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ATIVIDADE INTEGRADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO: UMA EXPERIÊNCIA COM O ENSINO DE PLANO CARTESIANO PARA ALUNOS COM CEGUEIRA TOTAL SIMULADA Ailton Barcelos da Costa – UFSCar - GRADUAÇÃO - SP Fernanda Scabio Gonçalves – UFSCar - GRADUAÇÃO - SP Vanessa Cristina Angelotti UFSCar - GRADUAÇÃO – SP Sabrina Gomes Cozendey – UFSCar - PPGEEs - SP (PROESP/CAPES) Eixo Temático: Deficiência visual Categoria: Comunicação RESUMO: O presente trabalho surgiu durante uma disciplina oferecida na UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, denominada “ACIEPE: APRENDER A ENSINAR DEFICIENTES VISUAIS”. A pesquisa consistiu em uma aula expositiva apresentada a alunos com cegueira total simulada, isto é, alunos com visão normal totalmente vendados. A aula teve como objetivo trabalhar a localização no plano cartesiano, através de um material didático desenvolvido pelo grupo. Para tal desenvolvimento, foi necessário uma breve discussão a respeito dos sentidos remanescentes de pessoas com deficiência visual. O recurso didático utilizado foi uma adaptação do jogo conhecido como Batalha Naval. Durante a aula expositiva o material desenvolvido foi utilizado como recurso ao ensino do conceito de plano cartesiano. Ao final da experiência foi possível perceber que foram alcançados os objetivos propostos e que o processo de ensino-aprendizado foi satisfatório. PALAVRAS-CHAVE: 1. MATEMÁTICA INCLUSIVA; 2. FORMAÇÃO CONTINUADA; 3. DEFICIENTES VISUAIS. 968

Experiência com o ensino de plano cartesiano

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ATIVIDADE INTEGRADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO: UMA EXPERIÊNCIA COM O ENSINO DE PLANO CARTESIANO PARA ALUNOS

COM CEGUEIRA TOTAL SIMULADA

Ailton Barcelos da Costa – UFSCar - GRADUAÇÃO - SP

Fernanda Scabio Gonçalves – UFSCar - GRADUAÇÃO - SP

Vanessa Cristina Angelotti – UFSCar - GRADUAÇÃO – SP

Sabrina Gomes Cozendey – UFSCar - PPGEEs - SP (PROESP/CAPES)

Eixo Temático: Deficiência visual Categoria: Comunicação

RESUMO: O presente trabalho surgiu durante uma disciplina oferecida na UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, denominada “ACIEPE: APRENDER A ENSINAR DEFICIENTES VISUAIS”. A pesquisa consistiu em uma aula expositiva apresentada a alunos com cegueira total simulada, isto é, alunos com visão normal totalmente vendados. A aula teve como objetivo trabalhar a localização no plano cartesiano, através de um material didático desenvolvido pelo grupo. Para tal desenvolvimento, foi necessário uma breve discussão a respeito dos sentidos remanescentes de pessoas com deficiência visual. O recurso didático utilizado foi uma adaptação do jogo conhecido como Batalha Naval. Durante a aula expositiva o material desenvolvido foi utilizado como recurso ao ensino do conceito de plano cartesiano. Ao final da experiência foi possível perceber que foram alcançados os objetivos propostos e que o processo de ensino-aprendizado foi satisfatório. PALAVRAS-CHAVE: 1. MATEMÁTICA INCLUSIVA; 2. FORMAÇÃO CONTINUADA; 3. DEFICIENTES VISUAIS.

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1. INTRODUÇÃO 1.1 DEFINIÇÕES Esta pesquisa surgiu durante uma disciplina oferecida na

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCar), denominada

“ACIEPE: APRENDER A ENSINAR DEFICIENTES VISUAIS”.

