Exposição e Método Dialético Em O Capital

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  • 7/25/2019 Exposio e Mtodo Dialtico Em O Capital

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    Exposio e Mtodo Dialtico em "O Capital"

    Marcos Lutz Mller

    Professor do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas (IFCH),

    UNICAMP. Extrado do Boletim Seaf, n 2, Belo Horizonte, 1982.

    A progressiva perda de especificidade metodolgica do conceito de dialtica,paralela generalizao do seu uso e sua ampliao semntica, desembocou, hoje,nas verses no ortodoxas ou humanistas do marxismo, numa comprometedoradiluio terica do conceito, reduzido, muitas vezes, a um adjetivo pleonstico quequalifica um substantivo inexistente, ou, no marxismo-leninismo convertido em viso

    de mundo, no seu alinhamento ideolgico, que evita voluntariamente aquela diluiopela invocao dogmtica das trs leis de Engels, reabilitadas em 1956.

    Mas nenhum dos elementos constitutivos ou dimenses da dialtica comomtodo foi to atingida por esta dissoluo terica e soterrada pelo esquecimentoquanto a caracterizada pelo conceito de exposio (Darstellung), que indicava paraHegel e para o Marx de O Capitala explicitao racional imanente do prprio objeto e aexigncia de s nela incluir aquilo que foi adequadamente compreendido (1). Quandono se desprezou ou recusou pura e simplesmente o carter dialtico do mtodo de OCapital como um hegelianismo comprometedor, descartando simultaneamente oconceito de uma exposio dialtica enquanto mtodo, como j fizera o primeiro

    resenhista russo de O Capitala que Marx se refere no Posfcio segunda edio (2), ecomo fizeram muitos outros, posteriormente (Bhm-Bawerk, Schumpeter), seja paralouvar o verdadeiro trabalho cientfico de Marx e distingui-lo da exposio dialtica, sejapara julg-lo comprometido por esta e rejeitar ambos, quando no ocorreu isso, apagou-se, aos poucos, a conscincia da especificidade filosfica da 'exposio' enquantoconceito inserido numa determinada tradio, retomando-se a conhecida contraposiode Marx entre 'mtodo de exposio' e mtodo de investigao" (3), para acentuarapenas a necessidade de um esforo prvio de apropriao analtica do objeto anterior sua exposio metdica. Sobre o carter desta exposio metdica existe a maior faltade clareza. Quando no se toma o termo 'exposio' no seu sentido comum de discurso,

    de texto escrito (ou falado) que se organiza metodicamente conforme o encadeamentodas proposies, transferindo-se o nus da dialtica para o mtodo de pesquisa, presta-se uma homenagem encabulada ou puramente verbal ao carter dialtico da exposio,concebido vagamente como um mtodo gentico. J Hegel dizia que o mais difcil produzir a exposio da coisa, enquanto ela deve unificar a sua crtica e a sua apreenso(4).

    Face a essa dissoluo do conceito de dialtica, contrabalanada apenas pelo seuenrijecimento dogmtico correspondente ao seu alinhamento ideolgico na ortodoxiamarxista-leninista, imps-se, nos ltimos anos, como j em circunstncias histricasanteriores, a tarefa de banhar, mais uma vez, a dialtica marxista nas suas fontes

    filosficas imediatas, para questionar a interpretao cannica iniciada por Engels eLenin. Trata-se de melhor compreender a motivao original que levou Marx a

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    comprometer-se com o caroo racional (5) da dialtica hegeliana e a conceber aexequibilidade de uma transformao materialista da dialtica, atravs da crtica frontalaos seus pressupostos idealistas em Hegel e atravs da mutao que ela sofre enquantoinstrumento de exposio sistemtica e crtica da economia poltica. claro que esteempreendimento s teria a sua justificao plena passando por uma desconstruo

    hermenutica da histria da atuao da dialtica na tradio terica e prtica domarxismo enquanto pensamento que se pretende ligado histria do movimentooperrio. Mas esta uma tarefa quase interminvel e que ultrapassa os propsitos destaabordagem.

    O caminho aqui proposto antes um atalho: ele mantm na lembrana, comouma espcie de bastidor, os avatares dessa histria da atuao do conceito da dialtica,para abordar com mais justia o intrincado problema da incorporao por Marx dadialtica como mtodo de exposio crtica dos resultados de uma cincia socialemergente, a economia. Quais os aspectos da dialtica hegeliana da Cincia da Lgica

    que foram paradigmticos para o projeto marxiano de transformao materialista dadialtica na reconstruo sistemtica e crtica da economia poltica burguesa,apresentada em O Capital? (6). Quais as transformaes que o caroo racional dadialtica hegeliana sofre na tentativa marxiana de desvincul-la dos pressupostosidealistas da metafsica do conceito da Cincia da Lgica e de vir-la materialistamenteao avesso, tornando-a, assim invertida, numa fonte de inteligibilidade das estruturaseconmicas da sociedade capitalista? Qual a importncia do conceito hegeliano deexposio para o mtodo de O Capitale qual o sentido da retomada deste conceitonuma dialtica que se quer materialista?

    As duas primeiras questes sero abordadas na medida em que elas incidem

    sobre este elemento constitutivo ou dimenso do mtodo dialtico designada peloconceito de exposio.Pergunta-se o que a dialtica enquanto mtodo de exposiode O Capital? (7). A abordagem restrita a este aspecto, se insere contudo no quadromais amplo de uma tentativa de analisar, a partir de um confronto entre certascaractersticas metodolgicas globais da Cincia da Lgica e de O Capital, quatrocaractersticas ou, melhor, dimenses principais do mtodo dialtico de O Capital, quepoderiam ser concisamente designadas pelos conceitos de: exposio, procedimentoprogressivo-regressivo, contradio e crtica. O mtodo de O Capital se caracterizariapor ser uma exposio crtica, progressivo-regressiva das contradies do capital a partirde sua contradio fundamental.

    .....

    Dialtica significaem O Capitalprimeiramente e, tambm, predominantemente,o mtodo/modo de exposio crtica (8) das categorias da economia poltica, omtodo de desenvolvimento do conceito de capital(9) a partir do valor, presente namercadoria, enquanto ela a categoria elementar da produo capitalista que contmo germe das categorias mais complexas. O conceito fundamental, aqui, para o Marxcrtico da economia poltica, o de exposio, mtodo de exposio, que designa omodo como o objeto, suficientemente apreendido e analisado, se desdobra em suasarticulaes prprias e como o pensamento as desenvolve em suas determinaes

    conceituais correspondentes, organizando um discurso metdico.

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    Exposio , tambm, um conceito central da dialtica especulativa de Hegel.A Cincia da Lgica se apresenta como a exposio sistemtica das categorias dopensamento puro enquanto formas de concepo da realidade, com o intuito de fundaro prprio conceito de cincia (filosfica) e de mtodo (10). Ela pretende, assim, justificaro seu nico pressuposto, o de que a razo, especificamente, o conceito enquanto ideia,

    tem em si a fora infinita de sua auto-realizao (11). O conceito de exposio naCincia da Lgicaest, assim, vinculado intimamente a um projeto de autofundao darazo e do prprio mtodo, enquanto este nada mais do que a forma doautomovimento do contedo enquanto ela tem conscincia de si (12). Dialtica designa,aqui, genericamente, a exposio do movimento lgico do contedo (da coisaconcebida, Sache) enquanto este movimento que preside ao desdobramento dasdeterminaes do contedo e se constitui, desta maneira, como o seu mtodo. E oprprio Hegel quem d ao conceito de exposio a conotao metafsica da explicatioDei para acentuar o aspecto simultaneamente subjetivo e objetivo da exposio (13).Mais especificamente, a dialtica designa o princpio motor do conceito (14), o

    princpio do movimento que preside exposio das determinaes, que se produzema partir do universal e nele se dissolvem. Estritamente falando, apenas o segundo dostrs momentos em que se articula, conforme a Enciclopdia, a dimenso lgica, omomento negativo-racional qualificado de dialtico (15).

    O conceito de mtodo de exposio em Marx guardar no s reminiscnciasdo conceito hegeliano de exposio, mas um dos seus elementos essenciais. QuandoMarx, em 1857, se lana s primeiras tentativas de uma crtica sistemtica da economiapoltica, que vo resultar nos Grundrisse, e se pe a questo de como organizarsistematicamente os resultados de suas investigaes crticas dos teoremas e dascategorias da economia poltica burguesa, ele recorre explicitamente ao conceitohegeliano de dialtica enquanto mtodo de exposio (16). A dialtica enquantomtodo caracteriza um procedimento que pretende expor construtivamente odesenvolvimento conceitual do capital(G, 405) enquanto capital em geral (G, 217),o capital enquanto tal, isto , o capital social total (G, 252) a partir de sua formaelementar (K, I, 49), a mercadoria (enquanto objeto imediato da circulao e formaeconmica dos produtos do trabalho humano), e das determinaes progressivas dasformas de manifestao do valor, presente na mercadoria: forma-valor simples, forma-valor total, forma-valor universal, dinheiro em suas determinaes fundamentais. Elareproduz, assim, idealmente, o movimento sistemtico (lgico) atravs do qual o capitalse constitui naquilo que , autovalorizao do valor. Mas enquanto na Cincia da Lgica

    a exposio das determinaes progressivas do pensamento puro, enquanto conceito, simultaneamente o processo de sua autodeterminao e de sua auto-realizao, atele emergir como sujeito ltimo e atividade pura (ideia) que perpassa todo o processocomo o seu mtodo (WL, II, 484 e 486), em O Capital, que tematiza uma relao socialinserida na materialidade da produo, a exposio enquanto mtodo no ela mesma,simultaneamente, nem o processo de constituio histrica dessa relao, nem oprocesso de sua reproduo enquanto sistema de produo capitalista. Por isso, aexposio marxiana reconstri, no plano ideal, o movimento sistemtico do capitalenquanto diferente, logicamente, de sua emergncia e universalizao histricas ediferente, como mtodo, de sua reproduo real sistmica (17). A exposio dialtica

    no , portanto, nem o processo diacrnico atravs do qual o capital se constitui emtotalidade, subordinando a si todas as relaes sociais de produo (G., I89), nem o

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    processo sincrnico de sua reproduo como sistema. Por isso o desenvolvimentoconceitual do capital em geral, no mtodo dialtico, no engendra o capital no sentidoem que o conceito hegeliano se autodetermina criando a esfera de sua realizao emanifestao, mas ele , primeiro, a condio de compreenso adequada do devirhistrico do capital e da sua constituio em totalidade, e segundo, ele pretende ser

    apenas, isto , to s e cabalmente, a exposio das articulaes sistemticas de todasas relaes econmicas que se implicam reciprocamente numa sociedade submetida dominao do capital (18). Como mtodo de exposio dialtica, portanto, distinto domovimento efetivo, ele supe a apropriao analtica prvia do material econmicopesquisado, a investigao das suas formas de desenvolvimento e da sua conexointerna, para ento reconstruir discursivamente (enquanto procedimento doexpositor) a lgica objetiva do material. Mas enquanto exposio dialtica, ela expressa,reproduz, apenas (to s e cabalmente), em conformidade com a apropriao analtica,o movimento efetivo do material, de modo que este se espelhe idealmente nomtodo (19).

