175
EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO APOCALIPSE Rev. Olivar Alves Pereira

EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

  • Upload
    others

  • View
    5

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

EXPOSIÇÃO DO

NOVO TESTAMENTO

APOCALIPSE

Rev. Olivar Alves Pereira

Page 2: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

SUMÁRIO

1ª PARTE – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

ESCATILOGIA –UM BREVE ESTUDO ........................................................................................ 01

ESTUDO 01

I – A Escatologia do Velho Testamento...................................................................................... 01

II – A Escatologia do Novo Testamento ..................................................................................... 03

III – Cristo: O Centro da História .............................................................................................. 04

O MILÊNIO – As Quatro Principais Escolas de Interpretação Escatológica ................................... 05

ESTUDO 02

I – O Pré-Milenismo Histórico (Cristo volta antes do Reino Milenar) ....................................... 05

II – O Pré-Milenismo Dispensacionalista (Cristo volta em duas etapas) ..................................... 06

III – Pós-Milenismo (Cristo volta depois do avanço do Evangelho nesta era) ............................. 07

IV – Amilenismo (Cristo já está reinando nesta era e reinará eternamente) ............................... 09

O LIVRO DO APOCALIPSE – INTRODUÇÃO ........................................................................... 12

ESTUDO 03

I – O Propósito do Livro ............................................................................................................ 12

II – O Tema do Livro ................................................................................................................. 13

III – A Quem o Livro é Dirigido................................................................................................. 13

IV – O Autor do Livro................................................................................................................ 13

V – A Data do Livro ................................................................................................................... 15

ANÁLISE GERAL ............................................................................................................................ 16

ESTUDO 04

I – As Sete Seções Paralelísticas .................................................................................................. 16

II – As Duas Divisões Principais ................................................................................................. 18

III – O Simbolismo Empregado no Livro ................................................................................... 18

2ª PARTE – EXEGESE E COMENTÁRIO DO LIVRO DO APOCALIPSE

A BATALHA DE CRISTO E SUA IGREJA CONTRA SATANÁS E SEUS ALIADOS

(DO PLANO FÍSICO) AP 1 – 11 ............................................................................................ 20

ESTUDO 05

1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais (Ap 1 – 3) ............................................................................ 20

1.1. A Visão do Cristo Glorificado (Ap 1) .............................................................................. 20

Page 3: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

ESTUDO 06

1.2. Os Sete Castiçais (Ap 2 – 3) ............................................................................................. 28

1.2.1. A Carta à Igreja em Éfeso (Ap 2.1-7 ....................................................................... 28

ESTUDO 07

1.2.2. A Carta à Igreja em Esmirna (Ap 2.8-11) ................................................................ 31

ESTUDO 08

1.2.3. A Carta à Igreja em Pérgamo (Ap 2.12-17) ............................................................. 37

ESTUDO 09

1.2.4. A Carta à Igreja em Tiatira (Ap 2.18-29) ................................................................ 42

ESTUDO 10

1.2.5. A Carta à Igreja em Sardes (Ap 3.1-6) ..................................................................... 46

ESTUDO 11

1.2.6. A Carta à Igreja em Filadélfia (Ap 3.7-13) .............................................................. 49

ESTUDO 12

1.2.7. A Carta à Igreja em Laodiceia (Ap 3.14-22) ............................................................ 53

ESTUDO 13

2. A Visão do Céu e dos Selos (Ap 4 – 7) ..................................................................................... 59

2.1. O Trono de Deus (Ap 4.1 – 5.14) .................................................................................... 59

2.1.1. Diante do trono de Deus (Ap 4.1-6a) ..................................................................... 59

2.1.2. Louvores diante do trono de Deus (Ap 4.6b-11) .................................................... 63

ESTUDO 14

2.2. A Visão do Cordeiro e do Livro Selado (Ap 5) ................................................................ 66

2.2.1. O Cordeiro e o Livro Selado (Ap 5.1-7) ................................................................. 66

2.2.2. Adoração Tributada ao Cordeiro (Ap 5.8-14) ........................................................ 68

ESTUDO 15

2.3. O Cordeiro Abre os Primeiros Seis Selos (Ap 6) .............................................................. 71

2.3.1. Os Quatro Cavaleiros e Seus Cavalos (Ap 6.1-8) .................................................... 71

2.3.2. O Clamor dos Mártires (Ap 6.9-11) ........................................................................ 75

2.3.3. O Juízo Final (Ap 6.12-17) ...................................................................................... 76

ESTUDO 16

2.4. Os Escolhidos de Deus (Ap 7) ......................................................................................... 78

2.4.1. A Poderosa Salvação (Ap 7.1-8) .............................................................................. 78

2.4.2. A Maravilhosa Adoração (Ap 7.9-12)...................................................................... 80

2.4.3. A Eterna Comunhão (Ap 7.13-17) ......................................................................... 81

Page 4: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

ESTUDO 17

3. As Sete Trombetas (Ap 8 – 11) ................................................................................................. 84

3.1. O Sétimo Selo: O Anúncio do Juízo Divino (Ap 8) ......................................................... 84

3.1.1. O Sétimo Selo (Ap 8.1-6) .......................................................................................... 85

3.1.2. As Quatro Primeiras Trombetas (Ap 8.7-13)............................................................. 86

ESTUDO 18

3.2. A Quinta e a Sexta Trombetas (Ap 9) .............................................................................. 89

3.2.1. A Quinta Trombeta (Ap 9.1-12) ............................................................................... 89

3.2.2. A Sexta Trombeta (Ap 9.13-21) ................................................................................ 92

ESTUDO 19

3.3. O Anjo Com o Pequeno Livro (Ap 10) ............................................................................ 95

3.3.1. Um Anjo Poderoso (Ap 10.1-4) ................................................................................ 95

3.3.2. A Mensagem Trazida pelo Anjo (Ap 10.5-7) ............................................................. 97

3.3.3. O Livro e o Seu Propósito (Ap 10.8-11) .................................................................... 97

3.4. O templo, as Duas Testemunhas e a Sétima Trombeta (Ap 11) ....................................... 99

3.4.1. o Templo (Ap 11.1-2)................................................................................................ 99

3.4.2. As Duas Testemunhas (Ap 11.3-14) ........................................................................ 100

3.4.3. A Sétima Trombeta (Ap 11.15-19) .......................................................................... 103

II – A BATALHA DE CRISTO E SUA IGREJA CONTRA SATANÁS E SEUS ALIADOS

(DO PLANO ESPIRITUAL) AP.12 – 22 .......................................................................... 105

ESTUDO 21

4. Cristo Contra o Dragão e os Seus Aliados (Ap 12 – 14) ......................................................... 105

4.1. A Mulher e o Dragão (Ap 12) ........................................................................................ 105

4.1.1. a Mulher, o Filho e o Dragão (Ap 12.1-6) ............................................................... 106

4.1.2. O Dragão Banido do Céu (Ap 12.7-12) .................................................................. 107

4.1.3. O Socorro e Proteção para a Igreja (Ap 12.13-17) ................................................... 109

ESTUDO 22

4.2. Os Aliados do Dragão (Ap 13) ....................................................................................... 111

4.2.1. A Besta que se Levanta do Mar (Ap 13.1-10) .......................................................... 111

4.2.2. A Besta que se Levanta da Terra (Ap 13.11-18) ...................................................... 113

ESTUDO 23

4.3. O Cordeiro, as Quatro Mensagens e a Ira de Deus (Ap 14) ........................................... 117

4.3.1. O Cordeiro (Ap 14.6-13) ........................................................................................ 117

4.3.2. As Quatro Mensagens (Ap 6.13) ............................................................................. 118

Page 5: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

4.3.3. A Ira de Deus (Ap 14.14-20) ................................................................................... 120

ESTUDO 24

5. As Sete Taças (Ap 15 e 16) ....................................................................................................... 123

5.1. Os Sete Anjos e o Louvor dos Redimidos (Ap 15) ........................................................ 123

5.1.1. O Grande Sinal no Céu: a Visão dos Sete Anjos (Ap 15.1) .................................... 124

5.1.2. O Louvor dos Santos Vencedores (Ap 15.2-4) ........................................................ 124

5.1.3. A Abertura do Santuário (Ap 15.5-8) ...................................................................... 125

ESTUDO 25

5.2. As Sete Taças da Ira de Deus (Ap 16) ............................................................................ 127

5.2.1. A Primeira Taça (Ap 16.1-2) ................................................................................... 127

5.2.2. A Segunda Taça (Ap 16.3) ...................................................................................... 128

5.2.3. A Terceira Taça (Ap 16.4-7) .................................................................................... 128

5.2.4. A Quarta Taça (Ap 16.8-9) ...................................................................................... 128

5.2.5. A Quinta Taça (Ap 16.10-11) ................................................................................. 129

5.2.6. A Sexta Taça (Ap 16.12-16) .................................................................................... 129

5.2.7. A Sétima Taça (Ap 16.17-21) .................................................................................. 130

ESTUDO 26

6. A Queda dos Aliados do Dragão (Ap 17 – 19) ........................................................................ 132

6.1. O Julgamento de Babilônia (Ap 17) .............................................................................. 132

6.1.1. A Mulher e a Besta (Ap 17.1-6) ............................................................................... 132

6.1.2. A História da Besta (Ap 17.7-18) ............................................................................ 134

ESTUDO 27

6.2. A Queda de Babilônia (Ap 18) ...................................................................................... 137

6.2.1. A Queda é Anunciada (Ap 18.1-8) .......................................................................... 137

6.2.2. Os Admiradores de Babilônia Lamentam Sua Queda (Ap 18.9-20)........................ 138

6.2.3. Babilônia é Definitivamente Arruinada (Ap 18.21-24) ........................................... 140

ESTUDO 28

6.3. As Bodas do Cordeiro e a Batalha Final contra o Anticristo (Ap 19) ............................ 142

6.3.1. As Bodas do Cordeiro (Ap 19.1-10) ........................................................................ 142

6.3.2. A Batalha Final Contra o Anticristo (Ap 19.11-21) ................................................ 144

ESTUDO 29

7. A Grande Tribulação: o Triunfo Final de Cristo e Sua Igreja (Ap 20 – 22) ............................. 148

7.1. A Prisão de Satanás e o Juízo Final (Ap 20) .................................................................. 148

7.1.1 A Prisão de Satanás (Ap 20.1-3) ............................................................................... 149

Page 6: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

7.1.2. Os Santos Reinam nos Céus (Ap 20.4-6) ................................................................ 150

7.1.3. O Conflito Final (Ap 20.7-10) ................................................................................ 151

7.1.4. O Grande Trono Branco (Ap 20.11-15) ................................................................. 153

ESTUDO 30

7.2. O Novo Céu, a Nova Terra e a Nova Jerusalém (Ap 21) ............................................... 154

7.2.1. O Novo Céu e a Nova Terra (Ap 21.1-8) ................................................................ 154

7.2.2. A Nova Jerusalém (Ap 21.9 – 22.5) ........................................................................ 157

ESTUDO 31

7.3. Conclusão do Livro do Apocalipse (Ap 22.6-21)........................................................... 162

7.3.1. O Regresso de Jesus (Ap 22.6-17) ............................................................................... 163

7.3.2. A Advertência (Ap 22.18-19)...................................................................................... 165

7.3.3. Promessa e Bênção (Ap 22.20-21) .............................................................................. 166

CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 167

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................. 168

Page 7: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

1

ESCATOLOGIA UM BREVE ESTUDO

Introdução Antes de estudarmos detalhadamente o livro do Apocalipse, faz-se necessário que conheçamos um pouco sobre a escatologia bíblica. O termo “escatologia” origina-se de duas palavras gregas e;scato,j que significa “último” ou mais precisamente “últimas coisas” e lo,goj que significa “palavra, estudo, doutrina”, então escatologia é o estudo, a doutrina das últimas coisas. Contudo, um estudo adequado sobre escatologia não tratará especificamente “das últimas coisas”, limitado apenas ao fim como é comum pensar, mas, da teleologia1, isto é, os propósitos de Deus sendo executados em todas as épocas. Assim sendo, podemos falar de escatologia inaugurada e de escatologia futura. Uma escatologia bíblica tratará especialmente da evidência de que Deus tem um propósito destinado ao homem, à História, ao mundo. Este assunto permeia o todo da Revelação (a Bíblia) começando pela Criação, passando pela Expiação e chegando à Consumação da História com a Glória por vir.

I – A Escatologia do Velho Testamento É preciso entender que não encontramos escatologia somente em livros como o de Daniel e Apocalipse; ela está presente em toda a Bíblia. Jürgen Moltmann diz: “Do começo ao fim, e não apenas no epílogo, o Cristianismo é escatologia, é esperança, olhar e andar para a frente e, por causa disso, também, é revolucionar e transformar o presente. O escatológico não é um dos elementos da Cristandade, mas é o agente da fé cristã em si, a chave à qual tudo está ajustado...Por isso, escatologia não pode realmente ser apenas uma parte da doutrina cristã. Antes, a perspectiva escatológica é característica de toda a proclamação cristã, de cada existência cristã e de toda a Igreja”2. Já no Antigo Testamento, na história de Israel, vemos que a escatologia era uma certeza religiosa, ou seja, Israel sabia que Deus se levantaria a seu favor, julgando os inimigos e recriando a comunidade israelita. O fato de haver pouco da escatologia futura (p.ex.: vida pós-morte, Segunda Vinda de Cristo, Juízo Final, ressurreição final, etc.) no Antigo Testamento, não quer dizer que não há nada de escatologia ali. O Antigo Testamento tem alguns elementos importantes que são anunciados (inaugurados) ali, os quais lançam a base para todos esses eventos escatológicos futuros. Vejamos. O Redentor (Messias) Em todo o Antigo Testamento a promessa da vinda do Messias (Ungido do Senhor), levou o povo de Israel a esperar aquele que viria para libertá-lo da opressão dos inimigos. Deveria ser um grande Profeta, como prometeu Moisés (Dt 18.15); deveria ser o Sacerdote Eterno (Sl 110.4); e também o Grande Rei (Zc 9.9). A narrativa da Queda em Gn 3 é imediatamente seguida da promessa da vinda do Redentor (Gn 3.15). A serpente que ali agiu enganando Eva, é o dragão, agente de Satanás no livro do Apocalipse (Ap 12.9; 20.2). O Messias também seria descendente de Abraão, da tribo de Judá (Gn 22.18; 49.10), e, também da descendência de Davi (2Sm 7.12-13). O Messias reuniria em sua pessoa o tríplice ministério: profeta (Dt 18.18), sacerdote (Sl 110.4) e rei (Zc 9.9). O Messias é também descrito como “o Servo do Senhor”. Ele seria o “Servo sofredor” que suportaria a ira de Deus no lugar do Seu povo (Is 53). Assim, Israel viveu na expectativa da vinda do Messias.

1 Do grego teloj (término, cessação, conclusão) e, lo,goj (estudo, doutrina). 2 HOEKMA, 1989, p.9.

Estudo 01

Page 8: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

2

O Reino A expectativa da vinda do Messias levou Israel a almejar o Seu Reino, o qual seria a instalação da completa paz e segurança ao povo. Isso pode ser visto na promessa feita a Davi (2Sm 7.12-13) bem como também no livro de Isaías (Is 9.7). O Reino de Deus teria como principal característica a Sua presença entre o Seu povo, na pessoa do Messias, que estaria sempre presente, daí o nome Emanuel atribuído a Jesus que significa “Deus conosco”. O Seu Reino seria estabelecido na justiça. Apesar de o termo “reino de Deus” não ser encontrado no Antigo Testamento, o pensamento de que Deus é rei está presente particularmente nos Salmos e nos profetas. Deus é denominado, frequentemente, de Rei, tanto de Israel (Dt 33.5; Sl 84.3; 145.1; Is 43.15) como de toda a terra (Sl 29.10; 47.2; 96.10; 97.1;103.19; 145.11-13; Is 6.5; Jr 46.18). O Reino seria eterno. É especialmente Daniel quem desenvolve a idéia do reino vindouro. Em Dn 2 em sua profecia, ele fala acerca do reino que Deus um dia levantará, que nunca será destruído, que quebrará todos os outros reinos em pedaços e que permanecerá para sempre (v.44-45). E em Dn 7.13-14, como vimos, àquele um como filho do homem é dado um domínio eterno e um reino que não será destruído. Por causa disso Daniel prediz não apenas a vinda de um reino futuro, mas conjuga este reino com a vinda do Redentor, a quem descreve como o Filho do Homem. O fato de Seu senhorio não ser reconhecido por todos, se dá por conta do pecado no coração humano. O Seu povo, sempre foi advertido pelos profetas de que um dia Ele viria ajustar contas, não somente com Israel, mas com todo o mundo. Disso decorre o terceiro elemento escatológico, o Dia do Senhor. O Dia do Senhor Esta expressão (também encontrada na forma abreviada “aquele dia”) é o dia em que essas promessas haveriam de acontecer, a saber, a vinda do Messias e a instauração do Reino de Deus. Este dia, segundo a escatologia do Antigo Testamento seria um dia horrível para os inimigos de Deus e do Seu povo, mas, de glória e alegria indizíveis para o povo de Deus. Dois conceitos veterotestamentários escatológicos muito importantes relativos ao Dia do Senhor são o da Nova Aliança e o da Restauração de Israel. 1- A Nova Aliança. Essa ideia é central no Antigo Testamento. Todas as alianças anteriormente feitas

com Israel foram quebraram pelo mesmo por conta de sua idolatria. Contudo, sua desobediência não anulou os planos de Deus. Todas aquelas alianças apontavam para a Nova Aliança a qual Deus anunciara por boca de Jeremias: “Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam minha aliança” (Jr 31.31-32; ver também 33-34). Essa Nova Aliança foi instaurada pelo nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 26.28; Mc 14.24; Lc 22.20; Hb 8.8-13; 1Co 11.25).

2- A Restauração de Israel. Com a divisão do reino após a morte de Salomão, ambos, Israel (Samaria, a capital) e Judá (Jerusalém, a capital) caíram sucessivamente em profunda idolatria e apostasia. Os profetas pregaram a fim de trazer o povo ao arrependimento e à presença de Deus. Obstinados em seus caminhos, ambos caíram em desterro e exílio nas mãos de inimigos: Israel sob o poder da Assíria em 722 a.C., e em 608 a.C., foi a vez de Judá cari sob o poder da Babilônia. Em meio a esse caos, vários profetas pregaram a futura restauração de Israel do seu cativerio (cf. Jr 23.3; Is 11.11). Tal restauração não aconteceria sem um verdadeiro arrependimento, pois, essa restauração seria marcada também pelo cumprimento de outra promessa, a saber, o derramamento do Espírito Santo (cf. Jl 2.28-29). Este derramamento do Espírito, portanto, foi outro evento escatológico no horizonte do futuro ao qual o crente da época véterotestamentária olhava com ansiosa antecipação. É notável, no entanto, nos versos seguintes da profecia de Joel, a menção de prodígios nos céus e na terra; sangue, fogo, e colunas de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha

Page 9: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

3

o grande e terrível dia do Senhor” (Jl 2.30-31). Certas passagens do Novo Testamento (por exemplo, Lc 21.25, Mt 24.29) relacionam os sinais mencionados acima como a Segunda Vinda de Jesus Cristo. Contudo, Joel parece pregá-los como se eles fossem acontecer imediatamente antes do derramamento do Espírito. A menos que alguém interprete esses sinais de forma não literal (em cujo caso a transformação do sol em trevas poderia ser entendida como cumprida nas 3 horas de trevas enquanto Jesus estava na cruz), parecerá que Joel, em sua profecia, vê numa única visão, como acontecendo conjuntamente, eventos que de fato estão separados um do outro por milhares de anos. Este fenômeno é chamado de perspectiva profética, e ocorre frequentemente nos profetas do Antigo Testamento, e ocorre também no Novo Testamento como p.ex.: Mt 24 – 25. Essa esperança da restauração de Israel é trazida para o Novo Testamento, e aplicada á restauração da Criação – natureza e filhos de Deus (cf. Rm 8.18-30).

Estes conceitos serão analisados novamente quando estivermos estudando as principais linhas de interpretação do Milênio (Pré-Milenismo Histórico, Pré-Milenismo Dispensacionalista, Pós-Milenismo e Amilenismo).

II – A Escatologia do Novo Testamento A expectativa do Antigo Testamento foi completamente realizada na pessoa de Jesus Cristo, veja-se as palavras de Simeão (Lc 2.25, 28-32), e da profetiza Ana (Lc 2.38). O Novo Testamento assim como o Velho Testamento, possui uma visão fortemente orientada para o futuro. Há uma convicção profunda de que a obra redentora do Espírito Santo experimentada agora é apenas um prelúdio de uma redenção muito mais rica e completa no futuro, e que a era que foi instaurada pela primeira vinda de Cristo será seguida de outra era, que será mais gloriosa do que esta. Em outras palavras, por um lado o crente do Novo Testamento está consciente do fato de que o grande evento escatológico predito no Velho Testamento já aconteceu, enquanto que, por outro lado, ele percebe que outra significativa série de eventos escatológicos ainda está por vir3. Ao lermos o Novo Testamento, tomamos conhecimento de que o que havia sido prometido ao povo de Deus e que deveria acontecer naqueles dias, acontecera perfeitamente como Deus havia prometido. Enquanto isso, podemos perceber também que o Novo Testamento trouxe consigo uma nova série de promessas (do Antigo Testamento) que deverão acontecer no tempo e modo determinados por Deus em Sua santa vontade. O “Já” e o “Ainda Não” No Novo Testamento notamos uma tensão presente entre o que crente já desfruta mas, ainda não o possui; já desfrutamos da alegria do perdão, a certeza de que um dia estaremos com Cristo na Glória, mas, ainda não estamos lá na glória; o que já foi cumprido na História, mas, ainda não foi completado entre o presente e o futuro. No Novo Testamento vemos que grande parte do que fora predito no Antigo Testamento já aconteceu, mas, ainda não completamente, pois, há muito ainda para se concretizar até o Dia do Juízo Final. Aqui temos um consolo maravilhoso ao nosso coração: as promessas de Deus se cumprirão porque Ele é fiel; se Ele cumpriu todas aquelas promessas que já deveriam ter-se cumprido, por que haveria de falhar naquelas que ainda não chegaram a seu tempo determinado?

Um grande número de outros detalhes a respeito da vida, morte e ressurreição de Jesus é citado como cumprimento das profecias do Antigo Testamento: seu nascimento em Belém (Mt 2.4-6; comparado com Mq 5.2), sua fuga para o Egito (Mt 2.14-15; Os 11.1), sua rejeição pelo seu povo (Jo 1.11; Is 53.3), sua entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21.4-5; Zc 9.9), sua venda por trinta moedas de

3 Cf. HOEKEMA, 1989, p.22.

Page 10: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

4

prata (Mt 26.15; Jr 18, 19.1-13 e 32), ser pregado numa cruz (Jo 19.34; Zc 12.10), o fato dos soldados lançarem sortes sobre suas vestes (Mc 15.24; Sl 22.18), o fato de nenhum de seus ossos ter sido quebrado (Jo 19.33; Sl 34.20), o fato de que ele deveria ser sepultado com o rico (Mt 27.57-60; Is 53.9), sua ressurreição (At 2.24-32; Sl 16.10) e sua ascensão (At 1.9; Sl 68.18)4. Os Últimos Dias A expressão “últimos dias” não diz respeito à última semana antes da volta de Cristo, mas, sim, ao período que vai desde a primeira vinda até à segunda vinda de Cristo. Os escritores do Novo Testamento estão conscientes de que eles já estão vivendo nos últimos dias. Isto é, especialmente declarado por Pedro, em seu grande sermão, no dia de pentecostes, quando ele cita o seguinte da profecia de Joel: “estes homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda carne...” (At 2.15-17). Paulo também seguiu nessa mesma direção quando falou da “plenitude dos tempos” (Gl 4.4; Ef 1.10), mostrando assim que a primeira vinda de Cristo foi esse tempo exato de Deus para que Cristo viesse ao mundo. A palavra “plenitude” aponta para “cumprimento, conclusão”. Concluímos, então, que a natureza da escatologia do Novo Testamento pode ser resumida sob estas três observações: (1) o grande evento escatológico predito no Antigo Testamento já aconteceu; (2) aquilo que para escritores do Antigo Testamento representava um movimento é visto agora como envolvendo dois estágios: a era presente e a era do futuro; e (3) a relação entre estes dois estágios escatológicos é que as bênçãos da era presente são penhor e garantia de bênçãos maiores no porvir5.

III – Cristo: o Centro da História Como pudemos ver, Cristo é o centro das profecias do Antigo Testamento. Sem Ele não há o Reino de Deus e o Dia do Senhor, portanto, não há Redenção do Seu povo. Também vimos que Ele é o centro das profecias do Novo Testamento. Sem Ele não há esperança da glória eterna, ressurreição, Juízo, etc. Sem Cristo a História fica sem sentido, desfigurada e desconexa (Gl 4.4; Ef 1.10-14). Num gráfico:

Jesus Cristo

Antigo Testamento Novo Testamento Criação Igreja (Israel) Profetas Apóstolos Igreja (gentios) Consumação dos Séculos “Primeiros Tempos” “Últimos Tempos”

Aplicação Prática Falar de Escatologia é falar da Soberania de Deus que executa tudo dentro de Sua vontade. É ver que a nossa existência tem um propósito predefinido por Deus, e que como Seu povo, “somos mais que vencedores por meio Daquele que nos amou” (Rm 8.37). Esta verdade deve estar presente em nosso coração ao estudarmos o livro do Apocalipse.

4 Cf. HOEKEMA, 1989, p.24. 5 Ibid, p.31.

Page 11: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

5

ESCATOLOGIA UM BREVE ESTUDO

O MILÊNIO As Quatro Principais Escolas de Interpretação Escatológica

Introdução O conceito bíblico sobre o Reino de Deus como vimos anteriormente, está presente no Antigo Testamento na mensagem dos profetas e também no Novo Testamento, em especial com a primeira vinda de Cristo. Mas, há um único texto em toda a Bíblia em que aparece a ideia de um Reino Milenar de Cristo, a saber, o texto de Ap 20.3-4. Este mesmo texto tem sido interpretado de forma diferente e há pelo menos quatro formas de interpretação as quais preferimos chamá-las de “escolas de interpretação”. As quatro escolas de interpretação são: Pré-Milenismo Histórico, Pré-Milenismo Dispensacionalista, Pós-Milenismo e Amilenismo. Por se tratar de um assunto tão controverso, deixamos a critério de cada um escolher qual escola que quiser seguir, mesmo porque no decorrer da História grandes homens de Deus e crentes sinceros nem sempre tiveram a mesma opinião quanto ao assunto.

I – O Pré-Milenismo Histórico (Cristo volta antes do Reino Milenar)

Esta escola interpreta literalmente Ap 20.3-4, e afirma que o Milênio será estabelecido com a segunda vinda de Cristo, e que Ele reinará literalmente por mil anos sobre a terra. Nessa “era de ouro”, Cristo regerá as nações com cetro de ferro, a partir de Jerusalém, e minimizará o mal a ponto de extingui-lo. Ao cabo desses mil anos, Satanás será solto e influenciará as nações a ponto de levá-las a guerrearem contra Jerusalém. Mas, essas nações rebeldes serão consumidas pelo fogo de Deus. Em seguida, Deus estabelecerá o juízo final e a eternidade. Podemos resumir o pensamento do Pré-Milenismo Histórico com o seguinte gráfico:

Os pré-milenistas creem que a volta de Cristo será precedida de certos sinais como a pregação do Evangelho a todas as nações, uma grande apostasia, guerra, fomes, terremotos, o aparecimento do Anticristo e uma grande tribulação. Sua volta será seguida de um período de paz e justiça antes do fim do mundo. Cristo reinará como Rei pessoalmente ou através de um grupo seleto de seguidores. Este reino não será estabelecido pela conversão de indivíduos durante um longo período de tempo, mas virá de modo súbito e por irresistível poder. Os judeus se converterão e se tornarão muito importantes durante este tempo. A Natureza participará das bênçãos “mileniais” produzindo abundantemente. Mesmo as bestas ferozes serão domadas. O mal é mantido preso nessa era por Cristo que governa com “vara de ferro”. No entanto, no fim do milênio há uma rebelião de homens ímpios que quase consegue superar os santos. Alguns pré-milenistas ensinaram que durante esta era áurea os

Fogo Divino contra as nações rebeldes Triunfo do povo de Deus.

Juízo Final e Eternidade

A soltura de Satanás Sedução das nações que se rebelarão contra Jerusalém. Os santos de Deus quase serão vencidos.

Milênio Cristo volta para reinar em Jerusalém por Mil Anos. Tempos de paz. Os judeus se converterão a Cristo.

A Volta de Cristo Igreja arrebatada

Últimos Dias Período entre a 1ª e a 2ª vinda de Cristo

Estudo 02

Page 12: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

6

crentes mortos serão ressuscitados com seus corpos glorificados para se misturarem livremente com os outros habitantes da terra. Após o Milênio os mortos não-crentes serão ressuscitados e os estados eterno de Céu e inferno estabelecidos6. Usando o método Literalista (interpretação literal), o Pré-Milenismo Histórico ao interpretar Ap 20.3-4 como exposto acima lança mão de profecias do Antigo Testamento tais como as de Is 11. 3 e 4; Jr 31.33 e 34; Sl 110.1, interpreta-as de forma “espiritualizante” e “alegórica”, ou seja, buscando um outro sentido nas palavras (geralmente o sentido pretendido e não o que é real e único). Isso incorre em contradição, pois, ao usar um método literal não se pode aplicar um método não-literal ao mesmo texto. Daí a grande dificuldade do Pré-Milenismo Histórico (e também o Dispensacionalista), pois, ele aplica o critério que lhe convém a cada texto e não o que realmente deve ser aplicado. Os defensores do Pré-Milenismo Histórico atestam que ele sempre foi a posição da Igreja desde a época dos apóstolos, mas isso carece de esclarecimento. A ideia de um reino de Cristo aqui na terra que duraria mil anos, acompanhou a Igreja até por volta do terceiro século, sendo rechaçada pelo grande teólogo Agostinho bispo de Hipona, o qual apresentou uma nova forma de interpretar o Milênio descrito em Ap 20.3-4. Seu método de interpretação ficou conhecido por Amilenismo, o qual perdurou até a Reforma Protestante do século XVI. Em 1534 um homem chamado Jan Mathys na cidade de Münster, comandou uma rebelião contra o governo, tomando como base os princípios milenistas de um reino de paz e justiça. Ele chegou ao absurdo de intitular-se Enoque e como tal estava preparando o caminho para a volta de Cristo estabelecendo uma comunidade do bem exterminando os códigos legais. Também disse que Münster era a Nova Jerusalém do Apocalipse. Tal episódio terminou num massacre horrendo. Ainda no século XVI que um teólogo calvinista com tendências milenistas chamado Johann Heinrich Alsted (1588 – 1638) reviveu o Pré-Milenismo Histórico através de um livro que escrevera intitulado “A Cidade Amada”, no qual apresentava seus pontos de vista. Contudo, o sistema político da época sufocou esses ideais pré-milenistas a ponto de torná-los desacreditados. Mas depois o Pré-Milenismo Histórico voltou no século XVIII com J.H. Bengel, Isaac Newton e Joseph Priestley.

II – O Pré-Milenismo Dispensacionalista (Cristo volta em duas etapas) J. N. Darby (1800-1882), um antigo líder de um grupo chamado “Os Irmãos de Plymonth” articulou a perspectiva dispensacionalista do Pré-Milenismo7. Esta escola é uma das mais populares. É muito parecida com a escola do Pré-Milenismo Histórico no que diz respeito à sua expectativa por um reino milenar futuro e literal. A diferença entre essas duas escolas está em alguns detalhes específicos. O Pré-Milenismo Dispensacionalista afirma que a segunda vinda de Cristo será em duas etapas, sendo a primeira num arrebatamento secreto da Igreja, seguido de um período de sete anos de grande tribulação, durante o qual haverá algumas conversões. Então Cristo voltará nessa segunda etapa da Sua segunda vinda e instaurará o Seu reino milenar junto à Sua Igreja. Outro detalhe específico dessa escola é o tratamento diferenciado que ele dá a Israel em relação à Igreja, como por exemplo, a distinção a respeito dos “últimos dias” em relação a Israel e à Igreja, tendo para ambos um significado diferente8. Mesmo no milênio, esses dois grupos serão distinguidos. A Igreja é uma espécie de parêntesis na história de Deus com Israel. Como na Sua primeira vinda, Cristo e o Seu Evangelho foram rejeitados pelos judeus, Deus então abriu as portas do Seu reino para os gentios e, assim formou a Sua Igreja. Porém, no fim, Ele voltará a tratar com Israel. Tanto o Pré-Milenismo Histórico quanto o

6 Cf. CLOUSE, 1990, p. 8. 7 Cf. CLOUSE, 1990, p.10. 8 Cf. CHAFER, 2003, vol.3-4, p.720.

Page 13: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

7

Dispensacionalista são literais na interpretação das passagens do Antigo Testamento sobre a restauração de Israel, e, também do Apocalipse9. Podemos resumir o pensamento do Pré-Milenismo Dispensacionalista com o seguinte gráfico:

Israel Igreja O Pré-Milenismo Dispensacionalista, apesar de ser o mais popular, é, também, o mais vulnerável. Afirmar a Segunda vinda de Cristo em “duas etapas”, é forçar o significado dos textos bíblicos. Outro exemplo de sua fragilidade é que ele não explica como após o Reino Milenar de Cristo durante o qual Satanás será preso, este será solto por breve tempo. Lewis Sperry Chafer simplesmente argumenta que isso não passa de mera especulação: “Mera especulação sobre a razão dessa soltura não é necessária”10. Contudo, a maior dificuldade com o Pré-Milenismo Dispensacionalista é que, sendo ele o desdobramento lógico do Dispensacionalismo que distingue Israel e a Igreja apresentando “duas classes” do povo de Deus, e não apenas um povo, como indicam a Alianças que Deus fizera com Israel tratando-o como “Igreja de Deus”, e a Igreja como “o Israel de Deus”, deixando claro que tanto Israel quanto a Igreja são o povo de Deus. Israel foi o primogênito dentre as nações. E justamente por fazer essa distinção entre Israel e a Igreja, o Pré-Milenismo Dispensacionalista tem uma abordagem confusa das profecias bíblicas a respeito da Escatologia.

III – Pós-Milenismo (Cristo volta depois do avanço do Evangelho nesta era) Loraine Boettner diz: “Pós-Milenismo é aquela concepção das últimas coisas que sustenta que o reino de Deus está sendo estendido agora no mundo pela pregação do Evangelho e a obra salvadora do Espírito Santo no coração dos indivíduos, que o mundo irá finalmente ser cristianizado e que a volta de Cristo ocorrerá no final de um longo período de retidão e paz comumente chamado de milênio”11. Para o Pós-Milenismo o reino de Cristo não é um império ou domínio sobre o qual o Senhor reina. É, mais corretamente, o governo de Cristo nos corações dos homens. Onde quer que os homens acreditem em Jesus Cristo, dediquem-se a Ele, e O obedeçam, o reino está presente. Não é algo para ser introduzido de modo cataclísmico nalgum tempo futuro12.

9 Cf. LIMA, 2006, p.599. 10 CHAFER, 2003, vol.3-4, p.726. 11 Ibid, p.107. 12 Cf. ERICKSON, 1982, p.47.

Fogo Divino contra as nações rebeldes Triunfo do povo de Deus.

Juízo Final e Eternidade O Grande Trono Branco, condenação de Satanás, dos ímpios, término da presente era, Novo Céu e Nova Terra – O Dia de Deus

A breve soltura de Satanás Provocará guerras enganando os reinos.

1ª Etapa da Volta de Cristo A Igreja é arrebatada secretamente. Primeira ressurreição.

Últimos Dias Distinção entre a Igreja e Israel.

Sete anos de tribulação Haverá algumas conversões. Surge o homem da iniquidade; Armagedom, queda da Babilônia.

2ª Etapa da Volta de Cristo Ele retorna com a Igreja. O Reino Milenar é instaurado. Satanás é preso.

Page 14: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

8

Por meio da pregação do Evangelho, diz o Pós-Milenismo, todas as nações serão alcançadas e convertidas, o que não será uma realização da perícia humana, mas, sim, da graça de Deus agindo nos corações. Haverá uma cristianização do mundo. Bem próximo ao final dessa era de avanço do Evangelho, Satanás será solto, e então Jesus voltará e o destruirá. Num gráfico, o Pós-Milenismo fica assim: O Pós-Milenismo se apoia em alguns “pilares”: (1) O reino de Deus no Milênio “está no coração do crente”, e não é uma força política organizada conforme a nossa concepção comum de reino; (2) a conversão de todas as nações por meio da pregação do Evangelho; essa conversão não será universal (todo ser humano será um crente), mas, sim, que em todas as nações haverão crentes; (3) o Milênio é um longo período de paz; quanto mais pessoas se converterem, maior será a extensão dessa paz; (4) o Milênio não é um período literal medido pelo calendário, mas, sim, um longo período de tempo que aumenta conforme o tempo passa e o Evangelho é pregado. Não é uma intervenção abrupta como afirma o Pré-Milenismo; (5) no final do Milênio haverá uma grande apostasia que culminará com a aparição do Anticristo; (6) o Milênio terminará com a volta pessoal de Cristo; (7) em seguida acontece a ressurreição geral e a transformação dos crentes que estiverem vivos e o grande julgamento aplicando a sentença do inferno aos incrédulos e a vida eterna (os céus) aos crentes. Podemos situar o Pós-Milenismo na história aparecendo logo no começo da Era Cristã. Por esperarem a Volta de Cristo a qual traria consigo um reino de transformação completa nas esferas econômica, social e política. Os primeiros cristãos (nem todos, pois, é importante lembrar que as opiniões sobre o assunto variavam muito como acontece ainda hoje) entenderam que uma forma de tornar isso mais real (e rápido) seria a pregação do Evangelho, o que transformaria cada coração e, por conseguinte as atitudes das pessoas. Um dos grandes defensores do Pós-Milenismo no século IV foi Ticônio, que chegou até mesmo a marcar a data da volta de Cristo para o ano 380 d.C. Por não sabermos com exatidão a data da sua morte (390 d.C. ?) não temos como precisar o que ele fez com sua previsão da volta de Cristo depois do ano 380 d.C. Dando um salto na História, vemos que à medida que o Pré-Milenismo foi perdendo sua força, o Pós-Milenismo cresceu tornando-se a interpretação escatológica vigente, recebendo sua formulação mais atrativa através da obra de Daniel Whitby (1638-1726). De acordo com a sua interpretação, o mundo teria de ser convertido a Cristo, os judeus restaurados à sua terra e o papa e os turcos derrotados, após o que a terra gozaria um tempo de paz, felicidade e justiça universais por mil anos. Ao final deste período Cristo retornaria pessoalmente para o juízo final. Talvez por causa de sua concordância com os pontos de vista do Iluminismo do século XVIII, o Pós-Milenismo foi adotado pelos principais teólogos e pregadores da época. O Pós-Milenismo apesar de respeitar a interpretação de cada texto (se o texto está claro, a interpretação deve ser literal, se o texto traz consigo símbolos e figuras de linguagem, a interpretação

Milênio Longo período de paz e prosperidade. Visto espiritualmente nos corações como resultado da pregação do Evangelho a todas as nações. O avanço do Milênio é progressivo e não abrupto como afirma o Pré-Milenismo. O mal não será totalmente eliminado, mas, reduzido a proporções tão insignificantes que não oferecerá resistência significante ao bem. No fim do Milênio, Satanás será solto, haverá uma grande apostasia e expansão da maldade culminando com o surgimento do Anticristo.

A volta de Cristo Ressurreição de todos os mortos, e em seguida transforma os corpos dos crentes que estiverem vivos. Recolhe a Igreja e com ela julga o mundo e Satanás.

Estado Eterno Os Céus de glória para os crentes, e o inferno para os não-crentes.

Page 15: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

9

deve ser respeitar o simbolismo do texto), traz um sério problema: soa como uma utopia. Seus conceitos sobre o Milênio ser um período de paz perfeita, na qual o avanço do Evangelho vai transformando cada vez mais a sociedade, diminuindo o mal a ponto de torná-lo quase insignificante, entra em conflito direto com os ensinamentos de Jesus não só sobre os últimos dias como também sobre todos os dias dessa Era a qual Ele mesmo disse que haveríamos de enfrentar muitas tribulações e aflições (Jo 16.33). Também contrasta com o ensinamento de 2Tm 3.1-7. Além disso, se olharmos ao nosso redor ficaremos estarrecidos com tanta maldade em todas as classes sociais, grupos e setores. Com as duas Guerras Mundiais no século XX, o Pós-Milenismo perdeu bastante terreno. Porém, em nossos dias temos visto o mesmo revigorando.

IV – Amilenismo (Cristo já está reinando nesta era e reinará eternamente) É fato que a nomenclatura “Amilenismo” (Não-Milênio) não faz jus ao que esta escola realmente ensina. O Amilenismo não vê como literais os “mil anos” de Ap 20.3-4, mas, crê, sim, no reinado literal de Cristo nesta presente era conhecida como “últimos dias”. Para o Amilenismo o período que é chamado de “Milênio” já está em atividade nesta era que começou com a primeira vinda de Cristo e terminará com a segunda vinda, (“últimos dias”). Portanto, o Amilenismo compreende que os sinais dos tempos (pregação do Evangelho, apostasia, guerras, fomes, terremotos etc.) estão presentes em toda Era Cristã, os “últimos dias”. Assim que Cristo voltar procederá a ressurreição geral (todos os mortos tanto os crentes como os não-crentes) e a transformação dos crentes que estiverem vivos os quais receberão um corpo glorificado semelhante ao de Cristo (Fp 3.21). Num gráfico colocamos o Amilenismo assim: O Amilenismo é a mais simples destas quatro escolas de interpretação. Isso se deve ao método empregado pelo Amilenismo que é o de respeitar o simbolismo do livro do Apocalipse, bem como todas as literaturas desse gênero, a saber, as Literaturas Apocalípticas13. Ao contrário do Pré-Milenismo Histórico e Dispensacionalista que afirmam fazer uma interpretação literal, mas, que, quando um texto oferece uma certa resistência a esse método mudam para uma interpretação simbólica (o que traz muita dificuldade para se saber quando um texto é simbólico ou literal) como Anthony A. Hoekema observou ao dizer: “A diferença entre um intérprete amilenista e um pré-milenista aparece quando cada um deles procura indicar quais profecias devem ser interpretadas literalmente e quais devem ser interpretadas de forma não literal. Nisto haveria grande divergência de opinião”14. Tomemos como exemplo o livro do Apocalipse. O Amilenismo leva em consideração a importância que o livro teve em primeiro lugar, para os cristãos da época em que foi escrito. Que sentido faria para aqueles nossos irmãos um livro que dissesse algo a respeito apenas de um futuro distante? Que consolo teriam eles para aquele momento? Logo, o Amilenismo vê em primeiro lugar os benefícios do livro àqueles irmãos e considera também a importância do mesmo para nós que vivemos

13 Sobre “Literatura Apocalíptica” leia o próximo capítulo deste estudo, no ponto I “O propósito do livro”. 14 In CLOUSE, 1990, p.157.

