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Experiências em Jornalismo Científico ESPECIAL A informação decifrada Divul gação de ciência e tecn ologia exige, cada vez mais, profissionais bem fo rmados L ançado pela FAPESP em outubro deste ano, o Pro- grama José Reis de Jorna- lismo Científico-MídiaCiência (objeto de matérias no Notícias FAPESP 45 e nesta Pesquisa FAPESP 47) deverá representar uma contribuição importante para a formação de profissio- nais que lidam com informa- ção sobre ciência e tecnologia, na grande imprensa ou na im- prensa especializada, em novas L-- mídias, como a Internet, ou em estruturas de divulgação de ins- tituições de pesquisa. Esses profissionais enfren- tam continuamente o desafio de tentar traduzir para a lin- guagem comum as buscas em- preendidas e os resultados obtidos por pesquisadores em campos complexos do conhecimento e, quase sempre, apre- sentados num jargão fechado, irredutível, à primeira vista, a termos usuais. Encaram a exigência de explicar como as conquistas da ciência e da tecnologia, que parecem ocorrer num mundo tão alheio às preocupações cotidianas dos mortais comuns, podem afetar, para o bem ou para o mal, a vida de todos e de cada indivíduo em particular. E devem, na medida do possível, estar sempre lembrando as relações da ciência e da tecnologia com a cultura, com a política e com a economia. Que a opinião pública deve ser informada sobre o que se passa nos domínios da ciência e da tecnologia é uma questão sobre a qual, há muito tempo, não resta a menor dúvida. Porque a própria noção de democracia, com seu corolário, a cidadania, pressupõe o direito do público de ser bem infor- mado sobre novos dados e decisões que podem afetar sua vida. E, já que a pesquisa em C&T mobiliza grandes somas de recursos públicos, é também a noção de direito do contri- PESQUISA FAPESP buinte que exige informação so- bre quanto, em que e para que se investe nessa pesquisa. Muito mais recente, no en- tanto, é a idéia da necessidade de uma formação específica para profissionais responsáveis pela difusão da informação so- bre C&T. Em princípio, jorna- listas com uma cultura média e gosto pelas coisas da ciência, do mesmo modo que cientistas com habilidade verbal suficien- te para transpor os obstáculos lingüísticos de seu campo em direção à planície da língua co- mum, estariam aptos para rea- lizar a contento esse trabalho. Mas a prática tem demonstra- do que não é bem assim, ante a complexidade crescente e a extraordinária velocidade do de- senvolvimento científico e tecnológico, que impõe rápidas e profundas mudanças sociais. Daí decorrem os esforços pela melhor formação de profissionais de informação em C&T, iniciados no país, ainda que de forma assistemática e descon- tínua, desde os anos 70, e dentro dos quais o MídiaCiência agora pode se constituir numa nova e produtiva abordagem. Este encarte oferece um apanhado de experiências do jornalismo científico no país, tanto no desdobramento de sua prática ao longo de algumas décadas quanto nas inicia- tivas de formação de profissionais para essa especialidade do jornalismo. E, para completar, oferece algumas informa- ções sobre a formação de jornalistas científicos no exterior. Os dados sobre essas experiências certamente serão úteis como marco referencial para pesquisadores e jornalistas que neste momento estão elaborando ou pensando em elaborar propostas de cursos e de pesquisas qualificados para receber o apoio proposto pela FAPESP no MídiaCiência. E, espera- mos, para outros interessados no jornalismo científico.

Experiências em Jornalismo Científico

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Pesquisa FAPESP - Encarte especial (ed. 47). Outubro/1999

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Experiências em

Jornalismo Científico ESPECIAL

A informação decifrada Divulgação de ciência e tecnologia exige, cada vez mais,

profissionais bem fo rmados

L ançado pela FAPESP em outubro deste ano, o Pro­grama José Reis de Jorna­

lismo Científico-MídiaCiência ( objeto de matérias no Notícias FAPESP 45 e nesta Pesquisa FAPESP 47) deverá representar uma contribuição importante para a formação de profissio­nais que lidam com informa­ção sobre ciência e tecnologia, na grande imprensa ou na im-prensa especializada, em novas L--

mídias, como a Internet, ou em estruturas de divulgação de ins­tituições de pesquisa.

Esses profissionais enfren­tam continuamente o desafio de tentar traduzir para a lin­guagem comum as buscas em-preendidas e os resultados obtidos por pesquisadores em campos complexos do conhecimento e, quase sempre, apre­sentados num jargão fechado, irredutível, à primeira vista, a termos usuais. Encaram a exigência de explicar como as conquistas da ciência e da tecnologia, que parecem ocorrer num mundo tão alheio às preocupações cotidianas dos mortais comuns, podem afetar, para o bem ou para o mal, a vida de todos e de cada indivíduo em particular. E devem, na medida do possível, estar sempre lembrando as relações da ciência e da tecnologia com a cultura, com a política e com a economia.

Que a opinião pública deve ser informada sobre o que se passa nos domínios da ciência e da tecnologia é uma questão sobre a qual, há muito tempo, não resta a menor dúvida. Porque a própria noção de democracia, com seu corolário, a cidadania, pressupõe o direito do público de ser bem infor­mado sobre novos dados e decisões que podem afetar sua vida. E, já que a pesquisa em C&T mobiliza grandes somas de recursos públicos, é também a noção de direito do contri-

PESQUISA FAPESP

buinte que exige informação so­bre quanto, em que e para que se investe nessa pesquisa.

