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ENTREVISTA 103 Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 39, p. 103-112, jul./dez. 2010 A Revista da APPOA tem o prazer de contar com a contribuição de Jeanne Marie Gagnebin neste espaço de entrevista. Radicada no Brasil desde 1978, é professora titular de filosofia da PUC/SP e professora livre-docente de teoria literária da Unicamp. São inúmeros os leitores que Jeanne Marie tem encontrado, ao longo de muitos anos, em nossa instituição. Sim, pois seus livros tem nos auxiliado, e muito, em diversas perspectivas. Sua tese de doutorado tratou sobre a filosofia da história, de Walter Benjamin, e suas contribuições literárias nos levam a importantes reflexões. Podemos destacar suas idéias desenvolvidas em Walter Benjamin, os cacos da História (1982), Sete aulas sobre linguagem, memória e história (1997/2005), e nos textos que temos trabalhado de forma especial, como História e narração em Walter Benjamin (1994) e o incrível Lembrar, escrever, esquecer (2006). O exame profundo das obras de Benjamin, os temas que encontram diálogos fecundos com a psicanálise, e, é preciso referir, a admirável sensibilidade e a clareza com que partilha com seu leitor os caminhos trilhados constituem pontos de abertura para o pensar sobre a “experiência”, tema tão caro à sua produção, assim como à prática analítica. Hoje, o acento enlaça as questões relativas à memória, e publicamos aqui, com satisfação, mais essa oportunidade de contar com sua palavra. EXPERIÊNCIA E NARRATIVAS Jeanne Marie Gagnebin

EXPERIÊNCIA E NARRATIVAS · a filosofia da história, de Walter Benjamin, e suas contribuições literárias nos levam a importantes reflexões. Podemos destacar suas idéias desenvolvidas

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ENTREVISTA

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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 39, p. 103-112, jul./dez. 2010

A Revista da APPOA tem o prazer de contar com a contribuição de JeanneMarie Gagnebin neste espaço de entrevista. Radicada no Brasil desde 1978, éprofessora titular de filosofia da PUC/SP e professora livre-docente de teorialiterária da Unicamp. São inúmeros os leitores que Jeanne Marie tem encontrado,ao longo de muitos anos, em nossa instituição. Sim, pois seus livros tem nosauxiliado, e muito, em diversas perspectivas. Sua tese de doutorado tratou sobrea filosofia da história, de Walter Benjamin, e suas contribuições literárias noslevam a importantes reflexões. Podemos destacar suas idéias desenvolvidasem Walter Benjamin, os cacos da História (1982), Sete aulas sobre linguagem,memória e história (1997/2005), e nos textos que temos trabalhado de formaespecial, como História e narração em Walter Benjamin (1994) e o incrível Lembrar,escrever, esquecer (2006). O exame profundo das obras de Benjamin, os temasque encontram diálogos fecundos com a psicanálise, e, é preciso referir, aadmirável sensibilidade e a clareza com que partilha com seu leitor os caminhostrilhados constituem pontos de abertura para o pensar sobre a “experiência”,tema tão caro à sua produção, assim como à prática analítica. Hoje, o acentoenlaça as questões relativas à memória, e publicamos aqui, com satisfação,mais essa oportunidade de contar com sua palavra.

EXPERIÊNCIA E NARRATIVAS

Jeanne Marie Gagnebin

Jeanne Marie Gagnebin

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REVISTA: O filme Sem limites (Limitless, 2011, direção: Neil Burger) éum elogio à memória às avessas. Tudo se passa em torno de uma cobiçadapílula que permite a seu usuário a capacidade excepcional de armazenar edispor de traços mnêmicos de forma a dar inveja a qualquer computador: aslembranças afluem como imagens que se sucedem umas às outras num ritmofrenético. O resultado é uma habilidade intelectual extraordinária que possibilitaa excelência do desempenho do que quer que seja; como se não bastassedormir e comer não se faz mais necessário. O problema é que, levado ao extremo,o uso excessivo do medicamento produz lapsos de memória, momentos deapagamento do eu semelhantes a estados crepusculares, ocasiões em que apessoa mais parece um autômato. De outro lado, a abstinência desencadeiafalência corporal e envelhecimento precoce, evoluindo até a morte. Até aí, nadade mais, é um filme como outro qualquer, o qual, por sinal, nem recomendo. Noentanto, fiquei pasma aos constatar que a pílula da memória já é uma realidade.Vem sendo comercializada nos EUA e, em breve, estará sendo lançada noBrasil. Numa cultura orientada por um discurso que fetichiza os objetos, nem amemória escapa aos seus efeitos: agora, ela está ao alcance da mão. Estaria amemória perdendo sua potência de produzir distensão espaço-temporal a partirda qual o eu é chamado a narrar-se? O que poderia vir a substituí-la em suafunção de promover a alteridade necessária para que o eu possa constituirexperiência (no sentido benjaminiano do termo)a partir do vivido?

GAGNEBIN: Não conheço nem o filme, ao qual você alude, nem essapílula... Então, vamos por parte! Em relação aos conceitos de Walter Benjamin,ele distingue uma memória comum, mais ampla, ligada à transmissão de váriasnarrativas conhecidas pelos membros de um mesmo grupo, à construção deuma experiência (Erfahrung) comum e coletiva, portanto, de uma memóriaindividual e solitária, própria da Modernidade e do isolamento na grande cidade(Baudelaire), do isolamento e da solidão no trabalho capitalista-industrial e nocotidiano alienado, uma memória tão fragmentada e isolada que ela temdificuldade em se articular de maneira narrativa mais completa, ela é feita deexperiências (Erlebnisse) muitas vezes até triviais, mas dificilmente comunicáveise narráveis.

Acho que a forma muito peculiar de narração e de narrativa que onascimento da prática psicanalítica representa pode ser colocada em relaçãocom essa nova forma de sofrimento individual, mas socialmente determinado: asaber, a dificuldade em encontrar palavras comuns (isto é, que possam sercompartilhadas com outros) para dizer de sua vida, de suas dúvidas de seussofrimentos e alegrias. A idéia meio ingênua que, se alguém tiver algunsverdadeiros amigos, não precisaria fazer análise, evacua, claro, a especificidadeda dinâmica do inconsciente, do sofrimento psíquico e, igualmente, a questão

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da transferência, mas alude a essa perda de um contexto social mais acolhedore tradicional no qual as relações inter-subjetivas se davam segundo paradigmasbem conhecidos e aceitos. Não se trata de idealizar tal contexto, com seu pesode obrigações.; mas de perceber a “desorientação”, isto é, a “falta de conselho”,como diz Benjamin (Rat-losigkeit) que acomete os sujeitos anônimos e isoladosdentro da multidão no trabalho, nos transportes coletivos, nas moradias, no“lazer” (ver a esse respeito as análises de Georg Simmel, que foi professor deBenjamin).

Notemos ainda que a recuperação de dimensões mais profundas deexperiência – Erfahrung – nessa profusão de experiências vividas isoladas –Erlebnisse – não é uma questão de boa vontade pessoal, mas, segundoBenjamin, depende da invenção de outras formas narrativas, em particular naliteratura. Por isso, as artes oferecem como um laboratório estético e político denovas formas de convivência e de comunicação.

REVISTA: A teoria freudiana do trauma nos ensina que a cena traumáticase forma num segundo tempo em relação à vivência infantil, isto é, no a posteriorida lembrança. Lacuna temporal que permite ao eu vislumbrar o gozo em relaçãoao qual o sujeito surge como tendo sido objeto do sentido sexual proposto peloadulto. Não obstante, com o intuito de diminuir o sofrimento daqueles que sofremde lembranças traumáticas insuportáveis, neurocientistas têm se dedicado apesquisar um meio de apagá-las através de intervenções sobre osneurotransmissores. O que se pode pensar desse tipo de proposta, considerandoo que você tem trabalhado acerca da função do testemunho de históriastraumáticas?

GAGNEBIN: Essa questão é mais específica, não sei se consigo entenderbem essas distinções e implicações das várias teorias do trauma. O que me fazquestão é por que queremos, tantas vezes, ter uma vida “indolor”. Não defendoo sofrer pelo sofrer, em particular não me parece ter sentido não querer aliviarcertos sofrimentos físicos (nos moribundos, por exemplo). Agora, o que meparece ser a maior dor psíquica é a indiferença, a falta de intensidade de vida –e, nesse sentido, apagar experiências e lembranças traumáticas não resultarianuma normalidade fictícia, num embotamento psíquico cujo verdadeiro objetivotalvez seja acalmar o sentimento de incapacidade de suportar a dor alheia semsaber como ajudar ? – uma problemática que remete a outras questões sobre adificuldade de ouvir e de escutar, que vocês colocam mais pela frente.

REVISTA: A APPOA está se preparando para um Congresso em 2012

que terá como tema/título: O ato analítico: incidências clínicas, políticas e sociais.Quanto ao ato analítico, resumidamente, este poderia ser entendido como o ato

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que estabelece para o sujeito, uma marca entre um antes e um depois, ouseja, estabelece uma diferença, no mínimo, temporal. Então, parece-nosimportante refletir sobre a possibilidade de que o ato analítico venha a intervirnos demais campos, já que o que se passa no privado do consultório, a priori, éesperado que se o faça sentir no âmbito social. Em muitas passagens, você sededica à análise de questões que reverberam tanto no campo político quantono social. Como pensa ser possível articular esses três eixos?

GAGNEBIN: Aqui também, não sei se consegui entender bem o alcancede sua pergunta. Em particular porque vocês devem ter umas idéias muito maiselaboradas do que eu poderia ter a respeito do ‘ato analítico’. Acho muitointeressante essa observação de vocês sobre a inscrição da diferença temporal,essa marca de uma “antes” e um “depois” produzidas pelo ato analítico, e gostariade entender melhor como que isso se dá.

Agora, como boa “gauchiste” dos anos sessenta que ainda sou (!), nãoconsigo separar social e político, porque as questões da organização dasociedade, e também da vida dita privada, remetem a escolhas políticas muitasvezes implícitas. Tomemos o exemplo dos problemas de urbanização e demoradia nas grandes cidades brasileiras: a negligência em relação aostransportes públicos, aos espaços públicos, a prevalência do carro e do“condomínio fechado” (ao lado muitas vezes de favelas) apontam para “formasde habitar o mundo” (como dizem os fenomenôlogos) que são profundamentepolíticas. Uma política de privatização do espaço e da vida, de exclusão dos quenão pertencem ao “clã” e de repressão da violência decorrente. Um círculo infernalde exclusão e de violência, de repressão em nome da “segurança”.

REVISTA: Pela leitura dos seus trabalhos, é possível fazer uma analogia

entre a experiência do Holocausto aos períodos de ditaduras militares na AméricaLatina. Claro, há particularidades em cada um desses acontecimentos,principalmente no que tange à elaboração dos lutos coletivos queesses acontecimentos produziram. A partir de suas formulações como seriapossível pensar nessa elaboração coletiva? O que esses acontecimentos exigem,em termos políticos e sociais, para tornarem possível uma elaboração?

GAGNEBIN: Podemos primeiramente observar que várias experiênciastraumáticas coletivas, guerras, guerras cíveis, genocídios, quando terminaram,como que suscitaram nos sobreviventes uma primeira reação de silenciamento– o que não é sinônimo de esquecimento – para poder continuar a viver. Silênciobem conhecido nas pesquisas e que filhos ou netos de sobreviventes semprecriticam nos seus pais como desejo de apagamento e de recalque. Essasdimensões são certamente presentes, mas também existe a necessidade dejuntar forças para continuar vivendo, isto é, não se deixar tomar e sufocar pela

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avalanche de lembranças. Esse fato é comentado por exemplo por Jorge Semprun(no livro A escrita ou a vida, título que remete a essa alternativa) ou por PrimoLevi, quando narra que seu livro sobre Auschwitz, É isto um homem?, publicadoem 1945, foi primeiro totalmente ignorado e somente se tornou literaturaobrigatória uns 15-20 anos mais tarde.

Há, portanto, como um período de silêncio e de incubação que pode sernecessário para recompor suas forças. O problema é quando esse período setorna, por assim dizer, regra definitiva, quando se faz de conta que é melhorapagar, esquecer esse passado e não “elaborá-lo”. Pois o silêncio só se justificapara possibilitar, justamente, uma futura elaboração, muitas vezes empreendidapela segunda ou até terceira geração. Nesse sentido, o silêncio não deveriaimpedir a transmissão, mas permitir que ela se aconteça de forma respeitosaem relação à dor.

No caso da Shoah/Holocausto, há sem dúvida, ao lado da enormidademonstruosa da exterminação organizada (e da decorrente culpa dos nazistas ede todos que compactuaram), um fator cultural muito forte que ajudou a nãoesquecer, a não perpetuar o silêncio: o fato de o povo judeu se definir a simesmo como o povo da memória e da escrita, seja num contexto religioso, sejano contexto secular. Essa consciência de uma identidade fortemente ligada àtransmissão do passado é algo que certamente foi decisivo para a importânciada ‘elaboração’ da Shoah até hoje, inclusive.

No caso da América latina, devemos certamente distinguir entre osdiferentes países (Argentina e Brasil têm políticas de memória bem diferentes,por exemplo). No caso do Brasil, vejo dois fatores essenciais para essadificuldade, mais, essa má vontade de lembrar. O primeiro é que o passadohistórico “nacional” é um passado baseado sobre a violência da colonização eda escravatura. Como se a “identidade” brasileira nascesse dessa dupla fontede violência, transfigurada depois nas várias teorias de miscigenação feliz. Osegundo é essa versão brasileira da ideologia do capitalismo atual, de alcanceuniversal, que faz do presente o único tempo válido, tempo de exploração e deconsumo desenfreados, que não perguntam jamais sobre as conseqüências deseu crescimento, nem sobre modelos de felicidade ou de “sucesso” que poderiamdiferir do paradigma da acumulação. Nesse sentido, o presente não pode selembrar do passado (que oferecia outras modalidades de vida) nem se preocuparcom o futuro.

A versão brasileira desse axioma é incrementada por uma certa fé aindano “progresso”, no fato que a imensidão e as riquezas do país oferecempossibilidades infinitas, que sempre vá se poder portanto melhorar, que o povobrasileiro é cordial e feliz por natureza (Lula até disse certa vez que também éfeliz porque mora em belas praias!!), que portanto podemos e devemos esquecer

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do passado, às vezes doloroso, para olhar para frente. Esse ufanismo tem umacontrapartida paradoxal, mas que reforça o imobilismo e o não lembrar: nuncavai mudar nada mesmo, o que você quer, aqui é o Brasil, etc. etc. Conclusão:aproveite agora o que puder. Aqueles que querem se lembrar do passado são“ressentidos” (parece que os militares brasileiros leram Nietzsche!) e aquelesque denunciam os perigos do desenvolvimento capitalista para o futuro são“pessimistas”. Ora, ressentimento e pessimismo vão contra essa ideologia daíndole feliz nacional!

REVISTA: Focalizando situações de escuta clínica que envolvem eventostraumáticos é freqüente nos depararmos com dificuldades do lado de quemescuta “ algo semelhante aos “ouvintes que dão as costas” de Primo Levi “ pelainsuportabilidade da dor de escutar, Em algumas situações os profissionaisinserem seus trabalhos em instituições (públicas) muitas vezes amparados porpolíticas de proteção à população atendida. Observa-se que as políticas públicastem a função de amparar não somente à população mas, também, à escuta dostrabalhadores.Entretanto, freqüentemente servem como justificativa para avitimização dos sujeitos que sofrem dos efeitos do trauma. Além disso, é comumver-se repetir na cena dos atendimentos o ato de “virar as costas” através deencaminhamentos apressados e atuações não acolhedoras. Consideramos issocomo efeito do sofrimento daqueles que escutam e não, necessariamente, demovimentos de não implicação com o trabalho realizado. Um dos recursos quetem sido utilizado para enfrentar essas situações é a arte: trabalhos com literatura,escrita, fotografia, etc. Temos pensado esse recurso como um espaçointermediário em que a dor e o sofrimento podem ser expressos e escutados apartir da intermediação da narrativa artística. Poderia tal dispositivo ser pensadoa partir da função de testemunha?

GAGNEBIN: Novamente, não sei se vou conseguir responder realmente...O que me toca muito nessa questão é a importância de reconhecer a dor

e as dificuldades daqueles que querem escutar e amparar, e, ás vezes, não“agüentam” mais, como se diz vulgarmente. Acho importante reconhecer essanão-onipotência, esses limites, até para poder talvez dizer de certa maneira às“vítimas” que eles, que querem ajudar, não possuem esse lugar de onipotência.Talvez uma atuação artística, que pode envolver também a participação doscuidadores, permita esse exercício de invenção de novos papeis: não ser sóvítima, não ser só pai ou mãe onipotentes...

