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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO Ministério Público do Distrito Federal e Territórios EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA-DF O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por sua Primeira Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, vem, na defesa da sociedade, com lastro no art. 5º, incisos II, XXXII e XXXV; art. 129, incisos III e IX, e art. 217, todos da Constituição Federal; no art. 6º, inciso VII, alínea “c”, e inciso XVII, alínea “e”, da Lei Complementar nº. 75/1993; art. 4º, caput, art. 6º, incisos IV, V e VI, art. 29, art. 51, inciso IV e § 4°, art. 52, §1°, art. 81, parágrafo único e incisos I, II e III, art. 83, art. 84, todos da Lei nº. 8.078/90 e Lei n°. 7.347/85, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA em desfavor de NISSAN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA., sociedade empresária inscrita no CNPJ sob nº. 04.104.117/0001-76, sediada na Avenida Renault nº 1300, parte, Borda do Campo, São José dos Pinhais/PR, CEP 83070-900, pelos motivos que passa a aduzir: I – DOS FATOS 1. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio de sua Primeira Promotoria de Defesa do Consumidor, a partir da representação de 1/23

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA

CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA-DF

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS,

por sua Primeira Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, vem, na defesa da

sociedade, com lastro no art. 5º, incisos II, XXXII e XXXV; art. 129, incisos III e IX, e

art. 217, todos da Constituição Federal; no art. 6º, inciso VII, alínea “c”, e inciso XVII,

alínea “e”, da Lei Complementar nº. 75/1993; art. 4º, caput, art. 6º, incisos IV, V e VI,

art. 29, art. 51, inciso IV e § 4°, art. 52, §1°, art. 81, parágrafo único e incisos I, II e III,

art. 83, art. 84, todos da Lei nº. 8.078/90 e Lei n°. 7.347/85, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em desfavor de NISSAN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA., sociedade empresária

inscrita no CNPJ sob nº. 04.104.117/0001-76, sediada na Avenida Renault nº 1300,

parte, Borda do Campo, São José dos Pinhais/PR, CEP 83070-900, pelos motivos que

passa a aduzir:

I – DOS FATOS

1. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio de

sua Primeira Promotoria de Defesa do Consumidor, a partir da representação de

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consumidores (doc. 2), instaurou os Inquéritos Civis Públicos 08190.153279/14-60 e

08190.153596/14-12 (doc. 1) com vistas a apurar a prática da ré de não disponibilizar

peças de reposição em prazo razoável.

2. No curso das investigações, o feito foi instruído com reclamações

encaminhadas pelo PROCON/DF (doc. 3) e pesquisa no sítio “RECLAMEAQUI”, onde

foram constatadas, em 15 de dezembro de 2015, cerca de 274 reclamações (doc. 4).

A reputação da ré no sítio, por sinal, é péssima, não recomendada por diversos

consumidores, além de apresentar percentual de somente 18,5% de indivíduos que

voltariam a fazer negócio (doc. 5). Necessário ainda salientar a importância de veículos

de comunicação como este, tendo em vista que, apesar de não ser órgão oficial, por

vezes os consumidores preferem recorrer a ele do que ao próprio PROCON (doc. 6).

3. Das reclamações colhidas, sobretudo no sítio, constatou-se que a

prática apontada como abusiva é recorrente em todo o território nacional. Há

exemplos de casos de várias unidades federativas, o que torna ainda maior a

repercussão da situação (doc. 7).

4. A ré argumentou essencialmente a regularidade de sua conduta,

aduzindo que os casos apresentados são isolados, afirmando ainda que respeita todas

as normas consumeristas. O cerne de sua postura é centrado em afirmar que não

possui obrigação de manter em estoque, para reposição, as peças cuja demanda não

decorra de desgaste natural, sobretudo de acidentes.

5. Instada em audiência (doc. 08) a firmar Termo de Ajustamento de

Conduta, a ré buscou subterfúgios e permaneceu defendendo o indefensável, o que

culminou na presente ação. O número de reclamações reiteradas não condiz com as

alegações constantes da requerida de que os casos são pontuais e isolados. O que se

evidencia é o descaso com as preocupações de vários consumidores.

6. Aliás, já tramita em São Paulo a ação civil pública nº 0139061-

47.2012.8.26.0100 em desfavor da ré devido à mesma prática. Naquele feito, o pleito

foi julgado procedente (doc. 09). Entretanto, o Tribunal restringiu liminarmente os

efeitos da sentença ao próprio estado de São Paulo, encontrando-se pendente de

recurso, interposto somente pela Nissan do Brasil.

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7. Por todo o exposto, a conduta da ré justifica a presente ação civil,

de modo a guarnecer todos os seus consumidores do abuso perpetrado.

II – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

8. A presente demanda tratará de direitos difusos e individuais

homogêneos, o que legitima o Parquet a atuar.

9. Serão tutelados os direitos difusos na medida em que o Código de

Defesa do Consumidor, norma cogente que é, proporciona diretrizes cujo titular é todo

indivíduo, de maneira indeterminada, vez que praticamente todos são consumidores.

E, nesse aspecto, são raros os casos de indivíduos que não pretendam possuir um

carro ou trocar o que já possui, o que torna todos sujeitos ao descaso da ré.

10. No que se refere aos direitos individuais homogêneos, a despeito

de cada qual poder transacionar ou demandar com a Nissan em seu próprio nome, o

alto número de reclamações encontradas evidenciam relevância social que reveste o

Ministério Público de titularidade para a presente demanda.

11. Há que se ressaltar ainda que a ré tem crescido no mercado

brasileiro, com planos ambiciosos mesmo em meio à crise que assombra o Brasil (doc.

10).

12. A ação civil pública, como principal modelo de ação coletiva

utilizado no Brasil, tem como objetivos principais a uniformização da jurisprudência e a

economia e celeridade do processo, sendo instrumento de alta relevância. A

importância da ré no mercado e suas perspectivas de crescimento reclamam maior

necessidade de uma tutela coletiva de direitos em âmbito nacional.