Muito mais recente, no en­tanto, é a idéia da necessidade de uma formação específica para profissionais responsáveis pela difusão da informação so­bre C&T. Em princípio, jorna­listas com uma cultura média e gosto pelas coisas da ciência, do mesmo modo que cientistas com habilidade verbal suficien­te para transpor os obstáculos lingüísticos de seu campo em direção à planície da língua co­mum, estariam aptos para rea­lizar a contento esse trabalho. Mas a prática tem demonstra­do que não é bem assim, ante a

complexidade crescente e a extraordinária velocidade do de­senvolvimento científico e tecnológico, que impõe rápidas e profundas mudanças sociais. Daí decorrem os esforços pela melhor formação de profissionais de informação em C&T, iniciados no país, ainda que de forma assistemática e descon­tínua, desde os anos 70, e dentro dos quais o MídiaCiência agora pode se constituir numa nova e produtiva abordagem.

Este encarte oferece um apanhado de experiências do jornalismo científico no país, tanto no desdobramento de sua prática ao longo de algumas décadas quanto nas inicia­tivas de formação de profissionais para essa especialidade do jornalismo. E, para completar, oferece algumas informa­ções sobre a formação de jornalistas científicos no exterior.

Os dados sobre essas experiências certamente serão úteis como marco referencial para pesquisadores e jornalistas que neste momento estão elaborando ou pensando em elaborar propostas de cursos e de pesquisas qualificados para receber o apoio proposto pela FAPESP no MídiaCiência. E, espera­mos, para outros interessados no jornalismo científico.

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EXPE RI ~NC I AS EM JO RNA LI SMO C I EN TI F I CO

A lenta conquista do espaço • na 1111prensa

Depois de cinco décadas, a ciência torna-se fonte usual de notícia no país

MARILUCE MOURA

Na virada da primeira para a se­gunda década do século XX, o abismo crescente entre o cien­

tista e o leigo tornou-se tema corrente na imprensa norte-americana. Em 1919, relata Dorothy Nelkin em seu li­vro Selling Science, o New York Times publicou uma série de editoriais sobre a incompreensão do público a respeito dos novos desenvolvimentos na física e sobre as perturbadoras implicações para a democracia que decorriam do fato de

"Havia uma visão

arraigada no país

de que a atividade

científica era

pertinente

apenas aos gênios"

difundiam. Foi nesse contexto que Edwin W. Scripps, um magnata da imprensa, fundador de 30 jornais e de uma agên­cia de notícias, criou, em 1921, o Science Service, a primeira agência de notícias sobre ciência nos Estados Unidos.

Scripps ironicamente considerava que os cientistas eram "tão terrivelmen­te sábios e tão estufados de conhecimen­to" que não compreendiam "por que Deus fez quase todo o resto da humani­dade tão infernalmente estúpido". De qualquer sorte, ele próprio percebia a ciência como base de um modo de vida

apenas um punhado de pessoas poder entender importantes conquistas intelectuais. Segundo Nelkin, a teoria da relativi­dade, de Einstein, tornava-se nesse momento o símbolo da obscuridade, a ponto de Morris Cohen, amigo do cientista, ter afirmado para o Times que o desenvolvimento recente da ciência, envolvendo um maior domínio de técnicas comple­xas, significava, com efeito, "o retorno a uma barreira artifi­cial entre o leigo não iniciado e o especialista':

democrático e, dadas as profundas mudanças sociais e tecno­lógicas do período, apostava que notícias sobre ciência se­riam a partir dali perfeitamente vendáveis. Com essa con­vicção, juntou-se ao respeitado zoólogo William E. Ritter, atraiu a cooperação da Academia Nacional de Ciências e da Associação para o Progresso da Ciência, reuniu alguns des­tacados jornalistas e criou a agência de notícias que deveria traduzir ciência para que se tornasse inteligível "às pessoas comuns". A barreira erguia-se também para os jornalistas. Mas,

mesmo atordoados pela complexidade da ciência, diz Nelkin, eles estavam fascinados com o progresso que ela implicava, com seu potencial económico e com as possibilidades de de­senvolvimento tecnológico que abria- e com essa imagem a

Sem desconsiderar, obviamente, análises bem elaboradas sobre as razões económicas - além de políticas e culturais -que explicam ao extraordinária difusão dos feitos da ciência e da tecnologia norte-americanas para o mundo inteiro, essa

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Um idealista isolado

Aos 92 anos, José Reis é um sím­bolo vivo do trabalho de divulgação científica no Brasil. O médico carioca, formado pela Faculdade Nacional de Medicina, especializado em microbio­logia e patologia pelo Instituto Os­waldo Cruz do Rio de Janeiro, contra­tado pelo Instituto Biológico de São Paulo em 1929, experimentou suas primeiras possibilidades de explicar problemas científicos para um públi­co não especializado escrevendo fo­lhetos e artigos para seções agrícolas de jornais e, principalmente, colabo-

rações sistemáticas para a revista Chá­caras e Quintais, a partir de 1932. Ele falava então, para granjeiros, das do­enças, das pragas, dos muitos proble­mas e dos cuidados que deviam ser tomados na criação de galinhas. Mas sua atividade regular no jornalismo científico começa, de fato, em abril de 1947, quando ele passa a colaborar com as Folhas (da Manhã, da Tarde e da Noite), e desde então não mais in­terrompe esse trabalho. As Folhas tor­naram-se o poderoso jornal Folha de S. Paulo e lá está, no caderno Mais,

a cada domingo, a coluna Periscópio, do doutor José Reis- um profissional tão respeitado no jornal que se tor­nou seu diretor de redação de 1962 a 1967.

