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1 EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL RIO DE JANEIRO URGENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Saúde da Capital, presentada pela Promotora de Justiça que a esta subscreve, vem, perante esse r. Juízo, com fundamento nos artigos 129, inciso III, da Constituição da República, 34, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 106/03, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do: ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ n° 42.498.600/0001-71, representado pelo Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro, com endereço na Rua do Carmo, nº 27, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20011-020, nesta cidade, pelos fundamentos fáticos e jurídicos que passa a expor. 1. DOS FATOS A presente ação civil pública tem por objeto, em síntese, assegurar a máxima eficácia do direito fundamental à saúde, promovendo a sustentabilidade das políticas públicas planejadas pelo nível estadual da federação, através de decisão judicial que (1) obrigue o Chefe do Poder Executivo Estadual e a Fazenda Pública Estadual a realizar o 3

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EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL – RIO DE JANEIRO

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio da

1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Saúde da Capital, presentada pela Promotora de

Justiça que a esta subscreve, vem, perante esse r. Juízo, com fundamento nos artigos 129, inciso

III, da Constituição da República, 34, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 106/03, ajuizar

a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face do:

ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ n°

42.498.600/0001-71, representado pelo Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro, com

endereço na Rua do Carmo, nº 27, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20011-020, nesta cidade, pelos

fundamentos fáticos e jurídicos que passa a expor.

1. DOS FATOS

A presente ação civil pública tem por objeto, em síntese, assegurar a máxima

eficácia do direito fundamental à saúde, promovendo a sustentabilidade das políticas

públicas planejadas pelo nível estadual da federação, através de decisão judicial que (1)

obrigue o Chefe do Poder Executivo Estadual e a Fazenda Pública Estadual a realizar o

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devido repasse de verbas de vinculação constitucional ao Fundo Estadual de Saúde do

Estado do Rio de Janeiro, para financiamento das ações e serviços públicos de saúde

(doravante ASPS) e (2) impeça a Fazenda Pública Estadual de realizar qualquer limitação

de empenho e movimentação financeira que comprometa a aplicação destes recursos,

bem como impeça tanto a Secretaria da Fazenda Estadual quanto a Secretaria de Saúde

Estadual de realizarem despesas em ASPS por intermédio de unidades orçamentárias

distintas do Fundo Estadual de Saúde, tudo em cumprimento à Constituição da República,

art. 198, I, §2º, II, e §3º e sua regulamentação pela Lei Complementar nº 141/2012.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro vem acompanhando, por

intermédio de diversos inquéritos civis em trâmite perante a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela

Coletiva da Saúde da Capital, a formulação e a execução de políticas em matéria de saúde pública,

em prol dos inúmeros cidadãos fluminenses que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS)

para sobreviver.

Ao final do ano de 2015, este órgão ministerial foi surpreendido por notório quadro

de calamidade no sistema de saúde pública estadual, conforme amplamente noticiado nos meios

de comunicação social, tendo esta crise eclodido com o fechamento de unidades e

estabelecimentos de saúde estratégicos para a população do Estado, caso do Hospital Geral

Getúlio Vargas sediado na Penha, além de diversas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs),

culminando na destituição do antigo gestor e nomeação de novo Secretário Estadual de Saúde,

bem como na municipalização de unidades geridas pelo Estado do Rio de Janeiro (fls. 41/42)1.

A conjugação de esforços para minimizar os danos à população, embora tenha se

concretizado por ações e diálogos do Ministério Público com os principais gestores públicos do

SUS, culminando na constituição de um comitê de crise tripartite anunciado pela União, Estado e

Município do Rio de Janeiro, não implicou em definitiva resolução desta crise.

Pelo contrário, a conjuntura se agravou e está longe de ser obtida uma solução

concreta em médio prazo, haja vista o quadro crítico de ausência de sustentabilidade financeira

das políticas estaduais de saúde e sua rede de serviços.

Diante deste quadro, coube ao Ministério Público investigar os motivos da ausência

de uma política eficaz para solucionamento do quadro de crise aguda que se instalou no sistema

de saúde pública. É verdade que a prestação do serviço público de saúde nunca foi realizada de

1 Todas as páginas mencionadas na presente inicial referem-se aos autos do IC 09/16, que acompanha a presente peça.

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forma ideal. Todavia, nunca foi tão crítica a situação das unidades de saúde estaduais, as quais se

encontram atualmente sob risco de encerramento imediato de suas atividades, diante da

escassez de recursos mínimos para continuação da prestação.

Desta investigação, o Ministério Público, presentado pela 1ª Promotoria de Justiça de

Tutela Coletiva da Saúde da Capital, constatou que o Estado do Rio de Janeiro vem praticando

duas ordens de ilegalidades, as quais serão melhor esclarecidas nos subitens a seguir. Tratam-se

de condutas que, em suma, violam o disposto no art. 198 da CRFB/88 e sua regulamentação

pela LC 141/2012, embaraçando o adequado financiamento das políticas públicas em matéria

de saúde e, em última análise, prejudicando o direito à vida e à saúde de todos os usuários do

SUS. Vejamos.

1.1 – DA AUSÊNCIA DE REPASSES FINANCEIROS REGULARES E AUTOMÁTICOS

AO FUNDO ESTADUAL DA SAÚDE – VIOLAÇÃO DA VINCULAÇÃO

CONSTITUCIONAL DE RECEITAS (ART. 198, §2º, II E §3º DA CRFB/88 C/C

ART. 6º DA LC 141/2012)

Desde o raiar do ano de 2016 o Ministério Público, em diversas oportunidades,

procurou dialogar com os gestores estaduais, mormente Secretário Estadual de Saúde então

recém empossado, no intuito de compreender este quadro de crise e procurar soluções

possíveis para evitar nova descontinuidade da prestação dos serviços à população. De toda esta

aproximação concluiu que um diagnóstico era recorrente na fala destes gestores, qual seja, o da

ausência de recursos para financiamento das políticas planejadas e previstas no Orçamento da

Saúde para o ano de 2016, tudo em virtude da crise financeira notoriamente vivenciada pelo

Estado do Rio de Janeiro.

Ocorre que, aprofundando sua investigação sobre o tema do financiamento das ASPS

no Estado do Rio de Janeiro, este Órgão de Execução teve acesso a informação alarmante e que

gerou perplexidade imediata. Desvendou-se que, há tempos (ao menos desde 2014), o Estado do

Rio de Janeiro vem deixando de financiar as ASPS na forma como determina o art. 198, §2º, II, e

§3º da CRFB/88, regulamentado pela LC 141/2012. Em curtas palavras, adiante detalhadas, a

Secretaria Estadual de Fazenda deixa de realizar repasses regulares das cotas financeiras

constitucionalmente obrigatórias ao Fundo Estadual de Saúde, prejudicando o financiamento de

todas as políticas de saúde no Estado do Rio.

O que se pretende demonstrar pela presente ação é que a alegada falta de recursos

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financeiros para financiamento das ASPS decorre da prática que vem adotando o Estado do Rio

de Janeiro – por sua Secretaria Estadual de Fazenda – de subfinanciar o Fundo Estadual de Saúde

ao longo do ano civil, realizando repasses inferiores ao percentual de 12% da arrecadação,

conforme previsto no art. 6º da LC 141/2012.

Com efeito, o art. 6º da LC 141/2012, regulamentando o art. 198, §3º, da CRFB/88,

determina que os Estados deverão aplicar em ASPS no mínimo 12% da arrecadação dos

impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art. 157, a alínea “a” do inciso

I e o inciso II do caput do art. 159, todos da CRFB/88, deduzidas as parcelas que forem

transferidas aos respectivos Municípios (verbas estas doravante referidas como “receitas

elegíveis”).

Tal previsão normativa – constitucional e legal – tem por objetivo garantir um

mínimo de investimento pelo gestor público na promoção do direito social à saúde, na medida

em que este direito, tal como a educação, é um dos direitos mais fundamentais do cidadão,

revelando a escolha legítima realizada pelo Poder Constituinte Originário.

É manifesto o “espírito da lei”, no sentido de garantir o financiamento mínimo das

ASPS, tornando possível que os gestores de cada ente federativo, responsáveis pelas políticas

em matéria de saúde pública, tenham sempre disponível em caixa certa quantia em dinheiro

que permita a execução destas políticas.

Disso decorre, naturalmente, que tais repasses devem ser realizados regularmente,

isto é, com certa periodicidade, a fim de garantir a constante disponibilidade de caixa no

Fundo Estadual de Saúde, permitindo que a Secretaria Estadual de Saúde faça frente aos

compromissos financeiros assumidos em razão da execução das ASPS.

Na prática, após a arrecadação de impostos e receitas – o que ocorre regularmente

ao longo do ano –, a Secretaria de Fazenda Estadual deveria transferir a este Fundo a cota

financeira prevista no art. 6º da LC 141/2012, consistente no percentual de 12% sobre as

receitas elegíveis, tudo conforme previsto no art. 198, §2º, da CRFB/88, isto com o intuito de

viabilizar disponibilidade financeira à Secretaria Estadual de Saúde para promover as suas

políticas planejadas, financiando-as ao longo da execução das mesmas.

O raciocínio é simples: para que a Secretaria de Saúde possa planejar as ações e

serviços em saúde, promovendo sua oferta contínua, deve celebrar negócios jurídicos que

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demandam pagamentos periódicos – na maioria das vezes com periodicidade mensal – e, para

tanto, necessita ter dinheiro em seu fundo para financiamento destes negócios jurídicos. Este

dinheiro é oriundo do Fundo Estadual da Saúde, o qual deveria ser, portanto, periodicamente

“alimentado” pela Secretaria de Fazenda Estadual.

