Evidência do cânon hebreu antes da discussão de Jâmnia

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  • 8/9/2019 Evidncia do cnon hebreu antes da discusso de Jmnia

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    O Cnon Bblico

    Evidncia do cnon hebreuantes da discusso de Jmnia

    por Fernando Sarav

    O conjunto da evidncia mostra que nos tempos de Jesus os hebreus j sabiam quelivros [do AT obviamente] eram cannicos e quais no. Depois de Jesus somentehouve entre os judeus algumas discusses acerca da permanncia no cnon dealguns livros como Ester e Eclesiastes (que permaneceram) mas em nenhum casose considerou acrescentar alguma coisa.

    Eis aqui uma apresentao da evidncia, ordenada de forma aproximadamentecronolgica.

    I. O testemunho dos Livros Eclesisticos (Deuterocannicos ou Apcrifos)

    1. Jesus ben Sir (= Eclesistico).

    Este o meu deuterocannico/apcrifo favorito (sem ironia). No prlogo dotradutor, lemos: "Muitos e excelentes ensinamentos nos foram transmitidos pelaLei, pelos Profetas, e por outros Escritos que se lhes seguiram; e, por causa disso,convm louvar Israel pela sua instruo e pela sua sabedoria. E, como no se deveaprender a cincia apenas pela leitura ... Jesus, meu av, depois de se ter aplicadocom afinco ao estudo da Lei, dos Profetas e dos outros Livros dos nossosantepassados quis tambm escrever alguma coisa de instruo e de sabedoria..."

    Eclesistico, Prol. 1-12.

    Aqui menciona-se, num documento do sculo II a.C., a diviso tripartida do AT Lei, Profetas e outros Escritos - da qual o autor fala como coisa conhecida aosseus leitores. Mas, alm disso, prossegue: "Sois, portanto, convidados a ler estelivro com benevolncia e ateno, e a ser indulgentes pois, no obstante todo oengenho com que nos aplicmos, parece no termos conseguido traduziradequadamente a nfase de certas expresses."Eclesistico, Prol. 15-20.

    Este tipo de desculpa por um trabalho possivelmente defeituoso nunca se ouveem nenhum livro do cnon palestino.

    2. II Macabeus

    Igualmente, noutro apcrifo/deuterocannico, 2 Macabeus, se apela boavontade do leitor: "..assumimos este encargo [de resumir] para obter gratido demuitos. E, deixando ao autor o cuidado de narrar detalhadamente os assuntos, nsesformo-nos por exp-los em forma resumida." (2:27-28). "...terminareitambm com isto a minha narrao. Se ela est felizmente concebida e ordenada,era este o meu desejo; mas se est imperfeita e medocre, foi o que pude fazer."2Macabeus 15:37-38.

    Os autores dos livros cannicos falavam da parte de Deus e diziam o que Ele lhes

    mandava, sem nenhum tipo de desculpas. claro que os autores destes livrostinham conscincia de estar a escrever por sua prpria conta.

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    3. I Macabeus

    O primeiro livro dos Macabeus, um dos que so considerados deuterocannicos pelaIgreja Catlica, d testemunho em repetidas oportunidades da convico do seu

    autor da ausncia de profetas no seu tempo. As seguintes citaes (com negritoacrescentado) provm da Bblia de Jerusalm: "Deliberaram sobre o que se deveriafazer com o altar dos holocaustos que estava profanado. Com bom pareceracordaram demoli-lo para evitar um oprbrio, dado que os gentios o tinhamcontaminado. Demoliram-no, pois, e depositaram as suas pedras no monte daCasa, num lugar conveniente, at que surgisse um profeta que desse respostasobre elas."1 Macabeus 4:44-46. "Com a morte de Judas assomaram os sem lei

    por todo o territrio de Israel e levantaram a cabea todos os que praticavam ainiquidade. Houve ento uma fome extrema e o pas se passou para eles...Tribulao to grande no sofreu Israeldesde os tempos em que deixaram deaparecer profetas."1 Macabeus 9:23s, 27. "Por conseguinte, o rei Demtrio lheconcedeu [a Simo] o sumo sacerdcio ... aos judeus e aos sacerdotes lhes tinha

    parecido bem que fosse Simo o seu hegmeno e sumo sacerdote para sempre at

    que aparecesse um profeta digno de f..."1 Macabeus 14:38,41.