REVISTA: A partir do que você aponta ser uma diferença entre o horror de

acontecimentos reconhecidos e aqueles ignorados ou denegados pelacomunidade política internacional, perguntamos: haveria uma diferença na função

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de escutar quando se está sustentado por políticas públicas que reconhecem osofrimento e os direitos de parcelas da população que sofrem os efeitos dadesigualdade social do que na sua ausência?

GAGNEBIN: Sem dúvida, deve haver diferenças de peso. Agora, o risco ésempre de fazer do “estado” o provedor universal, esquecendo de que aorganização política e social, que lhe deu origem, deve ser colocada em questão.Acho que aquilo que acontece hoje com as famosas “Mães da Praça de Maio”na Argentina, é um exemplo terrível de como uma certa intervenção do estado, àprimeira vista bem-vinda, pode se transformar numa política de privilégio e decorrupção que solapa os princípios da luta e da solidariedade...

REVISTA: No trabalho desenvolvido numa instituição pública com mulheres

em situação de miserabilidade, deparamo-nos com algo que causa surpresa emquem as escuta. Essas mulheres, também mães, ao serem questionadas sobrea prática de contar histórias para seus filhos, respondem negativamente,justificando não haver nada para ser contado, pois o que tem é muito triste, e porisso não vale a pena ser narrado. Interrogamo-nos, então, sobre os efeitos dessesilêncio, o qual parece construir-se na trama de várias gerações: quando criançastambém não escutavam histórias. O que faz esse silêncio se perpetuar?

GAGNEBIN: Parece haver um sentimento de vergonha profundo ligado àmiséria e à tristeza. Quando não se cai num sistema de queixas perpétuas,luxo talvez de pessoas já mais abastecidas e que poderiam reivindicar mais (vera analogia entre queixa, Klage, e acusação, Anklage, em Freud), miséria einfelicidade são sentidas como uma culpa pessoal vaga, uma incapacidade quegera vergonha. Somente se pode falar de sucesso e de coisas boas e alegres,parece, o resto é evitado. Existe uma ideologia da obrigação em ser feliz que énova, historicamente falando. Ela vem talvez do declínio das religiões (queprometiam uma outra felicidade, mesmo que mais tarde) e dessa falsa afirmaçãoque cada um é responsável por aquilo que é e se tornou, que ele “merece” serfeliz ou não, que é só uma questão de auto-estima, de olhar positivo etc., etc.,todas essas babaquices. Tal ideologia da felicidade permite vender melhor osprodutos que – supostamente- nos tornariam felizes, permite também não terum olhar crítico sobre o sistema de exploração social, permite enfim esquecerque não somos animais felizes, mas sim, dilacerados, porque temos...linguagem,memória (Nietzsche!) inconsciente e cultura (Freud!).

Acho que uma das tarefas mais valiosas de qualquer “acompanhamentoterapêutico” (penso também na minha prática de ensino, por exemplo) consisteem ajudar a ver melhor onde nos situamos entre esse sistema de vitimização ede queixa, muito prático mesmo que (porque?) imobilizante, e essa vergonhaporque não se consegue ser feliz, como se fosse somente uma questão de

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capacidade pessoal. Sem precisar cair novamente na religião, em particularnessas novas “religiões da prosperidade”!

O esquisito é que nem a felicidade nem a infelicidade parecem poder sernarradas: uma desperta inveja, outra vergonha. Talvez a literatura, por isso edesde Ulisses, conte as várias viagens e provações. Quando não há viagempossível, acaba...

REVISTA: Você tem trabalhado a importância da função do testemunhona lida com histórias traumáticas que remontam a um sofrimento indizível.Reconhecemos na clínica psicanalítica muito do que propões sobre isso. Poderia-se, também, pensar no papel do testemunho no que diz respeito a forma de lidarcom o mal-estar na cultura, ou seja, com isso que temos que dar containcessantemente?

GAGNEBIN: Desculpem, mas essa pergunta não consigo entender...nãoestá claro para mim qual é mesmo esse mal-estar na cultura de que temos quedar conta incessantemente...Proponho ou reformular a pergunta ou deixá-la delado, porque a entrevista já é longa!

REVISTA: O título de seu livro Lembrar, escrever, esquecer é, ele mesmo,

uma seqüência, um encadeamento entre esses três termos. Como você relacionaessa sequência que não está claramente enunciada, mas que se faz pensarenquanto “processo de elaboração”?

GAGNEBIN: sim, sem dúvida! E acho que os leitores “psi” entenderammuito bem e rapidamente essa associação, que outros leitores não percebem.Agora, o título também alude ao fato que hoje em dia a insistência nos processosde “resgate” e de “memória” pela memória, por assim dizer, que essa insistênciadeve ser questionada como sintoma histórico. E é uma homenagem a Nietzschee à sua ênfase sobre a necessidade de esquecer também. Repetição (Freud) eressentimento (Nietzsche) são certamente duas formas próximas de não poderesquecer, no sentido de não poder viver, se abrir ao novo e deixar de seguirsempre as mesmas trilhas do passado. Mas, claro, isso pressupõe que esse“passado” seja não apagado, recalcado etc., mas sim lembrado e elaboradopara poder ser deixado. Se a escrita enquanto ato conseguir ajudar nessa“elaboração”, aí sim ela se torna algo vivo, não só um registro. E pode até perderseu peso de autoridade e de propriedade, se tornar, por assim dizer, uma dádivapara todos.

REVISTA: Na leitura das Confissões de Santo Agostinho, você consideraque ele expõe de maneira belíssima a impossibilidade do espírito se apreendera si mesmo, se quiser dizer sua verdade mais íntima. Terá sido nesse espaçoque a psicanálise se constituiu? Nas confissões a um outro (Outro) que

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possibilitariam o acesso às verdades mais íntimas? Como pensadora da história,como concebes essa origem?

GAGNEBIN: Aqui, não consigo seguir a pista que você propõem. Aquilo aque aludi na leitura de Santo Agostinho – leitura ancorada na interpretação dePaul Ricoeur, não sou nenhuma especialista em Agostinho -, é muito mais ligadoà apreensão do movimento especulativo do espírito (nous, em grego, Geist, emalemão) do que a uma intimidade subjetiva psíquica, que se diz e se descobrena fala diante de um outro. Esse movimento especulativo remete à imbricaçãoessencial entre linguagem e espírito, entre falar e pensar, que produz aimpossibilidade – fértil – para o pensar de poder se apreender inteiramente a simesmo, já que sua própria “linguicidade” (queiram desculpar a palavra!) semprelhe escapa e lhe empurra para outros desdobramentos.

REVISTA: Sobre a História, você traz Santo Agostinho para nos dizer:¨Ainda que narrem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata,não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavrasconcebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais ao passarem pelos sentidos,gravaram no espírito uma espécie de vestígio”. Como pensadora nos parece quevocê reconhece a história também como uma construção humana e, portanto,ficcional. Como o historiador acaba lidando com a realidade psiquica?

GAGNEBIN: Novamente, remeto a Ricoeur e à leitura que ele faz de SantoAgostinho (no primeiro capítulo de Tempo e Narrativa, volume I). Ele mesmoinsiste (num outro livro, A memória, a história, o esquecimento) que essa ligaçãoentre memória, imagem e imaginação sempre despertou a desconfiança dosfilósofos e dos historiadores em relação tanto à memória quanto à imagem.Como os psicanalistas bem sabem, nossas lembranças não correspondem apretensos “fatos”, mas a várias maneiras de ter vivido e lembrado algo do qualnem se pode dizer se “realmente aconteceu”.

Hoje em dia, a reflexão historiográfica, portanto a reflexão teórica sobre aescrita da história, reconhece plenamente esse caráter de construção imaginativa,por assim dizer literária da narrativa histórica. O que não implica que se confundacom ficção: esta assume e reivindica seu caráter de invenção, enquanto a históriabusca interpretar rastros, vestígios, documentos etc. Acho que devemos distinguirentre construção humana ligada à imaginação e à memória – e construçãohumana ficcional no sentido estrito da ficção literária que se sabe e se afirmaficção, senão jogamos tudo no mesmo pote em detrimento de ambas. Tambémme parece que devemos distinguir entre “realidade psíquica” e construção humanaem geral. Os historiadores sabem do caráter interpretativo da memória, mas sóme parecem poder abordar a “realidade psíquica” como um entre vários fatoresda memória.

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REVISTA: No texto O preço de uma reconciliação extorquida, que integrao livro O que resta da Ditadura, você diz: “Gostaria de compreender melhor asrelações de ignorância e de indiferença que prevalecem em relação ao passadono Brasil, em particular em relação à ditadura, mas também à escravidão e àslutas de resistência populares em geral”. Nesta direção queríamos perguntarcomo diferencia o processo da anistia, no Brasil, do perdão, questão que apareceno seu texto? E, também, como relaciona o dever de memória aos diversostipos de “esquecimento” que socialmente se promove?

GAGNEBIN: Novamente, Ricoeur! Na última parte de A memória, a história,o esquecimento, ele estabelece de maneira muito clara e firme diferenciaçõesentre esses conceitos. Anistia é uma conceito jurídico que visa o estabelecimentode um não castigo em vista do restabelecimento de uma “unidade nacional”.Como diz Ricoeur, ela significa não um esquecimento completo, mas sim umamemória imposta. Pode se justificar como trégua necessária durante um tempopara retomar a vida em comum. Não pode pretender impor uma única versão dahistória.

O perdão, por sua vez, não é uma categoria jurídica, mas sim de âmbitosubjetivo: somente uma pessoa pode oferecer seu perdão, ninguém pode serobrigado a isso. É uma questão de foro íntimo que remete à generosidade dealguém particular, que, portanto, tem algo de transcendente e de misterioso.Pensadores tão diferentes como Derrida e Ricoeur o pensaram na sua ligaçãocom o teológico. Agora, para poder perdoar, deve-se poder lembrar, justamente.Obrigar a esquecer, como se tenta fazer na anistia, é justamente o movimentocontrário, que impede o perdão verdadeiro.

Quanto ao “dever de memória”, acho como Ricoeur que devemos ter umcerto cuidado com os abusos dessa expressão. Ela se presta a muitas confusões,inclusive nos seus usos oficiais quando autoridades políticas impõem“comemorações”. Prefiro pensar em termos, justamente, de “elaboração” (aDurcharbeitung de Freud que tanto Adorno como Ricoeur retomam) e, nessesentido talvez muito mais num “dever de não esquecimento”. De muitas coisaspodemos nos esquecer, até com proveito. De muitas outras, das quais às vezesgostaríamos de nos esquecer, não podemos, porque “voltam” como sintomaetc., mas também porque não temos esse direito, porque os esquecidos chamamnossa responsabilidade presente, nos interpelam. As “teses” de Walter Benjamininsistem sobre esse apelo do passado dirigido ao presente. O não esquecimentoé, portanto, uma grandeza política e ética. Não implica em celebrações, masem transformações do presente.

RECORDAR,REPETIR,ELABORAR

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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 39, p. 113-123, jul./dez. 2010

Aniversário e herançaO texto a seguir é a transcrição da conferência de Contardo Calligaris, proferidanas Jornadas Clínicas da APPOA de 2009, sobre as Estruturas freudianas:psicoses e neuroses. É também a fala sobre os 20 anos da fundação da APPOA.Ele anuncia que vem para comemorar o aniversário, mas, mais do que isso,parece falar desde o lugar do aniversariante. Afinal, a história de Contardo, emPorto Alegre, e a da APPOA se entrecruzam em vários pontos, o que justifica oencontro dos lugares. Muitos elementos do discurso de um aniversariante estãopresentes no que Contardo disse nessa ocasião: o relato necessário da históriae o que ela acarretou; a revisão dos acertos e erros dos anos que se passaram;os arrependimentos e as congratulações; a referência à morte como fantasmainsepulto e que dá as caras na festa para lembrar o implacável do tempo; e,mais que tudo, as alusões às heranças e dívidas contraídas por aquilo que operíodo trouxe consigo e proporcionou.

VINTE ANOS DEPOIS1

Contardo Calligaris2

1 Conferência apresentada nas Jornadas Clínicas da APPOA: Estruturas freudianas, realizadasem Porto Alegre, outubro de 2009.2 Psicanalista; Membro da APPOA; Doutor em Psicologia Clínica; Colunista da Folha de São Paulo.Livros mais recentes do autor: A mulher de vermelho e branco (Companhia das Letras, 2011);Conto do amor (Companhia das letras, 2008); Cartas a um jovem terapeuta (Alegro, 2007). E-mail: [email protected]

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Contardo Calligaris

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Contardo Calligaris conta sobre as heranças recebidas ao longo de sua formaçãoe aqui cabe a referência às marcas que ele imprimiu na APPOA. Pois Calligariscontribuiu para o reconhecimento de traços de valor na nossa filiação: a debrasileiros e a relativa à psicanálise. A admiração de Contardo pelo Brasil nosconvidou a pensarmos sobre nós de outra maneira, quer dizer, como partilhantesde herança singular e valorosa por nos ser própria. Considero que isso contribuiupara produzir o esvaziamento das divergências entre os grupos psicanalíticosanteriores à APPOA, o que – há 20 anos – propiciou a reunião deles e a posteriorfundação de nossa Instituição. Não se precisava mais concorrer por um traçorestrito que alguns achavam que tinham, e outros não. A herança não era maisvista como ínfima e, menos ainda, nem era algo que se precisasse disputar. Aocontrário, alguns traços compartilhados de uma filiação e de um estilo ganharamlugar, de modo que as diferenças puderam se fazer presentes, sem implicar aimaginarização do mais ou menos/da reinvindicação diante da herança.O fundamental é que esse traço de valor às peculiaridades das produçõespsicanalíticas brasileiras fundou e aguçou na APPOA um estilo criativo de relaçãocom a psicanálise. Pois essa é a melhor herança: a que permite reconhecê-la etambém ultrapassá-la.

Lúcia A. Mees

* * *

Eu vim, sobre tudo, para cantar os parabéns. Estou um pouco atordoadoporque, curiosamente, embora eu tenha voltado a Porto Alegre mais de

uma vez desde a época em que saí para Nova Iorque, em 94, eu nunca senti oefeito que estou sentindo neste momento. Talvez porque a reunião seja grande,ou porque seja uma ocasião muito especial, o aniversário da nossa associação.Há um lema que diz que, em geral, um paciente só tem um analista, ou dois, sefaz uma segunda análise, ou três, se faz uma terceira, mas, a cada vez tem umanalista, enquanto cada analista tem muitos pacientes, o que garante certadesproporção. E, às vezes, isso é objeto de reivindicação e queixa: “Eu sótenho você como analista. E você vai, ainda, ver 12 pessoas até hoje à noite, nahora que eu sair do seu consultório você já estará com o seu seguinte, ou aseguinte, que seja”. É verdade, só que em uma situação como essa, eu, empoucas horas, vi tantas pessoas que me deram a honra de eu ser o analistadelas durante períodos longos ou mais curtos, e isso me tocou profundamente,porque me agitou, no sentido de eu lembrar-me de cada história, mas, sobretudo,

Vinte anos depois

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de me perguntar: como é que seria essa mesma análise se, por hipótese, elacomeçasse hoje, porque eu mudei e eles também mudaram. E fiquei totalmentemonopolizado pela pluralidade de tantos encontros em tão pouco tempo.

Isso dito, Vinte anos depois é o título de um romance de Alexandre Dumas,que é a continuação dos Três mosqueteiros, que, na verdade, eram quatro. Eleescreveu Vinte anos depois no ano seguinte, não esperou vinte anos. Eu não relinessa ocasião, confiei na minha lembrança de infância, mas me lembro de umromance chato, justamente porque é um romance muito mais histórico, aconteceuma confusão, mas o fundo da questão é que os quatro amigos estão mesmodivididos aos quatro ventos, em campos políticos opostos, Athos e Aramis estãocom La Fronde, Dartagnan está a serviço do Cardeal, isso é inadmissível, vai àprocura de Porthos, finalmente eles se engajam numa aventura totalmenteestapafúrdia, por ser a aventura de salvar o Rei da Inglaterra da decapitação quelhe é prometida pela revolução de Cromwell. Claro, eles fracassam miseravelmente.Então é uma história péssima, eles estão divididos, tentam uma aventura, dátudo errado, se dividem novamente.