    Com o recurso dialtica como mtodo de exposio, no sentido indicado, Marxprocura integrar no seu programa de transformao materialista da dialticaespeculativa hegeliana, que se realiza atravs da crtica economia poltica, o elementoespecificamente dialtico naquela presente, e que ele julga racional, desde quedesvinculado dos seus compromissos idealistas com a especulao (20), enquantounidade resolutiva das contradies e integradora do negativo e do positivo (WL, I, 38).

    O que caracteriza o conhecimento dialtico , primeiramente, que o verdadeiro(Hegel), o racional e o concreto (Hegel, Marx), no so de acesso imediato a qualquertipo de intuio intelectual ou experincia direta, que intuiria ou tomaria o objeto no

    seu ser dado imediato, mas que eles so o resultado de um movimento de pensamento,do que Hegel chama de trabalho do conceito, que expe progressivamente, a partirdas determinaes mais simples e abstratas do contedo, suas determinaes cada vezmais ricas, complexas e intensas, at o ponto de sua unidade, que no uma unidadeformal, mas uma unidade sinttica de mltiplas determinaes (21). Esta caracterizaovale, em princpio, tanto para Hegel, como para Marx. Conforme a esta exigncia, overdadeiro concreto da realidade capitalista no dado pela, experincia direta dacirculao de mercadorias e pelo movimento dos preos, isto , pelas categorias dacirculao, mas o resultado de um processo de pensamento que reconstri aconstituio sistemtica do capital a partir das determinaes mais simples, abstratas e

    aparentes da produo capitalista (mercadoria, valor, dinheiro, circulao), para chegaras mais ricas concretas e essenciais, atravs da explicitao das categorias da produoa partir da lei da valorizao (mais-valia, explorao, tempo de trabalho, trabalhonecessrio e excedente, mais-valia absoluta e relativa, cooperao, diviso do trabalho,maquinaria, trabalho assalariado, reproduo e acumulao, para indicar algumas dasprincipais categorias do Livro I de O Capital).

    E uma das crticas principais e constantes de Marx ao mtodo da economiapoltica burguesa, inclusive a Smith e Ricardo, a de que ela permanece exterior ao seuobjeto por ser incapaz de desenvolver as suas determinaes categoriais a partir do seumovimento essencial, a lei do valor, enquanto determinaes cada vez mais complexas

    do trabalho abstrato objetivado. No sabendo utilizar o mtodo gentico, a economiapoltica burguesa toma as suas categorias diretamente da empiria e as emprega como

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    conceitos descritivos (22) das formas econmicas em sua aparncia imediata, semconseguir penetrar em suas relaes essenciais. Por isso ela termina expondo o processode reproduo global do capital na tica do capitalista individual e no sabendo conectaresta descrio, feita da perspectiva do agente econmico individual, com a explicaodo processo global a partir de sua lei essencial. Isso vai refletir-se na arquitetnica

    errnea da obra de Smith e Ricardo, que so incapazes de revelar a articulao dascategorias no prprio movimento do valor. Alm disso, ela no consegue explicitar ascategorias de mediao entre a lei do valor e os fenmenos da esfera da concorrnciaentre os capitais individuais, por exemplo, a formao da taxa geral de lucro e dos preosde mercado (em Ricardo por causa identificao entre valor e preo de custo), limitando-se, ento, a subsumir diretamente os fenmenos da concorrncia sob a lei do valor oua abandona-la para salvar os fenmenos.

    O mtodo dialtico quer superar essa exterioridade do conhecimento em relaoao objeto e a concepo instrumental de mtodo a presente. Ele exige que o

    conhecimento apreenda as determinaes do contedo no prprio movimento peloqual elas se desdobram, estabelecendo a conexo necessria e imanente entre elas (23).Ele neste sentido apenas ex-posico da lgica objetiva da coisa, exprimindo to s ecabalmente aquele movimento. Alm disso, a dialtica concebida por Hegel como oprincpio ativo do desenvolvimento das determinaes e como o seu vnculo necessrio.Esta dialtica no um fazer externo de um pensamento subjetivo, mas a prpria almado contedo, que faz brotar organicamente seus ramos e seus frutos.(24). Ela no oinstrumento de um conhecimento que busca, mas o ser determinado em si e para si doconceito no conhecimento verdadeiro (WL, II, 487). Por isso ela , para Hegel, no s oconhecimento do absoluto, mas o conhecimento de si do prprio absoluto no processode sua determinao (particularizao e juzo, partio, Urteil) e de superao edissoluo das determinaes opostas numa unidade integradora. Este o sentido daespeculao na dialtica especulativa: autoconhecimento do absoluto na oposio dassuas determinaes e na unidade positivo-racional que integra o negativo e o positivo.

    Aqui surge a questo crucial do projeto marxiano de transformao materialistada dialtica especulativa: como retomar a ideia de conhecimento dialtico semcomprometer-se com a componente especulativa da exposio dialtica e sem rompercom a crtica do jovem Marx aos seus aspectos mistificadores e harmonizantes? Aquesto se impe de maneira tanto mais aportica quanto Marx partilha positivamentecom Hegel o esforo do conceito, isto , o esforo de um pensamento que deve se

    despojar de suas opinies, preconceitos e hipteses externas ao objeto, e que deveabdicar, como diz Hegel, daquela desenvoltura que paira vaidosamente acima docontedo, para mergulhar decididamente no objeto e considerar apenas o movimentoprprio do contedo(25) e apenas trazer conscincia este trabalho prprio da razoda coisa (26). Se a dialtica, tambm para Marx, no uma tcnica de intervenoexterna no objeto, um saber metodolgico que o manipularia conforme hipteses queo analista traz consigo, como conservar a sua componente autoexpositiva, o trabalhoda razo da coisa, apreendido por uma viso pura (teoria) no sentido literal daespeculao enquanto espelhamento, sem comprometer-se com a sua componentepropriamente especulativa (vinculada ao sistema), de um autoconhecimento do

    absoluto na superao positiva das contradies em uma unidade integradora esistemtica? Numa palavra: como no mtodo de exposio no se desfazer da dialtica

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    ao rejeitar a especulao? Como expor a lgica do capital (no sentido doespelhamento, da transposio/traduoideal do movimento efetivoK, I, 27) semo acesso a um equivalente do saber absoluto, que deixaria o contedo mover-sesegundo a sua prpria natureza, ou seja, por meio de Si como Si do mesmo contedo eapenas contemplaria esse movimento (27)? Como conceber uma dialtica real do

    capital sem a explicitao prvia das estruturas racionais do real na Cincia daLgica? Como compreender, para formular quase absurdamente, que o que resultadodo pensamento, o verdadeiro concreto, possa impor seu movimento prprio a umesforo conceitual que deve to s considerar, contemplar este movimento?

    Como evitar o duplo escolho de uma dialtica materialista, tributaria em suainteligibilidade da dialtica hegeliana, a nica a possuir inteligibilidade prpria eautnoma, graas ao seu idealismo consequente (28), e o do achatamento vulgar-materialista da dialtica em termos de espelhamento (Widerspiegelung), estebastardo positivista da especulao hegeliana, que assolou a tradio marxista fazendo-

    a regredir a uma posio pr-kantiana? O que significa que a dialtica hegeliana esta deponta-cabea e como entender adequadamente o programa marxiano do umstlpen(inverter e virar ao avesso) da dialtica especulativa?

    Marx o legitima, num primeiro momento, ao afirmar a possibilidade de umadistino de princpio entre o potencial critico (29) e de inteligibilidade da dialticahegeliana e as implicaes idealistas que a falseiam e a mistificam. Mas o abuso dametfora da extrao do 'caroo racional' do seu envoltrio mstico, como nicoesclarecimento questo posta, acabou por exauri-la e tom-la um expediente. Eassociada outra metfora da 'Umstlpung', traduzida insuficientemente porinverso, ela termina por tornar aquela extrao uma operao de mgica trivial,

    como se bastasse por, novamente, a dialtica hegeliana de p, restabelecendo osdireitos do realismo da conscincia natural face ao idealismo de especulao, para quea prola sasse sozinha da ostra. No basta inverter, uma segunda vez, aquilo que aespeculao j inverteu, com a inteno de fazer a dialtica hegeliana andar com osprprios ps, para que ela revele um potencial de racionalidade que a projete alm deseus limites idealistas. E preciso, alm de invert-la, vir-la ao avesso, como exige a outrasignificao presente na palavra alem umstlpen, mostrando que as contradiespresentes nos fenmenos no so a aparncia de uma unidade essencial, mas a essnciaverdadeira de uma objetividade alienada (e no da objetividade enquanto tal)(30),e que a sua resoluo especulativa na unidade do conceito que representa o lado

    aparente, mistificador, de uma realidade contraditria. Virando ao avesso a realidadeinvertida, alienada pelo capital, enquanto figura objetiva consumada da propriedadeprivada (31), a contradio, que estava do lado de fora, transforma-se no seuverdadeiro interior, na prola racional desta realidade, e o que estava por dentro, aunidade resolutiva e integradora das contradies, revela-se como o seu exterioraparente, o seu envoltrio no s mstico, mas mistificador (32). Da a importncia dereler O Capitaltambm numa perspectiva de continuidade da crtica do jovem Marx aHegel, particularmente da crtica ao duplo aspecto mistificador do idealismo: ao aspectopositivista, enquanto o dado imediato, o existente, transfigurado pela especulao, assumido acriticamente e ratificado em sua positividade pelo sistema, e ao aspecto

    especulativo, propriamente idealista, enquanto resoluo harmonizante dascontradies numa unidade essencial, que se torna para Marx aparente, ideolgica. E

