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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PONTA GROSSA PARANÁ O Ministério Público do Estado do Paraná, por intermédio do Promotor de Justiça em exercício junto à 6ª Promotoria de Justiça de Ponta Grossa 1 , com fulcro nos artigos 127, caput e 129, inciso III, da CF/88; art.25, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº 8.625/93; art.57, inciso IV, alínea “b”, da LCE nº85/99; na Lei Federal 7.347/85; com fundamento ainda no artigo 225, da Constituição da República; nas Leis 6.938/81 e 6.766/79, nos arts.81 e 82 da Lei 8.078/60, e demais dispositivos legais atinentes à espécie, e com base nas peças informativas inclusas e demais elementos contidos nos autos de Inquérito Civil Público nº MPPR-0113.06.000018-0, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR Contra o MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA, pessoa jurídica de direito público, representado atualmente pelo Sr. MARCELO RANGEL CRUZ DE OLIVEIRA, Prefeito Municipal, com sede na Avenida Visconde de Taunay, nº 950, Bairro Ronda, CEP 84051-000, na cidade de Ponta Grossa, Estado do Paraná; e 1 Com atribuições na Proteção ao Meio Ambiente; na Defesa do Consumidor; na Defesa das Pessoas Portadoras de Deficiência; no Combate à Sonegação Fiscal e na Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ ª

VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PONTA GROSSA –

PARANÁ

O Ministério Público do Estado do Paraná, por intermédio do

Promotor de Justiça em exercício junto à 6ª Promotoria de Justiça de Ponta

Grossa1, com fulcro nos artigos 127, caput e 129, inciso III, da CF/88; art.25,

inciso IV, alínea “a”, da Lei nº 8.625/93; art.57, inciso IV, alínea “b”, da LCE

nº85/99; na Lei Federal 7.347/85; com fundamento ainda no artigo 225, da

Constituição da República; nas Leis 6.938/81 e 6.766/79, nos arts.81 e 82 da Lei

8.078/60, e demais dispositivos legais atinentes à espécie, e com base nas peças

informativas inclusas e demais elementos contidos nos autos de Inquérito Civil

Público nº MPPR-0113.06.000018-0, vem, perante Vossa Excelência, propor a

presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR

Contra o MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA, pessoa jurídica de

direito público, representado atualmente pelo Sr. MARCELO RANGEL

CRUZ DE OLIVEIRA, Prefeito Municipal, com sede na Avenida Visconde

de Taunay, nº 950, Bairro Ronda, CEP 84051-000, na cidade de Ponta Grossa,

Estado do Paraná; e

1 Com atribuições na Proteção ao Meio Ambiente; na Defesa do Consumidor; na Defesa das Pessoas Portadoras

de Deficiência; no Combate à Sonegação Fiscal e na Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais.

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INVESTVILLE LOTEAMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.,

pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob nº 01.567.455/0001-

56, com sede na Rua 29, lote nº 25, da quadra nº 03 do Loteamento Residencial

Vila Romana, localizado na altura do Km 08 da Rodovia BR-376, sentido Norte

do Estado, CEP: 84063-000, nesta cidade e comarca, representada por seus

sócios-gerentes Sr. RODRIGO GONZAGA DE CAMARGO, brasileiro,

solteiro, empresário, inscrito no CPF/MF sob nº 927.268.369-68, portador da

CI/RG nº 5.123.401-4, residente e domiciliado na Rua Francisco Ribas, nº 386,

apto. 51, nesta cidade e comarca e Sr. DIVALDO GONZAGA DE

CAMARGO JUNIOR, brasileiro, solteiro, empresário, inscrito no CPF/MF sob

o nº 018.731.239-73, portador da CI/RG nº 6.447.357-3, residente e domiciliado

na Rua Santana, nº 814, apto. 22, nesta cidade e comarca de Ponta Grossa/PR.

1. DOS FATOS

Inicialmente, para facilitar a compreensão das questões que

envolvem o Loteamento “Vila Romana”, é importante fazer um breve

retrospecto dos fatos que ensejaram a propositura desta ação.

No que se refere ao histórico do loteamento objeto de investigação

no Inquérito Civil Público e da presente ação, foi aprovado pelo Poder

Executivo Municipal, em 21/10/1997 (há 16 anos), através do Decreto nº

543/1997, posteriormente alterado pelo Decreto nº 079/98 de 13/02/1998.

Consoante os termos do referido decreto, o empreendimento compreende o

loteamento do imóvel, com área total de 1.065.496,00m² (um milhão sessenta e

cinco mil quatrocentos e noventa e seis) metros quadrados, em 50 (cinquenta)

quadras designadas pelos nº 1 a 50, sendo que estas quadras foram subdivididas

em 1.722 (mil setecentos e vinte e dois) lotes residenciais destinados à venda,

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além da existência de áreas verdes e institucionais obrigatórias, sendo o

empreendimento denominado de JARDIM RESIDENCIAL “VILA ROMANA”

(doc. 01).

Destaque-se que no bojo do decreto supracitado, ficou estipulado o

prazo de dois anos para a realização das obras de infraestrutura básica a serem

realizadas pelo loteador, no caso a requerida Investville Loteamentos

Imobiliários Ltda. Dentre as obras compreendidas incluem-se: a demarcação de

quadras e lotes; a abertura e arborização de vias públicas; a implantação e

execução de redes de energia elétrica; de iluminação pública; de abastecimento

de água e redes de galerias pluviais, além do revestimento primário das vias.

Condições mínimas exigidas legalmente na época para a implantação de

loteamento.

Pois bem, a investigação no âmbito desta Promotoria de Justiça foi

iniciada em face de ofício encaminhado pelo PROCON do município de Ponta

Grossa, denunciando irregularidades na administração da empresa Investville

Loteamentos Imobiliários referente ao Loteamento “Vila Romana”, desta cidade

(doc. 02). Diante de tal notícia foi instaurado o Procedimento de Investigação

Preliminar nº 138/2006 em 28 de setembro de 2006.

Para instrução da investigação e esclarecimento dos fatos foram

notificadas algumas pessoas que haviam adquirido lotes no Loteamento “Vila

Romana”, a fim de serem ouvidas acerca da real situação do loteamento. Nas

respectivas oitivas os declarantes – Sr. Renildes da Silva Lacerda, Sra. Idilina do

Amaral Ribeiro e Sra. Nadia Sluzala de Oliveira – afirmaram que adquiriram os

lotes da empresa requerida Investville entre os anos de 1998 e 2004, sendo que

dentre outras questões, lhes foi prometida a infraestrutura básica completa no

local, tal como água encanada, energia elétrica, linha telefônica, ruas com

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pavimentação primária e áreas de lazer (doc. 03). No entanto, nada fora

realizado pela requerida até os dias de hoje, nem tampouco o Poder Público

Municipal cobrou a execução desta de forma impositiva.