Em seu já longuíssimo tempo de trabalho, José Reis teve garra para ba­talhar, na primeira metade da década de 40, pela criação da FAPESP e, na segunda metade, pela criação da So­ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, da qual foi o primei­ro secretário-geral, em 1948. Fundou e tornou-se o primeiro editor da re­vista Ciência e Cultura da SBPC, em 1949 (até 1954 e, depois, de 1972 a 1985). Em 1958, aposentando-se do

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pequena história parece ilustrativa do jornalismo científico nos Estados Unidos. Ajuda, certamente, a formar uma idéia sobre como ele foi ganhando peso e dimensão empresarial na imprensa do país. E fornece uma pista do porquê do for­te sentimento favorável aos investimentos em C&T enraiza­do na opinião pública norte-americana - afinal, há muitas décadas ela vem sendo cultivada neste sentido.

Não há paralelismo possível entre esse quadro e a emer­gência do jornalismo científico no Brasil. Embora já em seu primeiro número, em 4 de janeiro de 1875, O Estado de São Paulo tivesse publicado uma "secção scientífica", só no início da década de 60 o jornalismo científico começa a tomar uma certa configuração no país. Na década seguinte ele se organi­za um pouco mais, para crescer de forma sensível a partir da segunda metade dos anos 80.

Atividade de gênios - Na verdade, a cultura brasileira era "marcada por uma visão arraigada de que a atividade cientí­fica é pertinente apenas aos gênios': como observa o historia­dor de ciência Shozo Motoyama no primeiro capítulo do li­vro FAPESP: uma história de política científica e tecnológica. Nesse ambiente, pouco favorável à utilização da ciência como fonte usual de notícia e, mais ainda, de negócios, só em meados da década de 40 irá aparecer na imprensa um profissional cujo nome ficará ligado às origens do jornalismo científico no país: José Reis. Por muitos anos, ele permanece­rá como um pioneiro solitário em seu campo, escrevendo so­bre ciência em linguagem clara e defendendo as posições avançadas de pesquisadores e intelectuais que, contra toda a oposição política, insistiam na batalha pela montagem de um sistema de ciên­cia e tecnologia no Brasil.

Na verdade, tra­tava-se de uma ba­talha iniciada, ain-

EXPERI ~NC IA S EM JOR N ALISMO C IE N TIFI CO

da que de forma incipiente, nos idos de 1919, mesma época em que a imprensa americana começava a dar bases empre­sariais ao jornalismo científico. Naquele ano, a Sociedade Brasileira de Ciências (atual Academia) manifestava-se em favor da criação de um conselho nacional de pesquisa que permitiria transformar o trabalho dos cientistas em ativida­de sistemática no país. Mas só em 1945 ela encontraria con­dições adequadas para levar mais longe essa luta pela consti­tuição do CNPq- criado, finalmente, em 1951. A Segunda Guerra Mundial terminara, ciência e tecnologia alcançavam um prestígio impressionante no mundo inteiro, adensara-se de certa maneira o pensamento pró-ciência no Brasil com o trabalho dos Fundos Universitários de Pesquisa para a Defe­sa Nacional, formados logo depois de o país ter entrado na guerra, em 1942, e tudo isso forjava um momento histórico favorável à quebra da oposição de grande parte da elite na­cional ao projeto de estruturação de um sistema de ciência e tecnologia com financiamento público regular. Tanto assim que, além do esforço pela criação do CNPq (mais tarde Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico), em São Paulo, na mesma época, os cientistas conse­guem fazer introduzir na Constituição estadual de 1947 um artigo destinando 0,5% das receitas tributárias do Estado a uma futura fundação de amparo à pesquisa- que, entretan­to, só 15 anos depois se tornará realidade. Longuíssimas se­rão as discussões, as marchas e contramarchas no caminho de construção dessa fundação, cujo projeto original foi apre­sentado por integrantes do Partido Comunista (àquela altu­ra colocado na ilegalidade), à frente Caio Prado Júnior.

O que ocorre é que, a despeito da criação de alguns im­portantes institutos de pesquisa científica, e mesmo tecnológica, no país ainda no fi­nal do século XIX, a despeito da criação da USP e da Universidade do Brasil na déca­da de 30 deste século e a despeito da in­dustrialização que começa a tomar um

em 1979. Tornou-se alvo e nome de ~ um núcleo de estudos sobre divulga­~ ção científica na Escola de Comunica­~ ção e Artes da USP, ei:n 1992. ~ 2 Essa trajetória impressionante < j tem sido cumprida por um homem ~ definido por aqueles que o conhecem ~ mais de perto como extremamente ~ discreto e suave. E que sem nenhuma ~ dúvida mereceria o epíteto que ele,

Instituto Biológico, fundou com outros dois sócios a editora !brasa-Instituição Brasileira de Difu­são Cultural S/ A, para lançar livros­fermentos que trou­xessem idéias novas e provocassem deba­te. Sua atuação na editora estende-se até

José Reis: artigos no mesmo jornal desde 1944 em agosto de 1988, num de seus arti­gos no Mais, atribuiu a cientistas e jornalistas que, há muitos anos, vêm fazendo a divulgação da ciência e da tecnologia e de sua importância para o desenvolvimento econômico, social e político do país: idealistas isolados.

