é incrível. Sem querer lembrar o passado, alegra-se com o filho que está

voltando. É interessante perceber que na parábola o pai não sabe das intenções do

filho, talvez ele esteja

voltando para pedir mais

dinheiro... Mas o fato de

vê-lo voltar já é motivo de

festa e de alegria. Ele sai

ao encontro do filho de

maneira gratuita e

incondicional.

Independente de tudo, o

mais importante é que o

filho que estava afastado

está voltando.

Fonte: http://migre.me/fGcsy

O pai não quer que seu filho seja seu escravo. Quer que seja filho! Esta é a grande Boa Nova que Jesus nos trouxe. Túnica nova, sandálias novas, anel no dedo, churrasco, festa! Nesta alegria imensa do reencontro, Jesus deixa transparecer como era grande a tristeza do Pai pela perda do filho. (MESTERS; LOPES, 2013, p.122).

Porém, o filho mais velho não sente a mesma alegria que o pai pela volta do

irmão. Em lugar de alegria, sente raiva. Não entende a atitude do pai. Entenderia

que o pai fizesse festa para ele, filho dedicado, mas não para o irmão pecador.

“Quem fica muito preocupado em observar a lei de Deus corre o perigo de esquecer

o próprio Deus! [...] O filho mais novo teve a coragem de voltar à casa do pai,

enquanto o mais velho não quer mais entrar na casa do pai!” (MESTERS; LOPES,

2013, pp. 122-123).

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Outra parábola que tem também mensagem de compaixão e misericórdia é a

parábola dos trabalhadores da vinha de Mt 20,1-15. A parábola fala a respeito de

diaristas que são contratados para trabalhar em uma vinha em diferentes horários do

dia e no final da jornada de trabalho, quando o proprietário vai acertar as contas com

eles, acaba pagando a todos a mesma quantidade. É uma das parábolas que com

frequência revoltam, pois nem sempre se entende o proceder do proprietário, que

representa o agir compassivo de Deus.

Os diaristas pertenciam às camadas mais baixas da sociedade. Agricultores despojados de suas terras levavam uma vida apertada e sem segurança alguma: às vezes mendigando, outras roubando e sempre procurando algum patrão que os contratasse, nem que fosse por um dia. A jornada de trabalho começa ao amanhecer e termina ao pôr do sol. (PAGOLA, 2011, p. 165)

Em primeiro lugar, chama a atenção que seja o próprio proprietário quem sai

buscar trabalhadores para a vinha, pois isso era serviço normalmente feito pelo

administrador, que era quem ficava à frente das terras enquanto os proprietários

normalmente ficavam nas cidades.

O proprietário sai no início do dia e acorda dar um denário por um dia de

trabalho. Das outras vezes que sai procurar trabalhadores não combina nenhum

salário específico, diz apenas que pagará “o que for justo” (v.4). Da última vez que

convida trabalhadores faltava apenas uma hora para acabar a jornada de trabalho,

mesmo assim, é feito o convite e desta vez não combina nada com eles a respeito

de salário, nem sequer disse que pagará o que for justo.

No final do dia, o proprietário paga a cada operário, pois os diaristas

dependiam do pagamento diário para poder sustentar a família: “Não explore um

assalariado pobre [...] Pague-lhe o salário a cada dia, antes que o sol se ponha,

porque ele é pobre e sua vida depende disso” (Dt 24,14-15).

E é neste momento que vem a surpresa desta parábola. Começa pagando

aos que chegaram por último. O proprietário dá um denário, mesmo que o trabalho

deles não passasse de uma hora. Nesse momento imaginamos a surpresa feliz que

isso supôs para esses trabalhadores. Mas, ao mesmo tempo, surge também a

expectativa dos que trabalharam por mais tempo. Pois, pelo raciocínio humano: a

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mais trabalho deveria corresponder maior salário. Porém, o proprietário paga a todos

um denário.

Quando os outros reclamam, o proprietário explica: eles não têm motivo de

reclamação, pois receberam o que fora combinado. Poderiam reclamar se não

estivesse honrando o combinado. Mas o proprietário pode fazer o que ele quiser

com o dinheiro dele e, nesse caso, ele considera que é justo pagar a todos o mínimo

para que eles possam levar alguma coisa para casa e sustentar a família.