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    preciso interpretar a Umstlpung neste horizonte, para que a crtica ao idealismo dplenamente os seus frutos. Marx fala do positivismo acrtico e do idealismo acrticodas obras posteriores Fenomenologia (33), do falso positivismo e do criticismoaparente (34) do idealismo, para denunciar este estranho e surpreendente conluioentre especulao e positivismo na lgica especulativa. A inverso que ela provocou ao

    atribuir a verdadeira atividade e subjetividade ideia, impe a Hegel, diz Marx, no maisa tarefa de conduzir a existncia emprica sua verdade, mas, inversamente, de realizarempiricamente a verdade lgica, assumindo, assim, acriticamente, uma existnciaemprica como verdade efetiva da ideia (35). Mas nesta perspectiva da continuidadeentre a crtica ao idealismo do jovem Marx e a de O Capital, preciso, contudo, noesquecer duas mudanas capitais: primeiro, o compromisso definitivo em O Capitalcoma dialtica antes de tudo enquanto mtodo de exposio dos resultados dasinvestigaes da economia poltica e da crtica a ela, e no mais, primariamente, com adialtica enquanto estrutura objetiva do devir histrico (do desenvolvimento do gnerohumano, como nos Manuscritos), embora este sentido de dialtica no esteja ausente

    em certos contextos de O Capital(36); segundo, a retomada do programa especulativode Hegel de pensar a substncia como sujeito e como atividade pura (37), no,certamente, enquanto processo de auto-realizao do conceito, mas aplicado comoinstrumento de concepo e exposio da estrutura do capital: de uma substncia (ovalor enquanto trabalho abstrato objetivado e substncia social' (G., 183) dasmercadorias) que se transforma em sujeito (relao do valor consigo mesmo, enquantoprocesso de autovalorizao). Mas esta retomada do programa de Hegel em direooposta crtica do jovem Marx subjetividade da ideia no rompe inteiramente comaquela. Por isso, mantm-se uma continuidade fundamental entre a crtica aristotlicado jovem Marx subjetividade da ideia hegeliana e a crtica propriamente metodolgica

    da Introduo aos Grundrissee de O Capital 'confuso' feita por Hegel da dialticacomo mtodo com a dialtica como gnese do real (G., 22), e ideia como demiurgodo real (K, I, 27). Esta continuidade profunda da crtica se revela, como mostrouagudamente Theunissen (38), no conceito marxiano de trabalho como atividadeobjetiva, em que Marx, por um lado, incorpora o conceito hegeliano de atividadeenquanto exteriorizao e retorno a si, atribuindo-a, contudo, por outro lado, a umsubstrato material, a uma essncia objetiva que natureza e que exterioriza suasforas essenciais objetivas ao transformar a natureza(39). A retomada do programahegeliano, em O Capital, como instrumento de caracterizao do capital enquantoautovalorizao, implica, portanto, na revogao apenas parcial da crtica a Hegel: a

    revogao ocorre apenas na medida em que a crtica dos 'Manuscritos' se apoiava aindano imediatismo de Feuerbach para afirmar, contra a subjetividade da ideia, o gnerohumano como o sujeito ltimo no sentido de um positivo que repousa sobre si mesmo.Esta positividade do sujeito se dissolver na pseudo-subjetividade do capital e noesvaziamento e na represso da subjetividade individual pelo capital.

    A distino entre um potencial racional da dialtica especulativa e suasimplicaes idealistas preside, de resto, a nica reflexo metodolgica mais longa deMarx, na Introduo aos Grundrisse, sobre o mtodo cientificamente correto (G., 21)de exposio crtica da economia poltica. Somente o mtodo dialtico pode conduzirao verdadeiro concreto, porque ele o expe na forma de um resultado desenvolvido

    pelo pensamento a partir das categorias mais simples e abstratas (e aparentes), que sedeterminam e enriquecem progressivamente em categorias mais complexas e

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    intensivas (e essenciais), at chegar ao concreto total, totalidade concreta enquantototalidade de pensamento, ao concreto de pensamento (G., 22).Mas ao assumir ocomponente propriamente dialtico da exposio, Marx faz valer, ao mesmo tempo, suacrtica Fenomenologia do Esprito a partir do seu conceito de trabalho: depois de terelogiado a grandeza da obra que apreendeu o auto-engendramento do homem como

    um processo, que a essncia do trabalho, cujo resultado homem objetivo,Marxcensura a Hegel o conhecer apenas o lado positivo do trabalho, o trabalho espirituale o consequente desconhecimento do lado negativo do trabalho, e o trabalho detransformao da natureza sob as condies da propriedade privada (FS, 645-646). Seesta a determinao histrica fundamental da atividade humana, ento a pretensoontolgica da dialtica especulativa, que contm o pensamento enquanto ele igualmente a coisa em si mesma, ou, a coisa em si mesma, enquanto ela , igualmente,o pensamento puro (40), no pode ser assumida. Marx marca a sua diferenafundamental face a Hegel distinguindo a exposio dialtica enquanto mtodo atravsdo qual o pensamento se eleva do abstrato ao concreto e o expe como resultado

    (concreto de pensamento) e a exposio dialtica enquanto seu processo desurgimento (G., 22) como manifestao de uma razo que serealiza, isto , para Marx,como ato de produo real (G.,22). Tudo se passa para Hegel, diz Marx, como se oprprio real fosse o resultado do pensamento que sintetiza e se aprofunda em si e quese movimenta a partir de si mesmo (G., 22). O que para a dialtica especulativa aauto-exposio do movimento imanente do contedo, a forma desse movimentoenquanto ela tem conscincia de si na idia (WL, I, 35), mtodo no sentido subjetivo eobjetivo (alma e substncia, WL, II, 486), torna-se para Marx, de um lado, mtodo dereproduo do concreto, movimento das categorias, e de outro, gnese real, ato deproduo efetivo: para a conscincia - e a conscincia filosfica determinada de tal

    modo que, para ela, o pensamento que concebe o homem efetivo, e o mundoconcebido como tal, o nico efetivo, o movimento das categorias aparece, portanto,como o ato de produo efetivo(41). Donde a crtica frontal de Marx, segundo a qualHegel confunde o processo lgico com o processo real, transformando este emfenmeno daquele, escamoteando, assim, as contradies reais atravs da suaresoluo especulativa numa essncia aparente (FS, 655). Contra esta confuso, que apenas o resultado consequente e inevitvel do que para Hegel inseparvel, e querepresenta o ponto em que o mtodo se amplia num sistema (WL, II, 500), Marx fazvaler, no sentido do realismo aristotlico, a prioridade ontolgica do concreto emprico,imediato, face ao concreto reproduzido dialeticamente no pensamento. Aquele

    constitui no s o ponto de partida, mas permanece o pressuposto da exposio (42). Eo concreto verdadeiro, que resulta da exposio, no de modo nenhum o produto doconceito que pensa separado e acima da intuio e da representao, e que se engendraa si mesmo, mas da elaborao da intuio e da representao em conceitos.(G., 22;trad. loc. cit. p. 117). A ressonncia kantiana da linguagem faz Colletti dizer que Marxretoma ao conceito gnosiolgico, e no ontolgico, de conceito e afirmaodo papelconstitutivo e permanente da multiplicidade da experincia para a elaborao doconceito (43). Neste sentido, o mtodo de Marx no s diverso, mas o oposto direto(K, I, 27) do mtodo de Hegel (44). A prpria terminologia de Marx acusa estedeslocamento realista, 'materialista', da dialtica enquanto mtodo, revelando uma

    certa oscilao entre expresses que indicam antes o carter reconstrutivo da dialticacomo procedimento 'subjetivo', e expresses que traem a sua provenincia especulativa

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    como forma de autoexposio do contedo: a dialtica um modo de apropriao doconcreto pelo pensamento (G. 22), um mtodo de elaborao(45) que reproduz(G. 22) o concreto que as cincias empricas analisaram e prepararam para a exposio,que ento transpe, traduz, expressa idealmente o movimento efetivo docontedo e espelha idealmente a vida do material (K, I, 27). Se algumas expresses

    marcam a diferena irredutvel entre a dialtica enquanto mtodo de exposio e omovimento efetivo do contedo, outras acentuam a pretenso propriamente dialticade uma forma de exposio que expresse integralmente e exclusivamente o movimentoefetivo do material, desde que este tenha sido analiticamente investigado e a suamaturao histrica o tenha levado a um ponto de diferenciao e organicidadesuficientes para a exposio (46). Dialtica transforma-se, assim, em mtodo no sentidosubjetivo de um procedimento de reconstruo categorial, em oposio ao mtodoenquanto atividade universal absoluta, enquanto sujeito da prpria forma demovimento (ideia) (WL, II, 486). O mtodo no mais a forma do automovimento docontedo que se expe, mas um procedimento de reconstruo categorial que

    pressupe o trabalho prvio de investigao das cincias empricas e a maturaohistrica do objeto para ento expor a sua lgica interna de acordo com os nexos que aanlise apreendeu entre suas determinaes.