Era Cristã (Últimos Dias) O Milênio não-literal Reinado literal de Cristo Apesar dos sinais dos tempos (pregação do Evangelho, apostasia, guerras, fomes, terremotos, crescimento tanto do bem quanto do mal, etc.), Cristo está reinando neste mundo e sempre reinará.

A Volta de Cristo Ressurreição geral, transformação dos crentes que estiverem vivos, o Juízo Final, a condenação de Satanás e dos ímpios (Lago de Fogo), e a recompensa dos crentes (Céu).

Eternidade A glória eterna aos crentes os quais reinarão com Cristo eternamente, e o Juízo sobre os ímpios no inferno.

Page 16: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

10

numa época diferente, mas, que traz também problemas e lutas para a Igreja de Cristo. Robert Clouse sintetizou bem o pensamento amilenista15:

Os amilenistas mantêm que a Bíblia não prevê um período de paz e justiça universais antes do fim do mundo. Eles creem que haverá um crescimento contínuo do bem e do mal no mundo que culminará na Segunda Vinda de Cristo quando os mortos serão ressuscitados e se processará o último julgamento. Os amilenistas creem que o reino de Deus está presente agora no mundo, enquanto o Cristo vitorioso governa seu povo através de Sua Palavra e Espírito, embora eles também vejam adiante um reino futuro, glorioso e perfeito, na nova terra na vida do porvir.

Conclusão Como dissemos no princípio deste estudo, cabe a cada um escolher a escola de interpretação que mais lhe faça sentido e obedeça à uma exegese correta dos textos, respeitando seus detalhes. Contudo, para orientarmo-nos em nossos estudos em Apocalipse escolhemos a escola Amilenista, justamente por se tratar de um livro carregado de simbolismos os quais devem ser respeitados para não serem transformados em coisas completamente avessas aos demais ensinamentos das Escrituras, além do que, o Amilenismo é o desfecho lógico do Aliancismo. Para ajudar-nos a escolher qual escola nos pareça mais plausível, apresentamos um gráfico elaborado por Leandro Lima16, comparando as quatro escolas em vários pontos.

Eventos Amilenismo Pós-Milenismo Pré-Milenismo Histórico

Pré-Milenismo Dispensacionalista

Segunda Vinda Evento singular, nenhuma distinção entre arrebatamento e segunda vinda. Início do Estado Eterno.

Evento singular, nenhuma distinção entre arrebatamento e segunda vinda. Início do Estado Eterno.

Arrebatamento e segunda vinda simultâneos. Cristo retorna para estabelecer o Milênio.

Segunda vinda em duas fases. Cristo vem; arrebata a Igreja em secreto; retorna depois de sete anos de tribulação para buscar alguns convertidos; em seguida, estabelece o Milênio.

Ressurreição Ressurreição geral de crentes e incrédulos ocorrerá na segunda vinda.

Ressurreição geral de crentes e incrédulos ocorrerá na segunda vinda.

Ressurreição de crentes no início do Milênio e de incrédulos ao final.

Três ressurreições: crentes na segunda vinda, judeus depois dos sete anos de tribulação, e incrédulos ao final do Milênio.

Julgamento Julgamento geral de todas as pessoas.

Julgamento geral de todas as pessoas.

Julgamento na segunda vinda e depois do Milênio.

Julgamento em três etapas: na segunda vinda, depois dos sete anos de tribulação e depois do Milênio.

15 CLOUSE, p.8. 16 Cf. LIMA, 2006, p.600.

Page 17: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

11

Tribulação Experimentada na presente era (“últimos dias”).

Experimentada na presente era (“últimos dias”).

Experimentada na presente era (“últimos dias”).

Igreja é arrebatada antes da tribulação.

Milênio Não-literal. Crentes reinam com Cristo no céu e sobre a terra até a segunda vinda.

A presente era entrará no Milênio pelo progresso dos povos mediante o Evangelho.

Milênio futuro após a vinda de Jesus. Reino milenar literal sobre as nações do mundo.

Milênio futuro após a vinda de Jesus. Reino milenar literal sobre as nações do mundo.

Israel e a Igreja A Igreja é Israel no Novo Testamento. Nenhuma distinção entre Israel e a Igreja.

A Igreja é Israel no Novo Testamento. Nenhuma distinção entre Israel e a Igreja.

A Igreja é Israel no Novo Testamento. Porém, Deus tratará com Israel separadamente.

Completa distinção entre Israel e Igreja. Deus tem um programa para cada um dos grupos.

Defensores L. Berkhof, A. Hoekema, W. Hendriksen G. C. Berkouwer

Charles Hodge B. B. Warfield William Shedd L. Boetnner

G. E. Ladd M. J. Erickson A. Reese

L. S. Chafer J. D. Pentecost J. F. Walvoord

Page 18: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

12

O LIVRO DO APOCALIPSE INTRODUÇÃO

Introdução É comum ouvirmos as pessoas dizerem que têm medo de ler o Livro do Apocalipse, pois o mesmo é repleto de símbolos e figuras amedrontadoras. O Livro do Apocalipse deve levar ao medo aqueles que não estão seguros no amor de Deus, pois, para estes, o Dia do Juízo será terrível mesmo (cf. 1Jo 4.17-18). Mas, naqueles que estão seguros em Cristo, este livro inspira uma profunda admiração, um forte amor e uma indizível alegria, pois como disse Willian Hendriksen17:

Onde encontraremos em toda a literatura algo que exceda em majestade a descrição do Filho do Homem andando no meio dos sete castiçais de ouro (1.12-20), ou a vívida descrição do Cristo, Fiel e Verdadeiro, marchando triunfante, montado um cavalo branco, vestindo um manto salpicado de sangue, seguido dos exércitos celestiais (19. 11-16)? Onde acharemos um contraste mais veemente que aquele entre a destruição da Babilônia de um lado, e o regozijo da Jerusalém de ouro do outro (18. 19; 21.22)? E onde se descrevem com tamanha simplicidade e inusitada beleza o trono posto no céu e a bem-aventurada vida celestial (4.2-5, 14; 7.13-17)? Que abundância de conforto! Que visão do futuro! Acima de tudo, que revelação singular do sublime amor de Deus divisamos nas palavras da profecia deste livro!”.

Ao contrário do que muitos pensam, a palavra “Apocalipse” não significa “fim do mundo” ou qualquer coisa parecida, mas, sim, “Revelação”, tanto que logo no início do livro encontramos o seguinte: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João”, (Ap 1.1).

I – O Propósito do Livro Podemos dizer que o propósito desse livro é duplo: um propósito primário e um propósito geral. O propósito primário deste livro era trazer conforto imediato aos crentes daquela época que passavam por diversas lutas e perseguições. Em tempos de sofrimento e perseguição do Seu povo, o Senhor Deus sempre levantava homens aos quais Ele mesmo inspirava a transmitirem (e escreverem) mensagens de consolo, lembrando-lhes de que Ele não os havia abandonado. A esse tipo de mensagem dá-se o nome de Literatura Apocalíptica, a qual era uma revelação de Deus mostrando ao Seu povo que Ele o amava e por isso não o havia abandonado, antes, viria fazer justiça ao Seu povo livrando-o das mãos dos seus inimigos, trazendo assim, intensa paz. Em termos gerais o propósito do livro de Apocalipse é trazer conforto à Igreja militante em seu conflito contra as forças do mal, abrangendo assim, os crentes de todas as eras. Assegura-lhes que: ✓ Deus vê suas lágrimas (7.17; 21.4); ✓ Suas orações exercem grande influência no mundo (8.3,4); ✓ A vitória final lhe é garantida (15.2); ✓ O seu sangue será vingado (19.2); ✓ O seu Cristo vive e reina eternamente, e governa o mundo em função de Sua Igreja (5.7, 8); ✓ Ele virá pela segunda vez e levará Sua Igreja para Si mesmo, para “a ceia das bodas do Cordeiro”, e

habitará com ele para sempre, num universo totalmente novo (21.22).

17 HENDRIKSEN, 1987, p. 16.

Estudo 03

Page 19: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

13

II – O Tema do Livro Diante desses fatos podemos afirmar que o tema do livro do Apocalipse é: A vitória de Cristo e de Sua Igreja sobre Satanás (o dragão) e seus agentes. Um versículo que apresenta claramente essa ideia, o qual pode ser considerado o “versículo-chave” do livro, é Ap 17.14: “Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele”. Willian Hendriksen comenta que este livro “nos revela que as coisas não são o que parecem ser”18. (1) A besta que sobe do abismo parece ser vitoriosa. Depois de guerrear contra as duas testemunhas (os santos), os vence e os mata. Expõem a todos eles ao ridículo e escárnio, seus cadáveres são lançados nas ruas das abomináveis cidades, Sodoma e Egito (símbolos de depravação e humilhação), e quando todos os inimigos estão a festejar a vitória que tiveram, eis que os santos fiéis são ressuscitados depois de permanecerem mortos por três dias e meio. Estes então, derrotam definitivamente os inimigos da Igreja (11.7-15); (2) As orações dos crentes parecem não ser ouvidas (6.10). Mas os juízos lançados sobre a terra, são as respostas às orações deles (8.3-5); (3) Os crentes parecem malogrados? Na verdade, reinam! Sim, eles reinam sobre a terra (5.10) (os mil anos de Ap. 20.4); no céu com Cristo, sim, no novo céu e na nova terra, pelos séculos dos séculos (22.5). (4) Os que aparentemente são os vencedores, ou seja, Satanás e seus aliados, eles é que são os verdadeiros derrotados e vencidos – e exatamente na ordem inversa. Observe-se os seguintes textos: o dragão (12.3); a besta (13.10), o falso profeta (13.11) e Babilônia (14.8), nestes textos vemos o surgimento de cada um. Agora veremos a queda de cada um exatamente na ordem inversa à que eles surgiram: Babilônia (18.2); a besta e o falso profeta (19.20); o dragão (20.10).

III – A Quem o Livro é Dirigido Como já mencionamos no ponto anterior, o Livro do Apocalipse dirige-se primeiramente aos crentes daquela época (por volta do ano 90 d.C.) que sofriam nas garras do Império Romano. Por isso, uma interpretação futurista desconsidera completamente o significado e propósito primário do livro. Devemos evitar também uma interpretação puramente preterista. Por ser o livro do Apocalipse a Palavra de Deus, suas verdades são eternas, e, por isso mesmo, aplicáveis em quaisquer épocas. Mas, em que ou como podemos aplicar essas verdades do Apocalipse à nossa vida? Que sentido haverá para nós um livro que atendeu às necessidades apenas dos cristãos no passado? Não precisamos nós também de consolo e orientação? Com certeza! Por isso, devemos observar sempre o tema principal do Apocalipse. Devemos sempre saber que assim como Cristo esteve presente com Seus servos no passado, está conosco também; assim como nossos irmãos no passado venceram seus inimigos os quais eram subordinados de Satanás, também nós venceremos os nossos inimigos, pois, quem nos garante a vitória é Cristo, o Supremo Vencedor, que nos torna mais que vencedores pelo Seu poder. Assim como os crentes do passado faziam parte da Igreja Triunfante, nós também fazemos, e no final de tudo, quando todos os inimigos da Igreja Triunfante estiverem subjugados por Cristo, nós com Ele reinaremos.

IV – O Autor do Livro Apesar do autor se identificar logo no começo do livro como João (1. 1,4,9; 22.8), a questão é: qual João? Alguns negam que o autor do Apocalipse tenha sido João, o discípulo amado. Isto é devido em parte ao fato de que, enquanto o autor do Quarto Evangelho e das três Epístolas nunca fez menção de seu próprio nome, o autor do Apocalipse diz chamar-se João. Outras objeções são levantadas também:

18 HENDRIKSEN, 1987, p. 17.

Page 20: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

14

✓ Diferença existente no estilo da redação entre o Evangelho e as cartas de João e o Apocalipse; alega-se que o Evangelho e as cartas possuem uma redação na qual as ideias fluem suavemente, enquanto que, no Apocalipse, elas são abruptas. O Evangelho enfatiza o amor de Deus; o Apocalipse, o juízo e a justiça de Deus, dizem. O Evangelho mostra as condições interiores do coração; o Apocalipse dá ênfase ao curso externo dos eventos. O Evangelho é escrito no que se chama de “grego idiomático”, clássico e polido; enquanto, que, o Apocalipse está escrito num grego “rude, hebraístico e bárbaro”.

✓ Dizem também que há muita diferença na “doutrina” de ambos: o Evangelho prega uma mensagem de salvação “a todos que”, e a doutrina da salvação e da graça. Apocalipse, dizem, é tacanho e particularista; é judaico em sua doutrina da salvação e enfatiza a necessidade das boas obras.

✓ Afirmam também que a partir do terceiro século depois de Cristo, Dionísio de Alexandria atribuiu o livro do Apocalipse a “um outro João”, opinião que também foi adotada pelo historiador eclesiástico, Eusébio de Cesaréia19.

Mas todas essas objeções não têm uma base sólida. Vejamos os argumentos que são favoráveis à autoria Joanina do Apocalipse apresentados por Willian Hendriksen que desmontam os argumentos contrários. ✓ Quanto ao autor do livro ter-se apresentado como João, ao passo que no Evangelho e nas cartas não

menciona o seu nome, isso não traz nenhum problema. O apóstolo João era muito conhecido, portanto, não colocar o título de apóstolo ao seu nome não trouxe problemas, pois, qual outro João teria a autoridade para escrever um livro sagrado, que não fosse o apóstolo João? Estamos plenamente convictos de que naqueles dias havia somente um João que não necessitava acrescentar o distintivo “o apóstolo” ao seu nome, pela simples razão de que ele era conhecido como tal! Outrossim, o autor não chama a si mesmo de “apóstolo” pela simples razão de que ele escreveu este livro na qualidade de “profeta”, a quem visões foram reveladas (cf. Jo. 15.27; At. 1.22-23; 1Co. 9.1).

✓ As diferenças de cunho gramatical, de cunho estilístico ou em termos gerais devem ser admitidas. Mas isto significa que João, o apóstolo, não poderia ter escrito o Apocalipse? É claro que poderia! Como, pois, explicaremos tais diferenças, então? Alguns há que sustentem a opinião de que João tinha assistentes quando escreveu o Evangelho, enquanto João estava em Patmos, talvez os presbíteros de Éfeso; e isto explica as peculiaridades gramaticais e as características do estilo do Apocalipse, as quais são devido à ausência destes assistentes. Devemos levar em conta que o Evangelho, as cartas e o Apocalipse, são em si mesmos estilos literários diferentes. O Evangelho é um livro histórico-biográfico, as cartas são de cunho pessoal, correspondências, e o Apocalipse, literatura profética. Logo, qualquer diferença de estilo é perfeitamente normal e concebível. Devemos levar em conta que quando João escreveu Apocalipse ele estava num profundo êxtase e profunda comoção, pois, se achava “...no espírito...” (1.10).

✓ Ainda quanto à diferença na doutrina do Evangelho e do Apocalipse ressaltamos que: Jesus é chamado de “o Cordeiro de Deus” em Jo 1.29 e 36 e em Apocalipse pelo menos 30 vezes (p.ex.: 5.6,8,12,13). Ele também é chamado de “o Verbo de Deus” em Jo 1.1, e assim também em Ap 19.13. O Evangelho apresenta Jesus como o Ser pré-existente e eterno (Jo 1.1ss); da mesma forma procede o Apocalipse (22.13; 12.13). O Evangelho de João atribui a salvação do homem à soberana graça de Deus e ao sangue de Jesus Cristo (1.29; 3.3; 5.24; 10.10 e 11); também o Apocalipse, com muito mais ênfase (7.14; 12.11; 21.6; 22.17). E a doutrina do “todos que” é encontrada em ambos os livros (Jo 3.36; Ap 7.9; 22.17). Não há, pois, diferenças doutrinárias!

Como vimos, não resta dúvida de que o livro do Apocalipse foi escrito pelo mesmo autor do Quarto Evangelho e das Três Epístolas que levam o nome do apóstolo João, aquele “a quem o Senhor amava” (Jo 13.23).

19 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 20 e 21.

Page 21: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

15

V – A Data do Livro Algumas datas são levantadas como a provável data em que o livro fora escrito. A primeira é o ano 69 d.C., pois, segundo consta, até então o templo de Jerusalém ainda não havia sido destruído pelos romanos e segundo (Ap 11.1), João recebera uma ordem para medir o santuário (templo). Mas tal afirmação não tem base sólida. Outra data está entre os anos 95 e 96 d.C., a qual conta com o apoio de um dos pais da Igreja chamado Irineu. Ele diz: “Porque foi vista não faz muito tempo (isto é, a visão do Apocalipse por João), quase em nossos próprios dias, para o final do reinado de Domiciano”, e ainda: “...a Igreja em Éfeso, fundada por Paulo, na qual viveu João até os dias de Trajano (98 – 117 d.C), é um verdadeiro testemunho da tradição dos Apóstolos”20. Willian Hendriksen apresenta outras evidências que comprovam que o livro foi escrito entre os anos 95 e 96 d.C. ✓ Apocalipse retrata uma época em que Éfeso já perdera seu primeiro amor; ✓ Sardes já estava morta; ✓ Laodiceia – que fora destruída por um terremoto durante o reinado de Nero – já tinha sido

reedificada e já se vangloriava de sua riqueza espiritual (3.17); ✓ João tinha sido banido – uma forma muito comum de perseguição durante o reinado de Domiciano; ✓ A Igreja já tinha sofrido perseguição no passado (20.4); ✓ E o Império romano tinha-se tornado o grande antagonista da igreja (17.9).

Conclusão Tudo o que vimos neste estudo está ligado à autoria do livro do Apocalipse. Mas, é importante lembrarmos que o Autor Real do Apocalipse não foi João, primeiramente, mas, sim, o próprio Senhor Deus Altíssimo: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu (...) e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João” (1.1.). É indiscutível que João o Apóstolo seja o autor do livro, mas é Deus, através de Jesus Cristo, o seu real Autor. Este livro não é fruto da engenhosidade humana, mas, sim, da revelação da mente e propósito de Deus concernente à história da Igreja. Em Copenhagen, entre as muitas esculturas nobres de Thorwaldsen há uma do Apóstolo João com um semblante sereno que reflete a face daquele que admira o céu. Numa de suas mãos está a tabuinha na qual escreveu a revelação, na outra, uma pena a qual não toca a tabuinha. Ele não ousa escrever sequer uma palavra, até que de cima lhe seja dada.

20 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 24.

Page 22: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

16

O LIVRO DO APOCALIPSE ANÁLISE GERAL

Introdução Um dos primeiros passos para interpretarmos um livro bíblico é observarmos a sua estrutura. O livro do Apocalipse apresenta uma estrutura que revela sua unidade orgânica interna, na qual vemos que tudo o que acontece aqui neste mundo tem sua causa no mundo espiritual. Neste estudo veremos as Sete Seções Paralelísticas, as Duas Divisões Principais do livro e o Simbolismo Empregado no livro.

I – As Sete Seções Paralelísticas Também conhecidas como Paralelismo Progressivo, têm como seu principal defensor Willian Hendriksen21. De acordo com este ponto de vista, o livro do Apocalipse consiste em sete seções paralelas entre si, cada uma delas descrevendo a igreja e o mundo desde a época da primeira vinda de Cristo até a Sua segunda vinda. Em outras palavras, cada uma das sete seções narra os acontecimentos da Era Cristã (período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo) abordando um aspecto diferente dessa era. A cada seção temos um aspecto que agrega à seção anterior, até que o “quadro” todo esteja completo. Dessa forma o livro passa a ter relevância não só para os cristãos primitivos os quais foram os primeiros destinatários, como também para nós visto estarmos todos na mesma Era, só que em épocas diferentes. Vejamos as sete seções paralelísticas num gráfico:

21 Cf. HENDRIKSEN, 1987, pg. 26 a 28.

Estudo 04

4ª Seção – Cristo Contra o Dragão e Seus Aliados (12.1 – 14.20) A mulher e o seu filho varão (clara referência ao nascimento de Jesus Cristo). Quando o Filho é levado ao trono de Deus, o dragão se volta contra a mulher usando seus agentes: a besta que sobe do mar (13.10) a besta que sobe da terra (13.11 e 12), e a grande meretriz, Babilônia (14.8). Encerra-se com a vinda gloriosa de Cristo (14.14 e 16). Toda a Era Cristã novamente é abrangida.

3ª Seção – As Sete Trombetas (8.1 – 11.19) As sete trombetas que “abalam” o mundo representam a tribulação que sobreveio à Igreja nesta presente era (Ap 8 – 11). No final de toda essa tribulação temos novamente uma referência ao Juízo Final: “O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do Seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos” (11.15). Novamente o período entre as duas vindas de Cristo é abrangido.

2ª Seção – A Visão do Céu e dos Selos (4.1 – 7.17) Cristo no trono, adorado pelos que O rodeiam (Ap 4); Cristo com o livro selado na mão direita, Ele é adorado (Ap 5); Cristo abre os selos um a um (Ap 6); entre o sexto e o sétimo selo, temos a visão dos 144.000 (Ap 7). É bom notar que essa seção abrange a totalidade da presente Era. Cristo aparece primeiramente, como morto, e depois aparece governando no céu (5.5,6). Também é bom notar a descrição do Juízo Final (6.16 e 17; 7. 16 e 17). Novamente é abrangido todo o período entre a 1ª e a 2ª vindas de Cristo.

1ª VINDA DE CRISTO ERA CRISTÃ 2ª VINDA DE CRISTO

1ª Seção – Cristo no Meio dos Castiçais (1.1 – 3.22) Estes castiçais representam as sete igrejas (1.20). Para cada uma João escreveu uma carta. O número 7 ocorre com frequência no Apocalipse, e sempre simboliza a perfeição no sentido de plenitude ou totalidade da Igreja através de sua existência, até o final do mundo. Assim interpretado, cada igreja individualmente aponta para uma condição que é constantemente repetida na vida da Igreja de Cristo. Toda Era Cristã foi abrangida nessa seção.

Page 23: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

17

Uma cuidadosa análise em todo o livro do Apocalipse ficará bem clara essa divisão em seções paralelísticas, mostrando que a cada nova seção a história da Era Cristã inicia-se com a primeira vinda de Cristo e encerra-se com o Juízo, na Sua segunda vinda. Outros Argumentos

Fazendo uma análise dessas “seções” encontramos outros argumentos que são pontos que elas têm em comum. Vejamos o paralelismo entre as seções: 1) O Tempo 2) As Trombetas e as Taças 3) O Método Paralelístico é Encontrado em Outras Partes das Escrituras Encontramos este mesmo método no livro de Daniel, o qual é chamado de “Apocalipse do Velho Testamento”. Consequentemente, as partes do sonho de Nabucodonosor (Dn 2) correspondem exatamente às quatro bestas do sonho de Daniel (Dn 7). O mesmo período de tempo é duas vezes abrangido, e é visto de vários ângulos.

7ª Seção – A Grande Tribulação – o Triunfo Final de Cristo e Sua Igreja (20.1 – 22.21) O tema desta seção é: A derrota do diabo. Lemos no Ap 12 que enquanto Cristo é levado ao Céu e coroado, Satanás foi lançado à terra, e em 20.2,3, lemos que ele foi aprisionado por mil anos depois de ser lançado no abismo. Em seguida, Satanás é solto por um curto espaço de tempo (20.7) para ser definitivamente derrotado por Cristo na Sua 2ª vinda. Nesta vinda o universo ruirá, deixando lugar para um novo céu e uma nova terra, a nova Jerusalém (20.11ss).

6ª Seção – A Queda dos Aliados do Dragão (17.1 – 19.21) Segue-se uma vívida descrição da queda de Babilônia e a punição infligida sobre a besta e o falso profeta. Notemos o quadro da vinda de Cristo para o juízo (19.11ss): “Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro, e julga e peleja com justiça”. Toda a Era Cristã novamente é abrangida.

5ª Seção – As Sete Taças (15.1 – 16.21) Temos nesta seção mais uma clara referência à ira Divina na presente Era. Assim lemos: “Toda ilha fugiu, e os montes não foram achados” (16.20). Toda a Era Cristã novamente é abrangida.

3ª seção (8-11) 11.2: “quarenta e dois meses”

ou 11.3: “mil duzentos e sessenta dias”.

T E M P O

4ª seção (12-14) 12.6: “mil duzentos e sessenta dias”

ou 12.14: “tempo, tempos e metade de um

tempo”.

TRÊS ANOS E MEIO

1ª trombeta 8.7

2ª trombeta 8.8 e 9

3ª trombeta 8.10,11

4ª trombeta 8.12,13

5ª trombeta 9.1-12

6ª trombeta 9.13-21

7ª trombeta 11.15ss

Afetam a terra

Afetam o mar

Afetam os rios e fontes

Afetam o sol

Referem-se ao abismo ou ao trono da besta

Referem-se ao rio Eufrates

Referem-se ao Juízo Final

1ª taça 16.2

2ª taça 16.3

3ª taça 16.4

4ª taça 16.8,9

5ª taça 16.10

6ª taça 16.12

7ª taça 16.17ss

Page 24: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

18

II – As Duas Divisões Principais Muitos comentaristas concordam que as sete seções de Apocalipse podem ser separadas em duas divisões principais: ✓ Ap 1 – 11 – vemos o conflito entre os homens, isto é, entre os crentes e descrentes. O mundo ataca

a Igreja, mas a Igreja é vingada, protegida e vitoriosa por meio de Jesus Cristo. ✓ Ap 12 – 22 – vemos que tal conflito aqui na terra tem um “pano de fundo” mais complexo. É a

manifestação exterior do ataque do Diabo desferido contra o Filho Varão. O dragão ataca a Cristo. Uma vez expulso, ele dirige toda a sua fúria contra a Igreja. Ele emprega as duas bestas e a grande meretriz como seus agentes, mas todos estes inimigos da Igreja são vencidos no final. É evidente que as seções que compõem esta segunda divisão, ainda que sincrônicas, apresentam uma história continuada. O dragão, as bestas e a meretriz (note-se a ordem) atacam a Igreja. A meretriz, as bestas e o dragão (note-se a ordem outra vez, só que inversa) são derrotados22.

Na história da Igreja Cristã sempre encontramos os opositores humanos, mas estes não são os verdadeiros inimigos dela; a luta da Igreja “...é contra os principados e potestades, contra dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef. 6.12). As sete seções podem ser agrupadas dentro das duas divisões principais. A primeira divisão principal (Ap 1 – 11) consiste em três seções. A segunda divisão principal (Ap 12 – 22) consiste em quatro seções. Estas duas divisões revelam um progresso em profundidade ou intensidade do conflito espiritual. A primeira divisão principal (Ap 1 – 11) revela a Igreja, habitada por Cristo, perseguida pelo mundo. Mas a Igreja é vingada, protegida e vitoriosa. A segunda divisão principal (Ap 12 – 22) revela o sentido espiritual mais profundo deste conflito. É um conflito entre Cristo e o dragão, em que o Cristo, e, consequentemente, a Sua Igreja, são vitoriosos. É importante lembrarmos que embora tenhamos apresentado duas divisões principais do livro, não devemos esquecer que é a unidade do livro que deve ser enfatizada. Ao tratarmos das suas sete seções e das duas partes principais, não podemos esquecer que o livro trata da luta da Igreja contra o mundo a qual é resultado da luta de Cristo contra o diabo. O Plano Físico O Plano Espiritual

III – O Simbolismo Empregado no Livro O livro do Apocalipse é intenso em ação. Tudo se move neste livro. Ele é repleto de figuras que só podem ser compreendidas se vistas dentro de um simbolismo pretendido. Uma interpretação literal dessas figuras perderá por completo o seu propósito e abrirá espaço para questões infundadas e sem proveito. Pegue, por exemplo, a descrição que João faz de Jesus glorificado em Ap 1.9-20 e a interprete literalmente essas figuras. O sentido se perderá. Por isso é importante que se observe o uso

22 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.32 e 33.

1ª Seção 1.1 - 3.22

2ª Seção 4.1 - 7.17

3ª Seção 8.1 - 11.19

4ª Seção 12.1 – 14.20

5ª Seção 15.1 – 16.21

6ª Seção 17.1-19.21

7ª Seção 20.1-22.21

1ª Divisão do Livro Ap 1 - 11

2ª Divisão do Livro Ap 12 - 22

O Livro do Apocalipse em sua Unidade

Page 25: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

19

da conjunção “como” introduzindo uma comparação indicando que algo é feito ou acontece do mesmo modo que outra coisa. Por exemplo: a grande voz que João ouvira por detrás dele era “como de trombeta” (1.10), com isso João está dizendo que a voz de Jesus chamou a sua atenção, pois, é isto que acontece quando um som repentino rompe o silêncio; os cabelos da cabeça de Jesus eram brancos “como a alva lã, como neve” (1.14), o que João que ressaltar aqui é autoridade e a santidade de Cristo indicadas pela cor branca. Outro simbolismo que devemos entender corretamente é o referente aos números mencionados no livro23. Número Figuras Significado 1 Jesus é o único em Sua glória (1.9-20); um novo

nome (2.17). Singularidade, unicidade.

2 Duas testemunhas (11.3,4,9,12; 12.14). Testemunho confirmado. 3 Três quartos de cevada (6.6); três anjos (8.13); três

pragas de fogo, fumaça e enxofre (9.18); três espíritos imundos (16.13); o tríplice clamor a Deus “Santo, Santo, Santo” (4.8); a tríplice característica do poder de Deus “que era, que é e que há de vir” e os três pares de asas dos seres viventes (4.8).

Divindade de Deus (Triunidade). Este número sempre aponta para Deus agindo. Outra característica do número três na literatura judaica é o seu uso para dar ênfase. No hebraico não temos o que na língua portuguesa é chamado de superlativo, em vez disso, há a tríplice repetição de uma afirmação.

4 Quatro seres viventes (4.8); os quatro anjos; quatro cantos da terra e os quatro ventos (7.1); quatro cavaleiros; os quatro ângulos do altar de ouro (9.13).

Criação divina sendo governada e comandada por Deus, o Seu Criador.

6 O número da besta (13.18) “é número de homem”, referente ao pecado. Seis nunca será sete; sempre será incompleto.

7 Sete igrejas (2 – 4); sete selos (6 e 7); sete trombetas (8 e 9); sete vozes e os sete flagelos (14 – 16).

Totalidade, completude, medida plena, relacionado mais ao caráter de algo do que a quantia.

10 Dez dias de perseguição (2.10); dez chifres do dragão (12.3) e das bestas (13.1; 17.3,7,12,16).

Completude no sistema decimal. Diferentemente do número sete, o número dez refere-se à completude no sentido de quantidade. No Apocalipse, o número dez está relacionado às ações de Satanás e de seus aliados contra a Igreja.

12 Os eleitos das doze tribos (7.5-8); as doze estrelas no diadema da Mulher (12.1) que é a Igreja tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, a Nova Jerusalém com doze portões, doze anjos, (21.12)

No Apocalipse, o número doze contrasta-se com o número dez, sendo este a ação do homens malignos contra os eleitos de Deus. É referente à eleição.

24 Os vinte e quatro anciãos (11.16) Refere-se à eleição também, só que apontando para os eleitos do Antigo Testamento somados aos eleitos do Novo Testamento (2x12)

1000 Os cento e quarenta mil 12x12x1000 (7.4,5-8; 14.1,3); sete mil pessoas que morreram (11.13); os mil anos de paz (20.2-7); doze mil estádios (21.16).

Completude por excelência; um número que mostra exatidão em suas medidas não faltando e nem sobrando.

Conclusão Ressaltamos aqui que a interpretação que adotamos (amilenista) respeita o simbolismo das figuras do livro do Apocalipse. Por “simbólico” não estamos diminuindo sua importância, mas, buscando o ensino pretendido com o uso de uma figura.

23 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.14.

Page 26: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

20

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais (Ap 1 – 3)

1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1

Introdução Quando falamos do “plano físico” e do “plano espiritual” do livro do Apocalipse, não devemos pensar que tudo o que acontece no plano físico (Ap 1 – 11) seja somente no plano físico e visível, e que o que acontece no plano espiritual (Ap 12 – 22) seja somente espiritual. Há uma mescla em ambos, porém, nos cap. 1 – 11 predomina o aspecto físico e visível, e nos cap. 12 – 22, o aspecto espiritual e invisível para nós. Nessa primeira seção do livro (Ap 1 – 3), vemos a visão do Cristo glorificado e presente na Sua Igreja (Ap 1), e a mensagem às sete igrejas (Ap 2 – 3). 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais (Ap 1 – 3) Vejamos detalhadamente cada um desses capítulos.

1.1. A Visão do Cristo Glorificado (Ap 1) O primeiro capítulo do livro do Apocalipse consiste em sete partes facilmente reconhecíveis. Segue um pequeno esboço de Ap 124: v.1-3 Introdução do Livro v.4-6 Saudação e Adoração v.7 Anúncio da Segunda Vinda de Cristo v.8 Auto apresentação de Cristo v.9-11 O Comissionamento de João para Escrever o Apocalipse v.12-16 A Visão do Filho do Homem v.17-20 O Efeito da Visão Sobre João Introdução do Livro (v.1-3) Logo na introdução do livro temos o título do mesmo que é “Revelação de Jesus Cristo” e a primeira beatitude (bem-aventurança, felicidade extrema) das sete encontradas no livro, a saber: “Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo” (v.3). As outras seis beatitudes se encontram nos seguintes textos: Ap 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7; 22.14. Nesta introdução também podemos encontrar: (1) a origem do livro: o próprio Senhor Deus na Pessoa de Jesus Cristo, o “Verbo de Deus” (cf. Jo 1.1); (2) o propósito do livro: mostrar aos servos de Deus “as coisas que em breve devem acontecer...” (v.1); este propósito é tanto imediato (cumpriu-se àqueles irmãos) quanto vindouro (cumpre-se em toda a Era Cristã); (3) o intermediário na comunicação: o anjo; (4) o “escrevente” ou aquele que deveria registrar as visões para transmiti-las às igrejas: João; (5) os destinatários: “os que leem e os que ouvem”.

24 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.69 a 78.

Estudo 05

Page 27: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

21

Com respeito “aos que leem e aos que ouvem” podemos dizer que há aqui uma referência a um costume daquelas igrejas. As Escrituras eram copiadas manualmente, o que tornava dispendioso e de difícil aquisição. Praticamente, havia uma ou duas cópias de um texto numa igreja. Daí a necessidade de uma só pessoa ler o texto, enquanto as demais ouviam atentamente. Assim, bem-aventurado aquele que lia as Escrituras para a congregação, e esta que ouvia a leitura. Duas expressões merecem um destaque aqui. Elas praticamente têm o mesmo significado. São elas: “em breve devem acontecer...” (v.1), e “o tempo está próximo” (v.3). Muitos ao estudarem o Apocalipse interpretam-no como algo que acontecerá apenas no futuro. Isso é um grave erro, pois, nestas duas expressões supracitadas fica bem claro que o Apocalipse cumpriu o seu propósito imediato, a saber, trazer conforto àqueles cristãos que estavam sofrendo nas garras do império Romano25. Tão errado quanto aplicar o Apocalipse apenas ao passado é aplicá-lo somente ao futuro. As duas épocas são abrangidas no livro. O que deveria acontecer lá, aconteceu; o que deve acontecer agora, acontece; e o que deverá acontecer no futuro, acontecerá. Saudação e Adoração (v.4-6) Nas palavras de saudação, João deixa claro que o livro é endereçado “às sete igrejas que estão na Ásia” (v.4). Veja no mapa da próxima página a exata localização das sete igrejas que estão relacionadas no v.11. Elas estavam localizadas na província romana na Ásia Menor, na parte ocidental. Começando por Éfeso, a mais próxima da ilha de Patmos onde João estava exilado. Prosseguindo, chegamos a Esmirna e Pérgamo ao norte; Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia a sudeste. A título de curiosidade, ao olharmos para o mapa, notamos a forma de um “7” na sequência das cartas enviadas às igrejas mencionadas acima, mas isso é mera coincidência com a forma do nosso algarismo e não devemos atribuir nenhum significado especial. Porém, as sete igrejas descritas aqui representam a totalidade da Igreja de Cristo nesta presente era, ou seja, cada uma dessas sete Igrejas aponta para um momento da Igreja de Cristo deste Sua primeira vinda até à segunda vinda Dele. “Graça e Paz a vós outros” (v.4), é assim que João se dirige àqueles irmãos, usando a forma apostólica de saudação. A Graça é o favor não merecido de Deus a nós, pela qual temos o perdão dos nossos pecados e a certeza da vida eterna. A Graça produz a Paz que como disse Willian Hendriksen: “...é o reflexo do sorriso de Deus no coração do crente que já foi reconciliado com Deus por meio de Jesus Cristo”26. A Graça e a Paz são providas pelo Pai que é Aquele “que é, que era e que há de vir”, ou seja, o “EU SOU”, O Deus Eterno e auto existente; são dispensadas pelo Espírito Santo (“sete Espíritos”), e por nós merecidas somente através de Jesus Cristo, o Filho, “a Fiel testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra”. A expressão “sete Espíritos” como já mencionamos, refere-se ao Espírito Santo de Deus, pois, o número 7 como já sabemos simboliza totalidade, completude. O Espírito Santo de Deus que está diante do Seu trono, observa, conhece e perscruta todas as coisas, em todos os tempos em todo momento. Nada foge ao Seu olhar. Contudo, deve-se notar que João nunca usa o nome “Espírito Santo” no Apocalipse, mas, somente o correlato “sete Espíritos”.

25 Veja na no Estudo 03, página 12 dessa apostila o tópico “O propósito do livro”. 26 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.71.

Page 28: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

22

Quanto ao Senhor Jesus (v.5a), João começa falando do Seu ministério terreno enfatizando os Seus dois nomes que formam o Seu nome composto “Jesus Cristo”; (2) refere-se a Cristo como “a Fiel Testemunha”27, tal como ouvira dos lábios do próprio Senhor Jesus em Jo 5.36; 8.14; (3) prosseguindo, fala de Jesus como “o Primogênito dos mortos”, uma referência clara à Sua morte e ressurreição, pois, Ele foi o primeiro que ressurgiu gloriosamente dentre os mortos; e, (4) finalmente, é descrito nos termos da Sua presente exaltação: “o Soberano dos reis da terra”. Nos tempos antigos, quando um rei derrotava a outro rei numa guerra, o derrotado se tornava um vassalo (escravo) do vencedor. Todos os poderosos da terra, quer no plano físico como no espiritual, são vassalos do Soberano Rei Jesus. Mas João continua nos mostrando que este Soberano Rei é digno de todo o louvor (v.5b) e declara: “Àquele que nos ama e, pelo seu sangue...” (v.5), ou seja, o amor de Cristo foi demonstrado com a Sua própria vida sendo oferecida a Deus lá na cruz em nosso lugar. Dessa forma Cristo: ✓ “...nos libertou dos nossos pecados...”, não apenas nos lavou, mas, nos libertou dos nossos

pecados. O pecado era o nosso senhor. Cristo destronou o pecado, e em consequência disso, ✓ “...nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai”, ou seja, de escravos do pecado

passamos por meio do sacrifício de Cristo a reino (súditos), e a sacerdotes (liberdade para nos aproximarmos Dele e servi-Lo) de Deus. João tem em mente aqui o texto de Êx 19.5-6 no qual Deus declarou que Seu povo Lhe era “reino e sacerdotes”. Jesus é o nosso Rei e Sumo Sacerdote que ofereceu sacrifício perfeito e infinitamente superior a Deus pelo Seu povo, a Igreja.

É importante destacar que o verbo “amar” está no presente, e é a única vez em todo o Novo Testamento que o amor de Cristo é descrito no presente28. Cristo “nos ama”, o que nos comunica que o Seu amor por nós é constante e permanente; nada pode mudar o Seu amor por nós. Por isso, João conclui: “...a Ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (v.6). Todo o louvor e adoração devem ser rendidos a Deus por intermédio de nosso Soberano Rei Jesus. Cristo anuncia a Sua Segunda Vinda (v.7) “Eis que vem com as nuvens...”. Esta expressão tem profunda ligação com o Antigo Testamento, pois, toda vez que Deus se manifestou ao Seu povo o fez envolto em nuvens (Êx 13.21 e 22; 16.10; 19.9, 16; 24.16; Dn 7.13) mostrando assim, a Sua glória. Aqui no Apocalipse, as nuvens sempre apontam para a manifestação da Glória de Deus. Também há uma indicação destas palavras com a indignação, ira e o juízo de Deus (Zc 1.15; Sl. 97.2). A Bíblia nada sabe e ensina sobre uma segunda vinda “invisível” ou “secreta” de Cristo, como afirmam os dispensacionalistas em seu conceito de arrebatamento secreto. Em nenhum lugar da Escritura encontramos este tipo de ensinamento, mesmo porque a Bíblia diz que “todo olho verá”, tanto os crentes como os incrédulos; tanto os justos como os ímpios, “...até quantos o traspassaram...”. Essa expressão foi tomada de Zc 12.10. “E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente. Amém!”. Não um lamento de arrependimento, mas, de desespero, apesar de que muitos se arrependerão naquele dia, mas, não um arrependimento calcado no amor a Deus, e, sim, no desespero causado pelos horrores daquele dia. Tamanho será o desespero! Veja Ap 6.16. Mas, será tarde demais para se arrependerem de seus pecados e clamarem por salvação. Cristo: o Alfa e o Ômega (v.8) Neste versículo temos uma autodesignação de Cristo, na qual Ele diz que é:

27 Uma vez que o testemunho cristão é um ponto-chave no Apocalipse, e por este testemunho os cristãos estavam sofrendo muito, eles deveriam notar que o exemplo máximo que eles tinham era o próprio Senhor Jesus, a testemunha Fiel. 28 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 117.

Page 29: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

23

✓ “o Alfa e Ômega”, a primeira e última letra do alfabeto grego, simbolizando assim, que Nele iniciou e encerrou a revelação completa, perfeita e eterna de Deus29. Essas palavras são claramente compreendidas no v.17, onde ele declara: “eu sou o primeiro e o último”.

✓ “...diz o Senhor Deus”, aqui surge a questão: essas designações referem-se a Deus Pai ou ao Deus Filho? O propósito de João aqui é mostrar que tudo o que é atribuído ao Pai, também o é ao Filho. Veja as seguintes referências: Ap 1.8: Deus Pa0i é o “Alfa e Ômega”; Ap 1.17: Deus Filho é “o primeiro e o último”; Ap 21.6: Deus Pai é o “Alfa e Ômega, o Princípio e o Fim”; Ap 22.13: Deus Filho é “o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim”30.

✓ “...aquele que é, que era e que há de vir...”, essas palavras expressam a eternidade de Cristo; “...que é..”, ou seja, continua sendo e nada mudará isso; “...que era...”, sempre foi, e “...que há de vir...”, temos aqui não só a referência à eternidade de Cristo, mas, também à Sua fidelidade, pois, como prometeu, há de vir. Nestas palavras, aqueles cristãos que estavam sofrendo nas mãos dos inimigos, tinham o conforto e o consolo para suas aflições e a certeza do fim delas.