A parábola

estranha porque a lógica

divina parece totalmente

diferente da lógica

humana. Inclusive parece

sugerir que os méritos de

cada pessoa não são

decisivos, ou ao menos

não são o único critério. A

misericórdia de Deus tem

critérios bem diferentes

dos critérios humanos.

Fonte: http://migre.me/fVgdp

Na unidade 1 já falamos a respeito da parábola do Bom Samaritano (Lc

10,30-36). Nesta parábola, Jesus explica a um especialista em leis (10,25) o que ele

entende por próximo e como ele espera que seus discípulos tenham uma postura

compassiva para com o próximo.

Um homem cai na mão de salteadores e fica jogado no caminho. Primeiro

passa um sacerdote e depois um levita, mas nenhum dos dois fez nada por ele. Mas

um samaritano, que era protótipo de infiel para os judeus, quer dizer, não só não é

sacerdote, mas nem sequer era um judeu, “viu e teve compaixão” (Lc 10,33). “O

reino de Deus se torna presente onde as pessoas atuam com misericórdia. Até um

inimigo tradicional, renegado por todos, pode ser instrumento e encarnação do amor

compassivo de Deus” (PAGOLA, 2011, p.174). Isto é, falando em compaixão e

misericórdia, devemos vencer todo preconceito. Nem sequer os representantes do

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templo podem se considerar com a exclusividade e nem como modelos. E o

contrário: aqueles que eram considerados infiéis dão uma lição de coração

misericordioso voltado ao espírito evangélico do amor ao próximo.

4.4 Os milagres de Jesus

São muitos os milagres narrados nos evangelhos sinóticos e muito variados:

curas, ressurreição, domínio das forças da natureza, etc. Os milagres são sinais do

Reino de Deus, que quer a inclusão, a vida, a libertação do povo.

Vimos até agora que Jesus falava em parábolas, mas os milagres são uma

outra maneira de falar de sua misericórdia e compaixão. Jesus não é indiferente

diante do sofrimento, da doença, da necessidade humana de alimento, da falta de

vida...

No evangelho de Lucas, os primeiros atos que se narram de Jesus são

milagres, expulsão de demônios.

Para os antigos, todos os males que afligiam a pessoa eram considerados obra de algum demônio, principalmente as doenças. Para conseguir a cura, era necessário expulsar o demônio. [...] Isso é o sinal concreto da chegada do Reino de Deus, que traz liberdade e vida para todos. (STORNIOLO, 1992, p.48).

Em Mc 2,17 Jesus diz aos fariseus, que se escandalizam vendo-o sentado à

mesa com publicanos e pecadores, que as pessoas que têm saúde não precisam de

médico, mas sim os doentes. Deus não é impassível e Jesus manifesta sua

compaixão para com as pessoas que sofrem (Mt 5,4: “Bem-aventurados os que

sofrem porque eles serão consolados”).

Segundo Pagola (2011, p. 191), “ao contrário do Batista, que nunca curou

ninguém, Jesus proclama o reino de Deus pondo saúde e vida nas pessoas e na

sociedade inteira” (Mt 4,23).

Segundo Faus (1982), há duas maneiras de entender os milagres. De um

lado, podem ser entendidos como garantia da existência de um Deus onipotente, ou

do caráter divino de alguma ação. Porém, também podem ser entendidos como um

sinal de como é Deus, ou da misericórdia vitoriosa de Deus. Neste caso o milagre

tem mais de “lição” ou de “convite” que de garantia; e aponta mais ao desígnio

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misericordioso de Deus do que ao seu poder. “A primeira destas duas concepções é

mais religiosa, a segunda é mais evangélica” (FAUS, 1982, p. 31).

Para os judeus, tudo vem de Deus, tanto o bem (bênçãos) quanto o mal

(castigos, maldições). E a doença era considerada como um castigo motivado por

algum pecado. Vida com saúde é vida abençoada; doença é vida amaldiçoada. Os

enfermos, por isso, eram considerados pessoas malditas, afastadas de Deus,

pecadoras; portanto é melhor mantê-los excluídos do convívio social e religioso.