Uma ACIEPE é uma Atividade Curricular de Integração Ensino,

Pesquisa e Extensão, de acordo com UFSCar (2010a), ACIEPE é uma

experiência educativa, cultural e científica que, articulando o Ensino, a

Pesquisa e a Extensão, envolve professores, técnicos e alunos da UFSCar,

procurando viabilizar e estimular o seu relacionamento com diferentes

segmentos da sociedade. Dessa forma, de acordo com a UFSCar (2010a), Pesquisa e extensão constituem-se em uma forma de diálogo com segmentos sociais para construir e reconstruir conhecimento sobre a realidade, de forma compartilhada, visando à descoberta e experimentação de alternativas de solução e encaminhamento de problemas. Como ensino, constitui-se na possibilidade de reconhecimento de outros espaços, para além das salas de aula e laboratórios, como locais privilegiados de aprendizagem significativa.

Já seus objetivos, segundo UFSCar (2010a), dentre outros, e de uma

forma geral, estão: Promover meios de conhecimento de realidades específicas, elaborando, cooperativamente, levantamentos, pesquisas de campo, diagnósticos, projetos e colaborando no encaminhamento de soluções de problemas. Desenvolver atividades pedagógicas de intercâmbio de conhecimentos entre a universidade e a população: ministrar cursos, fazer ou promover conferências, palestras, ciclos de estudos, debates, oficinas, seminários, exposições etc.

Sendo assim, pode-se dizer que a ACIEPE: APRENDER A ENSINAR

DEFICIENTES VISUAIS, segundo a (UFSCar, 2010b) teve os seguintes

objetivos: Contribuir com a formação de alunos de graduação dos

cursos de licenciatura da UFSCar e com professores da rede pública estadual e municipal, com relação à descoberta de formas e estratégias de ensino voltadas aos deficientes visuais. Estabelecer, objetivos voltados ao currículo da Secretaria de Estado da Educação: dinamizar formas de aprendizagem de todas as disciplinas do currículo, ao longo da escolaridade básica.

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• Buscar formas de promoção da competência leitora e escritora dos deficientes visuais em todas as séries e disciplinas.

• Ampliar formas de os professores desenvolverem a competência leitora e escritora nos alunos.

Neste contexto, percebemos a ACIEPE em questão como um meio de

Formação Continuada para alunos recém-formados e também para

professores que trabalham na rede pública de São Carlos.

Dessa forma, é preciso fazer algumas considerações a respeito da

Formação Continuada de Professores, que segundo FERREIRA (2005), visa a

melhoria do desenvolvimento profissional, trazendo contribuições para uma

mudança de atitude do docente frente ao conhecimento e à ação de educar, ou

seja, segundo BERNARDO (s/d), no que diz respeito à literatura educacional,

parece haver consenso em torno da ideia de que nenhuma formação inicial,

mesmo a oferecida em nível superior, é suficiente para o desenvolvimento

profissional.

Ainda segundo BERNARDO (s/d), pode-se dizer que na perspectiva dos

estudos sobre a Formação Continuada é necessário não somente tentar

minimizar as lacunas da formação inicial. Nesse sentido, a ACIEPE pode ser

vista como um espaço em que se atualizam e se desenvolvem saberes e

conhecimentos, onde docentes e alunos da Universidade bem como com

professores da rede pública de São Carlos, realizando trocas de experiências.

Depois de definidos o que é uma ACIEPE e seus objetivos gerais, bem

como tomarmos os objetivos gerais da disciplina citada acima, e sobre alguns

aspectos da Formação Continuada, passamos a dizer que, entre as atividades

obrigatórias definidas no inicio da ACIEPE, foi acordado que alunos e

professores formariam grupos e ministrariam uma aula simulada para os

colegas de classe. Nesta aula os alunos estariam em situação de cegueira

total, estando vendados. O objetivo desta atividade era simular uma aula em

uma classe com alunos deficientes visuais.

