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EVOLUÇÃO DA C&T NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO Moysés A.Simantob Tales Andreassi

EVOLUÇÃO DA C&T NO BRASIL

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EVOLUÇÃO DA C&T NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO Moysés A.Simantob Tales Andreassi Tales Andreassi FGV-EAESP – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas [email protected] Moysés Alberto Simantob FGV-EAESP – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas [email protected] Eva Stal UNINOVE [email protected] Seminário de Pesquisa Professor: João Mário Csillag 17.05.06

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EVOLUÇÃO DA C&T NO BRASIL E

SUA INSERÇÃO NO SISTEMA

NACIONAL DE INOVAÇÃO

Moysés A.Simantob

Tales Andreassi

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ENSAIO ACADÊMICO

EVOLUÇÃO DA C&T NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO

Moysés Alberto Simantob FGV-EAESP – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas [email protected] Tales Andreassi FGV-EAESP – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas [email protected] Eva Stal UNINOVE [email protected] Seminário de Pesquisa

Professor: João Mário Csillag

17.05.06

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Introdução O processo de industrialização brasileiro é recente se comparado com os países desenvolvidos, tendo-se iniciado apenas em meados da década de 40, como forma de garantir a infra-estrutura necessária para as indústrias automotiva, de equipamentos, química, elétrica e eletrônica que se instalaram aqui a partir da década de 50. Devido à rapidez com que o processo de industrialização brasileiro foi desencadeado, o empresário brasileiro teve que procurar no exterior a tecnologia necessária para garantir o funcionamento das empresas, já que no país não existiam recursos humanos e materiais para a criação do know how nacional. Assim, tal know how foi adquirido principalmente por meio de acordos de assistência técnica, licenças e o emprego de profissionais vindos do exterior. Porém, a fim de garantir uma otimização da implantação da tecnologia importada, foi necessária a criação de equipes de P&D para realizar os ajustes necessários à adaptação da tecnologia adquirida no exterior. Em algumas empresas, notadamente as estatais do ramo de energia, telecomunicações e petróleo, tais equipes de P&D efetivamente evoluíram e conseguiram ser reconhecidas pelo seu alto nível de inovação. Em outros setores, no entanto, a preocupação com a inovação só se daria bem mais tarde, como consequência da abertura dos mercados, no início dos anos 90. No final da década de 60, mais especificamente com a instituição do PED – Programa Estratégico de Desenvolvimento, em 1968, o Governo passou a se preocupar de forma mais explícita com o desenvolvimento científico e tecnológico, criando planos e políticas específicos para a área, agências de fomento (FINEP), bancos de investimentos (BNDES, através do seu programa de desenvolvimento tecnológico, FUNTEC) e cursos de pós graduação, com a criação da COPPE em 1963 e o oferecimento dos cursos de pós graduação pela USP em 1964, conforme relatado por Stal (1997) e Barbieri (1990). Nesse período se deu a opção pelo modelo linear de inovação ou science push, dentre os vários modelos de inovação existentes (Barbieri e Álvares, 2003). Segundo o modelo linear, o investimento pesado em Ciência gera um estoque de conhecimento científico no país, que é então utilizado pelas empresas no desenvolvimento de novos produtos e processos, gerando riqueza e, posteriormente, desenvolvimento social. Assim, o governo brasileiro optou por concentrar os investimentos em Ciência, com a criação de agências de fomento e bancos de investimento, fortalecimento das universidades e treinamento de cientistas e pesquisadores, haja vista a quantidade de bolsas de mestrado e doutorado concedidas a cientistas brasileiros para que realizassem seus estudos em renomadas escolas do exterior. O resultado de tal modelo é que o Brasil, embora tenha conseguido obter índices razoáveis de papers publicados no exterior, acabou gerando indicadores de tecnologia (patentes) sofríveis. As estatísticas mostram que o Brasil deposita um número irrisório de patentes nos Estados Unidos,

