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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
EXCLUDENTE DA ILICITUDE: A TESE DE LEGÍTIMA DEFESA NO TRIBUNAL DO JÚRI
RODRIGO NICOLODI DUTRA
Biguaçu (SC), julho de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU
EXCLUDENTE DA ILICITUDE: A TESE DE LEGÍTIMA DEFESA NO TRIBUNAL DO JÚRI
RODRIGO NICOLODI DUTRA
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale de Itajaí – UNIVALI.
Orientador: Prof. MSc. Luiz César Silva Ferreira
Biguaçu (SC), julho de 2008.
AGRADECIMENTO
Primeiramente às pessoas da minha família:
Minha mãe Maria Cristina Nicolodi Dutra, meu
pai Valci Dutra e minha irmã Graziela, que
sempre me incentivaram e me deram todo apoio e
amor necessário nas horas em que precisei;
Minha tia Rosane e minha avó Zeni, principais
responsáveis pela minha formação intelectual,
sempre dedicadas e muito atenciosas;
Minha namorada Aline Corrêa da Costa, que a
cada dia amo mais, e que soube sempre entender
os momentos em que eu não podia encontrar-me
com ela, para poder dar atenção exclusiva a
monografia;
Em segundo, mas de maneira alguma menos
importantes, foram meus professores, os quais,
profissionais do mais alto gabarito; em especial na
pessoa do Dr. MSc Luiz César Silva Ferreira,
advogado militante a nível nacional, o qual
depositou grande confiança neste acadêmico;
A professora Helena Paschoal Pitsíca, pois quando
precisei dela, esteve sempre disposta a ajudar, com
seu jeito amigo e atencioso com que ela trata o
próximo
Por fim, aos meus colegas de turma, sem os quais
jamais estaria onde me encontro, fiéis e
merecedores do meu respeito, jamais deixarão a
minha memória; em especial nas pessoas do
Leonardo Zapelini, Genaro Belani e Itiberê
Cornelius Ewerling.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, maio de 2008.
Rodrigo Nicolodi Dutra
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí
– UNIVALI, elaborada pelo graduando Rodrigo Nicolodi Dutra, sob o título de Exclusão
da Ilicitude: Legítima Defesa, foi submetida em 17 de julho de 2008 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: Luiz César Silva Ferreira(Orientador e Presidente);
Marilene do Espírito Santo (Membro); Eunice Anisete de Souza Trajano (Membro), e
aprovada com a nota ____, __________________________.
Área de Concentração: Direito Público
Biguaçu/SC, 17 de julho de 2008
Luiz César Silva Ferreira Orientador e Presidente da Banca
Helena Nastassya Paschoal Pitsíca Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
SUMÁRIO
RESUMO
ASTRATTO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1
1 DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ........................................................... 2
1.1 HOMICÍDIO........................................................................................................ 2
1.1.2 INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO.......................... 14
1.1.3 INFANTICÍDIO ................................................................................................... 17
1.1.4 ABORTO............................................................................................................... 19
1.1.4.1 Auto-aborto e aborto consentido........................................................................ 20
1.1.4.2 Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante................. 21
1.1.4.3 Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante................. 22
1.1.4.4 Forma qualificada do crime de aborto............................................................... 23
1.1.4.5 Aborto legal; causas de exclusão da ilicitude..................................................... 25
1.2 HISTÓRICO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA......................... 27
1.2.1 HOMICÍDIO.......................................................................................................... 27
1.2.2 SUICÍDIO.............................................................................................................. 28
1.2.3 INFANTICÍDIO..................................................................................................... 29
1.2.4 ABORTO............................................................................................................... 30
2 DOS PROCEDIMENTOS RELATIVOS AOS CRIMES CONTRA A
VIDA.....................................................................................................................
32
2.1 PRIMEIRA FASE DO RITO DO JÚRI............................................................ 32
2.2 SEGUNDA FASE DO RITO DO JÚRI............................................................. 41
2.3 PLENÁRIO DO JÚRI......................................................................................... 43
2.4 QUESITOS........................................................................................................... 47
2.5 SENTENÇA.......................................................................................................... 50
2.6 RECURSOS CABÍVEIS NO TRIBUNAL DO JÚRI....................................... 52
2.6.1 RECURSO DE OFÍCIO......................................................................................... 52
2.6.2 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO................................................................... 53
2.6.3 RECURSO DE APELAÇÃO................................................................................. 55555555
2.6.4 PROTESTOPORNOVOJÚRI................................................................................ 56777756
3 DA LEGÍTIMA DEFESA................................................................................... 59
3.1 HISTÓRICO......................................................................................................... 59
3.2 EXCLUDENTES DE ANTIJURIDICIDADE................................................... 61
3.3 APLICAÇÃO NO DEBATE AO JÚRI.............................................................. 72
3.4 IN DUBIO PRO REO........................................................................................... 75
3.5 OFENDÍCULOS................................................................................................... 77 3.6 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL...................................................................... 79
CONCLUSÃO..................................................................................................................... 84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 86
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo analisar as mais variadas opiniões dos mais
renomados penalistas do direito, acerca da legítima defesa. Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele agressão injusta, atual ou
iminente, a direito seu ou de terceiro. Algumas teorias foram criadas para explicar os
fundamentos da legítima defesa. Como a teoria subjetiva, que considera a legítima defesa
como causa excludente da culpabilidade, se baseia na perturbação de ânimo do indivíduo
agredido ou nos motivos determinantes do agente, que torna lícito o ato de quem se defende
etc. Já a teoria objetiva, considera a legítima defesa como causa excludente da
antijuridicidade, se baseia na existência de um direito primitivo do ser humano de defender-
se, na retomada pelo homem da faculdade de defesa que cedeu ao estado, na delegação de
defesa pelo estado, na colisão de bens onde aquele que é mais valioso deve sobreviver, na
permissão para ressalvar o interesse do agredido, no respeito à ordem jurídica,
indispensável à convivência ou na falta da antijuridicidade da ação agressiva. São requisitos
para a existência da legítima defesa: a reação a uma agressão injusta, atual ou que está na
iminência de acontecer; a defesa de um direito próprio ou de terceiro; a moderação na
utilização dos meios necessários à repulsa; e o elemento subjetivo.
Palavras Chave: excludente da ilicitude, legítima defesa.
ASTRATTO
Questo lavoro ha come obiettivo le pìu variatte oppinione degli renomatti juridicci,
sulla leggitima difesa. Si può capire sulla leggitima difesa, la utilizzazzione dei miei
neccessari, per repelire l´agrecione injusta, atuale e iminente, a suoi diritto a anche a diritto
della terza persona. Possiamo trovare varie teorie aquali parlano sulla leggitima difesa. La
teorie subietiva, a quale ha considerato come la causa escludente dellla culpabilità, è
baseata nella necessidade causatte per la agressione, anche negli motivi determinante dello
agente, toranndo licito l´ato della persona che se difende etc. La teoria obietiva, che hanno
consideratto la leggitima difesa come cause escludente della antijuridicità, si é stata nella
essancia dello diritto primitivo dello uomini di defenderci, nel ritorno dello uomini della
faculta di difesa a qualle è cedido allo Stato, nella delegazzione di difesa dello Stato, nella
colizzione dei benni di quelle che è píu valioso dovrá sopravivere, nell resguardo dello
interesse della vitima, sulla ordine juridici, indispensábille allo convivio anche na
mancanzza della antijuridicità della azzione agresiva. Sonno necessarie per configurare alla
leggitima difesa: la reazzione di uma agrezzione injusta, atuale o na iminencia de
sucedercci, la difesa di uno diritto proprio ou diritto della terza persona; la moderazzione
nella utilizzazione dei miei necessarie alla difesa; anche allo elemento subietivo.
Parola-chiave: escludente della antijuridicità, leggitima difesa.
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objeto uma análise da legítima
defesa, fazendo uma síntese dos pontos que são mais relevantes e que também são os mais
discutidos pelos doutrinadores penalistas, sobre esta excludente da antijuridicidade.
Para tanto, no Capítulo 1, tratar-se-á dos crimes dolosos contra a vida.
Assim, inicialmente será abordado os conceitos e todos os aspectos mais relevantes que são
discutidos amplamente na doutrina e jurisprudência. Por fim, será feito um histórico bem
detalhado de todos os crimes dolosos contra a vida.
No Capítulo 2, trata-se do procedimento relativo aos crimes dolosos
contra a vida, inicialmente será explanado a primeira fase do rito do Tribunal do Júri. Em
seguida, busca-se explicar a segunda fase do rito do Tribunal Popular, apontar os assuntos
mais importantes destacados pelos doutrinadores. Outros itens a serem explicados neste
segundo capítulo da monografia, será o funcionamento do plenário do Júri, como é elaborado
os quesitos pelo magistrado que preside o Júri, o seu conceito e também sobre a sentença que
é prolatada nesta fase processual. E ainda, será tema de estudo do presente capítulo, os
recursos que poderão ser interpostos no Tribunal do Júri.
No Capítulo 3, trata-se da legítima defesa. Assim, inicialmente
realiza-se um breve histórico acerca desta causa de justificação, passando-se a explanar sobre
as excludentes de antijuridicidade. Em seguida, faz-se uma explicação de como se deve
utilizar esta excludente da ilicitude perante o Egrégio Tribunal do Júri e também sobre o
princípio do in dubio pro reo. Ainda realiza-se estudo acerca dos ofendículos , e como é
tratada esta matéria pelos estudiosos do direito penal, e por derradeiro, será realizada uma
análise jurisprudencial sobre a legítima defesa.
A presente monografia se encerra com a conclusão, onde serão
apresentados os pontos mais destacados e controvertidos desta excludente, e da sua
fundamental importância para a evolução do ordenamento jurídico e também para a
sociedade.
Quanto à metodologia empregada, registra-se que foi utilizado o
Método Dedutivo, partindo-se de argumentos gerais, buscando-se resultados particulares .
1 DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
Neste capítulo tratar-se-á dos crimes dolosos contra a vida que estão
descritos na parte especial do Código Penal brasileiro, conceituando estes crimes de forma
clara e objetiva. Será também tema de estudo deste capítulo, um breve relato histórico de
todos os crimes dolosos contra a vida.
1.1 HOMICÍDIO
O homicídio é um crime que se caracteriza pela morte de um ser
humano provocado por outro ser humano, é o fim da vida humana. Impallomeni dizia que,
“todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos
bens é o bem vida”.1
Este crime se consuma com a morte da vítima, sendo que deverá ser
constatada a morte cerebral, clínica e biológica, que serão comprovadas através do laudo de
exame de corpo de delito (laudo necroscópico).2
Neste norte, extrai-se da doutrina: “o homicídio consiste na destruição
da vida humana alheia por outrem. O bem jurídico tutelado é a vida humana independente. A
proteção de tão relevante bem jurídico é imperativo de ordem constitucional”. Trata-se de um
dos mais graves crimes que um ser humano pode cometer, como bem podemos vislumbrar
através da pena que o legislador impõe a pessoa que comete este delito, podendo variar de 6 a
30 anos de prisão.3
Guilherme de Souza Nucci classifica o crime de homicídio:
Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na morte da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (“matar” implica em ação) e, excepcionalmente,comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13,§ 2º, do Código Penal); instantâneo (cujo resultado “morte” se dáde maneira instantânea, não se prolongando no tempo); de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); progressivo (trata-se de um tipo penal que contém, implicitamente, outro, no caso a lesão corporal);
1 Impallomeni Apud CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v.2. p.3. 2 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.5.ed. São Paulo: Atlas S.A, 2005. p. 909. 3 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. SP: Revista dos Tribunais, 2000. v.2. p. 35.
plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta de matar); admite tentativa.4
Deve-se lembrar também que o crime de homicídio pode ser de ação
moral, ou seja, assustar alguém que sofre de problemas cardíacos ou está fragilizada física ou
mentalmente visando a mortes deste.5
Dando continuidade ao tema, importante conceituar o homicídio por
omissão, também denominado de omissivo comissivo. Ocorre quando uma pessoa que têm o
dever de impedir o resultado final, se omite, consumando assim o crime de homicídio por
omissão, que está previsto no art. 13, § 2º do Código penal. Assim a mãe que não amamenta o
seu filho visando a sua morte ou o salva-vidas que ao observar um afogamento, nada faz para
impedir,causando a morte da vítima,estão sujeitos as penas cominadas no Código Penal
brasileiro.6
Interessante trazer neste momento, o pensamento de Guilherme de
Souza Nucci:
Para caracterizar o momento da morte, a fim de se detectar a consumação do delito de homicídio, que é crime material, sempre se considerou, conforme lição de Almeida Júnior e Costa Júnior, a cessação das funções vitais do ser humano (coração, pulmão e cérebro), de modo que ele não possa mais sobreviver, por suas próprias energias, terminado os recursos médicos validados pela medicina contemporânea, experimentados por um tempo suficiente, o qual somente os médicos poderão estipular para cada caso isoladamente.7
No tocante a tentativa de homicídio, importante salientar que,
“iniciada a execução com o ataque ao bem jurídico vida humana, não se verifica a ocorrência
da morte, servindo o elemento subjetivo do crime para diferenciá-lo das lesões corporais
quando o evento não ocorre. Ocorre a chamada tentativa branca quando o agente dispara
contra a vítima, mas não a atinge”.8
É necessário no que tange a tentativa de homicídio que se conheça o
elemento subjetivo, para que se defina a conduta punível. Pois a vontade consciente do agente
pode não ser um resultado de dano, mas um resultado de perigo, assim sendo, em vez de o
crime ser de homicídio, este por sua vez assumirá outra conotação.9
4 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.537. 5 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.12. 6 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial. p.12. 7 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.538. 8 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.909. 9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 2. p. 50.
Como bem ensina Fernando Capez:
São circunstâncias externas e que auxiliam nesse esclarecimento a sede de lesão ou a violências dos golpes, o instrumento utilizado, pois quem, por exemplo, desfere inúmeras e violentas pauladas no crânio de um indivíduo, com certeza, não age com ânimo de lesioná-lo, mas de matá-lo. Como sustentava Hungria, “o fim do agente se traduz, de regra, no seu ato. O sentido da ação (ou omissão) é, na grande maioria dos casos, inequívoca. Quando o evento “morte” está em íntima conexão com os meios empregados, de modo que ao espírito do agente não podia deixar de apresentar-se como resultado necessário, ou ordinário, da ação criminosa, seria inútil”. Esta distinção é importante na medida em qua, firmada a culpa consciente, o agente responderá pela modalidade culposa em vez da dolosa do homicídio. Para isso faz-se necessário analisar os elementos e as circunstâncias do fato externo.10
No mesmo diapasão, segue jurisprudência abaixo:
Tentativa de homicídio e não crime impossível – TJSP: Crime impossível – Inocorrência – Homicídio – Agente que aciona várias vezes sua arma, invadindo a casa da vítima, apontando o revólver em direção a regiões nobres e vitais do corpo – Conduta que evidência o “animus necandi”, pois só não conseguiu seu intento em razão de a arma encontrar-se descarregada – Hipótese de Tentativa (...). O agente que aciona várias vezes sua arma, invade a casa onde a vítima se encontra, aponta o revólver em direção nobres e vitais do corpo e tenta dispará-lo por várias vezes, só não conseguindo por encontrar-se a arma descarregada, age com animus necandi, não havendo, por tais razões, falar em crime impossível, mas sim em tentativa de homicídio. (RT 780/594)11
As figuras típicas deste tipo penal, quanto a sua forma objetiva, podem
ser: simples, privilegiada e qualificada. A forma simples deste crime, é a que está prevista no
art. 121, caput, do Código Penal: “matar alguém”. Já a sua forma privilegiada encontra-se no
§ 1º, do art. 121 do mesmo diploma legal citado acima. E ainda temos o crime de homicídio
na sua forma qualificada, que estão descritas no § 2º do mesmo artigo ora citado, do Código
Penal.
Analisando este delito sob a forma subjetiva, o crime de homicídio
pode ser doloso ou culposo. Sendo que os tipos dolosos estão definidos no art. 121, caput, § 1º
e 2º do Código Penal. Enquanto que no tipo culposo, este tipo penal terá duas formas, são
elas: a forma simples, definida no § 3º, do art. 121 e a qualificada que está prevista no § 4º do
mesmo artigo, ambos do Código Penal.12
10 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.14. 11 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.907. 12 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.28ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v.2. p.65.
O crime de homicídio prevê ainda no § 5º, do art. 121, o perdão
judicial, que é quando, “o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as conseqüências da infração
atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.13
A forma privilegiada ou causas de diminuição de pena, ocorre quando
o agente pratica o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou ainda sob
o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, podendo o
magistrado diminuir a pena de um sexto a um terço. Quando o agente age impelido por
motivo de relevante valor social, segundo o ilustre doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, que
afirma que esta tipificação penal “tem motivação e interesse coletivos, ou seja, a motivação
fundamenta-se no interesse de todos os cidadãos de determinada coletividade; relevante é o
importante ou considerável valor social, isto é, do interesse de todos em geral, ao contrário do
valor moral, que, de regra, encerra interesse individual”.14
Ainda no pensamento do nobre doutrinador citado acima, “age
impelido por motivo de relevante valor social quem mata sob pressão de sentimentos nobres
segundo a concepção da moral social, como por exemplo, por amor à pátria, por amor paterno
ou filial etc”.15
Já no homicídio privilegiado por motivo de relevante valor moral, este
tem à sua motivação em um valor de características morais. Valores esses que são
particulares, individuais, do próprio agente praticador desta infração. Um exemplo disto é a
eutanásia, considerada por boa parte da doutrina como um homicídio privilegiado por motivo
de relevante valor moral. Nelson Hungria fala sobre o tema, “homicídio eutanásico é aquele
praticado para abreviar piedosamente o irremediável sofrimento da vítima, e a pedido ou com
o assentimento desta”.16
Oportuno citar neste momento, de um caso de eutanásia que ocorreu
na França, vejamos:
Uma menina de cinco anos, filha de um médico adoeceu gravemente. Atacada por difteria, doença muito grave na época do fato, onde os casos de mortalidade chegavam a 99%. O pai utilizou-se de todos os recursos cabíveis, porém nada pode fazer, vendo apoderar-se de sua filha os sintomas letais da grave moléstia. Não agüentando ver o sofrimento da filha, ele injeta uma dose forte de ópio que, em poucos segundos, produziu o seu efeito. Com o enterro já realizado, voltando do cemitério com profundo sentimento de dor e saudade, depara-se com um telegrama
13 JESUS, Damásio E. de. direito penal: parte especial.v.2. p.66. 14 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.56. 15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.56. 16 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.14.
dirigido a ele, cujo o texto dizia: “Roux acaba de descobrir o soro antidiftérico, aplicando-o com êxito. Aguarde remessa...”17
Por fim, é também privilegiado o crime de homicídio praticado sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Mirabete afirma
que o homicídio emocional exige, portanto: “a) existência de uma emoção absorvente; b) a
provocação injusta do ofendido; c) a reação imediata do agente”.18
Nesse norte, segue a jurisprudência:
Necessidade de emoção violenta e provocação injusta – TJSP: A emoção que autoriza a diminuição da pena do homicídio é unicamente a emoção violenta. Quem se perturba com a provocação sofrida e reage quase com frieza, sob o domínio do estado emotivo não provocado, não pode invocar a minoração especial da pena do art. 121, § 1º, do CP. Este só condescende com a emoção derivada de uma injustiça (RT 620/280). TJSP: A simples existência de emoção por parte do acusado igualmente não basta o seu reconhecimento, pois não se pode outorgar privilégios aos irascíveis ou as pessoas que facilmente se deixam dominar pela cólera. (RT 572/325)19
Interessante comentar que o agente que medita cuidadosamente a
prática de um crime, não poderá em hipótese alguma alegar que, estava violentamente
emocionado, pois a lei exige que o distúrbio emocional tenha sido instigado devido a uma
injusta e imediata provocação da vítima. Estamos portanto de uma situação incabível, até
porque o agente tem tempo suficiente para planejar o ataque.20
Há de se observar também que se o agente diante da provocação
injusta, tiver que se utilizar de meios legais para a sua defesa, ele pode até estar inserido em
uma hipótese de exclusão de ilicitude, não sendo assim culpado de crime algum. Não havendo
a provocação do ofendido, não há em que se falar deste privilégio que a lei garante. Como
bem leciona Fernando Capez, “o texto legal exige que o impulso emocional e o ato dele
resultante sigam-se imediatamente entre a provocação injusta e a conduta do sujeito.
Estabelecendo o que significa a expressão “logo em seguida”, prevista na lei, uma vez que a
experiência de grande lapso temporal entre a provocação e o crime poderá afastar a incidência
do privilégio”.21
17 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.543. 18 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.912. 19 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.913 20 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.546. 21 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.38.
Quanto ao homicídio qualificado que encontra-se previsto no art. 121,
§ 2º do Código Penal, trata-se obviamente de um causa especial de aumento de pena. Este tipo
penal admite várias hipóteses que podem tornar a infração com características de qualificada,
estão elas descritas nos incisos 1 a 5 do referido artigo.
Segundo Luiz Régis Prado, o homicídio qualificado é aquele que é
praticado com:
O recurso a determinados meios que denotem crueldade, insídia ou perigo comum ou de forma de dificultar ou tornar impossível a defesa da vítima; ou, por fim, se perpetrado com o escopo de atingir fins especialmente reprováveis (execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime). 22
Se este crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa,
ou por outro motivo torpe, trata-se de uma qualificadora subjetiva, pois diz respeito aos
motivos que levaram o agente à prática do ilícito. Motivo torpe é aquele que é reprovável,
desprezível, que demonstra a depravação espiritual do indivíduo e suscita a aversão ou
repugnância total.23
Para Ney Moura Teles são torpes, “todos os motivos que, à
semelhança do fim do lucro, ou da contratação de alguém para destruir uma vida humana,
impelirem o sujeito a matar alguém. São os motivos indignos, que contrastam com os valores
morais” 24 . Nos dizeres de Nelson Hungria a torpeza “revela um grau particular de
perversidade”. 25
Em casos de homicídio deste gênero, não é necessário que o agente
receba a recompensa para caracterizar a qualificadora do homicídio, bastando apenas que
tenha havido uma promessa. Responderá pelo crime aquele que realizou a conduta e também
aquele que pagou ou prometeu a recompensa.26
No delito de homicídio praticado por motivo fútil, que é aquele que é
cometido por motivo ínfimo, sem importância, insignificante, enfim, é o motivo banal, como
bem explica Mirabete, entende-se que “futilidade da motivação deva ser aferida de forma
objetiva e não de acordo com o ponto de vista do réu, mas é de se ponderar que, tratando-se de
22 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.v.2. p.44 23 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.44 24 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.23. 25 Nelson Hungria Apud TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial.p.23. 26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial.v.2. p.64.
elemento subjetivo, sob esse caráter é que deve ser analisado o motivo que levou o agente à
prática do ilícito”.27
Nesse contexto, mata-se alguém futilmente quando o motivo que leva
o agente à prática deste crime, é insignificante, sem qualquer apoio social ou moral, altamente
condenável.
Guilherme de Souza Nucci ensina que: “a reação humana, movida
pelo ciúme, forte emoção que por vezes verga o equilíbrio do agente, não é suficiente para
determinar a qualificadora do motivo fútil. Aliás, da mesma forma, agir por ciúme não serve
para isentar a responsabilidade (art. 28, I, Código Penal)”.28
Todavia, não se confunde o motivo fútil com o motivo injusto, que
embora aparentemente desprezível, inútil, pode ser satisfatório para a justificativa do ato
homicida.29
Quando o crime de homicídio for praticado mediante emprego de
veneno, fogo, explosivo, enfim, todos que estão inseridos no inciso III do art. 121, § 2º do
Código Penal, que também são circunstâncias agravantes previstas no art. 61, II, d do referido
diploma legal, estaremos tratando de uma qualificadora de natureza mista30.
Como caracteriza de forma brilhante doutrinador Luiz Régis Prado:
Esta influi diretamente na medida do injusto e da culpabilidade, já que é maior o desvalor da ação-pelo modo ou forma de sua realização e pela acentuada probabilidade de produção do resultado delitivo–e também maior gravidade da culpabilidade, pois implica a disposição de ânimo cruel ou insidioso.31
Destarte, Capez ensina que este tipo de qualificadora é objetiva, pois
fala a respeito dos meios de execução deste ilícito, a qual demonstram uma certa perversidade.
Assim teremos uma forma genérica (que seria ou outro meio insidioso ou cruel,...), logo
depois um casuísmo (emprego de veneno, fogo,...).Os modos que qualificam este crime,
devem possuir natureza idêntica do conteúdo presente na parte exemplificativa.32
27 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.920. 28NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.549. 29 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.9.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: DPJ editora, 2007. p. 362. 30 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.v.2. p.46. 31 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.v.2. p.46. 32 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.48.