    Como lembra Fulda (47), tambm Hegel conhece este conceito 'subjetivo' demtodo e dele trata no incio da Filosofia da Naturezaa propsito da relao entre aFsica como cincia emprica e a Filosofia da Natureza como modo de exposiofilosfico. Esta, enquanto considerao conceptiva da natureza, pressupe asinvestigaes da cincia fsica e seus resultados como condio, embora estes nodevam aparecer como fundamento, pois nela deve impor-se exclusivamente anecessidade do conceito, para a qual no h apelaopara a experincia (48). Esteconceito de mtodo, observa Fulda, que pressupe a apropriao analtica do objetoprvia sua exposio em suas articulaes necessrias, toma-se para Marx o conceitodeterminante e central de dialtica.

    aqui que se revela plenamente o sentido e a importncia da distino de Marxentre mtodo/modo de exposio e mtodo/modo de pesquisa (K, I, 25/27). Adialtica pode ser o modo de exposio racional de um objeto depois que a investigaoo conduziu pela anlise e pela crtica ao ponto sem que ele esteja maduro para aexposio. Em carta a Engels, de 1 de fevereiro de 1858, Marx critica a ingenuidadeterica da Lassalle ao pretender expor a economia poltica hegelianamente, aplicando

    diretamente a lgica hegeliana aos conceitos econmicos. Ele tomar conhecimento,para seu prprio dano, que uma coisa totalmente diferente conduzir uma cincia,atravs da crtica, ao ponto em que ela pode ser exposta dialeticamente, e aplicar umsistema da lgica abstrato e acabado a pressentimentos de um tal sistema (49). Afuno paradigmtica da dialtica hegeliana para Marx no consistiu em pr disposio uma caixa de ferramentas polivalentes, prontas a serem utilizadas paraorganizar os resultados de uma cincia social, tomada no seu estado atual, mas emantecipar em sua lgica especulativa estruturas racionais que Marx, em sua anlise docapitalismo, reconheceu como exprimindo de maneira crptica algumas dimenseseconmicas fundamentais da sociedade burguesa dominada pela relao capitalista de

    produo. Para exemplificar, menciono trs dessas estruturas, cuja atuao em OCapitaldeveria ser objeto de anlises especficas: 1.) o j citado conceito de atividade

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    enquanto exteriorizao e retorno a si (este redefinido por Marx como reapropriaocom todas as consequncias nisso implcitas), decisivo para compreender a teoria dovalor; 2.) o conceito de sujeito como auto-relao, no mais de uma atividade pura eabsoluta, mas de um substrato, o valor, que na sua relao consigo se torna processo deautovalorizao, capital; 3.) a dialtica da dominao presente na lgica das

    determinaes da reflexo, relaes em que um polo contm em si o outro polo e orebaixa a momento de si mesmo, tornando-se o todo da relao, estruturaparadigmtica para a concepo da pretenso de dominao do capital sobre o trabalhoassalariado, como mostrou Theunissen (50). Mas esta decifragem das estruturaseconmicas da sociedade burguesa nas relaes conceituais da lgica hegeliana socorreu atravs de longo trabalho de apropriao e crtica do pensamento econmicoburgus, que transformou profundamente a economia poltica como cincia ao mostraros vnculos de classe em sua estrutura categorial, permitindo, por um lado, umacompreenso sistemtica dos fenmenos econmicos a partir de sua lei essencial, a leido valor e da valorizao do capital e possibilitando, por outro, a inteira reconstruo

    do sistema categorial da economia poltica conforme um determinado paradigma dedialtica, cuja fora heurstica s foi to avassaladora, porque Marx viu antecipadas emcertas relaes conceituais da Cincia da Lgica estruturas econmicas que seudiagnstico do capitalismo j reconhecera como determinantes da anatomia dasociedade burguesa. preciso, portanto, uma apropriao crtica prvia dos resu ltadosda economia poltica como cincia social para que a sua reconstruo categorial sejaefetivamente uma exposio do desenvolvimento conceitual (G, 405) do materialpesquisado, isto , uma apresentao discursiva daquela organizao das suasdeterminaes que resultam do movimento do seu conceito, do trabalho prprio darazo da coisa (cf.nota 24). S que em Marx este movimento imanente do conceito de

    capital a lgica contraditria da sua valorizao, cuja exposio implicar natematizao das contradies da produo capitalista e caracterizar aquela como umaexposio crtica da realidade econmica.

    Da porque a dialtica materialista a dialtica enquanto mtodo dereconstruo categorial de uma cincia social com vnculos de classe, como a economiapoltica, no diretamente um procedimento de descoberta, uma lgica da inveno.Em Hegel a dialtica enquanto forma de auto-movimento do conceito o mtodoabsoluto (WL, II, 490), que contm em si toda riqueza das determinaes do conceito(os conceitos enquanto sistema de determinaes do pensamento puro, WL, I, 46) eo princpio da sua descoberta (5l). E sendo o mtodo a forma imanente da coisa em seu

    movimento, o seu comeo, o simples e o universal imediato, j concebido comocarncia do seu desenvolvimento ulterior e como animado pela pulso (WL, II, 489)de se autodeterminar. Neste sentido pode dizer-se que a lgica especulativa umalgica heurstica. Em Marx a situao outra. Como o mtodo no a forma de auto-exposio da coisa, mas o modo de exposio crtica de uma cincia social e, atravsdela, de uma realidade (econmica) cuja determinao ltima uma contradio real eno a automanifestao da razo, ele pressupe um trabalho anterior de investigao ecrtica que assegure a penetrao racional do objeto em suas determinaes essenciais.E preciso, assim, que o mtodo de pesquisa (K, I, 25) assuma o nus idealista da lgicaespeculativa apropriando-se analtica e criticamente do contedo, antes que a

    exposio possa exprimir seu desenvolvimento conceitual, prescindindo de hipteses

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    que o analista ou o crtico trariam consigo, e espelhar exclusivamente o seumovimento efetivo.

    Aqui surge mais uma vez e inadiavelmente a questo da legitimidade de umadialtica no idealista, materialista, para assumir o conceito e a dicotomia

    consagrados. Como se mantm, se que se mantm, o elemento especificamentedialtico da exposio em face desta transformao da dialtica em mtodo no sentidosubjetivo, enquanto procedimento reconstrutivo de um expositor? Quid juris de ummtodo que pretende ser teoria stricto sensu, cincia, no s no sentido do paradigmamoderno de cincia, mas tambm no sentido hegeliano, dentro do pressupostomaterialista de uma realidade prvia e irredutvel sua reconstruo lgica nopensamento? O que legitima uma dialtica materialista que no pode ser mais aexposio de uma realidade que seria a prpria manifestao e auto-realizao darazo?

    O que a legitima e toma, assim, em ltima anlise, vlida a desvinculao,

    reivindicada por Marx, entre o ncleo racional da dialtica e seus compromissos com ametafsica hegeliana do conceito, o diagnstico histrico do capitalismo como modode produo dominado pela abstrao real do valor e do seu fundamento, o trabalhoabstrato capitalizado. E o diagnstico histrico de uma sociedade cujas relaes sociaisde produo esto dominadas por um universal que se auto-adjudica uma subjetividadepseudo-concreta s expensas da atividade concreta dos indivduos reais: o capitalenquanto valor que se autovaloriza, princpio determinante da reproduo material deuma sociedade que repe todas as suas condies histricas e lgicas como momentosinternos da sua reproduo.

    A exposio crtica da economia poltica em O Capital contm um diagnsticohistrico da sociedade capitalista que a situa como a ltima fase opositiva do processosocial de produo(52), porque ela leva s ltimas consequncias a separao entre otrabalho e as suas condies objetivas de realizao (G., 375), o antagonismo de classes,como pressuposto e instrumento histricos do desenvolvimento da produtividade dotrabalho social, isto , da plena socializao do trabalho e da completa dominao danatureza. Esta separao, a mais radical historicamente, na qual as condies deefetivao do trabalho se defrontam opositivamente ao trabalhador, juridicamente livree no mais proprietrio (53), como capital, consolida a dissoluo dos laos orgnicosdo indivduo trabalhador com a comunidade na qual ele se inseria como proprietrio einstaura a sua individualidade nua, despojada da propriedade. (G. 375) A duplaconstituio histrica do indivduo, enquanto livre da apropriao alheia (54) e livre dapropriedade, transforma-o, ento, em pura capacidade de trabalho subjetiva, que vaise defrontar com as condies de produo como sua no -propriedade, comopropriedade alheia, como valor existente para si, como capital (G, 397; 203). Aemergncia histrica do trabalhador assalariado e a transformao da sua capacidadede trabalho em mercadoria no decorrer do processo de acumulao originria torna-seassim o pressuposto histrico e sistemtico da autonomizao dos meios de produode propriedade alheia em capital, em princpio de subjugao do trabalho vivo para osfins da valorizao do capital. E a progressiva subsuno do processo de trabalho sob oprocesso de valorizao, e a sua transformao sistemtica pelos diferentes mtodos de

    obteno de mais-valia relativa, asseguram a reduo progressiva do trabalho vivo econcreto a trabalho abstrato, isto , a trabalho considerado apenas enquanto dispndio

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    de uma atividade, medida quantitativamente pelo tempo cronolgico, e que se tomouindiferente ao seu sujeito. Esta reduo j est logicamente pr-definida na constituiodo trabalho assalariado.