Estas pessoas eram excluídas do templo, por serem consideradas impuras.

Portanto, as curas não são um fim em si mesmo, e sim meios para alcançar

um fim maior, que é a restauração da dignidade dessas pessoas, isto é, a cura é

integral, não é apenas física. Jesus reconstrói o enfermo: pode sair da exclusão a

que ficam condenados com a doença, não terá mais que se esconder, poderá andar

de cabeça erguida, sem

que assinalem para eles

como pessoas

indesejáveis, imundas,

impuras, das quais é

preciso manter a distância.

Supõe também restituir a

dignidade do ponto de

vista religioso, pois a cura

propicia poder entrar no

templo, saber-se acolhidos

por Deus.

Fonte: http://migre.me/fWe1Z

[Jesus] não se preocupa apenas com o mal físico dos enfermos, mas também com sua situação de impotência e humilhação por causa da enfermidade. Por isso os enfermos encontram nele algo que os médicos não asseguravam com seus remédios: uma relação nova com Deus que os ajuda a viver com outra dignidade e confiança diante dele. (PAGOLA, 2011, p.199).

A cura é expressão da misericórdia e compaixão de Deus que quer acolher

essas pessoas. Nesse sentido, chama a atenção que os evangelhos que

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normalmente são tão sóbrios em falar dos sentimentos, continuamente mencionam

que o que leva Jesus a curar as pessoas é a compaixão. Em algumas Bíblias se

encontra nesses casos a tradução literal do grego: “se comoveram as entranhas de

Jesus”. Veja alguns exemplos dessa compaixão:

Mt 9,36: “Vendo as multidões, Jesus teve compaixão, porque estavam

cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”.

Mt 14,14: “Ao sair da barca, Jesus viu grande multidão. Teve

compaixão deles, e curou os que estavam doentes”.

Mt 15,32: “Jesus chamou seus discípulos, e disse: ‘Tenho compaixão

dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo, e não têm nada

para comer’”.

Mt 20,34: “Cheio de compaixão, Jesus tocou os olhos deles, e eles

imediatamente começaram a ver, E seguiram Jesus”.

Lc 7,13: “Ao vê-la, Jesus teve compaixão dela e lhe disse: ‘Não

chore!’”

As curas são gratuitas, Jesus não procura nada para si mesmo. O objetivo

dos milagres não é conseguir um benefício deles, nem sequer o seguimento.

Jesus tem seu estilo próprio de curar, Cura com a força de sua palavra e com os gestos de suas mãos. É um dos seus traços característicos. Não pronuncia fórmulas secretas nem fala entre os dentes, como os magos. Sua palavra é clara. Todos a podem ouvir e entender. (PAGOLA, 2011, p. 203).

Segundo Mc 6,5-6, Jesus não pôde fazer milagres em Nazaré por causa da

falta de fé. Quando falta a fé a ação curadora fica frustrada. Pelo contrário, quando a

pessoa confia em Jesus e tem fé, Ele atribui a cura à fé da pessoa: “Minha filha, sua

fé curou você. Vá em paz e fique curada dessa doença” (Mc 5,34); “Jesus disse:

‘Pode ir, a sua fé curou você’. No mesmo instante, o cego começou a ver [...]” (Mc

10,52).

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Exercício 5

1. A respeito das parábolas de misericórdia, analise os enunciados a seguir:

I. Quando Jesus pronuncia as parábolas da misericórdia estava conversando com o

grupo dos Doze, que criticaram a atitude de Jesus com os pecadores e publicanos.

II. A mensagem das parábolas de misericórdia é que Deus perdoa, mas se trata de

um perdão condicionado.

III. O filho mais velho da parábola do Filho Pródigo representa a atitude correta que

Deus quer.

2. A respeito da parábola dos diaristas da vinha, analise os enunciados a

seguir:

I. Jesus deveria ter pagado de maneira diferenciada os operários, dependendo do

tempo de trabalho.