Conceitua o Tribunal de Justiça gaúcho, que o meio cruel, “é aquele
que sujeita a vítima a graves e inúteis vexames ou sofrimentos físicos ou morais, que causa
padecimento mais grave do que o necessário para produzir a morte”(RJTTJERGS 192/137).33
Importante trazer à colação o ensinamento de Nucci:
A lei penal valeu-se, mais uma vez, da interpretação analógica. Forneceu exemplos – veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura – para depois generalizar dizendo “ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. Temos, então, três famílias: o meio insidioso (pérfido, enganoso, que constitui uma cilada para a vítima), o meio cruel (que exagera, propositadamente, o sofrimento impingido à vítima) e o meio que traz perigo comum (aquele que provoca dano à vítima, mas também faz outras pessoas correrem risco)”. 34
Vale salientar que a tortura, tanto pode constituir a qualificadora no
crime de homicídio, como também na ausência desse ilícito, pode caracterizar-se crime
autônomo (Lei nº 9455, de 7-4-1997).
De acordo com o ensinamento de Roberto Lyra, “o código exemplifica
o meio insidioso (veneno) o meio cruel (asfixia, tortura) e o meio extensivamente perigoso
(fogo,explosivo), mas qualquer outro meio insidioso, cruel ou extensivamente perigoso, isto é,
de que possa resultar perigo comum, encerra a circunstância”.35
Se diante de um caso concreto, ficar constatado o crime de perigo
comum, o agente irá responder por dois crimes em concurso formal: homicídio qualificado e
crime de perigo comum.36
A qualificadora prevista no inciso IV do art. 121, § 2º do Código
Penal, o legislador mais uma vez faz uma interpretação analógica da lei. Usando uma fórmula
casuística, e outra fórmula mais genérica. Na fórmula casuística estão à traição, emboscada e a
dissimulação. Enquanto que na genérica, o legislador faz menção a, emprego de outro recurso
que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.37
Ney Moura Teles descreve em sua obra que, as qualificadoras
previstas no inciso IV do art.121, § 2º do Código Penal, dizem respeito “às formas ou modo
de execução do homicídio, todas elas insidiosas, traiçoeiras, ardilosas, dissimuladas, nas quais
a vítima vê dificultada ou impossibilitada sua capacidade defensiva. Só por isso impõe-se a
reprimenda mais severa, por isso que há homicídio qualificado”.38
33 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. p.926. 34 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.549. 35Roberto Lyra Apud BITENCOURT, Cezar Roberto.Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.67. 36 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.67. 37 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.69. 38 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.31.
A jurisprudência caracteriza com clareza, o que é meio e modo
insidioso, vejamos:
Caracteriza meio insidioso, como qualificadora do homicídio, espancar-se pessoa indefesa com reiterados golpes de facão. Nos casos indicados no inciso IV do art. 121, § 2º do Código Penal, o que qualifica o homicídio não é o meio escolhido ou usado para a prática do crime, e, sim, o modo insidioso com que o agente o executa, empregando, para isso, recurso que dificulte ou torne impossível a defesa.39
Importante enfatizar que, será afastada a qualificadora sempre que o
agente não conseguir esconder o seu plano criminoso com sucesso, de modo que, não deixe a
vítima tomar conhecimento da sua pretensão pela morte desta.40
Para Nelson Hungria, que define o homicídio à traição como aquele
“cometido mediante ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima, descuidada ou confiante,
antes de perceber o gesto criminoso”.41
Nesse diapasão, E. Magalhães Noronha a traição “deve ser informada
antes pela quebra de fidelidade, ou confiança, depositada no sujeito ativo..., do que pelo
ataque brusco ou de inopino”.42 A traição é também uma ação inesperada, que está fora do
pensamento da vítima, sendo que esta não tinha nenhuma possibilidade de perceber ao ataque
homicida.43
Por exemplo, matar uma pessoa pelas costas, constitui traição, quando
obviamente, a vítima desatenta, não pode presumir o ataque fatal.
Na emboscada, “o agente espera a vítima descuidada, oculto, no local
por onde ela irá passar, para colhê-la de surpresa. É a tocaia de nosso caboclo, o guet-apens
dos franceses, o agguato dos italianos”. O agente espera a passagem ou chegada da vítima
desatenta, para iniciar o seu gesto homicida.44
Existe dissimulação quando o “criminoso age com falsas mostras de
amizade. A qualificadora pode ser material ou moral. Na material, o agente se disfarça para
matar a vítima; na moral, o agente dá mostras falsas de amizade para melhor executar o
fato”.45
Nessa esteira, Luiz Régis Prado aduz:
39 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. v.2. p.2.135 40 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.7º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. p. 55. 41 Nelson Hungria Apud CAPEZ, Fernando.Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.55. 42 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. parte especial. São Paulo: Saraiva, 1.995. v.2. p.24. 43 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.32. 44 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.363. 45 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.69.
A traição, a emboscada e a dissimulação são recursos que podem dificultar ou tornar impossível a defesa do ofendido, justificando a exasperação da pena por influírem diretamente na magnitude do injusto. O fundamento dessa qualificadora reside na idéia de garantir a execução do delito, afastando eventual defesa da vítima, o que demonstra maior gravidade do desvalor da ação.46
A qualificadora que encontra-se prevista no art. 121, § 2º, inciso V,
nos dizeres de Mirabete, “configurariam, em tese, homicídio qualificado por motivo torpe,
mas receberam atenção especial do legislador, como casos de conexão teleológica ou
conseqüencial”47. Ainda no pensamento do nobre doutrinador, “conexão teleológica é quando
o homicídio é meio para executar outro crime, finalidade última do agente, já a conexão
conseqüencial é quando praticado para ocultar prática de outro ilícito ou para assegurar a
impunidade ou vantagem do produto, preço ou proveito dele”48.
Interessante frisar que, para a configuração desta qualificadora se faz
necessário a prova da prática do crime e da sua autoria.
No mesmo norte, extrai-se da jurisprudência:
Configura-se a agravante do homicídio cometido para assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outros crimes, se o acusado, para forrar-se à confrontação com a autoridade pública a qual, pelos seu antecedentes criminais em investigação, sabia ser-lhe desvantajosa, resiste e atira mortalmente no policial que o detinha. Foi visando à impunidade de seus crimes que resistiu e atirou. A conexão conseqüencial, no plano psicológico do agente é perfeita. Ensina Aníbal Bruno (Direito Penal, IV/78) que “o que vale é a representação do fato na consciência do agente, como motivo determinante da sua vontade e da sua ação. Isso basta pra compor a maior reprovabilidade ético-social da conduta” (TJSP – Rec. – Rel. Acácio Rebouças – RT 446/387).49
Fernando Capez leciona com notada maestria acerca da matéria, no
que segue:
Em tese, essas qualificadoras deveriam ser enquadradas no inciso relativo ao motivo torpe, contudo o legislador preferiu enquadrá-las como conexão teleológica ou conseqüencial. Teleológica ocorre, quando o homicídio é cometido a fim de “assegurar a execução” de outro crime, por exemplo, matar o marido para estuprar a mulher. O que agrava a pena, na realidade, é o especial fim de assegurar a prática de outro crime. Desse modo, a desistência da prática do outro crime, no caso o estupro, não impede a qualificação do crime de homicídio. Se, contudo, por exemplo, o agente pratica o homicídio e o estupro, responderá por ambos os delitos em concurso material. Enquanto que conexão conseqüencial, dá-se quando o homicídio é praticado com a finalidade de: 1) assegurar a “ocultação do crime” – 2) assegurar “a impunidade” do crime – 3) assegurar “a vantagem” de outro crime.50
46 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.v.2. p.48. 47 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.936. 48 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.936. 49 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação jurisprudencial.v.2. p.2.137. 50 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.59.
Por fim, a conexão ocasional que não configura qualificadora de
homicídio, ocorre quando o ilícito é realizado por ocasião da prática de um outro ilícito. Por
exemplo, o agente está furtando e resolve cessar a vida da vítima por vingança. Diante disso, o
agente responderá pelo crime de furto em concurso material com o crime de homicídio
qualificado pela vingança. 51
Quando for culposo o homicídio, o julgador terá de fazer um trabalho
de adequação, em que deverá avaliar se, no caso concreto o agente não observou o dever
objetivo de cuidado que lhe cabia. Para a caracterização do homicídio culposo é
imprescindível verificar se a conduta do agente produziu alguma conseqüência. Contudo, se o
agente não tomou o devido cuidado que lhe era devido, e se desse descuido não acontecer
qualquer resultado lesivo, não há, portanto, a configuração do delito culposo.52
Outra característica fundamental do homicídio culposo, nos dizeres de
Rogério Greco, “é a aferição da previsibilidade do agente. Se o fato escapar totalmente à sua
previsibilidade, o resultado não lhe pode ser atribuído, mas sim ao caso fortuito ou à força
maior”.53
Nesse sentido, Nelson Hungria define que “existe previsibilidade
quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou, podia, segundo a experiência geral,
ter-se representado, como possíveis, as conseqüências do seu ato”.54
Guilherme de Souza Nucci define o homicídio culposo:
Trata-se da figura típica do caput (“matar alguém”), embora com outro elemento subjetivo: culpa. É um tipo aberto, que depende, pois, da interpretação do juiz para pode ser aplicado. A culpa, conforme o art. 18, II, do Código Penal, é constituída de “imprudência, negligência ou imperícia”. Portanto, matar alguém por imprudência, negligência ou imperícia concretiza o tipo penal incriminador do homicídio culposo.55
Ao lado da “culpa inconsciente”, que são a imprudência, negligência
ou imperícia, costuma-se falar em “culpa consciente ou com previsão”, na qual o agente prevê
o resultado mas acredita, sinceramente, que ele não ocorrerá. Importante salientar que a culpa
consciente se aproxima muito do dolo eventual, todavia, eles não se confundem, pois, na
culpa consciente mesmo prevendo o resultado, o agente acredita que ele não ocorrerá;
51 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.61. 52 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial.v 2. p.176. 53 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.177. 54 Nelson Hungria Apud GRECO, Rogério.Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.177. 55 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.554.
contudo, no dolo eventual o agente prevê o resultado, porém, não se importa se o resultado
venha ou não a ocorrer. 56
O homicídio culposo agravado ou qualificado, que está previsto no §
4º, do art. 121, do Código Penal, pode ser resultado da não observação de regra técnica da
profissão, ofício ou arte. Exemplo disto, o engenheiro que constrói uma casa, porém não
observa as regras de cálculo, que ele conhece. Assim como também, qualifica este delito
culposo, o agente que não prestar socorro a vítima de sua ação culposa, uma obrigação
prevista em lei.57
Pode o juiz aumentar a pena no homicídio culposo qualificado, se o
agente foge para não ser preso em flagrante pelo delito cometido. Entretanto, em alguns casos,
não se tem reconhecido a qualificadora se comprovadas séria ameaças de represálias por
terceiros ou se a vítima foi socorrida de imediato por outrem58.
Nesse contexto, traz-se a discussão interessantes decisões de vários
tribunais do nosso país, veja-se:
Não prevalece, se no local havia outras pessoas que socorreriam a vítima (TACrSP, Julgados 74/296, 71/313, 67/387; TAMG, RT 591/391). Só incide a qualificadora de omissão de socorro, quando o agente sabe que, pelas condições do local, a vítima poderá não ser acudida a tempo (TACrSP, Julgados 84/215). Contra: É irrelevante que terceiros tenham prestado à vítima os socorros negados pelo agente (TACrSP, Julgados 90/357; TAPR, JTAPR 2/278). Incide a qualificadora, se o agente fugiu sem saber se a vítima ia ou não ser socorrida (TACrSP, Julgados 66/301). Configura-se a qualificadora se o agente, mesmo sem correr risco pessoal, não prestou socorro imediato (TJAL, RT 707/328). É excluída a qualificadora se o agente corria risco concreto para prestar socorro (TACrSP, RT 584/378), ou se ficou ferido e foi buscar ajuda para si (TACrSP, RT 412/290). A qualificadora não se configura se a vítima morreu instantaneamente (TACrSP, Julgados 70/386). Se absolvido da imputação de homicídio culposo, o agente responde pela omissão de socorro (art. 135 do Código Penal), (TJSC, JC 68/411). Observação: deve haver acusação expressa na inicial.59
Por derradeiro, o crime de homicídio em seu § 5º admite o “perdão
judicial”, que “é o instituto pelo qual o juiz, não obstante a prática por um sujeito culpado, não
lhe aplica a pena, levando em consideração determinadas circunstâncias”60. Por exemplo, o
pai que atropela culposamente o seu filho, causando-lhe a morte. Impor-lhe uma pena
criminal, com certeza não seria reprovação maior do que a já sofrida com a perda do ente
querido.
56 CAMPOS, Pedro Franco de. Direito penal aplicado/ Pedro Franco de Campos e outros. São Paulo: Saraiva, 2008. p.11. 57 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.954. 58 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.954. 59 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.7.ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p.365. 60 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.85.
Diante disto, o Código Penal, em seu art.121, § 5º, faculta ao
magistrado, em hipóteses de homicídio culposo, não entrando nesta seara o homicídio
praticado dolosamente, deixar de aplicar a sanção penal cominada na legislação.
Em seguida, passa-se ao estudo do crime previsto no art. 122, do
Código Penal (induzimento, instigação ou auxílio a suicídio).
1.1.2 INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
Inicialmente, importante conceituar segundo Durkheim, que o suicídio
“resulta, direta ou indiretamente, de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria
vítima, a qual sabia dever produzir este resultado”.61
Guilherme de Souza Nucci afirma que, induzimento é quando o agente
“sugere ao suicida que dê fim à sua vida”. Seguindo no pensamento do ilustre doutrinador,
ocorre a instigação quando “o agente estimula a idéia suicida que alguém anda manifestando”.
Vale ressaltar que, instigar é estimular uma idéia já existente. O auxílio a suicídio trata-se,
segundo Nucci, “na forma mais concreta e ativa de agir, pois significa dar apoio material ao
ato suicida”. Exemplo: o agente entrega para o suicida, a arma que este irá utilizar para se
matar.62
Nos dizeres de Fernando Capez, “a participação em suicídio pode ser
moral, mediante induzimento ou instigação, ou material, que é realizada por meio de
auxílio”.63
Um tema muito controvertido na doutrina e jurisprudência, é o auxílio
por omissão, ocorre quando o agente tem o dever de impedir o resultado, porém a sua omissão
acaba dando causa para o resultado final do evento, a morte. Dessa forma, é possível o auxílio
a suicídio acontecer através de uma conduta omissiva. Segue o exemplo: diretor de uma
penitenciária, que intencionalmente não evita que o preso morra devido à greve de fome.64
Em contrapartida, vejamos a seguinte jurisprudência: “Crime
Comissivo: o crime do art. 122 do Código Penal, não pode ser omissivo, só comissivo (TJSP,
RT 491/285)”.65
61 Durkheim Apud NUCCI, Guilherme de Souza.Código penal comentado. p.561. 62 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.561. 63 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.88. 64 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.89. 65 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.370.
Na visão de Mirabete “é possível a prática do crime por omissão, que
ocorre quando a pessoa tem o dever jurídico de impedir o resultado (art. 12, § 2º, do Código
Penal)”.66
Entretanto, existem doutrinadores que discordam desse
posicionamento, como Damásio, que entende que não existe auxílio por omissão no crime do
art. 122 do Código Penal. O nobre doutrinador assevera que, “a expressão empregada pelo
Código Penal, prestar auxílio para o suicídio, é indicativa de conduta de franca atividade.
Assim, não cremos que possa existir participação em suicídio praticada por intermédio de
comportamento negativo”.67
Pode ser sujeito ativo deste tipo penal, qualquer pessoa (crime
comum) com capacidade de induzir, instigar ou auxiliar alguém, de maneira eficiente e
consciente, a se matar. Também poderão figurar como sujeito passivo deste delito, qualquer
pessoa, mas que possua capacidade de resistência e discernimento. Em casos onde a vítima é
louca, ou é criança, o agente será incurso no art. 121 do Código Penal, crime de homicídio,
pois a vítima, em virtude da ausência de capacidade penal, serviu como um instrumento para
que o agente obtivesse sucesso em seu plano criminoso, que era de eliminar a vida do
inimputável. Exemplo disto, é entregar uma arma a um louco e determinar que este atire
contra si próprio68.
Para que se concretize o crime previsto no art. 122 do Código Penal, é
necessário o resultado morte ou, no mínimo, lesão corporal de natureza grave. Não ocorrendo
nenhuma dessas duas hipóteses, não há que se falar do crime de induzimento, instigação ou
auxílio a suicídio.69
Na definição de Nelson Hungria, “embora o crime se apresente
consumado com o simples induzimento, instigação ou, prestação de auxílio, a punição está
condicionada à superveniente consumação do suicídio ou, no caso de mera tentativa, à
produção de lesão corporal de natureza grave na pessoa do frustrado desertor da vida”. 70
Interessante trazer à colação o ensinamento de Paulo José da Costa Jr.,
acerca do tema:
Resta saber se os eventos lesão grave ou morte configuram uma condição objetiva de punibilidade, ou se integram o tipo. Se tais condições são exteriores ao tipo, não necessitando ser abrangidas pelo dolo, a resposta será positiva. O resultado morte ou
66 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. p.961. 67 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.98. 68 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.90. 69 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.116. 70 Nelson Hungria Apud BITENCOURT, Cezar Roberto.Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.116.
lesão grave está contido no dolo do instigador, ainda que de forma eventual. Logo, tais eventos integram o tipo, não constituindo condições objetivas de punibilidade. Uma vez que dita condição subordina a incriminação à verificação do suicídio ou da lesão grave, impossível será a tentativa. Ou sobrevêm resultados e o crime se consuma, ou não sobrevêm, e a conduta não disporá de relevo penal.71
Este tipo penal só poderá ser punível, se o agente age com dolo, pois a
conduta que é praticada de forma culposa não está prevista em lei. No § único do art. 122 do
Código Penal, o legislador inseriu duas causas que poderão aumentar a sanção penal, são elas:
“1) se o crime é praticado por motivo egoístico; 2) contra vítima menor ou com capacidade de
resistência diminuída”. 72
Por motivo egoístico entende-se na concepção de Rogério Greco, tudo
aquilo que é “mesquinho, torpe, que cause uma certa repugnância, a exemplo da hipótese em
que o agente induz seu irmão a cometer o suicídio a fim de herdar, sozinho, o patrimônio
deixado pelos seus pais”.73
Quando o suicídio ocorre em vítima que possua menos de 14 anos, o
fato será considerado homicídio, devido a incapacidade de consentir da vítima. O menor à que
se refere a lei, é aquele entre 14 e 18 anos.74
No que diz respeito à participação de suicídio em vítima que tenha
diminuída sua capacidade de resistência, há que se notar, que a lei fala em diminuição da
capacidade de resistência e não em sua anulação. Portanto, se a vítima não houver qualquer
capacidade de resistência, o agente estará incurso no delito de homicídio, assim podemos
concluir que, só haverá participação em suicídio com pena duplicada, quando a vítima possuir
a sua capacidade de resistência diminuída, pois se nula for, não há que se cogitar em
suicídio.75
Por fim, Guilherme de Souza Nucci diz que:
A resistência diminuída configura-se por fases críticas de doenças graves (físicas ou mentais), abalos psicológicos, senilidade, infantilidade ou ainda pela ingestão de álcool ou substâncias de efeitos análogos. Tem essa pessoa menor condição de resistir à idéia do suicídio que lhe foi passada, diante de particular condição que experimente ou da situação que está vivenciando76.
71 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.372. 72 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.562. 73 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial.v.2.p.210. 74 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.120. 75 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.120. 76 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.562.
1.1.3 INFANTICÍDIO
Ocorre este ilícito penal quando a mãe em estado puerperal mata o
nascituro, durante ou logo após o parto. Se observarmos bem, pode-se dizer que o infanticídio
não deixa de ser uma espécie de homicídio doloso privilegiado. O privilégio – tratamento
penal moderado – decorre do estado puerperal da mulher.77
A vida humana, tanto do nascente (quem está nascendo) como do
neonato (recém-nascido), é o bem jurídico protegido neste tipo penal, que se encontra descrito
no art. 123 do Código Penal78. Trata-se de um crime próprio, o sujeito ativo deste crime é a
mãe, sendo sujeito passivo o ser humano nascente. Admite-se qualquer meio de execução
capaz de produzir a morte do nascituro. A morte poderá ocorrer através de uma conduta
comissiva (asfixia, estrangulamento, dentre outras) ou omissiva (falta de costura cirúrgica no
cordão umbilical, inanição, etc).79
Cezar Roberto Bitencourt leciona acerca da matéria:
O estado puerperal pode determinar, embora nem sempre determine, a alteração do psiquismo da mulher dita normal. Em outros termos, esse estado existe sempre, durante ou logo após o parto, mas nem sempre produz as perturbações emocionais que podem levar a mãe a matar o seu próprio filho. Nosso Código Penal, que adota o critério fisiológico, considera fundamental a perturbação psíquica que o estado puerperal pode provocar na parturiente. Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascituro, sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio. Enfim, é indispensável uma relação de causalidade entre o estado puerperal e a ação delituosa praticada.80
Nesse diapasão, Frederico Marques ensina: “durante ou depois do
parto, pouco importa, sempre é necessário que a morte resulte da influência do estado
puerperal”81. Convém ressaltar que a influência do estado puerperal, é elemento normativo do
tipo, devendo se unir, com outro elemento normativo, este de característica temporal, qual
seja, durante ou logo após o parto. Sendo insuficiente para a tipificação do delito de
infanticídio, se qualquer desses dois elementos normativos aparecerem de forma isolada.82
A lei exige que o delito de infanticídio seja cometido “durante o parto
ou logo após”, estando à mãe sob influência do estado puerperal. Para Fernando Capez, “a
77 CAMPOS, Pedro Franco de. Direito penal aplicado/ Pedro Franco de Campos e outros.p.16. 78 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.370. 79 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.v.2. p.77. 80 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.140. 81 Frederico Marques Apud BITENCOURT, Cezar Roberto.Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.141. 82 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.141.
melhor orientação é aquela que leva em consideração a duração do estado puerperal,
exigindo-se uma análise concreta de cada caso”.83
Assim o crime do art. 123 do Código Penal, deve ser praticado durante
o momento em que durar o estado puerperal, pouco importando avaliar o número de horas ou
dias após o nascimento, e, se aquele não mais subsistir, não se poderá pensar em infanticídio,
mas sim em crime de homicídio.84
Nesse norte, distingui-se o infanticídio do aborto, porque este só pode
ocorrer antes de ser iniciado o parto. Todavia, se a mãe estiver sob a influência do estado
puerperal ou não ocorrendo o fato logo após o nascimento, o crime que se configura é o de
homicídio. Consuma-se o delito do art. 123 do Código Penal com a morte da vítima, sendo
perfeitamente possível neste ilícito a hipótese de tentativa.85
O elemento subjetivo no infanticídio é o dolo, ou seja, a vontade de
causar a morte do filho nascente ou recém-nascido, ou ainda assumir o risco desse resultado,
não existindo no referido tipo penal a modalidade culposa. Entretanto, se houver culpa da
mãe, deverá ela responder por homicídio86. Para Capez, o infanticídio “pode ser praticado
pelo agente a título de dolo direto ou eventual”87.
Havendo concurso de pessoas, co-autores e partícipes respondem de
forma igualitária , assim, tanto a mãe que mate o filho sob a influência do estado puerperal,
quanto o partícipe que a ajuda. O mesmo se dá, se a mãe ajuda, nesse estado, um terceiro que
elimina a vida do seu filho, ou ainda, se os dois matam o nascituro.88
Esse tema é muito controvertido na doutrina, pois, questiona-se, co-
autor e partícipe responderão pelo crime de infanticídio ou homicídio? Uma vez que o delito
de infanticídio contém, como elemento subjetivo personalíssimo, a influência do estado
puerperal, que só pode afetar, obviamente, a mãe. Heleno Fragoso asseverava que:
Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria, fundada no direito suíço, segundo o qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio. 89
83 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.103. 84 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.103. 85 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.967. 86 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.967. 87 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.105. 88 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.566. 89 Heleno Fragoso Apud TELES, Ney Moura.Direito penal. parte especial.p.126.
Contudo, há que se ressaltar o caput do art. 29, do Código Penal, veja-
se: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. Este
tema é muito discutido na doutrina, vários doutrinadores renomados afirmam que o co-autor e
o partícipe deste ilícito, deveriam responder por homicídio, já outros, dizem que co-autores e
partícipes deveriam ser incursos no art. 123 do Código Penal.90
No prosseguimento deste trabalho acadêmico, iremos adentrar na
seara do crime de aborto, previsto no art. 124 do Código Penal brasileiro.