    Assiste-se, assim, emergncia e expanso histrica de um tipo de sociedade

    em que atua um processo de reduo da atividade concreta dos indivduos a umaatividade abstrata e indiferente a eles e, consequentemente, como outra face, umprocesso de autonomizao das condies objetivas de efetivao do trabalho enquantocapital. Esta reduo de atividade concreta de atividade concreta do trabalho, a umaatividade abstrata e universal, geradora de riqueza abstrata, o valor, que vai assumiruma autonomia real e oposta aos sujeitos do trabalho, o que define a dinmica darelao capitalista. Uma relao em que um extremo, o capital, pretende, subjugando ooutro e contendo em si como momento o trabalho, constituir-se como o todo darelao, a qual se transforma, assim, enquanto tal, num sujeito autnomo, cuja dinmicaaparece como propriedade imanente e natural do substrato material desta relao,agora dotada de vida prpria: a propriedade privada alheia dos meios de produoenquanto valor, que entra em relao consigo mesmo como mais-valia e se propulsionaatravs da dominao e absoro do trabalho vivo reduzido a atividade formadora devalor. (K, I, 169). E a relao de produo capitalista transformada no verdadeiro sujeitosocial da produo e no princpio determinante de todas as estruturas econmicas dasociedade. A descrio metafrica do capital como um vampiro que suga, enquantotrabalho morto, o trabalho vivo do trabalhador, ressalta estes dois aspectos da relaocapitalista: l.) reduo da atividade concreta do trabalho atividade formadora de valor;2.) a sua pseudo-subjetivao num substrato alheio, que domina aquela pelo poder dedominao que resulta do trabalho vivo (55). Constitui-se um sujeito que, pela suapretenso de tomar-se o todo da relao, incorpora e transforma em sua auto-atividade

    o trabalho vivo previamente reduzido a trabalho abstrato, fazendo aparecer comopropriedades suas, imanentes e naturais, todas as dimenses tcnicas e sociais doprocesso de trabalho. O contedo social desta relao hipostasiada e das formas em queela articula a sua reproduo e se organiza como sistema de produo o valorenquanto trabalho abstrato objetivado, que se toma, pela universalizao desta relao,a substncia social comum (G, 183) das mercadorias e das relaes entre os agentesda produo. Constitui-se, desse modo, uma sociedade perpassada em sua baseeconmica pela universalidade real do trabalho abstrato, forma imediatamente socialdos trabalhos privados (K, I, 91) e, enquanto capitalizado, contedo de todas asrelaes sociais de produo capitalistas. Estas relaes so verdadeiros universais reais,

    no concretos, que s mediatizam os agentes individuais subordinando-os a estasrelaes autonomizadas. Enquanto formas de manifestao do trabalho abstrato elasnegam o seu carter relacional para se afirmarem como relaes que repousarn em simesmas (G, 81) e que se opem aos indivduos nelas implicados na qualidade depotncias coisais (56). Por isto, antes de serem abstraes tericas do analista, ascategorias da economia poltica so pensadas por Marx como expresses tericas daabstrao real presente nestas relaes, que se opem aos indivduos como um poderde dominao. O fetiche das categorias da economia poltica, que exprimem a abstraoreal destas relaes, implica dois momentos que consolidam a sua falsa imediatidade:primeiro, sua autonomizao face aos indivduos e sua transformao em abstraes

    (G, 82) que os dominam, e, segundo, a sua incorporao, assim subjetivadas, comopropriedades objetivas (coisais) dos substratos econmicos materiais ( o valor como

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    propriedade natural da mercadoria, a comensurabilidade das mercadorias comoresultante da ao mediadora do dinheiro, a produtividade como qualidade inerente aocapital). O fundamento dessas relaes coisificadas e da sua expre sso terica nascategorias da economia poltica o movimento de autovalorizao do capital (para ascategorias de produo imediata, antes de tudo); mas seu contedo comum o trabalho

    abstrato objetivado que se toma, assim, o prprio contedo lgico da exposiodialtica e o responsvel pelo nexo imanente entre as categorias da exposio (57). Ascategorias so compreendidas como formas de exposio do trabalho abstratoobjetivado e como formas de articulao do seu movimento autnomo enquantoautovalorizao.

    Portanto, a capitalizao progressiva do trabalho (a constituio histrica dotrabalho assalariado e a sua reduo a trabalho abstrato), desencadeada pela separaohistrica mais radical entre o trabalho e as condies objetivas de sua efetivao,constitui a valorizao do capital, em finalidade no s do processo de produo, masde toda reproduo material da sociedade. E a transformao da valorizao emfinalidade do sistema acarreta um desenvolvimento incondicionado da produtividadedo trabalho social que vai implicar uma apropriao progressivamente total da naturezapor uma produo convertida em fim de si mesma, e uma dominao, tambmtendencialmente e total, dos indivduos e da sua socializao pela valorizao do capital.Uma produo auto-finalizada pela expanso do valor converte-se, por sua vez, nafinalidade e no contedo nicos do trabalho, reduzindo a atividade formadora do valor.Esta a condio histrica objetiva para a apreenso adequada da prpria razo docapital(58) e da sua exposio efetivamente dialtica que, primeiro, espelha(59) to se cabalmente a estrutura econmica da sociedade enquanto ela est, em princpio,exaustivamente determinada e dominada pela lei da valorizao do capital (aspecto

    mimtico da exposio, oriundo da componente auto-expositiva da dialticaespeculativa, cf. p. ll), segundo, reconstri a lgica objetiva do modo de produocapitalista a partir do conceito de capital, mas enquanto mtodo, distinto da suareproduo e/ou destruio enquanto sistema real (aspecto propriamente dialtico, etambm crtico, da exposio). O diagnstico histrico do capitalismo enquanto sistematotal (na sua pretenso) de apropriao da natureza e de dominao social pela lgicade valorizao, possibilita uma reconstruo categorial de uma cincia social, aeconomia poltica, que preenche, metodicamente, a exigncia de considerar apenas(exclusivamente e integralmente) o desenvolvimento do conceito de capital, isto , deorganizar sistematicamente, sem hipteses exteriores a ele, todas as categorias da

    economia poltica enquanto determinidades formais econmicas(60), do capital e doseu movimento de autovalorizao. Esta reconstruo categorial expe as estruturaseconmicas da reproduo da sociedade capitalista enquanto elas so, em seucontedo, constitudas por essas determinidades formais econmicas capitalista.Preenche-se, assim, na exposio da estrutura econmica da sociedade capitalista, aexigncia da dialtica especulativa hegeliana: assim como as categorias da Cincia daLgica, enquanto formas de pensamento puro, so, simultaneamente, o contedo realdo pensamento, analogamente as determinidades formais econmicas do capital,expressas nas categorias de O Capital, constituem, assintoticamente, na medida dopoder do capital, sobre a sociedade, o prprio contedo real das relaes sociais de

    produo. Se para Hegel a dialtica especulativa da Cincia da Lgica s possvelquando a consumao histrica do esprito permite que a conscincia, atravs do

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    percurso integral de todas as formas opositivas na Fenomenologia, se alce ao patamardo pensamento puro, no qual o ser-si-mesmo do objeto no se diferencia mas do si-mesmo do pensar (Phn., 48; trad. loc.cit., 38), para Marx a dialtica materialista de OCapital torna-se historicamente possvel quando o capital tornou-se a potnciaeconmica da sociedade burguesa, que domina tudo, seu ponto de partida e o seu

    ponto de chegada (G, 27; Trad. loc. cit., 122) e quando a apropriao crtica daeconomia poltica a tiver conduzido ao ponto em que suas categorias possam serdesenvolvidas sistematicamente a partir de sua lei essencial.

    E esta pretenso de dominao total do capital sobre a sociedade e a natureza(diacrnica e sincronicamente) que permitiu a Marx ver antecipada na ideia hegelianaenquanto mtodo absoluto um anlogo especulativo da lei de valorizao e dareproduo sistemtica do capital. A ideia especulativa como mtodo o movimentodo conceito que sabe que ele tudo e que seu movimento se determina e realizaenquanto atividade universal absoluta, fora infinita pura e simplesmente (WL, II,486), a que nenhum objeto, enquanto exterior e independente da razo, pode resistir.Qualquer coisa s pode ser concebida enquanto ela est integralmente submetida aomtodo (ibid.), que , simultaneamente, o mtodo prprio de cada coisa, porque asua atividade (da coisa) conceito (bid.). Analogamente em Marx, o movimento devalorizao e de acumulao do capital assume uma espcie de subjetividade absolutaenquanto o valor se toma o sujeito englobante de um processo (K, I, l69), a quenenhuma relao pr-capitalista pode resistir indefinidamente (se ela resiste, ela integrada, em sua prpria exterioridade resistente, s finalidades da reproduocapitalista), e que pretende estabelecer uma correspondncia plena entre o conceito decapital e a sua realidade efetiva (a formao social capitalista). Esta correspondncia deprincpio resultado histrico da crescente universalizao do trabalho assalariado e da

    reduo sistemtica do trabalho concreto a trabalho abstrato, concomitantes transformao do capital em poder social universal submetido apropriao privadade capitalistas individuais (K, III, 274). Ela condio objetiva da reconstruo categorialda economia poltica, enquanto teoria do modo de produo capitalista (6l) que procede exposio sistemtica das formas de reproduo econmicas da sociedade capitalistasubmetidas ao poder subjugador da valorizao e da acumulao do capital. Adiferena principal entre a fora infinita e irresistvel da ideia enquanto mtodo e opoder subjugador do capital est em que naquela, cada coisa, como conceito,reconhece a sua atividade mais prpria e profunda, o seu si mesmo, enquanto o capitalcomo sujeito e princpio de movimento da substncia econmica, o valor, s tem

    conscincia de si na multiplicidade dos seus agentes individuais, nos capitalistasenquanto representantes dos capitais individuais, que s reconhecem o movimentode reproduo global do capital enquanto ele atende o imperativo da valorizao docapital individual. Embora ele tenha a sua finalidade em si mesmo, o capital no se sabecomo sujeito, eh; cego, um sujeito automtico (K, I, l69), cujo poder de dominaono consegue estabelecer a plena correspondncia entre a realidade capitalista e o seuconceito (62).

    Embora, portanto, a teoria de O Capital, conforme postulado metodolgicoexplicado por Marx, s exponha as relaes de produo capitalistas na medida em queelas correspondem ao seu conceito (63), as formaes sociais capitalistas nocorrespondem historicamente de maneira plena ao conceito de capital, porque ele

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    mesmo contm uma pretenso de dominao total irrealizvel, uma estrutura de podercontraditria: se formalmente o capital pode ser a totalidade da relao entre si mesmoe o trabalho assalariado, subjugando-o como momento (o trabalho enquanto capitalvarivel), materialmente ele no pode prescindir da sua oposio sempre renovada aotrabalho vivo, j que enquanto trabalho objetivado, morto, o capital no tem outro

    contedo social que no o trabalho. Se na ideia hegeliana a realidade se torna adequadaao conceito, que se alastra sobre ela e a domina para torn-la correspondente a si, nasformaes capitalistas a realidade nunca corresponde plenamente ao conceito decapital, porque a sua realizao integral como sujeito automtico da produo,atravs da aplicao tecnolgica das cincias naturais e na forma mais prxima de seuconceito, como capital fixo, tende a subverter a sua prpria base de valorizao, o tempode trabalho (G, 587, 593). Por isso, se a pretenso de dominao total do capital sobrea estrutura econmica da sociedade condio histrica e lgica da dialtica comoexposio adequada de uma realidade, na medida em que ela corresponde a esseconceito, a frustrao essencial e recorrente dessa pretenso , simultaneamente,

    condio da dialtica como crtica, que expe, atravs da reconstruo sistemtica daeconomia poltica, o movimento autodestrutivo da contradio presente nesse poderde dominao.