13. Por fim, deve-se salientar que o Tribunal da Cidadania e o Pretório

Excelso já decidiram pela legitimidade do Ministério Público para atuar na defesa de

direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis:

“2. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil públicavisando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e

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divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídicotutelado.”1.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOSDISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES.1. O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil coletiva emdefesa de interesses individuais homogêneos de relevante caráter social, aindaque o objeto da demanda seja referente a direitos disponíveis (RE 500.879-AgR,rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-AgR, rel.Min. Celso De Mello, Segunda Turma, DJe de 29-08-2008). 2. Agravo regimental aque se nega provimento.”2 (grifou-se)

III – DO MÉRITO: PRÁTICA ABUSIVA REFUTADA PELO CÓDIGO CONSUMERISTA

14. A prática perpetrada pela ré é abusiva e afronta diretamente a lei

de regência, sobretudo o art. 32, caput3. A mens legis do dispositivo é clara ao apontar

um dever de quem atua no mercado fornecendo produtos e serviços, não devendo ser

interpretado restritivamente.

15. A incidência da ré na prática é reiterada e contumaz em todo o

Brasil, com inúmeros consumidores insatisfeitos e sendo privados do exercício regular

dos bens de elevado valor que adquiriram. Tudo isso em função da precária

interpretação adotada por montadoras e vendedoras de veículos de que o diploma

legal não contempla um prazo máximo para o saneamento dos vícios.

16. A obrigação do art. 32 não é uma obrigação abstrata, que exista

somente no mundo do dever ser. É uma obrigação concreta, real, atribuída por força

de norma cogente e que deve ser cumprida. Não se pode olvidar que seria muito mais

prático para todos a existência de um prazo fixado expressamente no dispositivo. Não

sendo o caso, a interpretação adotada deve ser pautada com base nas diretrizes

1 STJ, REsp 1033274/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2013,

DJe 27/09/20132 STF, RE 401.482 AgR / PR, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 21/06/2013. 3Art. 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto

não cessar a fabricação ou importação do produto.

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previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 4º4, além de

princípios como o da razoabilidade.

17. A ré não pode se escusar a possuir peças em estoque em solo

nacional simplesmente porque não pode prever uma demanda fixa de peças ou por se

tratar de sinistros imprevisíveis a maioria daqueles em que o comando normativo é

descumprido. A partir de uma interpretação teleológica da norma e de outras técnicas

de interpretação, é evidente que tal reposição de peças deve ser feita em prazo

razoável.

18. Dos relatos anexos, citam-se os seguintes para melhor

compreensão:

a. Consumidor no Pará levou seu carro para conserto, nela

permanecendo por mais de dois meses entre idas e vindas de informações, com

afirmações constantes de que falta uma ou outra peça para o término do conserto;

b. Consumidor no Piauí ficou por mais de sessenta dias aguardando

a disponibilização de um para-choque e de um capô;

c. Um consumidor do Rio Grande do Sul adquiriu um dos veículos

mais vendidos pela ré, um Sentra, que teve o vidro arrombado e a borracha de

vedação danificada. A ré lhe assegurou que o componente necessário seria faturado

em cerca de um mês e meio após o sinistro. No dia da previsão apontada, mudaram o

discurso e disseram que não havia previsão para solução do problema – em clara

afronta ao princípio da publicidade;

d. Consumidor de Minas Gerais necessitou de um rolamento de roda

no final de outubro de 2015. Em 7 de dezembro de 2015 o problema ainda não havia

sido solucionado, sem qualquer previsão para tanto.

19. Estas são apenas algumas das centenas de exemplos vivenciados

por consumidores em todo o território nacional. E não se pode negar que, além dos

casos trazidos aos autos, quantos outros não chegam aos órgãos de fiscalização e

apoio ao consumidor, simplesmente pela descrença na possibilidade de uma solução.

4Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais

de direito.

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20. Tendo em vista a conduta reiterada da ré, impõe-se a fixação de

sua responsabilidade pelos inúmeros prejuízos suportados por inúmeros

consumidores, condenando-a ao ressarcimento destes. Além disso, é inevitável a

imputação de obrigação de fazer, com fixação de prazo, para que o comando legal

seja cumprido em sua íntegra.

21. É evidente que há casos pontuais em que a reposição de uma ou

outra peça será extremamente dificultada, em virtude da complexidade da própria

peça. Mas, em quase todos os casos verificados e trazidos aos autos, são peças

corriqueiras que acabam por ser danificadas, tais como retrovisores, as quais a ré

simplesmente não possui para reposição às custas de um ingênuo argumento de que

não é uma peça de desgaste natural.

22. As excludentes de responsabilidade são listadas no CDC e devem

ser utilizadas para mitigação em casos excepcionais em que a reposição de peças seja

extremamente difícil. Contudo, a regra é pela eficiência na prestação do serviço e do

produto, notadamente pela responsabilidade objetiva consagrada nos artigos 125 e 146.

23. Portanto, a ré tem a obrigação de atender as necessidades de

seus consumidores. A falta de fixação de prazo do artigo 32, impende destacar, não

pode ser interpretada em prejuízo dos consumidores. A interpretação a ser adotada,

tendo em vista a finalidade do dispositivo, é a mais favorável ao consumidor, ou seja,

que a disponibilidade em estoque seja imediata.