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principal mercado consumidor. Isso porque as empresas acabaram por não utilizar o estoque de conhecimento produzido nas universidades, uma vez que são instituições cuja interação com outros segmentos é bastante peculiar. Tal política acabou sendo sustentada até meados dos anos 80, quando o país começa a colher seus primeiros resultados. A década de 80 é conhecida, entre os economistas, como a “década perdida”, posto que, depois das altas taxas de crescimento verificadas nos anos 70, o Brasil entrou em um processo de estagnação com inflação, instabilidade e incertezas. Só para ilustrar o que foi essa década, o país experimentou, nesse período, oito diferentes planos de estabilização inflacionária, quinze diferentes políticas salariais, quatro diferentes moedas, dezenove decretos relacionados com cortes nos gastos públicos, onze diferentes indexações para calcular a desvalorização da moeda corrente, e cinco congelamentos de preços e salários (Ferraz et al., 1992). No campo da C&T, as ações também foram conturbadas. Barbieri (1993) aponta que o governo Sarney extinguiu o MCT e o Ministério da Indústria e Comércio, cujas funções passaram a ser exercidas pelo Ministério de Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia. Dois meses depois, o Governo atendeu às pressões da comunidade científica e criou a Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia, que foi transformada novamente em MCT em dezembro/89, o qual foi extinto alguns meses depois, com a reforma administrativa introduzida nos primeiros dias do Governo Collor. Certamente, todo esse ambiente teve um profundo impacto negativo na inovação empresarial. Fim do modelo de substituição das importações Somam-se a esse quadro os resquícios de décadas e décadas do modelo econômico de substituição das importações, cujo principal objetivo era abastecer o mercado interno, com o governo concedendo proteção de mercado para a produção local e os empresários tentando se acomodar e se adaptar à política industrial existente. Estes, na sua grande maioria, tornaram-se tímidos na busca por novos mercados e por inovações, gerando uma indústria pouco dinâmica em relação à geração e incorporação de progresso técnico, tendo em vista o isolamento quanto à competitividade externa, a rentabilidade obtida e o acesso relativamente fácil a tecnologias importadas (Anpei, 2004).

Nos anos 90, com a abertura de mercado, os diversos setores da economia começaram a reconhecer a importância de se investir em P&D e inovação. Muitos, como por exemplo os setores de brinquedos, calçados e têxtil, sentiram na pele os efeitos dessa abertura. Conforme relata Vargas (1996), citado por Hasenclever (1997), “até há poucos anos, donas de um mercado cativo, embora limitado, a preocupação com a tecnologia não passava de uma decisão sobre qual equipamento comprar. Não havia necessidade de aperfeiçoarem-se processos e produtos... mas isto está mudando a olhos vistos” (Vargas, 1996).

Schwartzman (1995) aponta que, no início dos anos 90, ciência e tecnologia passaram a ser mais relevantes para a competitividade industrial, e algumas medidas foram implementadas pelo Governo, como por exemplo a gradual extinção da proteção de mercado, o aumento do

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financiamento da tecnologia industrial e o estabelecimento de alguns programas governamentais para estimular a qualidade e a competitividade na indústria. Entretanto, dada a persistência da estagnação econômica e incerteza política, nos primeiros anos da década de 90, essas medidas acabaram por não ter um grande impacto. Segundo estudo da Anpei (2004), “apesar da introdução das inovações organizacionais e de aperfeiçoamentos/ adaptações de produtos e processos, não houve mudança nem ruptura na trajetória tecnológica das indústrias”.