✓ “...Todo-Poderoso”, do grego pantokra,twr. “A referência é mais à supremacia de Deus sobre todas as coisas do que à ideia correlata da onipotência divina. A palavra era usada na literatura secular para descrever as atitudes dos deuses e, provavelmente, é usada aqui em contraste a autodesignação romana do imperador com a autokrator”31. O imperador romano afirmava ser autokrator (autoridade vinda de si próprio), enquanto isso, Jesus é apresentado por João como aquele que tem poder não somente sobre Si, como sobre tudo e sobre todos, e o Seu poder não se pode medir; é a fonte de todos os poderes nos mundos visível e invisível.

As palavras desse versículo em referência à Pessoa do Deus Pai e ao Deus Filho, são um forte argumento a favor da autoria Joanina do livro Apocalipse (veja no Estudo 03, na pág. 13 desta apostila “O autor do livro”). Aqui temos a mesma teologia do Evangelho de João e das cartas que levam o seu nome, a saber, a Divindade de Cristo. Ele é o próprio Deus! Note-se que as mesmas palavras do v.8 se encontram no v.4 referindo-se a Deus Pai. Lembrando que em todo esse parágrafo (v.4-8) a pessoa sobre quem João discorre é a de Jesus, o Deus Filho. A Primeira Visão – O Cristo Glorificado O Comissionamento de João para Escrever o Apocalipse (v.9-11) Temos aqui a primeira de uma série de sete visões no livro do Apocalipse. As outras são: O Trono de Deus e os Sete selos (Ap 4.1 – 8.1) Os Sete Anjos tocando Trombetas (Ap 8.2 – 11.19) Aspectos de Guerra e Salvação (Ap 12.1 – 14.20) As Sete Taças do Juízo de Deus (Ap 15.1 – 16.21) A Vitória de Cristo (Ap 17.1 – 19.21) Novo Céu e Nova Terra (Ap 20.1 – 22.5) A narrativa do texto é retomada por João o qual identifica-se de forma tão amável e solidária aos destinatários do livro, os quais passavam por lutas terríveis naquela ocasião. Ele lhes diz: “Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus...” (v.9). Ele não deixa dúvidas de quem é e de onde está, e diz que achou-se “na ilha chamada Patmos, por causa de palavra de Deus e do testemunho de Jesus”. Há quem não concorde que João esteja aqui afirmando que ele fora exilado para Patmos como uma punição por ser cristão, mas, sim, porque resolveu pregar

29 Cf. HENDRIKSEN, 2001, p.82. 30 Observe a tríplice designação e como o número 3 se refere à Triunidade Santa. 31 Cf. RIENECKER-ROGERS, 1988, p.605.

Page 30: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

24

o Evangelho em Patmos. Apesar dessa afirmação ter algum sentido, é importante notamos nas palavras de João que ele também estava na mesma tribulação que os demais irmãos. Além disso, sabe-se que a ilha de Patmos era usada para confinamento de condenados. Seja como for, João estava sofrendo com os demais irmãos. Em meio a esses sofrimentos ele foi transportado para um plano atemporal e espiritual, e, achou-se “em espírito”, não estava adormecido, mas plenamente acordado e “Seus sentidos estavam alertas ao ponto de perceber com a mente clara, focalizar os olhos, com os ouvidos bem abertos, e assim, assimilou a informação que Jesus passou e, finalmente, registrou-a”32. “...no dia do Senhor”, essa é a única referência no Novo Testamento ao Domingo como “dia do Senhor”, pois, sempre é descrito como “o primeiro dia da semana”. É o dia da ressurreição de Cristo, e já no século I os discípulos o indicavam como o Dia do Senhor, celebrando nele a Ceia do Senhor (cf. 1Co 11.20). É digno de nota que o Senhor Jesus tenha aparecido a João no Domingo. Não fosse esse dia importante, João não o teria mencionado, mas somente teria falado da aparição de Jesus. Não há motivos para entendermos esta expressão como significando o dia do Juízo Final como muitos assim o entendem, isso porque como vemos no v.1, as coisas que João estava presenciando “...em breve devem acontecer...”, ou seja, seu cumprimento era para aqueles dias. Ele ouviu por trás dele “grande voz, como de trombeta” (v.10). Notemos que a voz era como de trombeta, e não que tinha um som de trombeta. Entendamos o que João quis dizer, a saber, a majestade de Cristo expressa no som de Sua voz. Geralmente no Antigo Testamento, Deus reunia o Seu povo por meio do som de trombeta (Êx 19.16,19; Lv 25.9; Js 6.5; Is 58.1). A voz dizia: “O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas...” (v.11). A voz lhe ordenou que tomasse pena, tinta e um rolo (de pergaminho ou papiro) e escrevesse o que visse, ou seja, não somente o Cristo glorificado, e as mensagens que deveria despachar às sete igrejas, mas, também todo o conteúdo da “revelação” (do Apocalipse). A aparição do Filho do Homem (v.12-16) Temos agora, sem dúvida, uma das descrições mais lindas de toda a Bíblia sobre o Cristo Glorificado. “Voltei-me para ver quem falava comigo...”. Ainda sobre a questão da comparação da voz de Cristo com o som de uma trombeta, ressaltamos que João voltou-se para ver alguém, e não algo (um som de trombeta). “...e, voltado, vi sete candeeiros de ouro...” (v.12), cada um simbolizando uma das sete igreja da Ásia (as quais representam a totalidade da igreja de Cristo), como indica o v.20. A Igreja é a portadora da luz e da glória de Deus (simbolizada no brilho do ouro). E no meio destes candeeiros “...um semelhante a filho de homem...” (v.13), a saber, o próprio Senhor Jesus Cristo. Antes de Sua encarnação, Cristo era um ser espiritual como o Pai e o Espírito Santo; após Sua encarnação, nunca mais deixou de ser reconhecido em figura humana, e um homem de fato (Fp 3.21; Cl 2.9; 1Tm 2.5). A descrição que João faz do Senhor Jesus Cristo aqui visa ressaltar a Sua autoridade suprema, Sua justiça e ira. Veja o significado de: ✓ “...vestes talares” (v.13); João usa aqui palavras que descrevem as vestimentas dos reis. As vestes

talares são túnicas longas que chegavam até os pés. Jesus é o Rei Supremo (v.4-5). As vestes talares apontam também para o Sumo Sacerdócio de Jesus.

✓ “...e cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro...” (v.13); o cinto de ouro é outra característica da realeza. Além disso, o ouro sempre é mencionado nas Escrituras em relação à

32 KISTEMAKER, 2004, p.127.

Page 31: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

25

glória de Deus. Os sete anjos (Ap 15.6) também traziam esse cinto de ouro. João está aqui descrevendo a dignidade elevada de Cristo33.

✓ “A sua cabeça e cabelos eram brancos como a alva lã, como neve...” (v.14); as cãs sempre são mencionadas na Bíblia como símbolo de autoridade. Além disso, aqui referem-se à pureza de Cristo. O que Daniel atribuiu a Deus (veja Dn 7.9), João atribuiu a Jesus.

✓ “...os olhos, como chamas de fogo” (v.14); novamente a fraseologia de Dn 7.9 é repetida. Aqui temos uma descrição do juízo e santidade de Cristo. O fogo é símbolo não somente de purificação, mas, também, de juízo. Com Seus olhos Jesus perscruta o mais íntimo do coração humano, e tanto pode purificá-lo como fulminá-lo. Nada escapa aos olhos fulminantes de Jesus.

✓ “...os pés, semelhantes ao bronze polido, como refinado numa fornalha...” (v.15); a tradução literal para calkoli,banon é “um metal, um latão polido”; temos aqui outro símbolo da glória divina de Jesus;

✓ “...a voz como de muitas águas” (v.15); quando Cristo fala a terra emudece. Um som ensurdecedor diante do qual nenhum outro som mais se ouve (cf. Ez 43.2). A referência aqui é à Sua autoridade;

✓ “Tinha na mão direita sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força” (v.16); três características físicas são atribuídas a Cristo aqui: mão, boca e rosto, os quais não devem ser entendidos literalmente, mas simbolicamente, e todos eles apontando para o que o Antigo Testamento diz a respeito do Deus Pai, e, que, agora é aplicado ao Deus Filho. Ele segura as sete estrelas (os anjos, cf. v.20) em Sua mão direita, o que comunica poder e proteção (comparar com Sl 46.1). A espada que sai de Sua boca é a Palavra de Deus (Hb 4.12; Ef 6.17). O verbo “sair”, no grego, é um particípio presente (evkporeuome,nh) indicando que a Palavra de Cristo “é constantemente ativa, protegendo os seus e provando ser destrutiva a seus oponentes”34 (compare com Gn 1, o poder criador de Deus por Sua Palavra). Quanto ao brilho do rosto de Cristo, temos uma referência à Sua glória (compare com Nm 6.24-26). Aos olhos humanos resistir os raios do sol é algo dificílimo – o que se dirá do olho humano contemplando a glória de Cristo!

Assim sendo, a descrição que João faz de Jesus aqui é para mostrar a Sua majestade, poder, juízo, santidade e autoridade sobre tudo e todos, inclusive sobre a situação de sofrimento em que os crentes estavam, a qual era provocada pela maldade dos seus inimigos. O contraste entre o Cristo crucificado e agora exaltado é impressionante. Observe o gráfico comparativo

Na cruz

Com

paração

Na Glória Um moribundo ser humano (Jo 19.3) O homem glorioso (v.13) Despido de Suas vestes (Jo 19.23) Vestes talares, cinto de ouro (v.13) Uma coroa de espinhos na cabeça (Jo 19.2) Cabelos como a alva lã, como a neve (v.14) Olhar de amor pelas pessoas (Jo 19.25) Olhos como chama de fogo (v.14) Pés pregados (cf. Lc 24.39) Pés semelhante ao bronze polido (v.15) Ele disse: “Tenho sede” (Jo 19.28) Sua voz era como de muitas águas (v.15) Mãos pregadas (cf. Lc 24.39) Na mão segura a Sua Igreja (v.16) Clamou aflito (Mt 27.46,50; Jo 19.30) Espada bigúmea afiada Lhe sai da boca (v.16) Vencido pela morte (Jo 19.30) O Seu rosto fulgurante (v.16) Insultado (Mt 27.33-44,49; Jo 19.19-22) Temido (v.17)

33 Ibid, p.132. 34 KISTEMAKER, 2004, p.135.

Page 32: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

26

O Efeito da Visão Sobre João (v.17-20) “Quando o vi, caí a seus pés como morto” (v.17). A intenção de Cristo aqui não era de infundir terror ao apóstolo, mas, sim, confortá-lo. É impressionante como perdemos de vista a verdade de que ao contemplarmos a santidade de Deus devemos ser tomados também de um santo temor. “Porém, ele pôs sobre mim a mão direita”. Quando o temor guia o nosso coração na presença de Cristo, recebemos ainda mais do Seu amor. O cuidado de Cristo com Sua Igreja tanto se faz ver na coletividade, quanto na individualidade; com a mão direita Ele sustenta a Igreja, e, também, o Seu servo. Cristo estava ali para consolar o apóstolo e por meio deste, aos demais servos Dele que estavam sofrendo. “...dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho nas chaves da morte e do inferno” (v.17 e 18). Que tremendo consolo àqueles que padeciam. Uma verdade muito importante não pode passar despercebida aos nossos olhos. Ele disse que é “aquele que vive”, ou seja, aqui Ele está afirmando a Sua auto existência tal como o Pai em Êx 3.14. Seu Senhor estivera morto, mas, agora, estava vivo, e assim o está eternamente. Além disso, tem nas mãos as “chaves da morte e do inferno...”, isto é, autoridade e poder sobre a morte, de modo que a morte não pode ferir o crente; antes, deve ser considerada como conquistada pelo poder de Cristo, assim como o crente também foi conquistado. A palavra que aqui aparece como “inferno” no texto grego é Hades (a[|dhj). Por isso, “inferno” aqui não é a melhor tradução, pois, Hades não significa inferno, mas sim, o estado de “estar morto”, ou como diz Willian Hendriksen: “...existência desincorporada”35. Refere-se então ao estado de morte que sucede quando a vida aqui termina e quando o corpo e a alma se separam. Por conseguinte, o Hades segue a morte (Ap. 6.8). Mas, o que essas palavras significam? Em sua simplicidade essas palavras são profundas: tendo Cristo poder sobre a morte (o inimigo que causa mais temor no coração do homem), não teria poder sobre as criaturas e sobre as circunstâncias da vida? A maior prova do poder de Cristo sobre a morte é a Sua ressurreição e a dos Seus servos na Sua segunda vinda. Cristo ordenou a João: “Escreve, pois, as coisas que viste”, ou seja, esta visão do Filho do Homem; “as coisas que são”, ou seja, a própria condição, naqueles tempos, das sete igrejas da Ásia Menor; e “as coisas que hão de vir depois destas”, ou seja, os eventos que aconteceriam através de todo o futuro, de acordo com seus princípios básicos. Como uma nota final, Cristo acrescenta a explicação “Quanto ao mistério das sete estrelas que viste na minha mão direita e aos sete candeeiros de ouro...” (v.20): ✓ “as sete estrelas são os anjos das sete igrejas”: João viu na mão de Jesus aqueles que aqui são

designados de “anjos” (a;ggeloi – mensageiros). Ao lermos cada uma das sete cartas enviadas às sete igrejas, compreendemos que esses “anjos” na verdade são os pastores e dirigentes daquelas igrejas, pois, diferentemente dos seres espirituais chamados de “anjos” em toda Bíblia, estes aqui estão recebendo uma mensagem que Cristo deu através de João, exatamente o contrário do que os demais anjos fizeram, a saber, recebiam uma mensagem da parte de Deus e a entregavam aos homens. O Senhor os toma em Sua mão direita; exercita assim, absoluta autoridade sobre eles, bem como dispensa Seu cuidado e proteção em meio às tribulações e perseguições que sofriam.

✓ “os sete candeeiros são as sete igrejas”: são as sete igrejas, ou seja, elas são as condutoras da luz de Cristo, leia Mt. 5.14 e 15; Mc. 4.21; Lc. 8.16; 11.33; Hb. 9.2.

Aplicações Cristo é o centro de tudo, em especial de Sua Igreja. A Centralidade na Pessoa de Cristo faz com que não percamos de vista o Seu propósito em todas as circunstâncias (mesmo às de perseguição

35 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.76.

Page 33: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

27

e aflição). Também a centralidade de Cristo em nossa vida nos leva a não perdermos o rumo como Igreja, e não deixarmos que a nossa luz perca a sua força e deixemos de brilhar, não cumprindo assim o que nos é ordenado pelo Senhor Jesus que anda no meio da Sua Igreja. A revelação de Cristo: 1) Produz em nós a verdadeira alegria (v.3) 2) Conduz-nos ao conhecimento do verdadeiro Deus (v.4-5); 3) Mostra-nos o grande amor de Deus por nós (v.5); 4) Conduz-nos a glorificarmos a Deus para todo sempre (v.6); 5) Fortalece a nossa esperança na Sua volta (v.7-8); 6) Faz-nos fiéis a Ele (v.9); 7) Requer nossa obediência (v.10-11); 8) Mostra-nos a Sua excelsa glória (v.12-16); 9) Induz-nos ao temor e reverência (v.17); 10) Fortalece a nossa confiança Nele (v.18); 11) Desvenda-nos os mistérios de Deus (v.19-20).

Page 34: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

28

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3 1.2.1. A Carta à Igreja em Éfeso – Ap 2.1-7

Introdução João recebeu a ordem de registrar tudo que o haveria de vir dos lábios do Senhor Jesus e enviar às Sete Igrejas. Ele não poderia deixar de fora uma só palavra. Neste estudo veremos a mensagem dirigida à Igreja em Éfeso. Antes, porém, vejamos um panorama das Sete Igrejas. 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 e 3

O conteúdo de Ap 2 – 3 consiste num “pano de fundo” para o restante do livro. Veja a comparação dos textos, na qual, podemos mais uma vez ver a unidade do livro do Apocalipse. Willian Hendriksen observa que há um padrão na mensagem das sete cartas36. Vejamos:

1. Saudação ou endereço: “Ao anjo da igreja em...”. 2. Auto apresentação do Senhor Jesus: “...aquele que conserva na mão direita

as sete estrelas...”. 3. Elogio: “Conheço as tuas obras, assim o teu labor como a tua

perseverança...”. 4. Condenação: “Tenho, porém, contra ti (...)”. 5. Advertência e ameaça: “Lembra-te, pois (...) se não (...)”. 6. Exortação: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas (...)”. 7. Promessa: “Ao vencedor, dar-lhe-ei que (...)”.

Com exceção da Igreja em Laodiceia, Cristo encontra algo a elogiar em todas. Em cinco das sete Ele encontra algo a condenar. As exceções são Esmirna e Filadélfia. Estas sete cartas estão divididas

36 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.79.

Estudo 06

O que é? 2.7: “alimentar-se da árvore da vida...” 2.11: “...a segunda morte...”

2.17: “...o novo nome...”

2.26: “...a autoridade sobre as nações...” 2.28: “a Estrela da Manhã”

O significado 22.2, 14: a vida eterna 20.14: condenação eterna

3.12; 14.1; 22.4; 19.12, 13, 16: é o nome do próprio Senhor Deus.

12.5; 20.4: o governo absoluto de Cristo e os seus servos. 22.16: o Senhor Jesus

Page 35: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

29

em dois grupos: um de três e um de quatro. Nas primeiras três cartas a exortação é seguida de promessa. Nas últimas quatro esta ordem é invertida37. É importante lembrar que essas cartas não descrevem as dispensações, mas, sim, as condições que frequentemente a Igreja de Cristo se encontra no decorrer da História. Houve momentos que a Igreja de Cristo portou-se como a Igreja em Éfeso (precisando de arrependimento e de voltar ao primeiro amor), ou como a de Esmirna (sob severa tribulação e provação), ou como a de Pérgamo (que apesar da fidelidade a Cristo, foi tolerante com o intolerável), ou ainda como a de Tiatira (enfatuada em sua hipocrisia, e descuidada na vigilância), em outras épocas, como a igreja em Filadélfia (com grandes oportunidades para servir a Deus, o fez fielmente), ou, finalmente, como a de Laodiceia (morna espiritualmente, totalmente irrelevante, e na iminência da disciplina de Deus). Ao estudarmos essas igrejas do Apocalipse vejamos em qual dessas condições nos encontramos, tanto coletiva, quanto individualmente.

1.2.1 – A Carta à Igreja em Éfeso (2.1-7) A cidade de Éfeso situava-se próxima à foz do Rio Caÿster, na costa ocidental do Mar Egeu. Com um porto capacitado a receber os maiores navios de então, se tornou muito importante por ser uma rota comercial. Por isso, o Império Romano a considerava muito importante e perigosa, pois, poderia se rebelar contra ele. Na cidade também havia o famoso templo da deusa Ártemis, ou Diana, como os efésios a chamavam (cf. At 19.28) com seus inúmeros sacerdotes e sacerdotisas. Esse templo ficou conhecido como uma das sete maravilhas do mundo antigo, e era ao mesmo tempo casa do tesouro, museu, bem como lugar de refúgio para os criminosos38. Além desse templo de Diana, outro foi edificado para o culto ao imperador. A cidade dedicou o templo dos Sebastoi (a família de Vespasiano, Tito e Domiciano em 89-90 d.C.). Por isso, a relação entre a adoração à Diana e ao imperador romano era bem estreita. Uma protegia a outra39. Por não admitir nenhum rival à pessoa de Cristo como o Senhor adorado, o Cristianismo começou a sofrer duras perseguições. Quanto à igreja em Éfeso, com certeza foi fruto do trabalho do apóstolo Paulo. Seu primeiro contato com a cidade foi de passagem quando ia de Corinto a Jerusalém (At 18.19-21) na sua segunda viagem missionária. Ao realizar sua terceira viagem missionária, Paulo passou mais três anos em Éfeso (At 20.31). Seu trabalho foi grandemente abençoado, e não só em Éfeso, mas, em toda aquela região. Ao escrever esta carta ditada pelo Senhor Jesus, João o fazia a um rebanho que ele pastoreou por vários anos. Conta a tradição que ele já bem velhinho, com dificuldades para andar, era carregado para a igreja de Éfeso e a admoestava dizendo as poucas palavras seguintes: “Filhinhos, amemo-nos uns aos outros”. Não foi coincidência a mensagem a esta igreja admoestá-la a voltar ao primeiro amor. Durante o império de Domiciano (81-96 d.C) João foi exilado para a ilha de Patmos. Dessa forma fica evidente que a igreja em Éfeso tinha mais de quarenta anos quando Jesus ditou esta carta a João40. O elogio (v.1-3) O Senhor Jesus ordena a João: “Ao anjo da igreja em Éfeso escreve”. O “anjo” era o pastor da Igreja41, o qual estava incumbido transmitir à igreja a mensagem vinda da parte de Jesus como Ele mesmo afirma: “Estas cousas diz aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candeeiros de ouro” (v.1). Estar na “mão direita” de Cristo significa estar sob Sua

37 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.80. 38 Ibid, p.81. 39 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 149. 40 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.82. 41 Ibid, p.151.

Page 36: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

30

proteção. Ele é o guardião do Seu povo, é “conserva” cada um dos Seus muito bem protegidos e amparados. Mas, não parece um contrassenso o Senhor Jesus dizer isto, estando João no exílio, e os outros irmãos sendo severamente perseguidos? Esta é uma das verdades mais preciosas das Escrituras, a saber, o sofrimento e a tribulação não impedem o coração do crente de desfrutar da preciosa presença de Jesus “que anda no meio dos sete candeeiros”. O Senhor faz um elogio a esta igreja: “Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são, e os achaste mentirosos; tens perseverança, e suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer” (v.2 e 3). Intolerante para com o erro, perseverante na fé em meio aos sofrimentos. Com certeza, uma Igreja exemplar! Cristo conhecia as “obras”, as quais aqui tanto podem apontam tanto para bons quanto para malfeitos, tanto um quanto outro eram plenamente conhecidos por Cristo (cf. 1.14). Ele disse àquela igreja que também conhecia: “o teu labor como a tua perseverança”. A perseverança (u`pomonh, - resistência firme) aqui é uma qualidade interior que se expressa em esperar por Jesus, e mesmo quando Ele parece demorar em socorrer os Seus, eles firmemente testemunham em favor Dele ao ponto de enfrentar a morte através de perseguição42. Mas, não se deve confundir essa perseverança com inércia e apatia. Esta Igreja estava sendo atacada por “homens maus”, falsos mestres que ensinavam o erro (v.2). A estes, a igreja em Éfeso pôs “à prova”, ou seja, testou o caráter e o ensino deles e constatou que eles além de serem usurpadores, pois, “... a si mesmos declaram apóstolos e não são...”, também eram impostores, pois, foram achados “mentirosos”, o que aponta para o fato de que eles pregavam um evangelho que não era o de Cristo. Por esta razão o Senhor Jesus afirma que Ele tem em Suas mãos “...as sete estrelas...”, a saber, os pastores que respondiam pela Igreja e dela cuidavam. Grande conforto para os efésios saberem que os falsos mestres não passavam despercebidos aos olhos do Senhor, antes, Ele tinha tudo sob Seu controle, e conhecia muito bem a realidade da Igreja, pois, andava “...no meio dos sete candeeiros”. Novamente Cristo ressalta que a igreja em Éfeso tinha “perseverança” (vide v.2) e, acrescenta: “...suportaste provas” (basta,zw – aguentar um peso, carregar um fardo). Essas provas (ou provações) pelas quais eles passavam demonstrando grande firmeza sem se deixarem “esmorecer” (kopia,w – tornar-se cansado) tinha uma grande razão: “por causa do meu nome”, ou seja, o próprio Senhor Jesus. A censura (v.4) Mas, de repente lemos a acusação: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor” (v.4). Como poderia uma Igreja com tantas características maravilhosas, perder justamente o elemento mais importante na vida cristã, a saber, o amor? É possível acontecer, como de fato aconteceu com Éfeso. Mas, o que seria este “primeiro amor”? Muitas interpretações têm sido dadas (e algumas até sem sentido). Ficamos aqui com a explicação que Simon Kistemaker43:

Não mais demonstravam o amor por Cristo que nutriam nos primeiros anos de sua história. Esses foram os dias em que Paulo pregava aquilo que lhes era proveitoso e ensinava publicamente de casa em casa por um período de três anos (At 20.20,21,23) (...) Este é o amor recíproco na igreja de Éfeso, ou é o amor do cristão pelo Senhor? Jesus mesmo fornece a resposta ao sumariar o Decálogo, dizendo: “Ame ao Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e mandamento. E o segundo é semelhante a ele: Ame seu próximo como a si mesmo. Destes dois mandamentos

42 Friedrich Hauck, in KISTEMAKER, 2004, p.152. 43 KISTEMAKER, 2004, p. 155.

Page 37: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

31

dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.37-40). Com respeito ao Decálogo, Deus é o primeiro, e então o seu povo, e o mesmo se dá em relação à Oração do Senhor. O amor genuíno por Deus leva instintivamente a expressar amor pelo próximo, enquanto amar o próximo é uma expressão do amor por Deus”.

Em suma, isto quer dizer que o “primeiro amor” que esta igreja havia abandonado, era o amor por Deus, amor este que, os seus primeiros crentes eram frutos do trabalho de Paulo há uns quarenta anos, havia sido abandonado pelos crentes da segunda e terceira geração. “Tais pessoas eram destituídas do entusiasmo demonstrado por seus pais e avós. Não agiam como propagandistas da fé, mas como zeladores e guardiões. Houve uma óbvia deficiência na ação evangelística em resultado de um modo natural de pensar. Amavam o Senhor, porém não mais com o coração, com a alma e com a mente”44. A exortação (v.5) Segue-se então, a exortação: “Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras”. O Senhor Jesus mostra o Seu juízo juntamente com a Sua misericórdia; aponta não só a falta, mas, também a solução. “A igreja é exortada a refletir sobra a sua queda, a experimentar uma mudança de mente (arrependimento), para que de novo possa realizar as primeiras obras”45, mas, se ela não aproveitasse essa oportunidade de ter uma profunda mudança em sua mentalidade em relação ao seu pecado, uma terrível ameaça haveria de se cumprir. Cristo a ameaçou dizendo: “...e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas”. A longanimidade do Senhor tem limites, não porque Sua misericórdia seja limitada, mas, por causa da Sua justiça Ele cumpre as ameaças que faz. Prova disso, onde está a Igreja de Éfeso hoje? Com certeza seu candeeiro foi movido de lugar. Em seu lugar só existem ruínas. Mais um elogio (v.6) Ainda há também mais um elogio: “Tens, contudo, a teu favor que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio”. Quem são os nicolaítas? Simon Kistemaker cita três opiniões: (1) segundo Irineu, um pai da Igreja Cristã no século II, os nicolaítas eram seguidores de um homem chamado Nicolau, que era um convertido ao judaísmo que fora designado diácono; (2) outros afirmam que os nicolaítas eram os gnósticos que sempre se infiltravam na Igreja de Cristo, trazendo transtorno aos crentes; (3) eram os seguidores dos falsos profetas e de Balaão. Esta última opinião desfruta de maior credibilidade, e para reforçá-la Willian Hendriksen diz46:

É provável que estes nicolaítas, ‘aqueles que sustentam a doutrina de Balaão’ (2.14) e os seguidores da mulher Jezabel (2.20), representem, em termos gerais, o mesmo grupo ou escola de hereges (...) Parece que eram indivíduos que não somente se recusavam a se abster dos banquetes imorais e idólatras dos pagãos, como também tentavam justificar suas práticas pecaminosas.

Sejam eles quem for, tinham não só a reprovação dos crentes de Éfeso como do próprio Senhor Jesus.

44 KISTEMAKER, 2004, p. 156. 45 HENDRIKSEN, 1987, p. 83. 46 HENDRIKSEN, 1987, p.83.

Page 38: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

32

Mais uma exortação seguida de uma promessa (v.7) Segue-se mais uma exortação: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”. É importante notarmos o plural aqui (e em todas as outras seis cartas, o que confirma que cada uma das sete cartas deveria ser lida em todas as Igrejas). Ter ouvidos para ouvir, quer dizer, usar as faculdades que Deus dá a fim de levar a pessoa a conhecê-Lo e a fazer a Sua vontade. Outra verdade que aqui nos chama atenção diz respeito à divindade do Espírito Santo. Observe que no v.1 (e em 1.20) quem fala às sete igrejas é o Senhor Jesus Cristo; mas, aqui é o Espírito Santo quem fala e traz a mesma mensagem às sete igrejas. Por fim, temos mais uma promessa: “Ao vencedor, dar-lhe-ei que se alimente da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus”. Quando lemos Gn 2.9; 3.22,24 ficamos sabendo que depois que o homem pecou, Deus colocou no Jardim do Éden Seus querubins com sua espada flamejante para guardar a árvore da vida, impedindo assim que o homem comesse do seu fruto e vivesse eternamente no pecado. Até o castigo de Deus mostra a Sua misericórdia! Portanto, a árvore da vida aqui é a própria vida eterna. O vencedor é aquele que luta contra o pecado, o diabo e todo o seu domínio, e persevera até o fim ao lado de Cristo não esmorecendo diante das mais densas provas.

Aplicações A mensagem destinada à igreja em Éfeso aponta para aqueles momentos em nossa existência como Igreja de Cristo quando fazemos o que é certo, mas, não pela motivação correta, ou seja, mostramos muito zelo doutrinário no confronto às heresias e aos desvios teológicos, mas, em nosso relacionamento com Deus, aquele amor fervoroso pela santidade de Dele em nós não é mais encontrado. Tornamo-nos secos em nosso relacionamento com Ele. Para que não fiquemos presos nesse laço, precisamos cuidar do nosso coração. Uma igreja vibrante é constituída de membros cheios do Espírito Santo. Contudo, o pecado não afasta da comunhão com Deus. Para que não fiquemos dominados pelo pecado, no exato momento em que pecarmos devemos seguir os seguintes passos: (1) lembrarmo-nos de onde caímos (o local da queda é onde começa a restauração), (2) arrependermo-nos (termos uma profunda transformação em nossa mentalidade), (3) e imediatamente voltarmos às primeiras obras, ou seja, àquelas obras fervorosas e cheias de amor por Deus. Assim, nossa comunhão com Deus será restabelecida.

Page 39: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

33

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3 1.2.2. A Carta à Igreja em Esmirna – Ap 2.8-11

Introdução A segunda das sete cartas às Igrejas da Ásia Menor que o Senhor Jesus ordenou ao apóstolo João que escrevesse e enviasse, é a carta da Igreja em Esmirna. É a menor das sete cartas na sua estrutura e extensão, não, porém, na sua intenção e conteúdo.

1.2.2. A Carta à Igreja em Esmirna (2.8-11) A Cidade de Esmirna, na costa Ocidental da Ásia Menor, era uma rival da cidade de Éfeso. Também possuía um porto que estimulava a indústria e o comércio os quais deram à cidade o porte de uma metrópole. Já naqueles dias sua população estava na casa dos 250 mil habitantes. Hoje, Izmir (seu nome atual) tem pelo menos o dobro de habitantes. Por ser uma cidade litorânea era muito quente; o que tornava o seu clima mais ameno era a brisa ocidental chamada de Zéfiro. Possuía uma rara beleza que lhe rendeu o título de “a cidade mais bela da Ásia”. Os edifícios, os templos de Zeus e Sibele (deuses gregos) e outras construções no topo da colina Pagos, ficaram conhecidos como “a coroa de Esmirna”. Dentre os seus habitantes estava uma comunidade judaica bem expressiva, a qual ostentava grande riqueza. Uma inscrição do segundo século registra que os judeus fizeram, de uma só vez, uma doação na soma de dez mil denários para um projeto de embelezamento da cidade. O seu nome deriva-se do seu principal produto: a mirra (no grego smu,rna). Este era extraído da resina das árvores dos seus belos bosques. A mirra tanto aparece como um presente a Jesus por ocasião de Seu nascimento, como um ingrediente usado no Seu embalsamamento na Sua morte (Mt 2.11; Jo 19.30). Sua lealdade ao Império Romano tornou-se proverbial. No ano 195 a.C., ela edificou um templo a Dea Roma, a deusa de Roma. Em 26 d.C., ela dedicou um templo ao imperador romano Tibério e se gabava de ser a principal no culto ao imperador47. Quanto à igreja em Esmirna não podemos ter certeza de quando ela foi fundada. A Bíblia nos dá pelo menos duas possíveis ocasiões: a primeira seria quando por ocasião do Pentecostes, judeus devotos que viviam na Ásia, especialmente em Esmirna, depois de serem convertidos e logo após a descida do Espírito Santo, retornaram para suas casas levando o evangelho (At 2.9); a segunda ocasião em que a igreja em Esmirna poderia ter sido fundada foi na ocasião em que Paulo e seus companheiros empreenderam a terceira viagem missionária, pois, lemos em At 19.10: “...dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos”. Um dos Pais da Igreja foi bispo em Esmirna, possivelmente, no período em que João escrevera o Apocalipse; o seu nome era Policarpo. Ele foi um dos muitos mártires do Cristianismo. Conta-se que no ano 155 d.C., foi-lhe exigido que dissesse: “César é Senhor”, e ele se recusou. Levado à arena, o procônsul lhe instou dizendo: “Jura, nega a Cristo, e eu te porei em liberdade”. Policarpo

47 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.163.

Estudo 07

Page 40: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

34

respondeu: “Oitenta e seis anos O tenho servido, e Ele nunca me fez qualquer injúria. Como posso eu, pois, blasfemar contra meu Rei e meu Salvador?”. Quando outra vez o procônsul o pressionou, o ancião respondeu: “Posto que vãmente insistes que eu jure pela felicidade de César, e pretendes ignorar quem e o que sou, ouve-me declarar com toda intrepidez: Eu sou cristão...”. Pouco mais tarde o procônsul respondeu: “Tenho feras ao meu alcance, a elas te lançarei, a não ser que te arrependas. Eu farei que sejas consumido pelo fogo, já que deprecias as feras, caso não te arrependas”. Mas Policarpo disse: “Tu me ameaças com fogo que queima por uma hora, mas depois se apaga; não obstante ignoras o fogo do juízo vindouro e da punição eterna, reservado para os maus. Por que te demoras? Faze o que queres”. Pouco depois, as pessoas, especialmente os judeus trouxeram lenha em feixes para a fogueira48. Os judeus fizeram isso mesmo sendo dia de sábado transgredindo assim a Lei que tanto usaram para incriminarem a Jesus por várias vezes49. Este relato é muito importante para entendermos o conteúdo da carta, pois, podemos ter uma melhor noção das reais condições do Evangelho naquela cidade. A auto apresentação de Jesus (v.8) A auto apresentação do Senhor Jesus neste verso é muito expressiva e preciosa. Ele diz: “Estas cousas diz o primeiro e o último...”, tomando as palavras do próprio Senhor Deus e, Is 44.6; 48.12. Ele também já usara essas mesmas palavras em Ap 1.17. Assim Ele define Sua divindade como sendo igual em poder e autoridade a Deus. Ele então acrescenta: “... que esteve morto e tornou a viver”. Literalmente, isto quer dizer que veio a estar morto e que voltou a viver. Desta forma podemos ver mais uma vez o caráter geral da mensagem do livro do Apocalipse: A vitória de Cristo sobre Seus inimigos. Neste caso, o inimigo é a morte. Veremos no capítulo 13 que o Anticristo surgindo como a besta que emerge do mar, tinha uma ferida mortal e, contudo, viveu. Dessa forma, ele tenta imitar a Cristo em tudo, mas, não passa disso. A diferença entre Cristo e o Anticristo (além do caráter de cada um, obviamente), consiste em que Cristo venceu a morte, tem as chaves da Morte e do Hades e, como aquele que vive, comunica vida a seu povo. A besta, isto é, o Anticristo, ferida à espada, é lançada viva, com o falso profeta, no lago de fogo que arde com enxofre, e não tem o poder para livrar da morte os seus seguidores (13.14; 19.20)50. A exortação(v.9) Ele continua exortando e confortando Seus servos: “Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas és rico)...”. A perseguição que sofriam por causa do Nome de Cristo, resultava numa terrível tribulação. O termo aqui é qli,yij e literalmente quer dizer “aflição, viver sob opressão, em aperturas extremas”. Essa tribulação levava à pobreza que no grego é ptwcei,a e significa “pobreza extrema, abjeta, a desprezível condição de um mendigo”. Por causa da Fé, muitos tiveram seus bens confiscados, outros foram demitidos de seus empregos e não conseguiram outros. A comunidade judaica que ali habitava promovia essa intensa perseguição. Tal situação levou os cristãos (a maioria) à pobreza. Contudo, o Senhor lhes diz: “...(mas és rico)...”. Que riqueza era essa a que o Senhor se referia? Com certeza não se trata de uma riqueza material, mas, sim, espiritual, como a que o Senhor proferiu no Sermão da Montanha (Mt 5.11, 12; ver também Tg 2.5). Também o Senhor conhecia: “...a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás”. Os judeus provavelmente haviam escolhido Esmirna pelo seu potencial comercial. Ali eles acusavam entusiasticamente os cristãos ante os tribunais. O Império Romano havia concedido aos judeus a liberdade de não realizarem práticas religiosas romanas. Dessa forma, o Judaísmo passou a ser uma religio licita (religião tolerada). O Cristianismo gozou dessa mesma

48 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.84. 49 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.165. 50 Ibid, p.166.

Page 41: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

35

liberdade até o ano 70 d.C. quando o templo de Jerusalém foi totalmente destruído. Então os judeus passaram a acusar os cristãos dizendo que eles se recusavam a reverenciar César porque tinham a Jesus como Senhor. Julgavam-se “sinagogas de Deus”, mas, na verdade, eram “sinagogas de Satanás”, aquele que acusa os filhos de Deus o tempo todo. Eles difamavam Jesus Cristo, ridicularizavam-No e O negavam como o Messias. Aqueles que deveriam reconhecê-Lo como o Messias, eram os que o insultavam. Mas, Jesus conhece os que são verdadeiramente Dele e os que fingem se passar por Seus filhos. Uma advertência e uma promessa (v.10) A estes que já se encontravam numa terrível tribulação e pobreza (não obstante não deveriam deixar-se dominar por um sentimento de autocomiseração, pois, afinal, eram ricos na Graça de Deus), o Senhor Jesus faz uma advertência, não repreendendo, mas, alertando: “Não temas as coisas que tens de sofrer”. Esta frase, no grego51,numa tradução literal ficaria assim: “Nada temais das coisas que estais prestes a sofrer”. Embora houvessem de em breve passar por mais tribulações e sofrimentos, eles deveriam fazer o que Cristo lhes dizia: não temer. Ele já lhes havia dito isto (Ap 1.7). Aquele que tem o controle sobre tudo, que tem nas mãos não só as “sete estrelas”, mas, também os “candelabros”, estaria com eles quando as lutas e sofrimentos aumentassem. O Senhor lhes avisa: “Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias”. Os crentes deveriam estar alertas, pois, estavam numa guerra espiritual frente a frente com o diabo que incitaria as autoridades contra os cristãos, e alguns deles até seriam postos numa prisão. Mas toda essa tribulação duraria “dez dias”, ou seja, teria um tempo determinado para começar e terminar. O número dez na literatura apocalíptica simboliza algo completo, pleno, “...o qual nem é longo nem curto, mas completo, pois, seu término é certo”52. Contudo, deveriam permanecer firmes, pois, tudo isso tinha um objetivo específico: serem postos à prova, ou seja, o Senhor Jesus com isso mostraria tanto aos inimigos quanto aos crentes que a fé deles (dos crentes) em Sua Pessoa, era capaz de enfrentar a morte se necessário fosse, pois, Ele mesmo lhes fortalecia a fé. “Sê fiel até à morte” é muito mais do que ser fiel até o fim da vida; significa ser fiel ainda que isto lhes custasse a própria vida e tivessem de ser martirizados por causa da sua fé. A recompensa prometida é certa aos que são fiéis: “...e dar-te-ei a coroa da vida”. Ao pedir-lhes fidelidade e prometer-lhes a coroa da vida, o Senhor Jesus lançou mão de duas figuras importantes para os crentes de Esmirna. A primeira figura é a fidelidade. Eles haviam sido fiéis aos gregos e depois aos romanos por muitos anos, a ponto de sua fidelidade se tornar conhecida de muitos povos. A segunda figura é a coroa. Como dissemos há pouco, os edifícios da cidade no topo da colina Pagos, dava-lhe um aspecto de coroa. Certamente, os crentes da cidade de Esmirna se lembraram dessas duas coisas ao associá-las com essas figuras. Este é um exemplo clássico da “didática de Cristo”. Muitos têm sugerido que este texto prega salvação pelas obras, contrariando assim, as demais partes das Escrituras. Mas, longe disso, este texto nos mostra que os salvos devem permanecer firmes na Fé, para serem recompensados pelo Senhor. Isto não contraria a Bíblia em lugar algum, mesmo porque tanto a fé quanto a fidelidade do crente são resultados da salvação que Cristo dá. Mais uma advertência e mais uma promessa (v.11) Na primeira parte dessa sentença “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”, enfatiza mais uma vez a ação do Espírito Santo na transmissão da mensagem do livro53. É mensagem é universal, ou seja, não foi dirigida somente aos crentes em Esmirna, mas, a toda a Igreja de Cristo, a qual deve permanecer: (1) consciente de sua identidade na riqueza da Graça de Cristo que a torna espiritualmente rica, (2) firme na fé e fidelidade a Cristo independente das circunstâncias, e (3)

51 Mhde.n fobou/ a] me,lleij paqei/n\. 52 KISTEMAKER, 2004, p.169. 53 KISTEMAKER, 2004, p.169.

Page 42: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

36

confiante na promessa que Cristo fez: “O vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte”. O vencedor tem a bendita promessa de não sofrer o dano da segunda morte. A primeira morte é a morte física; a segunda é a separação eterna de Deus, a condenação eterna, o lago de fogo de enxofre (Ap 20.6, 14; 21.8). Os perseguidores quando muito podem provocar a primeira morte aos servos de Deus, mas, em contrapartida, sofrerão os danos da segunda morte.

Aplicações Muitos que são ricos em coisas temporais e materiais são miseráveis nas coisas espirituais. Outros, porém, que sendo pobres materialmente, são ricos em boas obras, frugais em suas posses consagrando-as ao serviço do Senhor, provando assim que seus corações se apegam ao que é eterno. Coisa terrível é o auto engano que faz a pessoa acreditar que é templo do Espírito Santo, quando na verdade não passa de uma sinagoga do diabo. Por mais forte que seja a nossa aflição nesta vida, por mais que soframos por causa de Cristo, quer lutando contra inimigos que se levantam contra nós, ou contra o pecado que reside em nosso corpo mortal, não podemos jamais perder de vista que há uma coroa da vida nos esperando, a qual, o próprio Senhor Jesus nos dará. Essa coroa é a própria vida eterna. Nada neste mundo se compara a ela. Os servos de Deus não precisam temer nem a primeira e nem a segunda morte. Da primeira morte eles não escaparão (exceto se estiverem vivos no Dia da Volta de Cristo), mas, mesmo assim, não devem temê-la, pois, vista de forma correta, ela nada mais é do que a porta pela qual atravessamos para adentrarmos a Glória Eterna. Quanto à segunda morte, não há nada a temer, pois, já foram salvos e perdoados por Deus e no Seu amor aperfeiçoados (1Jo 4.18).