24. Não se está aqui a dizer que a ré deve manter toda e qualquer

peça em cada ponto de distribuição, concessionária e oficina. A logística disso seria

inviável e extrapolaria demais os limites da razoabilidade, dificultando sobremodo a

5 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos

decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou

acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua

utilização e riscos.6 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos

causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

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atuação da própria ré e, por fim, resultando no encarecimento dos produtos, o que

prejudicaria os consumidores. O que se sustenta é a obrigação de que tais peças e

componentes de reposição sejam mantidos em solo brasileiro, para pronta

disponibilização, representando assim uma facilitação na logística da ré, em atenção

às necessidades dos consumidores. Esse foi o entendimento adotado pelo juiz Fabio

Coimbra Junqueira, da 43ª Vara Cível do Foro Central Cível de São Paulo.7

25. Contudo, em pedido sucessivo, embora não sendo o ideal, requer-

se que a ré seja condenada a disponibilizar as peças e componentes de reposição

solicitados pelos consumidores em até trinta dias. Tal prazo se dá por analogia ao

artigo 18, §1º,8 do CDC, que prevê que, nos vícios de qualidade ou quantidade que

tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, o

consumidor poderá exigir o reparo que, se não sanado em até trinta dias, poderá

ensejar a reparação civil mais adequada ao consumidor. Este entendimento também

se revelaria justo e militaria em favor dos consumidores. Ele já foi adotado em situação

semelhante, ocorrido com uma concorrente. Vejamos:

CONSUMIDOR, PROCESSO CIVIL E CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFEITOSUSPENSIVO. RECEBIMENTO DO RECURSO EM DUPLO EFEITO.PREJUDICADO. OFERTA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO. PRAZO. ANALOGIA ART.18, CDC. RAZOABILIDADE. TERMO INICIAL. ADEQUADO. FIXAÇÃO DE MULTAEM CASO DE DESCUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. QUANTUM. SUFICIENTE.DIVULGAÇÃO. ÂMBITO NACIONAL. 1. Nos termos do artigo 126 do CPC, nãohavendo norma legal específica, o magistrado recorrerá à analogia, aoscostumes e aos princípios gerais de direito. Seguindo essa orientação legal,deve-se utilizar como parâmetro o prazo estipulado no artigo 18, § 1º, do CDC

7 Processo 0139061-47.2012.8.26.0100 (TJSP)8 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos

vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou

lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do

recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua

natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à

sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a

restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III –

o abatimento proporcional do preço.

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para que a empresa ré forneça as peças de reposição dos veículos quecomercializa, mostrando-se razoável esse limite temporal. 2. O consumidor nãopode ser prejudicado em decorrência das inúmeras variáveis relacionadas àrelação jurídica entre concessionária e fabricante. 3. Afixação de multa em casode descumprimento da determinação judicial configura prática usual e admitida peladoutrina e Jurisprudência como medida constritiva para assegurar a efetividade dadecisão. Montante estipulado em valor razoável. 4. A reparação civil exige a efetivaexistência de dano, que, em se tratando de direito individual homogêneo, somentepode ser comprovado e mensurado individualmente. 5. A divulgação da informaçãoacerca da obrigação imposta à empresa interessa aos consumidores de todo o país,uma vez que os produtos são comercializados em âmbito nacional. Deve-se, portanto,estender a condenação referente à publicação a jornais de grande circulação em todoo território nacional, de acordo com o artigo 93, II, do CDC. 6. Recurso da empresa rédesprovido e recurso do órgão ministerial parcialmente provido. Sentença reformada.9

26. A sentença do feito acima, que foi mantida nas condenações

pleiteadas por este Ministério Público, segue anexa (doc. 11).

27. Por todo o exposto, é inegável que a ré não pode continuar a

entender e tratar como esporádicos os direitos violados de centenas de consumidores.

E, não obstante, deve ser desde logo condenada a indenizar todos aqueles que estão

vivenciando essa situação, como forma de provimento de justiça, além de tornar mais

céleres e ágeis eventuais demandas individuais manejadas a tal título, cuja

condenação deverá ser genérica10 e liquidada oportunamente pelos legitimados11.

IV – DA EFICÁCIA NACIONAL DO JULGADO

28. Em face da atuação da requerida, de abrangência nacional, para que

não haja decisões conflitantes, é imperativa uma análise abrangente da demanda.

29. Em que pese a defesa ferrenha de que somente com sucessivas

ações é possível alcançar a eficácia erga omnes em uma decisão judicial, tal postura

9 TJDFT. Acórdão n.901847, 20140110900543APC, Relator: JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS, Revisor:

ANGELO CANDUCCI PASSARELI, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 21/10/2015, Publicado no DJE:

27/10/2015. Pág.: 316.10 Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos

danos causados.11 Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim

como pelos legitimados de que trata o art. 82.

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destoa dos fins almejados pelo microssistema de defesa dos interesses coletivos, já que

a prática de distribuir diversas ações com mesmo pedido e causa de pedir, relegando a

segundo plano as regras de litispendência e prevenção, além de ser ofensiva à

segurança jurídica, atenta contra normas elementares do ordenamento jurídico.

30. Sem adentrar infindáveis discussões doutrinárias sobre o assunto, o

fato é que a prática comercial adotada pela ré é de alcance nacional e atinge todos os

seus consumidores.

31. Conforme a boa doutrina, exigir-se o fracionamento da questão

coletiva, com o evidente risco de decisões contraditórias, é, sem dúvida, violar o bom

senso e o princípio da igualdade, quando, “pelo Código de Defesa do Consumidor,

cujas disposições relativas ao processo civil coletivo se aplicam a qualquer espécie de

direitos coletivos lato senso (art. 117), com base no art. 93, os efeitos da decisão

judicial valem para as partes envolvidas, estejam elas onde estiverem: Minas Gerais,

Rio de Janeiro, Distrito Federal, etc.”12.

32. Sobre o tema, ver Resp 411.529/SP, em que se deu provimento ao

recurso para estender a eficácia do acórdão recorrido a todos os consumidores que,

no território nacional, encontravam-se na situação por ele prevista:

“Esta orientação mostra-se mais consentânea com o escopo da açãocoletiva no sentido de evitar a proliferação de demandasdesnecessárias, exigindo múltiplas respostas jurisdicionais quandouma só poderia ser suficiente”13.

33. É sem sentido a vinculação entre a eficácia subjetiva da coisa

julgada e a competência do Juízo, sob pena de incorrer-se em confusão entre tais

institutos, a qual é rechaçada pela jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de

Justiça, após apreciação do Resp nº 1.243.887/PR, representativo de controvérsia,

cujo inteiro teor segue em anexo:

12 BENJAMIN. Antonio Herman. BESSA, Leonardo. MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito doconsumidor. Ed. Thomas Reuters Revista dos Tribunais. 5ª Edição: São Paulo. 2013. p.499.