Mas não é o que ocorre na prática, eis que a Secretaria de Fazenda não disponibiliza

com regularidade a verba arrecadada ao longo do ano, deixando para transferir tais valores

apenas em momento posterior, quando a Secretaria de Saúde já se tornou inadimplente e todas

as ações e serviços em saúde já entraram em colapso por falta de pagamento.

Em ofício endereçado ao Ministério Público, a Secretaria Estadual de Fazenda, por

sua Coordenadoria Setorial de Contabilidade-Saúde, informou no último dia 11 de abril que,

conforme informações contidas no Sistema Integrado de Gestão Orçamentária, Financeira e

Contábil do Rio de Janeiro (SIAFE-RIO), bem como em Relatórios Resumidos da Execução

Orçamentária (RREO) – informações estas disponibilizadas no Portal de Transparência da

SEFAZ –, o valor correspondente ao percentual de 12% que deveria ter sido transferido ao Fundo

Estadual de Saúde no 1º bimestre de 2016 corresponde a R$ 746.770.596 milhões. No entanto, a

própria Fazenda ADMITIU que disponibilizou financeiramente para este Fundo, tão somente,

R$ 377.209.864 milhões, restando um déficit financeiro de R$ 369.560.732 milhões, conforme

tabela que segue (fls. 27).

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Vê-se que a própria Fazenda Estadual admite que vem transferindo valores em

percentual inferior ao devido ao Fundo Estadual da Saúde, em evidente conduta irregular.

O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em análise da prestação de contas

do Chefe do Poder Executivo Estadual referente ao exercício de 2014, proferiu relatório em que

constatou tal irregularidade, razão pela qual determinou ao Executivo Estadual, em seu processo

número 101.885-1/15 (fls. 20 do IC, fls. 1738 do processo TCE-RJ):

DETERMINAÇÃO N. 50:

À SECRETARIA DE ESTADO DE FAZENDA E À SECRETARIA DE

ESTADO DE SAÚDE

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Transferir para o Fundo Estadual de Saúde recursos financeiros no

momento do empenhamento das despesas, e não somente quando do

pagamento, concentrando no Fundo as disponibilidades necessárias para

saldar as obrigações assumidas com as despesas consideradas como ações e

serviços públicos de saúde, para efeito de apuração do limite constitucional.

De fato, verificou o TCE-RJ que a Secretaria de Estado de Fazenda deixava de fazer os

repasses periódicos ao Fundo Estadual de Saúde. Constatou que “Conforme demonstrado, o

Estado não possuía recursos suficientes nas Fontes de Recursos 00 a 222 para arcar com todas as

obrigações assumidas” (fls. 10v do IC e fls. 1541 do processo TCE-RJ).

Em outras palavras, verificou o TCE-RJ que a Secretaria de Estado de Fazenda de fato

não repassa o percentual sobre o produto da arrecadação ao Fundo Estadual de Saúde

regularmente, tornando inviável a continuidade da prestação do serviço público de saúde à

população neste momento de crise financeira.

Veja-se, portanto, que a problemática é basicamente de caráter financeiro: a Fazenda

se autofinancia ao atrasar os repasses ao Fundo Estadual de Saúde, em detrimento das ASPS,

essenciais à população.

No mesmo sentido, o Exmo. Sr. Secretário de Saúde, em ofício dirigido a esta

Promotoria de Justiça no último dia 12 de abril, informou que “não há uma periodicidade de

transferência dos recursos financeiros, pois o mesmo se dá de acordo com a disponibilidade e fluxo

de caixa da SEFAZ” (fls. 32, item 03). Acrescentou que, até aquela data, teria sido disponibilizado

ao Fundo Estadual de Saúde um pouco mais do que 6% do produto da arrecadação (conforme

planilha de fls. 35), percentual este muito aquém dos 12% previstos no art. 6º da LC 141/2012.

É evidente o prejuízo à população.

Com efeito, nesse primeiro trimestre de 2016, as redes sociais e demais meios de

comunicação em geral, além de cidadãos e servidores da Secretaria Estadual de Saúde têm

noticiado o preocupante quadro de iminência de um novo colapso na rede estadual de saúde,

com a suspensão de internações e grave exposição dos pacientes aos riscos sanitários

decorrentes das péssimas condições de atendimento aos usuários constatadas nas unidades de

saúde que ainda se prestam a funcionar, apesar da precariedade dos seus recursos básicos. As

2 Códigos Contábeis relativos a Recursos para a saúde

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unidades de saúde pública da rede estadual estão funcionando de forma precária, muitas delas

sem limpeza, climatização, manutenção de equipamentos, apoio de informática e

administrativo, motoristas de ambulância, nutrição, armazenamento e dispensa de

medicamentos, coleta de resíduos de saúde etc, tudo em virtude da falta de pagamento das

empresas terceirizadas contratadas para realização de tais atividades-meio, essenciais ao bom

funcionamento das unidades.

Esse é o caso amplamente divulgado do Hospital Universitário Pedro Ernesto, que

anuncia seu fechamento, em decorrência da condicionalidade de receber suas cotas financeiras

através do Fundo Estadual de Saúde3.

Outro caso amplamente divulgando na mídia foi a interrupção de serviços do

HEMORIO, serviço com a importante missão de coleta e distribuição de sangue para

procedimentos cirúrgicos realizados em unidades de saúde, bem como de apoio aos Municípios

do Interior, nos quais a Hemorrede pactuada com o Estado ainda se encontra em estruturação4.

Ademais, há notícias de atrasos nas remunerações dos profissionais de saúde5 e

faltam medicamentos, máquinas e insumos básicos para manter as unidades públicas de saúde

em funcionamento, quadro que persiste desde o final do ano de 2015.

Em reunião realizada sob a Presidência desta Promotoria de Justiça, aos 16 dias de

março de 2016, o Subsecretário Geral de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Francisco

Caldas, admitiu que o presente quadro decorre de dois fatores, quais sejam, a queda de

arrecadação de receitas pelo Estado no ano de 2015 e a escolha de prioridades de pagamentos

estabelecida pelo Chefe do Poder Executivo Estadual. Esclareceu o Ilustre Subsecretário Geral

de Fazenda que o Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro elegeu como prioridade

de pagamento os duodécimos dos Poderes, serviços das dívidas contraídas com o ente federal,

decisões judiciais, remuneração de servidores públicos estatutários, celetistas de empresas

públicas e fundações, além de cargos comissionados ativos do Poder Executivo e todos os

inativos (ata de reunião às fls. 38/40).

O que se percebe, na realidade, é que o dinheiro arrecadado é utilizado para

3 Hospital Pedro Ernesto pode fechar em dois meses, diz diretor. Afirmação aconteceu durante audiência pública na Alerj. Caso

repasses não sejam regularizados, serviços seriam paralisados em junho. http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/03/hospital-pedro-ernesto-pode-fechar-em-dois-meses-diz-diretor.html 4 ttp://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/04/hemorio-vai-parar-de-coletar-sangue-partir-de-domingo.html

5 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/04/servidores-de-33-categorias-do-estado-do-rj-estao-em-greve.html

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pagar outras despesas, consideradas prioritárias pelo Chefe do Poder Executivo,

enquanto as ASPS são subfinanciadas, aguardando repasses que só virão a acontecer

futuramente, quando todos os serviços já tiverem sido inadimplidos e entrado em

colapso.

Ressalte-se, neste ponto, que não se busca aqui, interferência nas escolhas de

prioridades discricionárias pelo Chefe do Executivo, mas apenas que se destina a parcela

prevista para a saúde pública na Constituição da República e na Lei Complementar

141/2012.

Vê-se, portanto, que o que é eleito pela Constituição da República como

prioridade, ou seja, o pagamento de ASPS – eis que a Constituição define uma cota

mínima de despesa na promoção deste direito fundamental – não foi eleito pelo Exmo. Sr.

Governador como prioridade neste momento de crise financeira, o que revela a sua

postura evidentemente alheia aos interesses sociais mais indisponíveis e caros à

sociedade.

Na ordem de credores anunciada pelo Subsecretário de Fazenda na reunião celebrada

no último dia 16 de março, os pagamentos de custeio de serviços públicos entre os quais das

unidades de saúde não estão em escala prioritária, ficando esses compromissos financeiros sob

a responsabilidade da Fazenda e condicionados à disponibilidade de caixa do Tesouro Estadual

(fonte 00).

Na mesma oportunidade, o Subsecretário Jurídico da Secretaria Estadual de Saúde

afirmou a impossibilidade de assegurar a disponibilidade financeira de créditos orçamentários

relativos àquela unidade específica (HUPE), frise-se sem a garantia de repasses dos valores

pela Secretaria de Fazenda ao Fundo Estadual de Saúde, onde uma vez alocados recursos, a

gestão estaria autonomamente sob a discricionariedade do gestor do SUS (Secretário

Estadual de Saúde) de acordo com seu efetivo planejamento submetido ao controle social.

Mais recentemente, em novo ofício endereçado a esta Promotoria de Justiça, em 15

de abril, a Secretaria Estadual de Fazenda novamente admitiu que vem subfinanciando o Fundo

Estadual da Saúde, afirmando textualmente que “o fluxo de entrada de receita não vem

comportando o repasse mensal dos 12% para Ações e Serviços de Saúde, uma vez que, a constante

preocupação em honrar compromissos igualmente prioritários, como folha de pessoal e dívida,

além dos serviços básicos, exige que a receita realizada seja direcionada também para essas

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despesas” (fls. 45/46).