    O autor do livro um judeu palestino que provavelmente escreveu no muitodepois dos acontecimentos que narra, provavelmente em finais do sculo II a.C.Segundo a Introduo da Bblia de Jerusalm, com as devidas precaues, 1Macabeus um documento precioso para a histria daquele tempo.

    Uma vez que os profetas eram os homens que falavam da parte de Deus, aconvico de uma ausncia de profetas no seu prprio tempo, juntamente com aesperana de que no futuro reapareceriam, um forte testemunho a favor da ideiade que em finais do sculo II a.C. j se considerava fechado o cnon das Escrituras.

    II. O testemunho de Filo de Alexandria

    Filo de Alexandria foi um destacado filsofo judeu helenista (ca. 20 a.C. ca. 50d.C.). uma testemunha importante do cnon por trs razes (1) a sua vida sesobrepe no tempo com a vida terrenal de Jesus; (2) era judeu e vivia emAlexandria, o suposto bero do hipottico cnon mais extenso do AntigoTestamento; e (3) conhecia e utilizava profusamente as Escrituras.

    David M. Scholer, no prlogo da traduo das obras completas de Filo para oingls, faz as seguintes observaes:

    A preocupao de Filo de interpretar Moiss mostra constantemente tanto a suaprofunda devoo e compromisso com a sua herana, crenas e comunidade judias,como tambm reflecte o seu uso aberto de categorias e tradies filosficas ... Adiscusso erudita de se Filo primariamente judeu ou grego est na realidadedesorientada. No tempo de Filo muito do judasmo estava significativamentehelenizado. O compromisso de Filo com a Lei de Moiss e a paixo por elaera genuno e reitor. Filo bebeu tambm profundamente na fonte filosfica datradio platnica e a viu como fortalecedora e aprofundadora do seu entendimentoda Lei de Moiss...

    Filo significativo para a compreenso do judasmo helenstico do primeirosculo d.C. a principal figura literria sobrevivente do judasmo helenizado do

    perodo do segundo Templo do judasmo antigo. Filo crtico para entendermuitas das correntes, temas e tradies interpretativas que existiam na Dispora e

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    no judasmo helenstico. Filo confirma o carcter multifacetado do judasmo dosegundo Templo; no era certamente um fenmeno monoltico. O judasmo, apesardas suas preocupaes pela pureza e pela identidade tnica em relao Lei deMoiss, tambm achou considervel liberdade para participar em muitos aspectosda cultura helnica, como to claramente o evidencia Filo.

    Filo tambm valioso para entender a igreja primitiva e os escritos doNovo Testamento, especialmente os de Paulo, Joo e Hebreus. s vezes esquece-se que os documentos do Novo Testamento foram escritos em grego por autoresque eram judeus (agora comprometidos a entender Jesus como Cristo e Senhor),que eram parte da cultura helenstica do mundo greco-romano. A maior parte dasigrejas primitivas reflectidas e descritas no Novo Testamento eram parte da tramasocial do mundo helenstico greco-romano. Precisamente porque Filo um judeuhelenstico, essencial para os estudos do Novo Testamento. A Igreja crist foi apreservadora primria dos escritos de Filo, que era virtualmente desconhecidopara a tradio judaica, desde logo, do seu prprio tempo, at ao sculo XVI.

    The Works of Philo- Complete and unabridged. Transl. C.D. Yonge; New Updated Version. Peabody: Hendrickson, 1993,

    pp. XIII; negrito acrescentado.

    Mediante a interpretao alegrica, Filo props uma forma de compatibilizar osensinamentos dos filsofos pagos com a revelao bblica. Por esta razo, nosseus escritos encontra-se um grande nmero de citaes bblicas. A maior partedas suas citaes bblicas provm da Torah ou Pentateuco, embora tambm citeJosu, Juzes, Samuel, Reis, Isaas, Jeremias, os Profetas Menores Oseias eZacarias, os Salmos, Job, Provrbios e o rolo de Crnicas-Esdras-Neemias.

    No ndice da edio das suas obras completas j citada (pp. 913-918), contam-seaproximadamente mil citaes das Escrituras, o que d uma ideia da intensidade

    do uso destes textos por sua parte. Dados todos os factos assinalados acerca deFilo, pode ser uma grande surpresa para alguns que este judeu helenstico,contemporneo de Jesus, que viveu precisamente em Alexandria, nunca citanenhum dos livros que supostamente pertenciam ao "cnon alexandrino".