II. A lógica divina parece bem diferente da lógica humana devido à sua misericórdia.

3. A respeito dos milagres de Jesus, marque a alternativa INCORRETA:

a) O que leva Jesus a fazer os milagres é sua compaixão.

b) As pessoas beneficiárias dos milagres de cura eram pessoas excluídas por

causa de sua condição de doentes, impuros.

c) As curas são um meio para atingir a cura integral, a dignidade e inclusão das

pessoas curadas.

d) O objetivo das curas de Jesus era se fazer famoso e conseguir muitos

seguidores.

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UNIDADE 5 – MORTE E RESSURREIÇÃO DE JESUS

O objetivo desta unidade é entender quais foram as causas que levaram

Jesus à morte. A paixão e morte foram um acidente ou era o desfecho esperado por

causa dos discursos e da atividade de Jesus, que demonstravam que ele estava na

contramão da sociedade e da maneira de entender a religião judaica na época?

Qual o significado da cruz? Qual a importância da ressurreição para nós, cristãos?

O significado da paixão, morte e ressurreição de Jesus é um acontecimento

muito importante, único e de muita profundidade. Por isso, não se pretende esgotar

aqui o tema. Só vamos tentar uma aproximação do evento para melhor entendermos

o porquê da morte de Jesus, seu significado e o alcance e importância da sua

Ressurreição.

5.1 Causas da morte de Jesus

Jesus conhecia perfeitamente a religião do seu tempo, conhecia as leis e sabia

das consequências que iria trazer agir do jeito que ele agiu e falar as coisas que ele

falou. Portanto, podemos imaginar que ele sabia qual ia ser o seu final, tanto é que

várias vezes fez anúncios da sua paixão.

Os discípulos não entendiam esses anúncios porque não podiam entender que

o Messias, o Filho de Deus iria morrer desse jeito, pois morrer em cruz era uma

humilhação, trata-se da morte reservada para as pessoas perigosas para a

sociedade. Eles esperavam um Messias vitorioso, triunfador. Como poderia morrer

na cruz?

Jesus de alguma maneira prepara os discípulos, pois várias vezes ele fala de

perseguição:

Mt 5,10-11: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça [...] Bem-

aventurados vocês se forem insultados e perseguidos e se disserem todo tipo de

calúnia contra vocês”.

Mt 10,22: “Vocês serão odiados de todos, por causa do meu nome. Mas aquele

que perseverar até o fim, esse será salvo”.

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Realmente, a cruz sem ressurreição é um absurdo, um sem sentido. Será que

tudo acabou? A Ressurreição era a resposta a esse questionamento: a morte era

apenas transitória, a vitória de Jesus é a Ressurreição e agora sim podem entender

Jesus, agora sim tem sentido tudo o que eles viveram ao lado de Jesus, inclusive a

sua morte.

“A paixão de Jesus não foi sem motivos. Seu sofrimento foi consequência de

uma vida comprometida com a causa da justiça, da compaixão por quem é

desprezado. Por isso sua morte tem sentido. Não foi em vão” (GASS, 2005a, p.

188).

Jesus foi conflitivo e considerado “perigoso” desde o início de sua atividade

pública. Seu final trágico não foi uma surpresa. O anúncio do projeto de Deus, de um

reino que não é como os reinos deste mundo e que tem “interesses” totalmente

diferentes, foi levantando a suspeita dentro de alguns círculos da sociedade. Sua

soberana liberdade e ousadia incomodavam. Jesus era uma ameaça, um estorvo.

Na realidade, a postura de Jesus não deixava ninguém indiferente, era uma

surpresa para todos. Mas a maneira de reagir perante a presença de Jesus era

diferente: uns ficavam incomodados, outros ficavam assombrados, outros escutavam

Jesus com curiosidade, outros viam em Jesus a única possibilidade de libertação, de

salvação. Os próprios apóstolos ficavam assombrados com algumas afirmações de

Jesus e com o comportamento dele, por exemplo, quando viram ele falando com

uma samaritana (Jo 4,27).