1.1.4 ABORTO
É a interrupção da gravidez, com a destruição do embrião em
formação. É a morte do ovo (até 3 semanas de gravidez), embrião (de 3 semanas a 3 meses de
gestação) ou feto (depois de 3 meses de gravidez), trata-se de crime material.91
Para configurar-se o crime de aborto, não há necessidade de:
O produto da concepção morto ser expelido das entranhas da mulher. Isso porque podem acontecer dois fenômenos: a) dissolução e reabsorção do ovo ou embrião pelo organismo feminino; b) mumificação do feto que permanece dentro do útero. A objetividade jurídica neste ilícito, é a vida humana em formação e a integridade física da gestante.92
O sujeito ativo deste tipo penal poderá ser, no crime de auto-aborto,
logicamente, haverá de ser a mãe (crime próprio). Nas outras modalidades, o sujeito agente
haverá de ser qualquer pessoa. Serão sujeito passivo do referido tipo, o produto da concepção,
como também poderá ser a gestante, quando for cometido o crime sem o seu consentimento.
Por fim, o Estado poderá figurar também no pólo passivo do crime de aborto.93
Neste delito, o agente age com dolo, ainda que eventual, inexiste o
crime de aborto na sua modalidade culposa. Contudo, o aborto qualificado que está inserido
no art. 127, caput, do Código Penal, é um crime preterdoloso, pois há dolo no antecedente
(aborto) e culpa no conseqüente (lesão grave ou morte).94
O momento em que se consuma o aborto é quando ocorre o resultado
morte do feto, em conseqüência da interrupção da gravidez. Porém, se o feto já se encontrava
morto quando da provocação, há crime impossível por absoluta inadequação do objeto, o
90 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.110. 91 CAMPOS, Pedro Franco de. Direito penal aplicado/ Pedro Franco de Campos e outros.p.18. 92 CAMPOS, Pedro Franco de. Direito penal aplicado/ Pedro Franco de Campos e outros.p.19. 93 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.380. 94 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.972.
mesmo ocorre quando não existe a gravidez. Pouco importa que a morte ocorra no ventre
materno ou após prematura expulsão provocada. Admite-se neste tipo penal a tentativa,
quando provocada a interrupção da gestação, o feto não morre devido a circunstâncias alheias
à vontade do agente.95
1.1.4.1 Auto-aborto e aborto consentido
A primeira parte do art. 124 do Código Penal, prevê o denominado
auto-aborto: “praticar aborto em si mesma”. Trata-se de crime próprio, isto é, o sujeito agente
é somente a mulher grávida. Enquanto que a segunda parte do citado dispositivo penal,
disciplina o aborto consentido, que acontecerá quando a gestante consentir que outra pessoa
provoque o aborto em si própria. Aliás, nesta última hipótese a gestante não pratica o aborto
em si mesma, mas consente que o agente o faça, este por sua vez, responderá pelo delito
inserido no art. 126 do Código Penal.96
Importante neste momento, a colação de Luiz Régis Prado, que
leciona acerca do tema:
É indispensável a validade do consentimento da mulher grávida para a configuração do crime de aborto consentido (art. 124, 2ª parte do Código Penal). A co-autoria não é, portanto, admissível no auto-aborto. O terceiro que realiza o aborto consentido pela gestante é autor do delito previsto no art. 126, do Código Penal. Não obstante, a participação é perfeitamente possível. Faz-se oportuno consignar a seguinte distinção: se o partícipe induz, instiga ou auxilia a própria gestante a realizar o aborto em si mesma ou a consentir que outrem o faça, responde pela participação no delito do art. 124 do Código Penal; porém, se concorre de qualquer modo para a provocação do aborto por terceira pessoa, responderá como partícipe do crime do art. 126 do Código Penal.97
Vejamos o que diz a respeito o nobre doutrinador Ney Moura Teles:
A gestante simplesmente concorda, anui, autoriza, presta seu consentimento para que outra pessoa realize, em si, algum método interruptivo da gravidez, com o fim da morte do ser humano em formação. Essa conduta não é puramente omissiva, porque nela a gestante contribui, colabora, facilita as práticas abortivas. Ela não é partícipe do crime do art. 126, que é o tipo que incide sobre o agente que realiza o procedimento típico de provocar o aborto. É autora do crime de consentir na realização do aborto em si mesma98.
95 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.123. 96 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.p.96. 97 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial.p.97. 98 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.134.
Desse modo, o terceiro que induz ou instiga a gestante a provocar o
auto-aborto ou se colabora de modo secundário sem interferir na execução do procedimento
típico, sem ter, poder de decisão, será partícipe desse ilícito penal. Contudo, se este contribuir
de forma material para a realização deste crime, praticando atos ou tendo poder de decidir na
consumação do fato, estará incurso como autor do crime previsto no art. 126 do Código
Penal.99
1.1.4.2 Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante
Trata-se da forma mais gravosa do crime de aborto, o agente pode ser
punido com pena de reclusão de 3 a 10 anos. Neste tipo penal não é preciso que haja uma
discordância expressa da gestante, basta que o terceiro se utilize de meios abortivos sem o
conhecimento da gestante; por exemplo: colocar doses de substância abortiva na refeição da
gestante.100
Guilherme de Souza Nucci fala acerca desta matéria, vejamos:
É um crime comum (que pode ser praticado por qualquer pessoa); instantâneo (cuja consumação não se prolonga no tempo); comissivo (provocar = ação) ou omissivo (quando houver o dever jurídico de impedir o resultado; Exemplo: o médico que, contratado para acompanhar uma gestação problemática, não o faz deliberadamente); material (exige resultado naturalístico para sua configuração); de dano (deve haver efetiva lesão ao bem jurídico protegido, no caso, a vida do feto ou embrião e a integridade física da mãe); unissubjetivo (admite a existência de um só agente); plurissubsistente (configura-se por vários atos), de forma livre (a lei não exige conduta específica para o cometimento do aborto), admite tentativa.101
A discordância pode ser real (violência ou grave ameaça e fraude) ou
presumida, quando a gestante for menor de quatorze anos de idade, alienada ou débil
mental.102
Por fim, Mirabete diferencia com clareza o crime do art. 125 do
Código Penal, dos delitos de homicídio e de lesão corporal, no que segue:
Distingue-se a provocação do aborto sem o consentimento da gestante do homicídio, que ocorre quando a conduta de matar do agente é posterior ao início do parto. Distingue-se do crime de lesões corporais seguida de aborto pelo elemento subjetivo: havendo dolo direto ou eventual quanto à interrupção da gravidez, há
99 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.133. 100 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.119. 101 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.568. 102 CAMPOS, Pedro Franco de. Direito penal aplicado/ Pedro Franco de Campos e outros.p.20.
aborto em concurso material com lesão corporal; havendo culpa, apenas o crime de lesão corporal.103
1.1.4.3 Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante
Como bem leciona Delmanto, “o caput do artigo 126 do Código Penal
pressupõe a capacidade da gestante em consentir (caso contrário, a figura é a do parágrafo
único). O erro quanto ao consentimento é erro de tipo (Código Penal, art. 20)”104. A pena para
o agente que pratica este crime é de reclusão, variando de 1 a 4 anos.
Poderá ser sujeito agente deste ilícito, qualquer pessoa, quanto ao
sujeito passivo, entende Rogério Greco que, somente o fruto da concepção (óvulo fecundado,
embrião ou feto) poderá figurar nesse pólo. Contudo, se a gestante permitir que sejam
praticadas manobras abortivas em si própria, e se porventura sofrer lesões de natureza grave
ou a morte, esta também figurará no pólo passivo da questão. Se a gestante sofresse lesões
leves, não poderia assumir o status de sujeito passivo, pois que, só se esta sofresse lesões de
natureza grave ou até mesmo a morte.105
Mirabete se posiciona de maneira diferente acerca deste tema, diz o
nobre doutrinador que, o sujeito ativo deste delito poderá ser qualquer pessoa. Porém, nada
obsta a co-autoria ou a participação de terceiros que atuarem em consonância com o agente. Já
a gestante, e os que lhe ajudaram a cometer a prática criminosa, responderão pelo crime do
art. 124 do Código Penal. No que tange ao sujeito passivo, afirma Mirabete que o Estado é
quem figurará neste pólo, e não o feto106.
Pois o Estado é o verdadeiro interessado no nascimento, e não o feto,
que não é titular de bens jurídicos, mesmo que a lei civil resguarde os direitos do nascituro
(art. 2º do Código Civil).107
Já para outros especialistas do Direito Penal, o sujeito passivo do
crime previsto no art. 126 do Código Penal, é o feto ou embrião. Secundariamente, é a
sociedade, que tem interesse em proteger a vida do ser em formação no útero materno.108
Guilherme de Souza Nucci faz uma análise do tipo:
103 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.976. 104 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.374. 105 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.244. 106 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.977. 107 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.977. 108 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.569.
Trata-se de uma exceção à teria monística (todos os co-autores e partícipes respondem pelo mesmo crime quando contribuírem para o mesmo resultado típico). Se existisse somente a figura do art. 124, o terceiro que colaborasse com a gestante para a prática do aborto incidiria naquele tipo penal. Entretanto, o legislador, para punir mais severamente o terceiro que provoca o aborto, criou o art. 126, aplicando a teoria dualista do concurso de pessoas.109
O aborto provocado com o consentimento da gestante, incide em duas
figuras típicas, uma para a consciente (Código Penal, art. 124, 2ª parte) e outra para o
provocador (Código Penal, art. 126). Ou seja, a gestante sempre será incursa no art. 124, do
Código Penal, 2ª parte, a não ser que seja inimputável. Enquanto que, o terceiro ou quem o
auxiliou neste delito, responderá pelo art. 126 do Código Penal.110
Por fim, para ser válido o consentimento da gestante, esta por sua vez,
terá que ter capacidade para consentir, não se tratando de capacidade civil. Nesta área, o
Direito Penal é menos formal e mais realístico, não se empregando as leis do Direito Privado.
Leva-se em conta a vontade real da gestante, desde que juridicamente relevante. Enquanto que
o aborto praticado contra mulher grávida que emitiu consentimento inválido caracteriza a
figura típica do art. 125 do Código Penal.111
Esse dito consentimento inválido acontece quando, a gestante não é
maior de 14 anos ou é alienada ou débil mental, ou ainda, quando o agente usa a violência,
ameaça a vítima ou mesmo por fraude, é natural supor que extraiu o consentimento da vítima
à força. Assim, nessas duas hipóteses o agente responderá pelo crime do art. 125 do Código
Penal.112
1.1.4.4 Forma qualificada do crime de aborto
As formas qualificadas deste delito são aplicáveis única e
exclusivamente aos delitos descritos nos arts. 125 e 126 do Código Penal, pois não se pune a
autolesão no direito brasileiro. É um crime qualificado pelo resultado, de característica
preterdolosa ou preterintencional. Assim, pune-se o primeiro delito a título de dolo (aborto); o
resultado qualificador, que poderá ser morte ou lesão corporal grave, a título de culpa (art. 19
do Código Penal).113
109 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.569. 110 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.120. 111 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.121. 112 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.121. 113 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.127.
Na concepção de Ney Moura Teles, “são todas modalidades de crimes
preterdolosos, nos quais o agente age com dolo de provocar o aborto, tão- somente o aborto,
mas, por negligência, imprudência ou imperícia, acaba produzindo resultado mais grave”114.
Há uma questão muito controvertida a respeito deste tema, pois, tem-
se entendido que, se não ocorrer a morte do nascituro, mas se a gestante vier a sofrer lesão
grave ou morrer, o agente responderá por tentativa de aborto qualificado. Contudo, existem
decisões dizendo que o agente deste delito poderá ser incurso nos crimes de homicídio
culposo ou lesão culposa em concurso formal com tentativa de aborto.115
Se a lesão corporal sofrida pela gestante for de natureza leve, não há a
configuração da qualificadora prevista no art. 127 do Código Penal, pois, é indispensável que
ocorra o resultado morte ou lesão grave, ao menos, por culpa.
Guilherme de Souza Nucci assevera que é possível ocorrer a tentativa
neste tipo penal, por exemplo: “o agente tenta praticar o aborto, não consegue, mas termina
causando à gestante lesões graves. É uma tentativa de aborto com lesões graves para a
mãe”116.
Interessante neste momento, a colação do ensinamento de Fernando
Capez, no que segue:
Morte da gestante e aborto tentado; trata-se de interessante hipótese de delito preterdoloso (aborto qualificado pela morte culposa da gestante), no qual morre acidentalmente a gestante, mas o feto sobrevive por circunstâncias alheias à vontade do aborteiro. Haveria tentativa de aborto qualificado? Em caso afirmativo, seria uma exceção à regra de que não cabe tentativa em crime preterdoloso. Entendemos que, nessa hipótese, deve o sujeito responder por aborto qualificado consumado, pouco importando que o abortamento não se tenha efetivado, aliá como acontece no latrocínio, o qual se reputa consumado com a morte da vítima, independentemente de o roubo consumar-se. Não cabe mesmo falar em tentativa de crime preterdoloso, pois neste o resultado agravador não é querido, sendo impossível ao agente tentar produzir algo que não quis: ou o crime é preterdoloso consumado ou não é preterdoloso.117
Por fim, existem ainda as causas de exclusão da ilicitude, ou seja, o
aborto legal, que encontra-se previsto no art. 128 do Código Penal, o qual será abordado no
item seguinte.
114 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.137. 115 CAMPOS, Pedro Franco de. Direito penal aplicado/ Pedro Franco de Campos e outros.p.21. 116 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.570. 117 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.123.
1.1.4.5 Aborto legal; causas de exclusão da ilicitude
O art. 128 do Código Penal determina que: “não se pune o aborto
cometido por médico: I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II- se a gravidez
resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de
seu representante legal”118.
Para Cezar Roberto Bitencourt, “é uma forma diferente e especial de o
legislador excluir a ilicitude de uma infração penal sem dizer que “não há crime”, como faz no
art. 23 do mesmo diploma legal”119. Em outras palavras, quando o Código Penal diz que “não
se pune o aborto”, está asseverando que o aborto é legal naquelas duas situações descritas no
dispositivo em exame.120
No primeiro caso, que é o aborto necessário (ou terapêutico) que,
segundo a doutrina, caracteriza-se como espécie do estado de necessidade, pois, busca-se dar
fim a vida fetal em benefício da vida da gestante. Havendo risco para a vida da gestante, o
aborto deverá ser autorizado, se por um acaso, o aborto for praticado por quem não é
habilitado legalmente, pode-se invocar o estado de necessidade (art. 24 do Código Penal).121
Nesse contexto, traz-se à discussão o pensamento de Rogério Greco,
veja-se:
Não há como deixar de lado o raciocínio relativo ao estado de necessidade no chamado aborto necessário. Isso porque, segundo se dessume da redação do inciso I do art. 128 do Código Penal, entre a vida da gestante e a vida do feto, a lei optou por aquela. No caso, ambos os bens (vida da gestante e a vida do feto) são juridicamentes protegidos. Um deve perecer para que o outro subsista. A lei penal, portanto, escolheu a vida da gestante ao invés da vida do feto. Quando estamos diante do confronto de bens protegidos pela lei penal, estamos também, como regra, diante da situação do estado de necessidade, desde que presente todos os seus requisitos, elencados no art. 24 do Código Penal.122
Contudo, se o médico provocou o aborto sem que estivesse presente o
pressuposto fático da causa de justificação, que é o perigo que representa a gravidez para a
gestante, ou, mesmo ainda se existindo o risco, não fosse inevitável sacrificar a vida do
118 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.302. 119 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.167. 120 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.167. 121 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.981. 122 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.252.
nascituro, não caberá a excludente de ilicitude. Assim, o fato torna-se ilegal quando inexistir o
risco ou não sendo o aborto o único modo para salvar a vida da gestante.123
O segundo caso previsto no Código Penal que trata sobre o aborto
legal, que é o denominado aborto sentimental ou humanitário, ocorre quando a gravidez é
resultante de estupro. Todavia, o aborto só é permitido em face de prévio consentimento da
gestante, sendo esta incapaz (menor, débil mental etc), deverá estar acompanhada de seu
representante legal, que é quem decidirá se o aborto deverá ou não ser realizado.124
O médico para obter a comprovação do estupro ou atentado violento
ao pudor, deverá ter meios à sua disposição (inquérito policial, processo criminal, peças de
informação etc). Se não houver esses meios à sua disposição, caberá ao médico certificar-se
da existência ou não do crime sexual. O consentimento da gestante ou de seu representante
legal só é exigido nos casos de aborto sentimental. Em se tratando de aborto necessário, é
perfeitamente dispensável.125
Não é necessário que exista um processo contra o agente do crime
sexual, muito menos, que haja sentença condenatória, até porque, com a morosidade do
judiciário, a criança já teria nascido. Dessa forma, é dever do médico certificar-se da
veracidade da alegação feita pela gestante ou seu representante legal. Para que se isente de
qualquer responsabilidade, o médico poderá sugerir que o consentimento da gestante ou de
seu representante legal, sejam feitos por escrito ou na presença de duas testemunhas
idôneas.126
Se não tiver ocorrido o delito de estupro, o médico não responde pelo
ilícito, em razão do erro sobre ilicitude do fato (art. 21, do Código Penal). Entretanto, a
gestante, responderá pelo crime previsto no art. 124, segunda parte do Código Penal. 127
Por derradeiro, interessante trazer á discussão o ensinamento de Paulo
José da Costa Jr.:
Se o processo criminal, relativo ao estupro, estiver em curso, é aconselhável ouvir o juiz e o promotor. Não pode o médico contentar-se com a mera alegação da gestante, de que foi estuprada. Seria leviano se procedesse ao aborto, com a mera alegação.128
123 TELES, Ney Moura. Direito penal. parte especial.p.141. 124 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.129. 125 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte especial.v.2. p.129. 126 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.375. 127 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.383. 128 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.383.
Apresentados os conceitos de todos os crimes dolosos contra a vida,
passa-se a discorrer no item seguinte, um breve relato histórico dos referidos crimes.
1.2 HISTÓRICO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
1.2.1 HOMICÍDIO
A incriminação do homicídio faz parte da história da humanidade. A
lei das XII Tábuas estabeleceu juízes especiais para os crimes de homicídio. No direito
romano, a lex cornelia de sicariis et veneficiis transmitiu poderes, para o conhecimento e a
punição dos crimes, às questiones, uma espécie de júri, comandado por magistrados.129
Na era dos tempos bíblicos, o delito de homicídio era punido com a
pena de morte. Já em Atenas, a punição não tinha o mesmo tratamento, era concedido ao
homicida o direito de exilar-se. Justiniano restabeleceu a aplicação da pena capital para todos
considerados homicidas, sem nenhuma distinção. O homicídio consumado tinha quase o
mesmo peso da tentativa.130
No direito germânico, à punição para o sujeito que praticasse o crime
de homicídio, era ser ele (agente) entregue à família da vítima, que poderia vingar-se ou
compor-se (compositio). Depois a composição se transformou em uma espécie de multa,
cabendo parte dela ao Estado, como “preço de paz”, e parte aos parentes da vítima. Os
italianos costumavam diferenciar o homicidium qualificatum ou deliberatum, que era punido
de maneira mais severa.131
O Código Penal brasileiro de 1.890 adotou a terminologia homicídio
para determinar o crime de matar alguém, não seguindo a orientação de outros códigos
estrangeiros. Nosso Código Penal de 1.940 adotou o mesmo exemplo do primeiro Código
Penal brasileiro, utilizando a expressão homicídio como nomen iuris do delito que elimina a
vida de outrem, independentemente das condições em que esse crime é cometido.
Diferenciando, no entanto, três modalidades: homicídio simples (art.121, caput), homicídio
privilegiado (art.121, § 1º) e homicídio qualificado (art.121, § 2º).132
129 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.354. 130 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.354. 131 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.354. 132 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.26.
O Código brasileiro atual não criou figuras especiais, tais como
parricído, matricídio ou fraticídio, rejeitando, enfim, a comprida catalogação que o Código
antigo prescrevia (art.294,§ 1º, do Código Penal de 1.890). As circunstâncias e as
características concretas é que deverão determinar a gravidade do fato e a sua correta
tipificação em uma das três modalidades de homicídio que regulariza o nosso diploma legal –
simples, privilegiado ou qualificado. 133
1.2.2 SUICÍDIO
No antigo império romano, punia-se o suicídio do soldado, pelo
prejuízo que causava a sua morte para o Estado, ou o suicídio do réu, para escapar da punição.
Ou ainda, o suicídio do escravo, pelo dano patrimonial causado ao senhor. A sanção se
consubstanciava na mutilação do morto.134
Em Atenas, pelo negativismo que invadia o espírito grego, o suicídio
não era punido, mas por vezes até aconselhado: “para o homem o melhor seria não ter jamais
nascido”.135
As legislações estrangeiras, na antiguidade, em sua maioria,
consideravam crime o suicídio. Na Inglaterra, cuja common law previa punição contra o
cadáver e seus parentes, tais como privação de honras fúnebres, exposição do morto
atravessado com um pau, era enterrado em rodovias públicas, os bens eram confiscados.136
O Direito Canônico igualou o homicídio ao suicídio a ponto de, sob as
Ordenações de São Luís, ser instaurado processo contra cadáver do suicida, sendo confiscados
os seus bens. Em alguma metrópoles, o morto, segundo os estatutos, devia ser suspenso pelos
pés e arrastado pelas vias públicas, com a face voltada para o chão.137
Raros os países que punem hoje em dia o delito de suicídio, como a
Bolívia, Inglaterra, alguns Estados norte americanos, como Nova Iorque por exemplo. A
sanção consiste na privação de sepultura, em bastonadas aplicadas ao cadáver, em penas
desonrosas aplicadas aos descendentes do suicida, no confisco de bens etc.138
133 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.26. 134 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.370. 135 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.370. 136 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.86. 137 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.86. 138 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.370.
Por fim, embora o nosso atual diploma legal não incrimine a ato de
destruir a própria vida, é considerado crime toda e qualquer conduta tendente a destruir a vida
alheia (instigar, auxiliar a prática suicida).139
1.2.3 INFANTICÍDIO
Na velha Roma, a morte do nascituro, praticada pela mãe, era igualada
ao parricídio. A mesma morte praticada pelo pai não constituía crime algum. A Lei da XII
Tábuas, bem como as leis da Idade Média, permitiam a morte do neonato disforme ou
monstruoso.140
Em razão dos motivos determinantes, o crime de infanticídio era
punido, nas legislações antigas, como homicídio privilegiado. O primeiro Código a adotar
essa orientação foi o austríaco, de 1.803. Este sistema ainda existe em diversas legislações
penais atuais, como a italiana, a argentina, a alemã, a espanhola etc. 141
Somente no século XVIII a pena do infanticídio passou a ser
abrandada sob o influxo das idéias dos filósofos adeptos do Direito Natural. No Brasil o
primeiro Código que passou a abrandar a pena de infanticídio, foi o Código Penal de 1.830.142
O Código Criminal brasileiro de 1.830 tipificava o delito de
infanticídio, nos seguintes termos: “Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar
sua desonra: pena – de prisão com trabalho por 1 a 3 anos” (art.198). No Código Penal de
1.890 o legislador, equivocadamente cominou para o infanticídio a mesma pena do crime de
homicídio. Nesse caso, se tornou injustificável a distinção dos dois tipos de crimes. Exceto
quando o delito fosse cometido pela gestante e por motivo de honra o diploma penal de 1.890
previa abrandamento da sanção ( 3 a 9 anos).143
Por último, o atual Código Penal de 1.940 consagrou a seguinte
previsão: “Matar, sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o
parto”, seguindo o modelo que estabelecia o Código suíço de 1.916.144
139 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.87. 140 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.374. 141 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.374. 142 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.100. 143 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.137. 144 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.138.