1978. Conquistou prêmios (Prêmio Governador do Estado de Jornalismo Científico, em 1962, Prêmio John R. Reitemeyer de Jornalismo Científico, da Sociedade Pan-Americana de Im-

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prensa e União Pan-Americana de Im­prensa, em 1964, Prêmio Kalinga, da Unesco, em 1975) e tornou-se nome do primeiro prêmio nacional de jorna­lismo científico, instituído pelo CNPq,

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EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTIFICO

rumo também nos anos 30, o ambiente brasileiro vai se manter rarefeito para a produção de C&T por muito tempo -e o que se passa no jornalismo é conseqüência. Em 1941, conforme relato de Motoyama no livro sobre a FAPESP, o empresário Roberto Simonsen, um defensor incansável da industrialização, apresenta na IV Reunião da Associação Bra­sileira de Normas Técnicas, talvez numa provocação à auto­estima nacional, alguns números relativos à ciência e tecno­logia nos EUA, naquele momento: são "mais de 30 bilhões de dólares investidos em pesquisas científicas, 2.200 laborató­rios industriais, 100 universidades em íntima correlação com investigações científicas, 75 associa­ções de classes com órgãos de pesquisa industriais, 600 laboratórios indepen­dentes e outros pertencentes a empre­sas, resultando em nada mais, nada me­nos que 50 mil invenções anuais':

A reação nos anos 70 - Em trabalho apresentado no segundo Congresso Ibe­ro-Americano de Jornalismo Científico, realizado em Madri, em 1977, Marco An­tonio Fillipi, então editor da seção Atua­lidade Científica, no Estado de S. Paulo, traça o seguinte resumo do que seriam os domínios do jornalismo científico bra­sileiro, entre o último quarto do século passado e o final da década de 40: "Sen­sacionalismo era a tônica, a mística im­perava. Ciência e pseudociência se con­fundiam, da mesma forma que ciência e tecnologia. Jornalistas totalmente despre­parados cometiam erros graves. Nenhum interesse havia por parte dos chefes de redação".

Havia, é claro, exceções. Ele lista as seguintes: em sua luta pela criação da USP, no início da dé­cada de 30, O Estado de S. Paulo "abriu espaço à divulgação da ciência, recebendo a colaboração de expressivos nomes da ciência mundial". E, em 1947, José Reis "inicia a publica­ção, pela primeira vez sistemática, de textos de divulgação" na Folha. Em sua visão, até o início da década de 60 o pa­norama não era animador, mas ocorre uma mudança signi­ficativa em 1963, quando O Estado de S. Paulo cria a seção Atualidade Científica, "destinada a dar ampla divulgação de temas científicos nacionais e estrangeiros e criar uma consciência pública para a importância da ciência. Vários cientistas-divulgadores são chamados a colaborar. A seção chega a ocupar 21 colunas". Era um momento, lembra ele, em que a corrida espacial entre Estados Unidos e União So­viética motivava o grande público "e, com ele, os periódi­cos, o rádio e a TV a tratar de assuntos científicos". Essa es­pécie de euforia científica, que provoca a formação de editarias especializadas em muitos veículos, prolonga-se até a chegada do homem à Lua em 1969. Segundo Fillippi, nesses anos a ciência internacional é rotineiramente cober-

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ta por Visão, Manchete, Veja, Ciência e Vida, Planeta e Ciên­cia em Fascículos.

Num outro trabalho apresentado para o mesmo congresso, a partir de pesquisa efetuada em 25 periódicos de todo o país, Júlio Abramczyk, 67 anos, médico e jornalista da Folha de S. Paulo desde 1960, mostra que apenas quatro publicações bra­sileiras - duas revistas semanais, Veja e Visão, e dois jornais diários, Folha e O Estado de S. Paulo- mantinham, em 1977, editarias de ciência e cobriam rotineiramente a área. Uma curiosidade que ele apresenta é que jornais como O Globo, do Rio, e Zero Hora, de Porto Alegre, que não dispunham de

editores de ciência, publicavam rotinei­ramente uma coluna médica distribuída pela UPI e assinada por F. J. L. Blasinga­me, da Associação Médica Americana.

Os depoimentos dos jornalistas liga­dos a C&T mostram que foi nos anos 70 que os profissionais da área tentaram efetivamente dar uma certa organização à prática do jornalismo científico no Brasil. O conhecido jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando, que viera ao país em 1972 dar um curso de extensão em jornalismo científico na USP (ver página 6), algum tempo depois convi­dou dois jornalistas do Estado de S. Pau­lo e dois da Folha para participar do I Congresso Ibero-Americano de Jornalis­mo Científico, que se realizaria em Cara­cas, em 1974. "Foi lá que Abram Jagle, Andrejus Corocovas, Nesse e eu começa­mos a pensar na formação da Associa­ção Brasileira de Jornalismo Científico", conta Abramczyk.

Em 1977, a ABJC estava formada e no ano seguinte foi registrada, com José

Reis indicado como seu primeiro presidente. Seis meses de­pois, o decano dos jornalistas científicos demitiu-se da presi­dência, por problemas de saúde, e Abramczyk assumiu o car­go, no qual permaneceria por três gestões. "Durante essa época, elaboramos, em 1982, uma bibliografia de referência sobre jornalismo científico, publicada nos anais do I Congresso Bra­sileiro, com ajuda da FAPESP e do CNPq, e chegamos a fazer uma única edição dos Cadernos de Jornalismo Científico': diz.