A necessidade de mudanças não estava restrita apenas à política tecnológica do governo, mas na postura da sociedade brasileira diante da inovação. “O Governo deveria ter liderado um processo de transformação da sociedade, no qual o desenvolvimento científico, tecnológico e de introdução de inovações passasse a ser visto como estratégico para o desenvolvimento nacional e para o crescimento auto-sustentado” (Anpei, 2004). Incentivos fiscais e fundos setoriais Uma das comprovações de que tais mudanças não foram estruturais é a Lei 8661/93, que regula os incentivos fiscais para a capacitação tecnológica das empresas. Apenas quatro anos após de sua implantação, quando as empresas estavam efetivamente começando a utilizá-la, os incentivos sofreram cortes e sua aplicação nas empresas foi praticamente inviabilizada. A principal alteração foi a redução do incentivo de dedução do IR devido de 8% para 4%, o qual passou a ser somado ao abatimento previsto na Lei do Programa de Alimentação do Trabalhador, que também tem o teto máximo de 4%, comprometendo seriamente o benefício. No Gráfico 1.1 pode ser comprovada a desaceleração dos investimentos incentivados pela Lei 8661. Como os incentivos aprovados antes da Lei eram válidos por um período de até cinco anos, o impacto começa a aparecer a partir de 2000, onde percebe-se um decréscimo significativo dos incentivos usufruídos pelas empresas, até chegar a um valor irrisório em 2002. O final da década de 90 é marcado pela criação dos Fundos Setoriais, cujo objetivo é o aumento da cooperação entre empresas e instituições de pesquisa para o desenvolvimento tecnológico de alguns setores de atividade. De forma geral, o modelo dos Fundos Setoriais pode ser sintetizado nos seguintes pontos (Anpei, 2004):

• Definição de um mecanismo de funding, variável segundo o setor e/ou área do conhecimento;

• Nomeação de um comitê gestor, representativo dos interesses do Governo, do setor empresarial e da comunidade científica e tecnológica;

• Criação de aparato legal e institucional para o funcionamento do Programa; • Estruturação das normas do Programa, com a definição das suas diretrizes básicas, áreas

de atuação e do seu regulamento operacional.

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Gráfico 1.1 Evolução dos incentivos da Lei 8.661/93

0

50

100

150

200

250

1994 1995 19961997 1998 1999 2000 20012002

Concedidos

Usufruídos

R$ milhões

Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2003. Foram criados, entre 1997 e 2002, além do Fundo de Infra-estrutura e do Fundo de Interação Universidade-Empresa (Verde-amarelo), doze Fundos Setoriais, a saber: Petróleo e Gás, Informática,Telecomunicações, Energia, Recursos Hídricos, Mineral, Transportes, Saúde, Aeronáutico, Espacial, Biotecnologia, Agronegócio. Entre 1998 e 2003, o orçamento global do MCT experimentou um crescimento da ordem de R$ 1,6 bilhão, sendo mais de 70% devidos à operação dos Fundos Setoriais. Em 2002, a execução dos Fundos correspondeu a R$ 354,5 milhões, recuperando a capacidade de fomento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e reduzindo a pressão sobre a execução dos recursos orçamentários do Tesouro. No Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, percebe-se que a área de C&T continua não sendo estratégica para o Governo, haja vista que o Ministério da C&T acabou dirigido por políticos não pertencentes aos quadros do partido, que pouco fizeram para dar relevância à pasta e credibilidade à uma agenda de prioridades da indústria nacional. Os dois primeiros anos representaram, de certa forma, um retrocesso, com a paralisação dos poucos programas de incentivo à inovação. O contingenciamento dos fundos setoriais (o Executivo estabelece, através de decretos, limites de empenho e financeiros que representam os valores efetivamente disponíveis para a execução) acabou representando um profundo corte nesses recursos, conforme aponta o estudo da Anpei (2004):

“Embora seja inegável o grande impacto dos Fundos Setoriais para o financiamento das atividades de pesquisa e desenvolvimento no País, a sua capacidade de intervenção foi muito comprometida com os cortes promovidos pelo ajuste fiscal. Considerando que não se trata de recursos orçamentários ordinários e que a sua aplicação é vinculada, conforme previsões das suas leis de criação, perde-se o

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sentido original de garantir um fluxo regular e crescente de recursos para a área, de forma a dar um salto nos indicadores brasileiros de inovação”.

Este rápido retrospecto sobre a evolução das políticas de Ciência e Tecnologia no Brasil revela toda uma problemática em torno da questão. Orçamentos aviltados, pouca expressividade em termos de prioridade política, ações inconsistentes, pouca articulação com o setor produtivo e boas idéias com implementações erradas acabam contribuindo para que tenhamos um Sistema Nacional de Inovação frágil e inconsistente, que não atende aos anseios da sociedade brasileira em termos de desenvolvimento social e econômico.