1.2.4 ABORTO
Na Grécia antiga, apesar do juramento de Hipócrates (“a nenhuma
mulher darei substância abortiva”), o uso do aborto se espalhava por todas as camadas da
sociedade. Em Roma, nem as Leis das XII Tábuas nem as da República cuidaram do aborto,
por que entendiam que o feto fazia parte do corpo da mãe, que dele podia dispor
livremente.145
Foi com o Cristianismo que o aborto passou a ser punido. Santo
Agostinho, baseado na doutrina aristotélica, considerava criminoso o aborto quando o feto
fosse dotado de alma, o que acontecia nos quarenta ou oitenta dias depois da concepção. Só a
partir daí é que o feto se denominava animado.146
Nas legislações atuais, há três tendências. Uma bastante restritiva,
com se faz notar no atual diploma penal brasileiro. Outra mais permissiva, que consente a
prática abortiva num maior número de casos (idade avançada da mulher, mulher não casada,
possível deformação do feto etc). Um terceiro grupo de leis, por sinal bastante liberais,
confiam a decisão à mulher e permitem que o médico decida quanto ao aborto. Esse critério é
adotado por países como o Japão, a Hungria, a Rússia, a Suécia, onde o índice de natalidade é
baixo e as taxas de abortos legais são enormes.147
A prática abortiva nem sempre foi objeto de incriminação, sendo
muito comum a sua realização entre os povos hebreus e gregos. No Brasil, o Código Criminal
de 1.830 não previa o crime de aborto cometido pela própria gestante, apenas criminalizava a
conduta de terceiro que realizava o aborto com ou sem o consentimento da gestante.148
O Código Penal de 1.890, diferenciava o delito de aborto caso
houvesse ou não a expulsão do feto, agravando-se se ocorresse a morte da gestante. Neste
Código já criminalizava o crime de aborto cometido pela gestante. Todavia, se o delito tivesse
a finalidade de ocultar desonra própria a sanção era atenuada.149
Finalmente, o Código Penal de 1.940 tipificou as figuras do aborto
provocado (art.124 do Código Penal – a gestante assume o risco pela prática abortiva), aborto
sofrido (art.125 do Código Penal – o aborto é praticado por terceiro sem o consentimento da
145 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.378. 146 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.378. 147 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.378. 148 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.110. 149 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. parte especial.v.2. p.156.
gestante) e aborto consentido (art.126 do Código Penal – o aborto é realizado também por
terceiro, porém, com o consentimento da gestante).150
Esgotados os principais temas atinentes aos crimes dolosos contra a
vida, partir-se-á, no segundo capítulo, para o estudo dos procedimentos relativos a estes
crimes.
150 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial.v.2. p.111.
2 DOS PROCEDIMENTOS RELATIVOS AOS CRIMES CONTRA A VIDA
No decorrer deste capítulo, será abordado o procedimento relativo ao
Tribunal do Júri, explicando desde a 1ª fase do rito do Júri até os recursos que são cabíveis
neste tipo de procedimento do processo penal brasileiro.
2.1 PRIMEIRA FASE DO RITO DO JÚRI
A primeira fase do rito do Tribunal Popular termina com a sentença de
pronúncia. Nesta primeira etapa, a acusação quer demonstrar que houve o delito doloso contra
a vida, tentado ou consumado, e que o réu foi o seu autor. Assim sendo, a sentença de
pronúncia, irá se limitar a julgar procedente o jus accusationis do Estado. A sentença de
pronúncia é uma espécie de “sinal verde” para a acusação continuar com os atos
persecutórios.151
O procedimento do Tribunal do Júri apresenta uma certa semelhança
com o procedimento comum, na fase de formação da culpa, que começa com o oferecimento
da denúncia, passa pelo seu recebimento e designação de data para que seja interrogado o réu,
apresentação da defesa prévia, audiência para ouvida das testemunhas de acusação e, por fim,
audiência para ouvir as testemunhas de defesa. A partir daí, não há mais nenhuma semelhança
com o procedimento comum.152
Em seguida, como bem afirma Guilherme de Souza Nucci, “o juiz fará
o julgamento da admissibilidade da acusação e o processo terá um rumo repleto de situações
específicas, o que lhe confere a nítida natureza de procedimento especial”153.
Realizada a instrução nos termos dos arts. 394 a 405 do Código de
Processo Penal, as partes devem oferecer as alegações no processo dos crimes de competência
do Tribunal do Júri, dentro do prazo de cinco dias, segundo ordem estabelecida no art. 406 do
Código de Processo Penal.
O prazo para oferecimento das alegações, com exceção do Ministério
Público, segundo a lei, corre em cartório, ou seja, independe de intimação das demais partes.
Todavia, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório obrigam à
intimação dos advogados das demais partes envolvidas no processo. Havendo vários
151 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.24.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.65. 152 NUCCI, Guilherme de Souza.Código de processo penal comentado.6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.681. 153 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p.681.
defensores o prazo de cinco dias é único, já que corre em cartório e não pode beneficiar um
acusado em detrimento de outro.154
Na existência de querelante, ou seja, quando a vítima ajuizar ação
penal subsidiária da pública (art. 29 do Código de Processo Penal), deve o querelante se
manifestar em primeiro lugar. Em seguida, o Ministério Público apresentará as suas alegações,
este por sua vez irá observar a evolução da instrução criminal, podendo voltar ao pólo ativo,
em caso de abandono do querelante.155
Nesta fase processual não será admitida a juntada de qualquer
documento. A proibição reside no interesse da celeridade processual. Também não se permite
nessa fase do procedimento do Júri, requerimento referente à produção de provas.156
Acerca deste tema, Heráclito Antônio Mossin assevera que:
Por expressa disposição legal, nenhum documento se juntará aos autos nesta fase do processo. Portanto, iniciada a contagem do prazo para essas alegações escritas, não há como juntar-se documento nos autos. A jurisprudência tem dado elastério aquele preceito, entendendo ser inadmissível a formulação de qualquer requerimento objetivando a produção de prova pericial ou testemunhal. Não existe a menor dúvida de que o legislador somente fez restrição à produção de prova documental. Se sua intenção fosse obstacular qualquer geração de prova, aquela norma processual penal seria expressa a respeito. Não foi feita a restrição uma vez que o art. 407 do CPP permite ao magistrado realizar diligências, inclusive para ouvir testemunhas. Diante disso, nada impede ao interessado que requeira a produção de prova oral ou pericial, ficando ao critério do magistrado determinar ou não sua efetivação.157
Seguindo no pensamento do ilustre doutrinador, “o juiz pode
determinar de ofício diligência de cunho probatório, nada impede que a parte faça
requerimento a respeito, mesmo entendendo-se que no fundo há somente mera sugestão”158.
Em se tratando de documento essencial para as partes, que possa
implicar diretamente no julgamento da admissibilidade da acusação, é evidente que a parte
possa apresentá-lo ao magistrado, mesmo que provoque um retardamento no rito processual.
Devendo sempre prevalecer o princípio da verdade real ou da ampla defesa.159
Esgotados os prazos para as alegações das partes, serão os autos
enviados, no prazo de 48 horas, ao magistrado competente. Com a chegada dos autos ao
154 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.11.ed. São Paulo: Atlas S.A, 2003. p. 1077. 155 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.683. 156 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1080. 157 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência. Barueri, SP: Manole, 2005. p.776. 158 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.776. 159 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.683.
Presidente do Tribunal do Júri, poderá este ordenar que se realizem as diligências que julgar
necessárias para melhor esclarecimento dos fatos, e em seguida proferirá a sentença. O
magistrado ao ter de sentenciar, poderá decretar as seguintes decisões: a) de pronúncia (art.
408); b) de impronúncia (art. 409); c) de desclassificação (art. 410); d) de absolvição sumária
(art. 411).160
Na sentença de pronúncia, o juiz julga somente a admissibilidade do
jus accusationis. É uma decisão de natureza processual, não há que falar-se em coisa julgada,
podendo o Tribunal Popular sentenciar contra aquilo que ficou ajustado na decisão de
pronúncia. Proferida a sentença de pronúncia e esgotados todos os caminhos de impugnação,
não poderá ela ser alterada, a menos que se verifique circunstância superveniente que altere a
classificação do crime.161
Importante destacar neste momento o ensinamento de E. Magalhães
Noronha:
Pronunciado o acusado, o juiz mencionará o dispositivo legal em que aquele se acha incurso, especificando as circunstâncias qualificadoras do delito. É indeclinável que a sentença de pronúncia o faça, pois elas mudam o dispositivo legal: pronunciar um réu no art. 121 não é a mesma coisa que fazê-lo no art. 121, § 2º, I, do Código Penal. Mesmo na dúvida sobre elas, deve a sentença acolhê-las para não retirar do júri a possibilidade de apreciá-las, já que se as omitir, é vedado ao libelo articulá-las.162
É vedado ao juiz, na sentença de pronúncia fazer qualquer
consideração sobre os elementos referentes à dosagem da pena (RT 516/358). Portanto, não
pode o magistrado reconhecer as causas de diminuição da pena, como a do privilégio do
homicídio (RT 516/391) ou a da semi-responsabilidade do parágrafo único do art. 26 do
Código Penal (STF, RTJ 101/1.288).163
Conforme ensina Mirabete, “como juízo de admissibilidade, não é
necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação.
Daí que não vige o princípio do in dúbio pro reo, mas se resolvem em favor da sociedade as
eventuais incertezas propiciadas pela prova (in dúbio pro societate)”164.
160 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.2.ed. Campinas, SP: Millennium, 2000.v.III.p.217. 161 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p.71. 162 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 23.ed. atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 1995. p.252. 163 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 22.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.338. 164 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1084.
Assim segue a jurisprudência: “Para a pronúncia não há necessidade,
absolutamente, nem de confissão, nem de testemunhas visuais do crime. Basta a prova de sua
materialidade e indícios suficientes de autoria” (TJSP-RT 549/317-8)165.
Em se tratando de casos de crimes conexos, se o magistrado
pronunciar o réu em relação ao crime doloso contra a vida, não poderá o juiz se manifestar
sobre a admissibilidade dos delitos conexos, preservando, portanto, a competência do
Tribunal do Júri para decidir a causa por inteiro.166
Pronunciado o réu, será este recolhido ao cárcere, ou recomendado na
prisão em que se encontrar, exceto se for primário e de bons antecedentes, situação em que
poderá continuar em liberdade. No atual sistema Penal brasileiro, não mais vigora o princípio
da prisão obrigatória por conseqüência da sentença de pronúncia, mas a revogação da prisão
preventiva não é direito subjetivo do réu (art. 408, § 2º).167
Uma vez efetivada a sentença de pronúncia, que é o juízo de
admissibilidade da acusação, eventual excesso de prazo que possa acontecer para que se
instaure o fim da instrução criminal, fica superado nesta fase processual do rito do júri. Como
bem menciona a Súmula 21 do STJ: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação de
constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”.168
Porém, hoje em dia vem prevalecendo o entendimento de que toda a
prisão cautelar, até aquela que advém da pronúncia, tem que respeitar o princípio da
razoabilidade. Conforme jurisprudência do STF:
Por entender ocorrente excesso de prazo no julgamento, a Turma deferiu hábeas corpus a pronunciado pela prática de homicídio duplamente qualificado. Considerou-se, não obstante a superveniente sentença de pronúncia, o fato de o acusado estar preso cautelarmente por mais de dois anos, aguardando, ainda, o julgamento de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público (HC 86.980-SP, 2ª T., relator: Eros Grau, 15.08.2006, Informativo 436).169
Por fim, interessante trazer à colação o ensinamento de Vicente Greco
Filho acerca da sentença de pronúncia:
A função do juiz togado na fase de pronúncia é a de evitar que alguém que não mereça ser condenado possa sê-lo em virtude do julgamento soberano, em decisão,
165 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1086. 166 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2.ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 467. 167 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.467. 168 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.692. 169 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.693.
quiçá, de vingança pessoal ou social. Ou seja, cabe ao juiz na fase de pronúncia excluir do julgamento popular aquele que não deva sofrer a repressão penal. Usando expressões populares, pode-se dizer que compete ao juiz evitar que um inocente seja jogado “às feras”, correndo o risco de ser condenado, ou que o júri pode fazer uma injustiça absolvendo, não podendo fazer uma injustiça ao condenar.170
No que tange a impronúncia, podemos compreender facilmente que
esta é o contrário da sentença de pronúncia, uma vez que tem ela fundamento na negatividade
do corpus delicti ou da prova de vestígios quanto ao autor do crime, circunstâncias subjetivas
e objetivas que não autorizam a admissibilidade da acusação perante o Tribunal Popular. Para
que ocorra a impronúncia, no que diz respeito à autoria do delito, essa negativa deve ser
incontestável.171
A impronúncia para José Frederico Marques, “consiste em verdadeira
absolutio ab instantia, e, por essa razão, não tranca definitivamente o processo no que tange
ao julgamento de meritis”172. Tendo em vista a regra do art. 409, § único, do Código de
Processo Penal, que diz: “Enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em qualquer tempo,
ser instaurado processo contra o réu, se houver novas provas”173.
Não cabe ao juiz togado, proferir sentença com relação aos crimes
conexos, no caso de impronúncia em relação ao crime de competência originária do júri,
deverá o magistrado remeter os autos ao juízo competente, exceto se for ele próprio,
providenciando-se como determina o art. 410, por analogia.174
No que diz respeito à reiteração da ação penal, Mirabete afirma que:
“não será possível, porém, nova ação penal quando o juiz, na sentença, reconhecer “estar
provada a inexistência do fato” (art. 386, I) ou “não constituir o fato infração penal” (art. 386,
III) pois, nessas situações, a decisão é, por substância, uma sentença absolutória”175.
Há que se ressaltar, que nesta fase processual podemos ter a decisão
de “despronúncia”, que ocorre quando da sentença do magistrado que, em recurso em sentido
estrito, se retrata, impronunciando o acusado, ou ainda, a sentença proferida pelo Tribunal ao
reformar a decisão anterior de pronúncia, transformando-a em impronúncia.176
170 FILHO, Vicente Greco. Tribunal do júri: estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira / coordenação Rogério Lauria Tucci. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.119. 171 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.795. 172 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.221. 173 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.221. 174 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1114. 175 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1115. 176 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.469.
Damásio E. de Jesus conceitua de maneira simplificada a decisão de
despronúncia, “é a impronúncia proferida pelo Tribunal”177.
Com relação à desclassificação, Guilherme de Souza Nucci assevera
que: “é a decisão interlocutória, modificadora da competência do juízo, não adentrando o
mérito, nem tampouco fazendo cessar o processo”178. O magistrado somente desclassificará o
delito penal, cuja denúncia, foi acolhida como crime doloso contra a vida, em caso de absoluta
certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles que estão descritos no art. 74, § 1º do
Código de Processo Penal.179
Seguindo no pensamento do nobre doutrinador, “outra solução não
pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a
competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida”180.
Se o magistrado percebendo que a infração penal não se trata de delito
da competência do Tribunal do Júri, não poderá ele julgar de imediato a infração, mesmo
tendo competência para julgar o delito, assim, caberá ao juiz proceder conforme o que dispõe
o art. 410 do Código de Processo Penal.181
Acerca da desclassificação e crime conexo, Fauzi Hassan Choukr
afirma que:
Na estrutura do Código de Processo Penal uma vez operada a desclassificação do crime doloso contra a vida afasta-se também a competência para o crime conexo, se houver. Por outro lado, deve-se reconhecer acertadamente que “o juiz competente para processar os crimes da competência do júri, na fase do judicio accusationis, não pode pronunciar o réu pelo crime doloso contra a vida e, no mesmo contexto processual, condená-lo ou absolvê-lo da imputação de crime que seria da competência do juiz singular, reunido, na mesma denúncia em virtude de conexão”. 182
Portanto, para que haja desclassificação, a prova contida nos autos tem
que ser plena e absoluta. Sendo o conjunto probatório constituído por provas no sentido de ser
a infração de competência do Tribunal do Júri e do juiz monocrático, deve o juiz pronunciar,
salvo, se for caso de absolvição sumária. Isso porque, na seara do processo penal, a dúvida
177 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado.p.341. 178 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.698. 179 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.698. 180 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.698. 181 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.470. 182 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 610.
milita sempre em favor do Tribunal Popular – in dúbio pro societate e jamais em favor do réu
– in dúbio pro reo. 183
Importante esclarecer que “transitada em julgado a sentença de
desclassificação, torna-se matéria preclusa a classificação original contida na denúncia ou
queixa. Não é mais restaurável aquela classificação”184.
Porém, conforme entendimento do STF, “se o juiz a quem é remetido
os autos discorda da desclassificação, suscitando o conflito de competência, julgado
procedente pelo Tribunal, restaura-se a classificação do crime de competência do Tribunal
Popular”. Tendo em vista que a decisão de pronúncia é mero juízo de admissibilidade e não
julgamento do mérito da ação.185
O magistrado poderá ainda, nesta fase processual do rito do Júri,
proferir sentença absolutória, de acordo com o art. 411 do Código de Processo Penal, caso
verificar que no ato realizado pelo acusado não estiver presente à culpabilidade, ou não foi
antijurídico. Deverá assim absolvê-lo sumariamente, desde que, no particular, as provas sejam
estremes de dúvidas.186
José Frederico Marques leciona:
Se, ao ter de proferir a sentença que encerra a fase de instrução preliminar, ou de formulação da culpa, entender o juiz que não há fato típico comprovado, ou corpus delicti, ele impronunciará o réu. Se suceder, porém, que, apesar de provado o fato típico, demonstrado também ficar que não há crime a punir por inexistência de antijuridicidade, então o direito de acusar será também inadmissível. E se o fato típico, embora ilícito, não for punível, por ocorrência de causa excludente de punibilidade (Código Penal, arts. 20, 22, 26 e 28, § 1º), convincentemente, clara e irretorquível, ainda aí o jus accusationis se apresenta como inadmissível.187
Ainda no pensamento do nobre doutrinador citado acima, “o
legislador, em se tratando de causa excludente da antijuridicidade, ou de causa excludente da
culpabilidade, não fala em impronúncia, e sim em absolvição sumária, segundo o que dispõe o
art. 411 do Código de Processo Penal”188.
Nessa esteira segue a jurisprudência:
183 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.799. 184 Hermínio Alberto Marques Porto Apud MIRABETE, Júlio Fabbrini.Código de processo penal interpretado. p.1120. 185 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1120. 186 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p.67. 187 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.225. 188 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.225.
Penal. Processual Penal. Homicídio. Ofendículo. Legítima defesa. Inexistência de prova plena. [...]. O Tribunal do Júri é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, só podendo ter o seu julgamento subtraído pelo juiz singular quando as dirimentes expressas no art. 411 do Código de Processo Penal restarem plenamente provadas.189
O juiz ao absolver sumariamente o acusado, deverá desde já recorrer
de ofício de sua decisão, como prevê o art. 411 caput do Código de Processo Penal. A
absolvição sumária é uma decisão de mérito, que verifica a prova e declara-se inocente o réu.
Desse modo, para que não haja ofensa ao princípio da soberania dos veredictos, esta somente
poderá ser proferida em caráter excepcional, quando a prova for nítida. Todavia, se houver
dúvida a respeito da causa excludente, deve o magistrado pronunciar o acusado.190
Importante ressaltar que absolvido sumariamente o réu, não pode o
magistrado se manifestar acerca dos crimes conexos, cabendo ao magistrado apenas enviar o
processo ao juiz competente para julgá-los.191
Damásio E. de Jesus explana o art. 412 do Código de Processo Penal,
veja-se:
Em alguns Estados, cabe a uma vara o processamento do feito até a sentença de pronúncia. Após, os autos são remetidos ao Presidente do Tribunal do Júri para a continuação da ação penal. Quando a pronúncia cabe ao próprio Presidente do Tribunal do Júri, a ele competirá dar continuidade ao processo. Como dizia Adriano Marrey, “nas comarcas do interior, com mais de uma vara de competência comum e cumulativa, os processos por crimes da competência do Júri são distribuídos,indistintamente, entre elas, passando, depois da pronúncia, para aquela que tenha o anexo do serviço do Júri”... “Só após a pronúncia é que a competência dos crimes contra a vida se desloca nas comarcas com mais de uma vara, para a que tenha os serviços anexos do Tribunal do Júri”.192
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci aduz:
Há comarcas que não possuem vara privativa do Júri, razão pela qual todos os magistrados podem conduzir a primeira fase do procedimento, ou seja, o juízo de formação da culpa (judicium accusationis). Após a pronúncia, no entanto, encaminham os autos ao juiz presidente do Tribunal do Júri, normalmente considerado um anexo de uma das varas da comarca. Quando, no entanto, o Estado cria vara exclusiva do Júri, como há na Capital do Estado de São Paulo, nenhum juiz de vara criminal comum preside a instrução inicial de procedimentos dos crimes dolosos contra a vida.193
189 VILAS BOAS, Alberto. Código de processo penal anotado e interpretado. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 361. 190 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.647. 191 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.648. 192 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado.p.344. 193 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.703.
Caso o réu não seja encontrado para ser intimado pessoalmente da
sentença de pronúncia (art. 414 do Código de Processo Penal), o processo ficará estacionado
até que se realize essa intimação, até porque, os atos posteriores só poderão ser efetivados
depois que se analisar a preclusão. Se a decisão de pronúncia ainda comporta recurso, não há
nenhuma possibilidade de se dar prosseguimento ao feito.194
Embora da pronúncia parcial, “caiba recurso em sentido estrito da
acusação, ficará ele sobrestado enquanto o réu não for intimado da decisão. Não se podendo
dar prosseguimento ao feito, ocorre o que se denomina crise de instância”195.
Contudo, o recurso deve ser interposto dentro do prazo estabelecido na
lei, embora predomine o entendimento de que o prazo para sua interposição fica suspenso.
Existindo co-réus, e sendo o delito afiançável ou não, somente com relação ao que foi
intimado se dará andamento ao processo.196
Acerca da intimação da sentença de pronúncia, nos casos de crime
inafiançável (art. 414 do Código de Processo Penal), Nucci assevera:
Exige a ampla defesa que, além do réu, intimado pessoalmente, seja ainda intimado da decisão de pronúncia o seu defensor. Se for constituído, admite-se a intimação pela imprensa. Caso seja dativo ou defensor público, pessoalmente. Note-se, ainda, que o réu revel não será intimado pessoalmente, mas, em compensação, o juiz decretará a prisão, tendo em vista que o processo não prossegue enquanto não for localizado.197
Nesse sentido, segue a Súmula 31 do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais: “Se o réu não é encontrado para intimação pessoal da sentença de pronúncia ou para
recebimento da cópia do libelo, cabível sua prisão preventiva como único meio para assegurar
o julgamento e a aplicação da lei penal”198.
Em se tratando de crime afiançável (arts. 122, 123, 124 e 126 do
Código Penal), “o rigorismo daquele ato de comunicação é mais ameno, conforme pode ser
verificado dos incisos I ao VI, do art. 415 do Código de Processo Penal”199. Porém em
qualquer que seja a circunstância, deverá sempre ser intimado o advogado de defesa do
acusado, para que possa ser a sua ampla defesa exercida com pleno vigor.200
194 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1128. 195 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1128. 196 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1128. 197 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.705. 198 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.705. 199 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.812. 200 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.813.
Percebe-se, que as situações processuais estabelecidas nos incisos I a
VI do art. 415 do Código de Processo Penal, são bastante nítidas e não tem havido com
relação a eles problemas de interpretação, quer em nível doutrinário, quer jurisprudencial.
Contudo, a única exigência, tanto da jurisprudência, quanto da doutrina, é que, toda vez que a
decisão provocar sucumbência ao acusado, também deve ser intimado o seu defensor, em
consideração ao que está previsto na Constituição Federal de 1.988, que é o direito a ampla
defesa e ao contraditório.201
Isso é plenamente justificável, uma vez que, se, por um lado, o
acusado tem interesse na conservação de sua liberdade física, por outro lado, cabe ao seu
defensor analisar tecnicamente a decisão e quantificar a necessidade de instigação do duplo
grau de jurisdição, o que, em derradeira análise, concorre para o amparo do ius libertatis
daquele que sofreu o impacto do gravame.202
Nos termos do art. 416 do Código de Processo Penal, transitada em
julgado a decisão de pronúncia, o escrivão instantaneamente dará vista dos autos ao parquet,
que dentro do prazo de cinco dias, deverá apresentar o libelo acusatório. Acontecendo a
denominada preclusão pro judicato, e não existindo recurso cabível ao caso ou terminadas
todas as vias de impugnação, o representante do Ministério Público será solicitado a
apresentar o libelo. Assim, temos o começo da segunda fase do Tribunal do Júri, que é voltado
para o julgamento da lide.203
Em seguida serão abordados os aspectos mais relevantes acerca da
segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri.
2.2 SEGUNDA FASE DO RITO DO JÚRI
O libelo é a peça processual que dá início ao judicium causae, assim
como a denúncia ou queixa no judicium accusationis. Caso o magistrado, na sentença de
pronúncia, declarar com firmeza que o Estado terá que exercer o jus accusationis, o libelo
torna-se peça fundamental e não poderá divergir da decisão de pronúncia.204
Para Fernando da Costa Tourinho Filho: “Se é na pronúncia que se
classifica o crime com todas as suas circunstâncias qualificadoras, não pode o libelo, sob pena
201 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.813. 202 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.813. 203 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.472. 204 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p.74.
de nulidade, afastar-se daquela, a não ser na especificação de circunstâncias que sirvam,
apenas, para dosar a pena”205.
O libelo crime-acusatório, “é justamente a peça formal da acusação,
que visa a exposição do fato criminoso, agora filtrado pela pronúncia, ao Tribunal Popular,
constituindo a pretensão punitiva do Estado e pretendendo um julgamento de mérito”206.