Mas, enfim, não podia deixar de pensar em Alexandre Dumas, uma vezdado esse título. Há outro aniversário, anteontem, uma repórter da Zero Hora,me telefonou, em São Paulo, e quis saber do “aniversário”; eu pensei que elafalasse do aniversário da APPOA, mas ela sabia que era, também, o aniversáriode 20 anos do meu livro sobre psicose, coisa que eu não lembrava. Na verdade,só agora sei, foi publicado em 89. Mas esse livro está esgotado em espanhol,em português e em francês, então vocês podem fotocopiá-lo livremente. Existe,na sua edição mais recente, em japonês, para quem quiser lê-lo, os grafos sãoiguais. Aliás, esses grafos super malfeitos, que copiam exatamente os desenhosfeitos por mim, a mão, aparecendo no meio dessa coisa sublime, que é a escritajaponesa, parecem de uma grosseria revoltante, mas o livro é muito bonito; sevocês tentarem lê-lo em japonês, não esqueçam que é da direita para a esquerda.

Então, Patrícia, a repórter, me perguntou se vinte anos depois eu tinhaalgo para acrescentar ao que eu tinha dito 20 anos atrás sobre a psicose, aliás,num seminário que aconteceu aqui em Porto Alegre, e que contou com aparticipação de várias pessoas aqui presentes. As perguntas, o diálogo, aparecemno próprio livro. Eu lhe disse que não, que não tinha nada a acrescentar. Primeiro,porque eu não me releio, digo não me releio uma vez impresso, então, não relirecentemente esse livro; e, segundo, porque, na verdade, nesses últimos vinteanos, eu tive pouquíssimas relações com a psicose, por várias razões. Talvezporque de fato houve avanços grandes da medicação, talvez porque a reformapsiquiátrica seja eficiente. Mas a gente poderia pensar o contrário: com a reformapsiquiátrica, haveria mais psicóticos fora do asilo, atendidos pelos Caps; isso,ao contrário, deveria levar mais psicóticos ao consultório, a um consultório

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particular. E cheguei, finalmente, a uma hipótese na qual não sei se eu acreditoverdadeiramente, mas que é a seguinte: talvez o que a gente chama pós-modernidade (eu não acredito muito nesse termo, mas igual, vamos usá-lo)alivie a psicose. Aliás, a própria reforma psiquiátrica que foi batalhada, talvez elatenha sido, também, só possível num mundo que se tornou profundamentepluralista. Na variedade das metáforas que hoje podem dar sentido a uma vida,se tornou muito difícil encontrar ou inventar uma metáfora que todo mundo, ouquase todo mundo, conteste e estigmatize por ser fraca, barroca, inverossímil.Hoje, em geral, é quase sempre possível, mesmo com as metáforas maisestapafúrdias, dar um sentido à vida da gente de uma maneira aceitável, aceitávelao menos por alguns. E vocês sabem que o que torna viável o que a gentechama uma metáfora, ou seja, uma maneira de dar sentido à vida, o que a tornaviável é a sua aceitação, seu reconhecimento social, um pouco, pelo menos,coletivo.

Se vocês são cristãos, por exemplo, vocês não são delirantes porque,por uma série de circunstâncias históricas, vocês são muito numerosos asuspender o sentido da vida na ideia da encarnação do filho de Deus, e de suasubsequente ressurreição. Mas, em si, essa ideia é uma ideia, como teria ditoAdão antes, é uma ideia linha dura, não é mais verossímil do que a ideia doPresidente Schreber, que ele estaria se tornando mulher, enquanto, aos poucos,Deus tem o projeto de sodomizá-lo com seus raios divinos. O que acontece éque Schreber era sozinho, enquanto uma religião pode se permitir qualquermetáfora sem que seja delirante, porque a religião socializa. Eu costumo dizerque o problema da psicose, em outras palavras, é a falta de amigos. É umcritério. Talvez, hoje, seja mais fácil encontrar “amigos”.

Se você frequentasse um asilo, um antigo asilo, você podia encontraralguns casos de delírio a dois, mas era excessivamente raro que o delírio setornasse um delírio comum; provavelmente, se isso acontecesse, tornando-seum delírio comum, resolveria o problema. Essa ideia de que o problema dapsicose é a falta de amigos desenha, aliás, uma espécie de leque cujo outroextremo, sem dúvida, é a perversão, porque, pelo menos a meu ver, o problemado perverso é o excesso de amigos, mas vou deixar essa questão para lá. Sóquero dizer que o neurótico não está no meio do caminho, entre um e outro,embora, naturalmente, ele aspire a ser ambos; ele, o neurótico, estásimplesmente fora, ele trivializa o seu entendimento do mundo, na ilusão dealcançar uma espécie de universalidade, e claro, logo ele passa a lastimar suasingularidade perdida na massa, ou, então, a reivindicá-la, o que dá,absolutamente, na mesma.

Mas, voltando à psicose e à falta de amigos. Não é uma visão muitoestruturalista, mas o valor de uma metáfora que dê sentido à vida, por exemplo,

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Deus encarnado e a ressurreição do mesmo, depende, claro, de sua história,depende do reconhecimento que essa metáfora encontra, depende de seusucesso. Desse ponto de vista, aliás, vou lhes dizer, Lacan só não é deliranteporque nós estamos aqui, se não estivéssemos aqui, se não houvesse milharesde pessoas dispostas a se debruçar sobre o que ele disse, escute, é sério, “Atopologia é o real”, “A mulher não existe”, “Não há relações sexuais” Hospício!Só não vai para o hospício por causa da gente. Claro, ele fez o necessário paraque isso acontecesse, assim como Joyce fez o necessário. Joyce dizia que eleescreveria de tal forma que a universidade se debruçaria em cima dos seustextos durante mais não sei quantos séculos. Lacan também. É um bom projeto,porque é um projeto que preserva da psicose. Digo isso porque não é que a pós-modernidade seja mais tolerante com os loucos, é que ela está constantementedisposta, por sua variedade, a socializar metáforas que, sem isso, não seriamcompartilhadas e, portanto, seriam consideradas delirantes. Então, talvez, sejapor isso que vejo poucos psicóticos, porque as metáforas delirantes se socializamcom muita facilidade – minimamente, não é preciso fundar a Igreja Universal,pode ser uma coisa pequena, um grupo de amigos.

Agora, em compensação, eu vejo muitos pacientes borderline. Vou terque explicar o que é, para mim, um paciente borderline, porque a descrição évariável, mas o que eu vou dizer faz parte do fundo comum. O que caracteriza,pelo menos, os pacientes que eu chamo borderline são cinco pontos.

1) Uma demanda de amor devorante, mas que é sempre negada pelopróprio sujeito por uma defesa fóbica contra o eventual carinho que pudesse,quem sabe, responder a essa demanda – ou, então, uma defesa fóbica contra aprópria demanda do sujeito, porque, se o outro respondesse a minha demandade amor, isso acabaria com a minha autonomia; ou seja, de qualquer forma, “porfavor, me ame, mas vai se foder”;

2) Uma impulsividade de animal acuado exatamente no canto ao lado daporta da gaiola – o que corresponde bem ao lado fóbico do primeiro ponto;

3) Um desinteresse pela vida, como se esse interesse, ao surgir, fosse,necessariamente, uma armadilha na qual o outro quer me pegar;

4) Uma grande paixão pelo risco, pelo perigo de vida, como se fosse ademonstração radical do desapego pelo que o outro pode, eventualmente, mepropor para me seduzir.

5) Enfim, uma extraordinária arte da manipulação, mas sempre a serviçodo medo de ser minimamente manipulado.

Eu gosto de borderline. É difícil gostar de borderline, eu digo é difícilporque eles são exigentes. Mas é o paciente, por excelência, que lembra aoterapeuta, se é que é preciso lembrar isso, o tempo inteiro, que o campo debatalha da terapia é o que acontece de fato na transferência. É o paciente que

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sabe que naquela distinção entre conteúdo da sessão e processo, só o processoimporta. Pode-se falar de qualquer coisa, é só a relação entre paciente e terapeutaque importa, é nela que tudo se joga. Gosto por isso. Gosto, também, porqueacho que o borderline é um herói da singularidade. Alguém que está disposto,aparentemente, a tudo para defender a sua unicidade, a sua singularidade, asua autonomia. Mas com um problema, com um agregado, dito em termosmuito resumidos: o borderline é o super-homem nietzschiano, mas carregandoconsigo a mãe de Woody Allen. Digo “carregando consigo a mãe de WoodyAllen”, porque ele está nessa posição do único e singular contra o mundo, masem nada disposto a renunciar, e não podendo renunciar à sua enorme demandade amor e de cuidado contra a qual ele mesmo se defende.

Eduardo Mendes Ribeiro perguntava no próprio título da sua fala, em queborda está o borderline?3 Eu acho que ele está, sobretudo, na borda da paciênciade seus próximos e de seus terapeutas.

Uma outra questão que queria retomar. Os vinte anos da psicose e osvinte anos da APPOA têm a ver com algo que Alfredo4 lembrava. Eu achei muitobonita a maneira de ele apresentar a própria posição de Lacan, como uma espéciede vacilação entre o modo histórico e o modo anistórico, como se a realidadepsíquica fosse, ao mesmo tempo, às vezes, histórica, decidida pela história dopaciente e, às vezes, estrutural. Eu, na verdade, nunca tive problemas comessa questão, provavelmente porque eu sempre entendi Lacan de maneira errada,até porque eu comecei a me formar com Piaget. A minha primeira formação éconstrutivista e piagetiana, com ele mesmo, aliás, o cara. Então, para mim,Piaget é o protótipo: a estrutura é produzida pela história. A estrutura é umnegócio que se constrói; então eu nunca achei que existisse uma espécie dealternativa excludente entre estrutura e história, porque nunca entendi a estruturacomo outra coisa do que um certo momento da história.

Mas quero chegar aos vinte anos da APPOA. Eu não sou a melhor pessoapara falar dos vinte anos, até porque eu não vi os últimos quinze, mas talvez euseja uma boa pessoa para falar do que foi o processo que permitiu à APPOA se

3 Ver RIBEIRO, Eduardo Mendes. Borderline: nas bordas de quê?. Revista da AssociaçãoPsicanalítica de Porto Alegre – Estruturas clínicas, n.38, p.115-125, jan/jul 2010. (N. do E.)4 Ver JERUSALINSKY, Alfredo. As quatro estruturas fundamentais do sujeito: autismos, psicoses,neuroses e perversões. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre – Estruturasclínicas, n.38, p. 9-19, jan/jul. 2010. (N. do E.)

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constituir e do que foi a sua fundação, em dezembro de 89, depois de um processoque durou dois anos de aproximações e companhia. Vou lembrar um poucoessa história, sobretudo, porque em vinte anos muitas pessoas entraram naAPPOA, fazem parte da APPOA, se formaram na APPOA, passaram peloPercurso, gerações inteiras, aliás, é difícil dizer quantas. Imagino que, paraessas pessoas, uma boa parte delas, a história que eu vou lembrar sejaesquecida, esquecida não é palavra certa, mas seja irrelevante, de alguma forma,ou considerada como uma coisa não sabida.

Então, quando eu cheguei ao Brasil, em 85, 86, não sei mais, acho queem 85 foi a primeira vez. Comecei a viajar ao Brasil, de Paris, em 86, viajar comcerta regularidade, pequena, e, depois, muito grande. E, finalmente, eu vinha aPorto Alegre a cada dois meses, mais ou menos, acho, sobretudo em 87, 88 e89, que foi quando fechei Paris, mudei para o Brasil; Porto Alegre, sendo o meulugar de residência. Naquela época, qual era o estado de espírito ou o pano defundo? É importante lembrar essa história, porque ter feito parte durante todosesses anos, e fazer parte da APPOA pelo que ela foi no meio desse pano de fundoque vou evocar, é um privilégio, foi um privilégio, e acho que continua sendo.

Eu sei, primeiro, de onde eu vinha. Vinha da França. Vinha de um lugaronde a luta pelo espólio, espólio que eu nunca pensei que fosse meu, aliás, maspelo espólio de Lacan, luta fratricida, era tudo que interessava no mundopsicanalítico. A luta fratricida não é tão má assim. Vocês se lembram do queFreud imagina em Totem e tabu, ele imagina que a um dado momento o macho-alfa, o chefão, poderoso, morre, é assassinado pelos irmãos, eventual ecoletivamente, e Freud diz aquela coisa interessantíssima, que, a partir disso,eles interiorizam a lei, então as coisas se arrumam porque eles, os irmãos,interiorizam a lei. É um mistério quando você lê aquele texto, porque, em princípio,por que eles não tentariam se matar um ao outro até decidir quem é o novopoderoso chefão? O que faz com que eles interiorizem uma lei? Qual é o elementoaí, Freud não menciona, que introduziria uma novidade à simples procura de umnovo chefe? Eu sempre pensei que, na história contada por Freud, o elementofosse a posição das mulheres e, particularmente, da mãe, da favorita do macho-alfa, porque a regra era a seguinte: nós somos machos-betas, tem um macho-alfa, vamos pegá-lo, todos juntos, cacetadas no meio da noite e, de manhã,vamos ter que decidir quem de nós fica com a mulher dele. Essa é a ideia. Sóque um belo dia a mulher do macho-alfa, que foi morto, poderia dizer que não,que ela segue fiel à memória do morto; seria suficiente ela dizer isso para quenós fossemos forçados a interiorizar esse macho-alfa que assassinamos, comosendo uma lei interior. Ou seja, é preciso que a gente não tenha acesso aocorpo materno para que funcione a virada de Totem e tabu. Não foi o caso daFrança naqueles anos, porque tinha tudo. Tinha a luta pelo espólio do pai, quem

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é o legítimo herdeiro, bom, e a luta pelo corpo da mãe, o que era o corpo damãe? O corpo era a grande massa de analisandos que se tratava de conquistar,aquele era o corpo materno que se tratava de conquistar.

Quanto à situação aqui, a sensação que a gente tinha, chegando aqui,ou pelo menos que eu tinha, é de que a luta não era uma luta de discípulos peloespólio do mestre, era uma luta de apadrinhados lutando pelo espólio dosdiscípulos, os quais lutavam pelo espólio do mestre. Nesse contexto, então, meestabeleci, comecei a vir regularmente a Porto Alegre, São Paulo também, naquelaépoca. Eu acho mesmo que servi para alguma coisa, e digo isso sem modéstia,por várias razões. Primeiro, porque eu mesmo era um francês em termos – ostopólogos sabem, inclusão externa, por ser italiano, então era um francês emtermos. Segundo, porque a minha filiação psicanalítica era completamenteectópica, o meu analista tinha sido Serge Leclaire, o qual tinha uma posição detotal exterioridade àquela bagunça que estava acontecendo, aliás, consideravatudo aquilo como um horror e não se metia, senão para dizer que era um horror.No que ele tinha totalmente razão. Então, graças a essas duas posições, masme servindo de fato do que poderíamos chamar a transferência colonial, euconsegui, em grande parte, aboli-la, fazer com que ela não fosse operante naconstituição do que se constituiu. Eu consegui o que eu considero mesmo umato analítico, porque, afinal, acabar com uma neurose de transferência, positivaou negativa que seja, é, para mim, a melhor definição do que seja um ato analítico.A ponto de permitir que os grupos que existiam em Porto Alegre pudessem,sem se preocupar com apadrinhamentos a diferentes herdeiros, se encontrar,dialogar, se reconhecer mutuamente e, no fim de 89, se dissolver. Alguns eramgrupos constituídos, como a Maiêutica, como o Centro de Trabalho emPsicanálise, outros eram grupos informais.

É bom saber a história da psicanálise do lugar onde a gente está, e deoutros lugares também. Eu não pretendo contá-la, mas seria útil contá-la, emdetalhes. Essas pessoas puderam se reunir e criar uma associação, onde omeu grande prazer, quando fui embora, em 94, foi descobrir que eu não eranecessário, porque eu tinha sido, provavelmente, instrumental para que aquiloacontecesse, mas, francamente, não era necessário. Isso, vocês não sabem,que alívio é, porque eu estou sempre com esse problema. Se em relação aosmeus analisandos, eu tenho ou não o direito de morrer, estou sempre preocupadocom isso. Em 94, quando deixei Porto Alegre e fui para Nova Iorque, eu penseique era uma possibilidade, mas foi uma possibilidade que nem existiu.

No ato de 89 tem um ponto muito importante, foi a escolha do nome,Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Muitos de vocês, imagino, achamisso muito óbvio, porque é uma associação psicanalítica e está em Porto Alegre,não é assim?