Dessa forma, o grupo que desenvolveu a atividade aqui descrita era

formado por duas licenciandas e um licenciado do curso de Matemática da

UFSCar, e uma professora do ensino fundamental da rede municipal de São

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Carlos-SP. O grupo escolheu ministrar uma aula que pudesse explicar o

conceito de Coordenadas Cartesianas e Quadrantes.

1.2 REFERENCIAL TEÓRICO Primeiramente serão organizadas algumas considerações sobre a

inclusão de alunos deficientes na escola regular, ou seja, segundo CEOLIN et

al., (2009), as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação

Básica entende que por educação especial como um processo educacional

definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços

educacionais especiais. Já MANTOAN (2005) nos diz que a inclusão é a nossa

capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de

conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós.

Dessa forma, concordamos com VENTORINI & FREITAS (2002) que

vem nos dizer que o principio fundamental que rege as escolas integradoras, é

o fato de que todas as crianças devem aprender juntas, independente de suas

dificuldades e diferenças, proporcionando condições para participação ativa

nas atividades escolares. De acordo com MACHADO (2003), a criança

deficiente visual cresce e se desenvolve de forma semelhante àquelas que

enxergam devido ao crescimento ser sequencial e as etapas poderem ser

identificadas. Porém, apresenta diferenças, onde cada criança se desenvolve

de acordo com seu ritmo e potencialidades, apesar da limitação visual. Ainda

assim, as semelhanças entre todas as crianças são maiores do que as

diferenças.

Considerando toda discussão anterior, pode-se perceber claramente que

o ritmo de aprendizado dos alunos com deficiências visuais é o mesmo dos

demais, contudo MACHADO (2003) diz que a falta de estímulos a estes alunos

faz com que eles apresentem um processo de desenvolvimento mais lento.

Dessa forma, ao tratarmos da Educação Inclusiva na Matemática,

CEOLIN et al. (2009) nos mostra que este vem sendo um desafio para os

professores em formação inicial e continuada, da Educação Básica à Superior,

pois quando pensamos em trabalhar números, cálculos e até mesmo conceitos

matemáticos, logo vem a seguinte questão, e se na sala, tiver algum aluno com

deficiência, o que posso fazer para trabalhar com esse estudante sem excluí-

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Page 5: Experiência com o ensino de plano cartesiano

lo? Algumas pesquisas já estão sendo realizadas considerando esta área do

saber, como, GESSINGER (2006), que mostra relatos de professores de

Matemática que tiveram em suas classes ditas comuns, alunos com

necessidades educacionais especiais, a busca pela compreender a atuação

docente na perspectiva da inclusão, verificando quais práticas estão sendo

realizadas pelos diferentes professores, de modo a favorecer a construção de

conhecimentos matemáticos por esses alunos com necessidades especiais

inseridos no processo de inclusão.

2. OBJETIVO Trabalhar o conceito de localização no plano cartesiano, junto a

estudantes com cegueira total induzida por uma venda.

3. MÉTODO 3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA

Quanto à metodologia da pesquisa, esta consistiu em uma aula

expositiva e dialogada. Contudo, essa aula apresentou aos estudantes um

experimento desenvolvido pelo grupo que buscava ensinar o conceito de plano

cartesiano. Desta forma, a aula foi também experimental, no sentido em que

testou a utilização de um recurso educacional.

Considerando a aula como sendo experimental, BENEDETTI (2003, p.