    Respondendo questo sobre a legitimidade de uma dialtica materialista mais precisamente, sobre a possibilidade de uma exposio dialtica (no sentido precisodesses conceitos) da reproduo material de uma sociedade dominada pelo poder docapital (a sociedade burguesa), atravs da reconstruo sistemtica da cincia social quetem por objeto o movimento econmico dessa sociedade apontou-se para odiagnstico histrico dessa sociedade como condio de possibilidade e de legitimao.Mas se a teoria de O Capitalenquanto exposio dialtica (e crtica) do movimentoefetivo do capital atravs da reconstruo categorial da economia poltica como cincia,

    tem o princpio de sua legitimao apenas num determinado diagnstico histrico dopresente, isto , do modo de produo capitalista como sistema de produo dominadopelo trabalho abstrato, poderia objetar-se que a teoria se funda, em ltima anlise,dogmaticamente, pelo recurso histria. O que desarma esta objeo que estediagnstico se insere, por sua vez, no quadro de uma teoria geral da histria, que OCapital esboa, negativamente ('encreux'), a partir e dentro dos limites do prpriodiagnstico do presente contido na crtica economia poltica, cujo horizonte a teoriada revoluo (64). Sendo a reconstruo categorial de uma cincia social que analisa aestrutura econmica da organizao histrica mais desenvolvida e diferenciada da

    produo (G, 25; trad. loc. cit., l`20), a teoria de O Capital desempenha uma funoparadigmtica para a compreenso das sociedades pr-capitalistas (65) e contm, nessamedida, no seu bojo, uma teoria da histria (o materialismo histrico) que reconstri scondies de gnese e aponta as condies de superao do modo de produocapitalista a partir do diagnstico do presente implcito na crtica economia poltica. Algica das relaes sociais capitalistas funciona, assim, como um aprioriinterpretativodas sociedades pr-capitalistas e como um fio condutor regressivo da reconstruohistrica. A teoria do materialismo histrico enquanto reconstruo lgica dodesenvolvimento histrico-social, em termos de uma sequncia de modos de produo,a partir da questo da gnese histrica do capitalismo na separao entre o trabalho

    livre e as condies objetivas de sua efetivao fornece, por sua vez, o horizonte delegitimao do prprio diagnstico histrico. Haveria uma mediao recproca entre

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    dialtica enquanto teoria e histria, em que nenhuma seria pressuposto ltimo da outra.A legitimao de uma dialtica materialista pelo diagnstico histrico da sociedadecapitalistaque reconhece nas suas estruturas econmicas, enquanto dominadas pelaabstrao real do valor, anlogos reais de algumas relaes conceituais explicitadas porHegel na Cincia da Lgicase insere, portanto, numa teoria mais ampla, que resulta

    da reconstruo regressiva das condies histricas do surgimento de um sistema deproduo, que termina por tornar praticamente verdadeiro o realismo ontolgico deHegel, enquanto instrumento de detectao do universal real do trabalho abstrato(66).A exposio dialtica das categorias da economia poltica enquanto formas demanifestao das relaes sociais dominadas pe lo universo real do valor, podecoincidir, assim, com o movimento efetivo do capital enquanto abstrao in actu.Aqueles que consideram a abstrao do valor como uma mera abstrao esquecemque o movimento do capital esta abstrao in actu(K, II, 109). Neste sentido pode-sedizer, provocativamente, que a subjetivao do valor como capital e a sua expansohistrica e sistemtica tornaram o realismo ontolgico de Hegel um sistema cifrado das

    relaes sociais capitalistas, permitindo a Marx extrair da metafsica do concertohegeliana o caroo racional de uma dialtica materialista. O idealismo de Hegel asociedade burguesa enquanto ontologia. (67) . Portanto o recurso a um diagnsticohistrico para legitimar a dialtica dO Capital no a invocao dogmtica de um fato,de uma determinada compreenso do presente no quadro de uma teoria da histria,que pretende ser apenas a reconstruo lgica das etapas e modos de organizaoeconmico-social que conduziram a este presente, e que tem nele o seu horizonte aresoluo revolucionria e no especulativa da contradio real da relao de produoburguesa, o seu paradigma de inteligibilidade.

    Notas

    (1) A exigncia de que a exposio, fiel natureza da especulao, deve manter a formadialtica e s incluir nela o que foi concebido e enquanto conceito, foi formulada noPrefcio Fenomenologia do Espirito: Fiel viso que atinge a natureza doespeculativo, a exposio dever manter a forma dialtica e nada incluir nela seno namedida em que concebido e conceito. HEGEL, Phnomenologie des Geistes, Ed. l-loffmeister, Meiner, Hamburg, 1952, p. 54; trad. Lima Vaz, em: Hegel, Os Pensadores,Abril, So Paulo, 1975, p. 42. A seguir citado como Phn.

    (2) MARX, Das Kapital, l. Band, Dietz, Berlim, 1968, p. 25. A seguir citado como K,I.

    (3) K,I,p. 25.

    (4) O que h de mais fcil julgar o que possui contedo e densidade. Mais difcil apreend-lo e o mais difcil produzir a sua exposio, que unifica a ambos. Phn., p.1l;trad. loc. cit., p. 13.

    (5) K, 1, p. 27.

    (6) No s a dialtica lgica, prpria da exposio do auto-movimento do conceito naCincia da Lgica, que atua no texto e na arquitetnica de O Capital, mas, tambm, adialtica fenomenolgica, exposta por Hegel na Fenomenologia do Esprito, como porexemplo no Livro I, captulo 1, de O Capital, a propsito da deduo da forma valor e doponto de partida com a mercadoria, como um imediato tambm fenomenolgico, e no

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    s lgico, e, principalmente, no movimento geral da exposio do Livro III de O Capital,que conduz reconstituio da gnese necessria das categorias imediatas da esfera dacirculao (as formas de rendimento) a partir do movimento do capital social total. Aquia contraposio se limitar Cincia da Lgica.

    7) Cf. o ttulo de um artigo de H.F.FULDA, Dialektik als Darstellungsmethode im Kapitalvon Marx, in: Ajatus 37, Yearbook of the Philosophical Society of Finland, 1978. Opresente trabalho deve muito a este artigo, embora no concorde com ele em todos ospontos.

    ( 8) Darstellungsmethode, Darstellungsweise K, I, p. 25 e 27. A anlise do elementoexposio no mtodo dialtico de O Capitalno pode, em nenhum momento levar aoesquecimento de que a exposio das categorias da economia poltica estindissociavelmente unida crtica, e que este um dos aspectos em que a exposiodialtica de Marx se distingue da de Hegel. A exposio essencialmente crtica porqueela s reconstitui a totalidade sistemtica das determinaes do capital, atravs da

    tematizao da sua estrutura e do seu movimento contraditrios, a partir da pretensode dominao total do capital sobre o trabalho e do seu malogro sistmico (crise), vistoque o capital depende do trabalho, formalmente, enquanto trabalho assalariado, ematerialmente, enquanto o trabalho objetivado, morto, constitui o nico contedosocial do capital. Enquanto exposio das contradies do capital ela essencialmentecrtica, embora a crtica se exera exatamente e apenas (enquanto teoria) atravs daexposio sistemtica da sua instabilidade estrutural e da necessidade da suasuperao.

    ( 9) MARX, Grundrisse der Krik der politischen konomie, Dietz, Berlin, 1974, p-405. Aseguir citado como na exposio do conceito de capital, diz Marx, no se trata de umaforma particular do capital, nem do capital individual entre outros capitais individuais,mas do capital em geral como o conjunto de determinaes que distinguem o valor,enquanto capital, de si mesmo como mero valor ou dinheiro. G., p. 217. As reaesposteriores devem ser consideradas como desenvolvimento a partir deste germe. Ibid.- As tradues, quando no houver indicao contrria, so do autor.

    (10) HEGEL, Wissenschaft der Logik, Ed. Lasson, Meiner, Hamburg, 1963, vol. I, p. 23 e31. A seguir citada como WL, I e II.

    (11) WL, II, p. 486-487. 4

    (12) WL, I, p. 35: A exposio do que somente pode ser o mtodo da cincia filosficapertence ao prprio tratado da Lgica, pois o mtodo a conscincia sob a forma domovimento interno do prprio contedo. (13) WL, I, p. 31: A Lgicadeve ser tomada,portanto, como o sistema da razo pura, como o reino do pensamento puro. Este reino verdade, como ela em si e para si mesma sem vu. Pode-se, por isso, dizer, que estecontedo a exposio de Deus, como ele em sua essncia eterna antes da criao danatureza e de um esprito finito.

    (14) HEGEL, Rechtsphilosophie, 31. Anmerkung, Theorie Werkausgabe SuhrkampVerlag, 7, p. 84. '

    (15) HEGEL, Enzykloplidie der philosophischen Wissenchschaften, 79 e 81, TheorieWerkausgabe, Surhkamp Verlag, 8, p. 168, 172-176.