Page 43: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

37

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3 1.2.3. A Carta à Igreja em Pérgamo – Ap 2.12-17

Introdução Em toda a história do povo de Israel encontramos o mesmo tolerando em seu meio àqueles que deveriam ter sido banidos por ordem do Senhor Deus. Por desobedecer a Deus nesse sentido, Israel sofreu amargas consequências. O mesmo perigo ronda a Igreja de Cristo e, esta, muitas vezes tolera em seu meio o intolerável. Foi justamente isso que aconteceu com a Igreja em Pérgamo, a terceira das sete igrejas da Ásia que receberam a mensagem do Apocalipse.

1.2.3. A Carta à Igreja em Pérgamo (2.12-17) Esta cidade ficou conhecida pelo seu principal produto, o pergaminho. Peças de couro eram trabalhadas a fim de que pudessem ser utilizadas nas escrita. Por esta razão, Pérgamo (hoje, Bérgama) possuía uma imensa biblioteca com mais de duzentos mil rolos de pergaminho. “Veio a ser o centro cultural onde o conhecimento era acumulado, aplicado e disseminado”54. Construída sobre uma elevação rochosa e fortemente murada, Pérgamo foi invadida pelos romanos e transformada numa capital regional do Império Romano. Também ficou conhecida por sua idolatria. Tinha vários templos para Zeus Soter, Atena Nicéfora, Dionísio Catégemo e Asclépio (ou Esculápio) Soter. O altar de Zeus era proeminente, sendo considerado um dos monumentos mais exuberantes de Pérgamo. Além disso, a adoração ao imperador recebia destaque. Não temos nenhuma informação sobre a fundação da Igreja em Pérgamo. Talvez tenha sido nas mesmas circunstâncias da Igreja em Esmirna. No meio de tanta idolatria, estavam os cristãos de Pérgamo lutando para se manterem firmes na Fé. Recusavam-se a considerar um ídolo como “Salvador” (é o que significa a palavra Soter), pois, este título é apenas do Senhor Jesus; recusavam-se curvar diante da estátua do imperador e dizerem: “César é o Senhor”, pois, só Jesus é o Senhor. A vida em sociedade era outro problema para os cristãos. Os banquetes “sociais” dos quais todos os cidadãos deveriam participar, estavam totalmente comprometidos com a idolatria e com orgias. Os que se recusassem a participar dessas festas eram demitidos dos seus empregos, se eram comerciantes tinham seus bens espoliados e confiscados; exílio e condenação à morte eram frequentes. Assim como na vizinha Esmirna, declarar-se cristão era submeter-se à condição de extrema pobreza. Ainda que a Igreja em Pérgamo resistisse firmemente os ataques externos, ela se descuidou dos perigos internos, tolerando o que era intolerável. Pior do que não resistir aos ataques externos é tolerar o pecado e o mal dentro da Igreja e não tomar nenhuma postura firme em relação a isso. Enquanto a Igreja em Esmirna não tolerou nenhum desvio teológico e moral, Pérgamo foi conivente com os impuros. A tolerância ao mal nos torna coniventes com o mesmo. O elogio (v.12 e 13)

54 KISTEMAKER, 2004, p.171.

Estudo 08

Page 44: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

38

Assim como fizera nas outras duas cartas, o Senhor Jesus deu uma ordem a João: “Ao anjo da igreja em Pérgamo escreve”. Ele Se apresentou tal qual na sua aparição em Ap 1.16: “...aquele que tem a espada afiada de dois gumes”. Pensar na espada era pensar na autoridade. Em Ap. 1.16 vemos que a espada é a Palavra de Deus. Não era o procônsul, ou mesmo o imperador que tinha a autoridade sobre Pérgamo (e todo o império), mas, sim, Jesus Cristo. A Sua Palavra é a “espada” da Sua autoridade com a qual Ele rege e julga as nações55. “Conheço o lugar em que habitas, onde está o trono de Satanás...”, obviamente Cristo está se referindo à idolatria daquela cidade. Simon Kistemaker afirma que há cinco interpretações para essa expressão “trono de Satanás”56: (1) Pérgamo era o centro da religião pagã. (2) Para o viajante que vinha do oriente, a acrópole tinha o aspecto de um trono. (3) O altar de Zeus Soter tinha o formato de um trono. (4) Asclépio Soter, o “deus da cura” tinha forma de serpente (figura essa que nas Escrituras aponta para Satanás, e também usada para representar a Medicina). (5) Pérgamo era o centro do culto ao imperador. Todas essas interpretações apontam para a idolatria daquela cidade. Porém, a última é a mais plausível. É muito importante lembrar que a palavra “trono” aparece quarenta e duas vezes em todo o livro do Apocalipse; dessas, apenas duas vezes refere-se ao trono de Satanás e da besta (Ap 12.13; 16.10). Todas as outras quarenta vezes referem-se ao Trono de Deus. Decisivamente, quem reina soberano é Deus e não Satanás. O verbo “conhecer” (oi=da) implica em um conhecimento profundo a respeito de algo, no caso, Cristo afirma conhecer detalhada e profundamente as circunstâncias em que se encontravam os crentes ali. O “trono de Satanás” não quer dizer o domínio dele, mas, sim, sua influência nefasta sobre os corações que por si só eram depravados em sua idolatria. Apesar do trono de Satanás estar ali instalado, Jesus podia dizer daqueles discípulos: “...conservas o meu nome e não negaste a minha fé”, ou seja, eles não se envergonhavam de trazer consigo o Nome de Cristo estando dispostos a sofrer severamente por amor a Cristo, não negando a fé, a qual Cristo designa como “minha fé”. Os que alegam que a fé em Cristo seja fruto do esforço humano devem ponderar em afirmações como essa. Definitivamente, a fé é dom de Deus (cf. Ef 2.8-10). “ainda nos dias de Antipas, minha testemunha, meu fiel, o qual foi morto entre vós, onde Satanás habita”. Pouco se sabe de Antipas, ou quase nada. Apenas sabemos que ele se tornara um exemplo para os crentes de Pérgamo, e que por isso fora considerado por Jesus como “fiel testemunha”, o que parece harmonizar com o significado do seu nome “Contra todas”57. Sendo assim, os cristãos poderiam nutrir a dura realidade de que morando próximo onde Satanás havia instalado seu trono, seriam não somente perseguidos como até mesmo corriam risco de morte. A acusação (v.14-15) Cristo passa a censurar a Igreja em Pérgamo: “Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição. Outrossim, também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaítas”. As poucas coisas que o Senhor lhes censurou não são necessariamente de pouca importância. Estes que sustentam a doutrina de Balaão “sustentam a doutrina dos nicolaítas” (v.15). Eram instrumentos do diabo e infelizmente, eram tolerados pelos crentes de Pérgamo, bem diferente do que fizeram os crentes de

55 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.173. 56 Ibid, p. 174. 57 William Hendriksen afirma que Antipas era um inimigo dos cristãos e até os perseguia (cf. HENDRIKSEN, 2001, p.97). Com base em que ele faz essa afirmação também não sabemos.

Page 45: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

39

Éfeso que não toleraram os impostores. Estes hereges levavam um estilo de vida totalmente contraditório ao que a Fé Cristã propõe. Por isso mesmo não deveriam ser tolerados. Assim como Balaão ensinou Balaque a armar ciladas aos israelitas induzindo-os a comerem coisas sacrificadas aos ídolo, e, seduzindo-os com mulheres midianitas para desviá-los da vontade do Senhor Deus (Nm 25.1,2; 31.15,16), da mesma forma estes falsos profetas, no seio da Igreja em Pérgamo, estavam ensinando práticas imorais que desviavam os crentes da vontade do Senhor (v.14). A correlação entre as “ciladas” de Balaão e a “doutrina dos nicolaítas” está no fato de que assim como os israelitas foram convidados a participar de rituais pagãos da fertilidade que os moabitas e midianitas praticavam, rituais estes que envolviam orgias, de igual forma, os crentes de Pérgamo eram instigados a que buscassem segurança pessoal na participação das práticas daqueles que se congregavam para o culto ao imperador, pois, se assim o fizessem, seriam aceitos naquela sociedade. Eles sabiam que deveriam se abster de “comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem prostituição”, pois, esta foi a decisão que o Espírito Santo levou os apóstolos a tomarem quanto a questão dos crentes gentios e a exigências do judaísmo (At 15.28,29). Mesmo sabendo, eles desobedeceram, quebrando pelo menos três mandamentos de Deus: tiveram outros deuses diante do SENHOR (primeiro mandamento foi quebrado); prostraram-se diante deles (segundo mandamento foi quebrado), e, cometeram adultério (o sétimo mandamento foi quebrado). Todo pecado consumado é resultado da idolatria em nosso coração. A exortação (v.16) Mas o Senhor sempre se revela misericordioso aos Seus filhos e chama-os ao arrependimento: “Portanto, arrepende-te...”. O verbo “arrepender” (metanoe,w), aparece doze vezes no Apocalipse, sendo que oito vezes em relação às Igrejas em Éfeso, Pérgamo, Sardes e Laodiceia. Ele aponta para uma mudança profunda na mentalidade da pessoa, a fim de que ela pense com a mente de Deus. Os cristãos de Pérgamo tinham que se arrepender de sua pusilanimidade e frouxidão espiritual e moral que os levou a tolerarem os nicolaítas que estavam em seu meio. Se Jesus odiava as obras dos nicolaítas (cf. 2.6), eles também deveriam odiá-las. “...e, se não, venho a ti sem demora e contra eles pelejarei com a espada da minha boca”. Se eles não dessem crédito à exortação de Cristo, Ele viria (e de fato veio) contra aquela Igreja. A ameaça Dele se concentrava nos nicolaítas aos quais Ele prometeu destruí-los com a espada que saía de Sua boca, isto é, a Sua Palavra contra a qual nenhum ensinamento e palavra humana têm poder. Enquanto isso, a igreja deveria mostrar-se arrependida em não tê-los expulsado antes. A vinda do Senhor aqui não se refere à Sua Segunda Vinda, na consumação dos séculos, mas, sim, ao juízo iminente sobre aquela Igreja. A promessa (v.17) “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao vencedor, dar-lhe-ei do maná escondido, bem como lhe darei uma pedrinha branca, e sobre essa pedrinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe”. Há aqui uma promessa. Aqueles que atentarem, isto é, obedecerem o que o Espírito Santo está dizendo à Igreja, o Senhor Jesus lhes dará “do maná escondido”. O maná é uma referência contrária aos banquetes pagãos promovidos em Pérgamo em culto ao imperador e aos deuses. Quem sustentaria os crentes quando estes fossem demitidos, espoliados e perseguidos por causa da Fé, seria o próprio Senhor Jesus Cristo, com seu “maná escondido”, ou seja, com Ele próprio (Jo 6.48,49). Mas, em que sentido Jesus é o “maná escondido”? O Senhor Jesus em Sua plenitude, está escondido do mundo, mas revelado aos crentes, já aqui na terra, e, sobretudo, na vida porvir. Em outras palavras, os vencedores que vencerem a tentação de participar dos festins pagãos e da comida oferecida a ídolos, serão alimentados pelo próprio Senhor; a graça de

Page 46: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

40

Cristo e todos os seus frutos gloriosos serão seu alimento, invisível, espiritual, escondido sim, é verdade, entretanto muito real e muito abençoado. Eles recebem o pão do céu. Quanto à “pedrinha branca e o novo nome” que só quem recebe o conhece, admitimos ser um assunto muito complicado. Simon Kistemaker diz que essa pedra branca podia ser58:

(1) Pedras preciosas que caíam juntamente com o maná, o que não passa de lenda; (2) pedras brancas eram lançadas nos tribunais para indicar que o réu havia sido absolvido, ou pedras pretas indicando que havia sido condenado. O texto aqui não diz que o vencedor vai lançar uma pedra branca, mas que ele receberá uma pedrinha branca. Além disso, as pedras lançadas nos tribunais não tinham nenhum nome inscrito nelas. (3) um objeto chamado tessera feito de metal, madeira ou pedra, dava ao seu possuidor certo privilégio na sociedade. Também está fora de cogitação aqui neste texto; (4) pedras brancas eram usadas como talismãs; contudo, isso é prática da bruxaria e não do Cristianismo; (5) Naqueles tempos, os edifícios de Pérgamo eram feitos de pedras marrons e uma placa de mármore branco continha o nome e outras inscrições. Contudo, tais inscrições não eram secretas, mas, podiam ser conhecidas de todos; (6) no peitoral do sumo sacerdote havia pedras com o nome de cada tribo de Israel. Dessa forma ele os representava diante de Deus. O nome do crente sempre está diante de Deus e é por Ele conhecido; (7) A pedra pode ser um diamante no qual o nome de Jesus Cristo está escrito. O nome de Cristo está escrito nas frontes dos santos (3.12; 14.1; 22.4).

As duas últimas interpretações merecem mais credibilidade, em especial a última. O nome de Cristo sobre os crentes significa que eles Lhe pertencem. Como vimos, o Nome de Cristo está na fronte dos crentes marcando-os assim, como pertencentes a Ele. Satanás tenta fazer o mesmo e imita a Cristo colocando uma marca (a marca do Anticristo) sobre os seus seguidores indicando que estes pertencem a uma outra pessoa, a saber, a besta. Comentando sobre o assunto Willian Hendriksen diz que a significação, portanto é como segue: assim como na antiga dispensação o nome de Javé era escrito na fronte do sumo sacerdote para indicar que ele era o servo especialmente consagrado de Javé, assim os crentes (que são constantemente chamados sacerdotes no Apocalipse) terão um nome novo escrito em suas frontes, isto é, o nome de Cristo, o Seu novo nome. Este nome não está escrito numa lâmina de ouro puro, mas, melhor ainda, na transluzente e preciosa pedrinha. Isto significa que o vencedor pertence a Cristo, é seu servo, regozija-se em Sua comunhão, em Sua nova glória e domínio. Portanto, assim como na antiga dispensação somente o sumo sacerdote sabia como pronunciar e havia aprendido os segredos conectados com o nome de Javé, assim também no novo, somente os crentes conhecem a abençoada significação do nome do Senhor Jesus Cristo. Eles (e tão-somente eles!) conhecem a significação da comunhão com Ele. Em princípio, eles o conhecem mesmo aqui na terra; mas uma ulterior revelação da significação deste nome é reservada para eles no céu, onde para todo o sempre os que aqui na terra foram selados em suas frontes com o selo do Deus vivo, serão designados como propriedade exclusiva de Cristo. Eles receberam o Seu nome, isto é, o Seu novo nome está em suas frontes”59. Hendriksen também nos lembra que não devemos ficar exagerando a diferença entre as duas interpretações, a saber, que a pedra branca e o nome secreto, significarem o nome da pessoa ou o Nome de Cristo, pois, à base da primeira interpretação, o crente recebe um nome novo, isto é, uma nova relação com o Seu Salvador, revelado num caráter gloriosamente transformado. À base da segunda interpretação, Cristo revela o Seu novo nome ao crente, especialmente no porvir. Assim sendo, o novo

58 Cf. KISTEMAKER, 2004. p.181. 59 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.92.

Page 47: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

41

nome de Cristo transmitido ao crente no porvir, tem mais a ver com o novo relacionamento que eles terão na glória, do que com uma mudança de nome apenas.

Aplicações Destacamos aqui algumas verdades referentes à nossa identidade em Cristo: 1) Assim como ele não tolera o pecado, também nós não devemos ter qualquer tolerância com o

pecado, especialmente aquele que se encontra em nosso coração; 2) A nossa identidade em Cristo aponta para a mentalidade de Cristo em nós. Não devemos pensar

“pela nossa cabeça”, mas, pela mente de Cristo. É por isso que precisamos de arrependimento constante.

3) A identidade em Cristo aponta para o nosso relacionamento com Ele.

Page 48: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

42

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1 Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3 1.2.4. A Carta à Igreja em Tiatira – Ap 2.18-29

Introdução Mais uma Igreja que, apesar de operosa em boas obras (e sempre crescente), tolerou o pecado dentro dela. Vejamos então

1.2.4. A Carta à Igreja em Tiatira (2.18-29) A cidade de Tiatira (hoje a moderna Akhisar), ficava uns 60 quilômetros a sudeste de Pérgamo, e, por estar num vale espaçoso que conduz ao Rio Hermus, não tinha defesas naturais e por isso ela foi totalmente fortificada por uma muralha. Por ficar perto da fronteira das províncias de Lídia e Mísia, era reivindicada por ambas. Em 190 a.C. os romanos invadiram o vale e tomaram a cidade. Por estar entre as maiores rotas comerciais da época (Pérgamo e Sardes), Tiatira se tornou um grande centro comercial. Por causa do seu comércio surgiram várias “associações comerciais” tais como, a associação dos tintureiros, dos tecelões, dos fiadores, dos fabricantes de roupas externas, dos coureiros, dos curtidores, dos oleiros, entre outros60. Essas associações comerciais prestavam culto aos deuses pagãos Apolo e Ártemis. Esses cultos constituíam-se de alimentos sacrificados e consagrados a esses deuses, e depois distribuídos aos que ali estavam presentes. Logo em seguida, antes de encerrar o culto era promovida uma terrível orgia com as sacerdotisas do templo. Os membros das associações comerciais eram obrigados a participarem desses cultos pagãos, caso contrário se recusassem a participar, eram expulsos das associações e condenados assim, à miséria e pobreza. Os cristãos que se recusassem a se envolverem nessas coisas eram considerados excluídos da sociedade. Era essa a situação em que se encontravam os crentes da igreja de Tiatira. A Igreja de Tiatira estava ali enfrentando essas situações contrárias. Quando ela foi fundada, não sabemos ao certo. Lídia, a vendedora de púrpura a quem Paulo encontrou na cidade de Filipos, era natural de Tiatira (cf. At 16.14). Teria sido ela uma das pessoas que Deus usou para plantar a Igreja em Tiatira? Bem provável. O destinatário e a auto apresentação de Cristo, v.18 O pastor, aquele que era o “anjo da igreja em Tiatira”, recebeu a carta, a qual começa dizendo: “Estas coisas diz o Filho de Deus, que tem os olhos como chama de fogo e os pés semelhantes ao bronze polido”. Temos aqui uma auto apresentação do Senhor Jesus como “Filho de Deus” mostrando assim a Sua Divindade, especialmente aos judeus de Tiatira que rejeitavam Sua divindade61. É fato que na carta não existe nenhuma menção aos judeus, porém, a expressão “Filho de Deus” é tipicamente judaica. Além disso, Cristo está contrastando-Se com o paganismo que afirmava que César e Apolo eram filhos dos deuses.

60 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.93. 61 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.185.

Estudo 09

Page 49: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

43

“... tem os olhos como chama de fogo e os pés semelhante ao bronze polido”, indicando assim a Sua santidade e juízo santo. Com seus “olhos de fogo” Ele limpa e purifica os corações de toda a impureza; com “seus pés semelhante ao bronze polido” Ele exerce o Seu terrível juízo sobre Seus inimigos, uma vez que o bronze na Bíblia sempre é símbolo de juízo. A semelhança da descrição de Jesus aqui neste texto com a de Ap 1.14-15 é significativa. O elogio (v.19) “Conheço as tuas obras, o teu amor, a tua fé, o teu serviço, a tua perseverança e as tuas últimas obras, mais numerosas do que as primeiras”. A pelo menos outras quatro igrejas, Ele dissera que conhecia as obras: Éfeso, Sardes, Filadélfia e Laodiceia. Aqui também temos um elogio que o Senhor faz àqueles crentes. Ele conhecia: “...as tuas obras, o teu amor, a tua fé, o teu serviço, a tua perseverança e as tuas últimas obras, mais numerosas que as primeiras”, indicando assim que a igreja de Tiatira era uma igreja que crescera no compromisso cristão e se preocupava em continuar crescendo. E Cristo destacou esse crescimento constante que apontava para Tiatira como uma igreja que cuidava dos seus necessitados e que demonstrava grande confiança em Deus. Não obstante tanto crescimento, ela havia se descuidado com a disciplina: A repreensão (v.20 a 23) “Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetisa” (v.20). Cristo muda de louvor para repreensão. Aquela operosa igreja tolerava com certa naturalidade uma mulher chamada Jezabel. Esta se intitulava profetiza. Sabemos que no Novo testamento havia mulheres que exerciam o ofício de profetiza. Mas, é importante destacar aqui a característica de um falso profeta: a auto declaração. A igreja em Éfeso tinha os que se declaravam apóstolos e não o eram de fato (Ap 2.2), e aqui, essa Jezabel se declarava uma profetiza. O ofício de apóstolo e profeta para terem credibilidade deveria ser comunicado por meio do comissionamento direto de Deus à pessoa. Os falsos mestres e profetas sempre usurparão essa autoridade. “não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos”. A ação perniciosa dessa falsa profetiza consistia em ensinamento herético que levava a uma vida promíscua. Nas palavras do apóstolo Paulo: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes” (1Co 15.33). Quando o falso ensino é permitido dentro da igreja, fatalmente as práticas serão contrárias às Escrituras. Logo, se encontramos práticas errôneas dentro da igreja, temos aí um forte indício de que o ensino tem sido deturpado e falho. Talvez o nome “Jezabel” aqui seja apenas em alusão à perversa rainha Jezabel, esposa de Acabe, a qual levou não só o seu esposo, mas, todo o reino do Norte (Israel) a cair em terrível idolatria. Essa tal Jezabel, à semelhança da sua homônima no Antigo Testamento, a rainha Jezabel esposa de Acabe rei de Israel, incitava os crentes à idolatria nos cultos pagãos ligados às associações comerciais e à prostituição com as sacerdotisas dos templos pagãos, sob o pretexto de conhecerem o inimigo para poderem vencê-lo. Para isso, deveriam praticar coisas mesmo que essas fossem escancaradamente pecado. E para camuflarem, ou fazerem o pecado não parecer o que realmente é, davam uma aparência de sabedoria ao assunto chamando-o de “cousas profundas de Satanás” (v.24). Quanto mais conhecessem o pecado, ou as tais cousas profundas de Satanás, mais chances de vencê-los eles teriam, dizia a tal profetiza e seus seguidores. “Dei-lhe tempo para que se arrependesse; ela, todavia, não quer arrepender-se da sua prostituição” (v.21). Apesar de tudo isso, o Senhor Jesus ainda teve misericórdia e paciência dando-lhe uma oportunidade para que ela e seus adeptos se arrependessem; mas, ela se manteve rebelde e contumaz.

Page 50: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

44

Por isso, Ele a sentenciou: “Eis que a prostro de cama, bem como em grande tribulação os que com ela adulteram, caso não se arrependam das obras que ela incita” (v.22). A mesma cama que ela usava para suas prostituições, veio a se tornar em instrumento de dor e morte; seus companheiros de adultério também receberam o mesmo castigo de grande tribulação. Quem tolera o pecado, colhe seus frutos, e nisso cada um é responsável por si. “Matarei os seus filhos, e todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e corações...” (v.23). No texto grego aparece “... aquele que sonda os rins e os corações...” (nefrou.j kai. kardi,aj) tratando-se assim de um idiomatismo hebraico que considera os rins e o coração como o mais íntimo do ser humano, aquilo em que está o que é secreto e que só ele e também Deus conhecem. Justamente porque Ele tem tal conhecimento do íntimo de cada um, em Seu julgamento quando Ele diz: “e vos darei a cada um segundo as vossas obras”. A correção (v.24-25) “Digo, todavia, a vós outros, os demais de Tiatira, a tantos quantos não têm essa doutrina e que não conheceram, como eles dizem, as coisas profundas de Satanás: Outra carga não jogarei sobre vós” (v.24). O crente deve fugir de quaisquer ensinamentos que estejam em conflito com a Palavra de Deus, ainda que esses ensinamentos sejam apresentados como “coisas profundas”, “filosofia de alto nível”, etc., o crente deve buscar sim, as coisas profundas de Deus (1Co. 2.10). As “coisas profundas de Satanás” levam à morte e destruição. Aqueles que buscam as coisas profundas de Satanás, tornar-se-ão suas sinagogas (cf. Ap 2.8), e terão o trono dele em seus corações (cf. Ap 2.13). O Senhor exorta aos crentes de Tiatira que: “Outra carga não jogarei sobre vós; tão-somente conservai o que tendes, até que eu venha” (v.24-25). A que exatamente o Senhor se referia aqui? O decreto apostólico formulado pelo Concílio de Jerusalém estipulava aos cristãos gentios quatro coisas: absterem de alimento sacrificado aos ídolos, do sangue, da carne de animais sufocados, e da imoralidade sexual (cf. At 15.28-29). Pelo menos dois pecados são encontrados aqui em Tiatira na vida de Jezabel e seus seguidores: carne consagrada a ídolos e imoralidade sexual. Por certo, os crentes da igreja de Tiatira observavam o decreto apostólico por completo, e por isso o Senhor não lhes imporia outra carga além dessa. Era o que eles tinham e que deviam conservar. A dupla promessa (v.26 a 29) “Ao vencedor, que guardar até o fim as minhas obras, eu lhe darei autoridade sobre as nações, e com cetro de ferro as regerá e as reduzirá a pedaços como se fossem objetos de barro” (v.26-27) Para ser um vencedor é preciso observar a “regra”: “guardar até o fim as minhas obras”. Isso quer dizer, fazer a vontade de Deus revelada em Sua Palavra assim como fez Jesus. Essa é a incumbência da Igreja de Cristo. Assim como na carta à Igreja em Pérgamo (e só nessas duas), Cristo fez uma promessa dupla. A “autoridade sobre as nações” e a regência com “cetro de ferro” são uma citação do Sl. 2.8 e 9 e devem ser entendidas dentro desse contexto. Referem-se assim à vitória de Cristo e seus seguidores que se recusaram a participarem dos cultos pagãos mesmo sofrendo toda sorte de retaliação dos inimigos. No fim, aqueles que agora estão empobrecidos e desfavorecidos de autoridade, serão os que governarão as nações. “assim como também eu recebi de meu Pai, dar-lhe-ei ainda a estrela da manhã” (v.28). A promessa que o Senhor faz aqui é dupla, pois, além de prometer essa autoridade e governo sobre as nações, Cristo também promete dar-lhes a “estrela da manhã”, a saber, Ele próprio. Ele usa este termo mais uma vez no Apocalipse referindo-se a Si mesmo (22.16). Há uma conexão sutil entre a referência ao Salmo 2.8,9 e a alusão a Nm. 24.17, onde Balaão profetiza: “Uma estrela sairá de Jacó; um cetro

Page 51: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

45

surgirá de Israel”. O símbolo do cetro conduziu ao da estrela, pois ambos são símbolos da realeza que o crente partilha. Os santos governam com Cristo e brilham com fulgor como estrelas matutinas62. “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (v.29). A mesma fórmula familiar com que ele encerrou as cartas anteriores, faz aqui também. É uma mensagem do Filho de Deus e do Espírito Santo à Igreja. É assim que a Igreja de Cristo consegue vencer o engano dos ensinamentos destrutivos de Satanás tidos como “profundas coisas”.

Aplicações As seguintes verdades sintetizam essa carta: 1) A Igreja de Cristo sempre será alvo dos falsos mestres. Somente conhecendo a Palavra de Deus e

frutificando em santidade é que ela poderá vencê-los. 2) Tolerar falsos crentes e falsos mestres não é um ato de amor, mas, de conivência com o pecado. Os

tolerantes serão contados com os promíscuos e transgressores no juízo de Deus. 3) A salvação é pelas obras de Cristo. Se as nossas obras não forem às de Cristo, estamos apoiando a

nossa fé em nós mesmos. Este é um pecado tão terrível, pois, despreza o sacrifício de Cristo. 4) Devemos buscar viver o Evangelho de Cristo da forma como ele nos é apresentado. Quaisquer

outras “cargas” que acrescentarmos a ele, será legalismo, e isso é tão pernicioso quanto a promiscuidade de Jezabel.

5) Quem não se submete ao senhorio de Cristo hoje, não deve alimentar nenhuma esperança de reinar com Ele na eternidade.

62 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 193.

Page 52: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

46

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3 1.2.5. A Carta à Igreja em Sardes – Ap 3.1-6

Introdução O auto engano é um dos perigos mais frequentes na vida de muitos crentes e tem levado muitos ao fracasso. Diferentemente das igrejas anteriores que apesar dos tropeços apresentavam obras, Sardes era conhecida pelas pessoas como uma igreja viva, mas, Cristo a via como morta.

1.2.5. A Carta à Igreja em Sardes (3.1-6) Sardes (atual Sart), capital da Lídia era uma cidade muito arrogante e orgulhosa. Distava de Tiatira uns cinquenta quilômetros para o sudeste. Construída e fortificada no topo de uma colina, com muralhas íngremes e praticamente intransponíveis, julgava-se inatingível pelos inimigos. Mas, o que lhe era motivo de segurança também lhe trazia um sério problema: não tinha para onde expandir suas fronteiras e seu sustento era totalmente retirado do Vale Hermus. Por causa disso, uma outra cidade, ou pelo menos parte dela começou a ser edificada no Vale Hermus. Um fato marcou a história de Sardes. Entre os anos 560 e 546 a.C., Croesus era o rei da Lídia. Havia uma lenda que dizia que tudo quanto ele tocava transforma-se em ouro. Mas, ironicamente foi em suas mãos que a cidade orgulhosa de Sardes foi tomada pelos persas no ano 546 a.C. Quando Ciro, rei da Pérsia veio pelejar contra Sardes, Croesus buscou a orientação de uma sacerdotisa de Delfo a qual lhe proferiu o seguinte oráculo: “Se você cruzar o Rio Halys, então destruirá um grande império”. Com suas forças ele cruzou o rio e destruiu não o império persa, mas o seu próprio. Buscou então, refúgio em Sardes, pois, cria que ali estaria seguro e protegido. De fato, os persas não tinham a mínima noção de como invadiriam a cidade, uma vez que a colina em que ela estava construída estava cercada de precipícios e os muros íngremes não davam acesso algum. Quando os exércitos persas chegaram a Sardes, Croesus o esperava fora crendo que ninguém poderia escalar os muros do promontório quase na vertical. Mas quando um de seus homens incidentemente deixou cair seu elmo de um dos muros e desceu para recuperá-lo, inadvertidamente demonstrou que o muro podia ser escalado. À noite, os soldados persas escalaram o muro, não encontraram oposição e tomaram a cidade. Através do descuido e falha de um soldado em guardar os muros, Croesus perdeu a guerra63. Não prestar atenção à própria história é um dos piores erros que se pode cometer. No ano 214 a.C., Antíoco o Grande, rei da Síria, enviou exércitos a Sardes. Seus soldados escalaram os muros da mesma forma que fizeram os soldados de Ciro, e tomaram a cidade. Poucas décadas depois, no ano 189 a.C., os romanos tomaram essa cidade usando o mesmo método que os persas e sírios. No ano 17 d.C., Sardes sofreu uma terrível destruição com um terremoto que a devastou. Por esses fatos os crentes da cidade de Sardes entenderam perfeitamente a advertência de Cristo: “Sê vigilante...” (3.2). Quanto à Igreja em Sardes, não sabemos quando ela nasceu. Mas, das Sete Igrejas , ela era a que menos tinha vigor e fervor espiritual. Era acomodada ao seu ambiente religioso (a idolatria ali era intensa com templos dedicados a Cibele, Zeus, Lídio, Héracles e Dionísio), vivendo um evangelho

63 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.198.

Estudo 10

Page 53: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

47

inofensivo e em paz com o mundo. Apenas uns poucos membros fiéis honravam a Cristo com uma vida piedosa exemplar. O destinatário, a auto apresentação e a confrontação (v.1) No v.1 temos, como de costume: ✓ O destinatário: “Ao anjo da igreja em Sardes...”; ✓ A auto apresentação de Cristo: “Estas coisas diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete

estrelas...”. Uma variação da saudação inicial do livro no cap. 1. Os “sete espíritos” descrevem a plenitude do Espírito Santo, a quem Jesus está enviando da parte do Pai (Jo 14.26; 15.26, 27; At 2.33). Por meio do Espírito Santo (sete espíritos) Cristo vivificaria a igreja de Sardes. A frase “as sete estrelas” também aparece na carta à igreja de Éfeso (2.1);

✓ E a confrontação do Senhor Jesus aos crentes de Sardes: “Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto” (v.1). Éfeso tinha perdido o primeiro amor e tinha caído do seu auge espiritual (2.4-5); Sardes gozava de boa reputação, mas, não a merecia; ela foi declarada espiritualmente morta, o que era muito pior. Mas, Cristo podia revitalizar aquela igreja decadente, pois, Ele tem as “sete estrelas” em Suas mãos. A Igreja em Sardes julgava-se viva, mas, estava morta.

Três ordens (v.2-3a) Cristo trouxe uma tríplice ordem a Sardes: ✓ “Sê vigilante”. Quando se vive acomodado ao mundo, sem conflitos e contradições com o mesmo,

a tendência é pensar que está sendo relevante e influente. Sardes vivia um evangelho inexpressivo e sem vigor espiritual, um evangelho que não trazia nenhum compromisso exclusivo com Deus e com a santidade oriunda do Evangelho Verdadeiro. Certamente os crentes da igreja de Sardes lembraram-se de sua história e das derrotas que tiveram por não ficarem vigilantes e atentos aos inimigos. Da mesma forma deveriam atentar para os que estavam dentro da igreja em situação de risco.

✓ “...e consolida o resto que estava para morrer porque não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus”. A Igreja em Sardes estava cheia de obras inacabadas, incompletas, imperfeitas; foi isso que Cristo quis dizer com “... não tenho achado íntegras as tuas obras...” (v.2). Talvez tivesse se deixado levar pela opulência da cidade de Sardes. A igreja de Sardes também desfrutava de uma certa tranquilidade em face aos judeus, pois, ao que parece, eles não perseguiam os cristãos aqui. Tudo isso contribuiu para um relaxamento na vida cristã. O que ela aparentava não era o que realmente ela era.

✓ “Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, guarda-o e arrepende-te” (v.3). O que ela havia recebido e deveria se lembrar era a mensagem do Evangelho. Tal como em Éfeso as novas gerações haviam se esquecido “das primeiras obras” (2.5) praticadas pela primeira geração de crentes, Sardes também havia se esquecido da poderosa mensagem do Evangelho. E igualmente a Éfeso, Sardes tinha que se arrepender. Além disso, deveriam guardar a Palavra de Deus, o que obviamente significa retê-la no coração e praticá-la. A única forma deles consolidarem as obras que foram iniciadas pela geração anterior, era guardando a Palavra de Deus com a qual sondariam seus corações em busca do arrependimento.

A advertência (v.3b) “Porquanto, se não vigiares, virei como ladrão, e não conhecerás de modo algum em que hora virei contra ti”. A não vigilância da parte deles levaria o Senhor a vir sobre eles “... como ladrão...” (v.3). Mais uma vez o Senhor Jesus lança mão dos fatos históricos relativos às derrotas que Sardes sofrera, todas elas foram ataques surpresa dos inimigos.

Page 54: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

48

A figura do ladrão relacionada à pessoa de Jesus no Novo Testamento, tanto se refere ao Seu castigo iminente, quanto à Sua segunda vinda. Aqui, obviamente, referia-se ao castigo iminente que sobreveio à Igreja em Sardes. A Promessa (v.4-6) Cristo não faz generalizações; Ele conhece os que Lhe pertencem ainda que sejam poucos: “Tens, contudo, em Sardes, umas poucas pessoas que não contaminaram as suas vestiduras” (v.4a). Havia esperança para a mórbida Igreja em Sardes. Claro que a esperança não estava nas pessoas, mas, na Graça de Cristo, a qual sustentava aqueles poucos fiéis para os quais ele prometeu: “...andarão de branco junto comigo, pois são dignas” (v.4). No texto grego encontramos “...uns poucos nomes...” em vez de “...poucas pessoas...”. Isso sugere que Deus conhece as pessoas pelos seus nomes, o que está de acordo com o Apocalipse bem como com o restante da Bíblia. Aqui “roupas” significa estilo de vida, conduta moral. Não estavam manchados pelos pecados de adultério e idolatria como os demais; não tinham solapado a mensagem do Evangelho vivendo relaxadamente como os demais. A cor branca neste texto significa pureza e santidade, pureza e não envolvimento com o pecado. Os poucos fiéis ali encontrados são considerados dignos não por suas realizações pessoais, mas, por causa das realizações de Cristo na vida deles. “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas...” (v.5a). Há um paralelo entre vencer e ser vestido com vestiduras brancas. Deve-se levar em consideração aqui o fato de que aqueles que permanecerem perseverantes até o fim de suas vidas serão os que vencerão. “...e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida...” (v.5b). A respeito do nome de cada fiel que de modo algum será apagado, é importante lembrarmos o costume da época. Os judeus quando regressaram do cativeiro que sofreram, trouxeram consigo uma lista com os nomes de todos. Se por algum motivo o nome de alguém fosse riscado, ele não mais pertenceria ao povo de Israel. Semelhantemente, os romanos faziam o mesmo com um criminoso que antes de ser executado, tinha o seu nome totalmente apagado dos registros64. “...pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos” (v.5c). A certeza da nossa salvação está fundamentada na pessoa de Jesus e em Seu sacrifício. É Ele quem nos salva, nos santifica (roupas brancas) por meio do Seu Santo Espírito (“sete espíritos de Deus”, v.1), e por fim, Ele próprio nos apresentará diante da Glória de Seu Pai (Jd 24 e 25). Eles receberam a promessa de permanecerem neste estado de graça e santidade por toda a eternidade e de serem “confessados” (declarados filhos de Deus) diante do Pai e dos Seus santos anjos (cf. Mt 10.32; Lc 12.8). Há porventura maior honra que essa? Cristo conhece as obras, isto é, a vida de cada um, e sabe quem de fato Lhe pertence. Cristo encerra a carta à Igreja em Sardes com a fórmula familiar: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (v.6).

Aplicações Atentemos para a importância de: 1) auto confrontar-nos na Palavra para vermos nossa real condição espiritual (cf. 2Co 13.5); 2) concluirmos o que começarmos, pois, isto revela o caráter de Deus em nós (Fp 1.6); 3) vigiarmos o tempo todo por meio de uma vida de santidade; 4) sermos fiéis a Cristo, ainda que sejamos poucos.

64 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.205.

Page 55: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

49

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3 1.2.6. A Carta à Igreja em Filadélfia – Ap 3.7-13

Introdução Ao lermos a carta à Igreja em Filadélfia ficamos embevecidos com tanta beleza. A doçura com que Cristo tratou a essa Igreja humilde e fiel, é para nós um alento e um incentivo à nossa fé.

1.2.6. A Carta à Igreja em Filadélfia (3.7-13) Filadélfia (moderna Alasehir) distante pouco mais de vinte quilômetros a sudeste de Sardes, foi fundada em 140 a.C., por Átalo Segundo Filadelfo. O significado do nome “Filadélfia” é “cidade do amor fraterno” ou “do amor entre irmãos”, e origina-se do sobrenome de seu fundador, que por amor a seu irmão Eumenes deu esse nome a cidade. Localizada numa movimentada rodovia que ligava a Ásia com a Europa. Era uma cidade com a porta aberta para o comércio, indústria e especialmente a propagação do idioma e da cultura grega. A palavra de Jesus “... eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar...” (3.8), foi bem entendida pelos crentes de Filadélfia. A agricultura era outro fator econômico forte dessa cidade, pois, por ser uma região vulcânica, o solo era muito fértil e nas áreas adjacentes à cidade, vinhas pontilhavam a paisagem, tornando a cidade conhecida por seus vinhos e bebidas refrigerantes. Contudo, o mesmo terremoto que destruiu Sardes em 17 d.C. também destruiu Filadélfia. Recebeu também a ajuda de Tibério através da isenção de impostos e de uma boa soma em dinheiro para reconstrução da cidade. O medo de novos tremores fez com que o povo deixasse de habitar dentro dos muros da cidade preferindo assim o campo aberto. Outra promessa de Jesus a de que “... daí jamais sairá...” (3.12), foi muito expressiva para eles. Outra promessa de Cristo a de que “... gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus...” (3.12), fez muito sentido para eles, pois, por ocasião da reconstrução da cidade depois do terremoto de 17 d.C., Tibério, para honrar César adotou o nome Neocesarea (Neocaesarea – a nova cidade de César). Este nome permaneceu em voga por cerca de vinte e cinco a trinta anos. Finalmente, para honrar o imperador Vespasiano, que se chamava Tito Flávio Sabino Vespasiano, cujo reinado durou de 69 a 79 d.C., a cidade passou a chamar-se “Flávia” e tinha ali um templo para a adoração do imperador65. À semelhança da Igreja em Esmirna, os crentes de Filadélfia tornaram-se modelos de fidelidade ao Senhor Jesus Cristo. Ele os louva pela sua firmeza na fé, não traz nenhuma palavra de reprovação. Ela permaneceu leal ao Senhor no decorrer dos séculos, e mesmo quando o Islamismo veio a ser a religião predominante, ela não esmoreceu. Ainda na primeira metade do século 20 havia cinco congregações que floresciam ali. De todas as sete igrejas na província da Ásia, Filadélfia foi a única que transpôs os séculos66.

65 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.209. 66 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 209.