Nesse norte, Guilherme de Souza Nucci ensina:
Existente o libelo em nosso ordenamento jurídico torna-se indispensável especifique ele exatamente qual deve ser a acusação a ser sustentada em plenário, evitando-se colher a defesa de surpresa. Na eventualidade de ser a peça eliminada, torna-se indispensável que a pronúncia seja o mais específica possível nesse sentido, sob pena de se violar o princípio constitucional da plenitude de defesa.207
Estando o libelo crime-acusatório em ordem, o magistrado o receberá;
não estando este de acordo com as ordens legais inerentes a ele, caberá, portanto, ao juiz
devolver o libelo ao Ministério Público para que apresente outro, no prazo de 48 horas.208
Oportuno destacar o ensinamento de José Frederico Marques sobre a
matéria em estudo:
Recebido que seja o libelo, o escrivão, dentro de três dias, entregará ao réu, mediante recibo de seu punho ou de alguém a seu rogo, a respectiva cópia, com o rol de testemunhas, notificado o defensor para que, no prazo de cinco dias, ofereça a contrariedade (art. 421). E o art. 422 acrescenta: “Se, ao ser recebido o libelo, não houver advogado constituído nos autos para a defesa, o juiz dará defensor ao réu, que poderá em qualquer tempo constituir advogado para substituir o defensor dativo”. Quando o réu tiver defensor e estiver afiançado, preceitua o art. 421 que dê a cópia do libelo ao defensor, “exigindo recibo, que se juntará nos autos”. 209
O defensor do réu poderá apresentar a contrariedade do libelo crime-
acusatório dentro de um prazo de cinco dias, contados a partir de sua notificação, porém, a sua
falta não provoca nulidade no processo, por ser mera opção da defesa, que, por vezes, não terá
interesse algum em adiantar a sua estratégia de defesa.210
Importante ressaltar que, apenas não haverá nulidade no processo, se o
defensor tiver recebido a intimação com a correspondente concessão do prazo para
205 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p.74. 206 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.707. 207 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.708. 208 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado.p.352. 209 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.237. 210 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1142.
manifestar-se acerca do libelo,caso contrário, a falta de intimação ao defensor para
oferecimento da contrariedade do libelo, acarreta nulidade no processo. 211
Poderá ocorrer ainda nesta fase processual o desaforamento, que é
quando ocorre o deslocamento da competência, previsto somente nos processos do Júri.
Havendo o desaforamento, o réu será subordinado a julgamento em outra comarca daquela
que foi imposta pela regra da competência territorial.212
Assim poderá ocorrer o desaforamento nas situações de: interesse da
ordem pública; se houver dúvida a respeito da imparcialidade do Júri; se houver dúvida sobre
a segurança do acusado; ou se o julgamento não se proceder no prazo de um ano, contado do
recebimento do libelo crime-acusatório, sendo que, o réu ou a defesa, não tenham concorrido
para esse atraso no processo. 213
Vale destacar neste momento, o entendimento da Súmula 712 do STF,
que diz que “é nula a decisão que determina o desaforamento de processo de competência do
Júri sem audiência da defesa”214.
A norma legal não prevê efeito suspensivo para o pedido de
desaforamento. Tourinho Filho entende que, não deverá ocorrer o julgamento enquanto não
for julgado o pedido de desaforamento.215
Por fim, com a apresentação da contrariedade do libelo crime-
acusatório, fica concluída a fase postulatória do judicium causae. Os autos vão conclusos ao
magistrado presidente do Júri, para que este envie o processo devidamente preparado para a
apresentação no plenário do Tribunal do Júri. 216
2.3 PLENÁRIO DO JÚRI
O magistrado ao ingressar no plenário juntamente com o representante
do Ministério Público, onde já se encontram o acusado e seu defensor, deve, como primeira
medida a ser realizada, recolher de dentro da urna as cédulas, contendo os nomes dos jurados
presentes no dia. Devem ser recolhidas vinte e uma cédulas, contudo, o número mínimo para
211 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1142. 212 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.475. 213 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.475. 214 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.476. 215 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p.77. 216 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.238.
o começo dos trabalhos, seja quinze. Caso não preenchido o número mínimo de jurados, o
juiz-presidente do Júri convocará nova sessão para o dia útil imediato.217
Destaca-se que o importante, é que, dentre os jurados titulares e
suplentes,haja o número mínimo de quinze. Se tiverem comparecido pelo menos quinze
jurados, o magistrado decretará aberta a sessão, anunciando o processo que será submetido a
julgamento, e ordenará ao oficial de justiça ou ao porteiro que anuncie as partes e as
testemunhas.218
Fernando Capez assevera que, “após o anúncio do julgamento e do
pregão é que devem ser alegadas as nulidades relativas posteriores à pronúncia, sob pena de se
considerarem sanadas”219.
Em caso de não comparecimento no plenário por parte do Ministério
Público, por motivo de força maior, o juiz-presidente do Tribunal do Júri adiará o julgamento
para o primeiro dia desimpedido da mesma sessão periódica. É o que está normatizado no
regramento legal esquadrinhado.220
Ensina Antonio Luis da Camara Leal, que:
O promotor público tem o dever de estar presente aos atos em que deve intervir no exercício de suas funções. Por isso, somente em virtude de força maior, se admite o seu não comparecimento à sessão do júri, na qual, além da fiscalização geral que lhe compete, tem que promover os atos de acusação, tomando parte na forma do conselho de sentença. O seu não comparecimento, sem qualquer justificativa, constitui, portanto, transgressão de dever profissional.221
Ocorrendo faltas justificadas do representante do Ministério Público, o
juiz presidente do Júri adiará o julgamento para a próxima sessão; ocorrendo com o assistente
do Ministério Público o julgamento será realizado; faltas justificadas do defensor, o júri será
adiado; enquanto, que das testemunhas só será adiado o julgamento se foram arroladas em
caráter de imprescindibilidade.222
Se houver faltas injustificadas do representante do parquet, ocorrerá
adiamento do julgamento para a próxima sessão e ofício ao procurador-geral, para que
designe outro promotor de justiça; faltas injustificadas do assistente do Ministério Público,
não ocorrerá adiamento do Júri; do defensor, haverá adiamento do julgamento, e será 217 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.735. 218 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.653. 219 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.653. 220 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.862. 221 Antônio Luis da Camara Leal Apud MOSSIN, Heráclito Antônio.Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.862. 222 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.653.
nomeado um defensor dativo, ressalvado logicamente, o direito do acusado de comparecer
com defensor constituído; em caso de faltas injustificadas do réu, se o crime for afiançável,
não se adia o julgamento, se inafiançável não poderá ser realizado, sendo adequado à
decretação da prisão preventiva do réu; enquanto, que as testemunhas só será adiado o
julgamento se, foram arroladas em caráter de imprescindibilidade.223
Presentes o réu, seu defensor, o membro do Ministério Público, os
jurados no mínimo legal, e as testemunhas, o magistrado presidente do Júri advertirá os
jurados dos impedimentos ou incompatibilidades, descritos no art. 462 do Código de Processo
Penal. Aplicam-se, também, os impedimentos em casos de suspeição dos juízes (art. 252 e
254), não sendo permitido,também, atuar jurado que participou diretamente do conselho de
sentença em julgamento anterior no mesmo processo. 224
É função também do juiz, advertir os jurados no sentido de que, uma
vez sorteados, não será permitido a eles se comunicarem, nem tampouco, manifestar sua
opinião sobre o processo, sob pena de serem excluídos do conselho e multa.225
Verificado que a urna possui todas as cédulas pertinentes aos jurados
que compareceram, e depois de serem realizadas todas as advertências aos jurados, o juiz
presidente do Júri passará a proceder ao sorteio dos sete jurados que formarão o conselho de
sentença. 226
Entretanto, a medida em que os nomes dos jurados forem sendo
sorteados e lidos em voz alta, a defesa e, após dela, a acusação, poderão recusar três jurados
(três cada um), sem dar a motivação da recusa. São as denominadas recusas peremptórias.
Nada proíbe que, além dessas recusas imotivadas, as partes, qualquer que seja, suscite a
exceção de suspeição ou impedimento de qualquer jurado. Podendo até, se for o caso, suscitar
a exceção de suspeição ou impedimento de todos os jurados.227
Sorteados os sete jurados e composto o conselho de sentença, o
magistrado presidente do Tribunal do Júri, de pé, aliás, todos devem ficar de pé, diante da
seguinte exortação do juiz presidente do Júri, veja-se: “Em nome da lei concito-vos a
examinar com imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa
223 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.653. 224 FILHO, Vicente Greco. Manual de processo penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.425. 225 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.694. 226 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal.p.695. 227 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal.p.695.
consciência e os ditames da Justiça”. Em seguida, chamados um a um, pelo nome, os jurados
deverão responder: “Assim o prometo”.228
Realizado o juramento solene nos termos do art. 464 do Código de
Processo Penal, o juiz presidente interrogará o réu. Poderão os jurados também, ter a
oportunidade de fazer perguntas ao réu. Feito isto, o magistrado que preside o Júri fará o
relatório do processo e exporá os fatos, as provas e as conclusões das partes.229
Após este relatório elaborado pelo juiz acerca do processo, este lerá ou
mandará ler as peças cuja leitura tiver sido requerida pelas partes ou por qualquer um dos
jurados. Se for possível, poderá o magistrado distribuir aos jurados, cópia das peças que
entender necessárias ao esclarecimento da verdade, contudo, esta prática é pouco utilizada
pelos juízes, segundo Vicente Greco Filho.230
Terminados o relatório e a leitura de peças, serão inquiridas as
testemunhas de acusação. A ordem de inquirição será a seguinte: juiz, acusador, assistente,
defensor do réu e por derradeiro os jurados que o desejarem (art. 467 do Código de Processo
Penal). A seguir, serão ouvidas as testemunhas de defesa, pelo magistrado, pelo defensor do
réu, pelo acusador particular, pelo Ministério Público na pessoa do promotor de justiça, pelo
assistente e pelos jurados(art. 468 do Código de Processo Penal).231
Havendo divergência sobre os pontos fundamentais do processo,
proceder-se-á à acareação das testemunhas cujos depoimentos sejam conflitantes.232
Encerrada a fase de ouvida das testemunhas, o julgamento passa para
a fase dos debates, que são formados obrigatoriamente de acusação e defesa e,
facultativamente, de réplica e tréplica. Manifesta-se em primeiro lugar o Ministério Público,
“o promotor lerá o libelo e os dispositivos da lei em que o réu achar-se incurso, e produzirá a
acusação” (art. 471 do Código de Processo Penal). A omissão desse procedimento segundo
Mirabete é mera irregularidade, não acarretando a nulidade do julgamento. 233
Lido o libelo, o Ministério Público desenvolverá a acusação, ou seja,
irá expor oralmente a pretensão punitiva concluída no libelo e os argumentos que a sustentam.
Todavia, o promotor não está obrigado a pedir a prisão do réu, até porque este atua como um
228 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal.p.695. 229 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.480. 230 FILHO, Vicente Greco. Manual de processo penal.p.427. 231 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.480. 232 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.480. 233 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1206.
fiscal da Lei e não como um acusador. Podendo inclusive pedir pela absolvição do réu, caso
perceba que é o acusado inocente.234
Porém, nada proíbe que o assistente, peça a condenação do réu. Em
qualquer situação, o pedido de absolvição não dispensa que sejam submetidos à votação dos
jurados, os quesitos provenientes do libelo crime-acusatório.235
Enquanto perdurar os debates, podem ser reinquiridas testemunhas
que já foram ouvidas, a pedido da acusação ou defesa. Também poderão ser ouvidas as
testemunhas que não foram arroladas, a pedido dos jurados, se estiver presente.236
Não será permitida a produção ou leitura de qualquer documento que
não tiver sido comunicado à parte contrária, durante o julgamento em plenário, com
antecedência de pelo menos três dias. É vedado à leitura de jornais ou qualquer escrito que
contenha matéria de fato constante no processo. Sem sombra de dúvida, o documento a que se
refere o art. 475 do Código de Processo Penal, é aquele que não está presente nos autos, ou
seja, documento novo, inteiramente estranho ao conjunto de provas elaborado na fase do
sumário da culpa.237
Entende Margarino Torres que:
O objetivo da lei foi, evidentemente, evitar a confusão, deslealmente infligida a uma das partes pela exibição de documento novo em plenário, que poderia ser falsa atestação de alguém em escrito particular ou ilusórias declarações ou opiniões publicadas, sem autenticidade, no próprio dia do plenário.238
Em seguida, serão explanados os temas atinentes à formulação dos
quesitos no Tribunal do Júri.
2.4 QUESITOS
Do latim quaesitum (pergunta), “entende-se justamente a interrogação
formulada pelo juiz presidente do Tribunal do Júri para que seja respondida pelo conselho de
sentença. Seu conjunto é denominado de questionário”239.
234 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1207. 235 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1207. 236 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.656. 237 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.904. 238 Margarino Torres Apud MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.905. 239 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.914.
As regras para a formulação dos quesitos estão previstos no art. 484
do Código de Processo Penal, sendo que, se por ventura, deixar o juiz presidente de inserir
quesito obrigatório, haverá nulidade do julgamento, conforme Súmula 156 do STF, “é
absoluta a nulidade do julgamento pelo Júri por falta de quesito obrigatório”.240
No que diz respeito à correlação entre o libelo e os quesitos,
Guilherme de Souza Nucci afirma que:
Não é somente o primeiro quesito que deve guardar correspondência com o libelo, mas todos eles, ao menos no que pertine à acusação (as teses de defesa podem ser expostas diretamente em plenário e não são, naturalmente, incluídas em peça, que é exclusiva da acusação). Assim, o juiz, encarregado de fixar o conteúdo da acusação ao prolatar a decisão de pronúncia, recebe o libelo, que nada mais é do que a exposição articulada da imputação feita ao réu. Por isso, constituindo esta peça o limite acusatório para o plenário, prepara-se a defesa para contrariar o que nele está articulado, motivo pelo qual nada pode ser mudado de surpresa, prejudicando o princípio constitucional da plenitude de defesa. Evidentemente, há questões que pode ficar fora do libelo, tais como as circunstâncias genéricas envolvendo o delito (agravantes e atenuantes). Se o Promotor quiser, poderá sustentá-las diretamente aos jurados, por ocasião dos debates. Tal se dá porque não fazem parte do fato típico, como é o caso das qualificadoras, envolvendo somente a aplicação da pena. As referidas qualificadoras, por outro lado, necessitam constar da pronúncia e, posteriormente, do libelo. A correspondência entre a peça acusatória articulada – que é libelo – e o sustentado pelo órgão acusatório no plenário é fundamental.241
O conjunto dos quesitos, que é o questionário, deverá conter fato ou
circunstância alegado pelo acusado, em sua defesa, durante o interrogatório, sob sanção de se
tornar nulo, mesmo que não tenha sido analisado pelo seu advogado por ocasião dos debates.
Privilegiando portanto, o duplo formato da ampla defesa: a autodefesa e a defesa técnica.242
Obrigatoriamente, os quesitos, serão de linguagem simples, pois se
direcionam aos jurados. “Não podem abrigar ambigüidades, nem ser apresentados na forma de
perguntas negativas, exceto se versarem sobre a responsabilidade penal. O juiz, ao ler os
quesitos, explicará o significado legal destes e indagará às partes se têm reclamações a
fazer”243.
A ordem de formulação dos quesitos é a seguinte:
1º) Concernente ao fato principal (materialidade e à autoria do fato cometido pelo réu); 2º) letalidade (se for caso); 3º) da defesa; 4º) circunstâncias qualificadoras; 5º) eventuais causas de aumento ou de diminuição da pena (se alegadas) e agravantes genéricas (contidas no libelo ou articuladas pelo Promotor de Justiça nos debates);
240 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.775. 241 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.775. 242 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.482. 243 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.482.
6º) circunstâncias atenuantes. Observação: cuidando-se de crime tentado, o segundo quesito deve ser substituído pelo da tentativa (animus necandi).244
Importante neste momento, destacar o conteúdo da Súmula 162 do
STF, “é absoluta a nulidade do julgamento pelo Júri quando os quesitos de defesa não
precedem os das circunstâncias agravantes”. Mirabete afirma que, “a expressão
“circunstâncias agravantes” corresponde a “circunstâncias qualificadoras”, que não podem
anteceder aos quesitos de defesa”245.
Acerca deste assunto, Guilherme de Souza Nucci leciona:
Portanto, havendo alegação da existência de causa de diminuição (como no caso do homicídio privilegiado) e também de causa de aumento (incluindo-se, neste contexto, para o fim de determinar a ordem de preferência, as qualificadoras), deve a diminuição ser colocada antes das qualificadoras e dos aumentos.246
Nos crimes de competência do Júri que são praticados por dois ou
mais réus, e que são julgados na mesma sessão, deve o magistrado fazer questionários
diversos para cada um deles. Por conseguinte, dividindo os quesitos em séries, colocará o fato
principal e todas as demais causas, para cada acusado, em sua respectiva série. Exemplo:
havendo três acusados, o magistrado fará três séries completas. Haverá um questionário para
cada réu, e uma série de quesitos para cada crime.247
Fernando Capez explica que, no delito de infanticídio, “o estado
puerperal deve constar de quesito próprio (primeiro vem o quesito da autoria; segundo, o
quesito relativo ao nexo causal ou ao animus necandi, conforme seja crime consumado ou
tentado, e o terceiro, sobre a influência do estado puerperal)”248.
Não é proibido ao Conselho de Sentença (jurados) pedirem
esclarecimentos sobre o questionário, devendo mesmo fazê-lo, pois não é justo que decidam
da sorte de um ser humano e de interesses sociais relevantes, sem saberem o que estão
fazendo. Ao explicar os quesitos para o Conselho de Sentença, deve o magistrado que preside
o Tribunal do Júri cuidar para não manifestar sua opinião sobre a decisão da causa, pois quem
decide o conflito judicial penal nestes casos são os jurados, que se poderiam deixar influenciar
pelo modo de ver do juiz presidente do Júri. 249
244 Adriano Marrey Apud JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado.p.384. 245 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1230. 246 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.780. 247 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.781. 248 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.658. 249 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.366.
O Superior Tribunal de Justiça permite a formulação de quesito que
trate sobre causa supralegal (que não está previsto em lei) de exclusão da culpabilidade,
admitindo, por conseguinte, que a inexigibilidade de conduta diversa possa originar-se de
qualquer causa, prevista em lei ou não, e não apenas da coação moral irresistível e da
obediência hierárquica.250
Sobre a matéria, Heráclito Antonio Mossin explica que, “a
inexigibilidade de conduta diversa funciona como causa de exclusão da culpabilidade, nos
fatos culposos e dolosos, subsistindo a ilicitude. Assim, embora sendo a conduta antijurídica
não é ela culpável”251.
Em casos de legítima defesa, o ilustre doutrinador Fernando Capez
ensina que:
Negada a necessidade dos meios ou a moderação, deverá ser indagado aos jurados a respeito do excesso doloso, e somente no caso de este não ser acolhido é que se procederá, logo em seguida, à votação do quesito referente ao excesso culposo (Código de Processo Penal, art. 484, III, com a redação dada pela Lei nº 9.113, de 16-10-1995).252
Assim, no que tange à legítima defesa, é obrigatório que se indique
separadamente “sobre a existência de agressão da vítima, sobre sua injustiça, sobre sua
atualidade, sobre sua iminência, sobre o emprego dos meios necessários a repulsa, e sobre a
moderação na utilização desses meios”253.
Na definição de Capez, existem duas espécies de desclassificação: “a
própria, quando o Júri não diz qual é o crime que passou à competência do juiz-presidente, e a
imprópria, quando desclassifica dizendo qual é o crime”254.
2.5 SENTENÇA
Encerrada a votação e assinado o respectivo termo, o juiz-presidente
do Tribunal do Júri preparará a sentença, que deverá ser fundamentada, exceto quanto às
250 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.658. 251 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.919. 252 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.658. 253 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1234. 254 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.659.
conclusões que resultarem das respostas aos quesitos. O juiz-presidente irá ler a sentença, em
público, antes do fim da sessão de julgamento.255
No que tange à lavratura da sentença, o legislador determina que o
juiz-presidente analise as circunstâncias atenuantes ou agravantes identificadas pelo Conselho
de Sentença; devendo atender, quanto ao mais, o que está previsto nos incisos II a VI do art.
387 do Código de Processo Penal. Por ser matéria de direito, a lavratura da sentença, será de
responsabilidade do juiz-presidente do Tribunal do Júri.256
A sentença não pode ir contra a decisão do Conselho de Sentença,
Edílson Mougenot Bonfim analisa mais amiúde este assunto, vejamos:
Se for reconhecida a existência de causa que faculte a diminuição da pena, pela resposta a quesito formulado aos jurados, deverá o juiz adotá-la quando da fixação da pena. Na realização de segundo julgamento originado de provimento dado a recurso exclusivo do réu, não pode o juiz-presidente aplicar pena mais grave do que aquela que resultou da primeira decisão, desde que estejam presentes os mesmos fatos e circunstâncias, reconhecidamente pelo novo Júri – inteligência do art. 617 do Código de Processo Penal.257
Guilherme de Souza Nucci afirma que é obrigação do magistrado que
preside o Júri e não mera faculdade:
O reconhecimento, pelos jurados, de qualquer causa de diminuição da pena, obriga o magistrado a adotá-la, optando pelo limite a ser aplicado, quando for possível. Assim, reconhecendo, por exemplo, o relevante valor social, o juiz deve diminuir a pena de um sexto a um terço, escolhendo ele o montante, variável nessa situação. A soberania dos veredictos, princípio constitucional, além do direito subjetivo do réu a receber benefício que lhe foi expressamente reconhecido por quem tem competência para fazê-lo, impõe tal medida.258
A decisão do magistrado presidente do Júri é de formação complexa,
que resume-se em dois atos decisórios: o veredicto dos jurados e o pronunciamento do juiz
togado. Acerca do tema, José Frederico Marques afirma:
Os jurados decidem sobre o crime e respectiva autoria, bem como sobre as agravantes existentes, e sobre as atenuantes legais, enquanto que o juiz, tendo em vista o que dispõe o art. 42 do Código Penal, decidirá sobre a pena a ser imposta, bem como a respeito das demais sanções penais cabíveis, tendo sempre em vista as respostas dadas pelo conselho de sentença ao questionário ou quesitos que lhe foram formulados.259
255 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.486. 256 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.928. 257 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.486. 258 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.791. 259 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.273.
Se for absolutória a sentença, o magistrado deve, na parte dispositiva
da sentença, realizar as seguintes providências: mandar por o acusado em liberdade, se o
delito for afiançável, ou então que tenha acontecido a situação descrita no art. 318, mesmo
que inafiançável; mandar cessar as interdições de direitos que tiverem sido provisoriamente
impostas; e se cabível, empregar medida de segurança (art. 492, II, letras a,b e c).260
Por fim, quando houver a desclassificação, a competência para
apreciar o delito desclassificado e também o crime conexo, passa para o juiz que preside o
Tribunal do Júri. Feita a desclassificação, e caso o magistrado perceber tratar-se de crime
beneficiado pela suspensão condicional do processo, deverá realizar uma classificação jurídica
do fato, sem aplicar pena, devendo esperar o trânsito em julgado da sentença e, em seguida,
enviar os autos ao Juizado Especial, para empregar o benefício.261
2.6 RECURSOS CABÍVEIS NO TRIBUNAL DO JÚRI
São quatro os tipos de recursos que pode ser interposto no Tribunal do
Júri, são eles: 1) Recurso de ofício; 2) Recurso em sentido estrito; 3) Apelação e 4) Protesto
por novo Júri.
2.6.1 RECURSO DE OFÍCIO
Como todo recurso visa à reforma de uma sentença, deverá este ficar
na dependência da parte que foi prejudicada pela decisão. Ao princípio geral da
voluntariedade do recurso, a norma abre exceções, prevendo o chamado recurso de ofício
(recurso obrigatório, necessário), como providência obrigatória por lei no sentido de reexame
de sentenças pelos órgãos judiciários superiores, quando tratar-se de certas matérias.262
A respeito do assunto, diz a Súmula nº 423 do STF: “Não transita em
julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege”.
O juiz presidente do Júri, ao determinar o processamento de um recurso de ofício nada mais é
do que impor a causa, ao duplo grau de jurisdição obrigatório. O magistrado porém, não está
questionando sua decisão, mas está apenas obedecendo à norma legal.263
260 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.v.III.p.274. 261 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.659. 262 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1413. 263 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.888.
Buscando preservar a soberania dos veredictos e a competência do
Júri, a lei obriga que a decisão do magistrado que preside o Tribunal Popular, absolvendo
sumariamente o acusado, nas causas de competência do Tribunal do Júri, seja reexaminada
pela instância superior. Até porque, se o foro competente para julgar os crimes dolosos contra
a vida é o Tribunal Popular, somente em casos extraordinários o magistrado poderá afastar o
conhecimento do caso ao Conselho de Sentença.. Por isso, há duplo controle da
admissibilidade da acusação.264
Júlio Fabbrini Mirabete assevera que: “tratando-se de recurso de
ofício, desnecessário é que seja ele fundamentado, ou seja, o juiz não deve dizer as razões que
o levaram a recorrer. Também não se deve notificar as partes para arrazoarem tal recurso”265.