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A gente escolheu associação porque, claro, sociedade teria sido o nomede uma sociedade da IPA, também a gente achava que sociedade tivesse a vercom o caráter institucionalizado do poder dentro da internacionalização dapsicanálise, então “associação”. Porto Alegre, tudo bem, também, é em PortoAlegre, mas o problema é que naquela época, no campo lacaniano, em particular,a ideia de se chamar associação “psicanalítica” era uma ideia bizarra,completamente bizarra. Existia, em Paris, uma Associação Freudiana, da qualtambém fui um fundador, e que, aliás, mais tarde, passou a se chamar AssociaçãoLacaniana, se distanciando ainda mais do projeto inicial. Fui um dos fundadoresda Associação Freudiana, da Lacaniana não teria aceito. A própria escola fundadapor Lacan, e da qual fui membro, onde me formei, chamava-se Escola Freudianade Paris. Nisso, ela se definia em relação a um corpo teórico, o do inventor dapsicanálise. Aliás, engraçado, não é? Só Freud e Lacan produziram isso, nãoexiste associação balintiana, não existe associação kleiniana, não existe, é sóFreud e Lacan que produziram esse tipo de efeito.

Foi uma ousadia chamar essa nossa associação de psicanalítica, não defreudiana, por exemplo. É muito mais difícil entender e fazer uma associaçãopsicanalítica do que fazer uma associação freudiana, lacaniana, kleiniana oubalintiana que seja, ou, sei lá, winnicottiana; por que muito mais difícil? Porqueé relativamente simples estabelecer um corpo de doutrina, a doutrina do pensadorcom o qual todo mundo concorda, é o cara que vamos estudar, vamos compartilharessa linguagem. Sabemos do que se trata. É muito mais fácil ser lacaniano,freudiano e companhia, do que ser psicanalista, muito mais fácil.

O que define o psicanalítico em Associação Psicanalítica de Porto Alegre?Eu me coloquei a pergunta enquanto estava tomando estas notas para falar comvocês, hoje. Como me coloquei a pergunta na época, como a gente se colocou,certamente, na época, fiquei pensando o que é absolutamente imprescindívelpara mim, hoje, para que eu me considere psicanalista?

Aí vem uma série de coisas que são elementos da teoria ou, pelo menos,elementos da descrição que a psicanálise faz da realidade psíquica, Édipo,castração, significante fálico, inconsciente, pulsões. Pulsão, decididamente,não é comigo. Como é que se diz? A casa não trabalha com pulsões, eu nuncative simpatia com a teoria energética freudiana, desse ponto de vista eu venhobem próximo dos ingleses, da Escola da relação de objeto mais recente. É umametáfora que não me ajuda, mas o resto, sim, castração, inconsciente, como éque seria? E finalmente cheguei à conclusão seguinte, que considero que minhaprática é psicanalítica, o que faz com que eu me reconheça numa associaçãopsicanalítica é o conflito. É a ideia de que a subjetividade é conflito, o resto euposso negociar, o resto pode depender de conjunturas, vai ver que exista umatribo sem Édipo em algum lugar perdido. Estou disposto a negociar qualquer

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coisa, salvo a ideia de que a subjetividade é conflito. Esse conflito se projeta nasrelações interpessoais, se projeta nas reflexões que nós temos e nos afligemsobre fatores existenciais, a brevidade da vida, a perda e a companhia, mas abase de tudo isso é que, absolutamente, qualquer descrição subjetiva é descriçãode um conflito. Não necessariamente toda a psicologia do eu, porque, porexemplo, Anna Freud diria exatamente a mesma coisa, mas Hartmann tinha aideia de que existe uma esfera do ego livre de conflitos, e aliás, é lá que precisochegar.

A posição de Freud é de que o ego é um campo de batalha entre o Id e omundo externo, é lá que eventualmente se fazem compromissos. Esse é oprimeiro ponto. O segundo é que o meu acesso ao conflito interno do pacientese dá pelo processo prático, e não pelos conteúdos que ele me apresenta, ouseja, se dá porque aquele conflito aparece na relação dele comigo. Aquele conflito,o conflito interno do paciente, é o conflito do qual se trata na transferência.Chamar a nossa associação de Associação Psicanalítica de Porto Alegre foidefinir a psicanálise como uma prática, muito antes de ser uma doutrina. Aliás,acrescento o seguinte, que para mim todas as teorias, lacaniana, freudiana,relação de objeto, não só são metáforas, mas são metáforas pragmáticas. Euaprendi isso numa época, fazendo uma coisa muito diferente, fazendo escola desindicalismo, eu também fiz, não só o Lula. Fazendo escola de sindicalismonuma ilha da antiga Iugoslávia, aprendi uma coisa muito interessante, que era oseguinte, uma das primeiras coisas que a gente aprendia era por que um sindicatoé diferente de uma corporação? Corporação poderia ser a corporação dostrabalhadores do livro, isso inclui desde o dono da editora, ou o dono da gráfica,até o cara que limpa, à noite, o escritório ou a gráfica. É muito interessante,mas não tem nenhum valor operacional, pois quando é que o dono da editora vaifazer greve junto com o cara que limpa? Então, sindicato é outra coisa do quecorporação, ele se define justamente pelos termos de conflito. Nós devemosdefinir uma classe de maneira que tenha uma potencialidade de conflito. Semisso, nossa definição é inoperante. Eu tenho a mesma relação com a teoriapsicanalítica, uma relação pragmática, me interessa na medida em que éoperacional na minha prática.

O outro ponto pelo qual eu definiria uma prática como psicanalítica é umaantiortopedia radical. No entanto, eu recupero a palavra “terapia”, acredito napalavra “terapia”, acredito na palavra “terapêutico”, até porque a palavra “terapia”ou “terapêutica” foi fortemente atacada nos meios lacanianos, e com sarcasmo,mas ao benefício de algo muito pior, que foi uma idealização dos efeitos dapsicanálise como exercício de alguma forma, intelectual ou mesmo comoexperiência, ou seja, o seguinte, você está muito mal, não tem importância,você vai ter uma experiência analítica. Você vai continuar mal ou pior, mas vai ter

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tido uma experiência analítica. Isso se transformou no seguinte: você vai teruma experiência analítica e, se você tiver mesmo uma experiência analítica, vaiganhar uma bala, você vai se tornar psicanalista. Ou seja, a psicanálise setornou uma máquina de reprodução à exclusão do trabalho terapêutico, do fatode que afinal ela foi concebida para atender pacientes neuróticos, psicóticos ousimplesmente infelizes. Claro que ninguém pensa que nós somos capazes deretirar a infelicidade do humano, porque seria mais fácil retirar o humano dainfelicidade, mas não se trata disso, se trata de não retirar o terapêutico dapsicanálise, sobretudo para substituí-lo com uma idealização da experiênciapsicanalítica e eventualmente pela ideia de que essa experiência psicanalíticaidealizada daria uma compensação. Você será muito infeliz com esta neurose,mas vai ser membro da associação.

Existem psicanálises infinitas, intermináveis, isso não me estranha, éuma coisa que me preocupa, um pouco, quando me pergunto se tenho direito demorrer, mas tudo bem, me preocupa em termos.

Eu entendo que haja psicanálises intermináveis por uma razão simples:no fundo, o que a gente pode fazer de melhor em termos terapêuticos, é o meuponto de vista, é ajudar alguém a renegociar os seus sintomas de uma maneira,se for possível, um pouco menos custosa. Nós, em geral, tendemos a criarcompromissos para nossos conflitos que são sempre muito mais caros do queé preciso, tipo assim: eu não tenho direito a ver pernas, então na minha casanão há mesas. Não, era só as de mulher; mesa pode ter, é renegociar, diminuiros custos. A terapia, ou uma psicanálise interminável, pode fazer parte dessarenegociação, ser incluída nessa renegociação. Alguém dirá que é muito custosauma terapia que dura uma vida inteira. Não estou falando nem do custo nosentido material, mas do custo de continuar uma terapia vinte, trinta anos. Poisé, às vezes é muito menos custoso do que o paciente pagaria na vida se tivesseque voltar ao antigo compromisso no qual ele vivia. Agora, então, uma terapiainfinita, uma psicanálise infinita ou até o interesse pela psicanálise, até o setornar psicanalista pode fazer, e certamente deve fazer, parte de uma renegociaçãodo sintoma de todos nós. O que significa que psicanalistas somos todos doentes,até aí nenhuma novidade, mas que tornar-se psicanalista não é uma cura, vocêsvão achar que é uma trivialidade, até porque vocês já se tornaram psicanalistase já descobriram que não é, mas acontece que, na França, do fim dos anos 80,tornar-se psicanalista era uma cura.

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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 39, p. 124-131, jul./dez. 2010

Quero falar sobre nossos pacientes, os nossos e os dos outros.O tema destas jornadas é o ato analítico, e por tal todo mundo entende o

que o psicanalista faz com seus pacientes. O sujeito do agir está na poltrona; oobjeto sobre o qual a ação recai, no divã. Tenho certeza de que ninguém aqui odiria dessa maneira, mas é assim que resulta de fato concebido, se não dedireito, ao menos de fato. Meu desejo é refletir sobre o que se passa ou não sepassa do lado-divã do ato analítico.

“Cada um tem o analista que merece” é o mote que me ocorreu paraconversarmos sobre isso. Poderia ter chamado esta comunicação de “Jacquescom Nelson”, aproveitando aquele impagável “perdoa-me por me traíres”, que,sem o voluntarismo da boa ou da má consciência, e sem condescendência paracom a vitimização generalizada, me parece uma fórmula excelente para introduzira pergunta pela ética do analisante, se houver.

1 Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Dizer e fazer em análise, realizadasem Porto Alegre, novembro de 2010.2 Psicanalista; Membro da APPOA; Mestre em Filosofia/USP; Doutor em Comunicação e Semiótica,PUC/SP. Publicou, entre outros: Ensaio sobre a moral de Freud (Salvador: Ágalma, 1994); Nocírculo cínico ou caro Lacan, por que negar a psicanálise aos canalhas? (Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 2002) e Política e psicanálise (Rio de Janeiro: Zahar, 2006). Organizou a coletâneaGoza! Capitalismo, globalização, psicanálise (Salvador: Ágalma, 1996). E-mail:[email protected]

CADA UM TEM OANALISTA QUE MERECE1

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Cada um tem o analista que merece

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Essa ideia de pensar a ética do lado analisante não é nada nova paramim. Há muitos anos argumentei sobre a inadequação da palavra “paciente”para designar os atarefados em analisarem-se. Lacan sugeriu precisamente“analisante”, em vez de analisando, para denotar que ali não havia a menorpassividade. Eu teria preferido “analisador” em nossa língua, mas, enfim, é atradução que vingou para analysant. Naquela ocasião, sugeri que cabia ao analistaser paciente, contanto que tivesse a manha de induzir certa impaciência nosseus analisantes. Paciência para esperar o bom momento de incomodá-los, aponto de sacudir a sua inércia sintomática. No fim das contas, saber esperar aboa ocasião faz o bom político, e o bom analista também.

Antes, ainda, e a propósito do que se tinha convencionado denominar de“clínica do ato” – inspirada no último Lacan, le tout dernier, que seria o único quepresta, claro, estando todo o anterior ultrapassado e sem efeito: acaso o simbóliconão ganha do imaginário, que perde do real? –, fiz uma intervenção, sugerindoque não bastava maltratar os pacientes para ser um bom lacaniano.

Era uma época em que os psicanalistas agiam. Praticavam o “atoanalítico”, que podia consistir em enfiar a mão no bolso do cliente, para tomar-lhe o dinheiro; servir-se dele para pegar as crianças na escola ou reformar acasa da praia (no caso de o paciente ser arquiteto). Era o corte no real, fazê-lovender o carro e as joias para continuar pagando a análise, por exemplo, ouintimar sua esposa, seu filho ou sua amante (ou os três juntos) a virem deitar nomesmo divã que ele. Era a retificação subjetiva, controlar a análise do própriofilho, a ponto de telefonar ao analista do rebento para corrigir-lhe uma interpretaçãodada. Acaso Freud não analisou a sua caçula, Anna? Acaso o pai do PequenoHans não analisava o filho, sob instruções do próprio mestre? E vejam que nemmenciono o detalhe de o analista fiscalizado ter sido um ex-paciente de quemassim o fiscaliza. Era a ruptura do semblant, convocar analisantes de colegaspara trocarem de analista – preciso dizer quem era o novo analista sugerido nolugar? Um desses mestres de cerimônia se superou a si mesmo, telefonandopara o analisante de uma colega doente para sugerir que, considerando que suaanalista morreria logo, o melhor que o moço poderia fazer era vir deitar no divã...adivinhem de quem?

O psicanalista como “homem de ação”... É para rir, se lembrarmos queJacques Lacan, sim, Jacques Lacan ([1958] 1998), define o psicanalistaprecisamente como aquele que retira seu poder da inação. Seu lugar na duplaseria o de quem não age, e o desejo do psicanalista consistiria exatamente naenérgica recusa do exercício do poder que a transferência lhe confere. O contrárioda sugestão, que se caracteriza pelo uso do poder sobre o sugestionado. Freudironizava sobre a reclamação de um mestre hipnotizador, que gritava para umasenhora relutante a entrar em transe: “Mais, Madame, vous, vous contre-

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suggestionez!” E Freud: “Mas, ela tem todo o direito de contra-sugestionar-se!”([1921] 1989, p. 85). E então propõe para o futuro analista a “neutralidade”, ouseja, a reserva quanto ao uso do poder no quadro do tratamento. Como a cartaroubada, de Poe (apud Lacan, [1954-55] 1985), que investe de poder a quem adetém, desde que não faça uso dela.

Em todo caso, tais “agitadores” se opunham à observância da neutralidadepassiva do psicanalista freudiano a la Strachey, e, assim fazendo, acreditavamseguir Lacan. E, sobretudo, toda essa agitação acontecia em nome do final daanálise. Ah! o final da análise! Il gran finale era a Meca; era Eldorado; era omomento em que nos convertíamos em O analista – porque A mulher podemuito bem não existir, mas O analista, esse, sim, existe. Ô se existe! Conheçouma que declarou terminada a sua análise, ao atravessar a avenida Angélica:estava aí, segundo disse, a travessia da fantasia. Outra, ou talvez a mesma,verificou o bem fundado do fim da sua análise quando seu corpo perdeu qualquerforma humana, pois assim constatava-se o necessário desprendimento doimaginário e a derradeira consagração ao simbólico, ou, quem sabe, ao real.

Analisar-se “para terminar” é um dos efeitos deletérios que poderíamospôr na conta da clínica inspirada na teoria do passe, acredito. Antes disso, aspessoas se analisavam porque precisavam, e às vezes aquilo se passava de talmodo que acabava por seu próprio movimento, e segundo uma lógica que podiapensar-se depois. Mas analisar-se visando ao fimdanálise... era uma novidadetrazida junto com o desejo de ser analista. Tratava-se de uma nova idealização,a de chegar a poder apresentar-se como um caso particular da classe universalO analista, que, por outro lado, nada mais seria do que a realização do HomemNovo sonhado por São Paulo e projetado politicamente por El Che. Não vejobem como chacoalhar as identificações cristalizadas de uma pessoa que usa oprocedimento para criar uma nova e final identidade para si.

Mas hoje desejo me debruçar sobre outra questão. Qual seja, asconsequências clínicas de certa leitura do deslocamento conceitual da resistênciaà análise do paciente para o analista – a ponto de Lacan ([1967-68]) soltaraquela fórmula bastante enigmática, e sobre a qual caberia refletir um pouco: oanalista tem horror de seu ato. Tal deslocamento teve o valor de uma interpretaçãojogada bem na cara da comunidade analítica, e foi um inegável progresso aointroduzir a questão da responsabilidade ética do psicanalista pelo seu lugar esua função.

É bem conhecida a crítica de Lacan ([1962-63] 2005) ao modo de Krisdirigir o tratamento, a ponto de transformar uma interpretação relatada por esteem exemplo paradigmático de acting-out. Ou seja, onde Kris lia uma confirmaçãodo bem fundado de sua interpretação, Lacan lia a resistência à análise, e aatribuía à concepção de realidade que Kris teria. Já desde a releitura do caso

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Dora, Lacan ([1951] 1998) nos ensinara que o motivo da desistência da moçatinha sido a interpretação errada que Freud tentara lhe impingir, e não a dificuldadedela em reconhecer o recalcado. Entretanto, o que disso foi deduzido – e pormais de um – foi que, embora o analisante fosse o agente do acting, a sua açãoera concebida como um puro efeito cuja causa estaria na intervenção errada doseu analista. Com idêntico raciocínio, a passagem ao ato resultaria da falênciacompleta do analista em seu lugar. Em suma, assim como para Galvão Buenoo time adversário jamais ganha, é o Brasil que perde; assim, o paciente não temvez no ato analítico: fracassado ou bem sucedido, o ato e a ética que lhe seriaminerentes são sempre do psicanalista.

