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7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Cascavel 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE CASCAVEL O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, representado pelo Promotor de Justiça signatário, titular da 7ª Promotoria de Justiça de Cascavel, incumbida da Proteção ao Patrimônio Público (Resolução n. 1.135/2009-PGJ), agindo com fundamento nos arts. 127 e 129, inc. III, da Constituição Federal, art. 120, inc. III, da Constituição do Estado do Paraná, art. 25, inc. IV, alínea “a”, da lei 8.625/93, bem como, nas leis 7.347/85, e baseado no procedimento investigatório anexo (inquérito civil n. 0030.11.000007-9), instaurado na 7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Cascavel, vem propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, contra MUNICÍPIO DE CASCAVEL, pessoa jurídica de direito público interno, inscrito no CNPJ sob n. 76.208.867/0001-07, como sede no Paço Municipal, localizado na rua Paraná, 5.000, devendo ser

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7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Cascavel

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA

VARA CÍVEL DA COMARCA DE CASCAVEL

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,

representado pelo Promotor de Justiça signatário, titular da 7ª

Promotoria de Justiça de Cascavel, incumbida da Proteção ao

Patrimônio Público (Resolução n. 1.135/2009-PGJ), agindo com

fundamento nos arts. 127 e 129, inc. III, da Constituição Federal, art.

120, inc. III, da Constituição do Estado do Paraná, art. 25, inc. IV,

alínea “a”, da lei 8.625/93, bem como, nas leis 7.347/85, e baseado no

procedimento investigatório anexo (inquérito civil n. 0030.11.000007-9),

instaurado na 7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Cascavel, vem

propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, contra

MUNICÍPIO DE CASCAVEL, pessoa jurídica de direito

público interno, inscrito no CNPJ sob n. 76.208.867/0001-07, como

sede no Paço Municipal, localizado na rua Paraná, 5.000, devendo ser

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citada na pessoa do Prefeito Municipal, por conta dos fatos e

fundamentos a seguir expostos.

I. HISTÓRICO

Em 3 de dezembro de 2010, o MUNICÍPIO DE

CASCAVEL publicou o edital de concorrência n. 12/2010, deflagrando

licitação, tipo técnica e preço, objetivando a contratação para

execução dos seguintes serviços (cópia do edital ás fls. 130 e seguintes

do IC):

a) varrição manual de vias e logradouros públicos e

transporte dos resíduos dela resultantes em área

urbana, constante nos Anexos I e V;

b) varrição mecânica de vias e logradouros públicos e

transporte dos resíduos dela resultantes, em área

urbana constante dos anexos I e V;

c) coleta e transporte dos resíduos domiciliares e

comerciais na área urbana e distritos constantes nos

Anexos I e V;

d) coleta, classificação, prensagem e acondicionamento de

resíduo reciclável na área urbana constantes nos

Anexos I e VI;

e) operação, controle, monitoramento e manutenção do

aterro sanitário, constante nos Anexos II e VII;

f) fornecimento de equipes-padrão, conforme o Anexo I;

g) Fornecimento de veículos, equipamentos e ferramental

conforme Anexo I.

Esse edital foi antecedido de despacho do Prefeito

Municipal, que optou pela licitação do tipo técnica e preço com base no

art. 46, § 3, da lei 8.666/93. No ato, o Prefeito consignou que “os

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serviços públicos de limpeza devem contar com tecnologia

nitidamente sofisticada e de domínio restrito, qual seja, de

técnicos e empresas devidamente qualificadas, e que sejam

atestados por seleção em certame licitatório de técnica e preço,

pelo motivo de que o objeto pretendido na licitação admite

soluções alternativas e variações de execução, com repercussões

significativas sobre a sua qualidade, produtividade, rendimento e

durabilidade (em especial da vida útil do aterro sanitário), todos

concretamente mensuráveis através dos critérios objetivos de

julgamento previstos no Edital, e que podem ser adotados à livre

escolha dos licitantes” (cópia em fl. 118 do IC).

O valor estimado para a contratação é de R$

20.935.520,88 (vinte milhões, novecentos e trinta e cinco mil,

quinhentos e vinte reais e oitenta e oito centavos), pelo prazo de 12

(doze) meses.

Sucede que referido edital é nulo.

Com efeito, a licitação foi feita na modalidade

concorrência, com o tipo técnica e preço. Porém, o objeto licitado não

se reveste de características especiais a ensejar a valoração subjetiva de

propostas, na medida em que o próprio edital de licitação já prevê, com

minúcias, os serviços a serem executados.