A ABJC, que começou com pouco mais de meia dúzia de jornalistas, conta hoje com cerca de 350 associados e tem ca­deira cativa no júri do Prêmio José Reis de Divulgação Cien­tífica, promovido desde 1979 pelo CNPq. O esforço de valo­rização do jornalismo científico no Brasil empreendido pela ABJC é inegável. No entanto, entre associados e ex-dirigen­tes da instituição, sobram dúvidas sobre os reais resultados desse trabalho, que em sua avaliação poderiam ser mais pal­páveis se a associação não enfrentasse contínuas crises de identidade. "Como se diz na área de administração, você só cria uma empresa ou uma instituição forte com intuito per­sana, ou seja, com todos aqueles que têm a responsabilidade

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de conduzi-la imbuídos dos mesmos objetivos", diz o jorna­lista Roberto Medeiros, presidente da ABJC no começo dos anos 90. O problema da associação, completa, é que às vezes ela é vista como entidade sindical, às vezes praticamente como uma entidade acadêmica, com a responsabilidade de promover cursos, seminários, etc., e outras vezes como uma entidade que deve apenas propugnar a excelência das práti­cas de divulgação científica, num viés claramente saudosista. Para Medeiros, a associação não deve ser isoladamente qual­quer dessas coisas, mas uma instituição pluralista, comprá­ticas e objetivos claros.

Anos depois da criação da ABJC, ou­tras iniciativas já na década de 80 come-

EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTIFICO

tituições brasileiras de pesquisa ou de apoio à pesquisa por essa via. "Por enquanto, as instituições estrangeiras estão muito à frente das nossas nessa forma de disponibilização das informações", diz. Valem ainda como registro do fim da década: a tiragem da Ciência Hoje, depois de ter atingido qua­se 50 mil exemplares, caiu para 15 mil; uma nova revista, Pesquisa FAPESP (originária do informativo Notícias FAPESP) alcança uma tiragem de 22 mil exemplares; no âmbito da grande imprensa, a Superinteressante apresenta uma tiragem de cerca de 350 mil exemplares e a Galileu, de 120 mil exem­plares; e, dentre as revistas semanais, um destaque é obriga-

tório para o grande espaço concedido inicialmente pela Época (tiragem atual em

çam a configurar melhor o campo práti­co do jornalismo científico no Brasil. A SBPC lança em 1982 a revista Ciência Hoje (bimestral, de início, mensal, a par­tir de 1987), com artigos de divulgação da ciência produzida no país, escritos sobretudo por pesquisadores; em 1987, a Editora Abril lança a revista Superinte­ressante, voltada para um público jovem e na qual resultados da ciência universal são apresentados em seu caráter fasci­nante ou curioso; na mesma época o

"Os anos 90 vão encontrar

editorias de ciência em todos

os grandes jornais e revistas"

torno de 900 mil exemplares), da Edito­ra Globo, à editor ia de ciência e tecnolo­gia: cerca de 15 páginas, que caíram para em torno de 12.

Ciência e opinião pública- A despei­to da notória expansão do jornalismo científico no Brasil, o país está a enorme distância da multiplicidade de títulos de livros e revistas, de esquemas de dis­tribuição de informações, de pesquisas

CNPq promove uma total renovação da Revista Brasileira de Tecnologia, título que mantinha desde os anos 60 e que a partir daí, feita por jornalistas, vai mostrar os resultados de pesquisas financiadas pelo Conselho em to­dos os campos do conhecimento; em 1990, a Editora Globo lança a Globo Ciência (atual Galileu), no mesmo veio da Su­perinteressante.

Os anos 90 vão encontrar editorias de ciência organiza­das praticamente em todos os grandes jornais e revistas se­manais da grande imprensa nacional. Em alguns casos, como o da Gazeta Mercantil, a edito ria é de tecnologia, mas abre-se também generosamente a matérias sobre ciência. O espaço concedido à produção científica e tecnológica brasileira é muito variável de veículo para veículo - alguns abrem-se francamente a ela, enquanto outros continuam a manter-se a enorme distância, como se, em face do porte da produção internacional, e norte-americana em particular, a produção brasileira sequer fosse efetivamente fonte de notícia. A déca­da vai também assistir à entrada da ciência internacional e nacional na televisão, em programas especializados como Globo Ciência, mas também nos noticiários normais.

Do chamado outro lado do balcão, organizam-se melhor as assessorias de imprensa de universidades, instituições de pesquisa e agências de fomento à pesquisa. Surgem e cres­cem os informativos, jornais e revistas dessas instituições, que vão contribuir para um processo de alimentação contí­nua da mídia.

A década fecha com a informação científica por via ele­trônica, produzindo alterações no jornalismo científico cujos efeitos são difíceis ainda de avaliar. No entanto, um jornalis­ta como Júlio Abramczyk reclama mais informações das ins-

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e sondagens de opinião que a divul­gação científica gera nos Estados Uni­

dos, por exemplo. Mas não há muito o que estranhar: afi­nal, os investimentos em C&T nos EUA estão na altura dos US$ 205 bilhões anuais, enquanto no Brasil não chegam a US$ 10 bilhões.