79) discuti diversos detalhes em nível de procedimentos para realização de um

experimento de ensino (ou atividade de ensino), e expressa uma série de

passos que têm sido utilizados na sua análise: 1. Ouvir os áudios durante os experimentos de ensino, observando os alunos e o meu desempenho como pesquisador; 2. Encerrados os EE [experimentos de ensino], desenvolver a transcrição; 3. Construção de episódios, interligando algumas cenas e descartando outras; 4. Estudo intensivo dos episódios, articulando suas cenas a temas constantes na revisão de literatura e no referencial teórico. (BENEDETTI, 2003, p. 79)

Considerando essas questões BORBA (2004) apud COSTA (2010) diz

que devemos não apenas analisar ou desenvolver um experimento de ensino,

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Page 6: Experiência com o ensino de plano cartesiano

mas também suas limitações e suas possibilidades. Em outras palavras, deve-

se prestar atenção que os alunos que participam desta modalidade de

pesquisa estão fora da sala de aula, fora do contexto da avaliação que cerca a

sala de aula usual, e este fator tem que ser considerado ao analisar as

potencialidades da proposta.

3.2 METODOLOGIA DE SALA DE AULA Ao escolher uma metodologia para o ensino de deficientes visuais,

consideramos BARBOSA (2003, p. 19), que discorre: Buscar os recursos mais adequados para trabalhar com alunos portadores de deficiência visual é tarefa que exige do professor enxergar além da deficiência, lembrando que há peculiaridades no desenvolvimento de todas as crianças, tendo elas deficiência ou não. A criatividade foi e continua sendo um elemento indispensável para o homem superar problemas e desafios gerados pelo seu ambiente físico e social.

Dessa forma, optou-se por trabalhar com uma metodologia de jogos, por

favorecer o trabalho com a diversidade. FIORENTINI & MIORIM (1990)

afirmam que, antes de o professor optar por um jogo, deve refletir sobre a

proposta político-pedagógica, sobre o papel histórico da escola e sobre o tipo

de aluno que quer formar.

Segundo FIORENTINI & MIORIM (1990), o professor não pode subjugar

sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou

lúdico, isto é, nenhum material é válido por si só. A simples introdução de jogos

ou atividades no ensino da Matemática não garante uma melhor aprendizagem

desta disciplina, muito menos um 'aprender' que se esvazia em brincadeiras,

mas um aprender significativo do qual o aluno participe raciocinando,

compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido.

Por se tratar de ensino de geometria, consideramos FAINGUELERNT

(1999), que nos diz que a geometria exige uma maneira específica de

raciocinar, uma maneira de explorar e descobrir, ou seja, a manipulação de

objetos é uma etapa que antecede o pensamento abstrato, importante para o

desenvolvimento da percepção espacial.

4. DESENVOLVIMENTO

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4.1 PRÉVIAS DA DISCUSSÃO Ao propormos o tema ‘Coordenadas Cartesianas e Quadrantes’, vimos o

público alvo como uma turma do 7º ano do Ensino Fundamental, com o

objetivo especifico de trabalhar localização no plano cartesiano, utilizando

coordenadas, porém antes de definirmos o material didático é necessário ater-

nos à uma breve discussão a respeito dos sentidos remanescentes. De acordo

com SILVA (2008), o deficiente visual obtém informações do ambiente através

dos sentidos remanescentes como a audição, paladar, olfato e tato, onde o tato

é a principal via de acesso ao conhecimento.

4.2 CONFECÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO Tendo como ponto de partida as discussões suscitadas acima, um dos

componentes do grupo conhecendo o jogo Batalha Naval, em forma de

tabuleiro, sugeriu a adaptação deste para ser utilizado na introdução do

conceito localização de coordenadas cartesianas.

Porém, antes de descrevermos a produção do material didático em si, é

importante ressaltar o que nos dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN) (MEC/SEESP, 2005), que na seleção, adaptação ou elaboração de

recursos didáticos, o professor deve obedecer alguns critérios, garantindo a

validade na utilização dos mesmos, tanto para alunos cegos quanto para

alunos de visão subnormal.

Os critérios, de acordo com (MEC/SEESP, 2005) apud por SILVA

(2008), são: Tamanho, Significação tátil, Aceitação, Estimulação visual,

Fidelidade, Facilidade de manuseio, Resistência e Segurança.