13 RESP 411.529/SP – Min. Nancy Andrighi, julgado em 4.10.2007.

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PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO.AUSÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA SUBJETIVA. INCIDÊNCIA DO CDC.EFEITOS ERGA OMNES.(…) 3. No que se prende à abrangência da sentença prolatada em ação civil públicarelativa a direitos individuais homogêneos, a Corte Especial decidiu, em sede de recursorepetitivo, que "os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindesgeográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interessesmetaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)" (REsp1243887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado sob asistemática prevista no art. 543-C do CPC, DJ 12/12/2011). 4. Com efeito, quanto àeficácia subjetiva da coisa julgada na ação civil pública, incide o Código de Defesa doConsumidor por previsão expressa do art. 21 da própria Lei da Ação Civil Pública. 5.Desse modo, os efeitos do acórdão em discussão nos presentes autos são ergaomnes, abrangendo todas as pessoas enquadráveis na situação do substituído,independentemente da competência do órgão prolator da decisão. Não fosse assim,haveria graves limitações à extensão e às potencialidades da ação civil pública, o quenão se pode admitir. 6. Recurso especial a que se dá provimento, a fim de reconhecero efeito erga omnes ao acórdão recorrido.14

34. Dessa forma, há que ser concedido alcance nacional à pretensão

ora submetida ao crivo do judiciário, haja vista a atuação da ré.

V – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

35. A antecipação dos efeitos da tutela, consagrada no art. 273 da

norma instrumental, a despeito da lei prever ser faculdade do juiz deferi-la, é medida

imperativa quando presentes os pressupostos para sua concessão. Estes, por sua vez,

seriam a (i) verossimilhança das alegações e o (ii) periculum in mora. Sobre o assunto,

vale a lição de Nelson Nery Junior:

Embora a expressão “poderá”, constante do CPC 273 caput, possa indicar faculdadee discricionariedade do juiz, na verdade constitui obrigação, sendo dever domagistrado conceder a tutela antecipatória, desde que preenchidos os pressupostoslegais para tanto, não sendo lícito concedê-la ou negá-la pura e simplesmente. Paraisto tem o juiz o livre convencimento motivado (CPC 131).

36. A concessão do instituto em sede de Ação Civil Pública é

plenamente viável e necessária, senão vejamos:

“(…) a antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273, conforme Lei 8.952/1994) é

de ser aplicada à ação civil pública, já que esta tramita pelo procedimento comum,

14 STJ. REsp 1344700/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe

20/05/2014

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sobretudo o ordinário, sendo-lhe subsidiário o Código de Processo Civil (art. 19 da Lei

7.347/1985).”15

37. Passando a analisar os requisitos do deferimento da medida,

ambos encontram-se presentes in casu no tocante à abusividade das cláusulas

contratuais.

38. A verossimilhança das alegações, consistente em toda a prova

documental anexada aos autos, sobretudo as inúmeras reclamações em desfavor da

requerida, apresenta-se devidamente demonstrada, levando-se em conta os

fundamentos jurídicos invocados para imputar a obrigação pleiteada.

39. Quanto ao periculum in mora, é patente que o permissivo à ré,

para que continue a agir da forma que vem agindo, certamente prejudicará diversos

consumidores que reclamam e se veem atingidos por tamanha desídia. O

indeferimento da medida, por sinal, poderá acarretar em uma série de outras

demandas individuais ao Judiciário, para não falar dos vários danos materiais sofridos

por consumidores por conta do descaso da ré ao não observar a norma do art. 32 do

CDC com prestatividade, eficiência e respeito ao consumidor.

40. É certo que a manutenção da prática refutada ensejará uma

contínua fragilização de consumidores, que pactuarão ou que pactuaram com a ré. O

perigo da demora ao não se obter provimento jurisdicional imediato para fazer cessar a

abusividade das ações da ré é evidente.

41. Acerca da possível irreversibilidade, não resta dúvidas de que a

pronta disponibilização dos itens e acessórios de reposição é direito básico de

qualquer consumidor, não sendo capaz de ocasionar prejuízos à empresa ré dado seu

grande porte e sua complexa rede estrutural e tecnológica capaz de garantir o

provimento judicial antecipado., de maneira que sua antecipação apenas efetivaria um

comando legal explícito estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor

42. Deste modo, requer o Ministério Público a antecipação dos

efeitos da tutela para obrigar a ré a ter, em solo brasileiro, peças e componentes de

reposição dos veículos comercializados. Como pedido sucessivo, também em sede de

15 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Rodolfo de Camargo Mancuso. 9ª edição. 2004. p. 125.

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antecipação de tutela, requer-se que a ré seja obrigada a fornecer as peças e

componentes de reposição em até trinta dias, sob pena de incorrer nas situações do

art. 18, §1º, do CDC.

VI – DOS DANOS MORAIS COLETIVOS E DA TEORIA DO DESESTÍMULO

43. Dispõe o Código de Defesa do Consumidor que é direito básico

do consumidor a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos” (art. 6º, VI).

44. A Constituição Federal, em seu art. 1º, III, tutela a dignidade da

pessoa, garantindo a inviolabilidade da integridade das pessoas e assegurando o

direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Não

esquece, entretanto, a Magna Carta, de proteger os direitos coletivos, por intermédio

do Ministério Público (art. 127 CF).