Além disso, mesmo que fosse possível o uso desse tipo de

licitação, o edital contém outras falhas: a) a ausência de critérios

objetivos para a pontuação das propostas; b) aglutinação, em lote único,

de serviços distintos que poderiam ser executados de forma fracionada,

somada à vedação de formação de consórcio; c) vício de publicidade, já

que exigia a realização de visita técnica em prazo não compatível com o

mínimo estabelecido na lei 8.666/93.

Em suma, a pretensão do Ministério Público é ver

declarada, por provimento jurisdicional, a nulidade do edital de

concorrência n. 12/2010, por ilegalidade na escolha do tipo técnica e

preço, por ausência de objetividade nos critérios para avaliação das

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propostas, pelo não fracionamento do objeto somado à proibição de

formação de consórcios e, ainda, por conta de falha na publicidade do

procedimento.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. IMPOSSIBILIDADE DE LICITAÇÃO DO TIPO

TÉCNICA E PREÇO PARA LICITAÇÕES CUJO OBJETO SEJA COLETA

DE RESÍDUOS E MANEJO DE ATERRO SANITÁRIO

Conforme já referido no relatório, o Prefeito de Cascavel

optou que a licitação fosse julgada pelo critério de técnica e preço,

recorrendo ao art. 46, parágrafo 3º, da Lei de Licitações, para

fundamentar seu ato.

Lendo-se o despacho do Prefeito Municipal (fl. 113),

verifica-se que sua fundamentação reproduz a letra da lei, apenas lhe

acrescendo, entre parênteses, a locução “em especial a vida útil do

aterro sanitário”.

Esse, portanto, seria o mote principal da escolha do tipo

técnica e preço para a licitação.

No entanto, não há amparo legal para essa decisão.

Com efeito, o caput do art. 46, da lei 8.666/93 estabelece

que licitações do tipo técnica e preço serão utilizados exclusivamente

para serviços de natureza predominantemente intelectual.

De forma excepcional, o § 3º desse art. faculta que a

autoridade máxima da pessoa jurídica promotora do certame autorize a

adoção do tipo técnica e preço “para fornecimento de bens e

execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto

majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente

sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades

técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto

pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução,

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com repercussões significativas sobre sua qualidade,

produtividade, rendimento e durabilidade concretamente

mensuráveis, e estas puderem ser adotada s

à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios

objetivamente fixados no ato convocatório.”

Essa exceção pressupõe que o serviço a ser executado

seja de grande vulto, que dependa de tecnologia sofisticada e de

domínio restrito, e que o objeto admita soluções alternativas e variações

de execução.

Embora se trate de serviços de vulto, o fato é que a

execução dos serviços de coleta de resíduos sólidos, varrição de ruas e

operação do aterro sanitário não requerem tecnologia sofisticada e de

domínio restrito.

É fato que não se consegue imaginar qual seja a

sofisticação da técnica para varrer ruas, arrecadar sacos de lixo ou

manobrar tratores do aterro sanitário.

Além disso, a própria estrutura do edital de licitação já

contempla quais os serviços devem concretamente ser realizados. O

anexo I traz discriminação do serviço, da frequência com que devem ser

realizados, forma de acondicionamento, especificação técnica de

caminhão para a varrição mecânica. O mesmo se diga no que toca à

operação do aterro sanitário, que, no anexo II, tem especificações

técnicas trazidas de forma minuciosa, exigindo ainda que a contratada

execute projeto já aprovado pelo Instituto Ambiental do Paraná.

Aqui cabe o destaque. A licença de instalação do aterro

sanitário concedida pelo Instituo Ambiental do Paraná detalha as

técnicas de operação do empreendimento1. Com efeito, ali consta a

aprovação a projeto executivo apresentado pelo Município de Cascavel,

o qual deverá ser fielmente executado. Ou seja, não há espaço para

metodologias distintas, porquanto a licença ambiental já definiu todas

as condições para instalação e manejo do aterro sanitário.

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Em abono dessa tese, convém ressaltar que há

entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo,

sustentando a impossibilidade de licitações do tipo técnica e preço para

contratação de serviços de coleta de lixo e operação de aterro sanitário:

“Súmula n. 21. É vedada a utilização de licitação ‘técnica e preço’ para coleta de lixo e implantação de aterro sanitário”

Na realidade, o Município de Cascavel deveria ter

optado por licitação do tipo menor preço, exigindo dos licitantes

comprovação de metodologia de execução, nos termos do art. 30, § 8º,

da Lei de Licitações. A propósito, Marçal Justen Filho leciona que

“proposta de metodologia não se confunde com proposta técnica.