Estudo 11

Page 56: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

50

O destinatário, a auto apresentação e o reconhecimento (v.7, 8) O destinatário: “Ao anjo da igreja em Filadélfia escreve”, e como já sabemos, tratava-se do pastor daquela Igreja o qual deveria transmitir a mensagem da carta à mesma. A auto apresentação de Cristo: “Estas coisas diz o santo, o verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi, que abre, e ninguém fechará, e que fecha, e ninguém abrirá”. Jesus se autodescreve como “... o santo, o verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi, que abre, e ninguém fechará, e que fecha, e ninguém abrirá” (v.7). A santidade de Jesus é reconhecida por homens e demônios (Mc 1.24; Lc 4.34; Jo 6.69). Ele é o “Verdadeiro”, o que mostra não só o Seu caráter, como também contrasta com o caráter dos Seus inimigos, em especial o Anticristo, que sempre faz uma imitação mentirosa de Cristo, a fim de confundir, se possível, os eleitos. Em Ap 6.10, o Pai é também chamado de “santo e verdadeiro”. A divindade de Cristo é uma temática constante em toda a Bíblia, em especial aqui no Apocalipse. Cristo também declara ter em Suas mãos “a Chave de Davi”, a qual é uma referência direta à Sua linhagem messiânica; o Messias era da descendência de Davi, e aqui há uma citação de Is 22.22, cujas palavras são dirigidas a Eliaquim, filho de Hilquias que serviu ao rei Ezequias como um mordomo fiel. Eliaquim recebeu autoridade para governar sobre a casa de Davi, isto é, Jerusalém e Judá. Ele foi um protótipo de Cristo, ou seja, o que aconteceu com Eliaquim prefigurou o que aconteceria com Cristo, pois, ele segura o cetro do reino de Deus, é o Filho sobre a sua casa (Hb 1.8; 3.6) e governa sobre todos os povos. Essas palavras, portanto, indicam a total autoridade de Cristo sobre todos e tudo; o que Ele faz, ninguém desfaz; o que Ele desfaz, ninguém pode restaurar67. O reconhecimento: “Conheço as tuas obras – eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar...” (v.8). Como sempre, Jesus conhece a real situação da Sua Igreja. A chave que Ele tem em Suas mãos, logicamente abre uma porta. A “porta” na opinião de Willian Hendriksen e Simon Kistemaker é a maravilhosa oportunidade de pregar o Evangelho. Em At 14.27, Paulo e Barnabé relataram à Igreja de Antioquia como Deus “abrira a porta da fé aos gentios”. Também em 1Co 16.9; 2Co 2.12 e Cl 4.3 encontramos a mesma ideia. Deus é Soberano sobre a tarefa da Evangelização, e “... a porta que Ele abre é um estímulo aos cristãos para que ativamente se engajem na obra de evangelismo e missões”68. Cristo continua: “... que tens pouca força, entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome” (v.8). Perante os olhos dos inimigos aquele pequeno grupo de crentes tinha pouca força, e nem mesmo oferecia alguma resistência. Contudo, o Senhor Jesus faria com que os inimigos quedassem de joelhos diante daqueles crentes. Temos aqui um eco de Lc 12.32, onde o povo de Deus é chamado de “pequeno rebanho”. A nossa força é pequena, por esta razão é loucura confiarmos em nós mesmos. O povo de Deus só é poderoso se estiver firme no poder de Deus. É o que podemos constatar no próximo versículo. As promessas (v.9-13) 1ª Promessa (v.9): exaltação Cristo prometeu subjugar os inimigos da Igreja e exaltá-la diante deles mostrando o quanto ela é amada por Ele. “Eis farei que...” (v.9), ou seja, “Veja! Atente! Certamente farei...”. Cristo e não os crentes é quem subjuga os inimigos. Esta expressão aparece duas vezes no versículo com o intuito de dar ênfase à promessa de Cristo a respeito do que Ele faria com “... alguns dos que são da sinagoga de Satanás, desses que a si mesmos se declaram judeus e não são, mas mentem...” (v.9), os mesmos que em Esmirna perturbavam a Igreja aparecem aqui. Estes que se julgavam os guardiões dos oráculos de Deus, eram antes, “sinagoga de Satanás”. Na carta à Igreja em Esmirna, eles foram chamados de “sinagoga de Satanás”; aqui, eles são descritos como membros “da sinagoga de Satanás”. Não há diferença substancial nessas declarações; ambas apontam para o fato de que quando alguém se opõe à

67 Ibid, p.211. 68 Ibid, p.212.

Page 57: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

51

Igreja de Cristo, mostra-se aliado de Satanás, e, portanto, seu membro. Enquanto o crente em Cristo (verdadeiro filho e povo de Deus) é o “santuário de Deus” (1Co 3.16), os que pervertem o Evangelho e atacam a Igreja de Cristo, ainda que o façam sob o pretexto de estarem defendendo o Nome de Deus como fazem os judeus, não passam de “sinagoga de Satanás”. Estes terão um fim trágico e decepcionante, pois, Cristo prometeu que: “...eis que os farei vir e prostrar-se aos teus pés e conhecer que eu te amei (v.9). Existem duas semelhanças entre a Igreja de Esmirna e a de Filadélfia: (1) Cristo trata contra “os que se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás” (2.9 e 3.9); (2) são as duas únicas igrejas que não recebem nenhuma repreensão de Cristo, apenas louvor. Mas, por que será que Cristo dirige uma palavra tão dura assim aos judeus? Não são estes o povo de Deus? Como já foi mencionado anteriormente, os judeus cegaram-se em sua vaidade e orgulho quando se julgaram melhores que os demais. Dessa forma, tudo quanto não estivesse dentro dos padrões do Judaísmo deveria ser considerado como heresia. Por isso, o Evangelho de Cristo não passava de “seita nazarena” (At 24.5). A fúria com que os judeus atacaram os cristãos e os judeus convertidos ao Cristianismo (estes eram considerados apóstatas), ganhou destaque logo no primeiro século. Dessa forma os judeus não mais eram o povo de Deus, pois, negaram justamente Aquele que foi a razão deles terem sido escolhidos para que deles, Ele (Jesus Cristo) descendesse. Como afirma Simon Kistemaker69:

Eles tornaram-se instrumentos nas mãos de Satanás que, como seu governante, usava-os para solapar e, se possível, destruir a Igreja. Rejeitaram não só a Jesus, mas também a todos os seus seguidores e, assim, indiretamente, reconheceram Satanás como senhor. Portanto, Jesus os caracterizou como mentirosos, porque não mais podiam reivindicar ser o povo de Deus.

2ª Promessa (v.10-11): preservação Cristo ainda prometeu àqueles fiéis que “Porque guardaste a palavra da minha perseverança, também eu te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra” (v.10). Cristo nos corações dos crentes os capacita a permanecerem firmes e perseverantes. A palavra que aqui foi traduzida por “perseverança” é u`pomonh/j e pode ser traduzida também por “paciência”, não uma paciência momentânea, mas sim, “um espírito que pode suportar os acontecimentos com mais do que mera resignação – com muita esperança”70. Isso é muito importante para compreendermos o restante desse versículo e o v.11. A tribulação ou a “... hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra”, não se refere a uma provação específica e estrita somente a uma época e igreja. Não há neste texto a ideia de uma provação específica a uma igreja específica em um tempo específico. Essa provação, ainda que envolva a igreja e a todos os crentes em todas as épocas (desde a primeira à segunda vinda de Cristo – os “últimos tempos”), refere-se especificamente aos ímpios que se levantam contra a Igreja de Cristo em todas as épocas. Estarmos no mundo já é por si só motivo de passarmos por lutas e provações. Por esta razão, os crentes devem não somente ser perseverantes, mas, também guardarem em seus corações a bendita esperança da volta de Cristo e da Sua vitória completa sobre os inimigos da Sua igreja, como Ele mesmo prometeu: “Venho sem demora. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (v.11; ver também 2.16,25; 22.7,12, 20; Zc 2.10). O que eles tinham era a perseverança cheia de esperança em Cristo. O crente que persevera assim ninguém lhe tira a coroa da sua vitória, pois, que, essa perseverança só Cristo pode lhe dar, e o que Ele faz, ninguém desfaz (veja o v.8). Não sabemos quando será a Sua volta, mas, Ele voltará. Ainda é importante destacar que a certeza que os crentes de Filadélfia tinham, era baseada somente na Palavra de Cristo. Aos crentes de Esmirna, Ele prometera dar-lhes a coroa da vida (2.10); aos de Filadélfia Ele declarou que eles já a possuíam (v.11).

69 KISTEMAKER, 2004, p. 215. 70 Cf. RIENECKER-ROGERS, 1988, p. 611.

Page 58: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

52

3ª Promessa (v.12 e 13): glorificação Temos aqui a terceira promessa a qual é dupla em seu conteúdo. Primeiramente, Cristo diz: “Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus e daí jamais sairá”. As colunas nos templos antigos eram monumentos erguidos em honra às pessoas ilustres. Quando alguém merecia ser honrado, uma coluna no templo era designada em sua honra e sobre ela era gravado o nome da pessoa bem como suas atribuições. Aqui Cristo promete aos Seus santos que eles serão colunas do santuário celestial que se encontra na Nova Jerusalém, “...e daí jamais sairá”. Não há qualquer possibilidade de perdição para os que estiverem na Glória Eterna, assim como não há qualquer possibilidade de redenção para os que estiverem na danação eterna. Para os que creem haver perda de salvação, que atentem para o fato de que nem nesta vida, nem na futura tal coisa haverá. Em segundo lugar, Ele promete: “gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome.” (v.12), ou seja, os vencedores serão honrados por Deus na glória eterna, e sobre eles estará eternamente o tríplice Nome: “...do meu Deus...”, “...o nome da cidade do meu Deus a nova Jerusalém...”, e, “...o meu novo nome”, isto é, de Jesus. Assim como Filadélfia recebera nomes diferentes (vide p.50), os crentes (de Filadélfia e todos nós) receberão este tríplice Nome mostrando a quem eles de fato pertencem, e, a glória que receberão não provém deles próprios, mas, de Deus. Ele é a nossa glória e o nosso galardão! Encerrando a carta da mesma forma que fez nas anteriores, Cristo adverte: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (v.13).

Aplicações Warren Wiersbe afirma71:

Em sentido bastante real, a Igreja de hoje é semelhante à Igreja de Filadélfia, pois, Deus colocou várias portas de oportunidade diante de nós. Se ele abre as portas, devemos trabalhar; se Ele as fecha, devemos esperar. Acima de tudo, devemos ser fiéis a Ele e ver as oportunidades, não os obstáculos. Quem deixar as oportunidade passarem perderá as recompensas (coroas), o que significa ficar envergonhado diante do Senhor quando Ele vier (1Jo 2.28)”.

A força da Igreja de Cristo está Nele próprio. Sem Ele nada poderemos fazer (Jo 15.5), mas, com Ele “faremos proezas porque ele mesmo calca aos pés os nossos adversários” (Sl 60.12; 108.13). A glória da Igreja de Cristo está em Seu amor por ela. Nada pode ser mais glorioso para nós do que sermos conhecidos diante do mundo como aqueles a quem Jesus ama.

71 WIERSBE, 2010, vol.6, p.738.

Page 59: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

53

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 1. Cristo no Meio dos Sete Castiçais – Ap 1 – 3 1.1. A Visão do Cristo Glorificado – Ap 1 1.2. Os Sete Castiçais – Ap 2 – 3

1.2.7. A Carta à Igreja em Éfeso – Ap 2.1-7 1.2.8. A Carta à Igreja em Esmirna – Ap 2.8-11 1.2.9. A Carta à Igreja em Pérgamo – Ap 2.12-17 1.2.10. A Carta à Igreja em Tiatira – Ap 2.18-29 1.2.11. A Carta à Igreja em Sardes – Ap 3.1-6 1.2.12. A Carta à Igreja em Filadélfia – Ap 3.7-13 1.2.13. A Carta à Igreja em Laodiceia – Ap 3.14-22

Introdução A diferença desta carta para a imediatamente anterior é impressionante. Enquanto naquela carta à Igreja em Filadélfia ficamos embevecidos com tanta beleza, aqui, nosso coração fica terrificado diante de palavras tão duras da parte do Senhor Jesus à igreja em Laodiceia.

1.2.7. A Carta à Igreja em Laodiceia (3.14-22) Descendo uns sessenta quilômetros a sudeste de Filadélfia estava a cidade de Laodiceia, no vale do Licos. Até meados do terceiro século antes de Cristo ela chamava-se Dióspolis (a cidade de Zeus) e Rhoas. Mas, em 250 a.C., Antíoco II a dominou e mudou seu nome para Laodiceia em honra de sua esposa Laodice. No ano 133. a.C., os romanos a invadiram e fizeram dela um centro judicial e administrativo. Ela ficava localizada exatamente no meio de uma malha viária que os romanos fizeram, e por isso, seu comércio e indústria prosperaram muito, a ponto de Laodiceia tornar-se tão rica que quando em 60 d.C., um forte terremoto devastou a cidade, seus moradores recusaram a ajuda do imperador para reconstruí-la. A sua riqueza alimentou o seu orgulho e vaidade. Seu comércio de lã negra tornou-se um produto de exportação. Mas, não era só na área têxtil que Laodiceia se destacava. A invenção de um colírio eficaz para os olhos contribuiu muito para sua fama mundial, pois, ali, havia uma florescente escola de medicina que se especializou no cuidado de olhos infeccionados. A exortação de Cristo para que eles comprassem dele ouro refinado, roupas para se vestirem e colírio para os olhos, fez muito sentido, e falou vividamente em seus corações (v.18). Ainda é importante ressaltarmos a questão sobre as fontes de água de Laodiceia. A água que abastecia a cidade vinha da vizinha Hierápolis, de uma distância de pouco mais de uns dez quilômetros por meio de um aqueduto. Em Hierápolis, as fontes jorravam água quente e saturada com carbonato de cálcio; quando a água chegava em Laodiceia, já estava morna. Ainda que estes mananciais possuíssem valor medicinal, e que as fontes salubres atraíssem as pessoas, Jesus compara as águas tépidas nas proximidades da cidade à vida espiritual morna dos laodicenses. Água morna na boca provoca vômito! O nome de Laodiceia ocorre só mais outra vez no Novo Testamento, a saber, em Cl 4.13. Por ser próxima à cidade de Colossos, na ocasião em que Paulo escreveu as “Cartas da Prisão” (Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom), Laodiceia também recebeu uma carta de Paulo, a qual deveria ser

Estudo 12

Page 60: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

54

compartilhada com os colossenses (cf. Cl 4.16). Epafras foi o portador dessas cartas, e segundo Simon Kistemaker, foi também o fundador da Igreja em Laodiceia72. O destinatário e o remetente (v.14) Como nas outras cartas temos aqui a indicação do destinatário “Ao anjo da igreja em Laodiceia escreve”, e a autodescrição do Senhor Jesus: “Estas coisas diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação e Deus” (v.14). Contudo, é a única das sete cartas cuja saudação não busca elementos na aparição maravilhosa e gloriosa do Senhor a João na ilha de Patmos como fazem as outras seis cartas73. Porém, esta saudação não é menos bela e rica. Vejamos. Jesus se descreve em três adjetivos: ✓ Ele é o “Amém”. Este termo tem sua origem no texto hebraico do Antigo Testamento, e comunica

a ideia daquilo que é verdadeiro, solidamente estabelecido e fidedigno74. Quando dizemos “amém” no fim de uma oração, estamos concordando com a mesma e dizendo: “é verdade”. Aqui neste verso “Amém” precedido de um artigo definido apresenta Deus como “o Deus do Amém”, ou “o Deus da Verdade” (comparar Is 65.16 com 2Co 1.20).

✓ Ele é “a testemunha fiel e verdadeira”. Essas palavras são um eco de Ap 1.5 e aponta também para Ap 19.11. Significam que tudo quanto Cristo fala é sem dúvida alguma, verdadeiro, de modo que em Ap 21.5 e 22.6 lemos a afirmação: “estas palavras são fiéis e verdadeiras”.

✓ Ele também afirma que é “o princípio da criação de Deus”. Percebemos aqui a estreita ligação deste texto com a carta de Paulo aos Colossenses a qual deveria ser lida também aos laodicenses (Cl 4.16). Nesta carta, Paulo apresenta um dos seus “tratados teológicos” mais estruturados sobre a Divindade de Cristo, apresentando-O especialmente como o princípio (causa, originador) de toda a Criação. A palavra princípio aqui vem do grego avrch, e traz a ideia de origem. Temos aqui uma belíssima verdade: Cristo não é o primeiro ser criado por Deus como muitas seitas afirmam; Ele é a origem de tudo que há no universo; Ele é a fonte criadora do universo; Ele é o próprio Deus agindo pelo Seu poder na Criação.

Qual, pois, é então o propósito dessa descrição? Simon Kistemaker diz75: Propõe-se a mostrar que Jesus Cristo fez todas as coisas, e assim as possui e controla. Além disso, todas as coisas foram feitas para servi-Lo. A mensagem aos laodicenses consiste em que seu orgulho posto nas riquezas terrenas está no lugar errado, porque todas as coisas pertencem a Jesus, que é digno de louvor e glória.

A revelação do caráter da Igreja (v.15-17) “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente” (v.15). Os laodicenses compreenderam bem o que o Senhor estava dizendo com essas palavras. O termo “obras” também tem o mesmo significado em relação à igreja de Sardes. São, portanto, feitos incompletos e imperfeitos que nem sequer são dignos de serem mencionados. Laodiceia estava entre Hierápolis com suas fontes de água quente, e Colossos com suas fontes de água cristalina e fria. Hierápolis trazia cura aos enfermos que ali recorriam e Colossos, refrigério e descanso aos sedentos que buscavam suas fontes. A Igreja em Laodiceia por causa do seu orgulho e vaidade não oferecia nem refrigério para o cansaço espiritual nem cura para o doente espiritual. Era totalmente ineficaz e, assim desagradável ao Senhor76.

72 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.225. 73 Ibid, p.225. 74 Ibid, P.225. 75 Ibid, p.226. 76 Cf. RIENECKER – ROGERS, 1988, p. 611.

Page 61: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

55

Cristo não nutre nenhum interesse num Cristianismo morno, pois, não tem nenhum valor. Por isso é importante entendermos o que Cristo quis dizer com “quente” e “frio”. O coração “quente” é aquele que demonstra fervor e dedicação em cumprir completamente a vontade de Deus – esse é o ideal de Cristo para nós. Em contrapartida, o coração “frio” é aquele que está apático, distante do ideal de Deus para sua vida. O coração “morno” é aquele que está cego em sua hipocrisia e fingimento. Vive um evangelho tomado de ritualismo e formalismo, sem conhecer de verdade o Senhor Jesus Cristo. Ele confia em sua própria força e capacidade em vez de confiar somente em Cristo. Suas obras são incompletas e relaxadas, e mesmo assim, carregadas de vaidade e orgulho. A diferença entre um coração frio e um morno se vê no fato de que o morno continua se declarando servo de Deus, honrando a Deus apenas com os lábios e não com o coração (Is 29.13; Mc 7.6), dão um péssimo testemunho através de sua arrogância e orgulho mesmo dizendo que amam ao Senhor. Neste aspecto, o coração “morno” desonra muito mais ao Senhor, e por isso causa-Lhe náuseas. Tal situação chegou “a ponto de” (v.16) fazer com que Cristo quisesse vomitá-los de Sua boca. Ele estava quase, mas, ainda não haveria de vomitá-los. Cristo almejava que os crentes de Laodiceia oferecessem o Seu Evangelho em sua plenitude, mas eles se contentavam com um evangelho morno. Mesmo assim Cristo revela Sua paciência e misericórdia para com eles dando-lhes um pouco mais de tempo para que se corrigissem. A arrogância e cegueira espiritual deles era vista nas suas palavras que se transformaram em atos. Apesar da Igreja em Laodiceia se achar: “... rico e abastado e não preciso de cousa alguma...”, o Senhor Jesus a reprova mostrando-lhe sua real condição: “... e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” (v.17). Estas palavras parecem ser uma citação de Os 12.8. Se os crentes de Laodiceia eram ricos e abastados como os demais cidadãos daquela cidade, não podemos afirmar com certeza. Sabemos, porém, que estas palavras eram um dito proverbial, pois, em outros escritos os ricos daquela cidade usavam essas palavras para se vangloriarem. Aqui neste texto, os membros da Igreja é quem usaram essas palavras indicando assim que eles assimilaram o orgulho e soberba daquela cidade. Mas, segundo os v.14-16, a riqueza que os crentes de Laodiceia se gabavam por ter não era uma riqueza material, e, sim, espiritual. Ela estava contente com sua vida espiritual apesar desta para Deus estar causando náuseas. Contudo, a situação daquela igreja era deplorável e despertou a misericórdia de Deus. Ao declarar-se rica e abastada, a igreja estava dizendo que havia conquistado tal riqueza devido ao seu próprio esforço, desprezando assim a Graça e o Amor de Deus. Os adjetivos aqui merecem um comentário77. ✓ Infeliz (talai,pwroj) e literalmente significa “desgraçado”, “destituído da graça de Deus”. Viver assim é

a maior infelicidade; ✓ Miserável (evleeino,j) e significa “digno de dó”. A palavra indica uma pessoa que é colocada como

objeto de profunda piedade e compaixão. ✓ Pobre (ptwco,j) traz a ideia de “extremamente pobre, um mendigo”. Que palavras duras para aqueles

que se julgavam ricos! ✓ Cego (tuflo.j). Laodiceia era amplamente conhecida por sua escola de medicina, e particularmente

famosa por um colírio feito de “pó frígio” misturado com óleo. Não obstante, esse colírio nada podia fazer para ajudá-la, pois, sua cegueira era espiritual.

✓ Nu (gumno,j) “despido”. A cidade também era famosa pelas suas roupas feitas de lá negra. Mas, uma alma despida de humildade na presença de Deus, é horrível!

O conselho misericordioso (v.18)

77 Cf. RIENCKER-ROGERS, 1988, p. 612.

Page 62: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

56

Mas, Cristo ainda estava pronto a ajudá-la e por isso disse: “Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que vejas” (v.18). Cristo aconselha em vez de dar uma ordem, o que não deve ser minimizado em seu sentido e autoridade. Vemos aqui a Sua ternura em tratar até mesmo àqueles que são Seus mesmo estando inchados pela soberba. O desejo de Cristo é que o pecador sempre se arrependa e se volte para Ele que é rico em perdoar. Muitos afirmam que este texto está em contradição ao restante da Bíblia no que diz respeito à salvação, a qual nos é oferecida de graça e aqui ela é oferecida à base de troca e compra. Mas, não é isto que Cristo está dizendo aqui, e este texto em momento algum está em contradição com a Bíblia, antes, está reforçando a ideia de que a Salvação é pela Graça de Cristo. A ideia de comprar aqui neste texto é a de tomar uma atitude em relação ao chamado de Cristo. Ao falar em comprar, Cristo omite o dinheiro, e deixa claro que é Dele que deveriam adquirir o ouro, as roupas e o colírio. Cristo está falando aqui de bens espirituais que os laodicenses não tinham: ✓ O “ouro refinado pelo fogo” é a Fé cristã, genuína e verdadeira, provada por meio de tribulações.

A Igreja em Laodiceia não sabia o que era ser perseguida por inimigos, e justamente essa tranquilidade levou-a a relaxar com a Fé em Cristo, tornando-se morna espiritualmente, ou seja, confiante em si mesma. A Fé deles precisava ser provada “pelo fogo” (tribulação). Se eles se voltassem para Cristo teriam todas as impurezas de sua fé queimadas, assim como o ouro no fogo; quanto mais tempo ali queimando, mais puro ele fica. Essa fé, provada nas tribulações, torná-los-ia verdadeiramente ricos.

✓ As “vestiduras brancas” certamente aqui são um contraste às vestes de lã negra por eles fabricadas. Assim como o pecador só consegue se “vestir” de pecados, somente Cristo pode mudar sua vestimenta (entenda-se aqui a obra da justificação) dando-lhe uma roupa branca. Assim como os laodicenses produziam poucas roupas com lã branca e muitas roupas com lã negra, da mesma forma os crentes laodicenses produziam obras “escuras” e desagradáveis a Deus. Somente Cristo poderia capacitá-los a produzirem obras agradáveis e completas diante do Senhor. Contudo, não devemos exagerar nesta comparação. O que Cristo está ensinando aqui, é que, uma nova vida em santidade será dada àqueles que O buscarem. A cor branca sempre é um símbolo de pureza e santidade na Bíblia e em especial, no Apocalipse (veja Ap 1.14). Só Jesus pode remover o manto de pecado e revestir de justiça o pecador78. Dessa forma a “nudez” espiritual do homem é coberta pela Justiça de Cristo por meio de Sua Graça.

✓ O “colírio” para ungir os olhos tinha um propósito: “... a fim de que vejas...”. Eles orgulhavam-se de sua escola de medicina e de seu principal produto, o colírio extraído de uma pedra vinda da Frígia, a qual era transformada em pó e misturada a outros produtos. Mas, a cegueira a qual Cristo se refere aqui é espiritual. Os crentes laodicenses eram incapazes de verem a sua real condição de pecado. O colírio que Cristo lhes oferecia, faria com que vissem o quão “infelizes, miseráveis, pobres, cegos e nus” eles eram.

A exortação amorosa (v.19-20) Cristo agora faz uma admoestação: “Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te” (v.19). Até a repreensão de Cristo é prova do Seu amor para conosco. Pior do que ser repreendido por Deus é não ser repreendido por Ele, pois, quando Ele nos repreende confirma assim o Seu amor para conosco procurando nos corrigir. O verbo amar aqui neste verso é o verbo grego file,w que significa “eu amo”. Ao dirigir-se à igreja em Filadélfia, Cristo usa o verbo agapa,w que significa: “eu verdadeiramente amo”. Contudo, pareça haver uma grande diferença, de fato, não há. Os

78 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.231.

Page 63: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

57

dois verbos, file,w e agapa,w são sinônimos. Cristo está falando à Igreja de Laodiceia dentro de um contexto de repreensão e disciplina, mas com amor, tanto que o Seu desejo é que eles fossem “zelosos” e “arrependam-se” de suas más obras. “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo” (v.20). Geralmente este verso tirado do seu contexto é usado para evangelizar as pessoas. Mas, estas palavras não são dirigidas a descrentes, mas, sim, a crentes. Jesus estava de fora dos seus corações os quais estavam tomados pela soberba e autoconfiança. Mesmo assim ele persistentemente batia à porta dos seus corações. Este verso nos mostra uma realidade que é difícil até mesmo para aquele crente que é profundamente conhecedor da Palavra de Deus: a Soberania de Deus e a responsabilidade humana em face à salvação. Certa vez, perguntaram a Charles Spurgeon como ele conciliava essas duas coisas e ele respondeu: “Simplesmente, não faço. Não reconcilio amigas”. Essas duas verdades em momento algum se contradizem, e, muito menos, se auto anulam. Isto fica claro neste versículo. Cristo é Aquele que dá o primeiro passo (“... estou à porta e bato...”), que chama (“... se alguém ouvir a minha voz...”), que entra em nossa vida (“... entrarei em sua casa...”), estabelece uma relação conosco (“... cearei com ele, e ele, comigo”); ao homem (individualmente) cabe responder (“... e abrir a porta...”). Dessa forma é Cristo quem chama, salva e transforma, e se o homem recusá-Lo a culpa não é de Cristo, mas, somente do homem rebelde; se, pelo contrário, ele atende, não se torna o responsável por sua salvação, pois, o chamado de Deus para a Salvação é irresistível para os eleitos de Deus. Toda a Glória pela nossa salvação deve ser creditada ao Senhor Deus, e nunca, a nós. Contudo, não podemos perder de vista que este texto é dirigido a pessoas que já haviam sido salvas por Cristo, mas se afastaram Dele por viverem confiantes em si mesmas. Isso nos faz pensar na triste realidade em que um crente descuidado pode chegar. Às vezes a única pessoa que não está dentro da Igreja de Cristo é Ele próprio porque aqueles que dizem ser Seus filhos estão tomados de vanglória e soberba. Dessa forma, excluem a Cristo da vida da Sua Igreja o que é trágico. Se Cristo estiver fora da nossa igreja, quem de nós ouvirá as Suas batidas à porta? A ceia que Ele promete aqui àqueles que atenderem a Sua voz, é a expressão da mais íntima e pura comunhão com Ele. No Oriente, a ceia não somente é um momento de refeição, mas, também, um momento de comunhão, de repartir com os outros aquilo que lhe é importante. Cristo veio a esse mundo para estabelecer uma profunda comunhão conosco, a qual perdurará por toda a eternidade. A promessa (v. 21 e 22) Cristo faz então uma promessa: “Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono...” (v.21). O que Cristo está dizendo aqui não é que todos nos assentaremos literalmente em Seu trono na glória, mas, sim, que, aqueles que vencerem haverão de reinar com Ele, ou seja, desfrutar de Sua Bendita Glória eternamente. Além da promessa feita, Cristo ainda nos dá um penhor: “...assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono.” (v.21). Temos como garantia nada menos do que a própria vitória de Cristo e o Seu reinado junto ao Pai. Mas, é importante destacar que Cristo se assentou ao lado do Pai na glória por merecimento, ou seja, Sua obra mediadora foi concluída com perfeição e por isso Deus o “... exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome...” (Fp. 2.9). Quanto a nós, só nos assentaremos ao lado de Cristo por causa da obra Dele e não por nossos merecimentos. Como nas outras cartas, Cristo encerra com a mesma exortação: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (v.22).

Aplicações Destacamos as seguintes verdades aqui: 1) Nada escapa dos olhos de Cristo. Ele conhece o coração das pessoas. Sabe o que cada um é de fato.

Page 64: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

58

2) A mornidão espiritual é vista na arrogância e apatia das pessoas que se julgam espiritualmente ativas e vivas. Tais pessoas, na verdade, confiam em suas próprias obras em vez de confiarem nas de Cristo.

3) Triste situação é a daquelas igrejas nas quais Cristo está do lado de fora delas; tais igrejas se enganam com agendas alucinadas, mas, com a vida espiritual vazia.

Page 65: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

59

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 2. A Visão do Céu e dos Selos – Ap 4 – 7 2.1. O Trono de Deus – Ap 4.1 2.1.1. Diante do trono de Deus – Ap 4.1-6a 2.1.2. Louvores diante do trono de Deus – Ap 4.6b-11

Introdução Começamos agora uma nova seção do livro do Apocalipse a qual abrange os capítulos 4 a 7. Não se esqueça das “sete seções paralelísticas”, ou seja, a cada nova seção do livro, a História da Redenção é recontada sob um outro prisma.

2. A Visão do Céu e dos Selos (Ap 4 – 7) Sempre que a Igreja de comporta fielmente e dá um bom testemunho de sua fé em Cristo, a tribulação lhe sobrevém. Isto é perfeitamente compreensível pelo fato dela estar no mundo e por isso sofre juntamente com ele, e até mais do que o próprio mundo. Os filhos de Deus não escapam dos horrores da guerra, fome, pestilência, entre outros flagelos. Isto acontece porque apesar da Igreja ser a comunidade dos redimidos pelo sangue de Cristo e a menina dos Seus olhos (cf. Dt 32.10; Sl 17.8), ela ainda está neste mundo e, portanto, ainda sujeita ao pecado. A grande diferença da Igreja em relação ao mundo no que diz respeito a tais sofrimentos, é que ela tem o verdadeiro consolo, a saber, o Seu Deus está no controle de tudo, e especialmente, está cuidando da Sua Igreja, promovendo nela purificação e santificação. Este é o tema principal dos capítulos 4 e 5 de Apocalipse: o governo absoluto de Deus sobre todas as coisas. Lembramos a aqui a nossa regra básica de interpretação do Apocalipse: observar a mensagem central e não nos determos nos detalhes procurando neles mais significados que eles se propõem e nos dar. No Apocalipse as visões surgem e terminam abruptamente; uma não é continuação da outra. Por isso agora veremos a segunda visão que João teve: a visão do Grande Trono e dos Sete Selos.

2.1. O Trono de Deus (4.1 – 5.14) Os capítulos 4 e 5 retratam o Trono de Deus na visão que João teve dele. O capítulo 4 deve ser dividido em duas partes para a nossa melhor compreensão. E fica como segue: a visão que João teve do Trono de Deus (v.1-6a) e os louvores entoados a Deus (v.6b-11).

2.1.1. Diante do Trono de Deus (4.1-6a) “Depois destas coisas, olhei, e eis não somente uma porta aberta no céu...” (v.1a), isto é, depois de ouvir as mensagens destinadas às sete igrejas, João agora tem a visão do Trono magnífico de Deus. A expressão “Depois destas coisas” aparece em Apocalipse dez vezes das quais, cinco vezes são seguidas por “eu vi”79. Ele vê “... uma porta aberta no céu...”. Ele não foi o único mortal que teve uma visão tão maravilhosa. Jacó teve uma visão parecida (Gn 28.17). Outro servo de Deus que teve

79 Cf. KISTEMAKER, 2004, 241

Estudo 13

Page 66: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

60

semelhante privilégio foi o apóstolo Paulo (2Co 12.4), só que com uma diferença, pois ele nos diz que “... ouviu coisas inefáveis...” (2Co 12.4). “... como também a primeira voz que ouvi, como de trombeta ao falar comigo...” (v.1b). Com certeza, João está se referindo aqui à voz de Jesus à qual ele compara à uma trombeta. Isso fazia muito sentido para o judeu, pois, a trombeta sempre era uma forma de chamar a atenção das pessoas para algo importante que haveria de acontecer, tal como o pronunciamento de um rei aos seus súditos. Veja, por exemplo, Êx 19. 16 e 19; 20.18; Lv 23.24. O Regresso do Senhor será preanunciado pelo clangor de trombetas, Mt 24.31; 1Ts 4.16. “... dizendo: Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas” (v.1c). Cristo o chama para ver de cima o desenrolar dos eventos que ocorrerão no futuro. É justamente isso que significa a expressão “Depois destas coisas” no início do versículo. O mesmo sentido é visto também em Ap 1.19. Essas visões que a João é permitido ter, incluem ambos os eventos: os realizados e os que haverão de realizar. O passado, o presente e o futuro são compreendidos nesta visão. “Imediatamente, eu me achei em espírito, e eis armado no céu um trono, e, no trono, alguém sentado” (v.2). João diz que “Imediatamente” se achou “em espírito”, o que nos dá a entender que por algum tempo ele voltou aos seus sentidos, para em seguida tê-los suspensos em função da visão. Nas versões Revista e Atualizada (ARA), Trinitariana (SBT), Revista e Corrigida (ARC) a expressão “em espírito” o substantivo “espírito” é grafado com a inicial em minúsculo, enquanto, que, nas versões Bíblia de Jerusalém (BJ) e Corrigida Fiel (CF), esse substantivo é grafado com a inicial em maiúsculo. A melhor tradução é “em Espírito”80 (evn pneu,mati), pois, assim a frase denota o profeta sob inspiração divina, e não numa experiência “fora do corpo”, numa espécie de transe81. Esta experiência de João ecoa a de outros santos que “estiveram” no Espírito (Is 61.1; Ez 11.1,5). Certamente, o que João está tendo aqui é uma visão, e como diz Willian Hendriksen: “Se isto não for uma visão, então é necessário imaginarmos que no céu há um trono material cercado por vinte e quatro tronos literais, físicos, e que o Cordeiro literal tem sete chifres e sete olhos. Isto, sem dúvida, é absurdo!”82. Alguns estudiosos têm traduzido esta expressão da seguinte forma: “em transe profético”. Isto, não somente corrobora para muitos outros erros, como principalmente, exclui a ação do Espírito Santo na transmissão da Sua Palavra. João deixa claro aqui a ação do Deus Triúno na história da humanidade: o Pai no Trono, O Filho falando com ele, e o Espírito Santo o conduzindo na visão83. João então vê o “... um trono armado nos céus”, logicamente, se trata do Trono de Deus. Só neste texto a palavra trono aparece treze vezes. Em todo o Apocalipse, ela aparece 37 vezes. Isso tudo para reforçar a verdade de que é Deus quem governa todo o universo, em todos os detalhes, em todos os tempos. “e esse que se acha assentado no trono é semelhante, no aspecto, a pedra de jaspe e de sardônio, e, ao redor do trono, há um arco-íris semelhante, no aspecto, a esmeralda” (v.3). Paulo ao “ouvir coisas inefáveis” não conseguiu transmiti-las; João tenta dar sentido aos seus leitores apresentando a Glória de Deus com a figura de pedras preciosas: a jaspe, sardônio e esmeralda. Ele “é semelhante, no aspecto” a essas pedras, e não na forma delas. Também fala de um arco-íris sobre o Trono de Deus. Não devemos exagerar nos detalhes. João quer nos transmitir a beleza e o fulgor da glória do Trono de Deus (as pedras preciosas) e a Fidelidade do Senhor (o arco-íris). Imagine em suas mãos as pedras preciosas aqui descritas: jaspe (diamante), sardônio que é da cor vermelha alaranjada e a esmeralda (verde). O Trono de Deus é semelhante a elas. João não disse que o Trono é feito dessas pedras. Se estas pedras nos transmitem rara beleza, muito mais o Trono de Deus – é isto que João quer nos dizer.

80 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.243. 81 Cf. RIENECKER – ROGERS, 1988, p. 605. 82 HENDRIKSEN, 1987, p. 104. 83 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.243.

Page 67: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

61

Quanto ao arco-íris, o qual aparece na Bíblia com um significado tão belo, infelizmente, é adotado pelos místicos e esotéricos como símbolo de sua filosofia, e por movimentos promíscuos como o movimento gay. Em Gn 9.13-14, ele aparece pela primeira vez como símbolo da Aliança de Deus com Seu povo, na qual Ele prometeu não mais destruir a Terra com dilúvio. Aqui em Apocalipse, Deus está mostrando aos Seus filhos que a “tempestade” já passou, ou seja, as lutas findaram e eles agora são vencedores com Cristo. Foi a Sua fidelidade que os preservou! “Ao redor do trono, há também vinte e quatro tronos, e assentados neles, vinte e quatro anciãos vestidos de branco, em cujas cabeças estão coroas de ouro” (v.4). Quem são estes vinte e quatro anciãos (presbute,roi)? Simon Kistemaker afirma que eles são os representantes dos santos redimidos84 (veja também Ap 21. 12, 14). Contudo, devemos entender o simbolismo em vez de ficarmos presos num literalismo. O simbolismo proposto aqui aponta para a representatividade, ou seja, o número vinte a quatro aqui é a somatória dos doze patriarcas (tribos de Israel) que simbolizam todos os servos de Deus no Antigo Testamento (Antiga Aliança) e dos doze apóstolos simbolizam todos os crentes não só dos dias do Novo Testamento (Nova Aliança) mas até à consumação dos séculos. Ademais, é importante ressaltarmos que os anciãos ocupavam posição de preeminência nos tempos antigos. No Antigo Testamento, os anciãos eram respeitados; nos dias de Jesus, faziam parte do Sinédrio. Paulo designava anciãos para cuidarem das igrejas por ele organizadas (At 14.23) e instruiu Tito a fazer o mesmo (Tt 1.5). Estes anciãos são, portanto, a unidade da Igreja de Cristo em todas as eras. Por isso mesmo eles aparecem nesta visão assentados em seus tronos reinando juntamente com Cristo. Para isso estão devidamente preparados, pois, estão “vestidos de branco” o que indica a Obra redentora de Cristo, a qual lavou cada crente de seus pecados (cf. Ap 3.5). Eles também têm suas cabeças cobertas por “coroas de ouro”, o que simboliza a vitória destes. Mas, o ponto principal deste texto é o Trono de Deus. Estes vinte e quatro anciãos e os quatro seres viventes (v.8) não roubam para si a Glória de Deus e nem mesmo são aquilo que mais chama a atenção de João, pois, este destaque é para a pessoa Daquele que está no Trono, a saber, o próprio Deus. Dessa forma, o universo não é geocêntrico (a Terra é o centro do universo), nem heliocêntrico (o sol é o centro), e muito menos antropocêntrico (o homem é o centro), mas, Teocêntrico (Deus é o centro do universo). “Do trono saem relâmpagos, vozes e trovões, e, diante do trono, ardem sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus. Há diante do trono um como que mar de vidro, semelhante a cristal...” (v.5-6a). Os relâmpagos, vozes e trovões apontam para um aspecto assustador do Trono de Deus. Sim, ele é belo e maravilhoso, mas, em hipótese alguma deixa de infundir reverência no coração do pecador, por causa da Sua (do trono) santidade. Como já vimos anteriormente, os “sete Espíritos de Deus” é o próprio Espírito Santo de Deus. Sabemos que o número sete representa a completude e plenitude. O Espírito Santo é descrito aqui como “as sete tochas de fogo”, o que aponta para o Seu caráter santificador e purificador. O que seria esse “um como que mar de vidro semelhante ao cristal”? O vidro naqueles tempos era opaco, enquanto, que, o cristal era límpido e transparente. O que João quis indicar aqui é a limpidez e clareza infinitas que a mente de Deus tem dos fatos e dos corações, ou seja, Sua onisciência que esquadrinha o mais íntimo das coisas. A interpretação que diz que o mar de vidro aqui seja o reservatório do mal fora do qual a besta emerge (Ap 13.1) é equivocada, pois, é inconcebível que diante do Trono santo de Deus o pecado esteja presente.

84 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.247.

Page 68: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

62

O UNIVERSO GOVERNADO PELO TRONO DE DEUS A visão descrita em Ap 4 – 5 num diagrama 3 3 3 3 5 3 3 4 4 3 3 3 2 3 2 3 1 5 5 3 3 3 3 3 4 4 3 3 3 5 4 3 3 3 3 3 Legendas (1) “esse que se acha assentado é semelhante, no aspecto, a pedra de jaspe e sardônio” (v.3), isto é, Deus Pai (P). (2) “há um arco-íris semelhante, no aspecto, a esmeralda” (v.3), isto é, o fulgor da glória de Deus. (3) “Ao redor do trono, há também vinte e quatro tronos, e assentados neles, vinte e quatro anciãos vestidos de branco, em cujas cabeças estão coroas de ouro” (v.4), isto é, a totalidade dos eleitos e redimidos do Senhor Jesus. (4) “Do trono saem relâmpagos, vozes e trovões, e, diante do trono, ardem sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus. Há diante do trono um como que mar de vidro, semelhante a cristal...” (v.5-6a), a presença santa, gloriosa e perscrutadora de Deus.

P

C 6

Page 69: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

63

(5) “quatro seres viventes cheios de olhos por diante e por detrás. O primeiro ser vivente é semelhante a leão, o segundo, semelhante a novilho, o terceiro tem o rosto como de homem, e o quarto ser vivente é semelhante à águia quando está voando” (v.6b-7), estes são os querubins gloriosos que servem a Deus em Sua glória. (6) “...no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como que tendo sido morto” (5.6).

2.1.2 - Louvores diante do Trono de Deus (4.6b – 11) “... e também, no meio do trono e à volta do trono, quatro seres viventes cheios de olhos por diante e por detrás. O primeiro ser vivente é semelhante a leão, o segundo, semelhante a novilho, o terceiro tem o rosto como de homem, e o quarto ser vivente é semelhante à águia quando está voando” (v.6b-7). Com respeito a esses quatro seres viventes Willian Hendriksen propõe uma análise dos capítulos 1 e 10 de Ezequiel comparando com este texto do Apocalipse. Vejamos as semelhanças85: Ezequiel Semelhanças Apocalipse Ez 1.5 São chamados de seres viventes

O número simbólico quatro Ap 4.6

Ez 1.10 A aparência de homem, boi, águia e leão Ap 4.7 Ez 1.26 São estritamente associados ao Trono Ap 4.6 Ez 1.13 O fogo se move de um lado para outro entre eles Ap 4.5 Ez 1.18; 10.12 Estão cheios de olhos Ap 4.8 Ez 1.28 O arco-íris cerca o Trono Ap 4.3 As diferenças entre as passagens nem merecem destaque

Em Ez 10.20, esses seres viventes são chamados literalmente de querubins. Por isso, cremos que aqui em Apocalipse, estes seres viventes são os mesmos querubins vistos por Ezequiel. Levantamos também outras observações que corroboram para afirmarmos que estes seres viventes são querubins. Primeiro, lembramos que no Tabernáculo de Moisés, na parte chamada Santo Lugar, as cortinas eram todas bordadas com figuras de querubins, os quais simbolizavam a “atmosfera” da presença gloriosa de Deus. Tendo sido o Tabernáculo um projeto totalmente arquitetado por Deus e transmitido em visão a Moisés, certamente, este tabernáculo retratava o Trono de Deus em Sua glória. Além disso, os querubins aparecem na Bíblia como guardiões das coisas santas do SENHOR Deus (Gn 3.24; Êx 25.20). Em segundo lugar, a aparência deles conotam força (leão), habilidade para prestar serviço (boi); inteligência e acuidade intelectual – os muitos olhos (homem), e, ligeireza (águia) para sempre cumprirem e obedecerem às ordens de Deus a favor da Sua Igreja (cf. Hb 1.14). Realmente é digno de atenção que as características de força, serviço, inteligência e ligeireza são por toda parte atribuídas aos anjos (Sl 103.20,21; Dn 9.21; Lc 12.8; 15.10; Hb 1.14). O número quatro na literatura judaica, e, por conseguinte, no Apocalipse, é o número que representa o mundo, o cosmos, a Criação. Lembra-nos dos quatro pontos cardeais, os quatro cantos da terra, etc. Isso não traz nenhuma dificuldade para esse texto, pois, os seres celestiais são ministros de Deus para o nosso serviço (Hb 1.14), ou seja, atuam neste mundo. O que esta visão significa é que todos os seres, celestiais ou humanos, foram criados para a Glória de Deus e para o Seu louvor conforme veremos a seguir. Eles são “cheios de olhos por diante e por detrás”, o que não deve ser entendido como onisciência, pois, este atributo pertence somente ao Senhor Deus. No caso destes seres viventes, esta

85 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 109.