45. Analisando o artigo da Constituição acima mencionado, Carlos

Alberto Bittar Filho afirma que:

“seja protegendo as esferas psíquica e moral da personalidade, seja defendendo amoralidade pública, a teoria do dano moral, em ambas as dimensões (individual ecoletiva), tem prestado e prestará sempre inestimáveis serviços ao que há de maissagrado no mundo: o próprio homem, fonte de todos os valores”.16

46. Os danos morais ou anímicos, esclarece Fernando Noronha, são

“todas as ofensas que atinjam as pessoas nos aspectos relacionados com os

sentimentos, a vida afetiva, cultural e de relações sociais; elas traduzem-se na violação

de valores ou interesses puramente espirituais ou afetivos, ocasionando perturbações

na alma do ofendido”.17

47. Encampando a linha intelectiva aqui defendida, acrescenta Bittar

Filho:

(...) O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dadacomunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valorescoletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de

16 Bittar Filho, Carlos Alberto. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor nº 12, p. 55.17 Noronha, Fernando. Direito das Obrigações: fundamentos das obrigações: introdução à responsabilidade civil. v.

São Paulo; Saraiva, 2003, P. 560.

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que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmenteconsiderado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vistajurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seuaspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui tambémnão há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelosimples fato da violação (damnum in re ipsa). 18

48. No mesmo caminho da doutrina supracitada, em abalizado

comentário sobre o dever de indenizar os danos morais coletivos, pondera Luis

Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:

O Direito se preocupou durante séculos com os conflitos intersubjetivos. A sociedadede massas, a complexidade das relações econômicas e sociais, a percepção daexistência de outros bens jurídicos vitais para a existência humana, deslocaram apreocupação jurídica do setor privado para o setor público; do interesse individualpara o interesse difuso ou coletivo; do dano individual para o dano difuso ou coletivo.Se o dano individual ocupou tanto e tão profundamente o Direito, o que dizer do danoque atinge um número considerável de pessoas? É natural que o Direito se volte,agora, para elucidar as intrincadas relações coletivas e difusas e especialmente àreparação de um dano que tenha esse caráter. 19

49. Nesse diapasão é que o Ministério Público, tutor dos direitos

metaindividuais, vem pleitear a condenação da empresa por danos morais coletivos

causados pelas cláusulas abusivas impostas em seus contratos, desestimulando, por

outro lado, condutas similares.

50. A atribuição desta Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos

do Consumidor surge da constatação das práticas abusivas que afligem os

consumidores. Nesse ensejo, impende utilizar a teoria do desestímulo, fixando

indenização razoável a inibir atitudes similares, pois a condenação em verbas punitivas

pune o autor do ato ilícito, o desestimula a repeti-lo e terceiros a copiá-lo.

51. Portanto, ao Juiz de Direito é dado o direito potestativo de fixar o

quantum indenizatório devido nas ações judiciais que envolvam interesses coletivos,

haja vista a indenização não ter só caráter ressarcitório, pois o que se quer é a

prevenção de atos futuros, coibindo atitudes antijurídicas análogas.

52. Na determinação do quantum compensatório deverá avaliar e

considerar o potencial e a força econômica do lesante, elevando artificialmente o valor

18 Bittar Filho, Carlos Alberto. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor nº 12.19 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por dano não patrimonial e interesse

difuso (dano moral coletivo). Revista da Emerj – Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, p. 21-42.

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da indenização a fim de que este sinta o reflexo da punição, com a observância da

TEORIA DO DESESTÍMULO. Ou seja, o valor não deve enriquecer indevidamente o

ofendido, mas deve ser suficientemente elevado para desencorajar novas agressões a

direito alheio.

53. Não é outra a conclusão a ser adotada, em face do que abaixo se

expõe, transcrito ipsis litteris do voto vencedor da Desembargadora do Tribunal de

Justiça do Distrito Federal Dra. Fátima Nancy Andrighi, emérita doutrinadora no

campo da responsabilidade civil, na Apelação Cível nº 47.303/98:

“INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PAGAMENTO DE TRIBUTO. AUSÊNCIA DEREPASSE DA RECEITA PELO BANCO. AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL.NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. 1- EFETUADO O PAGAMENTOATEMPADO DO IPTU EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA E NÃO TENDO ESTAREALIZADO O REPASSE DA RECEITA À SECRETARIA DE FAZENDA,CULMINANDO NA INSCRIÇÃO DO DÉBITO COMO DÍVIDA ATIVA E NOAJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O CIDADÃO, INCORRE OBANCO EM CONDUTA CULPOSA, COLORADA PELA NEGLIGÊNCIA NADESTINAÇÃO DAS VERBAS RECOLHIDAS, ACENTUADA PELO POUCO CASOCOM QUE DILIGENCIOU PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA. 2- A HONRA,OBJETIVA OU SUBJETIVA, É BEM TUTELADO JURIDICAMENTE E, ATINGIDA,FAZ NASCER OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, FIXADO O QUANTUM SEGUNDOALGUNS CRITÉRIOS BÁSICOS: A UM, REPARATÓRIO, OU SEJA, ARBITRARVALOR CAPAZ DE DAR À VÍTIMA COMPENSAÇÃO E LHE CONSEGUIRSATISFAÇÃO DE QUALQUER ESPÉCIE, AINDA QUE MATERIAL; A DOIS,PUNITIVO DO INFRATOR PELO FATO DE HAVER ATINGIDO UM BEM JURÍDICODA VÍTIMA E, A TRÊS, DESESTIMULADOR, FAZENDO COM QUE O AGENTEACREDITE LHE SER MAIS VANTAJOSO MANTER O CUIDADO OBJETIVONECESSÁRIO EM SUA CONDUTA A PAGAR INDENIZAÇÕES POR DANOSMORAIS” (GRIFOU-SE)