Sistema Nacional de Inovação O conceito de Sistema Nacional de Inovação foi desenvolvido simultaneamente por Freeman, na Inglaterra, e Nelson, nos Estados Unidos, em 1988, e pode ser entendido como “uma construção institucional, produto de uma ação planejada e consciente ou de um somatório de decisões não planejadas e desarticuladas, que impulsiona o progresso tecnológico em economias capitalistas complexas” (Albuquerque, 1995, p. 4). Tal conceito foi complementado por Pavitt e Patel (1994), para os quais “um SNI é uma rede de instituições, tanto públicas quanto privadas, cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias.” Nesse contexto, destaca-se a importância da empresa, já que são as organizações que influenciam a inovação e o aprendizado dentro de um sistema social. A partir do conceito de sistema social, Freeman (1991, p.26) propõe uma definição mais ampla de SNI, entendido como o “conjunto de organizações que influenciam a inovação e o aprendizado dentro de um sistema social”. Certamente que a ênfase que os países dão aos diversos atores que compõem um SNI irá variar de país para país. O conceito de SNI é definido e aplicado diferentemente porque as nações tratam universidades, centros de pesquisa e empresas com vocações e ênfases distintas (Archibugi e Michie, 1997). Contudo, o essencial para a definição de um SNI é como as diferentes partes interagem umas com as outras. E aqui a questão relacionada à gestão dos SNIs torna-se crucial. Se todos os integrantes de um SNI estão ligados a um destino comum, será preciso compreender as fronteiras não tão claras entre eles. Notemos como cada um dos agentes de um SNI manifesta sua vocação e como esta pode ser interpretada:

• às empresas compete prover os produtos e serviços de que a sociedade necessita, com qualidade, e em condições econômica e eticamente aceitáveis. E esse fluxo tem se tornado cada vez mais complexo, dadas as possibilidades de produção em escala global, organizações sociais mais coesas e exigentes e uma pressão mundial por preços menores e satisfação de padrões de desempenho gerencial, para alcançar patamares de lucro cada vez mais altos. Se tudo isso não bastasse, ainda é preciso produzir pensando nas futuras gerações, assegurando responsabilidade social e desenvolvimento sustentável;

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• as universidades têm, em todo o mundo, assumido nos últimos anos funções as

mais variadas. Contudo, das três entidades aqui analisadas é aquela cuja missão pode ser definida com maior facilidade: educação e formação de pessoal. Constituem também parte desta missão a pesquisa e a busca de conhecimento. É notório que os países que ganham dinheiro com conhecimento e inovação centram a atividade de inovação na empresa e não nas universidades. Para as universidades caberá o papel de educar e o de assegurar o avanço da ciência;

• por fim, os institutos de pesquisa, que dos três atores possuem a missão mais

ampla, complexa e difusa, e, portanto, menos fácil de classificar concretamente. Sua estrutura é adaptável às variações da política governamental, assumindo feições distintas, por vezes mais ligadas ao ramo industrial, pragmáticos com visão de mercado e, em outras, estratégicos com fins militares. Em ambos os casos podem ser ainda especializados ou generalistas. No caso particular da Embrapa, seu enfoque atual tem buscado firmar arranjos institucionais, alianças estratégicas, de forma a poder viabilizar o financiamento da inovação em parceria com o setor privado. Seu caráter é o de uma instituição de conhecimento que gera informação e tecnologia.