É perfeitamente possível proposta de metodologia em licitação de

menor preço. É que o julgamento da licitação de melhor técnica

ou de técnica e preço faz-se através de avaliação qualitativa de

proposta técnica. Quanto melhor a proposta técnica, maior a sua

pontuação. Já a proposta de metodologia não será objeto de

pontuação para fins de definição do vencedor. Apenas se avalia se

a metodologia proposta é aceitável. Todas as metodologias

aceitáveis são tratadas igualmente e se escolhe a proposta

vencedora apenas pelo critério de menor preço.”2

Isso porque há nos autos cópia de recurso administrativo

interposto pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e

Resíduos Especiais – ABRELPE, no qual alegou à Comissão de

Licitações que preside o certame ora impugnado que “a execução dos

serviços ora licitados não depende de tecnologia sofisticada, de

domínio restrito, haja vista as inúmeras empresas atuantes no

mercado de limpeza urbana, bem como as diversas licitações em

andamento no mercado, processadas por “Concorrência”, do tipo

1 Cópia da licença em fls. 371/372 do IC. 2 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – 10ª Ed. – São Paulo: dialética, 2004, p. 333.

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“Menor Preço”, com o escopo de contratar serviços idênticos aos

ora licitados.” (fl. 232 do inquérito civil).

E, ainda nessa linha, informa-se ao Juízo que o

Município de Curitiba acaba de deflagrar licitação semelhante, com

adoção do critério de menor preço para julgamento das propostas

(conforme documento da fl. 362 do IC).

Ou seja, diante dos requisitos do edital, as propostas a

serem apresentadas não são suscetíveis de grandes variações (na

verdade, somente se vê possibilidade de diferenças em torno do trajeto,

já que a frequência mínima é a mesma para todos), pois se trata de

serviços comuns, passíveis, inclusive, de serem licitados pela

modalidade pregão, conforme reiterada orientação do Tribunal de

Contas da União.

Ao analisar licitação promovida pela Companhia de

Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo -CEAGESP, cujo objeto

era a contratação de serviços de coleta seletiva conteinerizada,

reciclarem, compostagem, transbordo, transporte e destinação final de

resíduos provenientes das áreas de operação e comercialização de

produtos situados dentro do Entreposto Terminal de São Paulo, o

Ministro Raimundo Carneiro ressaltou “o objeto licitado pode ser

incluído na categoria de bens e serviços comuns, especificada

pela Lei n.º 10.520, de 2002, e pelo Decreto n.º 5.450, de 2005.

Deveria, portanto, ser licitado por meio de pregão, conforme a

jurisprudência do Tribunal sobre o tema”. Após evidenciar os

normativos que ordenam o assunto, o relator entendeu que os serviços

pretendidos pela Ceagesp são comuns e, portanto, deviam ser licitados

por intermédio de pregão, entendimento esse acolhido pelo Plenário3.

Está claro, enfim, que a concorrência não poderia ser do

tipo técnica e preço, mas se ater apenas ao critério de menor valor.

Há mais.

3 Decisão monocrática no TC-017.914/2010-8, rel. Min. Raimundo Carreiro, 21.07.2010.

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Como se viu, o principal fundamento para a valoração da

técnica em detrimento apenas do preço foi o aumento da vida útil do

aterro sanitário.

A equação estabelecida no edital para se atribuir nota

técnica às propostas, porém, não corresponde com esse suposto motivo.

O item 10.4 do edital traz a forma de cálculo da chamada

nota técnica, que poderá variar de 0 a 10. Para tanto, faz-se uma média

ponderada, de forma que cada um dos seis itens constantes do edital

tem um peso (item 10.4.3 do edital – fl. 140 do IC).

Aqui causa estranheza que o item com maior peso (3,5) é

a coleta de resíduos, seguida da varrição de ruas (2), coleta seletiva (2,5)

para somente então se chegar ao manejo do aterro sanitário, cujo peso é

apenas 1 (fl. 141 do IC).

Ora, admitindo-se, por hipótese, que fosse possível a

análise técnica das propostas, é evidente que, quanto melhor forem a

coleta de resíduos e a varrição, menor será a vida útil do aterro, já que

arrecadará maior quantidade de lixo. A operação do aterro, cujo melhor

desempenho poderia ensejar o aumento de sua vida útil, deveria, então,

ter peso maior, já que esse foi o fundamento básico para a adoção da

licitação de técnica e preço.

Esse dado objetivo, extraído do próprio edital da licitação,

corrobora a incoerência do emprego da licitação do tipo técnica e preço.

O caso, em suma, é de se declarar a nulidade da

concorrência n. 12/2010, nos termos do art. 49, caput, da lei 8.666/93.