Com esta afirmação, admite o réu que vem preterindo o financiamento à saúde,

em frontal violação aos termos do que determina a Constituição da República quando

estabelece destinação de verbas mínimas ao financiamento deste direito social

fundamental. Trata-se de escolha realizada pelo Poder Constituinte Originário, impossível

de ser refutada pelo Chefe do Poder Executivo Estadual.

Data venia, nada pode ser considerado mais importante do que a garantia dos

direitos à saúde e à educação, segundo a escolha do Constituinte, estampada

respectivamente nos arts. 198 e 212 da CRFB/88!

Como se vê, a falta de repasses financeiros regulares ao Fundo Estadual da Saúde

inviabiliza a continuidade dos serviços essenciais e pagamentos regulares aos prestadores e

profissionais de saúde, gerando inevitável falta de: medicamentos, insumos, equipamentos,

materiais básicos, serviços de limpeza, alimentação, médicos e profissionais de saúde em

geral, em muitas unidades sob a gestão de Organizações Sociais.

A cada dia que passa é anunciada mais uma restrição do atendimento em uma nova

unidade hospitalar de referência do Estado, e o aumento da sobrecarga dos demais serviços

geridos pelos níveis estadual, municipal e federal de saúde, que compõem o SUS, sem um

monitoramento contínuo que viabilize a transparência dos desafios cotidianos das demandas

das unidades e encaminhamentos dos pacientes dentro desses serviços que compõem a rede

SUS.

Por outro lado, em postura manifestamente contraditória e inconstitucional, o Estado

do Rio de Janeiro permanece investindo, ainda que indiretamente por isenções e renúncias

fiscais com prazos indeterminados, vultuosas quantias em outros setores, não prioritários6.

Sem falar nas renúncias fiscais que, de igual modo, importam em perda de receita preciosa e

substancial para o setor da saúde. Basta ler as notícias elencadas, também disseminadas

6 Alerj aprova empréstimo para conclusão da Linha 4 do Metrô do Rio. Projeto de lei prevê empréstimo de quase R$ 1 bilhão para

concluir obras. Emendas de diversos parlamentares foram discutidas após aprovação. Káthia Mello. Do G1 Rio; http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/04/alerj-aprovada-emprestimo-para-conclusao-da-linha-4-do-metro-do-rio.html Cervejaria beneficiada com R$ 687 milhões. Grupo Petrópolis recebeu incentivo fiscal por meio de decreto do estado Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/cervejaria-beneficiada-com-687-milhoes-18478189

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recentemente nos meios de comunicação, para constatá-lo.

Frise-se que, conforme informado pelo Exmo. Sr. Secretário de Saúde em ofício

dirigido a esta Promotoria de Justiça, “os recursos financeiros para o adimplemento das

obrigações não têm sido suficientes para o pagamento das despesas liquidadas” e que “há

algumas unidades da SES com evidente redução de atividades e suspensão de alguns serviços.

Existem inúmeros contratos firmados com Organizações Sociais (Hospitais e Unidade de Pronto

Atendimento) e contratos de serviços diversos (apoio administrativo, limpeza, vigilância e

outros), cujos valores pagos não estão sendo suficientes para manutenção plena das atividades,

colocando, assim, em risco a continuidade dos serviços oferecidos à população”. Concluiu que

“com certeza, a definição de uma periodicidade de repasse de recursos financeiros

compatíveis com a arrecadação e de acordo com o índice constitucional impediriam

paralisações bruscas e a descontinuidade dos serviços prestados à população” (fl. 34)

Verifica-se, destarte, que o ESTADO DO RIO DE JANEIRO, através de sua

SECRETARIA DE ESTADO DE FAZENDA, mediante postura manifestamente inconstitucional

(passível, inclusive de intervenção federal – art. 34, “e”, da CRFB/88) atua em evidente violação

dos artigos art. 198, §2º, II, e §3º da Carta Constitucional e da sua regulamentação pelo art.

6º da LC nº 141/2012, NÃO assegurando o repasse financeiro regular e automático ao

Fundo Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro da verba destinada à saúde, obstando,

pois, a manutenção da rede de serviços atualmente instalada, via FUNDO ESTADUAL DE SAÚDE,

e garantida através dos recursos mínimos necessários de 12% de suas receitas elegíveis,

conforme os marcos regulatórios supracitados, o que, por certo, como está escancarado em

todos os meios de comunicação, vem acarretando gravíssimos prejuízos à adequada prestação

dos serviços de saúde, culminando na interrupção sucessiva e lastimável de preciosos serviços

hospitalares e pré hospitalares, além dos ambulatoriais.

Diante de tal cenário e da postura adotada pelo Poder Executivo Estadual,

notadamente a Fazenda Estadual e o Chefe do Poder Executivo, não havendo indicativo de que

serão realizados neste ano de 2016, mormente no primeiro bimestre, os devidos repasses, não

resta outra alternativa senão a propositura desta Ação Civil Pública.

1.2 – DA LIMITAÇÃO DE EMPENHO E MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – DA

REALIZAÇÃO DE DESPESAS SEM “PASSAGEM” PELO FUNDO ESTADUAL DE

SAÚDE - VIOLAÇÃO DO COMANDO ÚNICO DO SUS PELA SECRETARIA

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ESTADUAL DE SAÚDE (ART. 198, I, CRFB/88) E DA AUTONOMIA DO FUNDO

ESTADUAL DE SAÚDE, COMO UNIDADE ORÇAMENTÁRIA E GESTORA DOS

RECURSOS (ARTS. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, 14, 16 E 28 DA LC 141/2012)

Além de gerar este déficit financeiro à Secretaria de Saúde, a postura que vem sendo

adotada pelo réu, por intermédio de seu Chefe do Poder Executivo e de sua Secretaria Estadual de

Fazenda, acarreta violação direta à diretriz preconizada no art. 198, I, da CRFB/88, de gestão

autônoma do Secretário Estadual de Saúde, representante da direção única na esfera

estadual de governo das políticas em saúde pública7.

Com efeito, a Secretaria de Fazenda, ao reprimir os repasses das verbas de

vinculação constitucional ao Fundo Estadual de Saúde acaba retirando do Secretário Estadual de

Saúde toda a sua autonomia para desenvolver as suas políticas planejadas pois, como sabemos,

“direitos não nascem em árvores”8, e as ASPS custam dinheiro. Sem dinheiro, nada pode fazer o

Secretário Estadual de Saúde, o qual fica inteiramente submetido ao alvedrio do Tesouro

Estadual.

É o que vem ocorrendo, conforme comunica o Exmo. Sr. Secretário Estadual de Saúde

em ofício endereçado a esta Promotoria de Justiça, pelo qual informa que tem a gestão limitada

dos recursos destinados ao financiamento das ASPS, em razão da insuficiência de verbas para

atender à plena demanda (fls. 33, item 6).

Neste mesmo ofício, acrescentou o Secretário de Saúde que a Secretaria Estadual de

Fazenda limita a gerência dos recursos destinados à saúde mediante limitação de empenhos.

Ademais, informou que os respectivos pagamentos dos empenhos liquidados são realizados

exclusivamente pela SEFAZ, fato que também limita a gestão destes recursos (fls. 33, itens 6 e

7).

Em outras palavras, quer dizer o Exmo. Sr. Secretário de Saúde que o dinheiro que

deveria ser destinado ao financiamento das ASPS, mediante transferência da cota financeira de

12% da arrecadação das receitas elegíveis ao Fundo Estadual de Saúde, na realidade fica sendo

7 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; 8 Plagiando Flávio Galdino, em sua obra “Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores”,

Editora Lumen Juris

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“administrado” pela própria Fazenda, sem qualquer liberdade de disponibilidade por parte da

Secretaria de Saúde. Trata-se de total inversão do preceito constitucional segundo o qual a

direção da gestão do SUS ficará a cargo do Secretário de Saúde (art. 198, I, CRFB/88).

Isso porque a Fazenda determina limitações de empenho9 à Secretaria Estadual de

Saúde e, ademais, ela que determina quais dos compromissos financeiros assumidos pela

Secretaria de Saúde serão pagos, e quais serão inadimplidos por falta de fluxo de caixa. É a

Secretaria de Fazenda que, em última instância, faz os pagamentos aos credotres da Secretaria

de Saúde.

Ora, se a Secretaria de Fazenda decide quanto e quando libera os recursos,

evidentemente não tem a Secretaria de Saúde autonomia para planejar e executar as ações e

serviços de saúde: o Fundo funciona como uma mera unidade contábil, mera unidade “de

passagem” de recursos, e não unidade gestora, como determina o art. 14 da LC 141/1210.

Conforme informou o Exmo. Sr. Secretário de Saúde, no mesmo ofício

supramencionado, “Os recursos destinados às ações e serviços públicos de saúde são empenhados

e liquidados pelo Fundo Estadual de Saúde, que emite a respectiva Programação de Desembolso

(PD) de acordo com as cotas financeiras liberadas pela Secretaria de Estado de Fazenda

(SEFAZ), cabendo a esta executá-las (efetivar os respectivos pagamentos), de acordo com

as disponibilidades financeiras e fluxo de caixa do Tesouro Estadual” (nosso grifo – fl. 32,

item 1)

Disso se depreende que a Secretaria de Saúde emite PDs que serão pagas pelo

Tesouro, de acordo com sua disponibilidade de caixa e suas escolhas de prioridades de

pagamentos. Significa dizer, em síntese, que, ao fim e ao cabo, é a Secretaria de Fazenda quem

decide o que vai pagar em matéria de ASPS! Que tipo de autonomia possui o Secretário de Saúde

para planejar e organizar as despesas e respectivos pagamentos? Nenhuma. Não há, dessa

forma, a chamada “direção única”, prerrogativa prevista no art. 198, I, da CRFB/88.