Se, entre as tarefas de um SNI está a de identificar oportunidades e a capacidade do país aproveitá-las, baseando-se no conhecimento científico e tecnológico básico existente, as palavras de ordem para as empresas , universidades e institutos de pesquisa deveriam ser o binômio coesão de políticas e alinhamento de ações. Contudo, isso só pode ocorrer se os diversos atores que compõem um SNI se articularem, trocarem informações e conhecimento, correrem riscos juntos, e caminharem em uma mesma direção. Um bom exemplo foi - e tem sido - a experiência da Embraer em trabalhar com parceiros que dividiram o risco no aproveitamento da oportunidade oferecida no segmento de jatos regionais de maior porte, viabilizando, entre 2000 e 2003, a linha 170/190. Uma das explicações para o estágio inicial em que se encontra a inovação no Brasil é que o nosso SNI é pouco articulado e atribui ênfases distintas e, às vezes, equivocadas entre os agentes de desenvolvimento que o compõem. Tipos de Sistemas Nacionais de Inovação Os países desenvolvidos e em desenvolvimento diferem em termos de instituições que contribuem para as atividades de inovação. Estas diferenças têm vários fatores - tamanho do país, agenda das políticas, em particular a industrial, recursos naturais, etc. - que, combinados com fatores econômicos, culturais, sociais e políticos produzem diferentes SNIs. Patel e Pavitt (1994) consideram três categorias evolutivas de SNIs:

• sistemas maduros – que têm capacidade de manter o país próximo à (ou na) fronteira tecnológica internacional (Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Inglaterra, Itália);

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• sistemas intermediários - voltados basicamente à difusão da inovação, com forte capacidade doméstica de absorver os avanços técnicos gerados nos sistemas maduros (Suécia, Dinamarca, Holanda, Suíça, Coréia do Sul, Taiwan);

• sistemas incompletos - infra-estrutura tecnológica mínima. Possuem sistemas de C&T mas não os transformaram em efetivos sistemas de inovação (Brasil, Argentina, México, Índia, China).

As figuras 1.1 e 1.2 ilustram as diferenças entre SNIs maduros e incompletos, sendo que os sistemas incompletos caracterizam-se por relações desarticuladas e descontínuas entre os agentes do sistema. Todo país possui um SNI, contudo, a maturidade desse sistema é o que varia de país para país. Não há país sem um SNI, mas sistemas em fases de maturidade distintas, como pode ser verificado no Quadro 1.1, no qual se compara os SNIs do Sudeste Asiático e da América Latina (Freeman e Soete, 1997). No caso brasileiro, a falta e/ou a descontinuidade de uma política industrial e tecnológica tem sido um dos mais graves obstáculos à formação de um SNI moderno e eficaz.

Figura 1.1: Sistema Nacional de Inovação Maduro.

SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO

ENSINO• Universidades

• Escolas técnicas• Educação continuada

PESQUISA• Universidades• Inst.pesquisa

• Centros P&D de empresas

ENTIDADES NÃOGOVERNAMENTAIS

• Associação de classe• ONGs• Instituições de fomento

SETOR PRODUTIVO• Empresas de engenharia• Empresas industriais e de serviços

GOVERNOFormulação e gestão da política de C&T

Fonte : Elaboração dos autores

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Figura 1.2: Sistema Nacional de Inovação incompleto.

Sistema Nacional de Inovação -Fonte crônica de desorganização e desperdício

ENSINO• Universidades

• Escolas técnicas(FOCO EM CIÊMCIA)

PESQUISA• Universidades• Inst.pesquisa

• Centros P&D de empresas

(BAIXO RELAC.)

ENTIDADES NÃOGOVERNAMENTAIS

• Associação de classe• ONGs• Instituições de fomento

(ISOLADAS)

SETOR PRODUTIVO• Empresas industriais e de serviços

(VÊEM MCT CRIAR E EXTINGUIR POLÍTICAS)

GOVERNOFormulação e gestão da política de C&T

(MÉDIO PRAZO)

Fonte : Elaboração dos autores Quadro 1.1. Exemplo comparativo de Sistemas intermediário e incompleto.

Comparação dos sistemas de inovação do Sudeste Asiático e da América Latina.

Muit a aquisição de tecnologia, especial ment e dos Estados Unidos, mas a P&D indust rial permanece fraca e pouco integrada à aquisição.

P&D industrial representa menos de 25% do total.

Import ação de tecnologia combinada com iniciativa local de mudança tecnológica faz crescer P&Dindustrial.

Mais de 50% do t otal da P&D está concentrada no setor industrial.