Violada a lei de licitações, tem-se como afetado o caráter

competitivo do certame, já que o edital foi produzido em desacordo com

a exigência de melhor técnica, indispensável para julgamentos dos

serviços contratados. A invalidade do ato também é determinada pela lei

4.717/65, que define os paradigmas de invalidade do ato administrativo

no Direito Positivo do Brasil. Confira-se o teor da lei:

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“Art. 4º. São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º: ... III - a empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público quando: ... c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na limitação das possibilidades normais de competição;”

Por essas razões, a licitação n. 12/2010 resta acoimada

de nulidade, em razão do disposto no art. 49, da lei 8.666/93 e,

finalmente, no art. 4o, inc. III, alínea “c”, da lei 4.717/65, razão pela

qual devem ser declarados nulos.

II.2. SUBJETIVIDADE DOS CRITÉRIOS DE

JULGAMENTO DAS PROPOSTAS TÉCNICAS

Ainda que se considere válida a eleição do tipo técnica e

preço para o processamento da concorrência em tela, é forçoso

reconhecer que o edital padece de outro vício: a subjetividade dos

critérios de julgamento deixados a cargo da comissão de licitação.

A disciplina legal do tema é conferida pelo art. 46, § 1°,

inc. I, que preconiza avaliação e classificação “de acordo com os

critérios pertinentes e adequados ao objeto licitado, definidos com

clareza e objetividade no instrumento convocatório...”.

No caso em exame, os critérios estabelecidos pelo edital

são a seguir transcritos (item 10.4.1 – fl. 140):

- conhecimento das reais condições e particularidades

envolvidas;

- plano de trabalho proposto;

- descrição da metodologia e tecnologia a ser empregada;

- coerência e compatibilidade entre a solução proposta e

as necessidades;

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- clareza e objetividade;

- grau de profundidade da abordagem técnica;

- elementos complementares e apresentação;

- Inter-relacionamento entre as atividades.

Esses itens, com todo o respeito, não dizem

absolutamente nada. São tão vagos que poderiam ser usados em uma

licitação para contratar um advogado, comprar um computador ou um

sistema de coleta de lixo.

Como se avaliar, de forma a se dizer que uma proposta é

melhor que a outra, as “particularidades envolvidas”, “a coerência e

compatibilidade entre a solução proposta e as necessidades”, ou

“clareza e objetividade”? Não é só: “plano de trabalho proposto” é a

própria proposta, não é critério de avaliação; grau de “profundidade e

abordagem técnica” são conceitos que envolvem apreciação estritamente

subjetiva. O que alguém considera “profundo” outrem pode considerar

supérfluo.

Os critérios eleitos não têm nenhum tecnicismo, não

fornecem dados concretos de avaliação. Na realidade, dão plena

liberalidade à comissão julgadora, o que ignora não só a legalidade, mas

também a transparência que deve marcar os atos da administração

pública.

O caso é de vício insanável, que Celso Antonio Bandeira

de Melo lembra em sua obra ao reprovar critérios “vagos, imprecisos

ou, por qualquer modo, deixem a decisão pendente do subjetivismo

excessivo à comissão julgadora por falta ou insuficiência de

parâmetros objetivos que especifiquem os padrões de análise dos

ângulos técnicos ou dos demais fatores a serem apreciados.”4

Da forma como prevê o edital, há um sério risco de a

atribuição de notas técnicas transformar-se em exercício de arbítrio, e

4 Curso de Direito Administrativo – 16ª Ed. - São Paulo: Malheiros, 2003, p. 554.

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não de discricionariedade administrativa. A ausência de definição de

quesitos objetivos – exigidos em lei – possibilita aos julgadores que

dêem as notas de acordo com seu talante, sem qualquer vinculação de

ordem clara.

Assim é que, caso não se acolha o pedido de declaração

de nulidade da licitação por ilegalidade de seu tipo, o Ministério

Público pede que seja declarada a nulidade do edital por não trazer

critérios técnicos e objetivos para avaliação das propostas.

II.3. INDEVIDA AGLUTINAÇÃO DE SERVIÇOS E

PROIBIÇÃO À PARTICIPAÇÃO DE CONSÓRCIOS

O item 1.1 do edital da concorrência n. 12/2010

contempla as seguintes prestações, em lote único:

a) varrição manual de vias e logradouros públicos e

transporte dos resíduos dela resultantes em área

urbana, constante nos Anexos I e V;

b) varrição mecânica de vias e logradouros públicos e

transporte dos resíduos dela resultantes, em área

urbana constante dos anexos I e V;

c) coleta e transporte dos resíduos domiciliares e

comerciais na área urbana e distritos constantes nos

Anexos I e V;

d) coleta, classificação, prensagem e acondicionamento de

resíduo reciclável na área urbana constantes nos

Anexos I e VI;

e) operação, controle, monitoramento e manutenção do

aterro sanitário, constante nos Anexos II e VII;

f) fornecimento de equipes-padrão, conforme o Anexo I;

g) Fornecimento de veículos, equipamentos e ferramental

conforme Anexo I.