Em vista de tais alegações por parte dos adquirentes, no sentido de

que as obras de infraestrutura não tinham sido realizadas, mesmo depois de ter

passado muitos anos após a aprovação do loteamento, oficiou-se à Prefeitura

Municipal solicitando informações acerca das regularidades e aprovação do

Loteamento Jardim Residencial “Vila Romana”, bem como oficiou-se aos

Cartórios de Registro de Imóveis desta cidade solicitando informações sobre o

registro do Loteamento por parte da empresa Investville – Loteamentos

imobiliários Ltda., requerendo-se cópia das respectivas matrículas.

Em resposta, a Prefeitura Municipal informou que o Loteamento

“Vila Romana” havia sido aprovado pela municipalidade mediante a expedição

do Decreto 543/1997, já referido.

Por sua vez, o Cartório do 1º Registro de Imóveis desta cidade

informou que havia sido feito o competente registro do Loteamento Vila

Romana em 30 de abril de 1998, pela empresa Investville – Loteamentos

Imobiliários Ltda., conforme Matrícula de nº 35.220 e constando como sócios

proprietários as pessoas de DIVALDO GONZAGA DE CAMARGO - ora

requerido - e JAMIL AMILTON CURI (doc. 04), o qual deixou a sociedade

após a 2ª alteração contratual.

Em seguida, veio a notícia de que havia sido instaurada uma

investigação na Câmara Municipal, com o fito de averiguar as irregularidades na

instalação do Loteamento “Vila Romana”. Assim, oficiada a Câmara Municipal,

em 09/02/2007, foi remetido a esta Promotoria a informação de que havia sido

instalada uma Comissão Especial – CESP, com o objetivo de elaborar estudos e

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análises sobre o Loteamento “Vila Romana”, sendo constatadas, logo nas

primeiras vistorias, que, de fato, não haviam sido realizadas as benfeitorias

necessárias à completa estruturação do loteamento (doc. 05).

Restou, portanto, já naquela época, constatado que, mesmo após o

transcurso de vários anos desde a aprovação do empreendimento, as obras de

infraestrutura não foram realizadas pela empresa requerida, inobstante já estar

de há muito esgotado o prazo para realização das obras, o qual era de apenas

dois anos, bem como foi constatada a omissão do Poder Público na tomada de

providências.

No decorrer da investigação foi juntada cópia integral do

procedimento administrativo de aprovação do loteamento junto à Prefeitura

Municipal, contendo, dentre inúmeros documentos, o laudo de vistoria da

vigilância sanitária municipal, com parecer favorável à instalação do

empreendimento, desde que observadas as condições mínimas de instalação, tais

como água tratada, energia elétrica e sistema de drenagem urbana (doc. 06).

No entanto, antes de ser aprovado o empreendimento, houve uma

vistoria realizada pela Secretaria Municipal de Planejamento, em 17/07/1997,

onde se verificou a ausência completa de infraestrutura hábil à implantação do

loteamento, descrevendo-se o seguinte: (doc. 07):

I – Não foram executadas as obras de abertura das ruas;

II – Ausência de arborização;

III – Ausência de execução da rede de energia elétrica, bem como

instalação da rede de iluminação pública;

IV – Não houve execução de demarcação das quadras e lotes;

V – Não foi realizada a rede de galeria pluvial;

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VI – Não foi realizado o revestimento primário das vias públicas.

Diante desta situação, a Secretaria Municipal de Planejamento

emitiu parecer contrário a aprovação do loteamento na situação em que se

encontrava, sugerindo, como forma de garantia ao Poder Público, que fossem

caucionados determinados lotes para o caso de descumprimento por parte

da empresa loteadora da obrigação de realizar as obras necessárias à

infraestrutura mínima necessária.

Considerando tal realidade, foram caucionados determinados lotes,

sendo importante registrar que tanto no decreto de aprovação do loteamento,

quanto na respectiva matrícula do imóvel, consta a previsão de instituição de

caução de determinados lotes em favor do Município, em garantia à execução

das obras de infraestrutura no loteamento, as quais, frise-se, deveriam ter sido

realizadas dentro do prazo de 02 (dois) anos a contar da aprovação do

empreendimento. A caução referente aos lotes supramencionados encontra

respaldo na Lei 6.766/79 (art.18, inc. V), e consta expressamente no art. 1º

do Decreto Municipal nº 133/1998, bem como na Escritura Pública de

Caução lavrada em 01/04/1998 (doc. 08):

Art. 1º - O artigo 3º, do decreto nº 543, de 21/10/97, passa a vigorar com a seguinte

redação:

"Em garantia das obras referidas no artigo anterior, a loteadora, Investville

Loteamentos Imobiliários LTDA, outorgará ao Município escritura pública de caução dos lotes nºs

1 e do 03 ao 08, da quadra 17; 02 e do 19 ao 24, da quadra 18; 01 e do 03 ao 18 e o 35, da quadra

31; do 01 ao 44, da quadra 32; do 01 ao 44, da quadra 33; do 01 ao 32, da quadra 34; do 01 ao 27,

da quadra 35; do 01 ao 21, da quadra 36; do 01 ao 36, da quadra 37; do 01 ao 36 da quadra 38; do

01 ao 36, da quadra 39; do 01 ao 12, da quadra 40; do 01 ao 20, da quadra 41; do 01 ao 20, da

quadra 42; do 01 ao 20, da quadra 43; do 01 ao 28, da quadra 44; do 01 ao 40, da quadra 45; do 01

ao 40, da quadra 46; do 01 ao 40, da quadra 47; do 01 ao 40, da quadra 48, do 27 ao 115, da quadra

50, do Loteamento Residencial Vila Romana, com área total de 254.507,85m²".

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Finalizada a averiguação dos fatos pela Comissão Especial do

Legislativo Municipal, o relatório final fora encaminhado para a constituição de

uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, denominada por “CPI DOS

LOTEAMENTOS”. Em tal CPI buscou-se investigar de maneira geral todos os

loteamentos aprovados à época na cidade de Ponta Grossa (doc. 09).