Os fariseus ficavam irritados quando viam Jesus acolhendo pecadores e

sentando com eles, partilhando a mesma mesa. Ficavam também desorientados

quando viam Jesus falando com autoridade e que não dava ouvidos aos mestres da

época. (Mc 3,6: “Os fariseus saíram da sinagoga e, junto com alguns do partido de

Herodes, faziam um plano para matar Jesus”).

As autoridades religiosas, que faziam parte da aristocracia de Jerusalém,

estavam desconfiadas a respeito do que ouviam de Jesus e viam com maus olhos o

distanciamento de Jesus com relação à atividade cultual e ao Templo (Mc 11,28).

Também ficavam com receio da popularidade que Jesus tinha, sobretudo por causa

dos seus milagres e discursos, que traziam uma mensagem de perdão, acolhida e

misericórdia.

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Em Mt 26,3-4 vemos que os saduceus se organizaram logo para levar Jesus

à cruz: “Então os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram no

palácio de Caifás, o sumo sacerdote. Decidiram juntos que prenderiam Jesus com

esperteza, e o matariam”.

O anúncio da implantação do reino de Deus também era visto como uma

ameaça pelo poder do império romano. Jesus era motivo de preocupação, pois era

um perigo potencial: qual seria o impacto de sua pregação entre o povo de Israel?

Era melhor matar um para garantir que tudo continuaria como eles queriam.

5.2 O julgamento

Antes de prender Jesus, as elites de Jerusalém já haviam procurado

desacreditá-lo diante do povo. Mt 11,19: “Veio o Filho do Homem, que come e bebe,

e dizem: ‘Ele é um comilão e beberrão, amigo dos cobradores de impostos e dos

pecadores’”. Outras acusações:

Lc 15,1-2: “Todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam

de Jesus para escutá-lo. Mas os fariseus e os doutores da Lei criticavam Jesus,

dizendo: ‘Esse homem acolhe pecadores e come com eles!’”.

Mc 3,22: “Alguns doutores da Lei, que tinham ido de Jerusalém, diziam: ‘Ele

está possuído por Belzebu’; e também: ‘É pelo príncipe dos demônios que ele

expulsa os demônios’”.

Jo 8,48: “As autoridades dos judeus disseram: ‘Não temos razão de dizer que

és um samaritano e que estás louco?’”

Segundo os evangelhos, Jesus foi julgado por três tribunais: o sinédrio, o

tribunal romano e o tribunal do rei Herodes Antipas. O primeiro tribunal que

condenou Jesus foi o sinédrio, tribunal religioso dos judeus.

As principais acusações são:

É uma ameaça ao templo e quer destruí-lo (Mc 11.15-19; 14,58)

Blasfema por se apresentar como Messias e filho de Deus (Mc 14,61-62)

Não cumpre a lei do sábado (Mc 2,23-28; 3,1-6; Lc 13,10-16)

Critica a lei escrita e oral (Mc 7,1-23)

Desmascara as autoridades (Mt 21,23.33-46)

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Conscientiza e organiza o povo (Jo 11,45-54) (GASS, 2005a, p.189)

Costuma-se afirmar que foi o povo que pediu a morte de Jesus gritando

crucifica-o!, porém, segundo Gass (2005a), essa afirmação não é exata por vários

motivos. Primeiro porque o pátio onde Pilatos apresentou Jesus e Barrabás não era

tão grande como para imaginar que era uma grande multidão do povo que estivesse

presente. Em segundo lugar, a maioria dos judeus presentes naquele lugar era

daqueles que tinham interesse na morte de Jesus. Maioria dos habitantes de

Jerusalém vivia direta ou indiretamente do templo. Era normal que aquelas pessoas

não sentissem muito amor por Jesus. Por último, os próprios evangelhos sugerem

que foram os saduceus que manipularam os presentes (Mt 27,20: “Porém, os chefes

dos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem

Barrabás, e que fizessem Jesus morrer”).

Depois, Jesus é condenado pelo tribunal civil romano, representado por

Pôncio Pilatos (Mt 27,11-26; Mc 25,2-15; Lc 23,2-5). As acusações agora são que

“ele é contra o pagamento dos impostos a César (Lc 23,2); quer ser Messias e rei

(Mc 15,26); é agitador que organiza o povo para se sublevar (Lc 23,5-14); é um

malfeitor (Jo 18,30)” (GASS, 2005a, pp. 189-190).