    A ausncia de citaes dos livros deuterocannicos em Filo ainda mais notvelquando se pensa que alguns destes livros, como por exemplo, a Sabedoria deSalomo ou o Eclesistico, teriam fornecido excelente material documental para asua prpria tese da compatibilidade entre a filosofia grega e a revelao bblica. Ofacto de Filo no ter usado estes livros, que de certeza lhe eram conhecidos, muito difcil de explicar a no ter havido em Alexandria um consenso acerca doslivros cannicos essencialmente igual ao da Palestina.

    III. O testemunho do Targum

    Pierre Grelot explica:

    "A palavra targum passou para o aramaico e depois para o hebraico a partir doacdio targumanu, o intrprete, que se designava a si mesmo com uma palavrade origem estrangeira (hitita). No judasmo se a utiliza para falar de todo umsector da literatura rabnica que apresenta tradues interpretativas dos livrossagrados. Tradues , porque os livros sagrados continuam a estar na sua base;trata-se de torn-los inteligveis a pessoas que no lem o hebraico, oralmente ou

    por escrito; interpretativas, porque no se trata, pelo menos muitas vezes, detradues literais, mas de textos em que a interpretao do original incorporou-se leitura mediante ampliaes mais ou menos extensas."

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    Pierre Grelot, Los trgumes. Textos escogidos. Estella: Verbo Divino, 1987, p. 5

    O uso destas parfrases em aramaico das Escrituras hebraicas incorporou-se aoculto da sinagoga para tornar inteligveis os textos sagrados para quem no falasse

    hebraico, especialmente para a liturgia dos hebreus de fala aramaica. Existemtargumes de quase todos os livros do Antigo Testamento segundo o cnon hebreu,dos sculos II a.C a I d.C.: da Tor, dos Profetas Anteriores e Posteriores, dosCinco Rolos (Megillot = Cantares, Rute, Lamentaes, Eclesiastes e Ester) e dosEscritos (Salmos, Provrbios, Job, e Crnicas).

    No h, em contrapartida, targumes antigos que expliquem os livrosdeuterocannicos. Os poucos que existem so tardios, baseiam-se no texto gregode Tobite e nas adies a Daniel e na orao de Ester. Portanto, o uso dasEscrituras parafraseadas na liturgia hebraica, corrobora a autenticidade do cnonhebreu do Antigo Testamento.

    IV. O testemunho do Novo Testamento

    Embora o exacto processo de agregao dos deuterocannicos/apcrifos ao cnonhebreu pelo uso da Igreja antiga gere muitas interrogaes, o que fica claro quetais adies carecem por completo de autoridade por parte do Senhor Jesus, dosApstolos ou dos autores do Novo Testamento, que no a deram nemexplicitamente nem por via de exemplo atravs de cit-los como Escrituras.

    Em contrapartida, uma evidncia indirecta do cnon hebreu palestino, sobre oqual claramente existia um consenso no sculo I, o modo em que Jesus fezreferncia ao primeiro e ao ltimo mrtir segundo a ordem tradicional hebraica:

    "Por isso disse a Sabedoria de Deus: Enviar-lhes-ei profetas e apstolos, e a algunsos mataro e perseguiro, para que se peam contas a esta gerao do sangue detodos os profetas derramado desde a criao do mundo, desde o sangue de Abelat ao sangue de Zacarias, que pareceu entre o altar e o santurio. Sim, vosasseguro que se pediro contas a esta gerao."Lucas 11:49-51

    Jesus refere-se aqui a todos os justos e enviados de Deus que sofreram o martriosegundo as Escrituras. A frase grega apo haimatos Abel es haimatos Zachariou,desde (o) sangue de Abel ... at (o) sangue de Zacarias (Lucas 11:51 = Mateus23:35) parece abarcar a totalidade dos mrtires do Antigo Testamento, desdeAbel s mos do seu irmo Caim, at o de Zacarias, que se narra em 2 Crnicas:

    "O Senhor enviou-lhes profetas que deram testemunho contra eles para que seconvertessem a ele, mas no lhes deram ouvidos. Ento o Esprito de Deus revestiuZacarias, filho do sacerdote Joiad que, apresentando-se diante do povo, lhesdisse: Assim diz Deus: Por que transgredis os mandamentos do Senhor? Notereis xito, pois, por ter abandonado o Senhor, ele vos abandonar a vs. Maseles conspiraram contra ele, e por ordem do rei, o apedrejaram no trio da casa doSenhor." 2 Crnicas 24:17-21