Assim, seguindo estas recomendações para a confecção do material

didático utilizamos para a produção deste os seguintes materiais: EVA, isopor,

alfinetes, barbante, lixa fina, lixa grossa, bolinhas de gude, cola quente, estilete,

régua, tesoura, martelo e furador, como segue na imagem 1, a seguir:

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IMAGEM 1: MATERIAIS UTILIZADOS

Partimos do principio que tínhamos 24 alunos matriculados na disciplina

e que poderiam participar de nossa aula simulada e, portanto, precisávamos

preparar material didático para todos estes alunos.

Outra definição importante foi o tamanho do tabuleiro, ou jogo didático.

Optou-se por trabalhar com um quadrado de lado 20 cm, que mostrou-se

adequado após a elaboração de um protótipo e teste.

O próximo passo para confecção do material didático foi cortar 24

quadrados de EVA e de isopor, e com uma régua desenharmos as retas do

plano cartesiano no EVA e graduarem-se as retas definindo uma escala de 2

cm da régua para 1 na graduação no EVA, e só depois colarem-se com cola

quente o barbante, simulando assim as retas do plano cartesiano em alto-

relevo.

Depois, em cada ponto das coordenadas X e Y, furamos com marcador

e martelo cada coordenada dos 24 tabuleiros, como pode ser observado na

imagem 2, a seguir:

IMAGEM 2: FURANDO O EVA.

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Page 9: Experiência com o ensino de plano cartesiano

Após cortar os quadrados de lado 20 cm de isopor, colou-se o EVA com

cola quente. Em seguida, se colocou alfinetes marcados de diversas cores em

cada ponto da graduação do plano cartesiano, em cima do barbante já fixado,

dando assim, um alto-relevo ao plano cartesiano, como ilustra a imagem 3:

IMAGEM 3: FIXANDO O BARBANTE E O ALFINETE

Por fim, definimos a necessidade de colar-se um pequeno retângulo de

lixa na parte de cima e à direita, com texturas diferentes, para que o deficiente

visual possa dessa forma definir com facilidade o que é a reta do X e a do Y, e

depois cada um dos quadrantes, usando sempre estas texturas com pontos de

referência.

A imagem 4, mostra o material didático pronto.

IMAGEM 4: MATERIAL DIDÁTICO PRONTO NO INICIO DA AULA

4.3 A AULA A partir da definição do tema e da turma, definimos como objetivos desta

aula trabalhar localização no plano cartesiano, utilizando coordenadas.

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Page 10: Experiência com o ensino de plano cartesiano

Logo ao iniciar a aula, foi solicitado aos alunos que formassem duplas e

distribuídas vendas para todos, para que se vendassem, simulando cegueira

total. Só depois foram distribuídos os materiais didáticos para que fosse feito o

reconhecimento e o manuseio do material a ser utilizado na aula. Vale ressaltar

que a turma contava também com uma aluna com baixa visão.

Iniciada a aula, foi descrita a existência de pré-requisitos que os alunos

já deveriam trazer, ou seja, a ideia de plano, reta, ângulo reto, números

inteiros, e números reais.

O grupo que ministrou a aula era formado por quatro professores (as).

Uma delas ficou responsável pela condução da atividade, enquanto que os

outros ficaram no suporte monitorial. Então, disse a professora para a turma: Se vocês manipularem bem as bordas desse material, vão perceber que existe uma lixa na ponta do quadrado. Vocês vão definir como a parte superior, e do direito vão sentir um pedacinho de camurça, um material liso. Todo mundo achou? Vocês vão ter a lixa em cima, o liso do lado direito. Essa é a orientação que vamos manter até o final da atividade...

Logo que receberam o material para manuseio, podemos ressaltar um

importante dado no que diz que respeito à mudança de atitude dos alunos

entre a explicação oral e a fase do manuseio do material didático. De ouvintes

passivos passam a participativos e curiosos, tocando e conhecendo os objetos.

A imagem 5, a seguir, mostra o reconhecimento tátil realizado pelos alunos.