E, por último, segundo Lc 23,6-7, quando Pilatos fica sabendo que Jesus era

da Galileia, o envia para a jurisdição de Herodes. Inclusive, Lc 23,12 informa que

Herodes e Pilatos, inimigos

políticos, conseguem se entender

para eliminar Jesus (“Nesse dia,

Herodes e Pilatos ficaram amigos,

pois antes eram inimigos”).

Entre os judeus, a pena de

morte era praticada mediante a

lapidação ou apedrejamento (Lv

20,2.27) ou a fogueira (Lv 20,24),

mas a pena máxima entre os

romanos, era a crucifixão.

Fonte: http://migre.me/fZkZG

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5.3 Ressurreição

A primeira reação diante da morte de Jesus foi a incompreensão, entenderam

a morte como um fracasso. Será que tinham se enganado com Jesus? (Lc 24,13-

24). Apenas sua mãe e outras mulheres permaneceram firmes ao pé da cruz. O

resto parece que ficou frustrado.

Mas o projeto de Jesus não acabou com sua morte. Aos poucos os discípulos

vão retomando a esperança. Jesus continuou presente no meio deles. A experiência

dos discípulos de Emaús e as aparições são testemunhos de que Jesus, mesmo

após sua morte, continua

vivo e presente.

“Os evangelhos são

unânimes em dizer que

foram as mulheres que

primeiro experimentaram a

presença de Jesus

ressuscitado em suas vidas

(Mt 28,1-8; Mc 16,1-8; Lc

24,1-8; Jo 20,11-18)” (GASS,

2005a, p.192).

Fonte: http://migre.me/fZlTe

A ressurreição de Jesus não é como a “ressurreição” de Lázaro, que volta

para esta vida. Na realidade, trata-se de uma revivificação. Quando Jesus

ressuscita, ficará vivo, mas em outra dimensão. Trata-se de ressurreição para a vida

eterna.

Se não fosse pela ressurreição, Jesus teria passado à história como alguém

que passou pelo mundo fazendo o bem, mas só isso. A ressurreição é a prova de

que ele era realmente o Messias, o Filho de Deus. É também o incentivo para os

discípulos continuarem a obra de Jesus, agora sem medo de fracasso, pois sabem

que Jesus está vivo e podem contar com sua presença. As aparições e o sepulcro

vazio são testemunhas disso, mas não podemos dizer que com essas provas se

possa prescindir da fé. Aliás, as provas fazem sentido apenas para quem tem fé.

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Jesus continua presente através de seu Espírito, e é essa força que anima as

comunidades, mesmo nos momentos de desânimo e perseguição.

Fonte: http://migre.me/fZmhc

Exercício 6

Analise os enunciados e marque V (Verdadeiro) ou F (Falso):

I. O povo foi o principal responsável pela morte de Jesus.

II. Uma das acusações contra Jesus foi a postura livre que ele adotava perante a lei.

III. A mãe de Jesus e outras mulheres ficaram com Jesus quando da crucifixão.

IV. A ressurreição de Jesus é similar à ressurreição de Lázaro.

V. O sinédrio, tribunal religioso de Israel, podia condenar a morte de cruz.

VI. Uma das acusações que fazem contra Jesus é a de que ele seria um beberrão.

VII. Segundo os evangelhos, o povo foi manipulado para pedir a morte de Jesus.

VIII. Jesus sabia que seria perseguido por causa da sua missão.

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UNIDADE 6 – PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS

Como já dissemos quando abordamos o evangelho de Lucas, os Atos dos

Apóstolos são a continuação do evangelho de Lucas. São obra do mesmo autor.

A redação dos Atos pode ser datada por volta dos anos 80/85. Provavelmente

os cristãos que vivem fora da Palestina são os destinatários deste livro, trata-se de

cristão dos grandes centros urbanos, onde se desenvolveu a missão de Paulo.

Apesar do nome do livro, Atos dos Apóstolos, na realidade, a maior parte do

livro centra sua atenção em Pedro e Paulo, mas, sobretudo, neste último.