9 A definição de empenho segundo o art. 60 da Lei 4.320 é o instrumento de que se serve a Administração a fim de controlar a

execução do orçamento. É através dele que o Legislativo se certifica de que os créditos concedidos ao Executivo estão sendo obedecidos. O empenho constitui instrumento de programação, pois, ao utilizá-lo racionalmente, o Executivo tem sempre o panorama dos compromissos assumidos e das dotações ainda disponíveis. Isto constitui uma garantia para os fornecedores, prestadores de serviços e empreiteiros, constantes em geral. MACHADO JR., José Teixeira. A lei 4.320 comentada (por) J, Teixeira Machado Jr. (e) Heraldo da Costa Reis. 31. Ed. Ver. Atual. Rio de Janeiro, IBAM, 2002/2003. P.144.

10 Art. 14. O Fundo de Saúde, instituído por lei e mantido em funcionamento pela administração direta da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, constitui-se-á em unidade orçamentária e gestora dos recursos destinados a ações e serviços públicos de saúde, ressalvados os recursos repassados diretamente às unidades vinculadas ao Ministério da Saúde

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No mesmo sentido, a Secretaria Estadual de Fazenda informou, em seu ofício n.

519/2016 (fls. 44/46), que, do valor a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde nos

meses de janeiro a março de 2016, apenas 7,17% foi empenhado, 4,87% liquidado e irrisórios

3,02% foram pagos, tudo conforme tabela elaborada por esta Secretaria, e a seguir

colacionada:

Necessário se faz a alteração desta lógica, para que TODO o valor a ser aplicado em

ASPS, nos termos dos arts. 2º, parágrafo único, e 6º, da LC 141/2012, seja transferido

imediatamente ao Fundo Estadual da Saúde, para que a Secretaria de Saúde possua

disponibilidade sobre o mesmo, sendo responsável pela liquidação e, sobretudo, pagamento dos

seus compromissos financeiros empenhados, independentemente de qualquer ingerência da

Secretaria Estadual de Fazenda e das escolhas (discricionárias) de prioridades de pagamento

realizadas pelo Governador do Estado, ao arrepio da Constituição da República.

Como se não bastasse tudo o que foi dito até aqui, é necessário acrescentar que o

Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, no mesmo processo anteriormente mencionado,

em que analisou a prestação de contas do Chefe do Executivo Estadual referente ao exercício de

2014 (processo TCE-RJ n. 101.885-1/15), constatou que diversas ações e serviços públicos de

saúde estavam sendo financiadas com recursos movimentados por outras unidades

orçamentárias, sem passar pelo Fundo Estadual de Saúde.

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Tal constatação, igualmente, viola o princípio segundo o qual o Fundo Estadual da

Saúde é uma unidade orçamentária e gestora dos recursos destinados ao financiamento das

ASPS, tudo nos termos dos arts. 14 e 16 da LC 141/2012 e, sobretudo, nos termos do que

determina o parágrafo único do art. 2º da mesma Lei.11

Frise-se que não é por acaso que a lei exige esta autonomia do Fundo da Saúde.

Trata-se de previsão legal como forma de impedir, em última instância, a ingerência de terceiros

na esfera de competência do Gestor da Saúde, ou seja, o Secretário de Saúde (art. 198, I,

CRFB/88).

Ademais, uma vez depositadas tais verbas no Fundo Estadual da Saúde, o seu uso é

submetido ao controle social, conforme previsão legal contida no art. 33, caput, da Lei 8.080/90,

segundo o qual “os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em

conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos

Conselhos de Saúde”.

Diante de tal irregularidade, o TCE-RJ concluiu por determinar ao Estado do Rio de

Janeiro, no processo 101.885-1/15 (fls. 20 do IC, fls. 1738 do processo TCE-RJ) que:

DETERMINAÇÃO N. 49:

À SECRETARIA DE ESTADO DE FAZENDA, À SECRETARIA DE

ESTADO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO E À SECRETARIA DE ESTADO DE

SAÚDE

Constituir o Fundo Estadual de Saúde como unidade orçamentária

de todos os recursos destinados a ações e serviços públicos de saúde,

descentralizando apenas a execução da despesa, quando necessário.

11

Art. 2º Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-

se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e

recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7º da Lei nº 8.080, de 19 de

setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:

(...)

Parágrafo único: Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações serviços públicos de

saúde realizadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios deverão ser financiadas com

recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde.(grifamos).

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Conclui-se, em suma, que o Secretário Estadual de Saúde não vem tendo

autonomia para gerir as políticas públicas em matéria de saúde, eis que: (1) não lhe vem sendo

disponibilizadas verbas financeiras para tanto, (2) a Secretaria de Fazenda vem lhe impondo

limitações de empenho, (3) a Secretaria de Fazenda monopoliza o controle dos pagamentos de

PDs destinadas ao financiamento de ASPS, quando isso deveria ser feito pela Secretaria de Saúde

por intermédio do Fundo Estadual da Saúde. Ademais, constata-se que algumas despesas são

realizadas sem que os respectivos recursos passem pelo Fundo Estadual de Saúde, fato que

compromete o efetivo controle destes gastos, bem como permite a ingerência de terceiros nas

decisões políticas que caberiam exclusivamente ao Secretário de Saúde, nos termos do art. 198,

I, da CRFB/88.

Por fim, cumpre ainda destacar outra absurda irregularidade constatada pelo

Ministério Público, qual seja, a de que o Fundo Estadual de Saúde não possui conta específica

para depósito dos valores a ele correspondentes, utilizando-se da Conta Única do Estado,

conforme informou o Secretário de Saúde no ofício SES GS n. 345/16 (fl. 32), o que foi

confirmado pela Secretaria de Fazenda, no Ofício SEFAZ/CG n. 519/2016 (fl. 45), pelo qual

informou que “os pagamentos ocorrem pela Conta Única do Tesouro Estadual”.

Tal situação, por evidente, viola a sistemática dos Fundos Especiais, estatuída nos

arts. 71 a 74 da Lei 4.320/6412, eis que tais fundos servem, justamente, para segregar o

dinheiro destinado a uma finalidade específica, impedindo que ele se confunda com as demais

verbas componentes do caixa da entidade à qual pertence o respectivo fundo.

Assim, mister que o Fundo Estadual da Saúde possua conta corrente específica

(ou mais de uma, se for necessário), que permita a efetiva separação desta verba,

disponibilizando-a ao seu gestor, Secretário Estadual de Saúde.

Diante de tal quadro, inevitável a propositura da presente demanda, para

adequação da conduta adotada pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

12

Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de

determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.

Art. 72. A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na

Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.

Art. 73. Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço

será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.

Art. 74. A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de contrôle, prestação e tomada de

contas, sem de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

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2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A saúde é direito social previsto no art. 6º da Constituição da República e, como tal,

configura-se como verdadeiro direito fundamental de toda a coletividade ao mesmo tempo em

que é oponível ao Estado, que tem o dever de prestá-lo e garanti-lo à população.

A Constituição da República dispõe sobre o direito à saúde no título destinado à

Ordem Social, cuidando de inseri-lo no capítulo da Seguridade Social, reservando-lhe as

disposições insertas nos arts. 196 a 200.

Em particular, a Constituição da República assim dispõe:

“Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de

doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede

regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de

acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de

governo;

(...)

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,

anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados

da aplicação de percentuais calculados sobre:

(...)

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da

arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam

os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem

transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº

29, de 2000)

(...)

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco

anos, estabelecerá:

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I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º

(...)”

A Lei Complementar nº 141/2012 regulamentou o § 3º do art. 198 da

Constituição da República da seguinte maneira:

Art. 2º Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos

estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com

ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e

recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos

no art. 7º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:

(...)

Parágrafo único: Além de atender aos critérios estabelecidos no

caput, as despesas com ações serviços públicos de saúde realizadas pela União,

pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios deverão ser financiadas

com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de

saúde.(grifamos).

Art. 6º Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em

ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da

arrecadação dos impostos a que se refere o art.155 e dos recursos de que

tratam o art.157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art.159, todos

da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos

respectivos Municípios.

No Estado Democrático de Direito, a atuação administrativa é pautada pelo princípio

da legalidade, nos moldes dos arts. 5º, II e 37, caput, da CR/88, o que autoriza afirmar que

Administração somente pode atuar em consonância com as determinações legais.

A ilegalidade do descumprimento das normas supracitadas, impedindo a regularidade

de repasses financeiros ao Fundo Estadual de Saúde e inviabilizando a efetiva gestão pela

direção estadual do SUS, com a disponibilidade de caixa suficiente a sustentar as políticas

pactuadas, ganha contornos gravíssimos ao se identificar a natureza das despesas,

correspondentes ao financiamento de ações e serviços de saúde prestadas por Estados e

Municípios diariamente, vale dizer, correspondentes ao direito à saúde de milhões de cidadãos

que não podem esperar ou mesmo admitir o contingenciamento de despesas pela Secretaria de

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Fazenda e pelo Poder Executivo Estadual.