    No entanto, a referncia a Abel e Zacarias como o primeiro e o ltimo mrtir,respectivamente, registados nas Escrituras no cronolgica. H pelo menos ummrtir posterior a Zacarias, a saber, Urias, filho de Semaas, que foi assassinado nosculo VII a.C., durante o reino de Joaquim (Jeremias 26:20-24); entretantoZacarias tinha sido martirizado muito antes, no sculo IX a.C., durante o reino de

    Jos em Jud.

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    Como deve entender-se ento a referncia de Jesus a Abel e Zacarias? A amplitudeda lista de mrtires no evidente no Antigo Testamento das nossas versesmodernas, pois a ordem dos livros difere da ordem hebraica. No Antigo Testamentoda maioria das edies modernas, os livros dos Profetas aparecem no final,comeando por Isaas e finalizando com Malaquias. Em contrapartida, os 24 livrosdo cnon hebreu (que correspondem aos 39 das Bblias protestantes) se

    ordenavam como se segue:

    I. A Torah (Gnesis, xodo, Levtico, Nmeros e Deuteronmio)II. Os ProfetasA. Profetas anteriores: Josu, Juzes, Samuel I e II, Reis I e II)B. Profetas posteriores: Isaas, Jeremias, Ezequiel e os Doze (Oseias, Joel, Ams,Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias)III. Os Escritos (Salmos, Provrbios, Job, Cantares, Rute, Lamentaes, Qohlet[Eclesiastes], Ester, Daniel, Esdras-Neemias, Crnicas I e II).

    Em outras palavras, aqui Crnicas figurava no final da lista. A abrangenteexpresso de Jesus adquire sentido quando, no contexto de juzo pelo sangue

    inocente derramado, se entende como referente ao primeiro e ltimoassassinato registado nas Escrituras, segundo a ordem tradicional docnon palestino: dizer desde Abel at Zacarias era equivalente a de Gnesis aCrnicas, ou seja desde o primeiro at ao ltimo livro do cnon do AntigoTestamento. como se hoje dissssemos, segundo a ordem tradicional do nossoAntigo Testamento, De Gnesis a Malaquias. Logo, estas palavras do Senhorimplicitamente corroboram o cnon hebreu, e no o chamado alexandrino.

    Uma evidncia adicional do quanto dito provm do facto de que nos grandes unciaisSinatico (Alef, sculo IV) e Alexandrino (A, sculo V) que contm livros dosMacabeus, estes se encontram depois de Crnicas. Portanto, se Jesus tivesseadmitido o suposto cnon alexandrino (com deuterocannicos) os ltimos mrtires,

    tanto cronologicamente como segundo a ordem dos livros, seriam os herismacabeus como Judas ou Jnatas.

    Deve notar-se que, embora o Novo Testamento no d um cnon ou listaautorizada de livros considerados inspirados para o que chamamos AntigoTestamento, a evidncia indirecta sugere firmemente um cnon definido e jfixado de livros a cuja autoridade era vlido apelar.

    Primeiro, difcil exagerar a importncia dos nomes ou ttulos atribudos aosescritos do AT pelos autores do NT: assim, "Escritura" (Joo 10:35; 19:36; 2 Pedro1:20), "as Escrituras" (Mateus 22:39; Actos 18:24), "Santas Escrituras" (Romanos1:2), "escritos sagrados" (2 Timteo 3:15), "Lei" (Joo 10:34; 12:34; 15:25; 1Corntios 14:21), "a Lei e os Profetas" (Mateus 5:17; 7:12; 22:40; Lucas 16:16;24:44; Actos 13:15; 28:23). Tais nomes ou ttulos, embora no definam os limitesdo cnon, certamente supem a existncia de uma coleco completa e sagrada deescritos judeus que j esto segregados como separados e fixos.