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    (16) Em carta a Engels de 14 de janeiro de 1858, Marx se refere ao acaso que o levoua folhear novamente a Lgica de Hegel, por receber de presente de Freiligrath osexemplares que pertenceram a Bakunin, e menciona o grande prstimo que ela lhetrouxe no mtodo de elaborao da crtica da economia poltica. Neste contexto eleexprime seu grande desejo de, futuramente, se tiver tempo, tomar acessvel ao

    entendimento comum o que h de racional no mtodo que Hegel descobriu, massimultaneamente mistificou.. Marx-Engels, Briefe ber 'Das Kapital', Dietz, Berlim,1954, p. 79. Se foi o acaso que devolveu as suas mos a Lgica, no mero acaso que asua releitura tenha atuado em aspecto to decisivo da sua teoria. Quanto expresso'mtodo dialtico, relembra H.F. Fulda (art. cit. na nota (7), Ajatus, 37, p. 192, nota(36)), ela no existe em Hegel e seria mesmo imprpria para designar o que elecompreendia como seu mtodo especulativo". A expresso 'mtodo dialtico' foiprovavelmente formulada pela primeira vez, Cf. Fulda, em 1840, por Trendelemburg,em suas Investigaes Lgicas, no contexto da crtica ao 'mtodo especulativo' de Hegel.

    (17) Meu mtodo dialtico , quanto ao seu fundamento, no s diverso do de Hegel,mas o seu oposto direto. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele converte,inclusive, sob o nome de ideia, num sujeito autnomo, o demiurgo do real efetivo, queconstitui apenas a sua manifestao externa. Para mim, inversamente, o ideal nada mais do que o material transposto e traduzido na cabea humana.K, I, 27.

    (18) Neste sentido legtimo dizer que o conceito de capital precede, logicamente, ocapital como processo histrico e como sistema que se reproduz. Se no sistemaburgus completo cada relao econmica pressupe a outra na forma econmicaburguesa e assim tudo o que posto simultaneamente pressuposto, o mesmoacontece com todo sistema orgnico. Este sistema orgnico tem seus pressupostos

    mesmo enquanto totalidade, e seu desenvolvimento para a totalidade consiste emsubordinar a si todos os elementos da sociedade, ou em criar a partir da totalidade osrgos que ainda lhe faltam. Ele torna-se, assim, historicamente uma totalidade. O devirpara esta totalidade constitui um momento do seu processo, do seu desenvolvimento.G., p. 189.

    (19) A pesquisa deve apropriar-se detalhadamente do seu material, analisar as suasdiversas formas de desenvolvimento e rastrear o seu nexo interno. Somente apsconsumado este trabalho pode ser adequadamente exposto o movimento efetivamentereal. Conseguido isso, e se a vida do material se espelha idealmente, pode parecer quese tem a ver com uma construo a priori. K, I, p. 27.

    (20) Trata-se da conhecida distino, afirmada por Marx, entre o 'envoltrio mstico' eo caroo racional' da dialtica hegeliana. K, I, 27 Tanto verdade que esta dialtica a ltima palavra de toda a filosofia, quanto necessrio liberta-la da aparncia msticaque ela possui em Hegel. Carta de Marx a Lassalle, de 31 de maio de 1858, Marx-EngelsWerke, Dietz, Berlim, 1973, vol. 29, p. 561.

    (21) 1. A dialtica tem um resultado positivo porque ela possui um contedodeterminado ou porque o seu resultado , verdadeiramente, no o nada vazio, abstrato,mas a negao de certas determinaes, que esto contidas no resultado exatamenteporque este no um nada imediato, mas um resultado. 2. Este racional , por isso,

    embora algo pensado e tambm abstrato, simultaneamente um concreto, porque eleno a unidade formal, simples, mas a unidade de determinaes diferentes. HEGEL,

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    Enzyklopdie 82, Suhrkamp, 8, p. 176-177. O concreto concreto porque sntese demuitas determinaes, isto , unidade do diverso. Por isso o concreto aparece nopensamento como processo de sntese como resultado, no como ponto de partida,ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida tambm daintuio e da representao. G., p. 21-22. Trad. Giannotti/Malagodi em: Marx, Os

    Pensadores, Abril, So Paulo, 1978, p. 116.

    (22) 'Verstandesbegriffe', conceitos do entendimento, como diz Marx, alud indo diferena entre entendimento e razo, nas Teorias sobre a Mais-Valia. Marx-EngelsWerke, vol. 26/2, p. 156. .

    (23) O dialtico constitui, por isso, a alma motora do avanar cientifico e o princpiopelo qual, unicamente, advm ao contedo da cincia conexo imanente e necessidade,assim como no elemento dialtico em geral est a elevao verdadeira e no exteriorsobre o infinito. Enzyklopkidie, 8lA, Suhrkamp, 8, p. 173.

    (24) HEGEL, Rechtsphilosophie, 31A, Surhkamp, 7, p. 84 e 85. O pensamentoenquanto subjetivo apenas olha este desenvolvimento da ideia enquantodesenvolvimento da prpria atividade da sua razo. Considerar algo racionalmente nosignitica trazer de fora ao objeto uma razo que se lhe acrescenta e trabalha-lo por ela,mas, sim, que o objeto racional para si. Aqui o esprito, em sua liberdade, a pontaextrema da razo autoconsciente, que se d a realidade efetiva e se produz como mundoexistente. A cincia tem apenas a tarefa de trazer a conscincia este trabalho prprio darazo da coisa. Ibid.

    (25) HEGEL, Phn., 48. Trad. Lima Vaz, loc. cit., p. 38. Compare-se Phn., p. 45.

    (26) HEGEL, Rechtsphilosophie, 31A, Suhrkamp, 7., p. 85.(27) HEGEL, Phn., p. 48. Trad. Lima Vaz, loc. cit., p. 38.

    (28) Posio defendida com solidez e espirito de sistema por Klaus Hartmann, DieMarxsche Theorie, De Gruyter, Berlim, 1970, embora no irretorquivelmente.

    (29) Tanto a crtica de Marx Filosofia do Direito de Hegel quanto a crtica aFenomenologia do Espirito do terceiro manuscrito dos Manuscritos Econmico-Filosficos destacam o potencial crtico da filosofia hegeliana, no primeiro caso, o daCincia da Lgica, no segundo, o da Fenomenologia, mostrando que apesar damistificao idealista, a filosofia de Hegel no se limita a transfigurao do real e a

    resoluo ideolgica das contradies. Cf. Marx, Friihschriften, Ed. Furth/Lieber, CotaStuttgart, 1962, vol. I, p. 644.

    (30) MARX, Frhschriften, vol. I, 654. A seguir abreviado FS.

    (31) MARX, FS, p.589.

    32) Devo a H.F. Fulda, ao artigo citado na nota (7), p. 186-187, a anlise do duplosignificado da 'Umstlpung' e das suas implicaes crticas.

    (33) MARX, FS, p.644.

    (34) MARX, FS, p. 654.

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    (35) MARX, FS, p. 306. Nesta passagem Marx menciona, como tema a ser maisdetalhadamente abordado, esta inverso/passagem necessria da empiria emespeculao e da especulao em empiria.

    (36) No Posfcio segunda edio de O Capital, Marx menciona, a propsito dos ciclos

    peridicos em que o movimento contraditrio da sociedade capitalista se manifesta aoburgus prtico, a crise geral que novamente se aproxima e que pela suauniversalidade e intensidade ir inculcar dialtica mesmo aos felizardos do novo sacroimprio prussiano-alemo. K, 'l, p. 28. E analisando a tendncia histrica daacumulao capitalista, no cap. 24 do Livro I de O Capital,Marx fundamenta sua teoriada revoluo como uma negao da negao, que atua no processo histrico com anecessidade de um processo natural para destruir o capitalismo e que restabelecerno a prioridade privada, mas a propriedade individual sobre a base das conquistas daera capitalista (K, I, p. 791).

    (37) HEGEL, Phn., p. 19. Trad. Lima Vaz, Ioc. cit., p. 18.

    (38) THEUNISSEN, M., Sein und Schein. Die kritische Funktion der Hegelschen Logik,Surhkamp, Frankfurt/M., 1978, p. 483.

    (39) MARX, FS., p. 650: Ele (o ser objetivo) cria, pe apenas objetos, porque ele postopor objetos, porque ele originariamente natureza. No ato de pr no cai, pois, de suaatividade pura em uma criao do objeto, seno que seu produto objetivo apenasconfirma sua atividade objetiva, sua atividade de um ser natural e objetivo. Trad. Brunicm: Marx, Os Pensadores, Abril, So Paulo, 1978, p. 40.

    (40) HEGEL, WL. 1, p. 30.

    (41) MARX, G, p. 22. Trad., loc. cit., p. 117.

    (42) O sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomia, forado crebro, isto , na medida em que o crebro no se comporta senoespeculativamente, teoricamente. Por isso, tambm, no mtodo terico (da economiapoltica trad.), o sujeito - a sociedade - deve figurar sempre na representao comopressuposio." (Ibid.)

    (43) E interessante ter presente, como contraponto, a posio oposta de Hegel apropsito das condies empricas do conceito: A Filosofia, entretanto, d a visoconceitual sobre o que se passa efetivamente com a realidade do ser sensvel e faz as

    etapas do sentimento, da intuio, da conscincia sensvel, etc., preceder aoentendimento, na medida em que elas so as condies do devir do conceito, mas socondies somente enquanto ele emerge da sua (delas) dialtica e da sua nadidade(Nichtigkeit') como o fundamento delas, mas no como se ele fosse condicionado pelarealidade daquelas. Hegel, WL, II, 225-226. Mas basta ler a sequncia imediata do textode Hegel tendo presente a anlise marxiana do fenmeno da troca equivalente naesfera da circulao, e a sua reduo a mera aparncia formal de um contedo diferentena passagem anlise da produo, e enfim, ao seu desvendamento temtico comoaparncia na reproduo, quando se toma clara a lei da apropriao capitalista, paraperceber a maneira sutil e astuciosa como Marx utilizou a doutrina do conceito

    hegeliana, transformando-a em regra metdica: O pensamento abstrato no deve serconsiderado como um mero pr de lado o material sensvel, que desse modo no

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    sofreria nenhum dano, mas ele antes a supresso e a reduo do mesmo, como meraaparncia, ao essencial, que se manifesta s no conceito. (Ibid.)

    (44) Outro sentido, talvez mais especfico, desta oposio frontal a Hegel a crtica, jmencionada, ao aspecto mistificador da resoluo especulativa da contradio, que se

    toma em Marx a fonte geradora de toda dialtica (K, I, 623).(45) Carta de Marx a Engels de 14 de janeiro de 1858, em Briefe uber 'Das Kapital', ed.cit., p. 79.