Nesse sentido, citamos a mais abalizada doutrina13 modernamente amparada na

interpretação sistemática da Constituição, para que o Fundo de Saúde não se torne mera

ferramenta contábil, sem garantia de recursos financeiros efetivos para que o Secretário

Estadual de Saúde possa conferir a máxima eficácia aos direitos fundamentais, com o

gasto mínimo material dos direitos à saúde.

Parafraseando a professora Doutora Élida Graziane Pinto, Procuradora do Ministério

Público de Contas de São Paulo, na sua obra de pós-doutoramento, devemos firmar, em busca da

ampliação conceitual dos tradicionais enfoques dados aos arts. 198 e 212 da nossa Carta

Constitucional, que gasto mínimo não é só um percentual de receitas, mas também um conjunto

de obrigações legais de fazer a serem contidas – material e substantivamente – no conjunto de

ações normativamente irrefutáveis14.

E prossegue, no sentido de que o gasto matemático (gasto mínimo formal) é referido

a ações vinculadas (gasto mínimo material), logo não há ampla discricionariedade na eleição de

como dar concretude ao mínimo, porque, segundo a doutrina, também integra o núcleo mínimo

intangível do direito à saúde e à educação o cumprimento das obrigações legais de fazer

planejadas pelos gestores e pelo controle social15.

Disso tudo conclui-se inevitavelmente que o financiamento das políticas públicas em

matéria de saúde deve ser realizado de forma eficaz. Significa dizer que não bastam meras

intenções e fórmulas contábeis. Necessário que o percentual previsto no art. 6º da LC

141/2012 sobre a arrecadação das verbas elegíveis seja efetivamente transferido ao Fundo

Estadual da Saúde, regular e automaticamente, a fim de que o gestor deste fundo possa de fato se

utilizar do dinheiro para fazer frente aos seus compromissos perante seus credores

(Organizações Sociais, prestadores, fornecedores em geral, etc).

Dito isso, é preciso esclarecer o que se entende por transferência “regular”. De

pronto, impossível admitir que regular seja uma transferência sem obediência a qualquer

periodicidade, tampouco sem atender ao percentual estabelecido em lei, como vem ocorrendo

13

PINTO, Élida Graziane. Financiamento dos direitos à saúde e à educação uma perspectiva constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 25.

14 Idem. 15

PINTO, Élida Graziane. Financiamento dos direitos à saúde e à educação uma perspectiva constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 25.

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atualmente.

A partir desta premissa, deve-se buscar na legislação pátria um parâmetro que

estabeleça qual a periodicidade que deverá ser obedecida para que ocorram os repasses

das verbas destinadas ao Fundo Estadual de Saúde. Neste ponto, na ausência de previsão

legal específica, importante a realização de interpretação sistemática para que se utilize

por analogia a regra aplicável ao sistema de financiamento das políticas em matéria de

educação.

Isto porque, como é cediço, as políticas de saúde e educação caminham lado a

lado, por serem consideradas as de maior relevância por nossa Constituição Federal, eis

que são elas que merecem previsão de destinação de recursos de vinculação obrigatória

(arts. 198 e 212, respectivamente).

Deste modo, nada mais razoável do que subtrair da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB (Lei n. 9.394/1996) o fundamento para a regularidade dos

repasses das verbas destinadas ao fundo especial que se destina ao financiamento das

políticas em matéria de saúde.

Com efeito, prevê o artigo 69, parágrafos 5º e 6º da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional:

Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que

consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de

impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e

desenvolvimento do ensino público.

(...)

§ 5º O repasse dos valores referidos neste artigo do caixa da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ocorrerá

imediatamente ao órgão responsável pela educação, observados os

seguintes prazos:

I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês,

até o vigésimo dia;

II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de

cada mês, até o trigésimo dia;

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III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de

cada mês, até o décimo dia do mês subseqüente.

§ 6º O atraso da liberação sujeitará os recursos a correção

monetária e à responsabilização civil e criminal das autoridades competentes.

(nosso grifo)

Este repasse periódico não só é razoável como também é necessário, tal como

ocorre com outros serviços contínuos essenciais à Cidadania, tais quais os repasses

financeiros aos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como ao Ministério Público, os

quais recebem duodécimos até o dia 20 de cada mês, na forma do art. 168 da CRFB/88.

Essa aliás, é a única interpretação possível do art. 6º da LC 141/ 12, a chamada

interpretação conforme pela doutrina, para que a mencionada norma esteja adequada à

Constituição, a fim de conferir máxima efetividade ao direito fundamental à saúde,

garantido nos arts. 6º e 196 da CRFB/88.

Quando a CRFB/88 fala, em seu art. 198, §3º, e quando a LC 141/2012 diz, em seus

arts. 2º, parágrafo único, e 6º, que percentuais da arrecadação de receitas elegíveis serão

aplicados em ações e serviços públicos de saúde, estas normas estão afirmando claramente que

tais verbas, uma vez arrecadadas, deverão ser efetiva e automaticamente repassadas ao Fundo

Estadual da Saúde para custeio das políticas em saúde.

Não fosse assim, as ações e serviços públicos de saúde restariam inviabilizadas, eis

que elas dependem da existência de um fluxo de caixa constante para que o gestor do SUS

(Secretário de Saúde) honre seus compromissos, consubstanciados nos negócios jurídicos

assumidos com fornecedores e demais credores.

Ora, não basta o Estado efetuar o empenho dos valores destinados às ASPS para que

se considere cumprida a Lei Complementar nº 141/2012, uma vez que o mero empenho,

como é cediço, não corresponde à efetiva aplicação do valor a ele correspondente.

É necessário que se obrigue o Estado – mais especificamente a Secretaria Estadual

de Fazenda – a realizar a movimentação financeira e o depósito dessa cota financeira no Fundo

Estadual da Saúde, para suporte das obrigações assumidas através do empenho. O simples

empenho, quando desacompanhado de garantia de valores financeiros futuros para o devido

pagamento gera descrédito nas negociações firmadas pelo Estado.

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Consigne-se, por outro viés, que a conduta da Secretaria Estadual de Fazenda de

realizar limitações de empenho e monopolizar para si os pagamentos das Programações de

Desembolso (PDs), conforme já esclarecido no item anterior da presente exordial, viola

frontalmente disposição literal contida no art. 28 da LC 141/2012:

Art. 28. São vedadas a limitação de empenho e a movimentação

financeira que comprometam a aplicação dos recursos mínimos de que tratam

os arts. 5º a 7º.

Vê-se que estas e outras rubricas relacionadas a despesas com saúde são

obrigatórias e não estão sujeitas à limitação de empenho.

A escolha constitucional por privilegiar o direito à saúde, prevendo um mínimo de

destinação de verbas ao financiamento das políticas voltadas à garantia de tal direito estaria

completamente esvaziada caso não houvesse a garantia destes repasses periódicos e

automáticos ao Fundo Estadual de Saúde.

Tais repasses visam a garantir, sobretudo, a autonomia financeira deste Fundo,

conforme preconizado no art. 2º, parágrafo único, da LC 141/2012, acima transcrito.

Tal autonomia do Fundo Estadual da Saúde encontra-se preconizada, igualmente, nos

artigos 14 e 16 da LC 141/2012, que assim dispõem:

Art. 14. O Fundo de Saúde, instituído por lei e mantido em

funcionamento pela administração direta da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, constitui-se-á em unidade orçamentária e gestora dos

recursos destinados a ações e serviços públicos de saúde, ressalvados os recursos

repassados diretamente às unidades vinculadas ao Ministério da Saúde.

Art. 16. O repasse dos recursos previstos nos arts. 6º a 8º será feito

diretamente ao Fundo de Saúde do respectivo ente da Federação e, no caso da

União, também às demais unidades orçamentárias do Ministério da Saúde.

Depreende-se da redação legal que o Fundo de Saúde não pode ser transformado em

uma mera conta financeira de aspecto contábil, para “passagem” formal de recursos, como vem

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acontecendo atualmente.

Ao contrário, o Fundo de Saúde é uma unidade orçamentária para proteção do

custeio da saúde, não sendo possível que o piso de 12% seja observado sem qualquer

estabilidade temporal e um horizonte análogo ao dos repasses regulares da política de educação

(art. 69, §§5º e 6º da LDB) ou dos duodécimos dos Poderes (art. 168 da CRFB/88), conforme

acima explicitado, sob pena de violação do gasto mínimo material, e total descumprimento das

obrigações de fazer do gestor.

Em última instância, todos estes dispositivos legais visam a dar efetividade à diretriz

preconizada no art. 198, I, da CRFB/8816, consistente na direção única em cada esfera de

governo. Significa isto dizer que, em cada ente federativo responsável pela execução das

ASPS, a gestão do SUS deverá se dar exclusivamente por gestor nomeado para execução

desta política.

Em outras palavras, quis a Constituição garantir que a gestão do SUS será

realizada por um agente autônomo e independente, livre para executar as ASPS de

acordo com as políticas por ele planejadas. Este é o papel dos Ministros e Secretários de

Saúde, seja no âmbito federal, estadual ou municipal.

No caso do Estado do Rio de Janeiro, a direção única do SUS fica a cargo do Secretário

Estadual de Saúde, o qual tem a responsabilidade de desenhar as políticas em matéria de saúde

pública, planejando e executando as ASPS necessárias à implementação de tais políticas.