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Mais adiante, o item 4.1 não permite a formação de

consórcio.

Essas cláusulas restringem o caráter competitivo da

licitação. O edital viola a lei 8.666/93, em especial os artigos 15, inc. IV

e 23, § 1º, in verbis:

"Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

(...)

IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando a economicidade".

Art. 23. (...)

§ 1° - As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala".

Conforme destacado na r. decisão do Corregedor do

Tribunal de Contas, que liminarmente suspendeu o trâmite da licitação

ora impugnada, “seria perfeitamente possível dissociar o objeto do

presente certame ao menos em três lotes (varrição manual e

mecânica; coleta e transporte de resíduos domiciliares;

gerenciamento do aterro), privilegiando a participação de

empresas que não possam prestar todos os serviços

concomitantemente.”5

Ao aglutinar em lote único diversos serviços distintos, e

vedar a participação de consórcios, a administração pública acaba por

diminuir o universo de concorrentes. É que poucas empresas do

mercado têm capacidade técnica e econômica para executar tantas

prestações ao mesmo tempo.

5 Fl. 347 do IC.

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Caso houvesse o fracionamento em lotes, ampliar-se-ia o

leque de opções, de forma que uma empresa poderia se candidatar a

algum dos serviços, sem que necessariamente tivesse que se propor a

prestar outros.

Por outro lado, caso se permitisse a formação de

consórcios, interessadas de menor porte poderiam se aliar. Por

exemplo, uma empresa poderia fazer a coleta de lixo, outra a varrição

de ruas, ou operar o aterro sanitário.

Nesse sentido, há interessante julgado do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais. Confira-se:

“APELAÇÃO - MANDADO DE SEGURANÇA - IMPUGNAÇÃO À EDITAL DE LICITAÇÃO - MULTIPLICIDADE DE SERVIÇOS - HABILITAÇÃO SIMULTÂNEA - EXIGÊNCIA ILEGAL - PREJUÍZO À CONCORRÊNCIA - LEI N° 8.666/1993 - ARTS. 15, IV E 23, § 1° - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - DESCABIMENTO EM SEDE DE WRIT.- O parcelamento ou fracionamento do objeto licitado se faz imperioso quando, além de ser tecnicamente viável, não importar em prejuízo financeiro para a Administração. O ente contratante, por sua vez, não procedendo à contratação por item, tem o dever de explicitar as razões pela aquisição global, bem como prever no edital a possibilidade de participação de interessados constituídos sob a forma de consórcio, podendo, do contrário, restar caracterizada a ilegalidade da licitação, por violação ao princípio da competitividade. - Descabida a condenação em honorários sucumbenciais em sede de mandado de segurança (inteligência das súmulas n° 512/STF e 105/STJ).” 6

No mesmo sentido é a orientação do eg. Superior

Tribunal de Justiça, onde se pacificou o entendimento de que a

aglutinação de prestações distintas em lote único somente é possível

caso o edital permita a formação de consórcios:

6 Ap. Cível n. 1.0024.06.098029-9/002 – 13ª Câmara Cível - Rel. Des. CLÁUDIA MAIA – j. em 30.9.2010.

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"A exigência globalizada em uma única concorrência destinada à compra de uma variedade heterogênea de bens destinados a equipar entidade hospitalar não veda a competitividade entre as empresas concorrentes desde que o edital permita a formação de consórcio que, ultima ratio, resulta no parcelamento das contratações de modo a ampliar o acesso de pequenas empresas no certame, na inteligência harmônica das disposições contidas nos artigos 23, parágrafo 1 e 15, IV, com a redação do art. 33, todos da lei 8.666, de 21 de junho de 1993"7.

Esse, portanto, mais um fundamento para que se

reconheça a invalidade integral do procedimento licitatório em questão.

II.4. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

A quarta tese é alternativa, reservada para o caso de não

ser acolhida nenhuma das três primeiras.

Conforme apurado no curso do inquérito civil, o aviso da

concorrência foi publicado em 25 de novembro de 2010 (cópia do Diário

Oficial do Estado em fl. 129).