    (46) Este ltimo aspecto aparece na Introduo aos Grundrisse, a propsito da funoestratgica que Marx atribui sociedade capitalista como chave da interpretao dasformaes 'pr-capitalistas'. (G., p. 25-26; Trad. loc. cit., p. 120), e nas Teorias sobre aMais-Valia, em relao ao pleno desenvolvimento das potncias sociais do trabalho(cooperao, diviso do trabalho e produo por mquinas, at a realizao tendencialda plena automao) enquanto ele a condio objetiva do ponto de vista da maturao

    histrica de uma produo plenamente socializadade uma correspondncia adequadaentre mtodo dialtico e processo real.

    (47) Artigo citado na nota (7), p. 193.

    (43) No s a Filosofia deve concordar com a experincia da natureza, mas tambm osurgimento e a formao da cincia filosfica (da natureza, MLM) tem a fsica empricacomo pressuposto e condio. Uma coisa, entretanto, o caminho de surgimento dacincia e seus trabalhos preparatrios, outra, a prpria cincia; nesta aqueles no maispodem aparecer como base, a qual, s mais tarde pode ser a necessidade de conceito.Hegel, Enzyklopdie, 246, Suhrkamp, 9, p. 15,

    (49) Marx-Engels Werke, vol., 29, p. 275.

    (50) THEUNISSEN, M., Krise der Macht, Thesen zur Theorie des dialektischenWiderspruchs, in: Hegel Jahrbuch, 1974, Pahl-Rugenstein Verlag, Kln, 1974. (51) Omtodo absoluto no se comporta como uma reflexo exterior, mas toma odeterminado do seu prprio objeto que o prprio mtodo seu princpio imanente esua alma. (WL, II, 491).

    (52) Marx-Engels Werker, Vol. XIII, p. 9; Trad. In: Os Pensadores, p. 130.

    (53) Proprietrio nem da terra, nem dos instrumentos do trabalho, nem do prprio

    fundo de consumo.(54) Quer dizer, livre da subsuno imediata sob as condies objetivas de produo. G.p. 397.

    (55) O capital trabalho morto que s se anima como um vampiro sugando o trabalhovivo, e ele vive tanto mais quanto mais suga trabalho vivo. (K, I, p. 247). Cf tambm G.,p. 357.

    (56) sachliclie Mchte. Estas relaes de dependncia coisais, em oposio srelaes pessoais, aparecem tambm de tal maneira que os indivduos so agoradominados por abstraes, enquanto antes dependiam uns dos outros. (A relao de

    dependncia coisa consiste to s nas relaes sociais que se defrontam, enquanto

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    automatizadas, com os indivduos aparentemente independentes, isto , suas relaesde produo recprocas autonomizadas face a eles.) G, p. 81 e 81.

    (57) Este nexo nem sempre imanente, pois a prpria exposio dialtica s verdadeira quando conhece os seus limites (G, 364, 945) e aponta para os pressupostos

    histricos a que ela deve recorrer. De resto, medida que a exposio de OCapital avana, ela recorre sempre mais, ao invs da exposio lgica de Hegel, adeterminaes que no so o resultado imanente e necessrio da explicitao dascategorias anteriores. Alm disso, na medida em que a exposio sistemtica ereconstri a totalidade contraditria da reproduo capitalista, penetrando nofundamento da reduo do trabalho e da autonomizao do valor, ela ,simultaneamente, crtica, e tem a funo de devolver s categorias o seu verdadeiroestatuto lgico, que o de serem expresses de relaes sociais, embora ela nocoincida, como exposio crtica, com o prprio processo real de descoisificao dasrelaes sociais e de ser abordada especificamente a propsito -da anlise temtica da

    dialtica enquanto crtica.(58) Uma razo evidentemente contraditria para Marx, porque entre a finalidade daproduo capitalista (garantir a manuteno e expanso do valor e das relaes sociaiscongruentes a ela) e os meios a que ela recorre para isso, o desenvolvimentoincondicionado das foras produtivas sociais do trabalho (K, III, 259-260) com asconsequncias econmicas inevitveis e indesejveis a implcitas (queda da taxa delucro, desvalorizao do capital 'existente e desenvolvimento das foras produtivas dotrabalho s custas das foras produtivas j desenvolvidas, lbid.), instaura-se umacontradio insolvel dentro da pretenso de dominao do capital. Esta contradiofrustra recursivamente a sua pretenso de dominao, submetendo a reproduo social

    a uma instabilidade essencial que toma a plena adequao da realidade capitalista aoseu conceito inalcanvel.

    (59) Introduzido por Marx no contexto da reflexo metodolgica do Posfcio segundaedio de O Capital, o conceito de 'espelhamento' ('Widerspiegelung') no est isentode ambiguidades, principalmente na vizinhana embaraosa de metforas quedescrevem o pensamento como transposio e traduo no crebro do que material"(K, I, 27) e que anunciam a futura linguagem do materialismo vulgar, que consagrar opositivismo implcito na especulao, j denunciada pelo jovem Marx. O conceito deespelhamento foi posteriormente canonizado na tradio marxista por Engels e Leninpara sublinhar o carter materialista da teoria do conhecimento marxista. Em OCapitalele s pode ser entendido adequadamente a partir de sua origem na dialticaespeculativa hegeliana, e da sua dependncia da concepo tradicional de teoria no seusentido etimolgico de viso. Ele no visa tanto sublinhar o aspecto realista da teoria doconhecimento de Marx, na verso trivial de mera cpia de um real, que em suafacticidade imediata conteria em si as articulaes e os nexos que o conhecimento neledescobre e apenas refletiria, no sentido, portanto, da teoria do reflexo domaterialismo vulgar (mera transposio acrtica e pr-crtica de uma posio idealista),mas o aspecto propriamente dialtico do mtodo, que expe a lgica objetiva e prpriada coisa sem interferncias subjetivas prvias do analista e externas ao movimento doconceito da coisa. Na interpretao marxista ortodoxa da dialtica a partir de Engels,

    que tende a transform-la em mtodo universal, inclusive do conhecimento danatureza, e mesmo na prpria estrutura objetiva da realidade concebida como

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    processualidade total, a Umstlpung marxiana geralmente interpretada no sentidomais ou menos trivial de que o mtodo dialtico espelha as estruturas dialticas doprocesso objetivo, sem que se saiba exatamente por que o real dialtico, e, muitomenos, porque o espelhamento seria tal. Um testemunho claro dessa trivializao dadialtica como espalhamento nos oferece uma passagem de uma carta de Engels a

    Schmidt, de 1 de novembro de 1891: ... a inverso da dialtica em Hegel consiste emque ela deve ser o autodesenvolvimento do pensamento' e que, portanto, a dialticados fatos apenas o seu reflexo ('AbgIanz'), enquanto que a dialtica na nossa cabea, certamente, apenas o espelhamento ('Widerspiegelung`) do desenvolvimento factualno mundo da natureza e no mundo histrico-humano que obedece a formas dialticas.Compare uma vez o desenvolvimento da mercadoria ao capital em Marx com o do ser essncia em Hegel, e voc ter um bom paralelo: aqui o desenvolvimento do concreto,tal como ele resulta dos fatos, l a construo abstrata... (Marx-Engels Werke, vol. 38,p. 204). Convm observar que o apenas que fazia sentido no sistema hegelianoquando se tratava em trazer apenas a conscincia o trabalho da prpria razo da coisa

    (Rechtsphilosophie, 3lA), torna-se o indicador de um realismo ingnuo e pr-kantianoquando referido ao mero espelhamento do desenvolvimento factual. O verdadeiroconcreto, que era, para Marx, o resultado de sua reconstruo sinttica no pensamento,tende a ser confundido com uma imediatidade factual, com o concreto emprico eimediato de Marx, e a dialtica como mtodo parece reduzir-se duplicao de umadialtica dos fatos sem pensamento, e no caso de Hegel, a uma construo abstratacontraposta positividade dos fatos. Tal reduo da dialtica ao espelhamento s ainda inteligvel no quadro de uma ontologia do real, transformado metafisicamente emprocessualidade universal, que se imporia ao pensamento com a positividade de umfato. o resultado final da dialtica materialista convertida em materialismo dialtico.

    (60) konomische Formbestimmtheit.

    (6l)Na teoria pressupe-se que as leis do modo de produo capitalista se desenvolvemde maneira pura. Na realidade efetiva existe apenas a aproximao; mas estaaproximao e tanto maior quanto mais desenvolvido est o modo de produocapitalista e quanto mais estiver eliminado o seu entrelaamento e sua contaminaocom restos de situaes econmicas anteriores. (K, III, p. 184).

    (62) O mtodo emergiu disso como o conceito que se sabe como absoluto, tantosubjetivo quanto objetivo, e se tem a si mesmo como objeto, por conseguinte, como apura correspondncia entre o conceito e a sua realidade, como uma existncia, que ele mesmo (o conceito). (WL, II, p. 486).

    (63) Em tal investigao universal pressupe-se sempre, em princpio, que as relaesefetivas correspondam ao seu conceito ou, o que equivale, que as relaes efetivas ssejam expostas enquanto elas exprimem o seu prprio tipo universal. (K, III, p. 152). ,

    (64) THEUNISSEN M., Sein und Schein. Die kritische Funktion der Hergelschen Logik,Suhrkamp, Frankfut/M., 1978, p. 86-87.

    (65) As categorias que exprimem suas relaes (da sociedade burguesa), acompreenso de sua prpria articulao, permitem penetrar na articulao e nas

    relaes de produo de todas as formas de sociedade desaparecidas. (G, p. 25-26;trad. loc.cit., p. 120).

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    (66) Assim como a universalizao do trabalho assalariado transforma o trabalho,enquanto atividade concreta, em atividade indiferente ao trabalhador, tornandopraticamente verdadeira a abstrao da categoria trabalho em geral. (G, p. 25; trad.loc.,cit., p. 120).

    (67) Reichelt, H., Zur logischen Struktur des Kapitalbegriffs bei K. Marx, EuropischcVerlaganstalt, Frankfurt/M., 1970, p. 80.