Pois bem. Para que esta autonomia seja real – e não apenas fictícia – é evidente que

a Secretaria Estadual de Saúde deve dispor de recursos financeiros para satisfazer os seus

credores. É por este motivo que a Constituição da República, em seu art. 198, §3º,

complementado pela LC 141/2012, prevê o financiamento das ASPS por intermédio do Fundo

Estadual de Saúde.

Vê-se, portanto, que o Fundo Estadual de Saúde precisa ser uma unidade

orçamentária e gestora dos recursos, o que importa em dizer que deverá ter livre

disponibilidade sobre os mesmos, para geri-los da maneira que o Secretário de Saúde bem

16

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um

sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo

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entender.

Não é o que vem ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro, como visto, eis que a

Secretaria de Fazenda vem estabelecendo cotas financeiras, abaixo do mínimo constitucional e

legal, ingerindo indevidamente na gestão das políticas de saúde.

Importante frisar que não se ignora o cenário nacional de crise econômica

atualmente vivenciado no Brasil, tampouco se pretende negar a crítica realidade financeira do

Estado do Rio de Janeiro. Todavia, tais circunstâncias não autorizam o descumprimento dos

preceitos constitucionais e legais que determinam a aplicação de, no mínimo 12% das receitas

elegíveis em ações e serviços públicos de saúde. É claro que, com a redução da arrecadação,

haverá uma redução da base de cálculo do percentual legal e, por consequência, o financiamento

da saúde já sofrerá com essa diminuição. Não se pode permitir, contudo, que ao arrepio da lei,

ainda se pretenda reduzir o percentual mínimo obrigatório ou atrasar os repasses devidos.

Admitir que o Estado apenas no mês de novembro ou dezembro comprove a

aplicação do piso previsto na Lei Complementar nº 141/2012 nada mais representa do que uma

verdadeira e cruel precatorização do SUS, comprometendo sua estabilidade enquanto política

pública e econômica essencial conforme previsto na Constituição Federal (art. 196), e

tornando, pois, suas ações inefetivas.

Por isso, o Ministério Público preconiza que se confira efetiva substancialidade à

previsão legal de um piso mínimo periódico, que corresponda ao gasto mínimo material para o

SUS, devendo ser adotado, por analogia, o parâmetro estabelecido para o financiamento das

ações em matéria de educação, conforme estabelecido no art. 69, §§5º e 6º da LDB, acima

transcritos.

Subsidiariamente, poderia ser utilizado o parâmetro previsto no art. 168 da

CRFB/88, que define a data para repasse dos duodécimos dos Poderes autônomos que prestam

serviços públicos essenciais e contínuos, sob pena de gerar efetivamente o aumento das

demandas judiciais, e mais severamente comprometer o próprio direito à vida de milhares de

brasileiros.

É importante ainda frisar que muitas das despesas hoje não pagas por falta dos

repasses regulares integram pactuações entre Estado e Municípios, correspondendo ao

cofinanciamneto estadual de serviços, como UPAS e Programas de Apoio aos pequenos

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Hospitais do Interior. Não há dúvidas de que os Municípios necessitam destes valores para fazer

frente à prestação direta nos serviços de saúde, atendendo pacientes diariamente, nos diversos

níveis de complexidade.

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar, na ocasião do

julgamento da ADPF nº 45, acerca da ilicitude da manipulação financeira e/ou político

administrativa realizada pelo Poder Público com o objetivo de exonerar-se do cumprimento de

suas obrigações constitucionais, como é o caso da aplicação de recursos obrigatórios na saúde:

“Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental

promovida contra veto, que, emanado do Senhor Presidente da República, incidiu

sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição

legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as

diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004.

O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo material: “§ 2º Para

efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos

de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos

previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do

Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da

Pobreza.”

O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto

presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente

da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros

mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.

Requisitei, ao Senhor Presidente da República, informações que por

ele foram prestadas a fls. 93/144.

Vale referir que o Senhor Presidente da República, logo após o veto

parcial ora questionado nesta sede processual, veio a remeter, ao Congresso

Nacional, projeto de lei, que, transformado na Lei nº 10.777/2003, restaurou, em

sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), dele fazendo

constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo.

(…)

Conclui-se, desse modo, que o objetivo perseguido na presente sede

processual foi inteiramente alcançado com a edição da Lei nº 10.777, de

24/11/2003, promulgada com a finalidade específica de conferir efetividade à EC

29/2000, concebida para garantir, em bases adequadas – e sempre em benefício

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da população deste País – recursos financeiros mínimos a serem

necessariamente aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.

Não obstante a superveniência desse fato juridicamente

relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da

presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso

deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado

o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a

viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto

da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser

descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais

destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República.

Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal

põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da

jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do

gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais

– que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades

positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -,

sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição,

comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem

constitucional:

(…)

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções

institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a

atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS

VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de

1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o

encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal

incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao

Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem

os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer,

com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou

coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de

cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta

Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da

Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional

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inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele

depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de

seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade

governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ

175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas,

significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN

HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York),

notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos

direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo

adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais

positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além

de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende,

em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às

possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada,

objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não

se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a

imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal

hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira

e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o

ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de

inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos

cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do

possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível

– não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do

cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando,

dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até

mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido

de essencial fundamentalidade.” (STF, Decisão Monocrática na ADPF nº 45

MC/DF347/DF, Relator Ministro Celso de Mello, Publicado no DJ em

04/05/2004) (sem negrito e sublinhado no original)

Da mesma forma, a própria Suprema Corte, no julgamento da ADPF nº 347 MC/DF

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também já apontou para a possibilidade de judicialização da questão do orçamento quando

recursos legalmente previstos são contingenciados para alcançar metas fiscais, em

detrimento da garantia de direitos fundamentais. Neste sentido:

“O Partido Socialismo e Liberdade – PSOL busca, por meio de

arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida

liminar, seja reconhecida a figura do “estado de coisas inconstitucional”

relativamente ao sistema penitenciário brasileiro e a adoção de providências

estruturais em face de lesões a preceitos fundamentais dos presos, que alega

decorrerem de ações e omissões dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do

Distrito Federal.

(…)

O último pedido diz respeito a escolha orçamentária da União e

volta-se à imediata liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional

– FUNPEN e à proibição de a União realizar novos contingenciamentos.

O Fundo foi criado pela Lei Complementar nº 79, de 1994, sendo

destinado, segundo a cabeça do artigo 1º, a “proporcionar recursos e meios para

financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento

do Sistema Penitenciário Brasileiro”. A gestão desses recursos cabe ao

Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN.

Narra-se que esses valores têm sido, desde a criação do Fundo, muito

mal aplicados. Relatórios do próprio Departamento dão conta de que a maior

parte é contingenciada ou, simplesmente, não utilizada. Para o ano de 2013, por

exemplo, a dotação foi de R$ 384,2 milhões, tendo sido empenhados R$ 333,4

milhões. Todavia, apenas R$ 73,6 milhões foram usados: R$ 40,7 milhões do

orçamento do ano e R$ 32,8 milhões de restos a pagar. Isso significa que mais de

80% dos valores deixaram de ser utilizados. De acordo com a organização

Contas Abertas, o saldo contábil do Fundo, no ano de 2013, chegou a R$ 1,8

bilhão. Segundo o requerente, ao fim de 2014, o saldo já era de R$ 2,2 bilhões.

A situação levou a senadora Ana Amélia, do Rio Grande do Sul, a

apresentar projeto de lei complementar – PLS nº 25, de 2014 – voltado a proibir

o contingenciamento, versado de forma genérica na Lei de Responsabilidade

Fiscal, dos recursos do mencionado Fundo. Em um dos raros exemplos de

preocupação de um agente político com o ocaso do sistema penitenciário

brasileiro – outro é a própria formalização desta arguição por partido político –,

a parlamentar justifica a proposta na necessidade de serem criados meios de

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garantir “a segurança da população, ao mesmo tempo em que se possibilite a

reinserção social daqueles que um dia cometeram um erro”.

Não obstante a iniciativa, o que revela tentativa interna de

ultrapassar os bloqueios políticos existentes no Congresso, a situação dramática

não pode esperar o fim da deliberação legislativa. Protocolado em 6 de fevereiro

de 2014, o projeto, sem parecer, encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça

e Cidadania do Senado, aguardando a designação de novo relator. A existência de

propostas legislativas não significa deliberação e decisão política sobre o tema.

A violação da dignidade da pessoa humana e do mínimo

existencial autoriza a judicialização do orçamento, sobretudo se

considerado o fato de que recursos legalmente previstos para o combate a

esse quadro vêm sendo contingenciados, anualmente, em valores muito

superiores aos efetivamente realizados, apenas para alcançar metas

fiscais. Essa prática explica parte do fracasso das políticas públicas

existentes. Como assevera o professor Eduardo Bastos de Mendonça,

“políticas públicas são definidas concretamente na lei orçamentária, em

função das possibilidades financeiras do Estado”, de forma que “a retenção

de verbas tende a produzir, na melhor das hipóteses, programas menos

abrangentes”. Segundo o autor, a medida mostra-se ainda mais

problemática tendo em conta “que os cortes têm atingido programas

relacionados a áreas em que, para além de qualquer dúvida, a atuação do

Estado tem sido insatisfatória ou insuficiente”, como é o caso do sistema

penitenciário nacional (MENDONÇA, Eduardo Bastos Furtado de. A

Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil. Rio de Janeiro:

Renovar, 2010, p. 97-98).