O termo para apresentação das propostas foi marcado

para o dia 18 de janeiro de 2011, conforme noticiado nesse próprio

aviso, que aí reproduz o item 6.1. do edital ora impugnado.

O art. 21, § 2º, inc. I, da lei 8.666/93, estabelece o

interregno mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias entre a publicação do

aviso e a data de apresentação das propostas.

Leitura apressada do aviso poderia indicar o atendimento

a esse prazo legal.

Contudo, o edital exigia que responsáveis técnicos dos

licitantes fizessem visita técnica ao Município, aprazada para 22 e 23 de

7 RMS n° 6.597/MS - Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO - DJ 14/04/1997.

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dezembro de 2010. E essa visita foi erigida a conditio sine qua non para

participação no certame, tanto que um dos documentos exigidos pelo

Município de Cascavel para prova da qualificação técnica da

interessada é a “declaração de visita técnica...” (item 7.3.3 – fl. 135).

Assim se tem o seguinte cenário: para se habilitar na

licitação, necessariamente qualquer licitante deveria conhecer os

termos do edital antes de 22 e 23 de dezembro (data das visitas

técnicas). Verbi gratia, alguém que tivesse acesso ao edital em 27 de

dezembro não poderia mais concorrer, porquanto não mais poderia

fazer a tal visita técnica.

Isso implica em verdadeira redução, por via oblíqua, do

prazo de 45 (quarenta e cinco) dias de publicidade do edital. Da forma

como posto pelo réu, a distância entre a publicação do aviso e a prática

de ato indispensável por parte dos licitantes é inferior a um mês, que

naturalmente retira a validade da concorrência.

Explica Hely Lopes Meirelles que os prazos

estabelecidos na lei “constituem o mínimo, não sendo admissível

qualquer redução. O conveniente é que o edital aumente esses

prazos quando o objeto da licitação for de grande vulto e

complexidade. A exigüidade do prazo pode ensejar a invalidação

do edital, desde que se prove a impossibilidade de elaboração da

proposta no tempo estabelecido pela Administração.”8

Daí que o cronograma imposto pelo Município de

Cascavel viola o princípio da publicidade, na medida em que obriga os

licitantes a praticarem ato imprescindível à apresentação da proposta

em prazo inferior ao mínimo fixado pela lei.

Assim é que deve ser declarada a nulidade do item 1.2 do

edital de licitação sob estudo, e imposta ao réu a obrigação de respeitar

o prazo previsto pelo art. 21, § 2º, inc. I, da lei 8.666/93, no que

cumpre ao prazo para visita técnica.

8 Licitação e Contrato Administrativo – 11ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 1997, p. 104.

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III. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – SUSPENSÃO DO

CERTAME

É patente a ilegalidade do edital que abriu a concorrência

n. 12/2010, conforme exaustivamente demonstrado nas linhas acima.

A licitação havia sido suspensa cautelarmente por decisão

do Corregedor do Tribunal de Contas do Paraná, conforme decisão

datada de 7 de janeiro de 20119.

Sucede que essa suspensão foi revogada, ontem, pelo

Plenário da Corte de Contas, conforme notícia extraída do website do

órgão10.

Assim, hoje não há óbice algum para que a licitação

tenha trâmite.

Em razão do exposto, é necessária a concessão de

provimento liminar que ordene ao MUNICÍPIO DE CASCAVEL a

imediata suspensão do prosseguimento da concorrência.

Com efeito, a retomada da marcha da licitação porá em

risco vários bens jurídicos: primeiro, estão em xeque os princípios da

legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e competitividade, em

razão da iminente abertura de envelopes com propostas, sem que o

edital da concorrência tenha observado os preceitos já referidos;

segundo, e também decorrente da violação a esses postulados, expõe a

risco o erário, já que poderá ser celebrado contrato administrativo que

não contemple necessariamente a melhor proposta, pois já se viu que o

caráter competitivo da licitação foi indevidamente restringido.

Para a tutela de situações de igual jaez, o art. 12, da lei

7.347/85, prevê a possibilidade da concessão de provimento liminar na

Ação Civil Pública, no que é endossado pelos artigos 84, parágrafo 3° e

90, da lei 8.078/90. E, além disso, mostra-se como pertinente invocar o

9 fls. 343/356 do IC. 10 Fl. 456 do IC.

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disposto no art. 273, do Código de Processo Civil, já que, por força do

disposto no art. 19, da Lei da Ação Civil Pública, trata-se de medida

plenamente aplicável às chamadas ações coletivas.