Enfraqueci ment o da inf ra-estrutura técnico-científica, apresentando baixa interação com a indústria.

Desenvolvimento de uma forte est rutura de ciência e tecnologia, integrada com a P&D industr ial.

Lent o desenvolvimento em telecomunicações.Investiment o pesado em infra-est rutura de telecomunicações.

Fraca indústria eletrônica, com baixo nível de exportação.Forte e rápido crescimento na indústria eletrônica, com alto ní vel de exportação e presença no mercado internacional.

Deterioração do sistema de educação, com proporcional mente um menor número de engenheiros graduados.

Declínio do investimento estrangeiro, principalmente americano.

Expansão geral do sist ema de educação, com alta elevação do ensino superior e alta proporção de graduados em engenharia.

Altos níveis de investimento estrangeiro, principalmente japonês.

América LatinaSudeste Asiático

Fonte: Freeman e Soete (1997)

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Os SNIs têm sido retratados por muitos autores e um dos que se tornou mais conhecido por esboçar as interligações entre os agentes do SNI foi Jorge Sábato, em seu famoso trabalho de 1968. Seu modelo ficou conhecido como “Triângulo de Sábato”, onde em cada um dos vértices se situam o governo, as instituições de ensino e pesquisa e o sistema produtivo, cada qual exercendo influência específica no processo de inovação (Figura 1.3). Como as inovações são processos sociais, o modelo refletiu as transformações à medida que aumentavam as interações bilaterais entre os componentes dos vértices, vindo a criar crescente integração entre pessoas e idéias (Figura 1.4). Figura 1.3: Triângulo de Sábato – Fase 1

GovernoGoverno

UniversidadeUniversidadeEmpresaEmpresa

Impostos Financiamento Público

Fase 1Fase 1Triângulo de Triângulo de SábatoSábato

Idéias

Fonte: Sábato e Botana (1968)

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Figura 1.4: Triângulo de Sábato – Fase 2

EmpresaEmpresa

Fase 2Fase 2

ImpostosFinanciamento Público

Pessoas

Idéias

Recursos

GovernoGoverno

UniversidadeUniversidade

Fonte: Sábato e Botana (1968) Em 1998, Leydesdorff e Etzkowitz desenvolvem o modelo da Hélice Tríplice, um modelo espiral de inovação que compreende as múltiplas relações recíprocas em diferentes estágios do processo de geração e disseminação do conhecimento. Cada hélice é uma esfera institucional independente, que atua em cooperação e interdependência com as demais esferas, através de fluxos de conhecimento entre elas. Além das conexões entre as esferas institucionais, cada uma assume, cada vez mais, o papel das outras - as universidades assumem postura empresarial, licenciando patentes e criando empresas de base tecnológica, enquanto firmas desenvolvem uma dimensão acadêmica, compartilhando conhecimentos entre elas e treinando seus funcionários em níveis cada vez mais elevados de qualificação, conforme pode ser visto na figura 1.5.

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Figura 1.5: Hélice Tríplice – Fase 3

GovernoGoverno

UniversidadeUniversidadeEmpresaEmpresa

Financiamento Público

Recursos

Impostos

Recursos

Recursos

Fase 3Fase 3Hélice TrípliceHélice Tríplice

Pessoas Pessoas ee

IdéiasIdéias

Fonte: Leydesdorff e Etzkowitz (1998)

O modelo da Hélice Tríplice constitui uma evolução do Triângulo de Sábato, ao mostrar que, além de interações múltiplas, cada um dos integrantes passa a desempenhar funções antes exclusivas dos outros dois, e considera a formação de redes entre as várias esferas institucionais formadas pelas hélices.

Neste modelo, as empresas se localizam no centro de uma sólida rede de interações, determinando a velocidade e a direção do processo de inovação e mudança tecnológica, operando como agentes do desenvolvimento local (Sbragia e Stal, 2004).