Especialmente sobre o caso tem tela, elaborou-se minucioso

relatório acerca da situação do Loteamento “Vila Romana”, no qual ficou clara a

falta de infraestrutura no referido loteamento, sendo realizadas três vistorias

entre os anos de 2002 e 2006 com o intuito de se verificar o andamento das

obras que já deveriam estar concluídas, constatando-se que a segunda requerida

continuava descumprindo as obrigações assumidas na implantação do

loteamento, bem como descumprindo as imposições legais para o

empreendimento, pois que em todas as vistorias verificou-se ausência de

estrutura, tais como a falta de abertura de ruas, ruas abertas com dimensões

equivocadas, ocorrência de erosão em várias ruas em razão da ausência de

manutenção, ausência de revestimento primário nas ruas abertas, ausência de

galerias de água pluvial, de rede de esgoto e falta de arborização, não

oferecendo, assim, mínimas condições de moradia aos adquirentes dos lotes,

caracterizando flagrante violação às normas urbanísticas (doc. 10).

O que surpreende é que as diversas vistorias foram realizadas pelo

Executivo Municipal e as irregularidades apontadas foram constatadas,

conforme se visualiza da tabela constante no Relatório da referida CPI:

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Ocorre, Excelência, que até hoje as obras nunca foram concluídas, o

que foi constatado por esta Promotoria em visita de inspeção in loco

realizada na data de 08/01/2013, conforme certidão em anexo (doc. 11). Nesta

vistoria verificou-se, Excelência, que ainda não houve a conclusão das obras de

infraestrutura, sendo que as ruas, traçadas precariamente, foram tomadas pelo

mato e pela erosão, sendo que apenas em algumas delas foi construída rede de

galeria pluvial e pavimentação primária. Não há nada de arborização. Constatou-

se, ainda, que há residências construídas em uma parte do loteamento há anos,

mas nem nestas ruas foram realizadas as obras necessárias, restando flagrante a

violação dos direitos do consumidor. Esta situação pode ser visualizada nas

fotografias recentes do loteamento:

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Pois bem, mesmo com tal situação de reiterado descumprimento

constatado pelo Executivo Municipal, este foi omisso, apenas promovendo a

edição de inúmeros decretos de prorrogação do prazo, configurando, assim,

além do descumprimento por parte da empresa requerida, a completa desídia do

Poder Público Municipal em cobrar de modo efetivo a realização das obras ou

em adjudicar, retomar para si os lotes caucionados e realizar as obras

restantes, lesando, assim, os direitos consumeristas, a ordem urbanística e os

direitos difusos e coletivos à moradia digna de todos os adquirentes dos

referidos lotes.

A título demonstrativo é importante destacar que apenas entre os

anos de 2009 a 2013 o Poder Público Municipal – primeiro requerido – editou

05 (cinco) decretos prorrogando o prazo para a conclusão das obras de

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infraestrutura pelo loteador, o que demonstra a negligência e a

irresponsabilidade por parte dos dois requeridos para com a coletividade.

Vejam-se as constantes prorrogações de prazo para execução das obras de

infraestrutura do Loteamento “Vila Romana” (doc. 12):

1) Decreto nº 3267 de 14/07/2009: prorrogação do prazo até

31/08/2009;

2) Decreto nº 3442 de 28/08/2009: prorrogação do prazo até:

27/08/2010;

3) Decreto nº 4699 de 14/01/2011: prorrogação do prazo até:

31/08/2011;

4) Decreto nº 5513 de 14/10/2011: prorrogação do prazo até:

01/03/2012; e

5) Decreto nº 7581 de 22/07/2013: prorrogação do prazo até:

31/12/2013.

Mister salientar que em todos os decretos de prorrogação consta a

previsão de transferência imediata dos imóveis caucionados ao Município

em caso de não cumprimento do prazo estabelecido, contudo, as obras não

foram concluídas e o Município não fez valer o dispositivo de adjudicar os lotes

e realizar as obras faltantes, como irá se demonstrar na presente ação.

Pois bem, vislumbra-se assim, que quase nada foi feito por nenhum

dos requeridos ao longo de tanto tempo, limitando-se o município a

simplesmente prorrogar sucessivamente o prazo concedido à segunda requerida

para conclusão das obras, situação esta que se arrasta já por longos 15 (quinze)

anos, não podendo mais ser suportada, Excelência.

Conclui-se, assim, que diante do reiterado descumprimento da

segunda requerida em realizar as obras de infraestrutura básica no Loteamento

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“Vila Romana” e da total omissão do Poder Público – primeiro requerido – não

resta alternativa senão o ajuizamento da presente ação civil pública, a fim de

buscar-se junto ao Poder Judiciário a imediata paralisação da comercialização

dos lotes pela segunda requerida, bem como a devida tomada de providências

por parte do Poder Público Municipal no sentido de retomar para si os lotes

caucionados e finalmente realizar as obras restantes, garantindo-se, desde modo,

uma moradia digna a todos os inúmeros residentes e adquirentes do Loteamento

“Vila Romana”.

2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

2.1 – Da Legitimidade do Ministério Público e do Cabimento da Ação Civil

Pública

A Constituição Federal, em seu artigo 127, reconheceu a

imprescindibilidade do Ministério Público à função jurisdicional do Estado bem

como lhe incumbiu da tarefa de defender a ordem jurídica, o regime

democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

Para tanto, a necessária legitimidade à propositura de ação civil

pública destinada à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e

de outros interesses difusos e coletivos, incluindo-se aí a tutela da ordem

urbanística e do consumidor, foi-lhe conferida pelo artigo 129, inciso III, da

Constituição Federal, bem como no artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, e no

artigo 5º, inciso I, da Lei nº 7.347/83, que disciplina a ação civil pública.

O ajuizamento da presente ação civil pública objetiva, em resumo,

paralisar a comercialização dos lotes do Loteamento “Vila Romana” pela

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segunda requerida e, principalmente, compelir o Município de Ponta Grossa a

adjudicar para si os lotes caucionados para o fim de realizar as obras de

infraestrutura faltantes, tudo em respeito à tutela da ordem urbanística e aos

interesses coletivos e difusos, inseridos no campo de atuação do Ministério

Público, conferindo-lhe legitimidade para buscar judicialmente a proteção

jurídica desses bens.

2.2 – Dos riscos existentes em razão da existência de loteamento inadequado

A Lei Federal nº 6.766/79 estabelece exigências quanto à execução

de qualquer parcelamento do solo, para fins urbanos, dentre as quais se

destacam: a) a aprovação pela Prefeitura (art. 12); b) a efetivação do registro

especial (art. 18); c) a elaboração de contrato padrão contendo cláusulas e

condições protetivas (arts. 25-36); e d) a execução de obras de infraestrutura

(arts. 2º, § 5º, e 18, V).