O evangelho acaba com a ressurreição de Jesus, a experiência dos

discípulos de Emaús e a missão (Lc 24). Os Atos começam com os apóstolos ainda

agrupados, estão unidos em oração, na companhia de algumas mulheres. Pedro

aparece como porta-voz do grupo (AUNEAU et al, 1985).

Quando surgiu o livro, a igreja estava enfrentando sérias dificuldades.

“Estamos entre os anos 80 e 90 d.C.. Todas as grandes lideranças da era apostólica

já tinham morrido. Estava em andamento a trágica separação entre judeus e

cristãos. O império começa a perseguir as comunidades” (CRB, 1995, p.66).

Mas, além destes conflitos externos, as comunidades também enfrentavam

crises internas: Jesus não estava mais entre eles, os apóstolos também tinham

morrido, começam a aparecer novas lideranças. Por outro lado, enfrentam também

problemas advindos da abertura das comunidades à entrada de cristãos não judeus,

procedentes do paganismo, que têm outra cultura e entendem de maneira muito

diferente a relação com o Antigo Testamento e suas leis.

6.1 Pentecostes (At 2)

O tema do Espírito Santo abrange toda a história dos Atos, mas as

manifestações mais relevantes se concentram no segundo capítulo:

Manifestação do Espírito e seus efeitos nos Apóstolos (2,1-4)

Representantes da humanidade, reunidos em Jerusalém (2,5-13).

Discurso de Pedro (2,14-36).

Reação dos presentes e o convite de Pedro à conversão (2,38-39).

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O grupo que recebe o dom do Espírito não é apenas o pequeno grupo dos

apóstolos, homens qualificados e escolhidos por Jesus como representantes do

povo messiânico, mas há outras muitas pessoas que não tinham esse status

religioso e social.

A experiência teve lugar no dia de Pentecostes, festa judaica, que ocorre

cinquenta dias depois da Páscoa. Quando estava para acabar essa festa,

“encontravam-se todos juntos no mesmo lugar”. Lucas insiste na convocação e na

unidade do pequeno grupo de discípulos. Esse é o clima em que surgirá o povo

messiânico de Deus, onde a lei não é mais escrita em tábuas de pedra. A festa de

Pentecostes, para os judeus do Antigo Testamento, era a festa que celebrava o dom

da Lei, porém, agora

Pentecostes será a festa

do dom do Espírito Santo.

Isto é o lugar que ocupava

a Lei será ocupado pelo

Espírito: o cristão não

deve ser guiado pela Lei e

sim pelo Espírito. Trata-se

da aliança gravada no

coração, da qual falava

Jeremias (Jr 31,31-33).

Fonte: http://migre.me/fGdag

A manifestação do Espírito é descrita como a força de Deus através de dois

símbolos: o vento de tempestade e o fogo. Esses símbolos são muito significativos,

pois indicam a força de Deus, que se deixa sentir, que tem uma presença

importante, deixa marca decisiva por onde passa. São os símbolos que vemos

também na revelação de Deus no Sinai (Ex 19,16; Dt 4,36).

“Falar outras línguas” é a capacidade de comunicação, superando barreiras, é

a possibilidade de superar o gueto, o racismo e a divisão cultural.

A relação dos povos que tinham “representantes” em Pentecostes começa na

Mesopotâmia, passa pela Anatólia, Ásia Menor e África, até chegar a Roma. Quer

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dizer, o autor traz para o cenário do dom do Espírito os destinatários da Boa-nova. A

possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” é a comunicação do

Evangelho, da Boa-nova da salvação, da paz e da libertação de Jesus Cristo, dentro

da cultura de cada povo.

Fonte: http://migre.me/fXRGK

6.2 Contexto das primeiras comunidades

Os Atos dos Apóstolos trazem um modelo de como deve ser uma

comunidade cristã. Não devemos pensar que a vida das primeiras comunidades era

um mar de rosas. Nos Atos vemos também, junto com esse ideal, muitos problemas

e conflitos. O ideal convive com a realidade do dia a dia das comunidades.