Mas, que a ética de uma psicanálise dependa do desejo do analista nãoimplica que, no dispositivo e no tratamento que lhe é dispensado dentro dele, oanalisante não tenha responsabilidade alguma. É precisamente pela suaimplicação que recebe esse nome. Ele não é apenas o que sofre, o que padece,o apaixonado... enfim, o paciente. Trata-se, ao contrário, de impacientá-lo, depô-lo a trabalhar a serviço, se vocês querem, da causa da análise. A dele, emprimeiro lugar, e a da psicanálise mesma, quando ele é ou quer ser umpsicanalista. Nunca se tratou com isso de apelar a qualquer voluntarismo; deconclamar o eu ao trabalho, mas de criar as condições para que o inconsciente,que já trabalha, o faça dentro dos quadros do dispositivo analítico, de modo apoder recolher-lhe os produtos, e com isso mudar a vida da pessoa. Porque,convenhamos, continua tratando-se disso, de viver um pouco melhor; de pararde atirar nos próprios pés. Não acredito que se trate apenas de uma linha demontagem de psicanalistas.

Muitos dos que se reportam à escrita do discurso do psicanalista paradefinir o que fazem, na hora da prática, mostram a ação de um deslizamentoque revela uma inversão dos lugares de objeto-agente e de sujeito-outro do atoanalítico. E o resultado é uma montagem que tem, de um lado, um psicanalistadiretor do tratamento, de cuja técnica/ética depende o andamento e o desfechoda análise do outro. E, do outro lado, um analisando instalado em sua pasmaceiratransferencial, desincumbido da menor responsabilidade pelo estado em que seencontra e pelas coisas que faz ou que lhe são feitas. Estamos às voltas, portanto,com um paciente apelidado de “analisante”, mas concebido e tratado comoanalisando, isto é, como o objeto da análise do psicanalista-diretor. Por outraspalavras, a pergunta ética não se coloca do seu lado. Mas, a que estou chamandode “pergunta ética”? Sem demasiada filosofia: de que modo estás detrás do quefazes?

O mais engraçado é que, uma vez finda a análise conduzida sob taispremissas, espera-se desse puro produto do ato analítico que deixe de serobjeto e vire magicamente sujeito. Mais do que isso, espera-se que se transforme

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em um caso particular de O psicanalista produzido pelo ato (do outro,evidentemente). Freud ([1918] 1989) sugeria não tomar decisões drásticas duranteo tratamento; recomendava um certo não-agir aos analisantes, precisamenteporque o estado de hainamoration transferencial podia induzir ao erro e levá-losa entrar numa fria. Mas as análises duravam seis meses, máximo. Podemosesperar o mesmo de uma análise que dura vinte anos? Aliás, o fato de umaanálise durar duas décadas não revela já certo fracasso da psicanálise emextensão?

E note-se que ainda nem entrei no mérito dos analisantes que praticam apsicanálise que, com semelhante concepção da ética e de ato analítico, nemmesmo poderiam ser considerados psicanalistas, já que só haveria analistadepois que a análise estivesse terminada. Tratar-se-ia, portanto, de pacientesque exercem a psicanálise de modo mais ou menos ilegítimo. Essa situação,claro, em nosso meio é raríssima, como vocês bem sabem, quase nuncaacontece... O absurdo desse raciocínio nem mereceria comentário, não fossepelo fato de comportar consequências bem concretas. Conheço alguns que nãopodem analisar-se já porque deviam ter terminado e há, também, quem nãopode pedir análise, mesmo no limite da angústia, porque já terminou, e reconhecerque precisa de um analista seria como confessar um acabamento que deixa adesejar.

A resistência à análise jamais é dos pacientes, nos é dito. Muito bem,contudo, cabe perguntar se quem aceita que seu ex-analista fiscalize seu trabalho;quem vende o carro para continuar pagando a sua análise interminável; quemreforma a casa de lazer do analista; quem chama a mulher, a filha e a amantepara fazer análise com seu próprio analista obedecendo a ordens; quem abandonaou muda de analista para atender o apelo do Outro-Analista... me pergunto, senão caberia dizer, de cada um deles, que tem o analista que merece. Sei quesoa meio apelativo, mas não é isso que a gente diz de certos casais, e decertos amigos, que eles se merecem?

Ouvi dizer que não estou considerando direito a transferência. Que sobtransferência os pacientes se submetem a qualquer coisa, por amor. Como asmulheres do Nelson a seus machos. Foi-me dito, também, que se o psicanalistafor um canalha, seus pacientes estarão por anos a fio na posição de servidãovoluntária, na medida em que encarna para cada um deles o Outro imaginário dafantasia que lhes comanda o desejo. Contudo, se o analista for bom e competente,os analisantes poderão ser reconduzidos para fora da posição objetal de servidãoao gozo do Outro. Na mesma linha, disseram-me que, estrategicamente, umanalista pode levar seu analisante até as últimas consequências da sua posiçãode escravo, justamente com a finalidade de dar-se conta sozinho do que estasignifica e do preço que paga por ela; ponto em que ele mesmo poderá recusar

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tal lugar. Não apenas concordo, como eu mesmo posso dar testemunho disso,mas, convenhamos, trata-se de um cálculo pra lá de delicado.

Suponho, porém, que tais opiniões consideram o problema ético apenasdo ponto de vista do psicanalista. Como se do lado analisante não existisse adimensão da escolha – no mesmo sentido em que Freud fala de Objekwahl, aescolha de objeto libidinal, e de Nerosenwahl, a escolha de neurose. No mesmosentido, também, em que Lacan fala de choix forcé, a escolha forçada, que nãopor forçada isenta o sujeito de responsabilidade por ela. E espero não dar aentender responsabilidade como mandato “superegoico”, porque penso em umaresponsabilidade après-coup, pelas consequências dos próprios atos, querevelam ao agente as suas determinações inconscientes, mesmo estando aoscuidados (ou nas mãos) de um psicanalista.

Nada mais longe, portanto, que contestar a ética do psicanalista. Propo-nho, apenas começar a pensar como as pessoas escolhem os seus analistas,de um modo que faça jus ao que Lacan ([1966] 1998) mesmo nos diz na primeirapágina dos seus escritos: eles estão feitos, escreveu, de tal modo que sejanecessário ao leitor pôr algo de si para poder lê-los. Não sugiro nada diferente:digo que quando alguém escolhe um analista e com ele se sustenta está sendoativo em sua opção, e afirmar que tal opção é feita desde a fantasia inconscientenão retira nada da sua responsabilidade de sujeito por tal escolha. Com certezanão faz dele uma vítima.

Pela mesma razão que, para Freud, o inconsciente jamais poderia serusado como desculpa para justificar atos inadmissíveis, no sentido de the devilmade me do it, a repetição transferencial não poderia servir de pretexto para oanalisando eximir-se de qualquer responsabilidade com o que é feito com ele;com o que ele deixa ou até encoraja que seja feito com ele. Não poderíamosesperar dos pacientes transferenciados que façam como aquela referida porFreud ([1921] 1989), aquela que resistia à vontade do hipnotizador medianteuma ação contrária? Não deveriam fazer esses pacientes como Dora com Freud:depois que seu analista erra o alvo várias vezes, mandar-se? Não seriam essasmulheres bons exemplos do que estou tentando chamar de analisantes éticos?

Portanto, quando certo chefe de escola adverte um aluno que nuncareceberá encaminhamentos devido ao fato de que o seu analista, freguês deoutra paróquia, pratica a clínica ultrapassada do simbólico, em vez da modernaclínica do real que ali se exerce, e o aluno em questão decide mudar de analistapara corresponder ao que se espera dele, eu me pergunto se tal decisão deveser posta na conta exclusiva da malignidade da serpente sedutora ou da bondosaimpotência do anjo, que não soube segurar seu freguês, ou se se trata de umapostura canalha do analisante, que opta pela conivência com seu algoz, seduzidopela promessa fálica que dele recebe. Leiam Drácula, de Bram Stocker (1988),

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o vampiro jamais vai até as presas; são elas que vão a ele, fascinadas pelo seugozo mortífero. Devemos tê-las como inocentes e discutir apenas a falta deética do vampiro?

Fui interpelado durante a sessão de um analisante sobre o termo ou nãoda minha própria análise, já que a sua estava sendo contestada por uma figurade nosso meio. A lógica da contestação era a seguinte: eu não teria terminadoe, portanto, jamais poderia levar um analisante até o fim da análise – um poucocomo se diz “levá-lo até o orgasmo”. Fascinado com essa promessa deconsumação, o meu analisante me questiona seriamente sobre a minhacompetência ou não para continuar sendo seu analista, e pretende que eu confirmeou negue a “acusação” de que tinha sido objeto. No início optei por um silênciosalutar, mas quando achei que essa história estava de bom tamanho, disse queestava pouco me lixando com a opinião da distinta colega sobre mim, e que sea sua experiência comigo não era suficiente para ele poder responder sozinho asua própria pergunta, tinha mais é que ir embora mesmo. Fim da história, masnão da análise, que continuou sem mais interferências que as do próprio movimentotransferencial até seu desfecho.

Já uma ex-analisante me mandou um e-mail pedindo para conversar, depoisde ter assistido a uma palestra minha. Vinha me dizer o que não disse dez anosatrás, quando interrompeu o tratamento comigo. Tinha sido depois de umamancada da minha parte, atraso ou esquecimento. Ela não voltou, eu não achamei. No dia da palestra, pensou que devia ter me ligado e vindo continuarcom a sua tarefa, depois de me xingar como eu merecia. O que tinha acontecidofora uma repetição da relação dela com os homens: eles a largavam e, para nãosofrer, imediatamente ela os riscava da agenda, como se nunca tivessem existido.Devia ter podido perseverar em seu trabalho até poder atravessar o impasse: “eunão valho para você, então você não tem qualquer valor para mim.” Sabia dissohoje, e quis vir me dizer. E agora eu sei que devia tê-la chamado e nãosimplesmente a abandonado à sua sorte. Mas, o gesto dela, a sua iniciativa devir me dizer isso, não testemunha uma posição ética que merece o nome deato? E que tipo de ato é esse que uma década depois significa para ambos omomento de concluir, obrigando-me a assumir a minha própria responsabilidade,ao mesmo tempo em que ela insiste em manter a sua? Fala-se com razão dagrandeza de Freud ([1905] 1989) ao expor seu erro de cálculo na condução dotratamento de Dora, mas ter-se dado conta disso, não se deve nem um pouquinhoa ela, que insiste em seu desejo deixando-o cair?

Suponho que essas caricaturas de lacaniano que evoco fazem aos outroso que foi feito a elas. São, na linha de raciocínio que tento combater, vítimas.São as vítimas do vampiro, transformadas elas mesmas em vampiros. É assimque pensamos a transmissão? Faço análise com um canalha e viro um

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canalhanalista; é assim, fácil? Nossos analisantes seriam como a cera virgemsobre a qual se imprime o que for? Ou devemos pensar que, dentre as condiçõesde possibilidade de uma psicanálise, haveria que incluir uma pergunta pela éticado paciente, que faz possível que ele se torne e permaneça analisante? O quesão as entrevistas ditas preliminares, se não a criação dessas condições? Comominha antiga analisante me ensinou – e não encontro palavras boas o suficientepara lhe agradecer –, ao vir me mostrar aonde foi que eu tinha me perdido comoseu analista, ela pode encontrar-se como sujeito em uma posição para a qualnão cabe melhor palavra que “ética”.

REFERÊNCIAS:FREUD, Sigmund. Fragmento de análisis de un caso de histeria (1905). In: ______.Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1989. v. 7.______. De la historia de una neurosis infantil (1918). In: ______. v. 17.______. Psicología de las masas y análisis del yo (1921). In: ______. v. 18.LACAN, Jacques. O seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica dapsicanálise [1954-55]. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.______. Intervenção sobre a transferência [1951]. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro:Zahar, 1998. p. 214-225._____. A direção do tratamento e os princípios de seu poder [1958]. In: ______. p.591-652.______. Abertura desta coletânea. In: ______. p. 9-11.______. O seminário, livro 10: a angústia [1962-63]. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.______. O ato psicanalítico – seminário [1967-1968]. Escola de EstudosPsicanalíticos. (Publicação interna)STOCKER, Bram. Drácula. Lisboa: Publicações Europa-América, 1988.

Recebido em 10/03/2011Aceito em 7/05/2011

Revisado por Valéria Rilho

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VARIAÇÕES

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Afala tem um papel central no processo psicanalítico, é o próprio meio ambienteem que uma análise se desloca. Mas a fala tomada no seu sentido

estritamente psicanalítico diferencia-se da comunicação, na medida em quenão é, como esta última, simplesmente um meio de se comunicar e transmitirinformações.

Lacan ([1953-54] 1975), na aula do dia 16 de junho de 19543, põe-se aquestão de saber se o grunhido de um animal é fala. Tal questionamento servepara estabelecer a diferença entre a comunicação e a fala, a primeira que visacomunicar ou transmitir informações, sendo, assim, “mais ou menos da mesmaordem de um movimento mecânico”4 (Ibid., p. 264), enquanto a segunda

é essencialmente o meio de ser reconhecido. Ela é antes de qualquercoisa que haja por detrás. E por isso ela é ambivalente eabsolutamente insondável. O que ela diz é verdade? Não é verdade?É uma miragem. É essa primeira miragem que vos assegura queestão no domínio da fala5 (Ibid., p.264).

A FUNÇÃO CRIADORA DA FALA1

Heloisa Marcon2

1 Este artigo é baseado na Dissertação de Mestrado de minha autoria, intitulada Sobre a justificaçãohegeliana dada por Lacan para a função criadora da fala (PPG Filosofia/UFRGS).2 Psicanalista, Membro da APPOA, Mestre em Filosofia/UFRGS. E-mail:[email protected] Esta aula constitui a lição XIX do Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud, intituladopelo organizador de seus seminários como “A função criadora da fala“. Devido à importânciadessa aula para o problema de que trata este artigo e pelas discordâncias na tradução para oportuguês, quando se tratar de tal aula, será usada a publicação do Seminário em francês(Lacan [1953-54] 1975).4 [...] à peu près du même ordre qu’un mouvement mécanique.5 [...] est essentiellement le moyen d’être reconnu. Elle est là avant toute chose qu’il y aderrière. Et, par là, elle est ambivalente, et absolument insondable. Ce qu’elle dit, est-ce quec’est vrai? Est-ce que ce n’est pas vrai? C’est un mirage. C’est ce mirage premier qui vousassure que vous êtes dans le domaine de la parole.

Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 39, p. 132-138, jul./dez. 2010

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A função criadora da fala

Trata-se de usar a linguagem dos animais como paradigma, quase comocaso-limite, para enfatizar a diferença dos grunhidos enquanto comunicaçãoentre os porcos – comunicação de suas necessidades como a fome, a sede, avolúpia e mesmo o espírito de grupo, lista Lacan –, de algo outro que éabsolutamente insondável e que constitui a fala. Caso-limite não no sentidomais imediato dessa expressão, isto é, que ilustraria bem a diferença do homempara com os animais, mas justamente para sublinhar que “[...] desde que ele [ogrunhido] quer fazer crer e exige o reconhecimento, a fala existe”6 (Lacan,[1953-54] 1975, p.265), ou seja, caso-limite no sentido de que, mesmo nos homens,para os quais se pensa que – como para os animais – a fala é simplesmente ummeio de comunicar e de transmitir informações, no momento em que ela querdar a entender e exige reconhecimento, a dimensão de miragem que comparecegarante que estamos no domínio da fala, e não simplesmente da comunicação.

Em seguida, na mesma aula, Lacan pergunta-se sobre o que aconteciano tratamento de um paciente de um colega – Nunberg – com quem nada mexia,apesar do empenho de ambos, e, quando surge na fala do paciente uma certarelação com o tempo – falar no tratamento e falar numa experiência da infânciadesse paciente – Lacan diz:

A fala nunca tem um sentido único, nem a palavra só um emprego.Qualquer fala tem sempre um além, sustenta várias funções, envolvevários sentidos. Por detrás do que diz um discurso há o que elequer dizer, e por detrás do que ele quer dizer há ainda um outroquerer-dizer e nunca nada será esgotado – a não ser que se concluique a fala tem função criadora e faz surgir a própria coisa, que nãoé mais do que o conceito7 (Lacan,[1953-54] 1975, p.267).