As limitações de ordem pública referentes a uso e ocupação do solo,

arruamento, salubridade, segurança e funcionalidade da cidade destinam-se a

propiciar melhor qualidade de vida à população. Tais preceitos atendem à

coletividade como um todo, pois preservam os recursos naturais destinados ao

conforto da população, disciplinam a utilização dos espaços habitáveis e, para o

bem-estar geral, consagram os critérios de desenvolvimento do Município.

Por outro lado, a desordenada ocupação do solo, resultante da não

observância às normas urbanísticas, traz como consequências graves problemas

para o adequado ordenamento das atividades no espaço urbano, com

comprometimento da qualidade de vida e do meio ambiente, podendo-se citar

como exemplo as seguintes situações: a) as vias públicas de um loteamento,

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abertas sem observância das posturas municipais relativas à largura, inclinação e

ao seu tamanho, prejudicam, por exemplo, o atendimento do novo bairro pelo

serviço de transporte coletivo e coleta regular do lixo, já que as estreitas ruas

não permitem a circulação de veículos; b) a falta de pavimentação de uma rua

provoca a erosão do solo, dificulta o tráfego e pode gerar o desmoronamento das

casas; c) a inexistência de rede coletora de esgoto dá lugar ao lançamento de

esgotos in natura em córregos, poluindo cursos d’água e rios, contribuindo para

a disseminação de doenças de veiculação hídrica; e d) a falta de sistema de

captação e drenagem de águas favorece o aparecimento de focos de doenças e

contribui para o processo de erosão dos solos.

Assim, verifica-se cristalinamente que a obediência ou a ofensa aos

padrões urbanísticos geram efeitos que atingem a todos, alcançando

indiscriminadamente quem reside no local, ou, eventualmente, transite pela

cidade.

Fincadas estas premissas e da análise dos fatos narrados, nota-se

facilmente que o loteamento “Vila Romana” não atende às normas urbanísticas

impostas pela legislação. Exatamente por isso, ganha especial relevo a

responsabilização dos requeridos – empresa loteadora, por ação direta, referente

a não realização das obras de infraestrutura no local, e do ente político, por

omissão e má atuação na fiscalização e tomada de providências – pela

regularização do loteamento, visando a reparação dos danos sofridos ao longo

do tempo pelos adquirentes dos lotes, uma vez que não detêm possibilidade de

utilização urbana em condições dignas.

2.2.1 – Do Descumprimento de Dever-Legal da empresa

Investville: da não realização das obras de infraestrutura no

Loteamento “Vila Romana”

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Como proprietária do empreendimento Loteamento “Vila Romana”

a segunda requerida – Investville – foi autorizada pelo Poder Público Municipal

a realizar o parcelamento do solo para fins urbanos, isto é, recebeu autorização

do poder público para exercer uma função pública de extrema importância,

tendo em vista que atende diretamente o direito à moradia da coletividade. Por

isso, em razão da tamanha importância da autorização concedida, é que recaem

os deveres sob aquele que pretende exercer tal função, devendo exercê-los com

zelo e responsabilidade, uma vez que o direito tutelado diz respeito à

coletividade, transcendendo ao indivíduo.

Desse modo, analisando-se o Decreto municipal nº 543/1997 se

visualiza de modo muito claro as obrigações assumidas pela requerida,

consoante disposição do artigo 2º, as quais, ressalte-se, não estão sendo

cumpridas de há muito tempo.

“Art. 2º - Os loteadores executarão no loteamento ora aprovado, no

prazo de 02 (dois) anos, a contar desta data, as obras de

infraestrutura constantes de: demarcações de quadras e lotes,

abertura de ruas, arborização de vias públicas, redes de energia

elétrica, iluminação pública e de abastecimento de água, bem como,

rede de galerias e revestimento primário das vias públicas, de

conformidade com os projetos aprovados pela Prefeitura Municipal.

(Prazo prorrogado pelo Decreto nº 3442/2009).”

Ocorre, Excelência, que em todas as vistorias realizadas desde o

ano de 2002, constatou-se que os encargos assumidos pela segunda requerida, na

qualidade de loteadora, nunca foram totalmente cumpridos, sem ter o Poder

Público, por sua vez, tomado qualquer providência para tanto, no sentido de

realizá-las e adjudicar os lotes caucionados para tal hipótese.

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Como já afirmado anteriormente, visualizou-se a inexistência e o

abandono de quadras e vias públicas, bem como e, principalmente, a ausência de

obras relativas à infraestrutura do local, as quais incluem a instalação das

galerias pluviais em toda a extensão do loteamento e a pavimentação primária de

todas as vias, o que prejudica e viola os direitos da coletividade ali residente.

Tudo, Excelência, demonstra a violação de dever legal imposto à

empresa requerida, pois que a norma é clara e inequívoca ao prever as

obrigações e o prazo para cumprimento das mesmas, sendo que a Lei Municipal

nº 10.408/2010 prevê expressamente as obrigações constantes no decreto de

aprovação, quais sejam:

Art. 11- Satisfeitas as exigências do artigo anterior, o interessado

encaminhará o projeto para aprovação da Prefeitura, assinando Termo de

Acordo, juntamente com um cronograma físico-financeiro, com prazo

máximo de 02 (dois) anos para a execução das obras necessárias à

implantação do loteamento e que são:

I - terraplanagem e pavimentação de todas as ruas do loteamento;

II - execução das obras de consolidação e arrimo para a boa conservação

das ruas, bueiros e pontilhões necessários, sempre que as obras

mencionadas forem consideradas indispensáveis, a vista das condições

viárias e sanitárias do terreno a arruar;

III - execução do sistema de drenagem de águas pluviais, com galerias

completas as travessias e leitos das ruas;

IV - execução das redes de energia elétrica e de iluminação pública;

V - arborização de vias públicas;

VI - execução da rede de abastecimento de água;

VII - demarcação das quadras e lotes.

VIII - execução da rede de esgoto.

§ 1º - Considera-se pavimentação, para efeito do item I deste artigo,

asfáltica, poliédrica, paralelepípedo ou blocos de concreto articulados, com

a construção de meio-fio.

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§ 2º - As obras de que cogita o presente artigo e seus itens deverão ser

previamente aprovadas e terem sua execução fiscalizada pelos órgãos

municipais competentes.(Grifos nossos)

Ora, vê-se que durante estes aproximadamente 16 (dezesseis) anos

praticamente nada foi efetivado pela segunda requerida no mencionado

loteamento, situação essa que se prolongou demasiadamente.