IMAGEM 5: RECONHECIMENTO TÁTIL

De acordo com GRIFIN & GEBER (1996), as fases do desenvolvimento

tátil são adquiridas e construídas de forma sistemática. A consciência da

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Page 11: Experiência com o ensino de plano cartesiano

qualidade tátil, mencionada por este mesmo autor, está direcionada para as

texturas, temperatura, contorno, tamanho e peso. Isto foi observado, durante a

aprendizagem dos alunos, assim, constatamos a importância de utilizar

diferentes texturas para facilitar a identificação das estruturas de um objeto.

Continuando a descrição da aula, foi feita a apresentação das retas do

plano cartesiano. Os estudantes, conforme planejamento prévio, tiveram tempo

para perceber o tabuleiro e verificar se haviam entendido os conceitos. Dessa

forma, o que não foi compreendido poderia ser esclarecido.

A professora continuou explicando a atividade: Vocês sentiram as retas? São de barbante e representam os eixos cartesianos. A reta vertical é chamada de eixo das ordenadas. E uma reta, onde tema alguns valores... é representa uma reta real. Aqui só colocamos os inteiros positivos, ou Naturais, 1,2,3,4, etc... e são representados na tabuleiro por pontinhos em relevo, graduando o plano. Onde essas duas retas se encontram, vocês conseguem sentir? Chamamos de origem do plano cartesiano, ou seja, é o zero da reta vertical e o zero da reta horizontal. A reta horizontal é que a gente chama de eixo das abcissas. Agora a gente vai entender onde vai estar o lado positivo e o negativo de cada uma dessas retas. A gente não marcou para cima a lixa? Então, para cima, a partir da origem, no sentido da lixa, vai aumentando, ou seja, 1, 2, 3, 4. Para baixo da origem, ainda na reta vertical, os números são negativos, ou seja, -1, -2, -3, -4. A mesma coisa a gente tem na reta horizontal...

A partir deste momento, a professora passou a descrever o material,

bem devagar, enquanto os outros professores verificavam a percepção e

aprendizado dos alunos, com enfoque na percepção tátil, conforme GRIFIN &

GEBER (1996). Também notamos que os alunos não ficaram passivos, e sim

sujeitos ativos na sua aprendizagem.

Em seguida, foram distribuídas aos alunos três bolinhas de vidro num

copo, o que fez com que os alunos começaram a fazer barulho e baterem as

bolinhas nas mesas. Porém, o fato de existirem 20 alunos para quatro

professores, fez com que a situação fosse controlada.

Pode-se dizer, a partir desta situação, que se a aula estivesse ocorrendo

em uma turma regular e somente uma professora fosse responsável por essa

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Page 12: Experiência com o ensino de plano cartesiano

turma, este fato poderia ser um indício da dificuldade de se manter o controle

disciplinar da turma.

O passo seguinte da aula foi aprender a localizar-se no plano cartesiano.

A estratégia utilizada nesta etapa foi valorizar o conhecimento prévio do aluno,

como se pode perceber nas seguintes falas da professora: Agora a gente vai aprender a se localizar no plano. Vocês concordam comigo que os pontos o plano são as coordenadas. Vocês para acharem cada buraquinho, precisamos de duas informações? Imagina agora que vocês pediram quando pedimos informação para chegar a alguma lugar e a pessoa fala para andar 2 e virar 3 é a mesma coisa que andar 3 e virar 2? Não... Então, a ordem é importante aqui. O que definimos matematicamente uma coordenada, o primeiro valor está na reta horizontal e o segundo na reta vertical. Por exemplo: encontre o ponto (-3, 2). O menos três está em qual reta? Primeiro encontra a origem, vai na reta horizontal, para a esquerda e conta três. Agora na reta vertical, para cima e conta dois...

Em seguida, passamos à atividade prática do jogo propriamente dito.