Importante ressaltar, que este recurso têm efeito suspensivo, não se
dando prosseguimento ao feito, enquanto não for feito o julgamento no Juízo superior. O
recurso de ofício não proíbe que a acusação interponha o recurso em sentido estrito, art. 581,
VI, do Código de processo Penal, porém, o assistente do promotor de justiça, não poderá
recorrer nessa hipótese, enquanto que, a defesa poderá interpor recurso voluntário apenas em
casos de inimputabilidade decorrente de doença mental, diante da imposição de medida de
segurança.266
2.6.2 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Conforme doutrina exposta por Borges da Rosa, “o recurso em sentido
estrito tem cabimento nos casos taxativamentes indicados no Código, no art. 581. A
enumeração de casos de recurso dá logo a entender ser ela taxativa e não exemplificativa”267.
Segundo Heráclito Antonio Mossin, a jurisprudência tem reconhecido
que a sentença que desclassifica o delito, inicialmente de competência do Júri para o juízo
singular, também é passível de ser recorrido, em sentido estrito, pois equivale-se a
impronúncia.268
Sobre o tema Júlio Fabbrini Mirabete, leciona:
264 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.889. 265 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1416. 266 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1126. 267 Borges da Rosa Apud MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.1130. 268 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.1144.
Cabe também o recurso nos processos a serem submetidos a julgamento pelo Júri, da Sentença que pronunciar ou impronunciar o réu. É cabível a impugnação pela defesa quando o acusado foi pronunciado pelo crime capitulado na denúncia, como em qualquer outra e, nesta hipótese, também pode recorrer a acusação. Cabe recurso da acusação quando o réu é impronunciado e também da decisão em que se desclassifica o crime para outro de competência do juiz singular, decisão equivalente à impronúncia pois, como esta, subtrai a causa à apreciação do Júri. Nesta hipótese é incabível o recurso da defesa, por falta de interesse. Também é cabível o recurso da defesa da decisão que pronuncia ou impronuncia o réu, não aceitando a alegação de que no caso deverá ser ele absolvido sumariamente (art. 411).269
Fernando da Costa Tourinho Filho explana a respeito da matéria,
vejamos:
Há quem entenda que a decisão do Juiz, desclassificando o crime da alçada do Júri para a do Juiz Singular, nos termos do art. 410 CPP, não comporta o recurso em sentido estrito previsto no inciso II do art. 581 do CPP, por envolver decisão de mérito. O Juiz nesse caso limita-se dizer que o crime não é da competência do Júri. Decisão eminentemente processual, igual ou quase igual àquela em que ele se abstém de receber a denúncia, declinando da sua competência, por entender que o crime não é da sua competência, mas da alçada da Justiça Militar, por exemplo.270
Nos casos de absolvição sumária, junto com o recurso de ofício,
também é cabível o recurso em sentido estrito da decisão que absolver o acusado, nos termos
do art. 411 do Código de Processo Penal. Ao se falar de absolvição sumária, com imposição
de medida de segurança, além da acusação também o réu tem interesse em impugnar a
decisão, por via de recurso em sentido estrito e não recurso de apelação.271
Importante esclarecer que, fazendo referência categórica ao art. 411 do
Código de Processo Penal, a norma permite que seja interposto recurso somente na hipótese
de casos que são da competência do Tribunal Popular e não do magistrado singular. Da
sentença do Juiz singular, pela absolvição, é cabível o recurso de apelação por parte do
promotor de justiça.272
Por derradeiro, da decisão que incluir ou excluir jurado na lista geral,
o renomado doutrinador Fernando Capez explana:
Anualmente será organizada uma lista geral de jurados pelo juiz-presidente, da qual serão sorteados vinte e um jurados para comparecerem à sessão periódica (CPP, art. 439, caput). Essa lista será publicada pela imprensa, onde houver, e afixada na porta do edifício do fórum, no mês de novembro de cada ano, para conhecimento geral da coletividade (CPP, arts. 439, parágrafo único, e 440). A partir da publicação, qualquer pessoa poderá interpor recurso em sentido estrito dentro do prazo de vinte
269 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1445. 270 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p.340. 271 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1448. 272 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. p.1448.
dias, endereçando-o ao juiz-presidente, a fim de incluir ou excluir jurado na lista (CPP, art. 586, parágrafo único).273
2.6.3 RECURSO DE APELAÇÃO
Esta espécie de recurso, segundo Nucci, serve para atacar decisões
definitivas, que julgam extinto o processo, analisando o mérito da causa ou não, devolvendo a
instância superior vasto conhecimento sobre a matéria.274
Para Giovanni Leone, “a apelação é o meio de impugnação pelo qual
uma das partes pede ao juiz de segundo grau uma nova decisão substitutiva de uma decisão
prejudicial do juiz de primeiro grau”275.
O legislador ao redigir o art, 593 do Código de Processo Penal,
delimitou, de forma específica, no inciso III, as situações em que pode ser interposto o recurso
de apelação, em que se tratando do procedimento relativo ao Tribunal do Júri.
Ao recorrer da sentença proferida pelo Tribunal do Povo, devem
qualquer um das partes envolvidas no processo, apresentar, logo na petição de interposição,
qual é o motivo que está o levando a apelar, deixando claro a alínea que foi escolhida do
inciso III do art. 593 do Código de Processo Penal.276
Sobre a matéria em estudo, Heráclito Antonio Mossin leciona:
Se, eventualmente, o apelante não deixar expresso em sua petição de interposição recursal, ou no termo próprio para essa finalidade, voltada ao duplo grau de jurisdição, a alínea em que assenta sua impugnação, desde que em suas razões recursais faça ele menção ao conteúdo de seu inconformismo, à evidência, estará sanada aquela ausência. Não se pode, em prol da própria administração da justiça e do interesse social que a envolve, não se conhecer do recurso quando o sucumbente na motivação pertinente expuser, com clareza, a razão de sua irresignação. Ainda, como reforço de argumento, a apelação pode ser interposta pelo próprio réu. Ora, não se pode exigir do condenado, que não tenha formação acadêmica ou profissional de advocacia, indicar com presteza o inciso em que, se baseia para apelar no processo penal do júri.277
Vale ressaltar que as decisões emanadas do Tribunal Popular são
soberanas (art. 5º, XXXVIII), cabendo ao juiz de segundo grau, apenas, corrigir os atos do
273 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.485. 274 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.920. 275 Giovanni Leone Apud MOSSIN, Heráclito Antôni. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.1174. 276 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.924. 277 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.1181.
magistrado presidente do Júri ou então marcar um novo julgamento, mas em hipótese alguma
poderá o tribunal ad quem decidir sobre o mérito da causa.278
2.6.4 PROTESTO POR NOVO JÚRI
O protesto por novo Júri é um recurso privativo da defesa, e só poderá
ser interposto se a sentença condenatória, proferida em primeira instância, for igual ou
superior a vinte anos de reclusão, sendo vedado a sua realização por mais de uma vez.279
Fernando Capez explica que, “consiste no pedido de realização de
novo Júri, sempre que, em razão de um único crime, tiver sido imposta pena de reclusão igual
ou superior a vinte anos”280.
Interessante neste momento, trazer a colação do comentário de Borges
da Rosa acerca do tema:
O protesto por novo júri é um recurso sem nenhuma consistência teórica, e o Código só o consagra, por não ter o legislador querido se libertar das penas de morte e das galés perpétuas, únicas que, por sua suma gravidade, pareciam justificar tão esquisita espécie de recurso, que atualmente representa uma complicação desnecessária.281
Vicente Greco Filho leciona a respeito da matéria, veja-se:
No caso de haver um crime que comporta protesto e um que não comporta, poderá haver o pedido de protesto concomitante com a apelação. Esta aguardará o novo julgamento do júri para ser processada. Todavia, não se admitirá protesto e apelação pelo mesmo crime, porque o protesto invalida outro recurso interposto. O protesto é feito perante o juiz-presidente, no prazo de cinco dias. No novo julgamento, estão impedidos os jurados que funcionaram no julgamento anterior.282
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, “não admitido o protesto por novo
júri pelo juiz, cabe carta testemunhável, com fundamento no art. 639, I”283.
No que tange a Reformatio in pejus indireta, diz à jurisprudência que:
TJSP: Não se pode admitir que o segundo julgamento, em decorrência de protesto por novo Júri – favor dispensado à liberdade - tenha resultado mais gravoso para o acusado, a quem o recurso, privativo da defesa, visa a beneficiar. (RT 575/365)284
278 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal.p.625. 279 FILHO, Vicente Greco. Manual de processo penal.p.378. 280 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.493. 281 Borges da Rosa Apud CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.p.493. 282 FILHO, Vicente Greco. Manual de processo penal.p.378. 283 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1567. 284 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1568.
OBS: ALTERAÇÕES DO PROCESSO E DO JULGAMENTO DOS CRIMES DA
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI (obs: Todo este item foi retirado do site da
internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11380)
A nova Lei n.º 11.689, publicada no Diário Oficial do dia 10 de junho
de 2008, manteve a tradicional divisão do rito do júri em duas fases distintas, judicium
acusationis e judicium causae,correndo a primeira perante um juiz "comum" e a segunda
perante o magistrado presidente do júri.
No que tange à segunda fase, judicium causae, as alterações
proporcionadas pela Lei n.º 11.689 foram o desaparecimento do libelo crime acusatório e de
sua contrariedade, da possibilidade das partes inquirirem diretamente testemunhas e acusados,
da alteração dos quesitos a serem apresentados ao conselho de sentença, e da eliminação do
recurso de protesto por novo júri.
O antigo judicium causae tinha início com a apresentação do libelo
por parte do Ministério Público. Nesta peça, o órgão de execução do Ministério Público, ou o
querelante (no caso de ação penal privada subsidiária da pública), deveria expor,
articuladamente, o fato criminoso e as circunstâncias agravantes, sendo, também, o momento
para arrolar testemunhas para serem ouvidas em plenário, bem como para juntar documentos
e requerer diligências. Depois, era conferida à defesa a oportunidade para contrariar o libelo,
bem como arrolar suas testemunhas, juntar documentos e requerer outras diligências.
Atualmente, com a nova redação do artigo 422 do CPP, desaparece o
libelo crime acusatório e sua contrariedade, devendo o juiz presidente do Tribunal do Júri
intimar o órgão do Ministério Público ou o querelante, no caso de queixa, e o defensor para,
no prazo de cinco dias, apresentarem rol das testemunhas que irão depor em plenário, até o
máximo de cinco, oportunidade em que também poderão juntar documentos e requerer
diligência.
Com isto, o novo diploma legal acaba por revogar tacitamente o
disposto na alínea "f" do inciso III do artigo 564, do CPP, no que se refere a verificação de
nulidade pela falta de apresentação do libelo.
E não é só. Como visto, durante a confecção do libelo o órgão de
acusação deveria listar as circunstâncias agravantes que entendesse aplicáveis na espécie, sob
pena de preclusão. Agora, conforme podemos notar pela redação do artigo 476 e do parágrafo
único do artigo 482 do CPP, as agravantes, mesmo as de conhecimento anterior ao plenário,
poderão nele serem sustentadas, devendo o magistrado confeccionar quesito pertinente e
submetê-lo à apreciação do conselho de decisão.
Outra alteração promovida no antigo ordenamento decorrente do
desaparecimento do libelo crime acusatório é a contagem do prazo para requerer o
desaforamento. O diploma normativo anterior previa a possibilidade de se pleitear o
desaforamento quando o julgamento pelo conselho de decisão não se efetivasse durante o
lapso temporal de um ano contado do recebimento do libelo por parte do magistrado.
Atualmente, por força do disposto no artigo 428 do CPP, o prazo para requerer o
desaforamento será contado a partir do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.
Esgotados os aspectos mais relevantes acerca do procedimento dos
crimes contra a vida, o capítulo seguinte encerrará o estudo, expondo os pontos mais
importantes sobre a Legítima Defesa.
3 DA LEGÍTIMA DEFESA
Neste capítulo tratar-se-á da legítima defesa, que é uma das causas de
exclusão da ilicitude prevista no art. 23 do Código Penal. Abordando os pontos mais
relevantes e também como se deve aplicar esta excludente perante o Tribunal do Júri. Por fim,
será feita uma análise jurisprudencial sobre esta excludente de antijuridicidade.
3.1 HISTÓRICO
O direito romano decretava ser legal rebater a força pela força. A
teologia da época, completava os ensinamentos do direito romano com os do direito canônico,
decretou: “É lícito repelir a força pela força, mas com a moderação de uma justa defesa”. Até
porque, o Estado nem sempre está pronto para proteger o cidadão, em virtude desta omissão
do Estado, cada cidadão poderá assumir por conta própria a função de um soldado.285
Reconhecida pelos antigos Códigos da Grécia, Índia e Roma, onde era
liberado o exercício do direito de proteger a vida e também a honra, a ofensa legítima tomou
entre a sociedade germânica uma peculiaridade privada derivada do direito de vingança e da
privação da paz do injusto agressor. 286
Depois o direito canônico subtraiu da legítima defesa à característica
de direito, “convertendo-a em necessidade escusável, submetida a penitências religiosas e à
exigência de fuga do agredido, embora estatuindo o dever de defender a terceiro”287.
Esse espírito persistiu no direito francês até que pela revolução,
restaurando a tradição da sociedade romana, decidiu-se pelo art. 5º do Código Penal de 1791
que no caso de homicídio legítimo, ou seja, aquele que é praticado em legítima defesa, não
existia delito ou pena. Esse pensamento se difundiu para os Códigos do mundo inteiro.288
Zaffaroni e Pierangeli fazem comentários sobre o assunto, veja-se:
Historicamente, a legítima defesa surgiu unida aos delitos de homicídio e lesões, e assim permanece nos códigos antigos, mas em todas as legislações contemporâneas é aceita a possibilidade de justificar a defesa de qualquer bem jurídico, mesmo que ainda não se encontre penalmente tutelado.289
285 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.99. 286 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v.1. p.384. 287 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.384. 288 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.384. 289 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 580.
De todas as causas que excluem a ilicitude de um fato típico, a
legítima defesa é a mais antiga e a que mais facilmente é entendida, isto é, a hipótese do
homem que reage, empregando moderadamente os meios necessários, na preservação de um
bem jurídico, seja ele próprio ou de terceiro, contra agressão injusta atual ou que está prestes a
acontecer. Os filósofos da Antigüidade descreviam a legítima defesa como um direito sacro,
asseverando em textos romanos que é lícito por todas as normas rebater a violência pela
violência. Os juristas da antiga civilização romana assim a aceitavam, aplicando a legítima
defesa para proteger todo bem jurídico.290
E nos dizeres de Damásio E. de Jesus:
Alguns doutrinadores, como Geib, mencionado por Luis Carlos Pérez, sustentam que o instituto da legítima defesa não possui história. O que Geib propõe é a idéia de que a impunidade do agente que pratica o fato em legítima defesa foi reconhecida em todos os tempos, inclusive entre os bárbaros. É opinião fundamentada na antiga tradição grega explicada por Cícero, para quem o instituto constitui parte importante do Direito natural. Sob o Cristianismo, tal idéia, baseada no Direito natural, foi substituída pela noção de que a resistência legítima contra a ofensa injusta constituía falta de dever de caridade. No antigo Direito francês, inspirado nessa noção, quem se defendia legitimamente devia solicitar cartas de graça para não ser condenado. É inútil buscar entre os povos primitivos vestígios da legítima defesa. Encontraríamos entre eles formas primordiais de reação ao ataque, mas sem caráter algum de direito. Um homicídio ou lesão, segundo as circunstâncias do caso, eram considerados como ofensa ou vingança, como pena ou delito, mas sem a conceituação jurídica de hoje. 291
O Código Criminal do Império de 1.830 registrava a legítima defesa
de maneira expressa, como bem destaca o ilustre doutrinador Luiz Régis Prado, veja-se:
Art. 14. Será o crime justificável, e não terá lugar a punição delle: § 1. (...) § 2. Quando for feito em defesa da própria pessoa ou de seus direitos. § 3. Quando for feito em defesa da família do delinqüente. § 4. Quando for feito na defesa da pessoa de terceiro. § 5. Quando for feito em resistência à execução de ordens illegaes; não se excedendo os meios necessários para impedi-la.292
Importante ressaltar que o Código Penal brasileiro de 1.940, “que
continha definição satisfatória do instituto, foi reproduzido por inteiro no Anteprojeto de
290 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. tomo I. p.232. 291 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.383. 292 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 7.ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.v.1. p.402.
1.981 e na reforma penal de 1.984. De seus termos, podem ser deduzidos os requisitos
necessários à agressão e à repulsa”293.
Por fim, é interessante explicar que a doutrina da legítima defesa
estava vinculada ao delito de homicídio. Porém, o direito contemporâneo a livrou desta
dependência, passando ela para a parte geral dos códigos. Assim, veio a alcançar a construção
técnica conclusiva que apresenta na atualidade. 294
3.2 EXCLUDENTES DE ANTIJURIDICIDADE
A antijuridicidade se constitui na conexão da contrariedade que se cria
entre o fato tipificado materialmente e o direito, ou seja, existe antijuridicidade no fato
praticado sem o apoio de qualquer causa justificante (legítima defesa) e que, por isso mesmo,
está em incompatibilidade com todo o ordenamento jurídico. Portanto, é antijurídico o fato
formal e materialmente tipificado que não encontra apoio em nenhuma causa justificante. A
excludente de antijuridicidade torna lícito o que é ilícito.295
De acordo com a doutrina majoritária as expressões antijuridicidade e
ilicitude, são sinônimas. Antigamente também se usava a expressão injuridicidade. Porém,
todas elas significam a contrariedade do fato materialmente típico com o ordenamento
jurisdicional. Isto quer dizer que, o fato materialmente típico não foi efetuado dentro de um
contexto legítimo, isto é, o ataque não foi concretizado em estado de necessidade ou de
legítima defesa por exemplo.296
Júlio Fabbrini Mirabete afirma que:
Sendo o crime um fato típico e antijurídico, é necessário para a existência do ilícito penal que a conduta seja antijurídica, isto é, na denominação legal, ilícita. A ilicitude decorre da contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. Nesse sentido formal, o fato típico, em princípio, é antijurídico, dizendo-se, assim, que a tipicidade é o indício ou índice da antijuridicidade. Pode ocorrer, porém, que o agente pratique a ação típica em uma das situações em que a lei a considera como lícita, excluindo-se a ilicitude e, portanto, a criminalidade da conduta. Assim, a antijuridicidade, como elemento da análise conceitual do crime, assume o significado de “ausência da causas excludentes de ilicitude”. Em distinção doutrinária se afirma que a contradição entre a conduta e a norma é a antijuridicidade e que a conduta ilícita em si mesma, a ação valorada como antijurídica, é o injusto.297
293 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.100. 294 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral.tomo I. p.233. 295 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 3. p. 231. 296 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.231. 297 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.224.
O Código Penal brasileiro em seu art. 23, diz que “não há crime”
quando o agente realiza o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento do dever legal e no exercício regular de direito. Se preenchidos os requisitos de
uma causa excludente da ilicitude, ao agente não se pode atribuir a prática do delito.
Entretanto, a doutrina se divide, no que diz respeito à necessidade ou não de estar presente em
casos reais, além dos requisitos objetivos descritos na lei, o componente subjetivo que tem
correlação com a absolvição do crime (descriminante). 298
Para Cezar Roberto Bitencourt, “não basta que estejam presentes os
pressupostos objetivos de uma causa de justificação, sendo necessário que o agente tenha
consciência de agir acobertado por uma excludente, isto é, com vontade de evitar um dano
pessoal ou alheio”299.
O agente que pratica o crime movido pelo sentimento de vingança,
não estará protegido pela legítima defesa, mesmo que se comprove, em seguida, que a vítima
estava na iminência de sacar sua arma para matá-lo. Desse modo, só age em legítima defesa
quem o pratica com animus defendendi.300
Segundo ensinamento de Flávio Augusto Monteiro de Barros, admite-
se a existência das denominadas justificativas supralegais, que também são causas excludentes
de ilicitude, porém não estão previstas expressamente na lei. São causas supralegais de
antijuridicidade: princípio da insignificância; ação socialmente adequada; princípio do
balanço dos bens; consentimento do ofendido em relação aos bens disponíveis.301
Como já visto, são quatro as causas de excludente da antijuridicidade,
que estão previstas no art. 23 do Código Penal. O estado de necessidade por exemplo, consiste
no sacrifício de um interesse que é amparado pelo ordenamento jurídico, para escapar de
perigo atual e inevitável ao direito do próprio agente o de terceiro, sendo que outro
comportamento, nas circunstâncias em que se encontrava, não era razoavelmente exigível.302
Nos dizeres de Ricardo Antonio Andreucci, o estado de necessidade
consiste em: “uma situação de perigo atual de interesses legítimos e protegidos pelo direito,
em que o agente, para afastá-la e salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio
senão o de lesar o interesse de outrem, igualmente legítimo”303.
298 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.225. 299 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.3.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.86. 300 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.86. 301 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v.1. p.311. 302 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.232. 303 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.72.
Como exemplos desta excludente da ilicitude, podemos citar o agente
que, em ocasião de naufrágio, de posse de apenas um colete salva-vidas, deixa que as outras
pessoas que ali se encontravam se afoguem no mar, para obviamente salvar a sua vida. Ou
agente que, na intenção de salvar uma pessoa gravemente ferida, furta um automóvel para
poder levá-la ao hospital.304
Importante frisar que o agente que deu causa para o perigo não pode
recorrer a excludente visando a sua própria proteção, visto que seria injusto e inoportuno. Ao
tratar-se de bens amparados juridicamente e lícitos que entram em conflito em decorrência de
um perigo, é necessário que a situação de perigo advenha do infortúnio. 305
Nesse diapasão, Flávio Augusto Monteiro de Barros ensina:
No estado de necessidade, distinguem-se dois conceitos: situação de estado de necessidade e fato cometido em estado de necessidade; mais sinteticamente, situação de necessidade e fato necessitado. Os requisitos da situação de necessidade são: perigo atual; ameaça a direito próprio ou alheio; perigo não provocado voluntariamente pelo agente; inexistência do dever legal de enfrentar o perigo. Presentes esses requisitos, o agente pode realizar o fato necessitado, desde que: a) haja impossibilidade de evitar por outro modo o perigo; b) haja proporção entre o fato e o perigo. O fato necessitado é a conduta lesiva, revestida de tipicidade, cuja antijuridicidade fica excluída, diante da verificação dos pressupostos acima mencionados.306
Outras duas hipóteses em que pode ocorrer a excludente de
antijuridicidade, é quando o agente age no estrito cumprimento do dever legal ou no exercício
regular de direito, que estão descritos no inciso III do art. 23 do Código Penal. Acontece o
estrito cumprimento do dever legal quando a lei, em algumas situações, impõe ao agente um
comportamento. Nessas ocasiões, embora típica a conduta, não é esta ilícita. 307
Exemplos de estrito cumprimento de dever legal, amplamente
divulgados na doutrina, são o do policial que viola residência onde está sendo cometido um
delito, ou utiliza força necessária em ocasiões de resistência ou de tentativa de fuga do
condenado (art. 284 do Código de Processo Penal), o do soldado que tira a vida do inimigo no
caso de guerra, ou ainda do oficial de justiça que viola residência para executar ordem de
despejo, dentre outros.308
É necessário que o dever imposto pelo direito seja legal, ou seja,
proceda de lei, não o caracterizando obrigações de natureza moral, social ou religiosa. A lei da
304 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.73. 305 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.240. 306 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. v.1. p.318. 307 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.70. 308 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.70.
qual origina o dever tem de ser jurídica, e de caráter geral, seja penal ou extrapenal, decreto,
regulamento, etc. Contudo, não é permitido aos agentes do Estado, matar ou ferir alguém
simplesmente porque são marginais ou estão se comportando de modo anti-social ou ainda
porque estão sendo perseguidos legitimamente.309
Entretanto, se houver resistência ilegítima a atos de autoridades, e
sendo esta composta de violência ou de grave ameaça à atividade legal exercida pelos agentes
do Estado, configura-se uma hipótese de legítima defesa, tornando-se possível assim à reação
dessas autoridades públicas, todavia, terão eles que reagir de forma moderada e aplicar os
meios necessários para cessar tal agressão. 310
Outra causa que exclui a ilicitude e que também está prevista no inciso
III do art. 23 do Código Penal, ocorre quando o agente age no exercício regular de direito. A
conduta, nessas situações, apesar de ser típica, não será antijurídica. Exemplos desta conduta,
que é também amplamente divulgada pela doutrina são o desforço imediato no esbulho
possessório, o direito de manter em seu poder as benfeitorias previsto no Código Civil, a
correção dos filhos pelos pais etc. Todavia, o agente deve respeitar rigorosamente, aos limites
do direito exercido, sob pena de responder o agente pelos excessos dolosos ou culposos por
ele praticados. 311
Nessas situações, como bem leciona Damásio E. de Jesus, a palavra
direito é “empregada em sentido amplo, abrangendo todas as espécies de direito subjetivo
(penal ou extrapenal). Desde que a conduta se enquadre no exercício de um direito, embora
típica, não apresenta o caráter de antijurídica”312.