A sociedade norte-americana tem uma visão extrema­mente positiva de C&T, a que atribui papel central na in­fluência que os EUA exercem sobre o mundo e em seu pró­prio padrão de vida. Assim, uma pesquisa de 1981 sobre o apoio público aos investimentos federais em P&D, patroci­nada pela National Science Foundation e realizada por Jonh D. Miller e Kenneth Prewitt, mostrou que 90% do público que acompanha atentamente ciência acredita que seus benefícios superam largamente os riscos que ela cria. Isso é também verdade para 79% do público apenas interessado no assunto e para 66% do público que não dispensa maior atenção ao tema. O apoio manteve-se intocado na década de 90: um le­vantamento da NSF de 1994 mostrou que 68% da população crê que a ciência resolverá muitos problemas do mundo.

No Brasil, o quadro revelado pela única grande pesquisa de opinião já realizada sobre a imagem que a população ur­bana tem de C&T, em 1987, mostrou que mais da metade dela (52%) acha o país atrasado em pesquisa científica e tec­nológica. Concebida pelo CNPq e pelo Museu de Astrono­mia e Ciências Afins e realizada pelo Instituto Gallup, a pes­quisa informou que 71% dos brasileiros adultos das áreas urbanas tinham algum ou muito interesse por descober­tas científicas. E os cientistas, em sua avaliação, ocupavam o quinto lugar entre os profissionais que mais contribuem para o desenvolvimento do país- atrás dos agricultores, in­dustriais, professores e médicos.

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EXPERIENCIAS EM JORNALISMO CIENT!FICO

A fortnação de jornalistas científicos no Brasil

É hora de ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica

GRAÇA CALDAS E MONICA MACEDO pesquisa na área, originando disserta­ções de mestrado e teses de doutorado.

A crescente influência da ciência na sociedade tem levado a população brasileira a se interessar, cada vez

mais, pelos resultados da pesquisa cien­tífica e a se preocupar com sua participa­ção na formulação de políticas públicas de Ciência e Tecnologia. As grandes ques­tões são: a quem cabe decidir sobre as áreas prioritárias para investimentos governa­mentais e empresariais? De que maneira a sociedade civil está sendo informada so-

"A formação

nessa área

tem ocorrido

quase sempre

de forma

autodidata"

Já no final da década, em 1978, cria­se uma linha de pesquisa em Comtfi;lica­ção Científica e Tecnológica no Progra­ma de Pós-Graduação em Comunicação Social do Instituto Metodista de Ensino Superior (atual Universidade Metodista de São Paulo). O programa- que inicial­mente funcionava apenas como mestra­do e, a partir de 1995, incorporou tam­bém o doutorado - é a experiência mais

bre a produção científica e tecnológica do país? Como subsidiar a opinião pública com informações para que ela possa participar ativamente desse processo? A quem cabe a formação de uma cultura científica no país?

Os meios de comunicação podem certamente contribuir para isso. Falta, porém, ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica. No Brasil, a formação de jornalistas e divulgadores ocorre quase sempre de forma autodidata, em função da ausência de cursos regulares na área. Entretanto, nas últimas duas décadas, várias iniciativas têm surgido para incentivar a formação de profissionais especializados.

O crescimento desses cursos pode ser creditado, em par­te, à necessidade de os cientistas buscarem respaldo na opi­nião pública para legitimar seu trabalho e conquistar novos investimentos para a pesquisa básica e aplicada. Além disso, a informação científica é de interesse dos meios de comuni­cação, pois desperta a atenção de leitores e espectadores. Cien­tistas e jornalistas começam, então, a entender a necessida­de de uma atuação conjunta para aprimorar a qualidade do jornalismo científico. Nesse sentido, ampliam-se as ocasiões em que sentam, lado a lado, para uma reflexão sobre a prá­tica e os rumos da área.

Cursos de pós-graduação- Os cursos destinados à forma­ção de profissionais especializados em divulgação científica são um fenômeno recente. Ainda assim, é possível localizar na década de 70 algumas experiências pioneiras.

A primeira delas realiza-se em 1972, na Escola de Comu­nicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Trata-se do Curso de Extensão em Jornalismo Científico, mi­nistrado pelo professor e divulgador espanhol Manuel Calvo Hernando, do qual resultou o livro Teoria e prática do jorna­lismo científico. O curso, no entanto, não teve continuidade, apesar de a pós-graduação da ECA ter mantido projetos de

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duradoura de ensino e pesquisa sobre divulgação científica no país. Nele sur­

gem vários estudos empíricos sobre a divulgação de C&T nos meios de comunicação, além de projetos de pesquisa em con­vênio com instituições internacionais. É o caso do "Projeto Comsalud': patrocinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que estuda a divulgação de saúde na imprensa, rádio e TV em vários países da América Latina.

Em 1982, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) promove o Curso de Especialização por Tutoria a Distância. Na ocasião, selecionaram-se 30 jor­nalistas do país inteiro, que recebiam textos, por módulos (fí­sica, química, informática, biologia, geologia, etc.). Cada mó­dulo possuía um tutor - cientista experiente na área -, que orientava os trabalhos. Como parte das atividades houve, também, um seminário em Brasília, com patrocínio da Fun­dação Fullbright, que teve a presença de jornalistas interna­cionais, inclusive representantes da National Association of Science Writers. Esta experiência também não teve continui­dade, provavelmente porque em sua concepção pretendia-se que os jornalistas dominassem extensos conteúdos de cada área da ciência, meta difícil de ser atingida.

Poucos anos depois, em 1988, o Núcleo de Política Cientí­fica e Tecnológica da Universidade de Brasília (UnB) desenvol­ve, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), o I Curso de Especialização em Divulgação Científica. O curso teve duração de um semes­tre, com palestras de pesquisadores e jornalistas científicos.