    Uma passagem (Joo 10:35) na qual se usa o termo "escritura" parece referir-se aocnon do AT no seu conjunto: "e a Escritura no pode ser anulada." De igual modoa expresso "a lei e os profetas" frequentemente usada num sentido genricoreferindo-se a muito mais que meramente a primeira e segunda divises do AT;parece antes referir-se antiga dispensao no seu conjunto; mas o termo "a Lei" o mais geral de todos. Aplica-se frequentemente a todo o AT, e aparentementetinha nos tempos de Jesus entre os judeus um lugar similar ao que o termo "aBblia" tem entre ns. Por exemplo, em Joo 10:34; 12:34; 15:25, textos dos

    profetas ou mesmo dos Salmos so citados como parte de "a Lei"; em 1 Corntios14:21 tambm, Paulo fala de Isaas 28:11 como de uma parte de "a Lei". Estes

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    nomes e ttulos, consequentemente, so extremamente importantes; jamais soaplicados por escritores do NT aos apcrifos.

    G.L. Robinson e Roland K. Harrison, Canon of the Old Testament. Em G.W. Bromiley, Ed.: International Standard BibleEncyclopedia, Rev. Ed. Grand Rapids: W.B. Eerdmans, 1979, 1: 597; negrito acrescentado.

    Quase todos os livros do AT segundo o cnon palestino so citados individualmenteno NT. As excepes so Ester, Eclesiastes, Cantares, Esdras-Neemias e os profetasmenores Obadias, Naum e Sofonias. No entanto, estes trs ltimos formavam partede um mesmo rolo dos doze profetas "menores" que sim citado; Esdras eNeemias estavam unidos a Crnicas, que tambm citado. Quanto a Ester,Eclesiastes (Qohlet) e Cantares, provavelmente os autores do NT no tiveramnecessidade de us-los. Em resumo, se se os toma pelos seus ttulos, citam-seaproximadamente 80% dos livros do cnon hebreu, percentagem que se eleva a90% se se os considera segundo os rolos de que formavam parte.

    Em marcado contraste, no h nem to-s uma citao de um livrodeuterocannico como Escritura em todo o Novo Testamento. O caso dosdeuterocannicos/apcrifos que existem muitas aluses a eles no NT (ver a listaexaustiva de Craig A. Stevens, Noncanonical writings and New TestamentInterpretation. Peabody: Hendrickson, 1993; Appendix 2, pp. 190-219), o queindica que no eram desconhecidos para os autores sagrados.

    Em vista deste facto bastante significativo que, semelhana de Filo deAlexandria, eles nunca os citam como Escritura ou equivalente. Na verdade, osautores do NT citaram de outras fontes, incluindo autores pagos e obras pseudo-epigrficas nunca aceites pelos cristos de nenhuma denominao, s quais,evidentemente, tambm no chamam "Escritura".

    V. O testemunho do Apocalipse de Esdras

    O Apocalipse de Esdras (4 Esdras) uma obra pseudo-epigrfica escrita em gregono sculo I da nossa era, que reflecte tradies consideravelmente mais antigas.Segundo este escrito hebreu, Esdras recebe o total da revelao divina em 94 livrosque dita a cinco amanuenses. Ao concluir a tarefa, ao cabo de quarenta dias,recebe uma instruo de Deus. Claro que a histria fictcia, mas o dadointeressante refere-se ao nmero de livros nas Escrituras hebraicas:

    "E aconteceu que quando se cumpriram os quarenta dias, o Altssimo falou comigo,e me disse: Os vinte e quatro livros que escrevestes primeiro, torna-os

    pblicos para que aqueles que so dignos e aqueles que no so dignospossam ler da; mas os [outros] setenta os guardars e os entregars aos sbios

    do teu povo."

    The Apocalypse of Ezra. Transl. G.H. Box. London: SPCK, 1917; 14:45-46, p. 113; negrito acrescentado.

    Em outras palavras, para o autor havia 24 livros inspirados o mesmonmero que no cnon palestino - que eram para leitura pblica. Os 24 livrosdo cnon hebreu correspondem aos 39 do AT das Bblias protestantes, j que 1 e 2Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crnicas, os Doze Profetas menores e Esdras-Neemiasse contavam cada um como um livro.Assim:

    - A Torah: (1) Gnesis, (2) xodo, (3) Levtico, (4) Nmeros, (5) Deuteronmio.