Sobre o tema Cezar Roberto Bitencourt, explana:
O exercício de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pelo direito. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito e estará, portanto, excluída esta causa de justificação. O exercício regular de um direito jamais poderá ser antijurídico.313
Júlio Fabbrini Mirabete assevera que:
Parte da doutrina inclui também como forma de exercício regular de direito os ofendículos, aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado,
309 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.88. 310 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.88. 311 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.71. 312 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.400. 313 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.89.
cacos de vidro em muros, animais) visíveis, a que são equiparados os meios mecânicos ocultos (eletrificação de fios e cercas, de maçanetas de portas, etc). Outros doutrinadores consideram os offendicula como hipótese de legítima defesa preordenada. Qualquer que seja o entendimento, porém, é necessário que não haja excesso nos meios empregados para a defesa da propriedade.314
Dessa forma, exclui-se a antijuridicidade da conduta típica nas
situações em que o agente está autorizado para a prática dessa conduta. Estão inseridos na
excludente as eventuais ofensas à integridade corporal na prática esportiva, nas intervenções
médicas ou cirúrgicas, dentre outras.315
Por último, temos ainda como excludente de antijuridicidade de um
fato típico no ordenamento jurídico penal brasileiro a legítima defesa, que é a hipótese em que
o agente rechaça injusta agressão atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, usando
moderadamente dos meios necessários, visto que, o direito não pode ceder perante o ilícito. A
legítima defesa é a causa de justificação mais destacada e antiga que modifica uma ação típica
em lícita, protegida pela ordem jurisdicional.316
É essencial destacar que os pressupostos da legítima defesa devem ser
analisados a partir de uma determinada hipótese de legítima defesa, que, ocorrendo,
proporciona ao ofendido a prática de uma ação defensiva, que é o exercício do direito de
legítima defesa. 317
Não existi nesta excludente de antijuridicidade, “uma situação de
perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao
contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimado a
repulsa”318.
A legítima defesa fundamenta-se na ideologia de que o Estado não
tem suporte suficiente para dar amparo à sociedade em todos o lugares e momentos, sendo
assim, autoriza que os cidadãos se defendam quando não existir outro modo.319
Damásio E. de Jesus explica com notável sabedoria, à natureza
jurídica desta excludente da ilicitude:
Entendemos que a legítima defesa constitui um direito e causa de exclusão da antijuridicidade. Não é certo afirmar que exclui a culpabilidade. Como dizia Bettiol,
314 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.230. 315 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.229. 316 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral.v.1. p.402. 317 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral.v.1. p.404. 318 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120). 11.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v.1. p.281. 319 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.281.
afirmar que constitui uma causa de isenção de culpabilidade supõe desconhecer o que há de mais característico na luta em que se vê o bem injustamente agredido. Não pode ser considerada ilícita a afirmação do próprio direito contra a agressão que é contrária às exigências do ordenamento jurídico. É uma causa de justificação porque não atua contra o direito quem comete a reação para proteger um direito próprio ou alheio ao qual o Estado, em face das circunstâncias, não pode oferecer a tutela mínima. É a orientação seguida pelo nosso CP, ao afirmar que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa (art. 23, II).320
A existência da legítima defesa está condicionada aos seguintes
requisitos, são eles: “existência de agressão injusta, atual ou iminente, agressão a direito
próprio ou de terceiro, utilização dos meios necessários à repulsa, utilização moderada dos
meios necessários e conhecimento da situação de fato justificante”321.
A agressão é caracterizada como todo ato humano que causa lesão ou
põe em risco um bem jurídico tutelado. É injusta aquela agressão que não estiver amparada
pela lei, ou seja, não é permitida pelo ordenamento jurídico. A agressão não pode ser
confundida com a provocação, devendo-se levar em conta a sua intensidade para poder
apreciá-la de forma correta. Quando a agressão é legítima, a reação a ela torna-se injusta, não
caracterizando com isso a legítima defesa. 322
Ricardo Antonio Andreucci ensina que: “agressão atual é aquela que
está ocorrendo. Agressão iminente é aquela que está prestes a ocorrer”323.
Importante frisar que a reação deve ser imediata à agressão, visto que,
a demora do agente para repelir a agressão não caracteriza mais a descriminante da legítima
defesa. Quando a ação é praticada depois de cessado o perigo é caracterizado como vingança,
que é punida pelo direito penal brasileiro. Assim como o perigo futuro, que possibilita a
utilização de outros meios, inclusive a busca de ajuda das autoridades estatais. 324
Celso Delmanto conceitua a legítima defesa própria ou de terceiro: “a
legítima defesa pode ser própria ou de terceiro, dependendo do bem ameaçado ser do próprio
autor da repulsa ou de terceiro”325.
Qualquer direito poderá ser legitimamente protegido, seja o direito a
vida, liberdade sexual, liberdade individual, a honra, o patrimônio, dentre outros. Todavia, não
age em legítima defesa aquele que mata o cônjuge adúltero no exato momento do adultério ou
320 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1.p.385. 321 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.76. 322 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.99. 323 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.76. 324 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.99. 325 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.97.
ainda por causa do adultério. Esta situação é impossível no ordenamento jurídico, em virtude
da total desproporcionalidade da reação.326
Para a defesa ser legítima precisa haver proporcionalidade entre o
ataque e a reação, como bem ensina o ilustre doutrinador Luiz Flávio Gomes, veja-se:
Nosso CP não usa a palavra proporcionalidade no art. 25 (“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”), mas aponta duas indicações nessa direção: (a) repulsa com os “meios necessários” e (b) moderação na repulsa. Se o sujeito ataca a socos, por exemplo, em princípio, a reação não pode ser armada (não é preciso arma para se defender de ataque a mãos limpas). Mas tudo isso é muito relativo. Depende de quem é a pessoa que ataca e de quem se defende. Ataque a socos de um lutador de boxe lógico que vai permitir à vítima (inferiorizada corporalmente) reação armada (proporcional). Ainda que tenha havido escolha de um meio “desnecessário”, mesmo assim, fundamental, de qualquer modo, é sempre verificar a moderação. “A”, desnecessariamente, escolhe como meio de defesa o uso de uma arma de fogo, porém, efetua um disparo de advertência para o alto. O meio é desnecessário, mas houve moderação no seu uso. O equilíbrio na legítima defesa reside, destarte, na moderação da repulsa. O excesso decorre da imoderação.327
Nesse diapasão, Zaffaroni e Pierangeli lecionam sobre a moderação da
defesa:
Não é suficiente que a defesa seja necessária, porque no caso do paralítico o disparo era a conduta necessária para evitar a afetação de seu bem jurídico propriedade. Nosso CP elimina as dúvidas a este respeito porque exige a moderação: a defesa não pode ser condicionada de modo que afete mais a co-existência do que a agressão em si. Não pode haver uma desproporção muito grande entre a conduta defensiva e a do agressor, de maneira que a primeira cause um mal imensamente superior ao que teria produzido a agressão. Há um certo limite, isto é, um corretivo, que exclui a moderação, e, portanto, a defesa, em casos como o do paralítico.328
No que tange ao conhecimento da situação de fato justificante, ainda
que ocorra agressão injusta, atual ou iminente, a legítima defesa estará definitivamente
afastada se o agente não conhecia essa situação. Se, em sua consciência, queria o agente
praticar um crime e não se proteger, ainda que, por coincidência, o seu ataque torna-se uma
defesa, será o fato ilícito. 329
Sobre este elemento subjetivo da legítima defesa, que é o
conhecimento da agressão e a vontade de defesa, deve o agente ser portador do elemento
326 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.244. 327 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.245. 328 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.p.584. 329 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.287.
subjetivo, e coerente na ciência da agressão e na vontade (animus defendi) de agir em defesa
de direito próprio ou de terceiro.330
Acerca da inevitabilidade da agressão e “commodus discessus”, a
legítima defesa somente se configuraria se a agressão fosse inevitável, isto é, se não tem a
possibilidade de o agente impedir a agressão ou se afastar dela. O “commodus discessus” é a
retirada cômoda daquele que está sofrendo ameaça, contudo, na legítima defesa é
indispensável a inevitabilidade da agressão, já que se decidir por enfrentar o seu ofensor,
poderá fazê-lo, repulsando com violência a violência. Visto que, a lei brasileira, não exige a
obrigatoriedade de se evitar a agressão (commodus discessus) em situações de legítima
defesa. 331
Porém essa regra não é absoluta, como bem explica Júlio Fabbrini
Mirabete:
Tratando-se de crianças, doentes mentais, pessoa que atuam em estado de erro etc., as agressões devem ser evitadas, desviadas pelo agente, a não ser que seja a reação pessoal a única forma de defesa de seus interesses legítimos. Embora não se exija do agente a fuga, recomenda-se, no caso, o prudente afastamento do local, evitando-se o confronto. Na jurisprudência, predomina a posição da desnecessidade do elemento subjetivo, ou seja, de que o agente deva sempre saber que atua em legítima defesa. Por isso, em regra, não se tem negado a justificativa em caso de defesa perpetrada por doente mental ou de pessoa embriagada.332
Aduz a jurisprudência que, “pode haver legítima defesa na reação a
investida de alienado mental” (TACrSP, RT 544/382)333.
No que diz respeito à legítima defesa defensiva, esta ocorre quando a
reação não produz um fato típico, exemplo: “A” reage contra ataque ilegítimo, apenas
imobilizando os braços do agressor; enquanto que, na legítima defesa ofensiva à reação
constitui um fato típico, exemplo: pessoa que reage e provoca lesão corporal no agressor. Na
legítima defesa ofensiva que atinge o agressor, não é permitido indenização civil. 334
Porém, se o agente, em legítima defesa real, erra na execução e tira a
vida de um inocente (legítima defesa real com aberratio ictus) não responderá penalmente
pelo delito praticado, todavia, ficará ele obrigado a indenizar os danos civis. Caberá
indenização civil também quando “A” é agredido e, para se proteger, põe na linha de tiro uma
330 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral.v.1. p.405. 331 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.287. 332 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.251. 333 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.98. 334 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.245.
pessoa inocente, irá ele responder pelos danos civis praticado, sendo que penalmente não
sofrerá nenhuma punição.335
Na legítima defesa putativa o agente incorre em erro de tipo ou de
proibição absolutamente justificável pelas circunstâncias, supõe deparar-se em face de injusta
agressão (arts. 20, § 1º, primeira parte, e 21 do Código Penal), ou seja, o agente supõe a
existência de uma injusta agressão, mas que na verdade não existe. 336
Enquanto que na legítima defesa subjetiva o agente age em excesso
por erro de tipo escusável, isto é, que exclui o dolo e a culpa. O agente se excede na legítima
defesa, porém, qualquer ser humano na mesma situação faria exatamente a mesma coisa.
Exemplo: local deserto, à noite, o agente é atacado por uma pessoa desconhecida, desferindo
vários tiros contra o “vulto” matando assim o agressor, porém verifica-se posteriormente que
era uma criança que apenas queria assustar-lhe.337
Este excesso escusável, que provém de medo, susto ou de nítida má
valoração da situação, livra o agente de pena, exclui a culpabilidade, seja pela extinção do
erro de tipo permissível (art. 20, § 1º, primeira parte do Código Penal), seja pela
inexigibilidade de comportamento diverso como motivo supralegal de exclusão da
culpabilidade. 338
Damásio E. de Jesus explana sobre a legítima defesa sucessiva: “é a
repulsa contra o excesso. Ex.: A, defendendo-se de agressão injusta praticada por B, comete
excesso. Então, de defendente passa a agressor injusto, permitindo a defesa legítima de B”339.
Há doutrinadores que lecionam sobre a legítima defesa recíproca, o
ilustre Flávio Augusto Monteiro de Barros assevera que:
Não há legítima defesa real recíproca porque o pressuposto da legítima defesa é a existência de uma agressão injusta. Se a agressão de um dos contendores é injusta, significa que a do outro é justa; logo, apenas este último estará em legítima defesa. Às vezes, porém não se logra apurar quem deu início à agressão. Nesse caso, aplica-se o brocardo “melhor absolver um culpado a condenar um inocente”, absolvendo-se os dois por insuficiência de provas, e não por legítima defesa recíproca. Tal solução evita que aquele que estava em legítima defesa seja condenado injustamente. Admite-se, entretanto, a legítima defesa putativa recíproca. Exemplo: dois inimigos, ao se avistarem, na falsa suposição de que um vai agredir o outro, ferem-se mutuamente, trocando tiros de revólver.340
335 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.246. 336 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.396. 337 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.246. 338 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.246. 339 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.396. 340 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v.1. p.340.
Ainda discorrendo sobre a legítima defesa recíproca, é inaceitável
legítima defesa versus legítima defesa, perante a possibilidade de defesa lícita em relação aos
dois contendores, como na hipótese típica de duelo. Apenas poderá acontecer a legítima
defesa recíproca quando um dos contendores, pelo menos, incidir em erro, caracterizando a
legítima defesa putativa. 341
A legítima defesa recíproca ocorre quando não existe uma injusta
agressão a ser repulsada, pois a conduta principiante do agente é ilícita. É o caso de legítima
defesa versus legítima defesa, que não é permitido no direito penal brasileiro. Se o agente age
amparado por esta excludente de antijuridicidade, é porque existi injustiça na agressão. O
injusto ofensor não pode afirmar que agiu em legítima defesa se repulsou o ataque legítimo do
agente. Exemplo ordinário disto é, o agente que, desejando matar injustamente seu inimigo, e
à vista da legítima reação deste, atira no seu inimigo sob alegação de proteger a sua vida.342
Importante neste momento trazer a colação do ensinamento de Luiz
Flávio Gomes sobre as diferenças entre a legítima defesa e o estado de necessidade:
Legítima defesa e estado de necessidade: ambas são causas de exclusão de antijuridicidade, porém, inconfundíveis: (a) na primeira há ameaça ou ataque a um bem jurídico; na segunda há um conflito entre vários bens jurídicos diante de uma situação de perigo; (b) a primeira exige agressão humana; na segunda o perigo pode decorrer de fato humano ou acontecimento natural (tempestade, v.g.).343
Sobre as diferenças entre a legítima defesa e o estado de necessidade,
Damásio E. de Jesus ensina que:
a) no estado de necessidade há conflito entre bens jurídicos; na legítima defesa há ataque ou ameaça de lesão a um bem jurídico; b) no estado de necessidade o bem jurídico é exposto a perigo (atual ou iminente); na legítima defesa o interesse sofre uma agressão; c) no estado de necessidade o perigo pode advir de conduta humana, força da natureza ou de ataque de irracional; só há legítima defesa contra agressão humana; d) no estado de necessidade o necessitado pode dirigir sua conduta contra terceiro alheio ao fato; na legítima defesa o agredido deve dirigir seu comportamento contra o agressor; e) na legítima defesa a agressão deve ser injusta; no estado de necessidade pode ocorrer a hipótese de duas pessoas, titulares de bens juridicamente protegidos, causarem lesões recíprocas. Ex.: no caso dos dois náufragos que se agridem pela posse da tábua de salvação, os bens jurídicos em litígio são juridicamente protegidos. O perigo não está na conduta de A contra B, e vice-versa; está na iminência da morte por afogamento. Para fugir à morte, admite-se que A mate B, e vice-versa. As duas agressões são lícitas, tratando-se de estado de necessidade contra estado de necessidade, ao contrário do que acontece na legítima defesa em que é exigida a agressão injusta. Daí afirmar José Frederico Marques que “o ataque lícito a um bem jurídico somente dará lugar à reação que se
341 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.101. 342 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.78. 343 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.246.
configure como prática de fato necessitado. Se o agente pratica o fato necessitado e o titular do bem jurídico repele a ação lesiva, a reação deste último não se enquadra na legítima defesa porquanto o fato necessitado não constitui agressão injusta, e sim, ato lícito”.344
Fernando Capez discorre a respeito da coexistência entre o estado de
necessidade e a legítima defesa: “é possível. Exemplo: “A”, para defender-se legitimamente
de “B”, pega a arma de “C” sem a sua autorização”. Assim, existirá legítima defesa contra
“B” e estado de necessidade contra “C”345.
Não se concretizará a excludente de antijuridicidade da legítima
defesa, se o agente cometer excessos, seja doloso ou culposo. É afastada a legitimidade da
defesa quando não estiverem presentes todos os requisitos determinados por lei, pois a lei
ordena que o agente faça uso dos meios necessários e que utilize-os de forma moderada.
Dessa forma, a legítima defesa não se configurará quando o dano ao bem jurídico do agressor
for desproporcional ou desnecessário à defesa do beneficiário.346
Acerca do tema aduz a jurisprudência, veja-se:
Excesso por imoderação no uso dos meios – TJCE: “Tratando-se da prática de homicídio, o excessivo número de tiros desferidos contra a vítima, sendo um, inclusive, pelas costas, bem como a perseguição empreendida pelo agente ao seu suposto agressor, afastam a configuração da descriminante punitiva da legítima defesa, pois inocorrente o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta, atual ou iminente agressão a direito próprio ou de outrem” (RT 773/622). TJSP: “Responder a um tapa com facada mortal é agir imoderadamente. É ultrapassar o emprego dos meios necessários para repelir agressão que provocou” (RT 549/316). TJSP: “Não se configura a legítima defesa se a agressão do ofendido foi a mãos limpas, não correndo perigo a vida do réu, de molde a justificar sua violenta reação, aquele eliminado com uma facada” (RT 548/308). TACRSP: “Transborda os limites da legítima defesa própria quem, derribado o adversário com um primeiro disparo, torna a feri-lo com novos tiros” (JTACRIM 59/171).347
Ocorre excesso doloso, quando o agente, ao se proteger de uma
ilegítima agressão, utiliza-se de meio que sabe ser desnecessário ou, mesmo tendo a lucidez
de sua desproporcionalidade, age sem moderação alguma. Já no excesso culposo, o agente,
perante o temor, susto ou abalo provocado pela injusta agressão, sai da posição de defesa e
passa a atacar o injusto agressor, mesmo depois de ter dominado este. Contudo, não existiu
uma intensificação intencional na reação, tendo em vista que o sujeito ainda pensava estar
344 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.396. 345 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.291. 346 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. p.253. 347 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. p.254.
sendo atacado pelo injusto agressor, dessa forma o excesso cometido decorreu de um engano
na avaliação da realidade.348
Caracterizando assim o excesso, tanto doloso quanto culposo, os
requisitos da legítima defesa desaparecem, devendo o agente ser responsabilizado pelas
desnecessárias lesões cometidas ao bem jurídico agredido. 349
3.3 APLICAÇÃO NO DEBATE AO JÚRI
Determina a lei, que o juiz tem o dever de elaborar os quesitos
referentes ao excesso doloso ou culposo, quando for identificada qualquer causa de excludente
da antijuridicidade. Tratando-se de legítima defesa, quando os jurados votarem negativamente
ao quesito do uso dos meios necessários e da moderação desses meios, não bastando a
identificação de um deles apenas para passar direto à votação do excesso. 350
Realizados os dois primeiros quesitos fundamentais, referentes à
autoria e materialidade (1º) e ao nexo causal, denominado também como letalidade (2º), sendo
esses dois quesitos respondidos afirmativamente pelos jurados, passa-se à quesitação da
legítima defesa, que será desenvolvida em tantos quesitos quantos forem os seus pressupostos
legais. Se não for reconhecida a injustiça, a atualidade ou iminência da agressão, não há que
se falar em legítima defesa, respondendo o agente pelo delito cometido. Todavia, se
reconhecido esses requisitos pelos jurados e se eles negarem a necessariedade dos meios ou a
moderação, passa-se aos quesitos relativos ao excesso doloso e culposo.351
Desse modo, aparecendo à tese da legítima defesa no Tribunal do Júri,
o juiz formulará os seguintes quesitos:
1) O réu, João da Silva, no dia 12 de agosto de 1.998, no interior do prédio n. 21 da rua Barros de Andrade, nesta cidade, desfechou tiros de revólver contra a vítima Pedro de Almeida, produzindo-lhe os ferimentos descritos no laudo de fls. 10? 2) Essas lesões provocaram a morte da vítima? 3) O réu, João da Silva, praticou o fato em defesa de sua própria pessoa? 4) Defendeu-se o réu de uma agressão atual? 5) Defendeu-se o réu de uma agressão iminente? 6) Defendeu-se o réu de uma agressão injusta? 7) Os meios empregados na repulsa eram necessários? 8) O réu usou moderadamente desses meios? 9) O réu excedeu, dolosamente, os limites da legítima defesa?
348 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.288. 349 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.287. 350 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.778. 351 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.289.
10) O réu excedeu, culposamente, os limites da legítima defesa?352
Se o primeiro quesito for negado pelo Conselho de Sentença, referente
à autoria do crime, será o réu absolvido, entretanto, se for negado o segundo quesito, que é
relativo à materialidade do delito, somente retira-se da competência do Tribunal do Júri tal
infração, passando a competência para o juízo singular. Sendo afirmativos esses dois quesitos,
será votado em seguida os quesitos restantes, fazendo a restrição de que o quinto quesito só é
votado se o quarto quesito for negado. 353
Respondendo os jurados negativamente aos quesitos terceiro, quarto e
quinto conjuntamente ou ao quesito sexto, será excluída a tese da legítima defesa, e o réu
passa assim a responder pelo crime cometido.354
Importante ressaltar, que o quesito relativo ao excesso somente entra
em pauta se o júri asseverar os seis primeiros quesitos. Negando um deles, principalmente
entre o terceiro e o sexto, elimina-se a legítima defesa e nem se questiona do excesso. 355
Um dos grandes problemas que se enfrenta no Tribunal do Júri, é
acerca da explicação dos quesitos da legítima defesa, como bem ensina José Luiz Filó:
Somente à guisa de exemplo: quantas vezes os jurados começam a absolver a partir do 3º quesito. Chegam a reconhecer que o réu agiu em legítima defesa. Porém, no 7º, isto é, quando se questiona se os meios eram necessários, respondem não por maioria de votos. Cai integralmente a legítima defesa. Toda a estrutura dessa excludente desmorona-se. O réu passa então a ser julgado por homicídio (culposo ou doloso). É preciso esclarecer muito bem aos jurados, que a quesitação da legítima defesa é como um bloco. Para que a tese seja aceita e para que a vontade do Conselho de Sentença seja obedecida, torna-se necessário responder sim a todos os quesitos dessa excludente criminal, mesmo que os jurados não concordem integralmente com alguns deles. Ou seja, os jurados devem responder afirmativamente aos seis primeiros quesitos, que dizem respeito à autoria, materialidade, letalidade, e os quatro requisitos componentes da Legítima Defesa. Se negados qualquer um dos três primeiros, o réu estará condenado. 356
O réu também será condenado, se os jurados negarem os quesitos
referentes aos meios necessários e também se o réu utilizou moderadamente desses meios. 357
Segundo Capez, a resposta negativa ao quesito que diz respeito aos
meios necessários, não elimina a tese da legítima defesa, porém torna prejudicado o quesito
seguinte, passando-se assim, diretamente para o quesito relativo aos excessos. Como também
352 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v.1. p.351. 353 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v.1. p.352. 354 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.289. 355 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. v.1. p.352. 356 FILÓ, José Luiz. A defesa na prática: o tribunal do júri. Campinas,SP: Bookseller, 1999. p.308. 357 FILÓ, José Luiz. A defesa na prática: o tribunal do júri.p.308.
não exclui a legítima defesa a resposta negativa dos jurados referente a moderação dos meios
utilizados pelo agente.358
Interessante neste momento, a colação de Flávio Augusto Monteiro de
Barros, que leciona sobre o tema:
Afirmando os seis primeiros quesitos, lembrando que o 5º só é votado se o júri negar o 4º, passa-se à votação do 7º e do 8º, atinentes ao meio necessário e à moderação. Para a teoria do excesso intensivo, resultando afirmativos o 7º e o 8º quesitos, não se indaga sobre o excesso, absolvendo-se o réu, com base na legítima defesa, ficando prejudicada a votação do 9º e do 10º quesitos. De fato, não se pode deixar de reconhecer a falta de lógica que seria questionar o excesso depois de o júri ter reconhecido a legítima defesa. Já para a teoria do excesso extensivo, após a afirmação do 7º e do 8º quesitos, passa-se à votação do excesso, absolvendo-se o réu apenas na hipótese de o júri negar os dois quesitos seguintes, referentes ao excesso. Em contrapartida, para a teoria do excesso intensivo, negado o 7º ou 8º, ou ambos os quesitos, daí, sim, vota-se o excesso, pois este reside justamente no emprego de meio desnecessário ou imoderado. Já para a teoria do excesso extensivo, em tal hipótese, não se vota o excesso, condenando-se diretamente o réu.359
Importante para maior esclarecimento do assunto em estudo, fazer a
distinção entre excesso intensivo e excesso extensivo. No excesso intensivo, existe agressão
injusta, atual ou iminente, contra um direito próprio ou de terceiro, porém o agente repulsa tal
agressão utilizando-se de meios desnecessários ou usa esses meios de maneira imoderada. Já
no excesso extensivo, existe também agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio
ou de terceiro, o agente usa os meios necessários para repelir tal agressão e utiliza esses meios
de forma moderada, contudo, em seguida, logo após esgotada a excludente da legítima defesa
com todos os seus requisitos, depois de impedir a agressão, o agente agride a vítima sem
necessidade, sem qualquer justificativa. 360
Sobre o quesito que diz respeito ao excesso doloso, se a resposta for
afirmativa, surge o denominado excesso doloso, respondendo o agente pelo delito cometido, a
título de dolo, eliminando assim a excludente da legítima defesa; se negativa for a resposta, o
magistrado irá indagar os jurados sobre o quesito seguinte, que é referente ao excesso culposo.