Em 1999, o Laboratório de Estudos Avançados em Jorna­lismo (Labjor) da Unicamp inicia um curso de especialização em Jornalismo Científico voltado a um público misto, de jor­nalistas e pesquisadores. Oferecido em conjunto com o Depar­tamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Ins­tituto de Geociências e com o Departamento de Multimeios

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(DMM) do Instituto de Artes da Universidade, o curso é estru­turado em três semestres, com disciplinas teóricas e oficinas de divulgação. Uma de suas atividades é a revista eletrônica Com Ciência (http://www.epub.org.br/comciencia), lançada em agosto deste ano, com reportagens elaboradas pelos alunos.

No âmbito da pós-graduação, vale ainda ressaltar duas experiências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A primeira delas, na Escola de Comunicação (ECO), que ofe­rece em seu mestrado uma área de con-centração em Ciências da Informação,

EXPERIEN C IA S EM JORNALI S M O C I EN TIFI C O

Experiência semelhante aconteceu de setembro de 1981 a fevereiro de 1982, na Universidade Metodista de São Pau­lo, com o apoio do CNPq. Trata-se da Agência Brasileira de Divulgação Científica (ABDC), que, com a participação de alunos de pós-graduação do mestrado em Comunicação Científica e Tecnológica, produziu matérias de divulgação científica para a mídia.

Há que se mencionar, também, a iniciativa do Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP/São Carlos, cujo site na Internet

com a linha de pesquisa "Informação, Ciência e Sociedade': que inclui pesquisas sobre a informação científica em diferen­tes contextos sociais, políticos e culturais.

E a segunda, no Departamento de Bioquímica Médica do Instituto de Ciên­cias Biomédicas, que cria, em 1995, uma área de concentração em "Educação, Di­fusão e Gestão em Biociências': aberta a graduados de diferentes áreas, inclusive o jornalismo. Nesse programa, uma das disciplinas ofereceu, em setembro últi-

"Mas os cursos

de divulgação

científica estão

proliferando

em vários

cantos do país"

(http://www.cdcc.sc.usp.br) traz infor­mações sobre eventos, programas edu­cativos, "experimentoteca", minicur­sos, etc.

Extensão - Interessadas em capacitar profissionais para a divulgação científi­ca, algumas instituições têm também oferecido cursos de curta duração, mui­tos dos quais abertos ao público. Há cerca de cinco anos, a Fundação Oswal-

mo, um curso intensivo de divulgação científica a distância, pela Internet, do qual participaram jor­nalistas e pesquisadores de diferentes regiões do Brasil. Uma síntese dos trabalhos resultantes do curso está sendo publi­cada na forma de jornal eletrônico.

Graduação- Face à crescente demanda dos meios de comu­nicação e à valorização da atividade de divulgação, alguns cursos de graduação em Jornalismo começam a incluir em seu currículo disciplinas de Jornalismo Científico e/ou pro­jetas de pesquisa na área. É o caso da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Metodista de São Paulo (Umesp ), Universi­dade de Mogi das Cruzes (UMC), Universidade do Vale do Paraíba (Univap), Universidade Santa Cecília (Unisanta), en­tre outras.

Na UFPE, por exemplo, os alunos, orientados por profes­sores, elaboram um informativo mensal, por correio eletrôni­co, sobre a produção científica da Universidade. Produzem, ainda, o WebGT (http://www.cac.ufpe.br/virtus/webgt), um site com textos do Grupo de Trabalho em Comunicação e Ciência da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e outros materiais.

Núcleos de pesquisa- Junto a seus programas de forma­ção, algumas universidades brasileiras desenvolvem ativida­des de pesquisa sobre divulgação científica. Na ECA/USP, uma das mais importantes é o Núcleo José Reis de Divulga­ção Científica, que também oferece, periodicamente, cursos como o de "Exercício e Prática da Divulgação Científica': Na mesma universidade, a Agência Universitária de Notícias (AUN) realiza, desde 1971, atividades de divulgação dos con­gressos e trabalhos de pesquisa da Instituição, com a parti­cipação de alunos de graduação em jornalismo.

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do Cruz, por exemplo, ofereceu um curso de Biologia Molecular para jor­

nalistas, cujo objetivo era municiá-los com conceitos bási­cos dessa área de conhecimento e promover uma divulga­ção mais competente do tema. No mesmo sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janei­ro (Faperj) ministrou, no início dos anos 90, um curso so­bre ciências para jornalistas.

Em 1997, o Labjor da Unicamp, numa parceria com a Brasmotor S.A. e Multibrás Eletrodomésticos S.A., realizou uma oficina on line de jornalismo científico, a Ojjor Ciência, que teve entre seus participantes funcionários da empresa, re­pórteres, editores e estudantes de jornalismo. Os trabalhos feitos pelos alunos podem ser consultados no site do Observa­tório da Imprensa (http:/ /www2.uol.com.br/observatorio ).

As várias experiências aqui descritas mostram que os cur­sos de divulgação científica, embora ainda sejam poucos, estão proliferando em vários cantos do país. A preocupação com a melhoria da qualidade da cobertura científica nos meios de comu­nicação não se restringe apenas ao âmbito acadêmico. Entida­des profissionais, como a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, por exemplo, promovem há anos con­gressos e seminários, reunindo jornalistas e cientistas para re­flexão conjunta sobre a prática da divulgação.