Neste momento, o material, como já descrito, tenta simular o conhecido jogo de

batalha naval, como descreve a professora: Vocês conhecem o jogo batalha naval? Então, a gente fez uma adaptação. Agora cada uma vai distribuir as bolinhas no plano, como quiserem, sem contar para o colega. Agora, cada bolinha representa um navio e plano o mar. O objetivo do jogo é dar as coordenadas corretas para atingir a bolinha, que é o navio. Quem eliminar três bolinhas, é o vencedor. Agora é o seguinte: definam quem comece e tem que dar a localização em coordenadas cartesianas.

Ao final da aula, foi possível notar o aprendizado, avaliado através de

uma atividade prática, onde foram estabelecidos todos os cuidados referidos a

uma metodologia de jogo aplicada na sala de aula, já descrita na metodologia.

Também notamos a introdução à abstração matemática, pois saindo do

concreto os alunos começavam a ter noção de coordenadas cartesianas na

forma (x, y).

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Page 13: Experiência com o ensino de plano cartesiano

4.4 ANÁLISES E RESULTADOS DA CONFECÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO Após o final da aula, foram feitas algumas discussões referentes ao

material didático confeccionado. Dessa forma, avaliamos que a maior

dificuldade foi na preparação em si do material didático, como furar o EVA. Já

quanto à utilização deste, foi levantada a questão de que no cruzamento das

retas, representadas por barbantes, houve dificuldades de sua localização,

devido à homogeneidade tátil dos pontos, representados pelos alfinetes em

alto-relevo. Foi sugerido que nesse ponto central do plano cartesiano tivesse

um diferencial, como um alfinete com relevo mais auto para a diferenciação em

si em relação a outros pontos. Mesmo assim, quanto a esse aspecto, o material

foi bem aceito, possibilitando boa identificação tátil.

Outro ponto discutido foi quanto à baixa profundidade dos pontos de

encontro das coordenadas representadas por furos no EVA, ao qual estava

colada no isopor. Foi sugerida, e bem aceita a sugestão para que tal

profundidade fosse aumentada, o que poderia ser resolvido simplesmente

apertando a bolinha contra o isopor, provocando uma pequena concavidade, o

que faria a bolinha ser retida com maior facilidade sobre o tabuleiro.

Por fim, a pesar de não haver menção específica quanto à dificuldade ou

não da aluna com baixa visão no uso do material, mas ao relermos as

recomendações de (MEC/SEESP, 2005) apud SILVA (2008), fica claro o

cuidado nem sempre respeitado de cores contrastantes para maior facilidade

de identificação do material.

Também vale ressaltar que o material utilizado durante a aula foi doado

para instituições responsáveis pela inclusão de deficientes visuais em São

Carlos, bem como para o NÚCLEO INCLUIR DA UFSCar e para o laboratório

de ensino do curso de graduação de Educação Especial.

No mais, o material foi bem aceito, o que possibilitou um aprendizado

satisfatório.

5. CONCLUSÕES

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Page 14: Experiência com o ensino de plano cartesiano

Retomando nosso objetivo inicial, dissemos que tínhamos a intenção de

trabalhar a localização no plano cartesiano para alunos com cegueira total

simulada, através de material didático confeccionado por nós.

Concluímos, primeiramente, que ao final da aula simulada que o material

foi bem aceito e possibilitou a aprendizagem dos alunos, sendo bem recebido

por estes e pelos coordenadores da disciplina “ACIEPE: APRENDER A

ENSINAR DEFICIENTES VISUAIS”, além de atender de forma satisfatória as

recomendações do (MEC /SEESP, 2005).

Quanto à aula em si, notamos o processo de ensino aprendizado

satisfatório, até porque notamos que ao final das atividades os alunos

conseguiram localizar qualquer ponto, utilizando-se para isso uma metodologia

de jogo.

Assim, concluímos que foram satisfeitos os objetivos iniciais propostos.

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