Seguindo a CRB (1995), distinguimos os seguintes traços na comunidade-

modelo:

Ensinamento dos Apóstolos: “como Jesus, os cristãos tiveram a

coragem de romper com os ensinamentos dos escribas. Em vez de

seguir a doutrina dos doutores da época, seguem a doutrina de doze

pescadores sem instrução (At 4,13)” (CRB, 1995, p. 93).

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Comunhão fraterna: era característica das comunidades a partilha dos

bens. Mas é interessante perceber que não se tratava apenas da

partilha das coisas materiais, aliás, a partilha de bens era

consequência de uma comunhão muito mais profunda, de uma

comunhão de vida, de existência:

At 2,44-45: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam

em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens

e repartiam o dinheiro entre todos conforme a necessidade de cada

um”.

At 4,32.34-35: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só

alma. Ninguém considerava propriedade particular as coisas que

possuía, mas tudo era posto em comum entre eles. [...] Entre eles

ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou

casas as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés dos

apóstolos; depois, ele era distribuído a cada um conforme a sua

necessidade”.

Fração do pão: “a expressão vem das refeições judaicas, nas quais o

pai partilhava o pão com os filhos e com aqueles que não tinham nada.

[...] lembrava as muitas vezes que Jesus tinha partilhado o pão com os

discípulos e com os pobres” (CRB, 1995, p. 94).

Oração: por meio da oração os cristãos permaneciam unidos entre si e

a Deus, sobretudo nos momentos difíceis de perseguição, nos

momentos de crise e de tomadas de decisão. Junto com a oração,

temos que citar também a escuta da palavra e a evangelização (At

4,31: “Quando terminaram a oração, estremeceu o lugar em que

estavam reunidos. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e,

com coragem, anunciavam a palavra de Deus”).

Mas, claro, esse retrato da comunidade é o que se esperava como ideal. Não

quer dizer que as comunidades estivessem isentas de problemas. Os Atos também

deixam testemunho destes conflitos.

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Em At 5,1-11, por exemplo, se relata o episódio de Ananias e Safira, um casal

que vendeu uma propriedade e “reteve uma parte do dinheiro para si e entregou a

outra parte, colocando-a aos pés dos apóstolos” (v.2).

Pedro recrimina a atitude de Ananias, pois demonstra que ele estava

querendo mentir para Deus, para a comunidade e para si mesmo. Pois, na realidade,

ele não era obrigado a vender a propriedade e se a vendesse, não era obrigado a

dar nada aos apóstolos. Quer dizer, teve uma atitude de hipocrisia: de querer manter

uma imagem de fachada, que não corresponde com a realidade.

Então, aqui temos um relato que demonstra que já nas primeiras

comunidades também havia o problema de viver das aparências, de querer mostrar

o que não existe no coração.

Exercício 7

1. Analise os enunciados a seguir:

a) Os destinatários dos Atos dos Apóstolos são os cristãos da comunidade de

Jerusalém.

b) Os Atos dos Apóstolos dedicam mais espaço a Pedro do que a Paulo.

c) Um dos grandes conflitos internos que enfrentam as primeiras comunidades é o

politeísmo.

d) Um dos conflitos externos que enfrentam as primeiras comunidades é a

perseguição do império.

2. Analise os enunciados a seguir:

I. No cenário de Pentecostes estão presentes apenas os Doze Apóstolos.

II. A festa de Pentecostes, para os judeus, significava a celebração do dom da Lei.

III. A força do Espírito é simbolizada no relato de Pentecostes por uma brisa suave.

IV. Falar em línguas é a capacidade de se adaptar a uma cultura, de superar as

barreiras culturais.

V. Os Atos dos Apóstolos apresentam um retrato das primeiras comunidades muito

pessimista, cheio de problemas e conflitos.

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VI. Os atos dos Apóstolos apresentam um retrato idealizado, omitindo os problemas

e conflitos das comunidades.

VII. A comunhão fraterna era baseada na comunhão de vida.

VIII. As comunidades permanecem em oração, sobretudo nos momentos de

dificuldades e de tomada de decisões.

IX. A passagem de Ananias e Safira fala de um casal, modelo de partilha e

comunhão.

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