Page 70: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

64

característica aponta para a sua aguçada atenção da qual nada escapa. Eles estão totalmente envolvidos e absortos pela Glória de Deus e atentos a tudo que diz respeito a ela. São diligentes em servi-Lo e capacitados para isto com muito poder. “E os quatro seres viventes, tendo cada um deles, respectivamente, seis asas, estão cheios de olhos, ao redor e por dentro; não têm descanso, nem de dia nem de noite, proclamando: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir” (v.8). O número seis aqui não deve ser entendido como o é em relação à besta. Aqui, seis nada mais é do que três pares de dois, cada par com a sua função distinta. Em Is 6.2 lemos que com duas eles cobrem o rosto, com duas cobrem os pés e com duas voam. “Cobrir” o rosto e os pés é uma atitude de reverência e temor diante da Santidade de Deus, e “voar” é uma atitude de prontidão para o serviço. Eles são “cheios de olhos, ao redor e por dentro”. Temos aqui uma retrospectiva do v.6. Ali eles aparecem com olhos “por diante e por detrás”, enquanto, que, aqui, aparecem com olhos “ao redor e por dentro”. Não exageremos na interpretação dessas palavras, apenas devemos entendê-las como uma referência ao constante cuidado que eles têm com o interior e o exterior dos seus “corações”, pois, estão diante do Trono de Deus, diante dos olhos dos quais nada escapa, que veem o exterior e o interior de cada ser. Sinceridade na Presença Santa de Deus é um requisito indispensável à verdadeira adoração. João emprega linguagem humana para transmitir um conceito de eternidade. Os quatros seres adoram a Deus sem descanso, sem fazer interrupção nem de dia e nem de noite. Proclamam a Sua santidade (“Santo, Santo, Santo”), o Seu poder (“o Todo-Poderoso”) e a Sua eternidade (“aquele que era, que é e que há de vir”). “Quando esses seres viventes derem glória, honra e ações de graças ao que se encontra sentado no trono, ao que vive pelos séculos dos séculos, os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão diante daquele que se encontra sentado no trono, adorarão o que vive pelos séculos dos séculos e depositarão as suas coroas diante do trono, proclamando” (v.9-10). Simon Kistemaker observa que no Antigo Testamento a fórmula usada na adoração a Deus combinava apenas “glória e honra”, enquanto, que, no Novo Testamento aparece também “ações de graças”. Enquanto, que a “glória e a honra” decorrem da majestade do Senhor na Criação sendo adorado como o Supremo Criador, as “ações de graças” são decorrentes dos dons de Deus na redenção dos pecadores, apresentando-O como o Seu Supremo Redentor86. Ao referir-se a Deus como “ao que vive pelos séculos dos séculos”, João O apresenta como Aquele que gera a vida nos seres viventes e em toda a Criação. Somente quem é eterno tem esse poder. Depois do gesto de total rendição diante do Deus glorioso por parte dos seres viventes, os vinte e quatro anciãos “depositarão as suas coroas diante do trono”. Eles receberam suas coroas (a vitória) das mãos de Deus e jamais usurparão a Sua glória por terem vencido. Antes, reconhecem que só venceram porque o Cordeiro Vencedor lhes garantiu a vitória. Dessa forma fica bem clara a ideia de que Deus é o Supremo Senhor não só da História, mas, também, de toda a eternidade. “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (v.11). Em Ap 4.11; 5.9,12, o adjetivo digno (a;xioj) aparece antes das qualidades do Senhor87. Deus é digno primeiramente, porque Ele é Deus. Somente esta qualidade seria suficiente para arrancar dos corações todo o louvor a Deus. Ele deve ser adorado porque é Deus e nada menos. Em segundo lugar, Ele é digno porque Ele é o criador. Willian Hendriksen afirma que a Criação é tanto ideal como real, ou seja, Deus tanto idealizou tudo que seria criado como realizou a Criação tal como quis. Temos então a existência ideal e a existência real.

86 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 255. 87 a;xioj ei=( o` ku,rioj kai. o` qeo.j h`mw/n

Page 71: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

65

Há diferença entre esta sentença e a sentença do v.9. Aqui é acrescida a palavra poder. Justamente porque Deus é apresentado neste verso como o Deus Criador, e Ele é o Criador porque tem poder. Mas, a principal diferença aqui está no fato de que os seres viventes (querubins) louvam a Deus por Sua santidade, poder e eternidade, enquanto, que, os vinte e quatro anciãos (os eleitos redimidos de todas as eras) O louvam por Sua obra da Criação. Este capítulo nos mostra que Deus é o centro do universo, da Criação e da nossa vida. O Seu Trono é o centro de toda a História e todos os fatos e eventos desta, cumprem o desígnio de Deus, o Todo-Poderoso e Soberano. Não são os seres viventes com a sua exuberância e nem os vinte e quatro anciãos que são o foco desta cena, mas, somente o Trono de Deus, e Aquele que nele se assenta, o Cordeiro de Deus, Jesus Cristo.

Aplicações Neste capítulo temos preciosas verdades sobre a adoração a Deus: 1) Ele é o único alvo do nosso louvor. O primeiro mandamento ecoa por toda a eternidade. Deus é

o único e verdadeiro Deus vivo; o único que deve ser louvado; o único para quem nossos olhos devem se dirigir no culto; o único que deve ser reverenciado, temido e amado. Não há outro ser que seja tão glorioso como Ele é.

2) Não há atividade que confira mais dignidade às criaturas do que o louvor a Deus. Os santos anjos do céu são gloriosos; um dia nós seremos abençoados com corpos glorificados. Tudo isso deriva da Glória de Deus. Portanto, além de reconhecermos Sua glória e poder, devemos nos apresentar diante Dele com ações de graças.

3) O aspecto comunitário da adoração. Os quatro seres viventes respondem uns ante a afirmação dos outros que Deus é “Santo”. Podemos adorar a Deus no recôndito da nossa individualidade, mas, jamais poderemos louvá-Lo com individualismo. Precisamos uns dos outros para adorá-Lo tal como Ele requer de nós.

Page 72: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

66

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 2. A Visão do Céu e dos Selos – Ap 4 – 7 2.2. A Visão do Cordeiro e do Livro Selado – Ap 5 2.2.1. O Cordeiro e o Livro Selado – Ap 5.1-7 2.2.2. Adoração Tributada ao Cordeiro – Ap 5. 8-14

Introdução O assunto de Ap 4 continua em Ap 5, a saber, a visão do trono santo de Deus. Porém, aqui em Ap 5, João passa a relatar sobre Aquele que está à destra no trono, o Senhor Jesus, o Qual governa absoluto o universo, e ainda que as coisas estejam em constante caos e dor, Ele controla todas as coisas. Nada foge do Seu controle; até o caos está dentro dos Seus propósitos. É disso que se trata o livro selado em forma de rolo que João vê nas mãos de Jesus.

2.2. A Visão do Cordeiro e do Livro Selado (Ap 5) Depois de contemplar o majestoso trono de Deus que é o centro do universo, João, agora, passa a contemplar os “detalhes” desse trono. Em Ap 4, João contempla a glória do trono de Deus, e aqui em Ap 5 ele vê o Senhor Jesus no trono. A grande semelhança entre os dois capítulos ressalta a divindade de Cristo:

Ap 4 Em comum Ap 5 v.2,9 Aquele que se assenta no trono v.1,7,13 v.6 As quatro criaturas viventes v.6,8,11,14 v.4 Os vinte e quatro anciãos v.6,8,14 v.10,11 Prostram-se (...) e adoram v.9,12 v.11 Ele é digno v.9,12 v.11 Todas as coisas foram por Ele criadas v.13

2.2.1 – O Cordeiro e o Livro Selado (5.1-7) “Vi, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com sete selos” (v.1). Nas mãos de Deus João vê um livro. Embora não diga claramente que é o próprio Deus que ele vê no trono, pelo fato de que para um judeu era proibido mencionar o nome de Deus especialmente em conexão com o Seu trono, Sua habitação, e, por isso, João fala acerca Daquele que está sentado no trono celestial e sua mão direita, que simbolizam o poder e a autoridade88. A História está registra em livros. Assim sendo, este livro em forma de rolo que João vê, representa o plano eterno de Deus, o Seu decreto que é todo compreensível. Simboliza o propósito de Deus com respeito ao universo inteiro através da história, e concernente a todas as criaturas em todas as eras e em toda a eternidade. Ele é todo escrito em ambos os lados89.

88 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.262. 89 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 111.

Estudo 14

Page 73: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

67

O livro estava na “mão direita” do Senhor, o que significa que Ele é o seu autor, e tem total autoridade sobre ele. O conteúdo do rolo pertence ao propósito secreto de Deus de estabelecer seu reino na terra até que a plenitude de sua glória seja revelada90. Segundo o que o texto nos diz, esse livro teria mais ou menos a forma retratada na figura ao lado. Os comentaristas são incapazes de explicar com alguma parcela de satisfação como alguém pode quebrar o primeiro selo e então ler o documento até terminar firmemente com os outros seis selos. Só quando todos os sete selos estivessem quebrados é que poderia ler o que estivesse no rolo. Willian Hendriksen fornece uma resposta bem convincente para esta questão levando em consideração o fato do livro ter realmente o formato como apresentado nesta figura91:

O significado do livro é este: o livro fechado (selado) indica o plano não-revelado e não-cumprido de Deus. Se esse livro permanece selado, os propósitos de Deus não são realizados; Seu plano não é levado a cabo. Abrir esse livro, quebrando os seus selos, não significa meramente revelar o plano de Deus, mas levá-lo a se concretizar. Por causa disto, um forte anjo proclama em alta voz: “Quem é digno de abrir o livro ou de desatar-lhe os selos?”. A voz é tão alta e forte que todas as criaturas do universo inteiro podem ouvi-la.

Não devemos nos prender à imagem do rolo, mas, atentarmos à ideia que João quer nos transmitir. Assim como o rolo não é aberto de uma vez, os propósitos de Deus na História são revelados um após outro, tal como um selo é quebrado após outro na visão de João. “Vi, também, um anjo forte, que proclamava em grande voz: Quem é digno de abrir o livro e de desatar-lhe os selos (v.2). O “anjo forte” com sua forte voz proclamava92. A proclamação do anjo chama a atenção de tudo e todos. Ele tem um questionamento: “Quem é digno de abrir o livro e de desatar-lhe os selos?”. O adjetivo “digno” (a;xioj) não quer dizer “apto”, mas, sim, “qualificado” para o propósito de realizar esta tarefa. Quem pode revelar plenamente os propósitos de Deus, senão o próprio Deus? Quem mais conhece Sua mente senão Ele próprio (cf. Rm 11.34; 1Co 2.16)? Algo estranho à lógica encontramos nesta sentença. A abertura do livro vem antes da quebra dos selos. A lógica aponta para o contrário. O que será que João quer nos ensinar com essa inversão? Simples, porém, maravilhoso. A tarefa não é meramente quebrar os selos, mas o controle efetivo das consequências dessa ação. Ao quebrar cada selo uma série de eventos desencadeará e somente Aquele que é digno (qualificado) de abrir esse livro poderá controlar cada uma das consequências da abertura dele. “Ora, nem no céu, nem sobre a terra, nem debaixo da terra, ninguém podia abrir o livro, nem mesmo olhar para ele” (v.3). Todos os seres, quer sobre o céu, sobre a terra e debaixo da terra não são dignos para essa tarefa. Os demais, não são dignos (qualificados) nem mesmo de olharem para o livro, quanto mais abri-lo. O silêncio e a incapacidade de todas as criaturas (inclusive de João) mostra a sua indignidade para abrirem o livro. “e eu chorava muito, porque ninguém foi achado digno de abrir o livro, nem mesmo de olhar para ele” (v.4). Por que João “chorava muito”? Devemos entender este versículo da perspectiva da obra salvadora de Cristo. Ninguém mais além de Cristo poderia ter salvado o pecador. A mera hipótese dos planos salvíficos de Deus na História serem frustrados por não se achar ninguém

90 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.265. 91 HENDRIKSEN, 1987, p. 112. 92 A tradução mais apropriada é proclamando, pois, aqui é um acusativo masculino singular do particípio presente ativo do verbo khru,ssw – proclamar)

Page 74: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

68

qualificado para executar o plano da salvação, trouxe ao coração de João (e deveria trazer ao nosso) profundo pesar e desespero. Mas, por Sua Graça e amor eterno, Cristo se prontificou a Se encarnar e, assim, morrer no lugar dos Seus eleitos. “Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos” (v.5). Cristo jamais permitiria que os planos de Deus fossem frustrados. Muito mais do que não permitir que os pecadores eleitos perecessem na condenação eterna, Cristo tinha em mente não permitir que os planos de Deus fossem frustrados. A honra do Pai vem antes de tudo no coração de Jesus! A descrição que este ancião faz da pessoa de Cristo é belíssima e totalmente embasada nas Escrituras. Ele é o “Leão da tribo de Judá” (uma referência clara a Gn 49.9 e 10) e como tal, venceu a Satanás, e levando ao extremo a carga total da ira de Deus, Cristo provou que era, sem a menor dúvida, o Leão. Ele também é a “Raiz de Davi”, ou seja, Ele era o Senhor de Davi, a própria Raiz da qual Davi devia sua origem (Mt 22.41-45; cf. Sl 110.1; cf. Hb 7.14 ). Dessa forma, Cristo conquistou o direito de governar o universo em conformidade com o plano de Deus. A dupla declaração de que Cristo é o “Leão da tribo de Judá” e a “Raiz de Davi”, aponta para as Suas duas naturezas: a divina e a humana. “Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto. Ele tinha sete chifres, bem como sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra” (v.6). Temos aqui a mesma descrição do trono de Deus encontrada em Ap 4, só que com uma diferença: agora, João vê também o “Cordeiro de pé”. Devemos entender esta expressão simbolicamente. Jesus é o Cordeiro de Deus, ou seja, o sacrifício de Deus para nos salvar, por isso, João O vê “... como tendo sido morto...”. João não vê um leão no trono (embora Cristo seja o Leão de Judá), mas, sim, um Cordeiro. Isso é muito expressivo, pois, a figura de um Cordeiro no trono nos lembra: (1) Paz: o Reino de Cristo é de paz; (2) Redenção: um cordeiro deveria ser sacrificado cada vez que o pecador transgredisse a Lei de Deus; Cristo é este cordeiro que nos substituiu definitivamente. Cristo agiu como Leão em relação aos nossos inimigos, e como Cordeiro em relação a nós no tocante à nossa salvação. Os sete chifres nos indicam o poder completo e absoluto de Cristo, uma vez que a figura do chifre usada simbolicamente, na Bíblia quer dizer poder. Os sete olhos que são os sete Espíritos de Deus apontam para a plenitude do Espírito Santo, ou seja, Cristo realizou Sua Obra Redentora e realiza a Sua Obra de regência do universo, na plenitude do Espírito Santo. “Veio, pois, e tomou o livro da mão direita daquele que estava sentado no trono” (v.7). No trono, o Pai está assentado, e o Filho, o Cordeiro, em pé. Daqui em diante este trono será de Deus e do Cordeiro (Ap 22.1). Deus governa o universo através do Cordeiro “... e tomou o livro da mão direita...”. Tomar, aqui, não é um ato intrusivo, mas, quer dizer que Cristo recebeu do Pai essa autoridade (cf. Sl 110; Mt 28.18). Este é o galardão de Cristo e o nosso conforto. Significa que há o começo de uma nova era no céu (20.4); e também na terra (20.2, 3). Esta coroação é o momento mais significativo da história: a investidura do Mediador com o ofício de Rei sobre o universo93.

2.2.2 – Adoração Tributada ao Cordeiro (5.8-14) Segue-se agora, o resultado lógico da dignidade de Cristo em abrir o livro e de governar o universo e a sua História: o louvor. “e, quando tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos” (v.8). Todos os seres humanos redimidos bem como os seres angelicais fiéis ao Senhor, caíram diante de Sua glória e majestade. Surge aqui uma pergunta: quem está portando as harpas e as taças? Os quatro seres viventes (seres angélicos) ou os vinte e quatro anciãos (os crentes

93 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 114.

Page 75: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

69

redimidos)? A gramática do texto grego deixa claro que são os vinte e quatro anciãos (os crentes redimidos) que portam as harpas e as taças. No entanto, todos eles, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos louvam ao som das harpas. Quanto às taças de ouro cheias de incenso, João nos fornece a interpretação: são “as orações dos santos”. Ele recorre ao Antigo Testamento para fazer tal afirmação (Sl 141.2). Não devemos limitar essas orações somente aos santos que já estão nos céus com Deus. Elas também se referem aos santos que ainda estão na terra. A crença romanista de que este versículo fornece base para a intercessão dos santos que estão na glória a favor dos que estão aqui na Terra, é esdrúxula e sem cabimento, não merecendo mais que esse comentário. “e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra” (v.9,10). Temos aqui a primeira das três Doxologias (palavras de louvor) ao Senhor neste capítulo. Diz-nos o texto que eles “entoavam novo cântico”. Em cada novo ato de redenção Divina, um novo cântico brota dos lábios dos redimidos. Jesus é digno de abrir o livro (comandar o universo e sua História) porque com a Sua própria vida Ele comprou os eleitos de Deus. O verbo comprar tem um significado especial. É o verbo avgora,zw e significa resgatar, redimir, comprar no mercado de escravos94. Quando alguma coisa era roubada de seu dono, geralmente era levada para ser vendida no mercado. Lá chegando, o seu dono ao encontrá-la, pagava por ela o valor exigido, mesmo sendo sua de fato. Cristo pagou por nós quando o pecado nos tomou da presença de Deus. Ele nos comprou mesmo nós já sendo Dele. Temos combinados neste texto os dois aspectos da redenção, o particular e o universal. Ele não comprou a salvação a cada indivíduo da Terra, mas, somente aos eleitos (aspecto particular). Mas, a salvação não é limitada a um povo somente. É mundial em seu alcance e abrange a todo grupo: étnico (tribo), linguístico (língua), político (povo) e social (nação). Todos os redimidos são constituídos pelo sacrifício de Cristo em “reino e sacerdotes” (Ap 1.6). “Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares” (v.11). Apesar da expressão “milhões de milhões e milhares de milhares” no texto grego ser “dez mil de dez mil”95 totalizando a cifra de 100.000.000, não devemos entender literalmente esse número, pois, no Apocalipse, o número dos redimidos ora é descrito pelo ínfimo número 24 (Ap 4.4; 5.8), ora pelo número 144.000 (Ap 14.1 e 3). Devemos ver o simbolismo desses números, ou seja, os redimidos ao mesmo tempo que são uma grande multidão que ninguém pode enumerá-los, também constituem um número exato; não fica um só redimido para trás, assim como não entra no céu nenhum a mais e nem de última hora. O sangue de Cristo foi vertido especificamente pelos eleitos de Deus. “proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” (v.12). Jesus, o Cordeiro é louvado com as “sete excelências” (poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor), as quais representam todas as virtudes e excelências no céu e na terra. Os anciãos cantam, porque provaram a salvação. Então os anjos cantam, porque eles foram, através dos anciãos, instruídos nos mistérios da redenção (Ef 3.10; 1Pe 1.12). Lembramos ainda o significado do número sete: completude, plenitude. Cristo não somente tem estas sete virtudes, como as tem de forma plena e absoluta. Além disso, essas qualidades são atribuídas a Deus no Antigo Testamento (1Cr 29.11,12; Sl 8.5). Aqui , todavia, são atribuídas a Cristo. Dessa forma, em todo o Apocalipse corre também a mensagem da Divindade de Cristo. “Então, ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o

94 Cf. RIENEKER-ROGERS, 1988, p.614. 95 muria,dej muria,dwn( kai. cilia,dej cilia,dwn.

Page 76: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

70

louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos. E os quatro seres viventes respondiam: Amém! Também os anciãos prostraram-se e adoraram” (v.13,14). Esta é a última Doxologia deste capítulo. É repetida a sentença do v.3 só que aqui há uma adição: “... e sobre o mar, e tudo o que neles há...”. Ao contrário do que muitos afirmam, não há aqui nenhuma ideia do paganismo que afirma que o universo está estabelecido em três níveis diferentes, mas, equivalentes (um celeste, outro humano e animal, e o outro demoníaco). É verdade que a Bíblia nos apresenta a existência do plano divino, do humano e do demoníaco. Contudo, há uma grande diferença. Eles não são equivalentes, ou seja, têm poder igual e competem entre si. Além disso, o plano demoníaco (o inferno) não se destina somente aos demônios; destina-se também aos homens réprobos e desobedientes a Deus. Contudo, João não está vogando este assunto aqui em Ap 5.3 e 13. Ele apenas está falando da totalidade do universo quedando-se em adoração e reconhecimento da Soberania de Deus. Nesta última Doxologia deste capítulo encontramos o louvor dado a Deus (“Àquele que está sentado no trono”) e ao Seu Filho, Jesus Cristo (“Cordeiro”), embora Seus nomes não sejam mencionados explicitamente. Diante de tão bela atitude de louvor, os quatro seres viventes só podem dizer um sonoro “Amém!”, concordando com o que os “anciãos” (os vinte e quatro anciãos subentendidos) acabaram de dizer. Dessa forma temos neste capítulo uma exaltação plena da pessoa de Cristo, Aquele que é digno de abrir o livro, controlando assim, todo o desenrolar da História, a qual cumpre os Seus planos. Tudo está pronto para que os selos sejam quebrados e o plano de Deus executado detalhadamente.

Aplicações Destacamos aqui que da Criação à Consumação, Cristo: 1) É Soberano em cada momento da História e nada foge do Seu conhecimento e controle; 2) É Digno de receber todo o louvor de toda a Sua Criação, por todas as Suas obras.

Page 77: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

71

O LIVRO DO APOCALIPSE NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 2 A Visão do Céu e dos Selos – Ap 4 – 7 2.3. O Cordeiro Abre os Seis Primeiros Selos – Ap 6 2.3.1. Os Quatro Cavaleiros e Seus Cavalos – Ap 6.1-8 2.3.2. O Clamor dos Mártires – Ap 6.9-11

2.3.3. O Juízo Final – Ap 6.12-17

Introdução Cristo comanda o transcurso da História. Ele tem toda a autoridade dada pelo Pai para assim o fazer. Os selos (a História) estão em Suas mãos e Ele levará a cabo os propósitos do Pai.

2.3. O Cordeiro Abre os Seis Primeiros Selos (Ap 6) No capítulo seis encontramos os seis primeiros selos abertos pelo Cordeiro, um após o outro. O sétimo selo se encontra em Ap 8.1, o qual, desencadeia as sete trombetas que anunciam o Juízo de Deus. O capítulo seis é dividido em três partes (vide sumário acima).

2.3.1. Os Quatro Cavaleiros e Seus Cavalos (6.1-8) Semelhante ideia encontramos em Zc 1.8-11; 6.1-8. G. K. Beale e D. A. Carson afirmam96:

A diferença mais evidente entre os textos é que Apocalipse 6 descreve os quatro cavalos e os cavaleiros individualmente, enquanto, que Zacarias 1 registra quatro grupos de cavalos, e Zacarias 6, quatro grupos de cavalos puxando carruagens. No entanto, tal diferença é insignificante, uma vez que João pode ter deduzido por implicação de Zacarias 6 que os quatro cavaleiros estavam em carruagens. A sumarização de Zacarias dos quatro conjuntos de cavalos como “os quatro ventos do céu” pode ser outro motivo para João retratar apenas quatro cavalos (tb. Ez 14.12 -23 influenciou essa seção (cf. Dt 32.23-25)...”

Geralmente, nas Escrituras, a figura do cavalo usada simbolicamente, traz consigo a ideia de força, terror, guerra e conquista (Is 30.16; 31.1; Jó 39.22-28)97. As cores em Apocalipse, no entanto, são metafóricas e representam as pragas executadas pelos cavaleiros. A cor branca representa vitória; a vermelha, derramamento de sangue; a preta, a fome; e a amarela (esverdeada), a morte. Simon Kistemaker sugere que a melhor forma de interpretar a ação desses cavaleiros e seus cavalos seja de forma simultânea, ou seja, os quatro cavaleiros atuam ao mesmo tempo promovendo os horrores descritos no texto. Além disso, devemos lembrar que o número quatro simboliza a totalidade da Criação, ou seja, em todo o mundo são visíveis os flagelos trazidos por esses quatro cavaleiros. “Vi quando o Cordeiro abriu um dos sete selos e ouvi um dos quatro seres viventes dizendo, como se fosse voz de trovão: Vem! Vi, então, e eis um cavalo branco e o seu cavaleiro com um arco; e foi-lhe dada uma coroa; e ele saiu vencendo e para vencer” (v.1-2). João declara que assim que o Cordeiro (Cristo) abriu o primeiro selo, um dos querubins com voz fortíssima “... como se fosse

96 BEALE-CARSON, 2014, p.1343. 97 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.116.

Estudo 15

Page 78: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

72

voz de trovão...” bradou: “Vem!”. Ao som de sua voz surge um “... cavalo branco com seu cavaleiro...”. Quem seria este cavaleiro? As interpretações têm sido diversas, tais como: A) O Anticristo: especialmente, porque Satanás sempre tenta imitar a Cristo. Em Ap 19. 11, 14 Cristo

é identificado como o cavaleiro que cavalga um cavalo branco seguido pelos seus companheiros que venceram com Ele;

B) Os partas: estes eram os habitantes da região que hoje é conhecida como Iraque e Irã. Os romanos nunca puderam subjugá-los, e em 62 d.C comandados por Vologäses, derrotaram os romanos. Eles usavam arcos e flechas e eram exímios atiradores. Um de seus líderes era chamado de “Vencedor”;

C) O Evangelho de Cristo: onde quer que o Evangelho chegue, lutas, sofrimentos, dores, etc., o acompanham. A Palavra de Deus cumpre o Seu propósito, quando ela sai vencendo é para vencer;

D) O Senhor Jesus Cristo: o mesmo texto (Ap 19.11, 14) que é usado para apoiar o primeiro argumento, também é usado aqui para afirmar que Ap 6.2 refere-se a Cristo. Contudo, uma análise coerente com o restante do Apocalipse e com as demais partes das Escrituras, podemos afirmar com certeza que este cavaleiro montado em seu cavalo branco é o próprio Senhor Jesus. Simon Kistemaker lembra que Willian Hendriksen enumera sete razões para apoiar tal afirmação, a saber, o cavaleiro no cavalo branco é o Senhor Jesus Cristo98:

1) O contexto o favorece, porque João ouve: “Não chore; eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu” (Ap 5.5).

2) O simbolismo da cor branca, no Apocalipse, se refere àquilo que é santo e puro; a coroa se refere a Cristo, que está usando uma coroa de ouro (14.14); e o verbo vencer, com duas exceções (Ap 11.7; 13.7), sempre aponta para Cristo ou para seus seguidores.

3) O paralelo (19.11) de Cristo cavalgando um cavalo branco é claro, de modo que a Escritura é sua própria intérprete.

4) Por todo o Apocalipse, João desvenda o desígnio de que Cristo é aquele que tem vencido, está vencendo e vencerá.

5) Nos Evangelhos, Jesus ensina que Ele e a espada seguem um ao outro (Mt 10.34), o que é simbolizado no cavaleiro do cavalo vermelho, a quem é dada uma espada (v.4).

6) Um Salmo messiânico (Sl 45.3-5) descreve o Cristo como cavalgando vitoriosamente e com flechas pontiagudas que traspassam o coração de seus inimigos.

7) A passagem paralela dos quatro cavalos (Zc 1.8) insinua que o cavaleiro é o Anjo do Senhor, uma referência ao Cristo pré encarnado.

Há um argumento contrário a essa interpretação (Cristo é o cavaleiro que cavalga o cavalo branco). Como poderia Cristo ao mesmo tempo ser o Cordeiro que abre os selos e ser também o conteúdo deste selo? E o que causa ainda mais estranheza, como poderia Cristo obedecer à voz de uma de suas criaturas sendo Ele o Criador? Willian Hendriksen rebate a esse argumento mostrando que 99:

Pelo mesmo processo de lógica não chegaríamos à conclusão de que Cristo não pode pôr a sua mão direita sobre João (1.17), pois está segurando os sete estrelas nessa mão (1.6); que um Cordeiro – com sete chifres e sete olhos – não pode tomar um rolo (livro) das mãos de Deus (5.6, 7); uma estrela não pode aceitar uma chave (9.1)? O simbolismo no livro do Apocalipse vez após vez nos surpreende: a João é dito para olhar e ver um Leão, e ele vê... um Cordeiro de pé como tendo sido morto (5.6). De outra vez ele espera ver a esposa, e ele vê uma cidade, a santa cidade Jerusalém (21.9, 10). Entretanto, quando começamos a estudar estas aparentes irregularidades, encontramos uma

98 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 289. 99 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 135 (nota).

Page 79: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

73

ótima razão para cada uma delas: o que pode ser impossível no tocante ao símbolo, é inteiramente razoável e verdadeiro com respeito à realidade à qual o símbolo se refere. (Grifo é meu).

O cavaleiro montado no cavalo branco é o Senhor Jesus Cristo, pois, é Ele quem comanda todo os eventos da História, do começo ao fim. “Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente dizendo: Vem! E saiu outro cavalo, vermelho; e ao seu cavaleiro, foi-lhe dado tirar a paz da terra para que os homens se matassem uns aos outros; também lhe foi dada uma grande espada” (v.3-4). À voz do segundo querubim, saiu o segundo cavaleiro montado em seu cavalo o qual é vermelho. No texto grego a palavra é purro,j que significa “fúria vermelha”. A cor vermelha representa sangue derramado e o pecado100. E de fato, sempre que o Evangelho é introduzido num lugar onde ele não existia ainda, conflitos reais e até derramamento de sangue ocorre. A guerra entre Deus e Satanás, entre Cristo e o anticristo, e entre o Espírito Santo e o falso profeta traz o derramamento do sangue de muitos daqueles que seguem a Cristo. Basta lembrarmos das palavras do próprio Senhor Jesus em Mt 10.34; 24.6,7. A este cavaleiro foi dada a autoridade para tirar a paz da terra. Este cavaleiro personifica o mal que se opõe a Deus, a sua Palavra e a seu povo. Sempre que esse mal penetra a paz desvanece. Às vezes a oposição ao Evangelho resulta em sérios conflitos, até mesmo dentro das famílias (Mt 10.36). Contudo, esse mal não tem liberdade para agir por conta própria. Ele está totalmente subordinado a Deus que é soberano para barrá-lo quando quiser. Sempre que esta empenha-se por levar a Palavra de Deus, opositores se levantam contra ela. Não devemos pensar que este texto se refira apenas a uma guerra específica em alguma época. Trata-se da constate luta entre a Igreja de Cristo e seus inimigos. Willian Hendriksen afirma101:

Cremos que este cavalo e seu cavaleiro se referem a perseguições religiosas contra os filhos de Deus, em vez de guerra entre as nações; a matança e sacrifício, em vez de militarismo. Crentes são assassinados ‘por causa de seu nome’. Isto pertence à categoria de sinais que dizem respeito mais diretamente aos crentes: sua perseguição pelo mundo.

A favor deste argumento ele levanta as seguintes afirmações:

1) Esta explicação está de acordo com o contexto imediato. Onde quer que Cristo chegar com Seu Evangelho, também chegará logo em seguida a perseguição, Ap 10.9;

2) Há plena concordância com Mt 10.34-39; 3) A expressão “...para que os homens se matassem uns aos outros...” é típica do apóstolo João,

e com exceção de Ap 13.3, em todas as outras passagens (1Jo 3.12; Ap 5.6; 5.9; 5.12; 6.9; 13.8; 18.24) refere-se à morte de Jesus ou à execução dos crentes.

4) Lemos que quando o quinto selo é aberto, João vê “as almas daqueles que foram mortos por causa da Palavra de Deus”; quando esta visão foi dada a João, os crentes estavam sob terrível perseguição, e muitos morreram nas mãos dos seus algozes.

5) “...lhe foi dada uma grande espada”, a palavra “espada” no grego é ma,caira, que tem um sentido bem amplo nas Escrituras, aqui é a adaga sacrificial, com a qual o animal do sacrifício era imolado, ou seja, um instrumento de morte. Os discípulos de Cristo, são como ovelhas entregues ao matadouro por amor a Ele (cf. Rm 8.36).

Pensemos nos muitos que sofreram e morreram por permanecerem firmes em sua fé em Cristo, tais como: Estevão, Paulo, Policarpo, a Noite de São Bartolomeu, John e Betty Stam

100 Cf. RIENEKER – ROGERS, 1988, p. 615. 101 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 138.

Page 80: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

74

(missionários martirizados na China!). “O cavaleiro no cavalo vermelho não se refere a uma pessoa em particular. Nem pertence a uma época em especial. Nenhum século fica sem seu cavaleiro vermelho: o mundo está sempre perseguindo a Igreja. Cristo sempre traz a espada. A paz é retirada da terra (Mt 10.34)”102. “Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizendo: Vem! Então, vi, e eis um cavalo preto e o seu cavaleiro com uma balança na mão. E ouvi uma como que voz no meio dos quatro seres viventes dizendo: Uma medida de trigo por um denário; três medidas de cevada por um denário; e não danifiques o azeite e o vinho” (v.5-6). O cavaleiro no seu cavalo preto obedecendo à voz do terceiro ser vivente (querubim) sai com uma balança em suas mãos. Comer pão por peso significa uma condição de dureza econômica. É justamente isso que diz a voz que sai de entre os seres viventes: “...Uma medida de trigo por um denário...”, ou seja, o salário de um dia de trabalho é o suficiente para comprar comida para uma só pessoa. E o que acontecerá com as demais pessoas de uma família? Como pode um homem que ganha tão pouco sustentar sua família com coisas que têm um preço tão alto? “...e não danifiques o azeite e o vinho”, isto quer dizer, o azeite e o vinho eram elementos indispensáveis para o conforto. Se o que um homem ganhava mal dava para comprar para a sua alimentação básica, como poderia comprar elementos mais sofisticados como o azeite (geralmente usado na culinária, cosmética, medicina e iluminação) e o vinho (bebida cara naquelas circunstâncias)? Sendo assim o que o texto nos mostra é justamente o sofrimento que os crentes estavam passando, enquanto, os ímpios desfrutavam de regalias. Como já estudamos nos capítulos anteriores, os crentes de então passavam por privações e inúmeras dificuldades por causa da sua fé. Mas isso tem ocorrido em toda a História. Quantos servos de Deus passam por situação de penúria e dificuldades financeiras, de perseguição e tormentos por estarem decididos em manter sua fé em Cristo? Contudo, não devemos esquecer que até esta situação colabora “para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28), e em meio a tantas lutas, os servos de Deus podem sentir Sua bondosa mão lhes sustentando e fortalecendo. Willian Hendriksen observa103:

Assim, o segundo e o terceiro cavaleiros descrevem aqueles infortúnios que, de uma maneira muito especial, afetam os crentes. Simbolizam que, através de toda a dispensação, o mundo perseguirá a Igreja de todas as formas imagináveis. Lembremo-nos de que as duas formas de perseguição aqui mencionadas, a saber: morte e injustiça, ou opressão econômica, representam as formas todas (de opressão).

“Quando o Cordeiro abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente dizendo: Vem! E olhei, e eis um cavalo amarelo e o seu cavaleiro, sendo este chamado Morte; e o Inferno o estava seguindo, e foi-lhes dada autoridade sobre a quarta parte da terra para matar à espada, pela fome, com a mortandade e por meio das feras da terra” (v.7-8). Não são somente a perseguição e a recessão econômica que afetam os crentes. Há também mais um flagelo que afeta a todos, tanto os crentes como os descrentes: a morte. Dos quatros cavaleiros, o único que tem o seu nome declarado no texto é este. O quarto querubim chama e eis que vem um cavalo amarelo e o seu cavaleiro chamado Morte acompanhado do Inferno. No texto grego a palavra clwro,j significa “verde amarelado, cor pálida”. A palavra deve referir-se aqui à coloração de um cadáver ou de uma pessoa atemorizada104. Este cavalo simboliza a moléstia seguida de morte, e isto fica claro no próprio texto que diz que o Inferno acompanha o cavaleiro Morte. No texto grego a palavra que aqui foi traduzida por “inferno” é a[|dhj. O conceito bíblico de Hades aponta para a sepultura, o estado de estar numa cova, e, portanto, morto.

102 HENDRIKSEN, 1987, p.140. 103 Ibid, p.142. 104 Cf. RIENEKER-ROGERS, 1988, p. 615.

Page 81: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

75

Mas, aqui, há uma conotação mais ampla, mais do que a sepultura em si, pois, “todas as pessoas que morrem antes do regresso de Jesus voltam ao pó. O Hades é o lugar onde as almas dos incrédulos são mantidas, enquanto, que, as almas dos crentes estão e estarão com Jesus no céu” (ver 1.18)105. Não devemos ver além do que o texto quer nos dizer. Sempre que a morte desfere o seu golpe contra as pessoas, o inferno vem recolhendo os que lhe pertencem. Essa é a ideia destes versos. “... e foi-lhes dada autoridade sobre...”. A construção dessa frase no grego está na voz passiva (kai. evdo,qh auvtoi/j evxousi,a evpi.) e isto aponta para Deus, ou seja, foi Deus quem deu a autoridade a eles; eles não são autossuficientes agindo por conta própria; antes, estão subordinados a Deus devendo-lhe total obediência. As palavras de João sobre este cavaleiro do cavalo amarelo ecoam as palavras de Ezequiel: “Porque assim diz o Senhor Deus: Quanto mais, se eu enviar os meus quatro maus juízos, a espada, a fome, as bestas-feras e a peste, contra Jerusalém, para eliminar dela homens e animais?” (Ez 14.21). Resumindo: o cavaleiro do cavalo branco representa Jesus Cristo; o do cavalo vermelho, a matança pela perseguição; o do cavalo preto representa a opressão econômica e a pobreza devida à injustiça social; e por último, o do cavalo amarelo (pálido) representa a morte: espada, fome, pestilência, bestas-feras. Estes são os sofrimentos comuns à humanidade, descritos aqui a partir do aspecto de seu efeito sobre o reino de Deus106.

2.3.2. O Clamor dos Mártires (6.9-11) O que acontece agora e que João vê, refere-se ao espaço de tempo entre a primeira e segunda vinda de Cristo como acontece também no parágrafo anterior. João vê os santos nos céus que foram martirizados por causa da sua fé. Estes estão clamando ao Senhor que exerça juízo e vingança contra os algozes do Seu povo que ainda está sofrendo neste mundo. A ação dos cavaleiros trouxe terríveis consequências aos crentes que ainda estão neste mundo. “Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam” (v.9). Não devemos nos esquecer que esta visão de João é uma visão simbólica. João vê o altar que nos traz a lembrança de sacrifícios. Nos tempos do Levítico o sangue dos animais sacrificados era derramado nos pés do altar. Aqui, as almas (yuca,j) equivale a “vidas”, ou seja, os crentes que foram martirizados, “... mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam”. A Palavra de Deus exige nosso testemunho, e este pode até ser com a perda da nossa vida. Quem não estiver pronto para tal, não deve seguir a Cristo (cf. Mt 16.25). “Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (v.10). Eles clamam ao Senhor ao verem o sofrimento de seus irmãos neste mundo. Dirigem-se a Ele chamando-O de “ó Soberano” (despo,thj), alguém que exerce autoridade absoluta. Também O chamam de “santo” que aplicado a Deus significa sem pecado e puro; e “verdadeiro”, ou seja, fidedigno em quem não há mentira e nem confusão. Um problema surge neste ponto: como harmonizar esta oração com a de Estevão, por exemplo, que pediu ao Senhor para não imputar sobre seus algozes o pecado deles, At 7.60? No que diz respeito à essa “dificuldade”, a saber, como harmonizar esta oração com outros textos que narram o sofrimento de outros servos de Deus que clamaram ao Senhor em favor dos seus inimigos em vez de pedir-Lhe vingança, podemos constatar que eles não vindicam retribuição por motivos pessoais, mas

105 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.298. 106 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 146.

Page 82: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

76

por causa de Deus. Isto é exatamente o que os Salmos apresentam com suas “orações imprecatórias”. Willian Hendriksen afirma107:

Em os matando, o mundo escarneceu de Deus. Não afirma o próprio Deus que o sangue de Seus santos clama por vingança? (Gn 4.10; Hb 11.4). Indivíduos insignificantes, meros mortais, têm desdenhado o Santo, Verdadeiro e Soberano Senhor do universo. Têm desafiado Seus atributos. Se, se não faz plena retribuição, a justiça e a soberania de Deus não resplandecerão com esplendor perfeito. Não! O santo em glória não vindica vingança pessoal, como tão pouco vindicava Estevão, mas anseia pela chegada daquele grande dia quando a majestade e a santidade, a soberania e a retidão de Deus em Cristo serão publicamente manifestadas”.

“Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram” (v.11). Quanto às vestiduras brancas que já comentamos isso anteriormente (Ap 3.5), lembramos apenas que esta figura (as vestes brancas) simboliza a pureza e a nova vida nos céus. Deus não lhes deixou sem resposta. Embora no verso não esteja claro que foi Deus quem respondeu, o contexto imediato nos diz isso, pois, a oração foi dirigida a Deus. Ele lhes mandou ter um pouco mais de paciência, pois, no tempo certo “... até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram”, Ele lhes responderia. A resposta a esta oração acontecerá no grande dia da segunda vinda de Cristo, que é o assunto do próximo parágrafo.