Iniciativas conjuntas entre universidades, entidades pro­fissionais e o incentivo das agências de fomentos, como Ca­pes, CNPq e mais recentemente a FAPESP, poderão não só ampliar como melhorar substancialmente a qualidade do jor­nalismo científico no país.

Graça Caldas e Mônica Macedo são jornalistas, pesquisadoras do Labjor!Unicamp e professoras da área de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

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EX P ER I ~NC I AS E M JO R N ALI S M O C I ENT I F I CO

Apesar da Internet, atnplia-se o aperfeiçoatnento fortnal

Multiplicam-se no exterior os programas de jornalismo cientifico

empregados contratados ou free-lan­

No artigo Como a Internet está mudando o jornalismo científico, publicado no HMS Beagle, com

data de 3 de setembro último, David Whitehouse, editor de ciência do BBC News Online, considera com impecável ironia britânica que, atualmente, para ser um jornalista científico passável, bas­ta ter meia dúzia de marcadores de pá­gina em seu browser na Web. "São eles EurekAlert- que é, obviamente, o prin­cipallugar, na Internet, para jornalistas de ciência; HMS Beagle, é claro; o si te de

"O programa de bolsas do M IT busca jornalistas

experientes, free-lancers ou empregados"

cers, ligados a jornais, serviços eletrôni­cos, revistas, rádio, televisão, produção de textos de livros ou textos na Web. Não estão qualificados profissionais cujo emprego principal é de "relações públicas" ou "informação pública" para qualquer cliente.

No caso de empregados contrata­dos, normalmente eles são licenciados pelo empregador para se dedicar inte­gralmente ao programa. E a maioria

divulgação de Nature; e o site europeu Alpha Galileo. Acrescentem-se a eles algumas ligações para o Departamento de Saúde do Reino Unido e pronto: você é um jornalista de ciência de altos vôos:'

Embora Whitehouse tenha flagrado com seu olho crítico um viés real da atual cobertura jornalística de ciência, man­têm-se no mundo inteiro, ou pelo menos nos países mais de­senvolvidos, possibilidades de formação especializada de profissionais que trabalham ou pretendem trabalhar com di­fusão de informações de ciência e tecnologia. Entre dezenas de programas de aperfeiçoamento em jornalismo científico espalhados pelos Estados Unidos e Europa, pode-se citar, por exemplo, o famoso Knight Science ]ournalism Fellowship, ini­ciado em 1983 e pelo qual passaram até hoje 162 jornalistas.

O programa propõe aos candidatos passar um ano aca­dêmico (nove meses, de setembro a maio) no MIT, o Insti­tuto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge. Desti­na-se principalmente a jornalistas com experiência mínima de três anos na cobertura de ciência, tecnologia, medicina ou meio ambiente, para o público em geral, mas jornalistas que trabalham há pelo menos cinco anos com outros temas e desejam mudar para a área de C&T também são aceitos. As bolsas, de US$ 35 mil, são concedidas somente a norte­americanos. Os estrangeiros devem custear suas despesas, que, segundo advertência dos responsáveis pelo Knight, são altas mesmo para padrões norte-americanos. Um pequeno apartamento para uma pessoa em Cambridge custa cerca de mil dólares mensais.

O programa do MIT, segundo os termos de sua divulga­ção na Internet, pretende atingir também jornalistas vetera­nos. "Aqueles com muito mais tempo de experiência são al­tamente incentivados a se candidatar." As bolsas do Knight são oferecidas para repórteres, escritores, editores, produ­tores, ilustradores e fotógrafos . Os solicitantes podem ser

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dos empregadores complementa as bol­sas, pagando a diferença em relação ao

salário normal do jornalista. Em troca, eles têm o direito de pedir aos bolsistas que voltem e permaneçam pelo menos um ano no emprego após a bolsa.

A seleção dos bolsistas é feita por um conselho de jorna­listas e destacados cientistas do corpo docente do MIT. No ano passado foram recebidos 43 pedidos e na avaliação so­braram 12 finalistas.

Investigação na Int ernet- Com paciência para navegar na Internet, pode-se descobrir os detalhes de muitos outros programas de aperfeiçoamento em jornalismo científico. Há, por exemplo, o mestrado oferecido pela Universidade de Boston (ver http://www.bu.edu), que também é voltado para jornalistas que trabalham com informações de ciência, tecnologia, meio ambiente e saúde para o grande público. O Centro de Jornalismo Científico da Universidade de Mis­souri (http://science.jour.missouri.edu), fundado em 1987, oferece cursos e workshops nas mesmas áreas. A Universida­de da Califórnia, em Santa Cruz (http://www.ucsc.edu), tem também, desde 1982, um programa de pós-graduação em jornalismo científico.

Do outro lado do Atlântico, a British Association (http://britassoc.org.uk) preocupa-se mais em mostrar aos cientistas como a mídia trabalha (programa Media Fellowships) do que em formar jornalistas para a cobertura de ciência. De qualquer sorte, é possível procurar no site iniciativas que sejam de maior interesse dos jornalistas. Já a Universida­de de Salamanca, na Espanha, tem um respeitado mestra­do em Cultura e Comunicação em Ciência e Tecnologia (http://cts.usal.es) , voltado para jornalistas e outros profissi­onais. Sem cair na caricatura esboçada por Whitehouse, é recomendável aos jornalistas científicos algumas pesquisas, inclusive sobre a formação de jornalistas, na Internet.

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