Neste quesito, se afirmativa a resposta, o agente responde pelo delito que praticou, a título de
culpa; porém, se negativa for a resposta, significa que automaticamente o excesso é acidental,
que este não originou nem de dolo nem de culpa, surgindo assim a denominada legítima
358 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.289. 359 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v.1. p.352. 360 TORRES, José Henrique Rodrigues. Tribunal do júri: estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira / coordenação Rogério Lauria Tucci. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 248.
defesa subjetiva ou excesso exculpante, onde não há um fato típico, perante a exclusão de
dolo e culpa. 361
Como bem explica Fernando Capez, o excesso exculpante não origina
nem de dolo nem de culpa, mas de um erro completamente legítimo pelas circunstâncias
(legítima defesa subjetiva). O excesso na reação defensiva procede de uma atitude emocional
do agredido, cujo estado emocional deste interferiu na sua reação defensiva, impedindo que o
agredido possuísse totais condições de balancear perfeitamente a sua repulsa em virtude do
ataque sofrido, não podendo desse modo determinar que a sua conduta seja de acordo com a
lei. 362
Por derradeiro, vale destacar que, é obrigatória a inclusão dos quesitos
referente ao excesso, toda vez que o réu sustentar a tese da legítima defesa ou de outra causa
de excludente da antijuridicidade, independentemente de solicitação do defensor do réu.363
3.4 IN DUBIO PRO REO
Este princípio é cabível quando existir dúvidas acerca da existência de
uma causa excludente de antijuridicidade ou até mesmo de culpabilidade alegadas e que, não
sendo confirmadas, a absolvição do acusado é medida que se impõe. Isto acontece muito em
casos de lesões recíprocas, onde os dois agressores dizem ter agido em legítima defesa, porém
não é possível provar qual deles deu início a agressão.364
Júlio Fabbrini Mirabete afirma que o princípio in dúbio pro reo é
aplicado também, aos incisos II e IV do art. 386 do Código de Processo Penal. A absolvição
pela ausência de provas não causa, como é óbvio, qualquer índice de culpabilidade do réu,
ocasionando os mesmos efeitos penais da sentença absolutória apoiada nos demais incisos e
nenhum daqueles instituídos para a condenação.365
A dúvida sobre a existência da tese de legítima defesa leva
obrigatoriamente à absolvição do réu, tendo em vista que, para a condenação do acusado, é
fundamental ter certeza acerca da inexistência da excludente da ilicitude. Todavia, o ato
absolutório, deverá ser fundamentado nos alicerces do inciso VI ao invés do inciso V do
Código de Processo Penal. Assim ensina a jurisprudência, veja-se: “RJTJRGS 131/191 - A
361 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.290. 362 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.288. 363 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v.1. p.353. 364 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1004. 365 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado.p.1004.
dúvida sobre a legítima defesa, sendo uma dúvida sobre a ilicitude da ação, importa em
dúvida sobre o próprio crime, ensejando a absolvição no art. 386, inc. VI, do CPP”. 366
Sobre o assunto, leciona com notada sabedoria o nobre doutrinador
Heráclito Antonio Mossin, veja-se:
Se a prova couber à defesa e esta não demonstrar à sociedade a ocorrência da causa que conduz ao acolhimento da pretensão absolutória, não há como se aplicar o favor rei. Há aqui verdadeira inversão, uma vez que deve ser aplicado o princípio do in dúbio pro societate. Se a defesa alega que houve a ocorrência de qualquer causa excludente da antijuridicidade, da culpabilidade ou da punibilidade, deve demonstrar em juízo sua ocorrência de forma firme. Se não tiver tal demonstração ou se esta não for sobeja e consistente não há como aplicar-se o princípio dissertado. Enfim, fica excluído do campo de incidência do princípio do in dúbio pro reo o inciso V, do art. 386, do Código de Processo Penal.367
Quando o processo não permite ao julgador aceitar plenamente uma
causa excludente da antijuridicidade ou ilicitude do fato, não só pela falta de prova escorreita
da legítima defesa pelo acusado, mas também devido a acusação não ter conseguido afastá-la,
desse modo, como tese defensiva, a dúvida sobre a ilicitude estará estabelecida, e, por todos
os efeitos, o órgão julgador não saberá ao certo de que o sujeito sobre o qual deva lançar o
juízo de culpabilidade cometeu um fato antijurídico, sendo que não é concebível, na vigência
de um Estado Democrático de Direito, sob o prisma do princípio da culpabilidade, a
publicação de uma sentença condenatória sustentada apenas na literalidade da norma da
bipartição do encargo instituído pelo art. 156 do Código de Processo Penal.368
Assim, alegada a excludente, porém não conseguindo a prova
estabelecer a certeza quanto aos seus elementos fáticos, o julgamento deve ser “pro reo”,
como se a legítima defesa tivesse realmente sido comprovada. Tendo em vista que, para
condenar é determinado prova incontroversa da responsabilidade criminal e uma justificativa
que não foi devidamente eliminada pela prova é o suficiente para contestar a responsabilidade
criminal. 369
O renomado penalista lusitano Américo Taipa de Carvalho diz que:
Condenar alguém, havendo dúvida razoável sobre a verificação de um elemento constitutivo de uma causa de justificação (tipo justificador), é, humana e jurídico-penalmente, tão inadmissível e injusto como considerar e dar como provada (e, assim, condenar) a prática do fato típico (tipo legal em sentido estrito), apesar de
366 Jus2.uol.com.br/Doutrina?Texto.asp?id=1096 367 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal: à luz da doutrina e da jurisprudência.p.741. 368 Jus2.uol.com.br/Doutrina?Texto.asp?id=1096 369 Jus2.uol.com.br/Doutrina?Texto.asp?id=1096
existir e permanecer dúvida razoável sobre a verificação de um elemento do respectivo tipo legal. Por outras palavras: é tão injusto condenar alguém, havendo dúvida razoável sobre a justificação do fato típico como condenar alguém, havendo dúvida razoável sobre a tipicidade da conduta. Tal como no primeiro caso, também, no segundo, há dúvida sobre a ilicitude do fato; donde que a solução não pode deixar de ser senão a imposta pelo princípio in dúbio pro reo.370
Guilherme de Souza Nucci ensina que, “se o juiz não possui provas
sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sua
sentença, o melhor caminho é a absolvição”371.
Por fim, Figueiredo Dias explica que:
O princípio in dúbio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (legítima defesa). A persistência da dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao argüido e, por conseguinte, conduzir à conseqüência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao argüido.372
3.5 OFENDÍCULOS
São chamados de ofendículos todos os impedimentos, barreiras ou
obstáculos que servem para proteger bens jurídicos. Os ofendículos são os recursos utilizados
para obstruir a agressão a qualquer bem jurídico, seja por meio de auxílio de animais, seja de
aparelhos ou artefatos produzidos pelo homem, como por exemplo: arame farpado, cacos de
vidro sobre o muro, cerca eletrificada, dentre outros.373
É muito discutido na doutrina, a natureza jurídica dos ofendículos, uns
dizem que quem se utiliza desse método para proteger qualquer bem jurídico, está agindo no
exercício regular de direito, sob o ponto de vista de que estes impedimentos instalados na
propriedade constituem o uso legal de um direito. Se evidência com isso, o momento da
instalação do ofendículo e não de seu funcionamento, que será sempre futuro.374
Sob essa ótica, explana Marcello Jardim Linhares, veja-se:
Quando a armadilha entra em ação, não mais está funcionando o homem, motivo pelo qual não se pode admitir esteja ocorrendo um situação de legítima defesa, mas sim de exercício de direito. E mesmo quando atinja um inocente, como uma criança que se fira em pontas de lança de um muro, atua o exercício de direito, pois não se pode considerar uma reação contra quem não está agredindo.375
370 Jus2.uol.com.br/Doutrina?Texto.asp?id=1096 371 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.p.656. 372 Jus2.uol.com.br/Doutrina?Texto.asp?id=1096 373 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.79. 374 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.245. 375 Marcelo Jardim Linhares Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.246.
Fernando Capez entende que os ofendículos, trata-se de exercício
regular do direito de defesa da propriedade, visto que a legislação autoriza desforço físico
instantâneo para a manutenção da posse e, portanto, de quem estiver no imóvel (Código Civil,
art. 1.210, § 1º). A pessoa, ao instalar os equipamentos, nada mais faz do que praticar um
direito seu, previsto em lei. 376
Nesse sentido, Aníbal Bruno aduz:
Não nos parece que a hipótese possa ser resolvida como legítima defesa... embora o aparelho só se destine a funcionar no momento do ataque, a verdadeira ação do sujeito é anterior: no momento da agressão, quando cabia a reação individual, ele, com o seu gesto e a sua vontade de defesa, está ausente. Além disso, a atuação do aparelho é automática e uniforme, não pode ser graduada segundo a realidade e a importância do ataque... Por tudo isso, esse proceder fica distante dos termos precisos da legítima defesa, que supõe sempre um sujeito atuando, com o seu gesto e o seu ânimo de defender-se, no momento mesmo e com a medida justa e oportuna contra a agressão atual ou iminente.377
Os ofendículos constituem exercício regular de direito sob o ponto de
vista de sua colocação ou instalação, pois o possuidor do bem tem o direito de se proteger.
Contudo, quando os ofendículos entram em ação em face de um ataque, estaremos assim,
diante da hipótese de legítima defesa preordenada.378
Para o nobre doutrinador Damásio E. de Jesus, quando os ofendículos
funcionam em virtude de um ataque, a situação será de legítima defesa preordenada, “desde
que a ação do mecanismo não tenha início até que tenha lugar o ataque e que a gravidade de
seus efeitos não ultrapasse os limites da excludente da ilicitude”379.
A injusta agressão acontece, quando o ladrão por exemplo tenta
arrombar a fechadura da porta interna da casa do agredido. Entretanto, usada a teoria da
imputação objetiva, a preparação do ofendículo é atípica, não causando prejuízo para a
identificação da legítima defesa preordenada em caso de agressão.380
Contudo, para que se caracterize a legítima defesa, exigi-se que o
ofendículo só entre em ação perante uma injusta agressão, atual ou que está prestes a
acontecer. Estando presentes esses requisitos, elimina-se a ilicitude, porém, o ofendículo tem
376 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.295. 377 Aníbal Bruno Apud CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.296. 378 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.80. 379 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.398. 380 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.398.
que ser utilizado de forma moderada. Em casos de imoderação, o agente será responsabilizado
pelo excesso causado, excluindo assim, a legítima defesa.381
Flávio Augusto Monteiro de Barros, diz que a questão do ofendículo
se encaixa melhor na situação de legítima defesa, visto que, “só funciona em face de uma
agressão atual ou iminente, traduzindo-se a sua reação numa longa manus do titular da
propriedade agredida. Trata-se de um instrumento de defesa com efeitos similares à utilização
do revólver por ocasião de um assalto”382.
Interessante acrescentar o ensinamento de Damásio E. de Jesus sobre
o assunto:
A solução de várias hipóteses depende do caso concreto. Assim, se o proprietário eletrifica a maçaneta da porta da rua, responde pelo resultado produzido em terceiro que a toque (a título de culpa ou dolo). Se eletrifica a maçaneta de uma porta interna contra ataque de ladrão, encontra-se em legítima defesa. Se o dono de uma fazenda eletrifica a cerca de local onde passam crianças, responde pelo resultado causado em algumas delas. Se, satisfeitos os requisitos da justificativa, há ferimento em terceiro inocente, trata-se de legítima defesa putativa.383
Por derradeiro, Nucci preceitua que, aquele que tem a intenção de
invadir uma propriedade, onde possui um portão que no alto tem pontas de lanças, mesmo que
venha a óbito, caracteriza clara situação de legítima defesa preordenada, necessária e
moderada. Pois, a vítima, mesmo sabendo do perigo que corria ao ultrapassar o obstáculo,
decidiu por enfrentá-lo, tendo a plena convicção de que ia evitar a lesão.384
3.6 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Neste item da presente monografia, será realizado um breve estudo
jurisprudencial, sobres os pontos mais relevantes e polêmicos, tratados pelos mais renomados
doutrinadores penalistas, acerca da legítima defesa.
Vejamos este julgado do Tribunal de Justiça gaúcho:
A ausência de qualquer um dos requisitos da legítima defesa afasta esta excludente. Existindo a materialidade e os indícios da autoria, e havendo dúvida quanto ao requisito da atualidade na alegada legítima defesa, deve o réu ser submetido a
381 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. v.1. p.347. 382 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v. 1. p.346. 383 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. parte geral.v.1. p.398. 384 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.247.
julgamento pelo Tribunal do Júri. (TJRS, RC 70000951863, Rel. Silvestre Jasson Ayres Torres, j. 31-5-2000).385
Exigi-se para que a defesa seja legítima, a presença de todos os
requisitos desta excludente da antijuridicidade, que são: agressão injusta, atual ou iminente;
direito próprio ou de terceiro, atacado ou posto em perigo de ser agredido; utilização dos
meios necessários; e por último o uso moderado desses meios. Pois, a falta de qualquer um
deles, implica na descaracterização da legítima defesa, como bem explanado na jurisprudência
acima. Tendo em vista que, no rito especial do Tribunal do Júri, vigora sempre o princípio do
in dúbio pro societate. 386
Extrai-se do Tribunal do Estado do Paraná, a seguinte jurisprudência:
A honra é atributo personalíssimo, não podendo ser maculada pela conduta desonrosa de outrem. Assim, qualquer injúria à mulher pode atingir a sua própria honra, não a do marido, assim como não se pode considerar em legítima defesa o marido que perpetra violência contra mulher adúltera e seu cúmplice (TJPR, AC, Rel. Edson Malachini, RT, 681:373)387
Vale ressaltar que a honra que é realmente atingida nos casos de
adultério, é a do cônjuge adúltero e não do cônjuge inocente, pois a honra é individual, cada
um com a sua. Assim, a honra do infiel é que foi realmente atingida, pois foi ele quem violou
as regras do casamento. Há que se considerar ainda, que não existiria mais atualidade na
agressão, pois com o começo do relacionamento adúltero, o fato já se caracterizaria como
consumado.388
O homicídio, se algum dia for acolhido pelo ordenamento jurídico
como uma solução para restabelecer a honra que foi manchada pelo adultério, será a prova
mais clara de involução, a volta dos costumes mais perversos, um passo que é inadmissível
em um povo que zela, cada vez mais, por uma sociedade que saiba respeitar os valores e
direitos básicos de cada um.389
Na legítima defesa à agressão deve ser imediata, como bem explica a
seguinte jurisprudência:
Não pode invocar a legítima defesa aquele que, depois de encerrada a agressão, arma-se e parte para a desforra contra o desafeto – Para caracterizar a excludente, a reação deve ser imediata, sob de ser considerada apenas ato de vingança, além de
385 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.102. 386 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral.v.1. p.332. 387 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado.p.103. 388 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.251. 389 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.p.253.
não poder ser excessiva, fruto de agressão sugerida pelo agente, que atua como provocador (TJSC – JCAT 96/555).390
Nesse sentido, Júlio Fabbrini Mirabete assevera que, a legítima defesa
só se configura contra agressão atual ou iminente. Não é cabível a excludente da legítima
defesa contra agressão presente em futuro remoto, ou que já tenha terminada. 391
No que tange ao excesso punível na legítima defesa, destaca-se o
seguinte julgado:
Excesso punível: Legítima defesa – Agente que revida agressão da vítima de forma excessiva, desferindo-lhe chutes – Exclusão da ilicitude – Impossibilidade – Inteligência – Art. 23, parágrafo único, do Código Penal. É impossível a exclusão da ilicitude, por legítima defesa, na conduta de agente que revida agressão da vítima de forma excessiva, desferindo-lhe chutes, uma vez que resta caracterizado o excesso doloso punível. Ementa oficial – Legítima defesa. Caracterização na prova que, sem embargo, também indica a ocorrência de excesso doloso punível na ação do acusado. Condenação pertinente (TACrim, 11ª Câm., Ap. 1.253.865/6, Rel. Juiz Ricardo Dip, j. 16-04-2001, RJTACrim 54/122).392
O excesso doloso acontece quando o agente, ao se defender de uma
agressão injusta, utiliza-se conscientemente de meios desnecessários, atuando com
imoderação. No excesso doloso o agente tem plena consciência de que está agindo de forma
desnecessária, impondo ao agressor um dano mais gravoso do que se determina, instigado por
motivos que se encontram fora da legítima defesa (vingança, hostilidade intensa,
perversidade, etc.).393
No que se refere à legítima defesa de terceiro, interessante a
transcrição de trecho da jurisprudência do Tribunal paulista e paranaense sobre o tema, veja-
se:
Legítima defesa de terceiro: Age em legítima defesa quem, vendo conhecido seu na iminência de ser atingido por uma pessoa, ainda que seu conhecido houvesse dado início à contenda, agride o portador da arma moderadamente (TAPR, RT 638/330). Igualmente, o segurança particular que reage a ataque injusto à pessoa do patrão ou do patrimônio deste (TJSP, RT 786/632).394
A legítima defesa de terceiro ocorre quando o agente defende o direito
de uma terceira pessoa, pode ser qualquer direito, são eles: o direito a vida, liberdade
individual, patrimônio, liberdade sexual, dentre outros. A defesa legítima do direito alheio, é
390 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.249. 391 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.246. 392 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.103. 393 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120).v.1. p.288. 394 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.99.
um dos requisitos básicos da legítima defesa, e está descrito no caput do art. 25 do Código
Penal brasileiro. 395
Um tema bastante controvertido na jurisprudência, é a legítima defesa
e aberratio ictus, como observaremos em seguida:
Legítima defesa e aberratio ictus – TJAL: Reagindo contra injusta agressão, pelo único meio que viu indispensável para repelir agressão atual, exercita o agente o direito de defesa, sendo sua ação penalmente inócua, mesmo que, atingindo fatalmente seu agressor, também tenha alvejado e ferido outra pessoa que ocasionalmente passava pelo local (RT 741/652). TJSP: A legítima defesa é perfeitamente admissível quando terceiro vem a ser atingido, em hipótese de aberratio ictus, pelo acusado (RT 600/321). No mesmo sentido, TJSP: RT 393/129. CONTRA – TACRSP: No ato de defesa pode ser atingida pessoa diversa da do agressor, ou por aberratio ictus, ou por error in persona. Em qualquer dos casos não se pode reconhecer a legítima defesa, pois esta inexiste fora de suas condições objetivas, entre as quais a de que a repulsa seja exercida contra o injusto agressor (RT 569/315).396
Segundo entendimento de Luiz Flávio Gomes sobre a legítima defesa
e aberratio ictus, o agente agindo em legítima defesa real, erra na execução e acaba tirando à
vida de um inocente, estará ele absolvido na esfera penal, todavia, responderá na esfera cível,
sendo indenizado por danos civis. 397
Paulo José da Costa Jr., afirma que poderá o ofendido, “por erro nos
meios de execução (aberratio ictus), atingir terceiro que não o agrediu. Será igualmente
beneficiado da excludente de ilicitude, pois se considera o fato como se fosse praticado contra
a pessoa à qual fora endereçado”398.
Por fim, vale destacar um trecho da jurisprudência do Tribunal de
Minas Gerais extraída da obra de Celso Delmanto, acerca dos ofendículos: “Armadilhas de
defesa (offendicula): Caracteriza-se legítima defesa se instalou cerca eletrificada no interior
de propriedade rural, causando a morte de ladrão (TAMG, Ap. 16.190, j. 28.6.88)”.399
A questão do ofendículo é bastante discutida na doutrina, uns dizem
que é legítima defesa preordenada, outros sustentam a tese de que as ofendículas são hipóteses
de exercício regular de direito.
Ricardo Antonio Andreucci explana a respeito da matéria:
395 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.242. 396 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado.p.252. 397 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito.v.3. p.246. 398 COSTA JR., Paulo José da. Código penal comentado.p.102. 399 DELMANTO, Celso. Código penal comentado.p.99.
Constituem as ofendículas exercício regular de direito quanto ao aspecto de sua instalação ou colocação, tendo o titular do bem ou interesse o direito de autoproteger-se. Quando operam as ofendículas, entretanto, constituem hipóteses de legítima defesa preordenada.400
Contudo, o mais correto é analisar cada caso concreto separadamente,
respeitando sempre os requisitos descritos no art. 25 do Código Penal, correndo por conta de
quem utiliza-se desses meios, os riscos que apresentam.
400 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Mini código penal anotado.p.80.
CONCLUSÃO
A excludente da legítima defesa, é dita por vários estudiosos do direito
como uma das causas de justificação mais antiga, presentes nas legislações penais mais
remotas.
A legítima defesa que está prevista no art. 23 do Diploma Penal é um
causa de exclusão da ilicitude ou de antijuridicidade, desse modo, quem atua em legítima
defesa, não pratica delito algum. É uma defesa indispensável, contra uma agressão injusta,
atual ou iminente, que fere direito próprio ou alheio, onde sempre deverá ser observado pelo
órgão julgador o meio necessário que foi utilizado pelo agente na repulsa, e também se usou
este meio de forma moderada e proporcional.
Podemos afirmar que a pessoa que age em legítima defesa, está por
sua vez substituindo o Estado, pois é impossível nos dias de hoje, o Estado atuar em todos os
lugares e ao mesmo tempo. Assim, quem paga mais com isso é a sociedade, que paga uma
enormidade de impostos, e o que se vê na verdade é a falência completa dos órgãos de
segurança pública. A defesa quando legítima, é uma maneira lícita que permite ao particular
garantir a ordem jurídica.
Se o indivíduo atuar em legítima defesa, e cometer um ilícito, se a
situação dos fatos comprovarem que este realmente agiu em legítima defesa, a excludente não
desaparecerá. Mesmo tendo ele a certeza de que agiu de forma equivocada, nada obsta a
proteção de fato de um direito que é a legítima defesa.
É importante distinguir que, se o agente se defende opondo-se ao
ilícito, estará ele atuando em harmonia com o direito. Aquele que comete homicídio agindo
em situação de legítima defesa, exerce a conduta tipificada no art. 121 do Diploma Penal
brasileiro, todavia, ele não comete o ilícito, pois agiu acobertado por uma excludente da
ilicitude.
A legítima defesa tem que ser uma tutela moderada e proporcional,
podendo ir desde uma simples defesa até um ataque violento, contudo, isso irá depender da
intensidade da agressão. Entre a repulsa e o perigo provocado pelo ataque injusto, sempre
deverá existir um equilíbrio.
Importante destacar a diferença entre a legítima defesa e o estado de
necessidade, neste, não existe uma agressão, pois cada indivíduo defende um direito próprio,
enquanto que, a legítima defesa só existi contra uma ação humana, e o estado de necessidade
poderá proceder da força da natureza. Explicando de modo mais simples, podemos afirmar
que o estado de necessidade requer ação, já a legítima defesa requer uma reação.
Por fim, a legítima defesa, à medida em que se constitui num instituto
de tutela ao direito injustamente atacado, apresenta-se para a sociedade como sendo um
instituto muito necessário, aliás, é da natureza do ser humano defender-se das agressões
injustas. É certo que os instintos naturais também estão sujeitos as leis da evolução, todavia, o
direito deve estar em harmonia com a época a qual se encontra, visto que, a máxima
evangélica de oferecer a outra face ao agressor, que de certo modo não permite a reação à
agressão, não tem encontrado muito respaldo na vida social.
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