54. Cabe ainda a referência ao acórdão do Tribunal de Justiça do DF,

cujo relator é o ilustre Desembargador Alfeu Machado, na ACJ 2006011033223-5:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS.CONSUMIDOR. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. VÍCIO NA ATIVIDADE.RECEBIMENTO DO MONTANTE INTEGRAL DO PRÊMIO. UTILIZAÇÃO NÃOAUTORIZADA DOS RECURSOS DO CONTRATANTE PELA CORRETORA.APÓLICE CANCELADA POR FALTA DE PAGAMENTO DO PRÊMIO. PREJUÍZOSMATERIAIS E MORAIS. NÃO RENOVAÇÃO DA APÓLICE. ABUSO DE DIREITO.QUEBRA DA BOA FÉ CONTRATUAL. OFENSA À BOA FÉ. ART. 422, DO CCB/02.QUEBRA DE CONFIANÇA. DANO MORAL SUPORTADO. DESCUMPRIMENTOCONTRATUAL. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. ART. 186 E 927, PARÁGRAFOÚNICO, DO CCB/02 C/C ART. 14 DO CDC - LEI 8078/90. VÍCIO NA PRESTAÇÃODE SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CDC. DANOMORAL CONFIGURADO. CONSTRANGIMENTO E ANGÚSTIA ANORMAIS.TORMENTOS. FRUSTRAÇÃO. ABUSO DE DIREITO. DEVER DE INDENIZAR.VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO ATENDENDO AOS CRITÉRIOS DA DOUTRINAE JURISPRUDÊNCIA. PRECEDENTES DAS TURMAS RECURSAIS. O "QUANTUM"

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FIXADO NA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, DEVE ATENTAR PARA ASCIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO EVENTO, PARA A SITUAÇÃOPATRIMONIAL DAS PARTES, PARA A GRAVIDADE E A REPERCUSSÃO DAOFENSA, BEM COMO PARA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE EPROPORCIONALIDADE, SEM GERAR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DEVEBUSCAR EFETIVA ALTERAÇÃO DE CONDUTA NA PARTE QUE AGRIDE DIREITODO CONSUMIDOR. TEORIA DO DESESTÍMULO. VIOLAÇÃO DE DIREITO DAPERSONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇAREFORMADA. MAIORIA.20 (GRIFAMOS)

55. O saudoso doutrinador Carlos Alberto Bittar, também mencionado

pela Desembargadora Nancy Andrigui, assim tratou da teoria do desestímulo:

"... a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais.Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido, através daaplicação da fórmula "danos emergentes e lucros cessantes" (C. Civ., art. 1.059),aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimentohavido. De outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sanção, afim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.

É que interessa ao Direito e à sociedade que o relacionamento entre os entes quecontracenam no orbe jurídico se mantenha dentro de padrões normais de equilíbrio ede respeito mútuo. Assim, em hipótese de lesionamento, cabe ao agente suportaras conseqüências de sua atuação, desestimulando-se, com a atribuição depesadas indenizações, atos ilícitos tendentes a afetar os referidos aspectos dapersonalidade humana.

(…) Essa diretriz vem de há muito tempo sendo adotada na jurisprudência norte-americana, em que cifras vultosas têm sido impostas aos infratores, como indutorasde comportamentos adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas interaçõessociais e jurídicas".21

56. Maria Celina Bodin Moraes, seguindo tal entendimento, leciona

que “não são poucos os que hoje afirmam que a satisfação do dano moral visa, além

de atenuar o sofrimento injusto, desafrontar o inato sentimento de vingança,

retribuindo o mal com o mal; prevenir ofensas futuras, fazendo com que o ofensor

não deseje repetir tal comportamento; e servir de exemplo, para que tampouco se

queira imitá-lo.”

57. E continua a citada jurista:

“Diz-se, então, que a reparação do dano moral detém um duplo aspecto,constituindo-se por meio de um caráter compensatório, para confortar a vítima –ajudando-a a sublimar as aflições e tristezas decorrentes do dano injusto - , e de um

20 20060110332235ACJ, Relator ALFEU MACHADO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e

Criminais do D.F., julgado em 24/04/2007, DJ 03/07/2007 p. 183.21 Danos Morais: critérios para a sua fixação, in Repertório IOB Jurisprudência, n. 15/93, p. 293, nº 5.

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caráter punitivo, cujo objetivo, em suma, é impor uma penalidade exemplar aoofensor, consistindo esta na diminuição de seu patrimônio material e na transferênciada quantia para o patrimônio da vítima.”22

58. E conclui:

“Ao lado desta tese, surgiu uma outra, decorrente da exemplaridade normalmentecontida nas regras de punição. É chamada a teoria do desestímulo, segundo aqual deve estar inserida no âmbito da indenização 'quantia significativa o bastante,de modo a conscientizar o ofensor de que não deve persistir no comportamentolesivo, todavia é preciso cuidar para não enriquecer excessivamente o lesado'. Emigual sentido, sustentou-se que há necessidade de se impor uma pena ao ofensor, nodano moral, “para não passar impune a infração, e, assim, estimular novasagressões”, de modo que a indenização funcionará também como “ uma espécie depena privada em benefício da vítima”.23

59. Sobejando o caso concreto, verifica-se portanto que a contumácia

ilícita da ré deve ser combatida de forma agressiva, e a condenação em danos morais

coletivos, pela esfera coletiva violada, não é nada menos do que o necessário. A conduta

da ré sujeita consumidores a meses de redução no padrão de vida, além do estresse

resultante das circunstâncias que permeiam a situação – informações desencontradas,

desorganização administrativa, concessionárias e oficinas empurrando para o fornecedor,

que empurra para eles, descumprimento de prazos, entre tantas outras coisas. Nestas

circunstâncias, presume-se o dano, senão vejamos:

(...)2. Nas relações consumeristas a responsabilidade civil é objetiva e a obrigação dereparar resultante é solidária entre fornecedores e prestadores de serviço. 3. Paraconfigurar o dano moral é suficiente a comprovação do prazo desproporcional(180 dias) para conserto do veículo avariado (dano in re ipsa), sendo desnecessáriaa prova de prejuízo. O dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado. 4. OPoder Judiciário, em vista da real promoção da pacificação social, deve adotarmedidas severas e comprometidas em relação aos efeitos danosos dadesorganização da atividade empresarial de venda de veículos, o que se revelaconcretamente no arbitramento de quantia que cumpra o perfil de advertência àsempresas responsáveis pela falta de planejamento para manutenção de estoqueque atenda às exigências do mercado consumidor após a venda de veículos emmassa. 5. A indenização por danos morais deve ser fixada com base nacapacidade econômica das partes, na gravidade da conduta e em valor que nãoimporte em desproporcional reprimenda ao causador do dano nem emexcessiva premiação à vítima. (...)24

22 Moraes, Maria Celina Bodin de; Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais; Rio

de Janeiro: Renovar, 2003. p. 219 (grifos nossos).23 Op. cit. p. 221/222.