2.3.3. O Juízo Final (6.12-17) Temos agora uma descrição do Dia do Juízo. João aborda a assunto em duas partes: com relação à natureza e com relação aos homens. Em relação aos elementos da natureza: “Vi quando o Cordeiro abriu o sexto selo, e sobreveio grande terremoto. O sol se tornou negro como saco de crina, a lua toda, como sangue, as estrelas do céu caíram pela terra, como a figueira, quando abalada por vento forte, deixa cair os seus figos verdes, e o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola. Então, todos os montes e ilhas foram movidos do seu lugar” (v.12-14). O primeiro elemento é o grande terremoto fazendo toda a terra tremer e desmanchar-se diante de todos. Em seguida, o sol torna-se escuro como o carvão, a lua tem seu brilho apagado por um vermelho cor de sangue, e as estrelas caindo o firmamento tal como as folhas de uma figueira acometida por um vento muito forte. O céu por sua vez é recolhido (enrolado) como um pergaminho, e por fim, os montes e ilhas são removidos do seus lugares (um maremoto, um dilúvio?) Willian Hendriksen observa a presença do número 666 na descrição do Juízo Final108: 6 é o número deste selo; 6 são os elementos da natureza afetados pelo Dia do Juízo: terremoto, sol, lua, estrelas, céu e os montes e ilhas (esses dois últimos devem ser considerados um só elemento por serem a mesma coisa. Além disso, a construção gramatical da frase confirma isso); e, 6 são as classes de pessoas: os reis, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e livre (da mesma forma esses dois últimos devem ser considerados uma só classe, pois, indicam a classe mais inferior em sua totalidade. A construção gramatical da frase coloca os escravos e os livres na mesma classe). Essa observação faz muito sentido, pois, o Dia do Juízo é para a punição dos pecadores, e o número 666 é o símbolo da completa imperfeição humana depois que o pecado passou a fazer parte da sua vida. Por isso a marca da besta (666) não se trata de outra coisa a não o pecado do homem.

107 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 147. 108 Ibid, p.148.

Page 83: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

77

Em relação aos homens: “Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se?” (v.15-17). João apresenta seis categorias de homens apontando assim para o julgamento de Deus do qual ninguém escapará. O grande cataclismo que João descreve é horrivelmente assustador para os ímpios a ponto destes clamarem “...aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro...” (v.16). Mas, para os crentes em Cristo este será o Grande Dia do Senhor no qual Ele responderá ao clamor dos mártires (v.10) e reunirá a Sua Igreja triunfalmente. A cena catastrófica que João descreve do Dia do Juízo tem como objetivo mostrar que não haverá um único lugar neste universo em que as pessoas ímpias poderão se refugiar da ira de Deus. Tanto na terra como no céu os elementos serão fortemente abalados; só haverá refúgio para aqueles que se refugiaram em Cristo nesta vida. Também aponta para a realidade de que deste dia ninguém escapará por ser rei, poderoso, rico, etc., mas, somente aqueles que compraram do Senhor Jesus “... ouro refinado pelo fogo (...) vestiduras brancas (...) e colírio para os olhos...” (Ap. 3.18), ou seja, aqueles que têm a vida em Cristo Jesus.

Aplicações Aqueles que se dispuserem a seguir a Cristo precisam saber que: 1) Encontrarão oposição e resistência até mesmo entre seus familiares e amigos; 2) Devem estar preparados para serem agredidos e ofendidos por serem fiéis a Cristo; 3) Mesmo se passarem por todas essas lutas e sofrimentos, Deus não os desamparará, antes, os

conduzirá em triunfo e os preservará para aquele Grande Dia; 4) Deus vindicará o sangue de cada filho Dele que for martirizado por amor ao Seu nome. Os ímpios por sua vez, precisam saber (ainda que ignorem isso hoje): 1) Deus vigará o mal que eles fizeram a Seus filhos; 2) o único céu que terão será esta vida, e nesta vida e na eternidade estarão totalmente desamparados por Deus; 3) da ira e do Dia do Senhor Jesus eles jamais escaparão.

Page 84: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

78

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 2. A Visão do Céu e dos Selos – Ap 4 – 7 2.4. Os Escolhidos de Deus – Ap 7 2.4.1. A Poderosa Salvação – Ap 7.1-8 2.4.2. A Maravilhosa Adoração – Ap 7.9-12

2.4.3. A Eterna Comunhão – Ap 7.13-17

Introdução O presente capítulo é uma espécie de parêntese entre o que ocorre em Ap 6 e Ap 8, os quais relatam os sete selos sendo abertos pelo Cordeiro. Porém devemos observar aqui que Ap 7 é o oposto do que está em Ap 6, pois, logo após ter a visão do Juízo de Deus sendo executado sobre os ímpios, João agora passa a descrever a visão dos escolhidos de Deus e como eles se apresentam diante Dele. O contraste é impressionante: enquanto os ímpios clamam aos montes que caiam sobre eles a fim de livrá-los da ira do Cordeiro (cf. Ap 6.16), os santos entoam louvores diante do Trono de Deus (cf. Ap 7.10). Enquanto os ímpios veem esse dia com terror, os santos o veem como festivo e jubiloso. Enquanto os ímpios perguntam: “... e quem é capaz de suster-se?” (Ap 6.17), a resposta vem no capítulo 7: os 144.000 selados (v.4). Mas, não percamos de vista que Ap 7 é a continuação de Ap 6.12-17.

2.4.1. A Poderosa Salvação (7.1-8) “Depois disto, vi quatro anjos em pé nos quatro cantos da terra, conservando seguros os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem sobre árvore alguma” (v.1). Após o que João viu com relação aos ímpios, ele passou a descrever o que acontece aos eleitos de Deus. Ao dizer: “Depois disto...” ele está mais do que descrevendo os fatos em ordem cronológica; ele está mostrando a concomitância dos mesmos sob a perspectiva de Deus que vê a História como um todo, diferentemente de nós. Os números têm um significado muito especial no Apocalipse como podemos ver neste capítulo. Nos v.1-4, o número 4 aparece mostrando a ação Divina em toda a Sua criação. Os elementos “quatro cantos da terra”, “terra”, “mar” e “árvore alguma” mostram as categorias da criação: massa de terra, oceanos e flora. Os quatro anjos que têm autoridade sobre os quatro ventos que neste texto é símbolo de tormenta e tribulação decorrentes do Juízo de Deus. “Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos, aqueles aos quais fora dado fazer dano à terra e ao mar” (v.2). Surge um outro109 anjo, o qual “clamou com grande voz aos outros quatro anjos”, os quais haviam recebido o poder de danificar a criação, mas, não ainda a autorização para tal. “dizendo: Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até selarmos na fronte os servos do nosso Deus” (v.3). Desse anjo pouco sabemos além de que ele subia “... do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo...”. Essas palavras apontam para o Juízo de Deus a ser executado. Todo o sofrimento que sobreviria ao mar, à terra, às árvores, enfim, sobre toda a criação, são punições contra o mundo ímpio e perseguidor110. Tais punições deveriam acontecer, mas, ainda não. Primeiro deveriam ser selados na fronte os servos de Deus. Notemos que o anjo não diz que iria tirar os servos de Deus do

109 O pronome “outro” (a;lloj) aponta para o fato de que este anjo era da mesma categoria daqueles quatro do v.1. 110 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 135.

Estudo 16

Page 85: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

79

meio dessa tribulação, mas, que, Deus os protegeria por meio do Seu selo. O Pré-Milenismo Dispensacionalista cai por terra diante deste texto, pois, afirma que os crentes serão arrebatados antes da grande tribulação, enquanto aqui neste texto está claro que os crentes enfrentarão a tribulação (veja os v.13-14). O selo sobre a fronte de cada servo de Deus tem o propósito de destacar entre os demais. Willian Hendriksen observa três características de um selo: (1) um selo protege contra falsificação. O túmulo de Jesus foi selado com uma guarda (Mt 27.66; cf. Ap 5.1); (2) um selo marca uma propriedade. Assim, lemos em Ct 8.6: “Põe-me como selo sobre o teu coração”; (3) um selo certifica um caráter genuíno. O decreto de que todos os judeus seriam destruídos foi selado com o anel do rei Assuero (Et 3.12)111. Mas, não percamos de vista que o selo que está sobre todos os servos de Deus por ele salvos é o Espírito Santo (Ef 1.13). “Então, ouvi o número dos que foram selados, que era cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel: da tribo de Judá foram selados doze mil; da tribo de Rúben, doze mil; da tribo de Gade, doze mil; da tribo de Aser, doze mil; da tribo de Naftali, doze mil; da tribo de Manassés, doze mil; da tribo de Simeão, doze mil; da tribo de Levi, doze mil; da tribo de Issacar, doze mil; da tribo de Zebulom, doze mil; da tribo de José, doze mil; da tribo de Benjamim foram selados doze mil” (v.4-8). Consideremos os verbos “ouvir” e “selar”. Por se tratar de uma visão, não deveria João ter visto em vez de ter ouvido? A ideia aqui de “ouvir” (avkou,w) é mostrar, dar a conhecer o número dos eleitos o qual é totalmente conhecido por Deus, e um dia será dado a conhecer a todos os eleitos. Quando ao verbo “selar” (sfragi,zw) que aqui está no particípio perfeito passivo (evsfragisme,nwn), indica que é Deus quem os selou (marcou, separou) para Si, apontando para a maravilhosa e poderosa salvação que Ele executou a favor daqueles a quem Ele escolheu desde antes da fundação do mundo. De cada uma da 12 tribos dos filhos de Jacó, 12.000 foram selados, totalizando a cifra de 144.000 selados (salvos). Infelizmente, este número como outras partes das Escrituras, tem sido mal interpretado levando a um erro teológico grotesco. Por exemplo, a seita das Testemunhas de Jeová afirma com base neste texto que haverá um novo céu e nova terra aqui neste mundo justamente porque nos céus não há mais lugar, pois, lá já estão as primeiras 144.000 testemunhas de Jeová que são os mais preeminentes membros de sua religião. Esse é o típico erro de tornar literal o que a Bíblia apresenta por meios de símbolos. O número 144.000 é o resultado de:

Número 3 x 4 = 12 Significado É o número que se

refere à Trindade, portanto, é o número aponta para o Deus Triúno em ação.

É o número da Criação, do universo: os quatro cantos da terra, os quatro ventos (Ap. 7.1); os quatro elementos ar, água, fogo e terra; as quatro estações do ano, etc.

Sempre simboliza a eleição, salvação divina: A Igreja no Antigo e Novo Testamentos (12 tribos de Israel e os 12Apóstolos)

Número 12 x 12.000 = 144.000 Significado A eleição O número 1.000

aponta para a perfeição elevada à

sua máxima excelência.

Totalidade dos eleitos de todos os tempos

111 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 136).

Page 86: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

80

Numa frase descrevemos o simbolismo do número 144.000 da seguinte forma: os escolhidos (4) de Deus (3) para serem selados e salvos (12) são uma quantia conhecida por Deus da qual não se perde nenhum salvo e nem se acrescenta um sequer de última hora. Portanto, muito mais do que quantidade, o número 144.000 comunica qualidade. Por isso, quando o juízo de Deus sobrevém à terra contra os ímpios, há poderosa salvação da parte de Deus, selando (protegendo, marcando e certificando) aqueles que Lhe pertencem. Mas, aqui, um pré-milenista dispensacionalista (ou mesmo um histórico) poderia argumentar que o Amilenismo cai por terra, porque aqui não se fala dos crentes do Novo Testamento, mas, dos 12.000 “todas as tribos dos filhos de Israel”. Mas, não há dificuldade quanto a isso. O Amilenismo é calcado no Aliancismo, e este não vê distinção das Alianças (Antigo e Novo Testamento), mas, as vê como uma só, tal como diz a Confissão de Fé de Westminster, Cap. VII “Do pacto de Deus com o Homem”, §VI:

Sob o Evangelho, quando Cristo, a substância, Se manifestou, as ordenanças, nas quais este pacto é ministrado, passaram a ser a pregação da Palavra e a administração dos Sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor (Cl 2.17; Mt 28.19,20; 1Co 11.23-25); por estas ordenanças, posto que em número menor e administradas com mais simplicidade e menor glória externa, o pacto se manifesta com mais plenitude, evidência e eficácia espiritual (Hb 8.6-13; 2Co 3.9-11), a todas as nações – tanto aos judeus como aos gentios (Ef 2.15-19). Isto é chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos da graça diferentes em substância, mas, um e o mesmo sob várias dispensações (Gl 3.17,29).

Assim sendo, “todas as tribos dos filhos de Israel” aqui, são toda a Igreja de Deus em todos os tempos, como fica evidente nos versículos seguintes.

2.4.2. A Maravilhosa Adoração (7.9-12) “Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação” (v.9-10). Confirmando o que fora exposto acima, a saber, o número 144.000 é uma cifra simbólica que aponta para a totalidade do número dos salvos, no v.9 João diz: “... vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar...”. Isto nos mostra que a cifra é simbólica. Assim como o “Depois disto” no v.1, aqui, “Depois destas cosias” aponta para a concomitância dos eventos. João descreve esta multidão inumerável com pessoas procedentes de “... todas as nações, tribos, povos e línguas...” (observe o número 4), mostrando assim o caráter universal da salvação, ou seja, Deus não salvou uma etnia, uma nação somente, mas, sim, Ele levantou para Si um povo multiétnico. Dentro desse aspecto é que devemos entender textos como Jo 3.16: “Porque Deus amou ao mundo...”, ou seja, não só os judeus. Essa multidão é descrita como vestida de “... vestiduras brancas...”, o que indica a santificação promovida pela salvação Divina. Salvação que não produz em nós santidade de vida, não é a salvação que Deus realiza. Essa multidão também traz consigo em suas mãos “palmas”, ou seja, ramos de palmeira. As palmas eram um símbolo da vitória de um general quando este regressava com seu exército triunfante de uma guerra. Esta multidão é vitoriosa por meio de Cristo Jesus. O clamor dessa multidão é um hino de louvor ao Senhor, exaltando-O como o Salvador Supremo, por meio de quem obtiveram a salvação. O coração que é resgatado e redimido por Cristo em momento algum vangloria-se da sua salvação. Antes, a vê como resultado do amor e poder de Deus e por isso diz: “... Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação”.

Page 87: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

81

“Todos os anjos estavam de pé rodeando o trono, os anciãos e os quatro seres viventes, e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto, e adoraram a Deus, dizendo: Amém! O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém! (v.11-12). Unem-se ao majestoso coro da multidão dos salvos, as milícias celestiais, “todos os anjos”, os vinte e quatro anciãos, que aqui são chamados apenas de “anciãos”, ou seja, todos os redimidos (cf. Ap 4.4), e todos os seres celestiais “os quatro seres viventes”. Há uma inversão na ordem dos adoradores aqui neste texto em relação a Ap 5. Ali em Ap. 5 a ordem dos adoradores é: os quatro seres viventes, os anciãos, todos os anjos e, por fim, toda criatura no céu, na terra , debaixo da terra e do mar, e tudo o que neles há (Ap 5.13). Aqui em Ap 7.11 a ordem é justamente inversa. Há também grande semelhança entre o cântico entoado em Ap 5 e o deste texto. E assim, a junção do coro dos redimidos com o dos seres celestiais, temos uma maravilhosa adoração.

2.4.3. Eterna Comunhão (7.13-17) “Um dos anciãos tomou a palavra, dizendo: Estes, que se vestem de vestiduras brancas, quem são e donde vieram? Respondi-lhe: meu Senhor, tu o sabes. Ele, então, me disse: São estes os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (v.13-14). Os vinte e quatro anciãos representam a totalidade da Igreja de Cristo em todas as eras (cf. Ap 5). Aqui, um desses anciãos se dirige a João (da mesma forma como um outro ancião se dirigiu a ele em Ap 5.5) e lhe faz uma pergunta da qual ele já sabia a resposta. Com esta pergunta este ancião não visava receber uma informação sobre algo que ele não sabia, mas, sim, chamar a atenção para aquela inumerável multidão que vinha se apresentar diante do Trono de Deus. Isto fica claro na resposta do próprio ancião, pois, é ele quem diz quem são aqueles e de onde estavam vindo, a saber, “São estes os que vêm da grande tribulação...”. Que tribulação é esta que ele se refere aqui? Não se trata de uma tribulação específica, limitada a uma época (como afirmam os Pré-Milenistas). Trata-se de todo o sofrimento e tribulação que a Igreja de Cristo enfrentou durante toda a sua existência, desde a primeira até à segunda vinda de Cristo. O que João estava vendo aqui, é momento descrito em 1Ts 4.17, quando a Igreja de Cristo se encontra com Ele nos ares e entra em Sua glória. O ancião continua identificando-os como aqueles que “... lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro...”. Em Ap 6.11, os santos que debaixo do altar receberam trajes brancos; aqui eles lavaram e alvejaram suas vestes. Não há nenhuma contradição das ações descritas nestes textos. Em Ap 6.11 entendemos que é Deus quem faz essa obra de purificação; aqui em 7.14, entendemos que para que haja essa purificação é necessário haver confissão de pecados. Dizer que eles lavaram e alvejaram suas vestes é o mesmo que dizer que eles confessaram seus pecados a Deus, e também confessaram a Cristo diante dos homens. O qual por meio do sangue de Seu Filho Jesus Cristo os purificou de todos os seus pecados (1Jo 1.9). Essa purificação aponta para a Justificação que Cristo efetuou no coração dos eleitos. “razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuário; e aquele que se assenta no trono estenderá sobre eles o seu tabernáculo” (v.15). Quando Deus ordenou que o povo de Israel se apresentasse diante Dele no Sinai, disse que deveriam lavar suas roupas antes de comparecerem perante Ele (Êx 19.10,14). Da mesma forma, para comparecerem diante do Senhor na glória os redimidos tiveram que passar pela purificação por meio do sangue de Cristo. O serviço para o qual eles se apresentam diante de Deus diuturnamente, é a adoração pelos séculos dos séculos. Dessa forma entendemos que não há um serviço agradável a Deus sem que este seja considerado e feito por meio da adoração. Deus nos chama para sermos adoradores em espírito e em verdade (Jo 4.24). A expressão “... de dia e de noite...” acentua o caráter eterno e duradouro desse serviço. Enquanto essa numerosa multidão serve ao Senhor “aquele que se assenta no trono estenderá sobre eles o seu tabernáculo”. Esta frase carrega consigo a verdade mais espetacular e

Page 88: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

82

maravilhosa das Escrituras no que diz respeito ao motivo que levou o Senhor Deus a nos amar tanto. Sabemos que o amor de Deus foi plenamente revelado em Cristo. Mas, fica a pergunta: por que Deus nos amou tanto assim, a ponto de sacrificar Seu Filho Unigênito? É certo que jamais poderemos decifrar este maravilhoso mistério em sua plenitude. O que levou Deus a nos amar tanto assim, remonta os tempos eternos quando não existia coisa alguma no universo. Lá, no que os teólogos chamam de “eternidade passada”, quando só existiam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, a Trindade Santa vivia na mais profunda e perfeita comunhão. Esta comunhão era algo tão extraordinário e maravilhoso que levou a Trindade a querer repartir conosco essa bênção, e por isso fomos criados à imagem e semelhança de Deus, que dentre outras coisas significa ter a capacidade de relacionar com o Senhor na mais profunda e doce comunhão. Chamamos essa doutrina de “A Imanência da Trindade”. Desde que o homem pecou, reiteradamente Deus tem vindo ao Seu encontro para resgatá-lo e restabelecer com ele a comunhão que um dia foi interrompida pelo pecado. Por esta razão o maior desejo de Deus para conosco é que vivamos na mais plena e profunda comunhão com Ele. “Estender seu tabernáculo sobre nós” significa “morar debaixo da mesma tenda”, e foi justamente isso que João disse com: “O Verbo se fez carne e habitou (tabernaculou) entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). Comparando essa declaração com os seguintes textos, veremos que há uma harmonia perfeita de vários textos bíblicos sobre essa verdade: Lv 26.11,12; Ez 37.26,27; Zc 8.8; Ap 21.2,3. Nos v. 16-17 vemos que nessa eterna comunhão com Deus os crentes desfrutam das seguintes bênçãos (compare com as “Bem-aventuranças” em Mt 5): (1) “Jamais terão fome, nunca mais terão sede...” (v.16); nas bem-aventuranças lemos: “Bem-

aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Mt 5.6). A fome e a sede a que se refere o texto de Ap 7.16 é muito mais do que as necessidades fisiológicas do ser humano. Refere-se especialmente à fome e à sede de justiça, uma vez que na grande tribulação descrita neste texto, os crentes sofreram terrivelmente a injustiça (veja Ap 6.10).

(2) “... não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum” (v.16); enquanto, que, sobre os ímpios, no dia do Juízo o sol lhes será um instrumento de sofrimento e pavor (Ap 6.12), sobre os crentes o sol não trará dano algum. Além disso, em Ap 21.23, vemos que o sol nem mesmo será necessário, pois, a glória de Deus e do Cordeiro iluminará a Cidade Santa. Essas palavras nos comunicam a verdade sobre a proteção de Deus sobre Seus filhos.

(3) “... pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida”. Estas palavras nos lembram o Sl 23.2 e 3, onde o Bom Pastor guia as Suas ovelhas para junto das “águas de descanso”. Reportamo-nos mais uma vez às bem-aventuranças onde vemos que: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (...) Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.5 e 9). Ser manso e pacificador é o resultado de ser apascentado por Cristo.

(4) “... E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima.”. Em Mt 5.4 vemos: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. O consolo do crente começa desde já nesta vida pela doce comunhão com Cristo. Contudo, este consolo será pleno na eternidade onde essa comunhão será também eterna e ininterrupta.

A ligação de Ap 7. 13-17 com o texto de Mt. 5. 1-12 no qual estão descritas as Bem-aventuranças é impressionante, como pudemos constatar acima. Mas, podemos fazer ainda mais um paralelo. Aqui em Ap 7.14, os crentes são descritos como aqueles “... que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro, razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuário”, e em Mt. 5.8 lemos: “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus”. Todas essas verdades expressam a eterna comunhão que Deus estabeleceu com Seu povo.

Page 89: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

83

Aplicações Guardemos as seguintes verdades: 1) Deus conhece eterna e plenamente os que Lhe pertencem. Ainda que sejam milhares de milhares,

milhões de milhões os Seus eleitos, não entra nenhum a mais e nem a menos. 2) A obra de Salvação que Deus efetuou sobre os eleitos, é livre obra da Trindade Santa; o Pai, o Filho

e o Espírito Santo agem ativa e efetivamente para isso, por esta razão é impossível alguém que tenha sido salvo por Ele, perder-se ou perder sua salvação.

3) Tudo o que Deus realiza em nossa vida aqui tem como alvo a eternidade e a glória porvir. 4) De todas as bênçãos que lá receberemos, certamente estarmos sob o tabernáculo eterno de Deus é

a mais importante. 5) As bem-aventuranças de Mt 5 são as características daqueles que são salvos, porém nessa vida essas

bem-aventuranças são um reflexo do que elas serão na eternidade.

Page 90: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

84

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 3. As Sete Trombetas – Ap 8 – 11 3.1. O Sétimo Selo e o Anúncio do Juízo Divino – Ap 8

3.1.1. O Sétimo Selo – Ap 8.1-6

3.1.2. As Primeiras Quatro Trombetas – Ap 8.7-13

Introdução Passamos agora para o último selo o qual desencadeia as sete trombetas, as quais significam o anúncio do Juízo Divino. João retoma o curso da História (lembre-se das “sete seções paralelísticas”, veja Estudo 4 – Análise Geral), e, agora, sob um outro prisma, mostra como se dará o Juízo de Deus sobre os ímpios.

3. As Sete Trombetas (Ap 8 – 11) O trecho de Ap 8 – 11 traz a terceira visão que João teve, com o seguinte conteúdo: Ap 8, a abertura do sétimo selo contendo as quatro primeiras trombetas anunciando o Juízo de Deus; Ap 9, a quinta e sexta trombetas; Ap 10.1 – 11.14 (tal como Ap 7) é um interlúdio antes do que acontece em Ap 11.15-19, a saber, o Juízo de Deus sobre os ímpios descrito na sétima trombeta. É importante ressaltar aqui que essas trombetas indicam uma série de acontecimentos, catástrofes e calamidades comandadas por Deus (elas são “vozes” cf. v.13), que estão acontecendo nos “últimos dias” (da primeira à segunda vinda de Cristo). “Elas não simbolizam eventos separados, mas referem-se a desgraças que podem ser vistas a qualquer dia do ano em qualquer parte do globo”.112

3.1 – O Sétimo Selo: O Anúncio do Juízo Divino (Ap 8) Apesar de estar separado dos outros seis selos pelo belíssimo interlúdio da visão dos glorificados no céu (Ap 7), o sétimo selo traz consigo a mesma mensagem do sexto selo, a saber: Deus julgando os ímpios113. O Juízo de Deus é retributivo. Os ímpios que passaram toda a sua vida opondo-se à causa de Cristo e da Sua Igreja, haverão de sofrer terrivelmente quando o Juiz de toda a terra se manifestar em glória (veja o Sl 110). Porém, antes de vir executar o Seu Juízo Final, Cristo está constantemente chamando os ímpios ao arrependimento, e, aqueles que atendem ao Seu chamado são por Ele salvos da ira de Deus. Com relação ao conteúdo da mensagem das sete trombetas, W. Hendriksen afirma que “Essas desgraças não simbolizam o final e completo descontentamento de Deus. Ao contrário, eles indicam seus juízos iniciais. Eles recebem graves advertências, não a destruição final”114. É importante ressaltar que essas trombetas apontam para o fato de que não há lugar algum neste universo em que haja segurança contra a ira de Divina, pois, em todos os lugares a Sua ira será derramada. Ainda destacamos que as quatro primeiras trombetas afetam o físico dos ímpios, enquanto, que as três últimas trazem angústia espiritual. O inferno pleno!

112 HENDRIKSEN, 1987, p.160. 113 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.341. 114 HENDRIKSEN, 1987, p.160.

Estudo 17

Page 91: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

85

William Hendriksen faz o seguinte comentário115:

Esses juízos são expressos em linguagem que lembra ao leitor as dez pragas do Egito. Note os lermos “saraiva e fogo” (8.7); a “escuridão” (8.12) e os “gafanhotos” (9.3). Mas a descrição encontrada no Apocalipse é ainda mais terrível: saraiva e fogo são misturados com sangue', os gafanhotos não ferem grama ou árvores, mas homens. Tais juízos caem sobre o mundo iníquo e perseguidor (Egito), onde nosso Senhor foi crucificado (11.8). Eles não afetam os crentes.

3.1.1 – O Sétimo Selo (v.1-6) “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu cerca de meia hora” (v.1). A razão deste silêncio fica clara quando observamos o Antigo Testamento. Os profetas descrevem o juízo de Deus sempre sendo precedido por silêncio, como um sinal de reverência e temor diante Dele, por exemplo, Hc 2.20 diz: “O Senhor, porém, está no seu santo templo, cale-se diante dele toda a terra” (veja também Sf 1.7 e Zc 2.13). Aqui em Apocalipse, esta mesma ideia é encontrada. No sexto selo vemos o juízo de Deus sendo executado, e, agora, este silêncio torna a ira de Deus ainda muito mais expressiva. O sétimo selo é a continuação do sexto. A conexão entre eles é vista no desespero dos ímpios quando veem o juízo de Deus sobre eles, diante do qual eles fazem um profundo silêncio. Ao falar da duração desse silêncio (“meia hora”), João não está pensando aqui cronologicamente, mas sim, apontando para a reação estarrecida e apavorada dos ímpios diante de Deus. “Então, vi os sete anjos que se acham em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas” (v.2). Como vimos anteriormente (em Ap 4) a trombeta era usada para chamar a atenção das pessoas para algo muito importante. Aqui, estes sete anjos recebem cada qual uma trombeta. Lembramos que o número sete é simbólico e representa totalidade, completude. Sendo assim, essas sete trombetas são o anúncio do completo juízo de Deus sobre os ímpios. Não é dito o nome desses anjos116, mas, apenas que receberam uma responsabilidade específica: tocar a trombeta, isto é, chamar a atenção dos homens. “Veio outro anjo e ficou de pé junto ao altar, com um incensário de ouro, e foi-lhe dado muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que se acha diante do trono; e da mão do anjo subiu à presença de Deus a fumaça do incenso, com as orações dos santos. E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e terremoto. Então, os sete anjos que tinham as sete trombetas prepararam-se para tocar” (v.3-6). Quanto ao anjo que aparece com o incensário nas mãos há discordância entre os comentaristas. Willian Hendriksen117, , por exemplo, vê no incensário de ouro, um aspecto da obra de Cristo intercedendo pelos filhos de Deus, e nessa intercessão, a expiação (perdão) dos pecados é efetivada. Simon Kistemaker118 não encontra no texto respaldo para afirmar que este anjo seja o Senhor Jesus, simplesmente pelo fato da identidade desse anjo não estar clara aqui. George Eldon Ladd comenta119:

O anjo recebeu muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos. É difícil de entender esta ideia. A impressão é de que as orações dos santos estavam sobre o altar, e o anjo veio com o incenso para incensar as coisas sagradas. Notável é que a visão se refere às orações de todos os santos,

115 Ibid, p.161. 116 Nas Escrituras, apenas dois desses seres têm seus nomes mencionados: o arcanjo Miguel (Dn 10.13,21; 12.1; Jd 9; Ap 12.7) e o anjo Gabriel (Lc 1.19,26). Outros nomes tais como: Uriel, Rafael, Sariel e Remiel, são meras crendices. 117 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.162. 118 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.345. 119 Cf. LADD, 1984, p.93.

Page 92: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

86

não somente às dos mártires. Isto é mais uma evidência de que o Apocalipse está se preocupando com o destino de toda a igreja na terra.

Concordando com Ladd, temos que admitir que o texto em momento algum fala que o anjo está intercedendo pelos santos, e, fazendo assim, algo que somente Cristo faz por nós junto a Deus (cf. 1Tm 2.5). Além disso, o texto diz que “... e foi-lhe dado muito incenso...”, ou seja, este anjo não traz a sua própria oferenda. Isto significa a intercessão de nosso Senhor no céu por sua igreja aqui na terra. Deus deu a Jesus como oferta para a nossa eterna salvação e para ser o nosso único intercessor diante Dele. Esta intercessão de Jesus por nós garante a nossa santificação e purificação e a resposta das nossas orações. O incenso era uma oferta queimada a Deus a qual produzia um perfume agradável. Mas, para que este perfume foi exalado, era-lhe necessário ser queimado. Da mesma forma para que fôssemos nós aceitos por Deus, Cristo teve de ser sacrificado e o Seu sacrifício subiu ao Senhor Deus como oferta agradável e aceita. Por esta razão as orações dos santos são apresentadas juntamente com o incenso (sacrifício de Cristo, Sua intercessão por nós). A oração que Deus espera de nós deve estar fiada tão somente no sacrifício de Jesus e não em nossos próprios méritos. Para encerrar a discussão sobre quem é esse anjo com o incensário nas mãos, devemos olhar para os v.5-6, os quais mostram a resposta de Deus às orações e clamores dos Seus filhos apresentada em Ap 6.10. Tudo o que João diz sobre esse anjo é para nos mostrar o Juízo de Deus logo a seguir. “E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra...” (v.5). Assim que o incenso é misturado às orações do santos, diz o texto que, as orações dos santos, fiadas no sacrifício de Jesus, são ouvidas por Deus e por isso são respondidas (atiradas à terra). Portanto, o anjo toma o incensário, que ora está vazio, o enche com o fogo do altar e o lança sobre a terra, isto é, Deus ouviu as orações dos santos, e os juízos sobre a terra são a Sua resposta a elas (cf. Ap 6.10)120. Os trovões, vozes, relâmpagos e terremotos (v.6) apontam para o modo como o próprio Deus vê esses acontecimentos. Depois de tudo isso, “Então, os sete anjos que tinham as sete trombetas prepararam-se para tocar” (v.6). Mais uma vez ressaltamos que essas trombetas são o sinal do juízo de Deus sobre os ímpios, o que exclui os crentes. Todos esses juízos vêm (caem) do céu, isto é, da parte de Deus.

3.1.2 – As Quatro Primeiras Trombetas (v.7-13) A primeira trombeta (v.7) “O primeiro anjo tocou a trombeta, e houve saraiva e fogo de mistura com sangue, e foram atirados à terra. Foi, então, queimada a terça parte da terra, e das árvores, e também toda erva verde” (v.7). Pense numa terrível tempestade com granizo (saraiva) e relâmpagos (fogo) incandescentes. Imagine que essa tempestade tenha proporções gigantescas (um terço da terra, das árvores e de toda erva verde). Onde os granizos e relâmpagos caem, as vítimas aparecem despedaçadas e dessa forma o seu sangue se mistura aos elementos naturais. Apenas o toque da primeira trombeta causou toda essa destruição. Com toda probabilidade, esta primeira trombeta indica que, através do período que abrange a primeira e a segunda vindas de Cristo, Ele, que agora reina no céu, afligirá os perseguidores da Igreja com vários desastres na terra e afetarão o solo121. A segunda trombeta (v.8-9) “O segundo anjo tocou a trombeta, e uma como que grande montanha ardendo em chamas foi atirada ao mar, cuja terça parte se tornou em sangue, e morreu a terça parte da criação

120 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 145. 121 Ibid, p.145.

Page 93: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

87

que tinha vida, existente no mar, e foi destruída a terça parte das embarcações” (v.8-9). Enquanto os ímpios olham para o mar como sendo uma possível escapatória, eis que, uma terrível calamidade acontece: algo como se fosse uma montanha ardendo em chamas cai sobre o mar, provocando terrível mortandade, pois, um terço do mar se tornou em sangue e morreu um terço dos seres que habitam os mares, além da terça parte das embarcações, e, por conseguinte, seus tripulantes. João não viu uma montanha real, mas, sim, “uma como que grande montanha”, ou seja, algo parecido com uma montanha de fogo. A ideia que ele quer transmitir aqui é a de um terrível sofrimento causado por algo de dimensões gigantescas. Novamente, o efeito esperado aqui é o desespero do ímpios ante ao Juízo de Deus. A terceira trombeta (v.10-11) “O terceiro anjo tocou a trombeta, e caiu do céu sobre a terça parte dos rios, e sobre as fontes das águas uma grande estrela, ardendo como tocha. O nome da estrela é Absinto; e a terça parte das águas se tornou em absinto, e muitos dos homens morreram por causa dessas águas, porque se tornaram amargosas” (v.10-11). Outro juízo de Deus que vem do céu: uma grande estrela, ardendo como uma tocha. Esta estrela atinge as fontes de água potável do planeta. Torna as águas amargas e totalmente impróprias para o consumo, e, consequentemente, comprometem toda a vida animal e vegetal. O que o Senhor está mostrando com isso? Que será aplicada aos ímpios amargura e tristeza em grau muito pior do que eles causaram aos filhos de Deus, a Sua Igreja. Pelo fato dessa estrela (avste,roj) ter um nome próprio, “Absinto (:Ayinqoj), há quem afirme que esta estrela seja o diabo e que esta passagem refere-se à sua queda. Usam como texto de apoio Is 14.12. Contudo, isso não passa de um equívoco. Primeiramente, porque as trombetas são os juízos de Deus sobre a terra, e, ainda que Satanás seja usado por Deus em ocasiões de juízo, como por exemplo, Himeneu e Alexandre que foram entregues a Satanás por Paulo “para serem castigados e não mais blasfemarem” (1Tm 1.20), ou para corrigir algum servo Dele, tal como Paulo que via aquele sofrimento, o espinho na carne, ao qual ele considerava “mensageiro de Satanás” para esbofeteá-lo a fim de que ele não se ensoberbecesse (2Co 12.7), em nenhuma outra passagem da Escritura vemos que Satanás será usado por Deus no Dia do Juízo Final para punir os pecadores. Antes, ele há de sofrer também a ira do Senhor no Dia do Juízo. Além disso, Is 14.12 não narra a queda de Satanás, mas sim, a queda da Babilônia. O que João quer transmitir aqui é o que vem sendo dito desde o princípio: não haverá escapatória para os ímpios perseguidores da igreja de Cristo. A amargura decorrente dessa estrela chamada Absinto, nos mostra que os sofrimentos que os ímpios impuseram sobre os justos neste mundo, não podem ser comparados com os que eles haverão de sofrer no Dia do Juízo Final e por toda a eternidade. O absinto é uma planta que se desenvolve bem no clima de Israel. Seu aroma canforado era usado para impedir que as traças comessem as roupas. Essa erva com as suas raízes é muito amarga. No Antigo Testamento, ela aponta para atos sexuais ilícitos (Pv 5.4), para o castigo do pecado (Jr 9.15) e para a corrupção da justiça (Am 5.7). Significa que o pecado geralmente leva à amargura da alma. Mas aqui, o absinto, exemplificado na adversidade e na tristeza simboliza condenação e juízo contra o pecado122. A quarta trombeta (v.12-13) “O quarto anjo tocou a trombeta, e foi ferida a terça parte do sol, da lua e das estrelas, para que a terça parte deles escurecesse e, na sua terça parte, não brilhasse, tanto o dia como também a noite” (v.12). Como não bastasse toda a aflição na terra, no mar e nas fontes de água potável, agora até o espaço sideral é afetado. A luz do sol que é vital para os homens, sua terça parte lhe foi tirada.

122 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 355.

Page 94: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

88

Que visão pode trazer maior terror aos habitantes da Terra do que verem o sol, a lua e a estrelas caindo do firmamento e vindo em nossa direção? O que João descreve aqui é uma completa desordem no espaço a qual provoca pânico e terror aos ímpios. Mais, uma vez fica claro que não haverá um único lugar sequer no universo que os ímpios poderão se esconder da ira de Deus. De repente há uma interrupção no anúncio das trombetas. João olha para o céu: “Então, vi e ouvi uma águia que, voando pelo meio do céu, dizia em grande voz: Ai! Ai! Ai dos que moram na terra, por causa das restantes vozes da trombeta dos três anjos que ainda têm de tocar!” (v.13). Quanto a essa águia lembramos dois aspectos: (1) não devemos estranhar uma águia que fala, pois, estamos diante de um livro cheio de simbolismo, e por isso mesmo, (2) essa águia representa a mortandade que assola a terra, por tratar-se de uma ave de rapina. Esta águia profere um triplo “Ai”, uma interjeição de espanto. Cada um refere-se às três últimas trombetas (compare com Ap 9.12; 11.14 e 12.12). A mensagem que esta águia transmite aqui é clara: os três últimos ais referem-se às três últimas trombetas, as quais anunciam juízo ainda mais severo que as quatro primeiras trombetas.

Aplicações Deus virá ajustar contas com o mundo. No Dia da Volta de Cristo, o Juízo de Deus será derramado em Sua plenitude sobre os que passaram suas vidas zombando Dele. A Bíblia nos mostra que Deus é amor, mas, é também justiça e santidade, e, por isso mesmo virá reivindicar Sua glória. A única escapatória para os pecadores é correrem e se abrigarem em Cristo, mas, isso deve ser feito hoje; se deixarem para aquele dia será tarde demais. Não haverá lugar de abrigo e proteção contra a ira de Deus naquele dia. Outra verdade que ressaltamos aqui é que, a Igreja de Cristo não precisa se defender neste mundo; Cristo a vingará naquele dia. Antes, ela deve ter em mente que o chamado de Cristo para ela é para ser Sua testemunha (lit. mártir) neste mundo. É um chamado para o sofrimento antes da deleitosa glória.

Page 95: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

89

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 3. As Sete Trombetas – Ap 8 – 11 3.2. A Quinta e a Sexta Trombetas – Ap 9 3.2.1. A Quinta Trombeta – Ap 9.1-12 3.2.2. A Sexta Trombeta – Ap 9.13-21

Introdução Em Ap 8 vimos que o Sétimo Selo ao ser aberto por Cristo, trouxe consigo as quatro primeiras trombetas anunciando o Juízo de Deus sobre os ímpios. Agora, veremos mais duas trombetas: a quinta e a sexta.

3. As Sete Trombetas (Ap 8 – 11) 3.2. A Quinta e a Sexta Trombeta (Ap 9) Podemos explicar todo este capítulo resumindo-o numa única sentença123:

Aqui estão os demônios, furtando aos homens toda luz, isto é: furtando, aos homens toda a verdadeira retidão e santidade, toda alegria e paz, toda sabedoria e entendimento. E seu rei é “o anjo do abismo”, cujo nome, em duas línguas – hebraico e grego – é Destruidor. O quadro simbólico por inteiro enfatiza esta única ideia: terror e destruição, porque esta é a obra de Satanás!

Simon Kistemaker diz sobre estas duas trombetas que124:

...descrevem as forças demoníacas que são desencadeadas por Satanás, seu rei, para atormentar as pessoas. Essa é uma descrição do próprio inferno, no qual as pessoas buscam morrer, porém chegam à conclusão de que a morte está se esquivando delas. Seu sofrimento espiritual e mental é sem fim.

3.2.1 – A Quinta Trombeta (v.1-12) A estrada cadente e o abismo (v.1-2)

“O quinto anjo tocou a trombeta, e vi uma estrela caída do céu na terra. E foi -lhe dada a chave do poço do abismo” (v.1). Esta estrela é Satanás. Por que razão afirmamos que esta estrela (v.1) é o Diabo (simbolicamente, é claro!), sendo que quando estudamos a terceira trombeta, vimos que uma estrela que caiu do céu apesar de ter trazido terrível amargura sobre as fontes de água da terra (Ap 8.10) ela não se referia ao Diabo? Em Ap 9.1, essa estrela tem características de um ser racional, tais como vontade e intelecto, Ela recebe uma chave (símbolo de autoridade) com a qual abre o Abismo. Enquanto isso, a outra estrela de Ap 8.10 apenas traz estragos com o seu impacto sobre a terra, mostrando apenas características de um objeto inanimado. “E foi-lhe dada a chave...”, ou seja, Satanás não tem autoridade por si próprio nem mesmo do Abismo (inferno). A chave (autoridade) do inferno foi-lhe dada por Deus por um espaço de tempo

123 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.149. 124 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 362.