Em um sentido amplo, Freeman 1991:26, defende que “são as organizações que influenciam a inovação e o aprendizado dentro de um sistema social.” A partir dos conceitos, acima apresentados, pode-se perceber o papel de protagonista que a empresa assume quando se considera o sistema nacional de inovação de um país. Como afirmam

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Bell, Ross-Larson e Westphal (1984:120), “nem tudo é feito pela firma, mas muito pouco pode ser feito sem os seus esforços em absorver, quando não iniciar e administrar mudanças.” Em síntese, os SNI´s baseiam-se na capacidade de um país em fomentar políticas de C&T e de criar entidades com capacidade de implementá-las, bem como desenvolver atividades de P&D nas universidades e instituições criadas pelo setor público e financiadas, principalmente pelo governo, por meio de fundos públicos específicos e pelas organizações com e sem fins lucrativos. Estas organizações, cada vez mais, precisam assumir e manter laboratórios industriais com capacidade executiva de criar e difundir inovações nas suas mais diferentes possibilidades de negócio, de processo, de design entre outras, que favoreçam o desenvolvimento tecnológico nacional (OCDE,1992). Sistemas Locais de Inovação Enquanto o Sistema Nacional de Inovação não se articula, ganham força os Arranjos Produtivos Locais, em caráter de Sistemas Locais de Inovação (SLI). Se tomarmos como ponto de partida os recentes estudos do Sebrae (2003), Arranjos Produtivos Locais - APLs são aglomerações de empresas, localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com os outros atores locais, tais como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. Porém, dependendendo do tipo de escopo e de cooperação, podem diferir em termos de variáveis determinantes: adensamento empresarial, postos de trabalho, faturamento, capacidade de atrair funding, oportunidades de mercado, potencial de crescimento, recursos naturais, infra-estrutura existente, vantagens competitivas para exportar, entre outras. Mantidas as devidas proporções, os APLs acabam funcionando como Sistemas Locais de Inovação – SLIs, nos quais sua eficácia depende do alinhamento de trajetórias tecnológicas desenhadas pelos seus atores e pela sua capacidade de se articular para a obtenção de vantagens comuns. De fato, os APLs considerados mais bem sucedidos são justamente aqueles cuja articulação se dá em maior escala – universidade local desenvolvendo projetos em parceria com as empresas, programas governamentais garantindo financiamento, fundações, instituições sem fins lucrativos, associações profissionais, provendo treinamento especializado, etc. Conforme afirma Bastos (2004):

“outros instrumentos de estímulo à inovação em pequenas e médias empresas compreendem o apoio a pólos e parques tecnológicos, incubadoras de empresas, centros de inovação, clusters e, no período recente, prioridade à organização de arranjos produtivos locais para a promoção do desenvolvimento regional, por empresas de pequeno porte em articulação com instituições de pesquisa e agentes locais de desenvolvimento, apoiadas de modo simultâneo por órgãos como Finep e BNDES, além de estados da Federação.”

Enquanto os SNIs se constituem como a promessa do progresso tecnológico com geração de riqueza, os SLIs despontam na dianteira do crescimento econômico geograficamente localizado,

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fazendo aflorar competências e vocações regionais que se transformam rapidamente em produtos com alcance e competitividade internacional, muitos dos quais desconhecidos para muitos brasileiros. Em outros termos, os SLI’s são uma resposta ao crescimento econômico com redução de desigualdade, porque se manifestam pela inclusão social e pelo empreendedorismo real. A competitividade é vista como atributo do ambiente local e de um sistema mais amplo que considera pressupostos como o capital humano local e o capital social, que geram riqueza territorial. Nesse sentido, o Termo de Referência para Atuação do Sistema Sebrae em Arranjos Produtivos Locais (SEBRAE, 2003) salienta que a firma passa a ser redefinida como uma organização voltada para o aprendizado e inserida em um contexto institucional mais amplo. Tal abordagem supõe ainda que a capacidade de inovação deriva da confluência de fatores sociais, institucionais e culturais específicos aos ambientes em que se inserem os agentes econômicos. Atualmente, a Embraer, considerada uma das “Multinacionais Brasileiras”, com mais de quatorze mil funcionários pode nos ensinar, entre tantas outras lições, que os diversos agentes econômicos tem que ser estimulados a atuar dentro de suas vocações naturais, respeitando e assegurando a utilização dos recursos locais existentes. A Embraer não é só um caso emblemático de Organização Inovadora, mas é também uma experiência a se observar como exemplo de paradigma científico-tecnológico na região de São José dos Campos, como aponta Bernardes (2000),