Nelson Nery Junior faz os seguintes comentários a

respeito:

“3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461 § 3º, com a redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação de tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer ou não fazer.”11

Analisando-se o mencionado art. 273, do Código de

Processo Civil, tem-se que a tutela pretendida pode ser antecipada se

houver verossimilhança da alegação e desde que haja fundado receio de

dano irreparável.

A verossimilhança das alegações é facilmente extraída do

inquérito civil que instrui a petição inicial, onde há cópia do edital de

licitação, da licença ambiental concedida pelo Instituto Ambiental do

Paraná, e, enfim, a base empírica para o suporte de decisão suspensiva

do certame.

A isso se soma a plausibilidade do direito invocado pelo

autor, pois a licitação deveria ser do tipo menor preço; os critérios para

valoração da técnica beiram a arbitrariedade, de tão subjetivos que são;

não se poderia fazer licitação com tantos objetos, em lote único, sem se

permitir a participação de consórcios; finalmente, os prazos para

realização de visita técnica limitaram a publicidade do procedimento.

Na hipótese, há fundado receio de dano irreparável caso a

licitação tramite sem óbice e culmine com a celebração de contrato

administrativo.

11 Código de Processo Civil Comentado – 5a. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.548.

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Como se vê, há um conteúdo eminentemente difuso nesta

ação. A população, como um todo, pode ser lesada, já que o erário

custeará contratação irregular. Os moldes atuais da licitação propiciam

que o contrato futuro contenha preço superior àquele que poderia ser

pago pelos mesmos serviços.

De modo mais claro: há sério risco de se pagar mais do

que o necessário, o que é grave pois se está diante de um contrato com

prazo de 1 (um) ano, com valor estimado em R$ 20.935.520,88 (vinte

milhões, novecentos e trinta e cinco mil, quinhentos e vinte reais e

oitenta e oito centavos).

Essas características acentuam a necessidade do

provimento liminar que impeça o prosseguimento da concorrência.

É o instituto da tutela inibitória. A prevenção do ilícito é

algo que o Judiciário deve ter em mente porque a tutela do erário e da

administração pública é direito fundamental de conteúdo não

patrimonial.

A respeito do tema, o professor Luiz Guilherme Marinoni,

da Universidade Federal do Paraná leciona que “não há razão para

não admitir que alguém tenha a sua vontade constrangida

quando está pronto para praticar um ilícito. Aliás, privilegiar a

liberdade, em tais casos, é o mesmo que dizer que todos têm

direito de praticar ilícitos e danos, sendo possível evitá-los, mas

apenas reprimi-los. Ora, ante a consciência de que os novos

direitos têm, em regra, conteúdo não patrimonial ou

prevalentemente não patrimonial, fica fácil perceber a

necessidade de concluir que é viável a inibitória para inibir a

prática (e não apenas a repetição ou continuação) do ilícito. Uma

conclusão no sentido contrário, aliás, implicaria a aceitação da

possibilidade de expropriação desses direitos, o que faria surgir a

lógica do "poluidor-pagador", por exemplo. A modalidade mais

pura de inibitória, que é justamente aquela que se dá com a

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interferência judicial antes da prática de qualquer ilícito, vem

sendo aceita em vários países preocupados com a efetividade da

tutela dos direitos. (...) Além disso, não é possível esquecer que o

art. 5o, XXXV, da CR, afirma que "nenhuma lei excluirá do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito", com o nítido intuito de

viabilizar a tutela inibitória, ou seja, a tutela capaz de garantir a

inviolabilidade de um direito que está sendo ameaçado de

lesão.”12

A jurisprudência também está atenta a essas hipóteses.

Sendo clara a possibilidade de se reconhecer a nulidade

de licitação, tem-se entendido que a suspensão da licitação atende ao

interesse público:

“SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. Tratando-se de licitação, o maior número de concorrentes induz propostas com preços menores, não havendo justificativa para a limitação imposta pelo edital; parte da mão de obra terceirizada a ser contratada não demanda qualquer especialização, e aquela que o exige pode ser substituída se os indicados não demonstrarem a expertise suficiente. Caso em que o interesse público parece estar melhor protegido pela medida liminar deferida no âmbito do tribunal a quo do que pela pretensão de ver suspensos os respectivos efeitos. Agravo regimental não provido”13. “SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. Se flagrantemente viciado o processo de licitação, o Judiciário não pode autorizar-lhe a execução, ainda que a sustação da obra pública possa acarretar lesão a interesses da coletividade; é que não há como evitar esse dano potencial sem que, vencido na demanda, o Estado tenha de indenizar o licitante prejudicado. Agravo regimental desprovido.”14

12 . Marinoni, Luiz Guilherme. Tutela Específica (arts. 461, CPC e 84, CDC). p.p. 85/88. Ed. RT. São Paulo – SP. 2000. 13 AgRg na SS 2.203/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/04/2010, DJe 07/06/2010. 14 AgRg na SS 1.940/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/05/2009, DJe 25/06/2009.