Os valores não utilizados deixam de custear não somente

reformas dos presídios ou a construção de novos, mas também projetos de

ressocialização que, inclusive, poderiam reduzir o tempo no cárcere. No

mais, é de todo duvidosa a possibilidade de limitar despesas dessa natureza

ante o disposto no § 2º do artigo 9º da Lei Complementar nº 101, de 2000:

Art. 9º. Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da

receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário

ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério

Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta

dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo

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os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

[..]

§ 2º. Não serão objeto de limitação as despesas que constituam

obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao

pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes

orçamentárias.

A cabeça do dispositivo trata da situação em que o Governo

deixa de executar, parcialmente, o orçamento, vindo a contingenciar os

valores ordenados a despesas, ao passo que, no § 2º, consta exceção

consideradas obrigações decorrentes de comandos legais e constitucionais.

Tratando o Funpen de recursos com destinação legal específica, é

inafastável a circunstância de não poderem ser utilizados para satisfazer

exigências de contingenciamento: atendimento de passivos contingentes e

outros riscos e eventos fiscais imprevistos (artigo 5º, inciso III, alínea “b”,

da Lei Complementar nº 101, de 2000).

Ante o exposto, defiro, parcialmente, a medida liminar requerida,

determinando:

(…)

e) à União – que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário

Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de

realizar novos contingenciamentos.” (STF, Plenário, ADPF nº 347 MC/DF,

Relator Ministro Marco Aurélio, Julgado em 09/09/2015) (sem negrito e

sublinhado no original)

Assim, é certo que eventuais justificativas do Estado, através da Fazenda Pública,

para a ausência dos repasses, fundadas em cortes orçamentários determinados pelo Poder

Executivo Estadual, não merecem prevalecer, visto que as alegações inaceitáveis de ausência de

recursos ou invocação da reserva do possível devem ser combatidas com rigor, sob pena da

manutenção de um estado de risco demasiadamente alto aos usuários dos serviços de

saúde do SUS.

Nesse sentido o ministro CELSO MELLO, apreciando pedido de suspensão de liminar

formulado pelo Estado de Santa Catarina, em petição nº 1246-1 destacou a prevalência da

proteção da vida e da saúde dos cidadãos brasileiros frente às questões orçamentárias do

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ente estatal:

“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida que se qualifica

como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da

República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa

fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez

configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao

julgador uma só e possível ação: o respeito indeclinável à vida.”

Da mesma maneira, não há que se falar em eventual invasão da discricionariedade

administrativa, visto que essa prerrogativa não concede ao administrador a possibilidade de

optar por permanecer inerte ou em situação desconforme com a legislação. Discricionariedade

é a margem de liberdade, conferida pela norma ao administrador, para escolher, segundo

critérios consistentes de razoabilidade, uma, dentre as ações cabíveis, perante cada caso

concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade

legal17, o que não ocorre no caso.

Efetivamente, aqui não há o que se falar em discricionariedade, visto que a única

forma de o ESTADO cumprir a Constituição e as leis que regulamentam a política pública de

saúde é realizando o repasse periódico da cota financeira prevista. Qualquer outro

comportamento implica desobediência às citadas normas constitucionais e legais, demandando

atuação enérgica do Poder Judiciário para pôr fim a esse desrespeito, garantindo-se o regular

repasse financeiro do piso fixado para o Estado, no artigo 6º da Lei Complementar 141 de 2012,

MENSALMENTE, ao Fundo Estadual Saúde, afastando-se os riscos a que ficam submetidos os

usuários do SUS com a possibilidade de descontinuidade dos serviços e ações de saúde.

A propósito:

“O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado

a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do

cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação.

O direito à saúde, como está assegurado na carta, não deve

sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de

reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. (...)” 18

17

Bandeira de Mello, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional, ed. Malheiros, 2ª ed., p. 48. 18

STF, RE 226835-RS/1999, Min. Ilmar Galvão.

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“ O direito à saúde representa conseqüência constitucional

indissociável do direito à vida.

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica

indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da

República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja

integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe

formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem

garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso

universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental

que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional

indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera

institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não

pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de

incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento

institucional.

A interpretação da norma programática não pode transformá-la em

promessa constitucional inconseqüente.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta

Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no

plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode

converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o

Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela

coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu

impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade

governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

(...)”19

3. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

No caso vertente, imprescindível a concessão da tutela de urgência de natureza

antecipada, uma vez que presentes os requisitos autorizadores, nos termos do artigo 300 do

19

STF, AGRRE 271286-RS/1999, Min. Celso Mello.

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Código de Processo Civil.

Com efeito, os fatos alegados são certos e independem de maiores incursões

probatórias, visto que a prova é robusta, possibilitando, mesmo em cognição sumária, a

aproximação do juízo da verdade que justifica o decreto antecipatório.

Dúvidas não restam de que o Estado do Rio de Janeiro vem se omitindo no repasse

de verbas obrigatórias ao financiamento de ações e serviços públicos de saúde, relativas

ao piso fixado pelo art. 198, §2º, II e §3º, da CRFB/88 c/c art. 6º da LC nº 141/2012, de

forma periódica e automática ao Fundo Estadual de Saúde, assim como vem realizando

limitações de empenho e movimentação financeira relativos aos recursos destinados às

ASPS. Ademais, vem o Estado realizando a movimentação de recursos destinados às ASPS

sem que os mesmos passem por este Fundo, prejudicando, com tais condutas, o

financiamento das políticas em matéria de saúde pública e violando, em última análise, o direito

da população usuária do SUS.

O perigo de dano também resta evidente, eis que há risco concreto de paralisação

ou atraso dos serviços de saúde na capital e em todos os demais municípios do Estado do Rio de

Janeiro, o que por certo deixará desassistida a população.

A atual conjuntura econômica e a crise pela qual vem passando o país, com os cortes

orçamentários promovidos pelo governo estadual, com reflexos nas contas dos Estados e das

municipalidades, também recomenda a adoção de medidas urgentes, visto que, a prevalecer a

opção do Executivo estadual de privilegiar despesas diversas daquelas relacionadas às ações e

serviços em saúde, deixando de aplicar o percentual mínimo previsto na Constituição e em Lei

Complementar, por certo restará prejudicado o atendimento aos usuários do SUS.

Conforme ressaltado no ofício SES GS n. 345/16 (fls. 32/34), “há algumas unidades

da SES, com evidente redução de atividades e suspensão de alguns serviços. Existem

inúmeros contratos firmados com Organizações Sociais (Hospitais e Unidade de Pronto

Atendimento) e contratos de serviços diversos (apoio administrativo-limpeza, vigilância

e outros), cujos valores pagos não estão sendo suficientes para manutenção plena das

atividades, colocando, assim, em risco a continuidade dos serviços oferecidos à

população. Com certeza, a definição de uma periodicidade de repasse de recursos

financeiros compatíveis com a arrecadação e de acordo com o índice constitucional

impediriam paralisações bruscas e a descontinuidade dos serviços prestados à

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população”.

Resta mais do que evidenciada, portanto, a probabilidade do direito alegado, bem

como o risco de dano caso a antecipação da tutela pretendida não seja deferida de imediato, eis

que diversas unidades de saúde já estão paralisando suas prestações em virtude da falta de

pagamento.

Em tempos de surtos de doenças como Zika e H1N1, não pode o Ministério

Público e o Poder Judiciário deixar que unidades de saúde de atendimento emergencial

fechem as suas portas, em detrimento do pagamento de outras despesas eleitas pelo

Governador do Estado como prioritárias ao arrepio da escolha do Poder Constituinte

Originário, que elegeu o direito à saúde como prioridade máxima no atendimento ao bem estar

do cidadão, tudo em conformidade com o princípio maior da dignidade da pessoa humana,

fundamento do nosso Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III, CRFB/88).

Ocorre que, tratando-se de serviço essencial com a garantia de financiamento

protegida pela Constituição e por Lei Complementar, inviável permitir que o ESTADO deixe

de realizar, sob qualquer justificativa, os repasses regulares devidos ao Fundo de Saúde.

A prática do Estado do Rio de Janeiro consistente no repasse irregular das verbas

destinadas ao financiamento das ações e serviços de saúde, confere inadequado tratamento

discricionário à política que possui destinação de recursos vinculados, colocando em risco o

adequado funcionamento dos serviços relevantes desenvolvidos pelo ente estadual e em

todos os Municípios do Estado do Rio de Janeiro.

Além disso, igualmente fundamental o cumprimento do disposto no parágrafo único

do art. 2º da Lei Complementar 141/2012 no que tange ao financiamento das ações e serviços

públicos de saúde exclusivamente com recursos movimentados por meio do Fundo de Saúde,

providência que se faz necessária já imediatamente, até para que se permita a correta análise

de contas e a verificação da aplicação do mínimo legal constitucional. Isto tudo considerando a

evidência apresentada pelo TCE-RJ em seu relatório do processo n. 101.885-1/15, em que se

constatou que diversas despesas estavam sendo realizadas por unidades orçamentárias diversas

daquela relativa ao Fundo.

De fato, caso permaneça o Estado realizando despesas em ASPS com recursos que

não passem pelo Fundo de Saúde, impossível será o controle social deste gasto e o próprio

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controle externo pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, possibilitando inclusive

desperdícios e desvios indesejados.