É nesse momento que Lacan recorre ao que Hegel diz do conceito: “Oconceito é o tempo da coisa”8 (Idem, p.267). No entanto, o problema de tal teseé que ela leva a uma regressão ao infinito. Em função desse problema é queLacan recorre ao sistema hegeliano, especificamente à relação entre a coisa

6 [...] dès lors qu’il veut faire croire et exige la reconnaissance, la parole existe.7 La parole n’a jamais un seul sens, le mot un seul emploi. Toute parole a toujours un au-delà,soutient plusieurs fonctions, enveloppe plusieurs sens. Derrière ce que dit un discours, il y ace qu’il veut dire, et derrière ce qu’il veut dire, il y a encore un autre vouloir-dire, et rien n’ensera jamais épuisé – si ce n’est qu’on arrive à ceci que la parole a fonction créatrice, et qu’ellefait surgir la chose même, qui n’est rien d’autre que le concept.8 [...] Le concept, c’est le temps de la chose.

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mesma e o conceito. Tal relação é antecipada por Lacan como sendo mediadapelo tempo.

A aproximação ao pensamento de Hegel leva Lacan a postular a falacomo criadora no sentido de que ela faria surgir a própria coisa na forma do seuconceito. Deve haver algo no conceito de conceito hegeliano e na sua relaçãocom a coisa mesma que abra possibilidade de equacionar o problema dosmúltiplos sentidos ou querer-dizer de uma fala, sem chegar à regressão aoinfinito. Essa possibilidade deve, também, ter relação com o que poderia serchamado de estatuto da criação em Hegel e, assim, com a função criadora dafala proposta por Lacan.

Assim que estamos frente ao que podemos entender ser a base da práticapsicanalítica – a fala – e o modo de concebê-la, devido às suas característicasnuma análise, coloca um problema propriamente filosófico, como já dito, umaregressão ao infinito. Um problema filosófico que foi, aliás, adequadamenteencaminhado, uma vez que Lacan foi buscar solucioná-lo a partir da filosofia,especificamente, a partir do sistema filosófico de Hegel.

Trata-se, portanto, de uma aposta na seriedade dessa citação ou referênciaa Hegel feita por Lacan, o que quer dizer que este trabalho parte do princípio detal aproximação não se tratar de um mero recurso retórico momentâneo usadopor Lacan para, rapidamente, sair do problema dos múltiplos sentidos ou querer-dizer da fala, ao qual sua própria teoria havia levado.

Tomando como séria e com consequências a aproximação ao sistemade pensamento hegeliano, o objetivo deste trabalho é apresentar a aproximaçãorecém referida (à filosofia de Hegel), fazendo aparecer/brilhar a relação, apenasindicada por Lacan, entre o conceito e a coisa em Hegel e, posteriormente, arelação entre o conceito de conceito hegeliano e a fala tal como concebida porLacan, retirando dessa aproximação algumas consequências.

A obra escolhida como base para apresentar a relação da coisa ao conceitoem Hegel (2002) foi a Fenomenologia do espírito, uma vez que ela permite queacompanhemos a experiência da consciência sobre si mesma. Nesse percursode vir a si mesma, percurso propriamente de figuração, a consciência desdobradiferentemente a coisa. Acompanhemos, resumidamente, o desdobrar da coisano conceito, feito pela consciência.

Na certeza sensível, primeiro momento da experiência da consciência(CS) na Fenomenologia do espírito (Idem) (FE), a coisa é o isto apontado e o eué apenas este que aponta. Mas ao apontar, o eu (este que aponta) faz aexperiência de apontar vários isto em diferentes momentos (agora) e diferenteslocais (aqui), com o que se dá a passagem ao segundo momento, a percepção.

O objeto da percepção é a coisa de muitas propriedades e o eu é o euque percebe essa coisa. Mas a percepção não consegue tomar a coisa na sua

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unidade (é essa coisa) e na sua diversidade (as muitas propriedades da coisa)juntamente, e, na sua experiência, fica jogando esses dois momentos um contrao outro.

O entendimento, terceiro momento da consciência, tem, de saída, a coisadividida nesses dois momentos, que ele vai tomar como conceito de força (forçarecalcada sobre si ou uno e força exteriorizada ou as muitas propriedades). Mascomo, na sua experiência, esses momentos da força se dissolvem um no outro,o entendimento toma o objeto, agora, como o jogo de forças, e o rapport comoo que mantém as duas forças numa unidade. O entendimento toma a coisa,então, como fenômeno, um aparecer para em seguida desaparecer numaformulação mais elevada que inclui o aparecer como negativo nessa novaformulação. Em seguida, o entendimento explica a unidade das duas forçascomo lei da força. A lei da força é o que não muda, o que é estável no fenômeno.No entanto, o entendimento, na sua experiência de explicar a estabilidade dofenômeno com a lei da força, dá-se conta de que o que é estável no fenômeno éseu aparecer e desaparecer; com isso, a lei inverte-se. Nessas explicaçõestodas, a consciência (aqui entendimento) entende que o objeto não é um Outrodela (como até aqui a CS tomou), mas que é um objeto seu. Assim, a diferença(o objeto) é reconhecida como sua, como diferença interna: o objeto não é maisOutro ou estrangeiro da consciência, mas diferença na própria consciência. Aconsciência começa a trabalhar com o conceito de infinitude e surge na suaverdade, isto é, como consciência de si.

Ao acompanharmos o percurso da consciência desdobrando a coisa, elaaparece, então, como sendo, em cada momento, seu conceito. O conceito é acoisa mesma em seu desenvolvimento pela consciência, já que ele é a unidadeentre o pensamento e o ser. Unidade, diga-se de passagem, para o idealismoalemão, indissolúvel na experiência, pois, na experiência, sujeito e objeto estãoinevitavelmente unidos se o saber é saber, isto é, se é saber de algo.

Heidegger (1984), no seu Curso sobre a Fenomenologia do espírito deHegel, ensina a seus alunos que o conteúdo já está contido no saber, e issologicamente para que o saber seja saber de algo. Heidegger explica o sentidodessa necessidade quando apresenta a distinção hegeliana do “objeto para ele”e do “objeto para nós”, distinção em virtude da qual alguma coisa é em si para aconsciência e, num outro momento, é o saber ou o ser do objeto para aconsciência. Afirma Heidegger:

Nós, que mediatizamos, nos é preciso necessariamente tomar paranós a título de primeiro objeto o saber que, como tal, pode serassim sabido, que de si ele não requer justamente nada de outroque a simples apreensão (Aufassen). [...] Esse imediato como

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objeto do saber que é, para nós que sabemos absolutamente, oobjeto imediato, Hegel o chama o ente. Temos então no nossosaber dois objetos, ou duas vezes um objeto – [...] porque paranós, o que é objeto é fundamentalmente e constantemente o saberque, de acordo com sua essência formal, tem seu objeto e o trazcom ele. Essa relação, é aquela que Hegel exprime com acuidadedissociando o “objeto para nós” e o “objeto para ele” – “para ele”quer dizer para o saber que a cada vez é o objeto para nós. Mas namedida em que o saber que é nosso objeto não é saber que porquealguma coisa é sabida por ele, ao objeto para nós pertenceprecisamente o objeto para ele”9 (Heidegger, 1984, p. 91).

Dessa forma, apesar de, por vezes, o trabalho com a Fenomenologia doespírito ser extremamente difícil e cansativo, e parecer não esclarecer o pontode aproximação que interessa neste trabalho, foi preciso, assim como para aconsciência é preciso, paciência para percorrer o caminho e fazer a experiênciacom a consciência, para que a relação da coisa ao conceito fosse iluminada econseguíssemos ver surgir a necessidade lógica no suceder das figuras. E atravésdessa necessidade lógica é possível acompanhar o desenvolvimento, diferenteem cada figura, da unidade entre o pensamento e o ser, entre o subjetivo e oobjetivo, isto é, o desenvolvimento do conceito. Desenvolvimento este que é, elemesmo, propriamente um fenômeno, isto é, um aparecer para em seguidadesaparecer numa formulação mais elevada. Encontramos em Heidegger (1984,p. 184) que “o fenômeno não é somente aparência, mas na desaparição algumacoisa vem ao parecer”10. Assim, o fenômeno surge como uma totalidade do

9 Nous, qui médiatisons, il nous faut nécessairement prendre por nous à titre de premier objetle savoir qui, comme tel, peut être ainsi su que de soi il ne requiàre justement rien d’autre quela simple appréhension (Auffassen). [...] Cet immédiat comme objet du savoir qui est, pournous qui savons absolument, l’objet immédiat, Hegel l’appelle l’étant. Nous avons donc dansnotre savoir deux objets, ou deux fois un objet – [...] car pour nous, ce qui est objet, c’estfondamentalement et constamment le savoir qui, lui-même et derechef, conformément à sonessence formelle, a son objet et l’apporte avec lui. Ce rapport, c’est celui que Hegel exprimeavec acuité en dissociant “l’objet pour nous” et “l’objet pour lui”– “pour lui”, c’est-à-dire pour lesavoir qui à chaque fois est objet pour nous. Mas dans la mesure où le savoir qui est notreobjet n’est savoir que parce que quelque chose est su pour lui, à l’objet pour nous appartientprécisément l’objet pour lui.10 [...] le phénomène n’est pas seulement apparence, mais que dans la disparition quelquechose vient au paraître.

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aparecer no sentido de que ele é um suprassumir-se-a-si-mesmo que guarda omomento anterior em si como negativo, o que, como se sabe, não é possívelpara um ser que imediatamente é em si mesmo um não-ser, ou seja, um ser queé só aparência, e não fenômeno.

Foi preciso a paciência que é destacada por Hegel na Fenomenologia doespírito para, através do meio, chegar ao fim. “A impaciência exige o impossível,ou seja, a obtenção do fim sem os meios”, diz-nos Hegel (2002, p. 42). A sua FEé justamente esse meio.

Assim que, pela indicação de Lacan à relação entre a coisa e o conceitono sistema filosófico de Hegel, é possível pensar a fala numa análise comotendo uma função semelhante à atividade ou trabalho da consciência, qual seja,desdobrar ou trazer à luz a coisa no conceito. Uma vez que o conceito – que,como sabemos, é a unidade entre pensamento e ser – é colocado por Lacan dolado da fala, que coisa seria esta que seria desdobrada no conceito, no caso deuma análise, logo, nesta experiência do inconsciente? Trata-se, de uma “coisadiscursiva”, para fazer oposição à coisa, tal como denominada por Freud de dasDing, a coisa única e exclusivamente no registro do real, logo, como esseinapreensível que, enquanto tal, funciona como o marco mítico em que se apoiatodo o trabalho do aparelho psíquico; ou seja, a das Ding se apresenta e se isolacomo o termo estranho em torno do qual gira todo o movimento da Vorstellung,das representações.

O que é desdobrado em uma análise são os significantes (conceitolacaniano que reúne os dois tipos de representações postuladas por Freud – arepresentação-coisa e a representação-palavra, isto é, o que aqui é denominadode a “coisa discursiva”). Significantes estes que, por suas propriedades dearticulação [fonemas – elemento diferencial último – e cadeia significante – modode ligação dos fonemas]11, trazem neles as relações com outros significantesenquanto o que é conservado e o que é superado nessa dialética – dialéticasignificante, como Lacan (Manuscrito inédito, p.181) vem a chamar no Seminário5. Assim, os significantes – essa “coisa discursiva” – deslizam pela fala e fazemsurgir o inconsciente. Chega-se, por paradoxal que seja, ao fato de que essetrabalho da fala, que tem a mesma função que o trabalho da consciência hegeliana,faz surgir o inconsciente. É assim que a dialética transforma-se, na psicanálise,em dialética significante.

11 Sobre tais propriedades do significante, ver texto de Lacan: A instância da letra no inconscienteou a razão desde Freud, Escritos (Lacan, 1998, p.496-533).

Heloisa Marcon

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A fala tem função criadora, como formulou Lacan, para escapar daregressão ao infinito, na medida em que, a partir da aproximação ao sistemafilosófico de Hegel, o estatuto dessa criação é fenomênico, isto é, na medidaem que essa experiência de desdobrar a coisa no seu conceito é um aparecer,um surgir no mundo – numa certa figuração -, para, em seguida, desaparecernuma formulação mais elevada dessa unidade entre pensamento e ser. A falatem função criadora na medida em que desdobra – pelo menos tem essapotência, que, é verdade, nem sempre, é atualizada – diferentemente o conceito,os significantes, numa nova articulação.

Essa função constituinte e determinante da fala – de ser criadora – garanteque a procura psicanalítica pelos múltiplos sentidos de uma fala não seja semfim, porque, como consequência dessa aproximação a Hegel, temos que, quandoestamos no domínio da fala, estamos sempre diante da coisa ou do conceito –no caso, a “coisa discursiva”, os significantes – nos seus diferentesdesdobramentos, o que evita a regressão ao infinito desses múltiplos querer-dizer e, ainda mais, dá um lugar privilegiado à fala como dotada de uma potênciaoriginal na formação do sentido.

REFERÊNCIASHEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Rio de Janeiro: EditoraVozes, 2002.HEIDEGGER, Martin. La “Phénomenologie de l’esprit” de Hegel. Paris: ÉditionsGallimard, 1984.LACAN, Jacques. As formações do inconsciente – Seminário, livro 5 [1957-58].Manuscrito inédito. Traduzido por Paulo Medeiros. Para uso interno do Recorte dePsicanálise.________. Le séminaire de Jacques Lacan: les écrits techniques de Freud, livre I,1953-1954. Paris: Éditions du Seuil, 1975.________. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud [1957].In:LACAN. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p.496-533.

Recebido em 02/12/2010Aceito em 07/01/2011

Revisado por Maria Ângela Bulhões

VARIAÇÕES

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O povo ficou intrigado com o acontecido,cada um tem a sua opinião. Ela acendeu muita vela, pediu proteção,

mas ninguém descobriu como foi que ele se transformou.Paulinho da Viola

Filme: Tabou, direção de Orane Burri, 2008Algumas observações iniciais

Não se pode comentar este documentário sem reconhecer o impacto dotema. É impossível debater aspectos conceituais, sejam eles psicanalíticos

– ou de outras tantas disciplinas que se ocuparam deste evento na condiçãohumana – estéticos, filmográficos e mesmo existenciais, sem reconhecer osefeitos desse ato que pode parecer tão absurdo e brutal. Discuti-lo publicamenteé uma forma de compartilhar esse reconhecimento, tomando-o como umtestemunho e não como espetáculo. Testamento imagético de um ato que captaas palavras de quem ficou, para o qual não há considerações totalizantes,tampouco terapias especializadas.

TABOU: NOTAS SOBRE UMSUICÍDIO DOCUMENTADO1

Robson Pereira2

1 Texto baseado no trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Dizer e fazer emanálise, realizadas em Porto Alegre, novembro de 2010.2 Psicanalista; Membro da APPOA. Publicou, entre outros: O divã e a tela – cinema e psicanálise(Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2011) e Sargento Pimenta forever (Porto Alegre: Libretos, 2007).E-mail: [email protected]

Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 39, p. 139-152, jul./dez. 2010

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Uma segunda observação prévia: temos que aceitar as limitações do texto,sem as imagens do documentário. Por isso, optamos por um relato que tentaacompanhar a sequência do filme, permeada por observações. Essasobservações/associações vão mudando, com acréscimos, olhares diferentes, acada vez que retornamos à película. Como se fossem cenas adicionais de ummesmo filme. Uma maneira de nos demonstrar a resistência enfrentada face àangustiante força das imagens e do relato.

Outras associações

Inevitável, para os que praticam a psicanálise, lembrar de Totem e tabu,de Freud ([1912-13] 1989) – cuja última palavra nomeia o filme – e escrito noqual o primeiro psicanalista narra o nascimento mítico de nossa cultura a partirdo assassinato do pai da horda primitiva. A fratria resultante instaura a lei queorganiza os laços sociais, e deixa a culpa primordial como legado dessaorganização. Culpa; termo que na língua alemã escreve-se como sinônimo dedívida. Dívida com o pai, que no cristianismo é ponto central. Sem falar que emsua primeira exibição na tevê sueca3, em horário nobre, Tabou provocou polêmica;pois muitos manifestaram sua contrariedade com o tema, achando que é melhornão falar, tampouco mostrar assunto tão constrangedor. A resposta não é simples.Mas Orane Burri, a diretora, e as pessoas que deram seu aval e contribuiçãopara o filme acreditaram na possibilidade de elaboração, após ter que lidar comato tão definitivo4.