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Por outro lado, irreversibilidade haverá caso se indefira a

liminar, pois então a contratação se consumará, a prestação dos

serviços terá início, tal qual o pagamento correspondente. Ou seja: o

Judiciário estará chancelando contrato cuja ilicitude poderá vir a

reconhecer no futuro.

Concluindo, vale lembrar que a ciência processual há

muito já se atentou para este detalhe, em virtude da necessidade de

mecanismos que atribuam à Jurisdição a celeridade necessária para

determinados casos em que não se pode aguardar o julgamento

definitivo do processo.

As tutelas de urgência surgem no Direito processual

contemporâneo como medidas indispensáveis à efetividade do processo,

nas quais o Estado, abrindo mão de parcela da segurança jurídica,

presta a tutela jurisdicional imediata com base em juízo de aparência. A

propósito escreve o Ministro Teori Albino Zavascki:

“Em casos tais, insuficientes que são os mecanismos ordinários da prestação da tutela, faz-se mister, para que não fique comprometida a eficácia da função jurisdicional monopolizada pelo Estado, a adoção de medidas acautelatórias. Na lição clássica de Calamandrei, 'en un ordenamiento procesal puramente ideal, en el que la providencia definitiva pudiese ser siempre instantánea, de modo que, em el mismo momento em que el titular del derecho presentase la demanda se pudiera inmediatamente otorgar justicia de modo pleno y adecuado al caso, no habría lugar para las providencias cautelares'."15

Este ordenamento ideal apontado por Calamandrei

certamente não existe e, por isso, é indispensável que se determine ao

Município de Cascavel a imediata suspensão da concorrência n.

12/2010, mercê das apontadas ilicitudes que contaminam seu edital de

abertura.

15 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, 2 ed., p. 25 - São Paulo: Saraiva, 1999.

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IV. PEDIDOS

Posto isto, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer:

1. A notificação do réu, no endereço constante do

preâmbulo desta petição inicial para manifestar-se acerca do pedido

liminar, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, conforme previsão do

art. 2º, da lei 8.437/92;

2. Após a resposta, seja ordenada, liminarmente, a

suspensão da realização da concorrência n. 12/2010 até o

julgamento da causa, com fundamento no art. 273, do Código de

Processo Civil, combinado com o art. 12, da lei 7.347/85;

3. O julgamento antecipado da lide, na forma

preconizada pelo art. 330, inc. I, do Código de Processo Civil, em vista

da prescindibilidade da produção de provas em audiência;

4. Caso não seja esse o entendimento do Juízo, a

produção de provas, consistente em depoimento pessoal do

representante legal do réu, ouvida de testemunhas, cujo rol será

oportunamente apresentado, perícias e juntada de novos documentos

que se fizerem necessários;

5. Com base no art. 25, inc. IV, alínea “b”, da lei

8.625/93, combinado com o art. 4°, inc. III, alínea “c”, da lei 4.717/65,

a procedência do pedido, para que seja declarada a nulidade

integral do procedimento licitatório deflagrado pelo edital de

concorrência n. 12/2010, em razão da impossibilidade do emprego de

licitação do tipo técnica e preço para certames cujo objeto seja coleta de

resíduos e manejo de aterro sanitário (item II.1 desta petição), por conta

da subjetividade dos critérios de julgamento das propostas técnicas

(item II.2. desta petição) e da ilicitude em se condensar, em lote único,

prestações distintas sem que se permita a formação de consórcios (item

II.3 desta petição);

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6. Alternativamente (art. 289, do Código de Processo

Civil) e, com base no art. 25, inc. IV, alínea “b”, da lei 8.625/93,

combinado com o art. 4°, inc. III, alínea “c”, da lei 4.717/65, a

procedência do pedido, para que seja declarada a nulidade do item

1.2 do edital de concorrência n. 12/2010, em razão da não

observância do prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias entre a

publicação do aviso de licitação e a realização de visita técnica pelos

interessados (item II.4 desta petição);

7. A condenação do réu ao pagamento das custas

processuais.

Atribui-se à presente causa o valor de R$ 20.935.520,88

(vinte milhões, novecentos e trinta e cinco mil, quinhentos e vinte reais

e oitenta e oito centavos).

Cascavel, 18 de março de 2011.

Gustavo Henrique Rocha de Macedo Promotor de Justiça