Diante disto, estando comprovada a violação por parte da segunda

requerida em realizar as obras de infraestrutura no Loteamento “Vila Romana” –

após a realização de quatro vistorias – ofendendo, assim, a ordem urbanística e

os direitos difusos dos moradores da localidade – é que se justifica a presente

ação civil pública para o fim de fazer cessar judicialmente a comercialização dos

lotes, uma vez que inexistentes as mínimas condições de habitabilidade.

2.2.2 – Da Responsabilidade do Município: Da Omissão do Poder

Público Municipal e do Poder-Dever de Regularização do

Loteamento

Muito se falou da desídia do Poder Público Municipal quanto à

fiscalização e ação para sanar as irregularidades constatadas no Loteamento

“Vila Romana”. Elementos suficientes foram carreados aos autos para

demonstrar tal negligência e abandono, bem como o descaso da empresa

loteadora no cumprimento das obrigações assumidas.

Prova disso, Excelência, é que transcorridos 16 (dezesseis) anos

após a aprovação do projeto do loteamento em questão, as vistorias realizadas

revelam e comprovam a situação de abandono, degradação e incompletude das

obras de infraestrutura no local, ao passo em que o Município limitou-se a editar

diversos decretos de dilação do prazo para conclusão das referidas obras, tudo

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isso em detrimento da qualidade de vida dos moradores instalados no

Loteamento “Vila Romana” e dos adquirentes dos lotes que estão

impossibilitados de construírem suas casas pela ausência de infraestrutura

mínima no local.

Assim, da deficiência da ação estatal emerge a responsabilidade

objetiva do Poder Público Municipal, em obediência aos princípios que norteiam

a atividade administrativa, tais como legalidade, eficiência e os demais previstos

no artigo 37, caput da Constituição da República2.

Antes de se adentrar especificadamente na questão da

responsabilidade da Administração, não se pode olvidar que urbanização é tarefa

eminentemente pública e o empresário-loteador, antes de fracionar o solo, deve

submeter seu intento às conveniências da coletividade, para que este seja tido

por viável, dentro da obrigação da função social do uso da propriedade.

A realização de loteamento em total desacordo com as leis que

regem o parcelamento do solo constitui-se em ato danoso, capaz de gerar

situação prejudicial para os adquirentes desavisados, bem como para a

Municipalidade, que se vê obrigada a conviver com situação de risco potencial e

desrespeito ao bem-estar público.

Nesse contexto, o Poder Público municipal tem papel

preponderante a realizar, quer fiscalizando todas as áreas urbanas que compõe o

município, para detectar, debelar, coibir e determinar a correção de

irregularidades constatadas nos loteamentos; quer analisando, corrigindo e

2 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

(...)

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aprovando projetos de parcelamento; quer regularizando todos os loteamentos

que se encontrem em situação irregular ou inadequada.

Pois bem, em vista disto, a responsabilidade municipal está

expressa na Constituição da República, artigo 30, inciso VII e, igualmente, na

Constituição do Estado do Paraná em seu artigo 17, inciso VIII. Veja-se:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano.”

“Art. 17. Compete aos Municípios:

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano.”

Vê-se, Excelência, que o objetivo da norma é, justamente, garantir o

crescimento equilibrado e planejado da cidade, atendendo-se à função social da

propriedade urbana, sendo, por esta razão, atividade inerente e obrigatória do

Município a fiscalização dos loteamentos aprovados por si, não havendo que se

falar em discricionariedade ou juízo de conveniência nesta seara. Assim é o

entendimento jurisprudencial:

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LOTEAMENTO

IRREGULAR - AUSÊNCIA DE OBRAS BÁSICAS DE INFRA-

ESTRUTURA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO -

PODER-DEVER - ART. 40 DA LEI N. 6.766/79 - ART. 69, INCISO IV DA

LEI MUNICIPAL 481/78 - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO

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DOS PODERES - INEXISTENTE - RECURSO CONHECIDO E

PROVIDO.”3

Como já afirmado, não se trata de discricionariedade do Poder

Público o fato de fiscalizar a regularização do loteamento, mas, sim, de

verdadeiro poder-dever da Administração Pública. Isto porque o parcelamento

do solo urbano é exercício de função pública, a qual, de regra, é privativa do

Poder Público, devendo o mesmo acompanhar, fiscalizar e sanar eventuais

irregularidades que possam surgir.

No caso dos autos, fora concedida mera autorização para um

particular – segunda requerida – para exercer em seu nome e sob as suas custas,

uma atividade privativa do Poder Público Municipal, não podendo a

Administração Municipal, sob tal pretexto, eximir-se de reponsabilidades que

lhe são inerentes.

Assim como não pode o loteador furtar-se de suas

responsabilidades, as quais decorrem diretamente de lei, conforme demonstrado

acima, muito menos pode o Município – primeiro requerido – afastar-se dos

seus deveres legais de fiscalização, punição e em caso de descumprimento

reiterado por parte da empresa loteadora, de promover a adjudicação dos lotes

caucionados, visando assumir a conclusão das obras de infraestrutura

necessárias à completa implantação do empreendimento.

Excelência é exatamente esta a situação dos autos, onde se vê que a

empresa loteadora INVESTVILLE simplesmente não executou a totalidade das

obras de infraestrutura necessárias, e o MUNICÍPIO, igualmente, afastando-se

de seus deveres legais, deixou de promover a adjudicação dos lotes e de realizar

3 TJ-MS - AC: 31613 MS 2007.031613-1, Relator: Des. Joenildo de Sousa Chaves, Data de Julgamento:

07/07/2009, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 15/07/2009.

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as obras, deixando transcorrer o lapso temporal de 16 (dezesseis) anos, atuando

em total desacordo e descaso para com a ordem urbanística do município e o

direito fundamental à moradia digna dos residentes e adquirentes do Loteamento

Vila Romana.

Tal atuação que se cobra da Administração Pública está prevista na

Lei Federal nº 6.766/1979, mais precisamente em seu artigo 40:

Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso,

se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento

ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das

determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus

padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos

adquirentes de lotes.

(...)

Não obstante a letra fria da lei, ao utilizar-se da expressão “poderá

regularizar loteamento (...)”, remeta ao entendimento de que a regularização de

loteamento pelo Poder Público é uma faculdade da Administração, o

entendimento jurisprudencial sedimentado do Superior Tribunal de Justiça

aponta para sentido contrário, conforme os julgados a seguir:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO

IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO.

1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da

Constituição Federal e da Carta Estadual. 2. A Municipalidade tem o

dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na

ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o

bem-estar da população. 3. As administrações municipais possuem

mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de

loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens

judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por

todo o País, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a

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Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas.