3 Em maio de 2010, Tabou foi exibido no INPUT – International Public Television, (nesse anorealizado em Budapeste, Hungria), despertando grande interesse dos críticos e público presente.O que motivou sua vinda a Porto Alegre em outubro de 2010 para a mostra O melhor do Input,realizado no Instituto Goethe. O INPUT é uma conferência anual dedicada à televisão de interessepúblico. É um evento realizado em um país diferente a cada edição há 28 anos. Tem comoobjetivo incentivar o desenvolvimento de uma televisão a serviço da formação da cidadania,promover uma melhor compreensão entre as diferentes culturas e debater os programas maismarcantes de todo o mundo. A ideia surgiu a partir de um seminário organizado pela FundaçãoRockefeller em Bellagio, na ltália, em maio de 1977. A coordenação do evento organiza outrasatividades em dezenas de países. Anualmente acontece em Porto Alegre o Mini-Input, a fim depromover um debate sobre televisão entre produtores, diretores e roteiristas. Organizaçãovoluntária, apoiada por entidades de televisão – públicas e privadas –, instituições e fundaçõesinternacionais, o Mini-Input aconteceu em 2010 pelo nono ano consecutivo em Porto Alegre,numa parceria entre o Instituto Goethe e Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, trazendouma seleção de 16 programas apresentados na última conferência do INPUT, produzidos em 10diferentes países. Endereço: www.input-tv.org4 Vide Jacques Lacan ([1967-68] s/d), Seminário O ato psicanalítico.

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O suicídio continua sendo um tema tabu em nossa cultura ocidental,judaico/cristã, monoteísta. Talvez as únicas referências diferentes importantespara nós, em que o suicídio tem um significado culturalmente diferente seja noImpério (e na República) romano e no Japão imperial (leia-se até o fim da IIGuerra mundial, quando o Império se viu derrotado). Nestes tempos e lugares,suicidar-se era uma questão de honra, uma chance de o sujeito ter um últimoato honrado.

No século XIX, Émile Durkheim ([1897] 2008) escreveu o primeiro tratadosociológico, a primeira pesquisa etnográfica sobre o suicídio. Sua pesquisa éreferência ainda hoje, ao classificar os modos de suicídio como egoísta/existencial, altruísta e resultado da anomia social.

No século XX, recentemente terminado, entre obras importantes que tratamdo tema, Albert Camus ([1942]) escreveu em O mito de Sísifo: o suicídio é agrande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida vale a pena ou nãoser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia (talvez únicaquestão filosófica séria, arrematava o autor).

Mais recentemente,

O livro Pastoral clínica, de Ângela Garcia (2010), trata antropologicamentede uma pesquisa no México, na região onde há os mais altos índices de adiçãoà heroína e, por conseguinte, a taxa de mortalidade por overdose também. Aautora chega a nomear suicide as a form of life, um dos capítulos do livro,analisando alguns casos nos quais considera que o uso continuado da heroínafoi uma maneira de encurtar a vida e também de enfrentar uma série de sofrimentosno corpo, nas relações amorosas, ou na impossibilidade delas. Não banaliza,nem julga as condutas mais ou menos marginais de quem faz o trajeto nafronteira, nos limites da experiência de vida e de morte.

A revista Wired, de março de 2011, fez uma extensa reportagem sobre ossuicídios na empresa Foxconn, situada na província de Shenzhen, China, maiorfábrica de componentes eletrônicos do mundo; as plataformas mais modernas,dos itens mais desejados do momento (I-phones, I-pads, notebooks,smartphones), utilizam sua tecnologia. Título: 1 million workers. 90 million iphones.17 suicides...This is where your gadgets come from. Should you care?5. E não

5 1 milhão de trabalhadores. 90 milhões de I-phones. 17 suicídios... Aqui é o lugar onde seusbrinquedinhos são feitos. Você deveria se importar com isto? (Tradução do autor).

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pense que o lugar é um daqueles filmes de terror imaginado por algum inimigodo capitalismo avançado, ou da tecnologia; onde os trabalhadores vivem emregime de semi-escravidão, dormindo em catres e alojamentos lúgubres e comjornadas de 16 horas. Ao contrário, as condições de trabalho são as melhores,o salário é dos mais altos, o ambiente é limpo, com bares, restaurantes, lugarespara convivência. Há dormitórios coletivos, porém eles se parecem mais aoscampi universitários americanos. Além disso, ninguém é obrigado a dormir nosalojamentos da fábrica; há transporte regular para as cidades vizinhas, onde ostrabalhadores podem residir com suas famílias. E, mesmo assim, as pessoasse matam. Na maior parte por defenestração, ou se atirando dos telhados evãos livres entre os edifícios; o que fez com que redes de proteção se integrassemà paisagem cotidiana. Como marcas visíveis da impossibilidade de estancaruma hemorragia. Curiosamente, os suicídios começaram a ser notados a partirde 2007 (quase vinte anos depois da primeira planta instalada); até então eramraros. Porém, entre março e maio de 2010, nove pessoas se atiraram dos telhadosou de outros lugares e, apesar dos esforços de contenção, vem se repetindo. Areportagem tenta abordar, ou chamar atenção dos consumidores. Mais umavez, a culpa se revela na pergunta: você deveria se importar com isao quandocompra um I-phone novo?

No Brasil, e especialmente no Rio Grande do Sul, há pesquisas sendolevadas a efeito, tendo por base os municípios onde são registradas as maisaltas incidências de suicídio. Acrescente-se que, internacionalmente, a OMSconcedeu um status preocupante aos índices de suicídio somente a partir dametade da década passada. A partir dessa tomada de posição, os governosnacionais passaram a incentivar as pesquisas e grupos de estudo e intervenção,que já vinham levando seus esforços adiante.

Como vemos, o tema é tão importante que diversas áreas tentam abordá-lo, seja sob a ótica da ficção ou da pesquisa; desde a filosofia, passando pelasartes modernas e antigas, a religião, a música popular6 ou mesmo a literatura, oteatro entre outros. No cinema, uma das primeiras referências é Tabu, de F.Murnau, 1931 – o tema era a perda da inocência num paraíso idealizado –mares do sul, Tahiti. Duas partes: paraíso e perda do paraíso – representadopelo colonialismo. A novidade do colonialismo, junto com a forma de ocupaçãodas colônias e encontro com uma cultura diferente, era incapaz de responder

6 Entre as muitas músicas, fazemos referência a esta citada na epígrafe: Comprimido, crônica deum suicídio, lançado no LP Nervos de Aço, de Paulinho da Viola.

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aos conflitos entre a tradição e a modernidade dos povos do Pacífico sul. Ocasal de apaixonados, protagonistas do filme, não consegue resolver o impassepor meio do amor.

Para citar outras obras, Louis Malle produziu Trinta anos esta noite, em1969, e François Truffaut dirigiu A mulher do lado, sobre o casal de amantes queopta pelo suicídio. Mais recentemente, há alguns anos, o tema da documentaçãoda morte, ainda que de forma ficcional, foi abordado no cinema, através de umroteiro em que um programa de televisão pagava para que pessoas com doençasterminais, ou que iam tirar a própria vida, se deixassem filmar. Uma rápidapesquisa pela internet vai mostrar a quantidade de filmes tratando do tema emesmo de outros temas tabus. Mas o caso de Tabou é diferente. Não se trataexatamente de uma ficção.

O filme

Tabou foi exibido pela televisão sueca, no segundo semestre de 2010.Horário nobre, 21h. Momento em que no Brasil a tevê aberta exibe a novela “dasoito”, nosso folhetim diário. Provocou muitas manifestações: desde críticas pelorisco de se exibir um documentário assim, até defesas de que a melhor prevenção(se é que ela existe e de que tipo) é o esclarecimento, por mais sofrido que eleseja. Atualmente, o documentário e sua diretora percorrem a Europa e algunspaíses da América fazendo essa discussão7 e ajudando a mostrar as iniciativasde cada lugar.

Aspectos cinematográficos ou de filmagem propriamente ditos: roteiro,edição, música, material para o documentário e outros foram pouco examinados.A dificuldade residiu justamente no tema e na fonte material que o filme aborda.

O filme começa com uma estação e início da viagem de trem e, bem noinício, com uma declaração, um depoimento expressando as razões da diretora:feito para tentar dar algum sentido àquilo que ela tinha recebido como herança.Custou-lhe vários anos, quase dez, até decidir-se por realizar o documentário.Ao longo da película vamos sabendo das razões desse endereçamento. Hátambém uma voz masculina incentivando a feitura do filme a partir do acervo defitas cassetes/vídeo gravadas pelo próprio Thomas Mendez, que resolveu filmarminuciosamente os últimos seis meses de sua vida. Marcando data para cometersuicídio (01/10/1998).

7 No site www.oraneburri.com há um extenso histórico do filme e de seu percurso até agora. Ogrupo no Facebook pode ser acessado em: Tabou Le film.

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A viagem de trem expressa a viagem empreendida pela diretora para,retroativamente, com ajuda dos seus entrevistados e da edição de imagens,buscar sentido para um ato que excede qualquer sentido limitador, fechado8.Voltar atrás para tentar encontrar outra saída que não a “saída de emergência”(como aparece nas imagens iniciais), ou tentar aproximar-se, de uma maneiraelaborativa, da “saída de emergência desesperada” pela qual seu amigo Thomashavia enveredado.

Vários autores referem-se a esse trabalho realizado com parentes e amigoscomo fundamental para uma elaboração psíquica. Além disso, enfatizam que apossibilidade de alguma prevenção está também no contato com o círculo familiare de amigos. Entretanto, ao falar sobre os efeitos, podemos acrescentar quesempre haverá este buraco/furo no entendimento de um ato dessa natureza.Retomar a discussão possibilita a elaboração: de uma morte cujos efeitosviolentos são sentidos por todos os que estão próximos e um luto compartilhadopara que o morto possa ser enterrado e a culpa possa ser esvaziada, tomandoessa dimensão simbólica que se tem com os mortos e a morte. Em outraspalavras, somos organizados pela linguagem, que tem na dimensão do Outroseu lugar de enunciação. Lembrando outra elaboração de Lacan ao trabalhar oenlaçamento topológico das dimensões que organizam o sujeito (RSI) que avida está compreendida na dimensão do real, e a morte, no simbólico.

Estamos diante de um ato que mostra os limites da palavra, os limites daimagem e simultaneamente, a potência dessa mesma palavra ao radicalizarsua impotência. Ao mostrar o fracasso da relação com o outro e com o mundorevela simultaneamente, sua articulação impossível de ser desfeita. RetomamosFreud ([1929] 1989), que, ao relacionar as três grandes fontes do mal-estar emnossa cultura (natureza e corpo as duas primeiras), escreveu que a relação como outro/semelhante talvez seja a mais difícil de lidar. Além disso, em diversos deseus textos Freud fez referência ao suicídio, sem tentar uma teoria geral9. Coma retomada freudiana de Lacan ([1960-61] 1992), a psicanálise considera queesse outro ao qual nos referimos não se resume ao semelhante. O reconhecimentodo inconsciente possibilita confrontar o sujeito com o pequeno a (outro) em suadimensão de imagem do semelhante i(a) e como objeto de desejo inapreensível,

8 Lacan ([1967-68] s/d) diz, no Seminário O ato psicanalítico, que o suicídio é o único atorealmente logrado. Os outros atos humanos se caracterizam por serem falhos.9 A este respeito, leia-se o trabalho Inconsciente e suicídios, de Enrique Rattin, apresentado emMontevidéu, 2009, por ocasião do XXV Congresso Mundial de prevenção ao suicídio.

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mas sempre revestido como um Sileno que esconde o ágalma. Simultaneamentea essa, há uma dimensão do A (grande Outro), campo da linguagem e dascondições de enunciação, com o qual o sujeito lida através do enlaçamento dasdimensões simbólicas, imaginárias e reais. Seus efeitos, as condições de lidarcom a falta no Outro, tramam as saídas de emergência do real ou simbólicas.

Entrevistas iniciais do documentário

Irmã, Mannon Mendez: “Não consegui ver nada do que estava aconte-cendo”.

Mãe, Eve Putsch: “Cena inimaginável, voltar de viagem, abrir a porta edeparar-se com o filho morto”.

Amigo, Pascal: chora quando lembra o momento que recebeu a notícia,“Thomas meteu três tiros na cabeça”. Ele relembra os filmes que fizeram e, aolongo do filme, o progressivo distanciamento do amigo.

Thomas: decidiu, em 1999, filmar os últimos seis meses de vida. Emuma das primeiras cenas, faz panorâmica de seu quarto de trabalho, onde lê,toca violão e trabalha em suas trilhas sonoras. Uma delas para o filme de Orane,sua amiga cineasta e a quem ele admira. Vê sua mãe como presente e atéinvasiva de sua privacidade; nos depoimentos dela aparecem as qualidades epotencialidades talentosas do filho. Apenas isto? Veremos mais tarde do queela vai se dar conta.

Thomas sonha em ser “filmaker”: escreve roteiros, realizou curtas,humorísticos, irônicos com a religião, o consumo e a crença das pessoas naspotencialidades mágicas dos produtos (na linha dos Monthy Pyton). Ironiza omote “Red Bull te dá asas” em um de seus esquetes.

Sua irmã é mais crítica: fala sobre seu relacionamento, quando tinhaidentidade com o irmão, iam ao cinema, gostavam de discutir filmes, mas elapercebia que “ele não conseguia encontrar os meios de realizar suaspotencialidades, seus sonhos”.

Thomas faz declaração à câmera: “Não quero apenas sobreviver, não querofazer isto por 50 anos, não posso aceitar! Estou nesta situação, a mesma destaspessoas que não se questionam sobre isto, que aceitam esta vida louca”.

Obs: não há espaço para surpresas. Ele escreveu e finalizou o roteiro desua vida. Única possibilidade de controlar tudo, de obter a solução final/inteirapara todas as dúvidas e angústias. Vemos isto ao longo dos meses, quandoparece que até os últimos dias ele não parecia dar-se conta que se tratava desua própria morte. O que nos leva a considerar a ideia explicitada por sua irmãde que Thomas estava obsessionado/pressionado pela ideia de se matar, nãopela morte propriamente dita.

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Os meses documentadosAbril

Aos 22 anos, Thomas não sabe o que é o amor: “Não sei como funcionaa diferença entre o amor romântico, o sexual e o fraterno”.

Sente-se só. Está “apaixonado” por Orane, mas não consegue seexpressar. E ainda recebeu uma resposta negativa às suas pretensões de iralém da relação de trabalho e coleguismo.

Amigo Valeri-Antoine (Valero, como Thomas o chama) faz boainterpretação: “Thomas não quer se arriscar aos desígnios do amor. Fecha-se”.

MaioContinua o relato da desdita amorosa (amor romântico sempre foi

desditado, a bela pertence ao outro). Nesse caso, ela ainda pertence ao Outro;pois não aparece o ciúme por um rival, não está personalizado.

Filma Orane, mas não consegue declarar seu amor por ela. O queconsegue fazer é apontar a jovem como seu objeto idealizado, em todos ossentidos: “Com 17 anos, ela já filma e escreve como ele jamais conseguiráfazer”, diz Thomas a seu respeito. Sente-se ridículo – mas só consegue filmá-lae filmar seus depoimentos – a câmera é seu interlocutor.

Isto Orane levou quase dez anos para elaborar. Ela é objeto, destinatáriodas filmagens. Por isto ela voltou (na viagem de trem) para revisitar os lugares.A resposta teria que ser dada em termos de linguagem cinematográfica.

Num desses dias de conversa e filmagem, ela perguntou se ele pretendiase matar: a resposta foi um solene “Não”.

Entretanto sua declaração sobre se conhecer cada vez mais a cada dia,e que por isto não queria continuar vivendo, é uma contradição. Dá mostra deseu desconhecimento. Como? A vida não é um conhecimento progressivo; muitasvezes, ao contrário: a repetição que vivemos mostra apenas uma parte daexperiência e o quanto ignoramos a respeito de nós mesmos.

JunhoCaixa de aniversário: presente para Orane, onde uma profusão de objetos

tenta demonstrar seu amor e carinho. Chega a mencionar sua ideia de namorar,mas entende a resposta como um desejo de simples amizade da parte dela.