Verifica-se, destarte, a necessidade de antecipação dos efeitos da tutela, inclusive

sem a prévia oitiva da pessoa de direito público demandada, haja vista a extrema urgência da

medida e o evidente respaldo jurídico para o pleito, pois, caso postergada a apreciação do

pedido, a situação de evidente descumprimento dos artigos 2º, parágrafo único e 6º da Lei

Complementar nº 141 de 2012, pela ausência ou limitação dos repasses das verbas da saúde

ao Fundo Estadual, bem como pela realização de gastos em ASPS sem a devida contabilização do

recurso no Fundo Estadual da Saúde certamente se agravará, gerando a possibilidade de

descontinuidade dos serviços, o que não poderá ser tolerado.

Assim, preenchidos os pressupostos e requisitos legais (CPC, art. 300), o

MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, com fundamento no art. 12 da Lei nº 7.347/85, e no art.

84, § 3º, da Lei nº 8.078/90, aplicável por força do art. 21 da Lei de Ação Civil Pública, requer

seja concedida a tutela emergencial de natureza antecipada, inaudita altera parte, para o fim de

determinar:

a) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual e Secretaria de Fazenda Estadual, a obrigação de fazer

consistente na realização de repasses regulares e mensais, do

percentual de 12% da arrecadação das receitas elegíveis

(impostos a que se refere o art. 155 e recursos de que tratam o art.

157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da

Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos

respectivos Municípios), em fiel cumprimento à Constituição da

República, art. 198, §2º, II, e §3º e sua regulamentação pelos artigos

2º e 6º da Lei Complementar nº 141/2012, devendo o repasse ser

realizado na periodicidade a seguir explicitada, em analogia à

previsão contida no art. 69, §5º, da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (Lei 9.394/96):

I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês, até o

vigésimo dia;

II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada

mês, até o trigésimo dia;

III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada

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mês, até o décimo dia do mês subsequente;

b) Subsidiariamente, caso entenda V. Exa. mais adequada a analogia com o

disposto no art. 168 da Constituição da República, requer seja

estabelecido como prazo máximo para a transferência dos recursos

especificados no item “a” todo dia 20 de cada mês, em interpretação

sistemática com o regime dos repasses dos duodécimos dos Poderes

autônomos;

c) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual, do Secretário de Fazenda Estadual e do Secretário de Saúde

Estadual a obrigação de fazer consistente em providenciar que

todos os recursos destinados ao financiamento das ações e

serviços públicos de saúde sejam movimentados por meio do

Fundo Estadual de Saúde, na forma do parágrafo único do art. 2º da

LC 141/2012, abstendo-se de realizar qualquer despesa por

intermédio de unidade orçamentária diversa, permitindo que, na

forma do art. 14 da LC 141/2012 este Fundo constitua-se

efetivamente como unidade orçamentária e gestora desses recursos;

d) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual, a obrigação de fazer consistente em providenciar a

criação de uma ou mais conta(s) corrente(s) bancária(s)

específica(s) para destinação das verbas relativas ao Fundo

Estadual da Saúde, em cumprimento às finalidades deste Fundo

Especial, conforme sistemática da Lei 4.320/64, arts. 71 a 74.

e) Ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual e do Secretário de Fazenda Estadual, a obrigação de não

fazer consistente na abstenção de realizar limitações de

empenho e movimentação financeira que comprometam a

aplicação dos recursos mínimos cujo repasse deverá ser realizado

conforme pedido no item “a”;

f) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual e Secretaria de Fazenda Estadual, a obrigação de fazer

consistente no repasse imediato dos valores devidos para que se

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atinja o percentual mínimo de 12% das receitas elegíveis em relação

aos meses de 2016 até o momento do efetivo cumprimento da

decisão, considerando as diferenças apontadas na planilha

apresentada pela Secretaria de Estado de Saúde (fls. 35), comprovando

nos autos no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa pessoal e

diária aos gestores (Chefe do Poder Executivo e Secretário Estadual de

Fazenda);

g) caso descumpridas as determinações previstas no item anterior, que seja

realizado, via mandado a ser expedido diretamente à SECRETARIA DO

TESOURO ESTADUAL e ao BANCO BRADESCO RESPONSÁVEL PELA

CONTA ÚNICA DO ESTADO, o imediato bloqueio e arresto do

respectivo valor devido (art. 301 do CPC), quantia esta a ser apontada,

mediante documentação comprobatória, pela Secretaria Estadual de

Saúde, no prazo de 05 dias, em sendo o caso, com a imediata

disponibilização e transferência dos valores ao Fundo Estadual de

Saúde, no prazo de 72 horas.

Requer, ainda, que seja cominada multa pessoal e diária aos gestores indicados

em cada item dos pedidos, não inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para a hipótese

de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, com o depósito dos eventuais valores

em conta vinculada a esse Juízo, a serem revertidos ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos de

que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo do envio de cópias à Chefia

Ministerial para apurar atos de improbidade administrativa

Caso seja determinada a notificação dos réus acerca do presente pedido, nos termos

do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, requer a aplicação do disposto no artigo 26320 do Código de

Processo Civil, em face da urgência da presente demanda.

4. DO PEDIDO

Diante do exposto e da documentação inclusa, o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

requer sejam julgados procedentes os pedidos, confirmando a medida antecipatória de tutela

pleiteada e, no mérito, seja o ESTADO DO RIO DE JANEIRO condenado:

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Art. 263. As cartas deverão, preferencialmente, ser expedidas por meio eletrônico, caso em que a assinatura do juiz deverá

ser eletrônica, na forma da lei.

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a) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual e Secretaria de Fazenda Estadual, a obrigação de fazer consistente na

realização de repasses regulares e mensais, do percentual de 12% da

arrecadação das receitas elegíveis (impostos a que se refere o art. 155 e

recursos de que tratam o art. 157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do

art. 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem

transferidas aos respectivos Municípios), em fiel cumprimento à Constituição da

República, art. 198, §2º, II, e §3º e sua regulamentação pelos artigos 2º e 6º da

Lei Complementar nº 141/2012, devendo o repasse ser realizado na

periodicidade a seguir explicitada, em analogia à previsão contida no art. 69,

§5º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96):

I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês, até o

vigésimo dia;

II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada

mês, até o trigésimo dia;

III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada

mês, até o décimo dia do mês subsequente.

b) Subsidiariamente, caso entenda V. Exa. mais adequada a analogia com o

disposto no art. 168 da Constituição da República, requer seja estabelecido como

prazo máximo para a transferência dos recursos especificados no item “a” todo

dia 20 de cada mês, em interpretação sistemática com o regime dos repasses dos

duodécimos dos Poderes autônomos.

c) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual, do Secretário de Fazenda Estadual e do Secretário de Saúde Estadual a

obrigação de fazer consistente em providenciar que todos os recursos

destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde sejam

movimentados por meio do Fundo Estadual de Saúde, na forma do parágrafo

único do art. 2º da LC 141/2012, abstendo-se de realizar qualquer despesa por

intermédio de unidade orçamentária diversa, permitindo que, na forma do art. 14

da LC 141/2012 este Fundo constitua-se efetivamente como unidade

orçamentária e gestora desses recursos;

d) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

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Estadual, a obrigação de fazer consistente em providenciar a criação de

uma ou mais conta(s) corrente(s) bancária(s) específica(s) para

destinação das verbas relativas ao Fundo Estadual da Saúde, em

cumprimento às finalidades deste Fundo Especial, conforme sistemática da Lei

4.320/64, arts. 71 a 74.

e) Ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual e do Secretário de Fazenda Estadual, a obrigação de não fazer

consistente na abstenção de realizar limitações de empenho e

movimentação financeira que comprometam a aplicação dos recursos

mínimos cujo repasse deverá ser realizado conforme pedido no item “a”.

f) ao ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por meio do Chefe do Poder Executivo

Estadual e Secretaria de Fazenda Estadual, a obrigação de fazer consistente no

repasse imediato dos valores devidos para que se atinja o percentual mínimo

de 12% das receitas elegíveis em relação aos meses de 2016 até o momento

do efetivo cumprimento da decisão, considerando as diferenças apontadas na

planilha apresentada pela Secretaria de Estado de Saúde (fls. 35), comprovando

nos autos no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa pessoal e diária aos

gestores (Chefe do Poder Executivo e Secretário Estadual de Fazenda);

Requer, ainda, que seja cominada multa pessoal e diária aos gestores indicados

em cada item dos pedidos, não inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para a hipótese

de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, com o depósito dos eventuais valores

em conta vinculada a esse Juízo, a serem revertidos ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos de

que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo do envio de cópias à Chefia

Ministerial para apurar atos de improbidade administrativa

Por fim, requer:

I. a citação do réu para, querendo, apresentar resposta, sob pena de revelia e

confissão;

II. a condenação do réu ao pagamento de multa cominatória diária, em valor não

inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), por eventual descumprimento de cada obrigação

fixada na sentença, com o depósito dos valores em conta vinculada a esse Juízo, a serem

revertidos ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos, de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/85;

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III. a condenação do réu ao pagamento das custas, eventuais honorários periciais e

demais despesas processuais.

Pugna, por fim, pela produção de todos os meios de prova admitidos.

Atribui-se à causa o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) meramente para

efeitos legais (CPC, art. 291), visto se tratar de direito difuso, de valor inestimável.

Rio de Janeiro, 18 de abril de 2016.

ISABEL HOROWICZ KALLMANN

Promotora de Justiça

Mat. 4862

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