“A influência da Embraer se estendeu a toda a região de São José dos Campos, onde ela é hoje a empresa-líder do arranjo produtivo local (APL), centralizando e organizando as atividades de projetos e montagem de aviões, e encomendando a um grupo de micro, pequenas e médias empresas de base tecnológica um conjunto de serviços e produtos desenvolvidos localmente. Este conjunto é formado por cerca de 40 empresas de médio e pequeno porte organizadas em torno da economia gerada pela Embraer. Várias dessas empresas nasceram de empreendimentos de ex-funcionários e de iniciativas da própria empresa”.

A Embraer foi criada pelo governo federal em 1969 para produzir aviões de treinamento militar e de patrulha. Em 1994, à beira da falência, foi privatizada e, alguns anos depois, torna-se uma das maiores fabricantes mundiais de jatos regionais. Nota-se, assim, a importância de se definir áreas de prioridade, onde pelas oportunidades de mercado ou pelas vocações regionais já existentes e tecnologicamente desenvolvidas, se possa alocar iniciativas de C&T&I condizentes aos aspectos social, econômico e, hoje mais do que nunca, ambiental. Estes três aspectos constituem o chamado Triple Bottom Line, questão que será tratada com maior profundidade no Cap. () . Mas, se autores consagrados e grandes nações deram e, até hoje, ainda dão muita importância para os SNIs por quê no Brasil ele é tratado como supérfluo? Pode um país atingir a uma economia afluente sem infra-estrutura científica, sem uma alta média de educação em ciência , e sem estrutura de pesquisa? (R. Hoffman, Prêmio Nobel).

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Não se deve deixar de lado a situação de quase indigência no que refere ao SNI brasileiro decorrente de causas que, certamente, merecem maior aprofundamento, mas, que não serão tratadas neste texto. Mas, por outro lado, é preciso realçar exemplos de empresas que atenderam os requisitos de competitividade mundial e souberam detectar nichos de mercado articulando-se em destacados SLIs, que lhes possibilitaram operar com maior eficácia. Cada uma dessas empresas exemplares, Embraer, Embrapa, Embraco e, tantas outras, nem todas que se iniciam pela letra E, revelam talento e capacidade de inserção e competição internacional inquestionáveis. Se não faltar vontade política e houver estímulo e acesso aos mesmos mecanismos e recursos que os SNIs maduros oferecem, não faltarão acadêmicos para relatar os seus casos. O SNI não é um problema para ser resolvido mas uma realidade para ser experimentada, e logo. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE ,E.M. Sistemas de inovação, acumulação científica nacional e o aproveitamento de “janelas de oportunidade”: notas sobre o caso brasileiro. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia da Universidade Federal de Minas Gerais, Fev. 1995. ARCHIBUGI E MICHIE, Technology, globalization and economic performance, Cambridge University Press, 1997. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E ENGENHARIA DAS EMPRESAS INOVADORAS (ANPEI). Como Alavancar a Inovação Tecnológica nas Empresas, mimeo, 2004. BARBIERI, J.C. Produção e Transferência de Tecnologia. Editora Ática, São Paulo, 1990 BARBIERI, J. C. e ÁLVARES, A.C.T. Inovação nas organizações empresariais. In Barbieri, J.C. (org.) Organizações Inovadoras. FGV Editora, Rio de Janeiro, 2003. BASTOS, V. D. Incentivo à inovação: tendências internacionais e no Brasil e o papel do BNDES junto às grandes empresas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, V. 11, N.21, P. 107-138, Junho 2004. BELL, M.; ROSS-LARSON, B. e WESTPHAL, L. Assessing the performance of infant industries. Journal of Development Economics, Vol. 16, Sept.-Oct. 1984, pag. 101-127.

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