(…). 5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento

urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua

constituição. 6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer,

procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo escopo é

exatamente a imputação do facere, às expensas do violador da norma

urbanístico-ambiental. 5. Recurso especial provido.”4 (Grifos nossos)

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO

IRREGULAR. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE DO

MUNICÍPIO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. PODER-DEVER.

PRECEDENTES. 1. O art. 40 da Lei 6.766/79, ao estabelecer que o

município "poderá regularizar loteamento ou desmembramento não

autorizado ou executado sem observância das determinações do ato

administrativo de licença", fixa, na verdade, um poder-dever, ou seja, um

atuar vinculado da municipalidade. Precedentes. 2. Consoante dispõe o art.

30, VIII, da Constituição da República, compete ao município "promover, no

que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano". 3. Para

evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano, o Município não pode

eximir-se do dever de regularizar loteamentos irregulares, se os loteadores

e responsáveis, devidamente notificados, deixam de proceder com as obras

e melhoramentos indicados pelo ente público. 4. O fato de o município ter

multado os loteadores e embargado as obras realizadas no loteamento em

nada muda o panorama, devendo proceder, ele próprio e às expensas do

loteador, nos termos da responsabilidade que lhe é atribuída pelo art. 40 da

Lei 6.766/79, à regularização do loteamento executado sem observância das

determinações do ato administrativo de licença. 5. No caso, se o município

de São Paulo, mesmo após a aplicação da multa e o embargo da obra, não

avocou para si a responsabilidade pela regularização do loteamento às

expensas do loteador, e dessa omissão resultou um dano ambiental, deve ser

responsabilizado, conjuntamente com o loteador, pelos prejuízos dai

4 REsp 448216/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma do STJ, DJ 17/11/2003 p. 204.

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advindos, podendo acioná-lo regressivamente. 6. Recurso especial provido.”

5 (Grifos nossos)

“ADMINISTRATIVO- LOTEAMENTO INACABADO -

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO - AÇÃO CIVIL

PÚBLICA - IMPUTAÇÃO POR AÇÃO DE REGRESSO À EMPRESA

LOTEADORA.

1. É dever do município fiscalizar os loteamentos, desde a aprovação até a

execução de obras.

2. A CF/88 e a lei de parcelamento do solo (Lei 6.766/79) estabelecem a

solidariedade na responsabilidade pela inexecução das obras de infra-

estrutura (art. 40).

3. Legitimidade do município para responder pela sua omissão e inação da

loteadora.

4. Recurso especial provido.” 6 (Grifos nossos)

E também no mesmo sentido tem-se trecho do julgado do Tribunal

de Justiça do Mato Grosso do Sul:

“As exigências contidas no art. 40 da Lei n. 6.766/99, encerram um dever

da municipalidade, uma vez que, nos termos do art. 30, VIII, da

Constituição Federal, compete-lhe promover o adequado ordenamento

territorial mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano. O exercício dessa atividade fiscalizadora,

certamente, é de natureza vinculada, e não discricionária, não cabendo ao

Município a possibilidade de não fiscalizar ou deixar de combater a

implantação irregular do parcelamento do solo urbano.”7 (Grifos nossos)

No caso em tela, portanto, o fato é que os munícipes não podem

ficar desprovidos de serviços públicos imprescindíveis à existência humana

5 STJ - REsp: 1113789 SP 2009/0043846-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento:

16/06/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2009. 6 REsp 252512/SP, Relatora Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento

25/09/2001. 7 TJ-MS, Relator: Des.Joenildo de Sousa Chaves, Data de Julgamento: 07/07/2009, 1ª Turma Cível.

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digna em ambientes urbanos, sobretudo enquanto dispõe o Município requerido

de caução para a realização das obras de infraestrutura. Afigura-se imperativo,

então, que o primeiro requerido tome as providências necessárias à correção

dessas irregularidades decorrentes de sua própria omissão, cumprindo com o

dever de zelar pelo ordenamento do espaço urbano.

Incumbe ao Município, pois, a efetiva execução da política urbana,

inclusive mediante o controle do uso, parcelamento e ocupação do solo. Outra

não é a conclusão extraída do artigo 40 da Lei 6.766/79 e dos artigos 30, inciso

VIII, e 182, ambos da Carta Magna:

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir o bem-estar de seus habitantes.”

Demais disso, insta destacar que o dever geral de regularização de

loteamentos extrai-se, também, de uma análise conjugada do artigo 182 com o

Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257/2001. Corroborando esta afirmação, vale

reproduzir alguns dos dispositivos do Estatuto da Cidade quanto ao tema em

questão:

Art. 1º. Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da

Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da

Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam

o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do

bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as

seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à

terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura

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urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para

as presentes e futuras gerações;

(...)

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou

inadequados em relação à infra-estrutura urbana;

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar

como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura

correspondente;

(...)

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por

população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais

de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a

situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

Ocorre que, ao aprovar o loteamento denominado Jardim

Residencial Vila Romana, o Município de Ponta Grossa absteve-se dos seus

deveres de fiscalização e de controle do processo de parcelamento do solo

urbano, permitindo que fosse registrado um loteamento que não fora

satisfatoriamente contemplado com as estruturas mínimas de habitabilidade, tais

como, instalação de galerias pluviais, rede de esgoto, pavimentação primária,

arborização, entre outras.

Sendo assim, ante a responsabilidade decorrente da conduta

omissiva do Município, primeiro requerido, no que tange à fiscalização do

processo de aprovação e da implantação do loteamento “Vila Romana”, bem

como da opção municipal por autorizar a constituição de mera caução e permitir

o registro e implantação do loteamento sem tomar qualquer providência para

assegurar a execução das obras de infraestrutura urbana pela empresa loteadora,

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impõe-se ao Município de Ponta Grossa-PR a obrigação de fazer para a

finalidade de regularizar o aludido empreendimento urbano.

É inegável, portanto, que a Administração Pública Municipal é

responsável solidariamente em relação ao loteador no que tange à regularização

do parcelamento do solo em face da aprovação do loteamento, cabendo ao Poder

Público Municipal utilizar-se dos lotes caucionados para a devida

implantação/execução das infraestruturas faltantes necessárias à garantia de

habitabilidade do local.

Excelência, o que se pretende através desta ação, por conseguinte, é

o puro e simples cumprimento de normas constitucionais e infraconstitucionais

de natureza cogente, que hão de ser obrigatoriamente cumpridas pela

Administração e que não deixam qualquer margem de liberdade ao agente

público, mesmo porque ele se submete precipuamente ao princípio da estrita

legalidade.

3. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

A Ação Civil Pública é o instrumento processual que busca facilitar a

deflagração de demandas para a tutela adequada e efetiva dos interesses difusos,

coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis.

Desse modo, para viabilizar o acesso pleno à justiça, a lei cria

mecanismos de facilitação da demonstração dos direitos, em benefício dos

vulneráveis ou hipossuficientes, ainda que apenas tecnicamente.

É sabido, Excelência, que o Código de Defesa do Consumidor integra

o sistema processual coletivo, trazendo inúmeros avanços legislativos e

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instrumentos processuais que viabilizam a tutela dos direitos dos vulneráveis.

Conforme ensinamentos de Fiorillo, Abelha e Nery:

“a relação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil

Pública possui cunho visceral, pois suas regras processuais se aplicam

aprioristicamente a toda ação coletiva, formando um sistema processual

coletivo. Desta forma, é perfeitamente possível a aplicação da inversão do

ônus da prova em sede de qualquer ação coletiva, nestas incluídas aquelas

para a tutela do meio ambiente, pois a inversão do ônus da prova é regra de

natureza processual e todas as regras processuais do Código de Defesa do

Consumidor e da Lei de Ação Civil Pública devem ser aplicadas na tutela

de outros direitos difusos e coletivos conforme arts. 1.º, IV, e 21 da Lei

7.347/1985". 8 (Grifos nossos).

No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial atual:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA.MINISTÉRIO PÚBLICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA

PROVA. DIREITO DO CONSUMIDOR. - A jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça é pacífica no entendimento de que o Ministério

Público, no âmbito de ação consumerista, faz jus à inversão do ônus da

prova. Agravo regimental improvido.9 (Grifos nossos).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMBUSTÍVEIS. MINISTÉRIO PÚBLICO.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Possibilidade de inversão do ônus da

prova na ação civil pública. Ministério Público como substituto processual

do consumidor. Interesse deste. Arts. 6º, VIII e 90, CDC e 21 da Lei nº

7.347/85. Limitação, contudo, às que dependam de documentos, registros ou

atuação exclusiva da empresa ré. Parcial provimento do agravo. 10

(Grifos

nossos).

8 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria de Andrade. Direito

processual ambiental brasileiro: ação civil pública, mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção.

Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 142. 9 STJ - AgRg no REsp: 1300588 RJ 2011/0306656-3, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de

Julgamento: 03/05/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/05/2012. 10

TJ-RS - AI: 70020073623 RS , Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Data de Julgamento: 12/06/2007,

Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19/06/2007.

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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557, § 1º, DO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. AGRAVO LEGAL IMPROVIDO. 1.

Agravo legal interposto contra decisão monocrática que negou seguimento

ao agravo de instrumento em que se pretendia a reforma do decisum que

acolheu pedido do Ministério Público Federal para inverter o ônus da prova

em ação civil pública, na qual se questiona o aumento da tarifa de energia

elétrica no ano de 2003. 2. O artigo 557 do Código de Processo Civil

autoriza o Relator a julgar monocraticamente qualquer recurso desde que

sobre o tema recorrido haja jurisprudência dominante do respectivo

Tribunal ou de Tribunais Superiores, justamente a situação dos autos. 3.

Identificados os usuários do serviço de energia elétrica como

consumidores, nos termos do artigo 2º da Lei 8.078/90 - Código de Defesa

do Consumidor, os benefícios nela previstos aplicam-se ao caso dos autos.

4. Nas relações de consumo, a inversão do ônus da prova, a teor do artigo

6º, inciso VII, da Lei 8.078/90, pressupõe a verossimilhança das alegações

ou a hipossuficiência (técnica, jurídica ou econômica) do consumidor. 5. A

documentação juntada indica que, no ano de 2003, foi validada base de

remuneração incorreta da qual resultou em acréscimo das tarifas aos

consumidores, isso foi admitido pela própria ANEEL no processo

fiscalizatório procedido sobre a concessionária. 6. Assim, evidenciada a

verossimilhança das alegações do autor, deve ser invertido o ônus da prova,

uma vez que a ANEEL e a ENERSUL é que dispõem dos documentos e

dados necessários para mensurar precisamente o valor da tarifa. 7.

Evidente, ainda, a hipossuficiência técnica e/ou financeira dos

consumidores uma vez que o autor da ação civil pública - Ministério

Público Federal - defende direitos de milhares de consumidores, muitos

dos quais sem condição sequer de indicar assistente técnico para

acompanhar eventual perícia. 8. Agravo legal improvido.11

(Grifos nossos).

11

TRF-3 - AI: 22035 MS 0022035-51.2008.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM

DI SALVO, Data de Julgamento: 07/03/2013, SEXTA TURMA.

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Assim, a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no

Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de norma de cunho processual,

alcança a proteção dos demais direitos difusos e coletivos.

Desse modo, ante a importância do bem tutelado nesta ação e ante a

gravidade dos fatos narrados, torna-se extremamente necessária a inversão do

ônus probatório, com o fim de facilitar a proteção do consumidor.

4. DA MEDIDA LIMINAR

Os fatos aqui narrados, com fulcro nos documentos anexados,

demonstram de forma inequívoca a desídia, o abandono e o total

descumprimento das obrigações legais referentes ao loteamento em tela, lesando

o direito dos consumidores que adquiriram lotes no Loteamento Vila Romana.

Assim, visando impedir que novos consumidores venham a ser

lesados, bem como para garantir que as obras de infraestrutura sejam

executadas, com respaldo nos artigos 11 e 12 da Lei nº 7.347/85, este Órgão

Ministerial requer a Vossa Excelência, sem a oitiva da parte contrária, seja

determinado LIMINARMENTE a interrupção da comercialização dos lotes

integrantes do Loteamento “Vila Romana”, expedindo-se ordem à segunda

requerida para que se abstenha imediatamente de comercializar os lotes do

referido loteamento, frente às irregularidades e violações já apontadas, até que

todas as obras de infraestrutura sejam concluídas, devendo tal decisão ser

comunicada ao 1º Registro de Imóveis desta Comarca.

Essa providência, de caráter nitidamente cautelar, está prevista no

artigo 12 da Lei Federal n° 7.347/85, o qual prevê a possibilidade de,

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liminarmente, isto é, em caráter de urgência, ser concedida a medida pretendida

independentemente de justificação prévia.

Excelência, as evidências de irregularidades são inúmeras. A

situação deflagrada na presente ação estende-se por 16 (dezesseis) anos sem a

tomada de qualquer providência pelos requeridos, os quais agem, claramente,

em afronta ao interesse público e aos interesses difusos e coletivos da população

residente no Loteamento Vila Romana. Desse modo, a concessão de medida

liminar, sem justificação prévia, é questão que se impõe.