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60. Não se pode olvidar que a reiteração de tal ilícito, proporcionando

situações que muitas vezes extrapolam os limites do “mero aborrecimento”, deveras

provoca intranquilidade social, fere o patrimônio jurídico e moral da coletividade e

provoca verdadeiro desânimo na população sobre a qualidade do mercado e o respeito

ao consumidor.

61. Ademais, o colendo Superior Tribunal de Justiça adota

entendimento de que é possível e recomendável a condenação em danos morais

coletivos, que inclusive prescindem da comprovação de dor individual ante o seu próprio

caráter, in verbis:

(…) 5. Quando os interesses e direitos individuais coletivamente considerados trazemrepercussão social apta a transpor as pretensões particulares, autoriza-se sua tutela pelavia coletiva (arts. 81 e 82 do CDC). 6. O art. 6º do CDC traz como direitos básicos doconsumidor: "(…) I – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,individuais, coletivos e difusos; (...) VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativoscom vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aosnecessitados". 7. A responsabilidade civil é objetiva, respondendo os réus,"independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aosconsumidores" (art. 12, caput, do CDC). 8. O dano moral coletivo prescinde dacomprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, pois tal comprovação,embora possível na esfera individual, torna-se inaplicável quando se cuida de interessesdifusos e coletivos. Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTOMARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. MinistraELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 26/02/2010. Recurso especial interpostopelo Parquet foi conhecido e provido para restabelecer a condenação das rés aopagamento de indenização por dano moral coletivo, na forma fixada pela sentença deprimeiro grau.25

(…) 3. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, é possível a condenação em danosmorais coletivos em sede de ação civil pública. Precedentes:EDcl no AgRg no AgRg noREsp 1.440.847/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014; REsp 1.269.494/MG, Rel. Ministra ELIANACALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013. 4. "Apossibilidade de indenização por dano moral está prevista no art. 5º, inciso V, daConstituição Federal, não havendo restrição da violação à esfera individual. A evoluçãoda sociedade e da legislação têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que,quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há comonegar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. O dano moral coletivo é alesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de

24 TJDFT. Acórdão n.691063, 20110111140356APC, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Revisor: SÉRGIO

ROCHA, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/07/2013, Publicado no DJE: 10/07/2013. Pág.: 151.25 STJ. REsp 1509923/SP. Segunda Turma. Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS. Data de Julgamento:

06/10/2015. Data de Publicação no DJe: 22/10/2015.

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ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de formaa envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral dacoletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esferaextrapatrimonial de uma pessoa." ( REsp 1397870/MG, Rel. Ministro MAUROCAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014)Agravo regimental improvido.26

(...)7. A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art. 5º, inciso V, daConstituição Federal, não havendo restrição da violação à esfera individual. A evoluçãoda sociedade e da legislação têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que,quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não hácomo negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. 8. O danomoral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direitotransindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto devista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalonegativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas aconsequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. 9. Há váriosjulgados desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento da condenaçãopor danos morais coletivos em sede de ação civil pública. Precedentes: EDcl noAgRg no AgRg no REsp 1440847/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014, REsp 1269494/MG, Rel.Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe01/10/2013; REsp 1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDATURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013; REsp 1197654/MG, Rel. MinistroHERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 08/03/2012. 10.Esta Corte já se manifestou no sentido de que "não é qualquer atentado aos interessesdos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê ensanchas àresponsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores deuma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoávelsignificância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficientepara produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes naordem extrapatrimonial coletiva. (REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe10.02.2012). 11. A prática de venda casada por parte de operadora de telefonia é capazde romper com os limites da tolerância. No momento em que oferece ao consumidorproduto com significativas vantagens – no caso, o comércio de linha telefônica comvalores mais interessantes do que a de seus concorrentes – e de outro, impõe-lhe aobrigação de aquisição de um aparelho telefônico por ela comercializado, realiza práticacomercial apta a causar sensação de repulsa coletiva a ato intolerável, tanto intolerávelque encontra proibição expressa em lei. 12. Afastar, da espécie, o dano moraldifuso, é fazer tabula rasa da proibição elencada no art. 39, I, do CDC e, por viareflexa, legitimar práticas comerciais que afrontem os mais basilares direitos doconsumidor. 13. Recurso especial a que se nega provimento.27

62. A condenação ao pagamento da quantia de R$ 20.000.000,00

(vinte milhões de reais) mostra-se razoável, face ao porte da requerida, sua capacidade

26 STJ. AgRg no REsp 1541563/RJ. Segunda Turma. Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS. Data de

Julgamento: 08/09/2015. Data de Publicação no DJe: 16/09/2015.27 STJ. REsp 1397870/MG. Segunda Turma. Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Data de

Julgamento: 02/12/2014. Data de Publicação no DJe: 10/12/2014.

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econômica, o número de veículos que comercializa, seu crescimento no mercado

nacional às custas de práticas abusivas e a intolerância que se deve ter com tal prática.

63. Para se ter uma pequena estimativa, foi publicada pela

FENABRAVE lista com os cinquenta carros mais vendidos, a partir do emplacamento, no

ano de 2015 (doc. 12). A ré emplacou três veículos na lista, posicionados em 35º, 37º e

47º. Ao calcular os valores de vendas de modelos básicos, pelos preços pesquisados na

tabela FIPE (doc. 13) desses três veículos, somente no mês de janeiro, o seguinte

cálculo foi obtido:

Carro Quantidade vendida Valor do veículo Total

Nissan March 2.670 R$ 33.534,00 R$ 89.535.780,00

Nissan Versa 982 R$40.633,00 R$ 39.901.606,00

Nissan Sentra 1.510 R$50.748,00 R$ 76.629.480,00

Total geral 5.162 R$ 206.066.866,00

64. A ré, portanto, somente em janeiro do ano passado, lucrou

R$206.066.866,00 (duzentos milhões sessenta e seis mil oitocentos e sessenta e

seis reais). Sem contar que alguns modelos são mais incrementados, com mais

opcionais, câmbio automático, etc. Portanto, o valor pleiteado não é em nada exagerado.