Sua obsessão por Orane é algo que se nota de maneira mais intensa acada vez que revemos o filme. Ela fez o trabalho/filme para lidar com esteendereçamento. Fardo pesado demais para carregar sozinha. Cada um lidapessoalmente, com seus fantasmas, com um ato tão brutal. A questão é: comoarticular essa complexidade; pois a simples reunião das histórias não dá conta;porém, pode fazer um pouco de suporte contra a violência. Por isso, buscar os

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depoimentos dos parentes e amigos é fundamental, porque mostra que nãopodemos enfrentar a morte do outro como uma mensagem exclusiva para nós:os outros estão implicados também. O ato suicida busca implicar os outros, aomostrar o fracasso dessa relação complexa com o outro semelhante e com oOutro.

Amigo Valero: “Ele estava obcecado pela solução final e não conseguialidar com as questões parciais da vida. Por um momento estivemos identificados.Depois encontrei minha mulher, meu trabalho e nossos caminhos foram seafastando. Ele me ligava, parecia querer falar algo importante; mas sempre queeu tentava aprofundar um assunto, ele recusava”. Depoimentos, como este,ajudam a dar sentido ao que resta sem sentido e a suportar a dor.

Thomas: “Me dei conta que a câmera é minha confidente”, situação que airmã e o amigo interpretaram posteriormente.

Mãe fala da surpresa de não se dar conta que seu filho, aos 22 anos,ainda era um adolescente e, simultaneamente, um menino, frágil, precisando deorientação.

Somente aqui a primeira menção à falta de um pai. O pai não aparece nofilme. Comparece por sua ausência. Não sabemos se está vivo, ou o queaconteceu. Somente esta frase: ele não tinha coragem de dizer ao pai o que lhedesagradava. Thomas considerava-se um sujeito cuja fragilidade os outros nãopercebiam; por sua ironia, distanciamento, mas interiormente estava em erupção.

JulhoSente-se morbidamente atraído pela morte e pelo sofrimento. Um

verdadeiro niilista. Às vezes hesita em dizer a alguém sobre suas intençõessuicidas. Valero foi quem chegou mais perto. Ele chega a supor como poderiatentar, como iniciaria a conversa.

Entretanto, ficava nervoso-irritado por Valero dirigir-se a ele de maneiratão paternal, tentando ajudar, por se identificar com sua experiência sofrida.Valero diz que percebia que Thomas se identificava com ele, como se pudessemcompreender alguma coisa comum. Porém, Valero não estava mais no mesmocaminho.

AgostoValero diz que procura a vida, com ajuda da namorada, atual mulher, e da

religiosidade. Thomas continuou buscando a morte.A vida não é um valor em si. Encontra-se valor nos detalhes, nas pequenas

coisas. Na maior parte do tempo, socialmente, na oferta dos objetos de consumo.Isso tenta fazer-nos esquecer que não há justificativa plausível, universal, para asustentação da vida. Mario Corso (2008) escreveu que a pergunta sobre as

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razões para valorizar a vida é uma “wrong question”, ou falsa questão; poisracionalmente a vida não tem sentido. Essa é uma das razões de por que Thomasencontrou uma racionalização para terminar com sua vida. A outra é a tentativade documentar seu fim. Controle ou tentativa de alcançar o outro de quem elesentia-se impotente para relacionar-se?

Durante o feriado, em que ele filmou e ainda dizia que havia se reencontradocom pessoas e antigos amigos, Orane pensou que ele poderia ter se suicidado.Não, ele respondeu que não iria se matar no verão, quando todas as pessoasestavam de férias. Queria gente no seu enterro. O suicídio ficava em suspensoa partir de questões prosaicas como esta e outras, tais como: como iriaacompanhar às aulas e se matar?

A solidão se acentua fortemente. Mãe acha que ele não conseguiuencontrar saídas para enfrentar a mudança de vida dos amigos – que tinhamnamorada, trabalho, etc...

Irmã: “Não conseguiu encontrar mais referências em nada, ficoucompletamente solitário”.

SetembroEncontrou Valero. Não consegue falar de seu sofrimento.Os depoimentos começam a ficar mais angustiados e intranquilos quando

fala sobre os preparativos, a data e os efeitos que causará nas pessoas e,principalmente, na mãe. Projeta se matar em 1º de outubro, morto. Ela volta dia2 (mãe tem uma viagem à China). Apenas na véspera do retorno. Não quer queela veja um cadáver apodrecendo. “Será duro para ela”. Imediatamente tambémfala da farsa sobre a consideração com os outros. É sua vida, quer dispor delacomo bem entender, pouco importam os outros e seus sentimentos.

Esta é a idealização: ser completamente independente/autônomo. E,simultaneamente, mostra-se tão dependente!

Valero interpreta essa agressividade contida no ato suicida.Obs: aqui podemos observar como a edição/montagem foi sendo articulada

com o depoimento de Thomas e as interpretações dos amigos. As imagenstornam-se mais rápidas e difusas, somando-se à crescente angústia dosdepoimentos de Thomas.

OutubroThomas Mendes deixa texto. Carta declaratória. A cronologia passa a ser

contada em horas:9 horas – sente-se mal.11 horas – descreve as diversas formas pelas quais pensou em tirar a vida e

nenhuma lhe pareceu ser adequada. Lembra-se da arma com 50 balas de munição.

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19 horas – seu desespero é visível. Tinha tudo sob controle e programado,e agora se desespera por hesitar.

Sua mãe chegou às 8h30min, a hora da morte foi por volta das 6h30mindo dia 02 de outubro.

*********************

Irmã: “Thomas tinha uma paixão por se matar, não exatamente pela morte.Parecia que no final, matar-se era uma imposição. Estava obrigado a fazê-lo,não podia recuar apesar de sua angústia e hesitação”.

Depoimentos póstumos

(Todos são, mas estes não estão mais entremeados com as filmagensde Thomas).

Irmã, mãe, amigosIrmã: “Há pessoas que fazem isto e para as quais não há tratamento.

Estão decididas. A questão é o que fazer? Talvez dizer algo aos jovens e aosnão-jovens. Lembremo-nos dos velhos que se suicidaram. Estes parecem quejá viveram algo e decidiram dar um fim a sua experiência”.

Amigo Valero: “Ele achava que eu entenderia seu ato e que certificaria.Não entendo e não certifico, não avalizo”.

Ambos (irmã e amigo): “Sempre há possibilidade de superar algo”.Mãe: “Só agora consigo dizer que é um ato estúpido, uma coisa estúpida

provocar tanto sofrimento, dor no outros e cortar com a possibilidade de aprendercom a vida.

O filme lhes dá a chance disto: superar, aprender algo. Quaseironicamente, é do gesto desesperado de Thomas que eles podem tirarconsequências. A topologia da vida é feita de corte e costura, perfuração e cesura.Thomas optou pelo corte final. Uma solução definitiva.

Um filme assim deve ser debatido/exibido. Testemunha uma possibilidadede elaborar o impacto causado pela morte de Thomas. Talvez possa servir paradar uma chance a outras pessoas, de não se deixarem tomar pelo desespero denão encontrar outra saída, por sentirem-se extremamente pressionadas pelosoutros e por sua própria exigência (que poderíamos dizer em outras palavras, terque cumprir com o imperativo do superego “Goza!”). Reconhecer a impossibilidadede cumprir com o ideal de exigência é um passo fundamental para transformar/realizar algo. Agarrar a chance, mesmo que seja por alguns pequenos/detalhes.

Orane encontrou outra “saída de emergência” daquela mostrada no iníciodo filme, tornando público o endereçamento, a herança que recebeu, para que

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ela não se transformasse em herança maldita, opressiva, sem luto. É uma formade fazer o luto e, como ela mesmo declarou, elaborar a culpa por não conseguirver os indícios. Fazer algo com “isso”, com o que ficou emudecido, no seu“savoir-faire” de fazer filmes encontrou uma saída. Essa pertinência é difícil deachar.

Coda

A OMS divulga que o suicídio é a segunda causa de mortes no mundo.Por isso, desde o início da década passada, incentiva fortemente os projetos depesquisa e prevenção do suicídio no âmbito público, universitário e deorganizações não-governamentais.

O Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS/RS) abriga o Centrode Promoção de Vida e Prevenção do Suicídio no Rio Grande do Sul (CPVPS) –pesquisa em quatro municípios gaúchos de grande incidência de suicídio. Médiabrasileira é de 4,7 por cem mil. Enquanto nesses lugares no Rio Grande do Sulchega a 9,9 por cem mil. Os municípios envolvidos são Candelária, VenâncioAires, Santa Cruz do Sul e São Lourenço do Sul.

O suicídio está entre as dez causas de maior incidência de morte. NoBrasil é a terceira, logo atrás dos acidentes de trânsito e de homicídios. Oproblema é que enquanto as campanhas contra acidentes no trânsito e mesmode redução dos homicídios – com armas de fogo e entre os jovens – conseguempequenos êxitos, o mesmo não ocorre em relação aos suicídios. Ano passado,2009, no Rio Grande do Sul, foram 1151 casos confirmados, de acordo com ocoordenador do CPVPS, Ricardo Nogueira (2010).

Associações e endereços de entidades assistenciais na Europa e América:No Uruguai:- Ultimo recurso – prevenção del suicídio. Instituição coordenada por Silvia

Peláez: “apostar na comunidade deve ser o primeiro recurso de prevenção aosuicídio”. Site: <http://www.ultimorecurso.com.uy/>

Na Argentina:- Grupo de Investigacion sobre crisis y suicídio. Editou publicações, entre

elas:YANPEY et alli. Crisis y suicídio. Buenos Aires: Grupo de Investigacion

sobre crisis y suicídio, A.P.A., 1998._____. Desesperacion y suicídio. Buenos Aires: Kagierman, 1992.Nos EUA, várias associações em diversos estados, em particular:- www.stopsuicide.ch- www.childrenaction.org

Tabou: notas sobre um suicídio...

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E as publicações: MEKHANN, Charles. Death on request.KELLEHEN, Michael J; MOTTO, Jerome A. Death on request. Crisis: the

journal of crisis intervention and suicide prevention, v. 16, n. 2, p. 92-95, 1995.Na Bahia:- NEPS (Núcleo de Prevenção do Suicídio), coordenado por Soraya Rigo,

ligado ao CIAVE (Centro de Informação Anti-Veneno).No ano de 2011, de 13 a 17 de setembro, teremos o XXVI Congresso

Mundial de prevenção ao suicídio, em Beijing (antiga Pequim), China.

REFERÊNCIASBURRI, Orane. Tabou. Título original: Tabou [Filme]. Direção de Orane Burri, Suíça,2008, Documentário, 52 min.CAMUS, Albert. O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo [1942]. Disponível em:<filosofocamus.sites.uol.com.br/Camus_sisifo_completol.htm>. Acesso em: 20 jul.2011.CORSO, Mario. A pergunta errada. Zero Hora, Porto Alegre, 26 maio 2008.DURKHEIM, Émile. O suicídio [1897]. São Paulo: Martin Claret, 2008.FREUD, Sigmund. Tótem y tabú [1912-13]. In: ______. Obras completas. BuenosAires: Amorrortu, 1989. v. 13.______. El malestar en la cultura [1929]. In: ______. ______. v. 21.GARCIA, Ângela. The pastoral clinic: addiction and dispossession along the RioGrande. Berkeley: University of Califórnia Press, 2010.JOHNSON, Joel. My gadget guilt (this is an I-phone factory in Chine. Seventeen of thecompany’s workers have commited suicide. It’s your fault?). Wired, p. 96-103, mar.2011. Disponível em: <www. wired.com.pt.mk.gd/magazine/2011/02/ff_joelinchina/>.Acesso em: 20 jul. 2011.LACAN, Jacques. O seminário, livro 8: a transferência [1960-61]. Rio de Janeiro:Zahar, 1992.______. O ato psicanalítico – seminário [1967-68]. Porto Alegre: Escola de EstudosPsicanalíticos, s/d. (Publicação interna)MALLE, Louis. Trinta anos esta noite. Título original: Le feu follet [Filme-vídeo]. Direçãode Louis Malle, roteiro de Louis Malle e Pierre Drieu La Rochelle. França, Itália, 1969.Drama, P& B, 108 min.MURNAU, F. W. Tabu. Título original: Tabu – a story of the south seas [Filme-vídeo].Direção de F. W. Murnau e Robert Flaherty. Estados Unidos da América. DistribuiçãoMagnus Opus, 1931. Arte, P&B, Mudo, 81 min., Dolby digital 2.0.NOGUEIRA, Ricardo . Correio do Povo , 31 ago. 2010. Disponívele m : < w w w . c o r r e i o d o p o v o . c o m . b r / i m p r e s s o /?ano=115&numero=335&caderno=0&noticia=189954>. Acesso em: 20 jul. 2011.RATTIN, Enrique. Inconsciente e suicídios. Trabalho apresentado no XXV CongressoMundial de prevenção ao suicídio, Montevideu. 2009. Disponível em: <http://convergencia.aocc.free.fr/texte/rattin-e.htm>. Acesso em: 20 jul. 2011.

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Robson Pereira

152152

TRUFFAUT, François. A mulher do lado. Título original: La femme d’ à cote [Filme-vídeo]. Direção de François Truffaut. França, 1981. Drama, Romance, Cor, 106 min.VIOLA, Paulinho da. Comprimido. Nervos de aço – LP, 1973.

Recebido em 5/07/2011Aceito em 16/07/2011

Revisado por Valéria Rilho

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torial da Revista e consultores ad hoc, quando se fizer necessário.Os autores serão notificados da aceitação ou não dos textos. Caso se-

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Aprovado o artigo, o mesmo deverá ser enviado para a APPOA, aos cui-dados da Revista, por e-mail.

II DIREITOS AUTORAISA aprovação dos textos implica a permissão de publicação, sem ônus,

nesta Revista. O autor continuará a deter os direitos autorais para futuras publi-cações.

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micos, publicações de livros, formação profissional, inserção institucional, e-mail; resumo (com até 90 palavras); palavras-chaves (de 3 a 5 substantivosseparados por vírgula); abstract (versão em inglês do resumo); keywords (versãoem inglês das palavras-chaves).

– no corpo do texto, deverá conter título; usar itálico para as palavras e/ouexpressões em destaque e para os títulos de obras referidas.

– Notas de rodapé: as notas, inclusive as referentes ao título e aos crédi-tos do autor, serão indicadas por algarismos arábicos ao longo do texto.

IV REFERÊNCIAS E CITAÇÕESNo corpo do texto, a referência a autores deverá ser feita somente menci-

onando o sobrenome (em caixa baixa), acrescido do ano da obra. No caso deautores cujo ano do texto é relevante, colocá-lo antes do ano da edição utiliza-da.

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alfabética pelo último nome do autor, conforme os modelos abaixo:

OBRA NA TOTALIDADEBLEICHMAR, Hugo. O narcisismo; estudo sobre a enunciação e a gra-

mática inconsciente. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente

[1957-1958]. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1999.

PARTE DE OBRACALLIGARIS, Contardo. O grande casamenteiro. In: CALLIGARIS, C. et

al. O laço conjugal. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1994. p. 11-24.CHAUI, Marilena. Laços do desejo. In: NOVAES, Adauto (Org). O desejo.

São Paulo: Comp. das Letras, 1993. p. 21-9.FREUD, Sigmund. El “Moises” de Miguel Angel [1914]. In: ______. Obras

completas. 4. ed. Madrid: Bibl. Nueva, 1981. v. 2.

ARTIGO DE PERIÓDICOCHEMAMA, Roland. Onde se inventa o Brasil? Cadernos da APPOA,

Porto Alegre, n. 71, p. 12-20, ago. 1999.HASSOUN, J. Os três tempos da constituição do inconsciente. Revista

da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 14, p. 43-53, mar.1998.

ARTIGO DE JORNALCARLE, Ricardo. O homem inventou a identidade feminina. Entrevista

com Maria Rita Kehl. Zero Hora, Porto Alegre, 5 dez. 1998. Caderno Cultura, p.4-5.

DISSERTAÇÃO DE MESTRADOKARAM, Henriete. Sensorialidade e liminaridade em “Ensaio sobre a

cegueira”, de J. Saramago. 2003. 179 f. Dissertação (Mestrado em Teoria Lite-rária). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande doSul, Porto Alegre. 2003.

TESE DE DOUTORADOSETTINERI, Francisco Franke. Quando falar é tratar: o funcionamento da

linguagem nas intervenções do psicanalista. 2001. 144 f. Tese (Doutorado emLingüística Aplicada). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul, Porto Alegre. 2001.

DOCUMENTO`ELETRÔNICOVALENTE, Rubens. Governo reforça controle de psicocirurgias. Disponí-

vel em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff01102003 23.htm>. Acessoem: 25 fev. 2003.

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