A desnecessidade de justificação prévia no caso de concessão de

liminar, no presente caso, deve prevalecer, uma vez que conforme já

exaustivamente demonstrado, os requeridos – a cada dia que passa – estão

afrontando, lesando o consumidor, negando-lhe o direito à moradia digna dos

residentes e adquirentes de lotes do Loteamento em questão, sendo que, por

outro lado, a não concessão da referida medida ocasionará a perpetuação da

violação e levará ao perecimento dos direitos aqui tutelados.

Registre-se, que, por recomendação administrativa do Ministério

Público (12ª Promotoria), o município solicitou, em dezembro de 2013, que a

loteadora suspendesse a comercialização dos lotes. No entanto, como a media

não prevê punição alguma em caso de descumprimento (mera solicitação), bem

como não vincula o Registro de Imóveis, nada impede que a 2ª requerida

continue a comercializar os lotes, o que justifica o pedido judicial para garantir a

interrupção da venda, com imposição de multa pecuniária e vinculação do

registro de imóveis para abster-se de realizar qualquer transferência de lotes

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vendidos pela requerida referentes ao loteamento Vila Romana, até sua total

regularização.

5. DOS PEDIDOS:

Assim, diante de todas as irregularidades expostas, requer-se de

Vossa Excelência:

a) A autuação da presente petição inicial e dos documentos que a

instruem, bem como o seu recebimento e processamento seguindo o rito

estabelecido pela Lei 7.347/85, com a urgência que o caso requer;

b) A concessão de medida liminar, nos moldes acima delineados,

inaudita altera parte, para determinar à segunda requerida INVESTVILLE

LOTEAMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA a obrigação de não fazer,

consistente na imediata interrupção da comercialização dos lotes

componentes do Loteamento Vila Romana, com a cominação de multa em

caso de descumprimento da decisão em valor não inferior a R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais) por lote vendido, valor esse a ser destinada ao Fundo

Municipal de Defesa do Consumidor, com comunicação da medida ao 1º

Registro de Imóveis desta Comarca.

c) A citação dos requeridos na pessoa dos seus representantes

legais, com o permissivo do artigo 172, parágrafo 2º, do CPC, para querendo,

responderem e acompanharem os termos da presente, sob pena de serem

considerados como verdadeiros os fatos nesta alegados;

d) Produção de provas por todos os meios em direito admitidos,

inclusive depoimento pessoal dos representantes legais dos demandados, de

prova pericial, documental, testemunhal e inspeção judicial no loteamento;

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e) O deferimento da inversão do ônus da prova com aplicação de

todas as consequências jurídicas derivadas, nos termos do artigo 21 da Lei nº

7.347/85 c/c artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/90;

f) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros

encargos, nos termos do art.18 da Lei 7.347/85;

g) Ao final, seja julgada procedente a presente Ação Civil Pública,

com a condenação dos requeridos MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR e

INVESTVILLE LOTEAMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, confirmando a

liminar concedida contra a 2ª requerida, e impondo-se: ao primeiro requerido -

a obrigação de fazer, consistente na execução de todas as obras de

infraestrutura previstas no Loteamento Vila Romana, dentro de prazo a ser

fixado por Vossa Excelência, sugerindo-se o prazo de 06 (seis) meses, com a

consequente adjudicação dos lotes caucionados para tal finalidade; e à

segunda requerida - a obrigação de não fazer consistente na cessação da

comercialização dos lotes do Loteamento “Vila Romana”, até que todas as obras

de infraestrutura do Loteamento estejam concluídas e o Município ressarcido

das despesas com a execução de tais obras mediante a transferência dos lotes

caucionados para a municipalidade.

h) A intimação pessoal do Ministério Público (6ª Promotoria) para

acompanhar todos os atos do processo.

i) A procedência da ação em todos os seus termos, condenando-se

os demandados ao pagamento das despesas processuais e verbas honorárias de

sucumbência, cujo recolhimento deste último deve ser feito ao Fundo Especial

do Ministério Público do Estado do Paraná, criado pela Lei Estadual n. 12.241,

de 28 de julho de 1998 (DOE n. 5302, de 29 de julho de 1.998), nos termos do

artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da Constituição do Estado do Paraná.

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Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por ser

inestimável o valor dos bens tutelados.

Nestes termos, pede deferimento.

Ponta Grossa, 15 de janeiro de 2014.

HONORINO TREMEA

Promotor de Justiça

Thais Sanson Sene

Assessor de Promotoria

Relação de Documentos Anexados digitalmente:

Doc. 01: Decreto Municipal nº 543/97, Decreto Municipal nº 79/98 e Alvará do

Loteamento nº 01/97;

Doc. 02: Ofício encaminhado pelo PROCON apontando irregularidades na

administração do Loteamento;

Doc. 03: Termos de declaração denunciando irregularidades no Loteamento

“Vila Romana”, principalmente quanto à infraestrutura;

Doc. 04: Matrícula do Imóvel onde se encontra o loteamento “Vila Romana” e

Contrato Social da empresa requerida Investville Loteamentos Imobiliários

Ltda. (subdividido em dez partes);

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Doc. 05: Informação da Câmara Municipal acerca da instalação da Comissão

Especial;

Doc. 06: Laudo da Vigilância Sanitária que prevê a necessidade de condições

mínimas para instalação do loteamento;

Doc. 07: Termo de Vistoria onde se constatou que não havia condições mínimas

para instalação do Loteamento;

Doc. 08: Decreto Municipal nº 133/98 e Escritura Pública de Instituição de

Caução sobre os lotes;

Doc. 09: Instituição da “CPI dos Loteamentos”;

Doc. 10: Termos referentes às vistorias realizadas pela própria Prefeitura

Municipal entre os anos de 2002 e 2006;

Doc. 11: Certidão da vistoria in loco realizada pela 6ª Promotoria de Justiça de

Ponta Grossa-PR;

Doc. 12: Decretos de renovação de prazo para realização das obras de

infraestrutura no Loteamento “Vila Romana”;

Doc. 13: Parte do Relatório Parcial da CPI – ref Loteamento Vila Romana

(subdividido em quatro partes).

Obs. os autos de Inquérito Civil Público (MPPR-0113.06.000018-0) e seus

anexos, que embasaram a instauração da presente ação civil pública, encontram-

se arquivados na Secretaria do Ministério Público para consulta e utilização no

decorrer do processo pelas partes e agentes do processo mediante simples

solicitação.