    - Os Profetas Anteriores: (6) Josu, (7) Juzes, (8) Samuel I e II, (9) Reis I e II- Os Profetas Posteriores: (10) Isaas, (11) Jeremias, (12) Ezequiel, (13)

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    - Os Doze (Oseias, Joel, Ams, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque,Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias)- Os Escritos: (14) Salmos, (15) Provrbios, (16) Job, (17) Cantares, (18) Rute,(19) Lamentaes, (20) Qohlet [Eclesiastes], (21) Ester, (22) Daniel, (23) Esdras-Neemias, (24) Crnicas I e II.

    VI. O testemunho de Flvio Josefo

    Na mesma poca de 4 Esdras (finais do sculo I d.C.) o historiador judeuromanizado Josefo (37-100) publicou Contra Apio ou Antiguidades dos Judeus. DizPaul L. Maier:

    "Josefo continua sendo a nossa nica fonte sobrevivente para tanta informaoextra-bblica, e nenhuma lista lhe faria justia. D tambm uma luz cheia designificado sobre as tcticas romanas militares e de assdio, assim como algunsdetalhes singulares acerca dos imperadores jlio-cludios. Sabe como manter ointeresse, incluir dilogos, plasmar descries grficas, exemplificar com coisasespecficas, e em geral deleitar o leitor com a cor, drama e excitao da Palestina

    nas vrias pocas sem evitar nada do horror das suas conquistas ou das suas pendncias civis. Tambm sobressai nas suas descries geogrficas earquitectnicas da terra e das suas estruturas na antiguidade reas por vezessilenciadas nas Escrituras e a sua exactido est sendo progressivamenteafirmada na actualidade por escavaes arqueolgicas."

    Paul L. Maier, Josefo. Las obras esenciales. Grand Rapids: Editorial Portavoz, 1994, p. 10-11.

    No h a menor indicao de que Josefo esteja a dar um ponto de vista sectrio.Pelo contrrio, fala como representante auto-designado dos judeus em geral. Esteautor destaca a exactido e confiabilidade dos registos hebraicos, que noassentava na simples vontade humana, mas na inspirao de Deus. Diz Josefo(negrito acrescentado):

    ... porque no temos dezenas de milhares de livros discordantes e em conflito, masapenas vinte e dois, contendo os registos de todos os tempos, os quais foram

    justamente considerados como divinos. E destes, cinco so os livros de Moiss ...Depois, os Profetas que se seguiram, compilaram a histria do perodo desdeMoiss at ao reino de Artaxerxes sucessor de Xerxes, rei da Prsia, em trezelivros, [sobre] o que se fez nos seus tempos. Os restantes quatro livroscompreendem hinos a Deus e instrues prticas para os homens.

    Os vinte e dois livros que menciona Josefo correspondem Tor, aos Profetas e aosEscritos. So com toda a probabilidade os mesmos 24 da Bblia hebraica e doAntigo Testamento protestante, artificialmente acomodados em seu nmero sletras do alefato ou alfabeto hebreu. Para isso Rute conta-se com Juzes eLamentaes com Jeremias; todos os livros histricos includos Daniel e Job -agrupam-se com os profetas, e contam-se entre os Hagigrafos ou Escritos Salmos,Provrbios Cantares e Eclesiastes. Estes, todos estes, e mais nenhuns soestimados, segundo Josefo, como de origem divina. Josefo prossegue:

    Desde o tempo de Artaxerxes at ao nosso prprio cada acontecimento foiregistado; mas os registos no foram considerados dignos do mesmo crditoque os da poca mais antiga, porque a exacta sucesso de profetas no foicontinuada. Mas que f pusemos nos nossos prprios escritos se v pela nossaconduta; pois apesar de ter passado tanto tempo, ningum se atreveu aacrescentar-lhes nada, nem a subtrair nada deles, nem a alterar nada.

    Antiguidades dos judeus 1:42 (negrito acrescentado).

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    Em resumo

    ... pela poca de Jesus e dos Apstolos, o nmero de livros estava fixado, eclaramente correspondia aos do Cnon palestino, o nico do AT que pode chamar-se propriamente tal. Alm disso, estes livros eram tidos por divinos, e no outros.Finalmente, Josefo nos indica a data aproximada do fecho do cnon em meados do

    sculo V a.C., ao mencionar o reinado de Artaxerxes.

    Em resumo, muito antes que se ratificasse o cnon em Jmnia, existia obviamenteum consenso entre os judeus acerca de quais livros deviam considerar-se sagradose cannicos, e quais no.

    Fernando D. Sarav

    Mendoza-Argentina