Os parâmetros fornecidos pelas decisões prolatadas nos Processos nº

2004.01.1.102028-0, nº 2008.01.1.087822-2 e nº 2014.01.1.064315-6 corroboram o

entendimento (doc. 14).

VII – DOS PEDIDOS

65. Diante do exposto, requer o Ministério Público a procedência da

presente ação civil coletiva para:

a. deferir a antecipação dos efeitos da tutela, obrigando a ré a manter

componentes e peças de reposição em solo brasileiro, para todos os seus produtos

colocados no mercado de consumo brasileiro para pronta disponibilização ao

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consumidor final, via rede de concessionárias ou demanda de consumidor, na forma

do art. 32 e seu parágrafo único, do CDC, sob pena de pagamento de multa no valor

de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada ato de descumprimento devidamente

comprovado;

b. sucessivamente ao pedido de antecipação de tutela acima, não

entendendo V. Exa. por deferi-lo, que seja a ré obrigada a atender a demanda de

peças e componentes requeridos no prazo de até 30 (trinta) dias do pedido realizado

por consumidor, conforme art. 32 c/c art. 18, §1º do CDC, sob pena de pagamento de

multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada ato de descumprimento

devidamente comprovado;

c. sendo a ré condenada em um dos pedidos acima, condená-la

também a divulgar a decisão de antecipação dos efeitos da tutela, em todas as capitais

do país, mediante anúncios publicitários, em lugar de destaque e de fácil visualização,

nos principais jornais de circulação, durante um mês, em todos os finais de semana

(edição dominical) com vistas a dar ampla publicidade ao seu dever legal, sob pena de

multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, até integral

cumprimento do decidido;

d. em provimento definitivo, que seja a ré condenada a manter

componentes e peças de reposição em solo brasileiro, para todos os seus produtos

colocados no mercado de consumo brasileiro para pronta disponibilização ao

consumidor final, via rede de concessionárias ou demanda de consumidor, na forma

do art. 32 e seu parágrafo único, do CDC, sob pena de pagamento de multa no valor

de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada ato de descumprimento devidamente

comprovado;

e. sucessivamente ao pedido acima, caso não seja esse o

entendimento de V. Exa., que seja a ré condenada a atender a demanda de peças e

componentes requeridos no prazo de até 30 (trinta) dias do pedido realizado por

consumidor, conforme art. 32 c/c art. 18, §1º do CDC, sob pena de pagamento de

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multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada ato de descumprimento

devidamente comprovado;

f. condenar a ré a divulgar o resultado definitivo da presente

demanda coletiva, em todas as capitais do país, mediante anúncios publicitários, em

lugar de destaque e de fácil visualização, nos principais jornais de circulação, durante

três meses, em todos os finais de semana (edição dominical) com vistas a dar ampla

publicidade ao seu dever legal, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil

reais) por dia de atraso, até integral cumprimento do decidido;

g. condenar a empresa requerida a divulgar, em local visível no

chamado Manual do Proprietário/Veículo, de que possui a obrigação de manter peças

de reposição em estoque à pronta disponibilização do consumidor e que a peça deverá

estar disponível ao consumidor em tempo razoável, sob pena de indenização

específica;

h. condenar a requerida ao pagamento de danos morais coletivos no

importe de R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais);

i. condenar a ré, na forma do art. 95, do CDC, a indenizar os danos

patrimoniais e morais causados aos consumidores em razão de sua conduta, a serem

liquidados pelos legitimados, na forma do art. 97 do CDC;

j. determinar a citação da ré para, querendo, contestar a ação, sob

pena de revelia e confissão e;

k. publicar o edital a que alude o art. 94 do Código de Defesa do

Consumidor.

66. Protesta provar o alegado por todas as provas em direito

admitidas, inclusive o depoimento pessoal dos representantes da requerida, a oitiva de

testemunhas, prova pericial e a juntada de novos documentos.

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67. Requer desde logo o reconhecimento e declaração de inversão do

ônus da prova, na forma do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, em face

de verossimilhança das alegações e da hipossuficiência dos consumidores tutelados.

68. Dá-se à causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de

reais).

Brasília – DF, 15 de fevereiro de 2016.

PAULO ROBERTO BINICHESKI

Promotor de Justiça

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Documentos

Doc. 1 – Portarias que instauraram os Inquéritos Civis Públicos

Doc. 2 – Representações dos consumidores que deram ensejo aos inquéritos

Doc. 3 – Reclamações encaminhadas pelo PROCON/DF

Doc. 4 – Número de reclamações sobre o objeto da demanda no sítio do

“RECLAMEAQUI”

Doc. 5 – Reputação da ré no sítio “RECLAMEAQUI”

Doc. 6 – Artigo em sítio de comunicação que atesta a importância e relevância social

da atuação do “RECLAMEAQUI”

Doc. 7 – Reclamações de consumidores de diversos estados brasileiros

Doc. 8 – Termo de audiência realizada nesta Promotoria em que foi proposto TAC à

requerida

Doc. 9 – Sentença da ação civil pública que tramita em São Paulo

Doc. 10 – Expectativas da Nissan do Brasil no mercado brasileiro

Doc. 11 – Sentença do processo 2014.01.1.090054-3

Doc. 12 – Lista de carros mais vendidos de 2015

Doc. 13 – Valores dos veículos mais vendidos da Nissan

Doc. 14 – Sentenças Processos nº 2004.01.1.102028-0, nº 2008.01.1.087822-2, nº

2014.01.1.064315-6

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