Estudo 18

Page 96: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

90

determinado. Não podemos nos esquecer que as “chaves do inferno” sempre estiveram nas mãos de Jesus (Ap 1.18). O Novo Testamento apresenta o Abismo não somente como o lugar onde Satanás e seus comparsas habitam (com exceção de Rm 10.6-7 que refere-se à habitação dos mortos), mas, especialmente como o lugar onde eles serão aprisionados e punidos eternamente (Ap 19.20; 20.10, 14 e 15). Os demônios a quem Jesus expulsou do gadareno, cujo nome era Legião, rogaram-Lhe que não os mandasse para o Abismo, porque este é sua prisão (Lc 8.31). “Ela abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço como fumaça de grande fornalha, e, com a fumaceira saída do poço, escureceu-se o sol e o ar” (v.2). O significado deste versículo é que Satanás incita o mal sobre a terra. A intensa fumaça que sai do poço tapando a luz do sol, significa a atuação maligna de Satanás tão intensa que traz escuridão moral e espiritual aos homens. Contudo, nada está fora dos propósitos de Deus. Ao permitir que Satanás saia e faça tal estrago, Deus está trazendo o Seu juízo sobre os pecadores. A Confissão de Westminster, no Cap. V “Da Providência”, §VI, diz:

Quanto àqueles homens malvados e ímpios que Deus, como justo juiz, cega e endurece (Rm 1.24,26,28; Rm 11.7,8; 2Te 2.11-12) em razão de pecados anteriores, Ele somente lhes recusa a graça pela qual poderiam ser iluminados em seus entendimentos e movidos em seus corações (Dt 29.4; Mc 4.11,12), mas às vezes tira os dons que já possuíam (Mt 13.12), e os expõe a objetos que por sua corrupção tornam ocasiões de pecado (2Rs 8.12,13); além disso os entrega às suas próprias paixões, às tentações do mundo e ao poder de Satanás (Sl 81.11,12; 2Ts 2.10-12); assim acontece que eles se endurecem sob as influências dos meios que Deus emprega para o abrandamento dos outros (Êx 8.15,32; 2Co 2.15,16; Is 8.14; Êx 7.3; 1Pe 2.7,8; Is 6.9,10; At 28.26,27).

Os demônios do abismo (v.3-6) “Também da fumaça saíram gafanhotos para a terra; e foi-lhes dado poder como o que têm os escorpiões da terra” (v.3). Ao abrir o Abismo, Satanás liberta seus comparsas, cuja ação (muito mais do que a aparência) lembra a ação devastadora de uma praga de gafanhotos, e cuja dor com que eles atormentam as pessoas, faz lembrar as dores das ferroadas de escorpiões. Esses gafanhotos oriundos dessa praga não atacam a vegetação como é da natureza desses insetos, mas, sim às pessoas “e foi-lhes dito que não causassem dano à erva da terra, nem a qualquer coisa verde, nem a árvore alguma e tão-somente aos homens que não têm o selo de Deus sobre a fronte. Foi-lhes também dado, não que os matassem, e sim que os atormentassem durante cinco meses. E o seu tormento era como tormento de escorpião quando fere alguém. Naqueles dias, os homens buscarão a morte e não a acharão; também terão ardente desejo de morrer, mas a morte fugirá deles” (v.4-6). Note que os efeitos da ação desses demônios atingem somente os homens ímpios, aqueles que “... não têm o selo de Deus sobre a fronte” (v.4). Esses demônios não têm forma de fumaça, gafanhotos e escorpiões, mais sim, são comparados em seu comportamento em relação a esses elementos: como fumaça eles sobem, como gafanhotos eles têm um comportamento destrutivo, e como escorpiões venenosos provocam intenso sofrimento aos homens. Eles receberam a dupla ordem: ✓ Não destruir nada da vegetação; ✓ Atormentarem terrivelmente “aos homens que não têm o selo de Deus sobre a fronte”, os não

eleitos e salvos. Eles deveriam causar esse dano e dor por tempo determinado, “durante cinco meses”. Os cinco meses de sofrimento determinados por Deus descritos aqui no v.5 e no v.10, devem ser entendidos como um espaço curto de tempo (se comparado à eternidade de sofrimento que aguarda Satanás e seus demônios juntamente com os ímpios), porém, um tempo determinado por Deus,

Page 97: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

91

completo e seu propósito. Curiosamente, o tempo de vida de um gafanhoto coincide com a extensão da estação de cultivo em Israel, de abril a setembro, precisamente, cinco meses125. Os terríveis serão os sofrimentos trazidos sobre estes “homens que não têm o selo de Deus sobre a fronte”, a ponto deles procurarem a morte, mas, ela fugirá deles. Essa cena já foi descrita em Ap 6.16, o que confirma o paralelismo progressivo desse livro. Eles não só buscarão a morte, mas, até mesmo a desejarão. O desejo mais forte do homem é o de vida; porém quando este deseja a morte, constata-se o mais profundo desespero que a alma humana pode experimentar. Cornélio Gálio disse: “Pior que qualquer ferida é desejar morrer, e, no entanto, ser incapaz de o fazer”126. A descrição desses demônios (v.7-12) “O aspecto dos gafanhotos era semelhante a cavalos preparados para a peleja; na sua cabeça havia como que coroas parecendo de ouro; e o seu rosto era como rosto de homem; tinham também cabelos, como cabelos de mulher; os seus dentes, como dentes de leão; tinham couraças, como couraças de ferro; o barulho que as suas asas faziam era como o barulho de carros de muitos cavalos, quando correm à peleja; tinham ainda cauda, como escorpiões, e ferrão; na cauda tinham poder para causar dano aos homens, por cinco meses; e tinham sobre eles, como seu rei, o anjo do abismo, cujo nome em hebraico é Abadom, e em grego, Apoliom. O primeiro ai passou. Eis que, depois destas coisas, vêm ainda dois ais” (v.7-12). João apresenta uma descrição vívida dos gafanhotos, a qual deve ser entendida em sua inteireza. Ele deixa claro que a palavra gafanhoto não deve ser tomada literalmente, e, sim, simbolicamente, pois estas criaturas127:

✓ Têm poder e a imponência de cavalos de guerra; ✓ Seus rostos são semelhantes aos de seres humanos, o que denota sua inteligência; ✓ Exibem charme com cabelos femininos, porém, ferocidade, com dentes de leão; ✓ Surgem armados com toda proteção, prontos para a batalha; ✓ Ferem como escorpiões quando ferroam com suas caudas.

Há um provérbio árabe que diz o seguinte sobre o gafanhoto: “Os gafanhotos têm a coxa de camelo, as pernas de avestruz, as asas de águia, o peito de leão e a cauda de víbora”128. Ao usar a figura de gafanhotos para descrever os demônios, João usou o que havia de mais horrível e assustador daquela época (e ainda hoje). Ele também toma emprestada a visão de Joel sobre um exército poderoso que por onde passa destrói tudo (Jl 2.2-11). Só que aqui em Ap 9, João usa a figura do gafanhoto para mostrar as investidas dos demônios contra os seres humanos. Esses demônios: ✓ Têm poder e força (a figura do cavalo preparado para a guerra). É tolice pensarmos que eles estão

desprovidos de poder. Contudo, o seu poder está totalmente limitado e controlado pelo poder supremo de Deus.

✓ São inteligentes (a figura dos rostos humanos). Estão o tempo todo sondando cada ser humano. Sabem como enredá-los com suas sutilezas. A figura dos cabelos de mulher e dos dentes de leão nos mostra justamente isso: de um lado eles se apresentam charmosos e belos, envolventes e cativantes, mas, quando o desavisado pecador se aproxima é então golpeado por eles tal como indefesas presas são destroçadas pelos dentes do leão. Assim Satanás mostra a sua face real.

✓ São bem preparados para a guerra, mesmo sabendo que já está decretada a sua derrota.

125 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.368. 126 Ibid, p.368. 127 Ibid, p.370. 128 Ibid, p.370.

Page 98: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

92

✓ Todo o seu mover e ação, bem como seus recursos, têm como propósito causar pavor aos corações por meio de exibição de poder.

✓ São bem organizados em sua estratégia, pois seguem um comando – isso reforça a nossa tese de que se trata aqui das forças demoníacas, as quais prestam total lealdade a Satanás, uma vez que os gafanhotos não possuem rei (Pv 30.27), este texto só pode estar se referindo a Satanás e seus comparsas.

Alguns comentaristas afirmam que ao usar o nome “Destruidor” que em hebraico é Abadom, e em grego (Apoliom), João estava dando uma “alfinetada” em Nero ou Domiciano, pois, estes se intitularam encarnações do deus grego Apolo, sendo assim, Apoliom é uma forma variante de Apolo. O que fica claro aqui no texto é que João quis mostrar a ação de Satanás sobre os ímpios e o sofrimento que ele lhes causa. João continua: “O primeiro ai passou. Eis que, depois destas coisas, vêm ainda dois ais”. As dores estão apenas começando. Há ainda outros dois “ais” (11.14; 12.12). A cada “ai” se intensificam as dores e os sofrimentos: no primeiro, as forças demoníacas sobre liberadas contra os ímpios; no segundo, quatro anjos são ordenados por Deus para promover intensa destruição à Criação com o propósito de levarem os homens ao arrependimento – ainda há esperança de salvação! O terceiro “ai” introduzirá o Juízo Divino em definitivo.

3.2.2 – A Sexta Trombeta (v.13-21) Os quatros anjos presos junto ao Eufrates (v.13-14) Ao som de cada trombeta intensifica-se ainda mais o sofrimento no mundo. “O sexto anjo tocou a trombeta, e ouvi uma voz procedente dos quatro ângulos do altar de ouro que se encontra na presença de Deus, dizendo ao sexto anjo, o mesmo que tem a trombeta: Solta os quatro anjos que se encontram atados junto ao grande rio Eufrates” (v.13-14). A voz vinda do “... altar de ouro que se encontra na presença de Deus...” é a voz do próprio Deus. É Deus quem governa o universo, e até a ação de Satanás se encontra totalmente dominada por Deus. Ele ordenou ao sexto anjo que soltasse os “... quatro anjos que se encontram atados junto ao grande rio Eufrates”, que com certeza quer dizer, a ação demoníaca que abrange toda a terra (o número 4 tem este significado), embora afetassem apenas uma terça parte dos homens. A menção ao rio Eufrates é por causa da Babilônia e Assíria, povos que no passado subjugaram o povo de Israel, e por isso tornaram-se símbolo de horror e aflição para o povo de Deus. Em outras palavras, Deus está aqui usando as forças do mal para punirem os inimigos do Seu povo e da Sua Igreja. É claro que ao fazer uso das forças do mal, Deus não se envolve com elas. Com isto vemos que Ele tem todo o poder sobre tudo e sobre todos, inclusive sobre Satanás e seus comparsas (veja citação da Confissão de Westminster, no Cap. V “Da Providência”, §VI, na p.90 dessa apostila). Soltos os quatro anjos (v.15-16) “Foram, então, soltos os quatro anjos que se achavam preparados para a hora, o dia, o mês e o ano, para que matassem a terça parte dos homens. O número dos exércitos da cavalaria era de vinte mil vezes dez milhares; eu ouvi o seu número” (v.15-16). Estes anjos estão ali agrilhoados e mantidos assim pelo próprio Deus (vide Jd 6), e estão destinados (“preparados”) para executarem o juízo de Deus sobre a humanidade, e após isso, eles próprios serem condenados também. João diz que “ouviu” o número das tropas desse exército totalizando 200.000.000. Obviamente, trata-se aqui de um número simbólico, o qual expressa uma terrível multidão de seres demoníacos atuando contra os ímpios. É um número esmagadoramente grande de tropas congregadas contra a humanidade. Contudo, isso nada é perante o poder do Senhor Jesus Cristo.

Page 99: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

93

João descreva a sua visão (v.17-19) “Assim, nesta visão, contemplei que os cavalos e os seus cavaleiros tinham couraças cor de fogo, de jacinto e de enxofre. A cabeça dos cavalos era como cabeça de leão, e de sua boca saía fogo, fumaça e enxofre. Por meio destes três flagelos, a saber, pelo fogo, pela fumaça e pelo enxofre que saíam da sua boca, foi morta a terça parte dos homens; pois a força dos cavalos estava na sua boca e na sua cauda, porquanto a sua cauda se parecia com serpentes, e tinha cabeça, e com ela causavam dano”. Como já vimos anteriormente a descrição dos “gafanhotos”, pouco é necessário acrescentar aqui, apenas vale dizer estes seres demoníacos se encontram fortemente armados e preparados para a missão que lhes é dada realizar. Observemos o seguinte diagrama desses versos: A (17b) de suas bocas B procediam C fogo e fumaça e enxofre. D (18a) desses três flagelos a terça da humanidade foi morta, C (18b) do fogo, da fumaça e do enxofre B que procediam A de suas bocas Todos esses três elementos: fogo, fumaça e enxofre são símbolos de destruição total. Os dois primeiros eram usados em guerras para destruir cidades não só pela devastação do fogo, mas, também pela intoxicação da fumaça por ele produzida. O enxofre sempre foi visto no Antigo Testamento como sinal da fúria e justiça de Deus sobre os ímpios. A destruição de Sodoma e Gomorra é um típico exemplo disso (Gn 19. 23-29). João descreve que estes seres têm a capacidade de matar os homens tanto com a sua parte dianteira, a boca, quanto com a sua parte traseira dos cavalos, a saber, suas caudas (compare com o v.10). Não exageremos no significado das figuras aqui descritas. O texto é de teor altamente simbólico e está nos mostrando o juízo de Deus sobre os ímpios que sempre trouxeram sofrimento à Igreja de Cristo. Corações empedernidos (v.20-21) “Os outros homens, aqueles que não foram mortos por esses flagelos, não se arrependeram das obras das suas mãos, deixando de adorar os demônios e os ídolos de ouro, de prata, de cobre, de pedra e de pau, que nem podem ver, nem ouvir, nem andar; nem ainda se arrependeram dos seus assassínios, nem das suas feitiçarias, nem da sua prostituição, nem dos seus furtos” (v.20-21). Durante todo o período que se estende desde a primeira até a segunda vinda de Cristo (“os últimos dias”), Ele está vez após vez castigando e punindo os perseguidores da Sua Igreja, quer de forma física, quer de espiritual. Contudo, o pior lhes está reservado no Dia da ira do Cordeiro. Ele vingará o sangue precioso de Seus mártires. Ele ouvirá o clamor de Seus santos e lhes enxugará toda lágrima. Entretanto, apesar de toda advertência, a humanidade em geral não se arrepende. Os néscios e rebeldes continuam violando e quebrando a Lei do Senhor, tanto as leis em relação ao Senhor (“... deixando de adorar os demônios e os ídolos de ouro, de prata, de cobre, de pedra e de pau, que nem podem ver, nem ouvir, nem andar...”), com as leis em relação aos homens (“... nem ainda se arrependeram dos seus assassínios, nem das suas feitiçarias, nem da sua prostituição, nem dos seus furtos”).

Page 100: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

94

Dessa forma a quinta e a sexta trombetas descrevem com ainda mais horror o que as primeiras quatro trombetas começaram a anunciar. Bem que a águia que João viu cruzar os céus dizendo: “Ai! Ai! Ai dos que moram na terra, por causa das restantes vozes da trombeta dos três anjos que ainda têm de tocar” (Ap 8.13) tinha razão! Enquanto as quatro primeiras trombetas trouxeram sofrimento à natureza (afetando indiretamente aos homens), a quinta e a sexta trombetas trouxeram flagelos aos homens com ainda mais fúria. Mas, ainda falta a sétima trombeta!

Aplicações A Confissão de Fé de Westminster, Cap. V, “Da Providência”, §VII, diz:

Como a providência de Deus se estende, em geral, a todas as criaturas, assim, pois, de um modo muitíssimo especial, essa mesma providência cuida de Sua Igreja e tudo dispõe a bem dela (Am 9.8,9; Mt 16.18; Rm 8.28; 1Tm 4.10; Ef 1.22) (Grifo é meu).

Apesar de todo armamento dos demônios e do seu numeroso exército, de toda a sua fúria contra os filhos de Deus, a Igreja de Cristo vive na promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). O tratar de Deus com a humanidade está totalmente atrelado ao Seu cuidado e propósito para com a Sua Igreja. Este mundo participa indiretamente das bênçãos de Deus porque à Igreja de Cristo essas bênçãos são destinadas. Quando, porém, a Igreja for retirada desse mundo, o mesmo sofrerá o Juízo Final.

Page 101: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

95

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 3. As Sete Trombetas – Ap 8 – 11 3.3. O Anjo Com o Pequeno Livro – Ap 10 3.3.1. Um Anjo Poderoso – Ap 10.1-4 3.3.2. A Mensagem Trazida Pelo Anjo – Ap 10.5-7 3.3.3. O Livro e o Seu Propósito – Ap 10.8-11

Introdução Uma das coisas que mais intrigam o coração humano é o futuro. Não saber o que se sucederá no dia de amanhã leva muitos à angústia, ao medo e ao desespero. Até mesmo os servos de Deus, que têm a bendita esperança da Vida Eterna, podem ser acometidos por esses sentimentos de medo por não saberem como as coisas acontecerão nos seus detalhes, ainda que saibam o desfecho de tudo porque Cristo nos revelou em Sua Palavra. Nessas horas precisamos lembrar que o chamado de Deus é para andarmos por fé; Ele não nos chama para dar todas as explicações, mas, para andarmos com Ele e confiantes Nele desfrutarmos da paz que a Sua presença nos dá. Não sabemos os detalhes do futuro, só sabemos que estaremos com Cristo porque hoje, Ele está conosco. Só isso nos importa.

3. As Sete Trombetas (Ap 8 – 11) 3.3. O Anjo Com o Pequeno Livro (Ap 10) Estamos diante de mais um “interlúdio” do Livro do Apocalipse. Como vimos no capítulo 7 o qual também é um “interlúdio” entre o sexto selo (Ap. 6) e o sétimo selo (Ap. 8) os quais tratam do castigo e condenação do mundo ímpio está Ap. 7 mostrando o gozo eterno desfrutado pelos eleitos de Deus. Da mesma forma Ap. 10 está entre a sexta trombeta (Ap. 9) e a sétima trombeta (Ap. 11). Isto reforça o nosso argumento de que Apocalipse é composto de um paralelismo progressivo (sequências que se repetem em todo o livro, cada qual abordando o mesmo assunto só que de num aspecto diferente. Veja página o Estudo 04 dessa série). Neste capítulo João tem a visão de um anjo forte descrito de forma majestosa o qual traz consigo um livrinho (pequeno rolo) em suas mãos. O que uto isso significa? Vejamos o texto.

3.3.1 – Um Anjo Poderoso (10.1-4) “Vi outro anjo forte descendo do céu, envolto em nuvem, com o arco-íris por cima de sua cabeça; o rosto era como o sol, e as pernas, como colunas de fogo” (v.1). Ao que tudo indica, ao ter esta visão, João não estava mais no céu, mas, de volta à terra, pois, ele diz: “...Vi outro anjo forte descendo do céu...”. Em Ap 5.1 e 2, enquanto estava no céu João viu Deus segurando em Sua mão direita um livro (rolo), enquanto um anjo poderoso perguntava sobre quem seria digno de abrir o livro e desatar-lhe os selos. Aqui em Ap 10.1, João vê “outro anjo forte”. Há alguma diferença entre estes dois anjos? Com certeza sim. Mesmo com essas diferenças entre esses dois anjos, e este anjo de Ap 10 tenha algumas características singulares parecidas com as de Cristo, temos dificuldade em afirmar que este anjo seja o próprio Senhor Jesus. Apresentamos os seguintes argumentos: ✓ Embora não conste no texto que João tenha tentado adorar este anjo em momento algum este anjo

é reverenciado e adorado por João. Em Ap 19.9 João foi repreendido pelo anjo ao qual quis adorar;

Estudo 19

Page 102: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

96

✓ Embora algumas passagens do Antigo Testamento ao usar a expressão “Anjo do Senhor” (observe a letra maiúscula) seja uma referência à pessoa de Cristo (uma teofania), o Novo Testamento em momento algum (especialmente o Apocalipse) designa o Senhor Jesus Cristo como “anjo”;

✓ Este anjo jura por Aquele que vive pelos séculos dos séculos (v.6), algo que parece ser mais adequado a um anjo do que a Cristo.

A descrição desse anjo está intimamente ligada à glória de Deus, o que dá à sua mensagem um caráter totalmente Divino: ✓ “... envolto em nuvem...” aponta para o Juízo de Deus; ✓ “... com o arco-íris por cima de sua cabeça...” o brilho do seu rosto produz um arco-íris o qual é

símbolo da Aliança de Deus com Seu povo; ✓ “... o rosto era como o sol e as pernas, como colunas de fogo...” isto indica a santidade e a pureza

de Deus refletidas nessa Sua criatura. “e tinha na mão um livrinho aberto. Pôs o pé direito sobre o mar e o esquerdo, sobre a terra, (v.2). O que é este “livrinho” (observe o diminutivo que no grego é biblari,dion) que João vê? Com certeza não se trata do mesmo livro (rolo) que ele viu em Ap 5.1, pois, ali, aquele rolo com os sete selos simbolizava o plano de Deus no desenrolar da História; mas, aqui, em Ap 10.2, trata-se de uma tira de papiro, um rolo bem menor, cuja mensagem é uma porção do Evangelho relatando o testemunho de Jesus129 (o número 2 em Apocalipse significa “testemunho confirmado”). Esse anjo era um gigante, imenso, pois, “Pôs o pé direito sobre o mar e o esquerdo, sobre a terra”. Não é o tamanho do anjo que deve chamar a nossa atenção, e, sim, o livrinho que ele trazia em suas mãos, ou seja, uma mensagem evangélica do juízo de Deus, a qual deve ser anunciada à toda parte – esse é o significado de ter um pé sobre o mar e outro sobre a terra (ver essa mesma fórmula no v.8). A referência ao pé esquerdo e pé direito não tem um significado especial, tal como esquerdo algo sinistro e direito algo venturoso. “e bradou em grande voz, como ruge um leão, e, quando bradou, desferiram os sete trovões as suas próprias vozes” (v.3). O fato desse anjo (ao que parece um gigante) pisar a terra e o mar ao mesmo tempo e bradar como um leão, nos remete à verdade de que a sua mensagem do juízo de Deus diz respeito ao universo inteiro e deve ser ouvida por todos. Em resposta a seu brado, os sete trovões (lembre-se do Sl 29), levantam suas vozes em sete mensagens distintas. Os sete trovões significam o juízo de Deus sendo anunciado. Quase sem exceção em toda a Escritura o travão aparece acompanhando a manifestação do juízo e da presença de Deus, em especial no Apocalipse onde este simbolismo é exclusivo. João diz que “Logo que falaram os sete trovões, eu ia escrever, mas ouvi uma voz do céu, dizendo: Guarda em segredo as coisas que os sete trovões falaram e não as escrevas” (v.4). A voz que João ouviu ordenando-lhe a não escrever, certamente, era a voz de Jesus, uma vez que Ele sempre está falando a João no Apocalipse. No começo do Apocalipse João recebe a ordem de Jesus para escrever as coisas que ele estava vendo, e, aqui, a ordem é justamente contrária, ele não deveria escrever aquilo que ele estava ouvindo. O verbo sfra,gison130, significa “selar para manter em secreto”. Em Dt 29.29 está escrito que existem coisas que Deus nos revelou e que devem ser transmitidas de geração em geração para a glória Dele, mas, existem outras que permanecerão ocultas a nós, e igualmente são para a glória de Deus. Jamais estaremos prontos para conhecer e descrever todos os fatores e agências que determinam o futuro131, e “não nós é permitido especular e pressupor qual poderia ser a mensagem desses sete trovões, e isto permanecerá um mistério que devemos deixar sem explicação”, afirma Kistemaker132.

129 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.395. 130 Aoristo de imperativo ativo da 2ª pessoa do singular de sfragi,zw, selar. 131 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.152. 132 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.397.

Page 103: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

97

3.3.2 – A Mensagem Trazida pelo Anjo (10.5-7) “Então, o anjo que vi em pé sobre o mar e sobre a terra”. João desfaz qualquer dúvida sobre a identidade desse anjo: ele não é o Senhor Jesus. Mesmo assim, é dada a esse anjo grande autoridade. Este anjo fazendo um juramento solene, pois, “levantou a mão direita para o céu e jurou por aquele que vive pelos séculos dos séculos, o mesmo que criou o céu, a terra, o mar e tudo quanto neles existe” (v.5-6), o que dá às suas palavras um peso ainda maior confirmando a concretização delas por meio do poder de Deus, o Criador, Mantenedor e Juiz de Sua criação. “Já não haverá demora, mas, nos dias da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, cumprir-se-á, então, o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas” (v.6 e 7). Além de não haver demora em se cumprir a mensagem (não haverá atraso, será na hora marcada por Deus), pois, o sétimo anjo estava para tocar sua trombeta (anunciar o juízo de Deus), o anjo afirma que: “... cumprir-se-á, então, o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas”. Que mistério será este? Certamente, trata-se dos acontecimentos futuros os quais o anjo proibiu João escrevê-los, que sucederão o toque da sétima trombeta. O mistério é de Deus, portanto, só Ele tem a autoridade para revelá-lo. Como vimos no v.4, este livrinho é diferente do livro (rolo) da capítulo 5. Sem dúvida alguma este livrinho (pequeno rolo) que João viu na mão do anjo, traz como mensagem o Evangelho de Cristo. Veremos mais detalhes nos últimos versos. Quem são os profetas a quem João se refere aqui? Com certeza são todos os profetas do Antigo Testamento e os do Novo dos quais João é o último, de acordo com o registro da Escritura. O profeta é aquele que anuncia coisas futuras que hão de acontecer, a saber, a Palavra Revelada de Deus.

3.3.3 – O Livro e o Seu Propósito (10.8-11) “A voz que ouvi, vinda do céu, estava de novo falando comigo e dizendo: Vai e toma o livro que se acha aberto na mão do anjo em pé sobre o mar e sobre a terra” (v.8). Novamente, João ouve a voz de Cristo (a primeira vez foi no v.4), e recebe a ordem de ir até o anjo e pegar de suas mãos o livrinho que se acha aberto. Mais uma vez João descreve o anjo como “... em pé sobre o mar e sobre a terra”, isso tudo significa que a mensagem do Evangelho foi dada aos homens (livro aberto) e deve ser anunciada em todos os lugares (terra e mar). “Fui, pois, ao anjo, dizendo-lhe que me desse o livrinho. Ele, então, me falou: Toma-o e devora-o; certamente, ele será amargo ao teu estômago, mas, na tua boca, doce como mel. Tomei o livrinho da mão do anjo e o devorei, e, na minha boca, era doce como mel; quando, porém, o comi, o meu estômago ficou amargo” (v.9-10). A obediência de João ao que Cristo lhe ordenou, foi imediata, inteira e interna, pois, ele foi até o anjo, tomou o livro de suas mãos e devorou o livro, tal como Cristo lhe ordenara. Nestes versículos encontramos a base mais forte para o nosso argumento de que este livrinho se refere ao Evangelho de Cristo. Ao provar a mensagem maravilhosa do Evangelho o homem é transformado pelo poder de Deus (Rm 1.17 e 18). Mas, conforme ele continua firme neste Evangelho, as amarguras e as dificuldades provenientes das perseguições se fazem sentir. Isto está claro na vida do próprio João. Não estava ele neste momento exilado na ilha de Patmos por causa do Evangelho do Senhor (Ap 1.9)? A mensagem do Apocalipse não é uma mensagem de conforto para os crentes que estão sofrendo a perseguição de Roma? Isto está em concordância com outros textos das Escrituras tais como 2Tm 3.12. O amargor das perseguições e lutas em momento algum são mais fortes que a doçura do Evangelho. Mas, para que isso seja de fato assim é necessário “comê-lo”, claro que não de forma literal. O que João está frisando aqui é que o crente deve ter no seu interior, no coração o Evangelho de Cristo. Tal como um alimento só poderá promover os benefícios esperados se for ingerido, da mesma forma o

Page 104: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

98

efeito transformador do Evangelho só poderá acontecer quando o mesmo alcançar o coração do homem. Se o mesmo for apenas algo externo (uma filosofia) perde totalmente a sua essência. “Então, me disseram: É necessário que ainda profetizes a respeito de muitos povos, nações, línguas e reis” (v.11). O amargor das perseguições haveria de acompanhar João, porém, nem mesmo assim, ele deveria deixar de profetizar (proclamar) “... a respeito de muitos povos, nações, línguas e reis”. A preposição “a respeito de” vem do grego evpi. que também pode ser traduzido por: “contra” (Bíblia de Jerusalém); “para” (Corrigida Fiel e Revista e Corrigida); “acerca de” (Nova Versão Internacional). Apesar da maioria das traduções preferirem “acerca de” ou “a” como tradução, a preposição “contra” é a melhor opção de tradução, pois, é endossada por Jr 25.30. O fato de João categorizar a humanidade em quatro grupos: “... povos, nações, línguas e reis”, tem a ver com o simbolismo do número 4, ou seja, todo o mundo. A mensagem do Evangelho deve ser entregue a todos, independente da sua etnia, língua e comando.

Aplicações Podemos resumir este capítulo em uma sentença: o Evangelho é a mensagem Divina que nos foi revelada sobrenaturalmente e de forma toda especial na pessoa de Jesus. Proclamar esta bendita mensagem é a nossa tarefa, ainda que soframos retaliações dos nossos inimigos. Outra aplicação desse texto é que não devemos conjecturar sobre quando será a consumação dos séculos, a volta de Cristo, pois, tal está reservado para a glória de Deus (At 1.7). O que compete a nós é ficarmos sempre de prontidão, confiantes na graça de Cristo e vivendo em santidade na presença do Senhor, pois, a qualquer momento poderemos ouvir o clangor da trombeta avisando que Cristo voltou.

Page 105: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

99

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO FÍSICO – Ap 1 – 11 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 1 – 11 3. As Sete Trombetas – Ap 8 – 11 3.4. O Templo, as Duas Testemunhas e a Sétima Trombeta – Ap 11

3.4.1. O Templo – Ap 11.1-2 3.4.2. As Duas Testemunhas – Ap 10.3-14 3.4.3. A Sétima Trombeta – Ap 11.15-19

Introdução Chegamos ao final da primeira metade do livro do Apocalipse, a qual relata todo o desenrolar do telos de Deus na História, abordando o assunto ponto de vista físico, isto é visível. Tudo o que João registrou nestes primeiros 11 capítulos, revela as ações de Deus sendo vistas pelos homens como resultado de Sua santa vontade. Tudo o que é determinado no plano espiritual afeta diretamente o plano físico. Resta ainda vermos a sétima trombeta.

3. As Sete Trombetas (Ap 8 – 11) 3.4. O Templo, as Duas Testemunhas e a Sétima Trombeta (Ap 11) Neste capítulo vemos mais uma vez a realidade que envolve a igreja de Cristo: ela está sempre lutando por separar o santo do profano (v.1 e 2); em sua missão de pregar o Evangelho encontra terrível perseguição e quando parece estar totalmente derrotada (morta), o Senhor por meio do Seu Espírito a vivifica e no Dia do Juízo Final, todos os seus inimigos verão que ela é vitoriosa (v. 3 – 14). A glória que a Igreja de Cristo receberá está totalmente e ligada à Glória de Deus e do Seu Filho, os quais darão o galardão aos Seus servos fiéis e a condenação ao mundo ímpio. Temos aqui o resumo deste capítulo e o seu significado.

3.4.1 – O Templo (11.1-2) “Foi-me dado um caniço semelhante a uma vara, e também me foi dito: Dispõe-te e mede o santuário de Deus, o seu altar e os que naquele adoram; mas deixa de parte o átrio exterior do santuário e não o meças, porque foi ele dado aos gentios; estes, por quarenta e dois meses, calcarão aos pés a cidade santa” (v.1-2). Temos nestes versos uma referência a duas visões do Velho Testamento (Ez 40-43; Zc. 2.1,2). O ato de medir “... o santuário de Deus, o seu altar e os que naquele adoram...” significa: separar o que é santo do profano. É uma ação que a Igreja de Cristo deve fazer constantemente a fim de não permitir que impurezas e de toda sorte de coisas profanas adentrem pelas suas portas. Esta é uma luta constante que a Igreja sempre teve e sempre terá. Mas, como chegamos a esta conclusão? O templo de Salomão tinha dois átrios: um interno para os sacerdotes e o outro externo para o povo. Quando Herodes, o Grande, construiu o templo, o átrio externo foi dividido em três partes: o átrio das mulheres, o dos israelitas e o dos sacerdotes. Além do átrio em três partes havia o átrio dos gentios. Do lado de fora estavam os gentios com as suas práticas abomináveis. Daí a necessidade de haver esta separação. Mas, em Cristo, os gentios também passaram a ser aceitos na Presença de Deus e agora o Seu povo não é composto apenas de uma só etnia, mas, de pessoas de todas as etnias. Contudo, o significado aqui não aponta para uma separação racial, mas, sim, espiritual – o que é santo deve ser separado do profano. O ato de medir aqui é uma variante do

Estudo 20

Page 106: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

100

ato de selar em Ap 7.1-8133. Deus faz separação entre os que O adoram em Espírito e em Verdade e os que o fazem apenas com os lábios que estão no mesmo grupo daqueles que que não o adoram. No Apocalipse a expressão “Templo do Senhor” ou “santuário do Senhor” (como em todo o Novo Testamento) usada simbolicamente, refere-se à Igreja de Cristo. Enquanto, que a palavra “gentios” também usada simbolicamente, quer dizer o mundo sem Deus entregue às suas profanações. Há outro símbolo importante neste trecho, a expressão “cidade santa”. Sabemos que Jerusalém era considerada (e ainda até nos nossos dias) a “cidade santa”. De fato, Jerusalém sempre foi tida pelo povo de Deus como santa, uma vez que ela era a capital dos judeus e nela o culto ao Senhor tinha o seu centro. Contudo, ela perseguiu os profetas do Senhor (Mt 23.37), ela foi o palco da morte de Jesus, o que foi maior demonstração de corrupção do caráter dos religiosos e de injustiça. Jerusalém deixou de ser a “cidade santa” desde quando Deus a deixou para habitar no coração dos Seus santos, os quais agora são a “Jerusalém Celestial”134. Será permitido aos ímpios maltratar a Igreja de Cristo (“... calcarão aos pés a cidade santa”), mas, isto, por tempo limitado “... por quarenta e dois meses...”. Quanto a este espaço de tempo, note que é exatamente igual a “mil duzentos e sessenta dias” (v.3) “um tempo, tempos e metade de um tempo” (12.14), ou seja, três anos e meio. Alguém pode objetar dizendo que em Ap 11.9 o tempo ali é “três dias e meio”, destoando assim das outras passagens. Ora, o que se deve observar aqui é três unidas mais meia unidade, pois, é simbolicamente que devemos entendê-lo. Mas, qual é o seu simbolismo? O tempo da tribulação da Igreja de Cristo é limitado, ou seja, vai desde a primeira até a segunda vida de Cristo. A interpretação dada aos versos 1 e 2 deste capítulo, fará mais sentido agora. Vejamos.

3.4.2 – As Duas Testemunhas (11.3-14) Primeiramente, vejamos quem são essas duas testemunhas. Muitos nomes são ligados a essas “duas testemunhas”, e a variação de um comentarista para outro traz mais confusão do que esclarecimento. Ficamos com a posição apoiada por Willian Hendriksen e Simon Kistemaker. Ambos concordam que estas duas testemunhas simbolizam a Igreja de Cristo. Vejamos os argumentos que eles usam135:

✓ As testemunhas devem dirigir-se a todos os habitantes do mundo: povos, tribos, línguas e nações (v.9), o que é impossível ser feito por apenas duas pessoas, se entender essas duas testemunhas assim;

✓ A dupla de testemunhas é reminiscência do ato de Jesus enviar seus discípulos de dois em dois (Mc 6.7; Lc 10.1). Também os apóstolos iam de dois em dois (At 3.1; 8.14);

✓ Um veredicto em Israel era validado pelo testemunho de duas ou três testemunhas (Dt 17.6; 19.15); e a Igreja exerce a disciplina de seus membros sobre a mesma base (Mt 18.16). Aliás, o testemunho de um homem pode ser desrespeitado, mas sobre o testemunho de dois homens a verdade é validada (Jo 8.17).

✓ Recorrendo à profecia do Antigo Testamento (Zc 4. 2,3) na qual o profeta Zacarias menciona duas oliveiras e um candelabro de ouro às quais ele identifica como duas testemunhas; o azeite de oliva, posto no candelabro, tem a função de iluminar. Simbolicamente, a Igreja é um candelabro (Ap 1.20; 11.4).

Esta interpretação encontra seu principal apoio aqui em Ap 11. Leia novamente esta passagem tendo em mente a Igreja de Cristo que em todo tempo tem sofrido ataques dos ímpios. O texto diz que a Igreja;

133 Cf. KISTEMAKER, 2004. p. 415. 134 Ibid, p.417. 135 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.420 e HENDRIKSEN, 1987, p. 158.

Page 107: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

101

✓ Deve profetizar (proclamar a Palavra de Deus) v.3; ✓ Deve estar cheia do Espírito Santo e produzindo sua luz para a glória de Deus (v.4); ✓ Tem toda autoridade da parte de Deus para julgar o mundo ímpio. Estando sob a autoridade

de Deus ela tem a Sua autoridade – ela é a porta-voz de Deus – (v.5 e 6); ✓ No fim, quando ela tiver cumprida a sua missão, será ferida mortalmente pela “... besta que

surge do abismo...”, ou seja, o mundo anticristão e ímpio (aqui designado como Sodoma e Egito, respectivamente, indicando a imoralidade e a opressão contra o povo de Deus), dará com embatida contra a Igreja; causar-lhe-á muito dano, tormento e tristeza. Enquanto isso, o mundo ímpio estará cantando sua vitória, zombando do “cadáver” (v.7-10).

✓ Mas quando tudo parece estar no controle dos ímpios, eis que o Senhor vem vingar o sangue dos Seus santos. Primeiramente, trará à vida a Sua Igreja promovendo terrível medo aos ímpios (v.11), afinal, a Igreja que estava morta, nada podia fazer para mudar a sua condição, e, contudo, agora, ela aparece viva. Mas como? Somente pelo poder de alguém que é mais forte que a morte, o Senhor Jesus (Ap 1.18). À vista dos seus inimigos, a Igreja que antes era militante (estava lutando), agora, é triunfante (vitoriosa) por meio Daquele que a chama para subir aos céus (v.12), subirá gloriosa (a ideia de um arrebatamento secreto cai por terra mais uma vez – veja também comentário de Ap 1.7, p.22). Diante de algo tão esplêndido muitos haverão de glorificar a Deus, mas isto não indica uma conversão, e, sim, uma constatação do poder de Deus. Eles admitirão que Deus é digno de toda a glória, mas, isso não será contrição e arrependimento; será pavor e desespero tentando alcançar alguma misericórdia da parte de Deus. Mesmo que queiram não haverá mais chance, pois, a Igreja já foi recolhida ao céu – o tempo findou.

Podemos ver claramente três verdades são a Igreja aqui: O poder da Igreja (v.3-6) “Darei às minhas duas testemunhas que profetizem por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco. São estas as duas oliveiras e os dois candeeiros que se acham em pé diante do Senhor da terra. Se alguém pretende causar-lhes dano, sai fogo da sua boca e devora os inimigos; sim, se alguém pretender causar-lhes dano, certamente, deve morrer. Elas têm autoridade para fechar o céu, para que não chova durante os dias em que profetizarem. Têm autoridade também sobre as águas, para convertê-las em sangue, bem como para ferir a terra com toda sorte de flagelos, tantas vezes quantas quiserem” (v.3-6). Cristo dá à Sua Igreja o poder (autoridade) para: ✓ Profetizar por um tempo determinado. Sua profecia, ou seja, mensagem é de condenação ao pecado

e chamada ao arrependimento, como indica figura do “pano de saco” (v.3); ✓ Espargirem a luz de Cristo revelada no Evangelho, afinal são “dois candeeiros que se acham em pé

diante do Senhor da terra”(v.4). Para realizar essa tarefa, a Igreja conta com a proteção de Cristo, pois, se alguém intentar o mal contra a Igreja, o próprio Senhor Jesus a vingará com o “fogo da sua boca”, devorando os inimigos (v.5).

✓ Fechar o céu, converter a água em sangue, e trazer flagelos sobre a terra (v.6). Obviamente, quem tem o poder para controlar e executar todos esses juízos, é Deus. A Igreja, tal como Elias ou Moisés (a alusão a eles aqui é clara) não tem poder intrínseco, próprio. O poder está em Deus, Ele é quem faz o céu fechar e não chover, a água transformar-se em sangue e os flagelos sobre a terra virem quantas vezes Ele quiser e a Igreja os anunciar.

O sofrimento mortal das duas testemunhas (v.7-10) “Quando tiverem, então, concluído o testemunho que devem dar, a besta que surge do abismo pelejará contra elas, e as vencerá, e matará, e o seu cadáver ficará estirado na praça da grande

Page 108: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

102

cidade que, espiritualmente, se chama Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado. Então, muitos dentre os povos, tribos, línguas e nações contemplam os cadáveres das duas testemunhas, por três dias e meio, e não permitem que esses cadáveres sejam sepultados. Os que habitam sobre a terra se alegram por causa deles, realizarão festas e enviarão presentes uns aos outros, porquanto esses dois profetas atormentaram os que moram sobre a terra” (v.7-10). O sofrimento que “a besta que surge do abismo” (o próprio Satanás, imitando a infinitude do Ser de Deus136) trará à Igreja consiste em: ✓ Ataque mortal: “as vencerá, e matará” (v.7); ✓ Desonra à memória da Igreja e de Cristo perante o mundo escarnecedor e ímpio; “o seu cadáver

ficará estirado na praça da grande cidade que espiritualmente, se chama Sodoma e Egito” (v.8)137, o qual não permitirá o sepultamento dos cadáveres das duas testemunhas para intensificar ainda mais a desonra;

✓ Indiferença, insensibilidade e desprezo para com o sofrimento da Igreja (v.9). Os ímpios seguirão fazendo festa se regozijando por ver o sofrimento que causaram à Igreja. O que destaca ainda mais a impiedade deles porque de sua ótica, essas duas testemunhas (que aqui são designados por “dois profetas”, isto é, proclamadores da Palavra de Deus), “atormentaram os que moram sobre a terra” (v.10). A Igreja nunca pode perder de vista que ela foi chamada para “atormentar” o mundo, e isso com o Evangelho. Se o mundo está confortável com a presença da Igreja, significa que esta não está cumprindo o seu papel.

Por fim, vemos: O consolo das duas testemunhas (v.11-14) “Mas, depois dos três dias e meio, um espírito de vida, vindo da parte de Deus, neles penetrou, e eles se ergueram sobre os pés, e àqueles que os viram sobreveio grande medo; e as duas testemunhas ouviram grande voz vinda do céu, dizendo-lhes: Subi para aqui. E subiram ao céu numa nuvem, e os seus inimigos as contemplaram. Naquela hora, houve grande terremoto, e ruiu a décima parte da cidade, e morreram, nesse terremoto, sete mil pessoas, ao passo que as outras ficaram sobremodo aterrorizadas e deram glória ao Deus do céu. Passou o segundo ai. Eis que, sem demora, vem o terceiro ai” (v.11-14). Em que consiste o consolo da Igreja, além da vingança impetrada pelo próprio Cristo apresentada no v.5: ✓ O tempo do sofrimento é limitado: “Mas, depois dos três dias e meio...” (v.11); ✓ Vivificação divina: “um espírito de vida, vindo da parte de Deus, neles penetrou, e eles se

ergueram sobre os pés” (v.11); ✓ O terror que os inimigos sentirão em face à ressurreição da Igreja: “e àqueles que os viram sobreveio

grande medo” (v.11); ✓ Entrada na Glória de Deus: “e as duas testemunhas ouviram grande voz vinda do céu, dizendo-

lhes: Subi para aqui. E subiram ao céu numa nuvem, e os seus inimigos as contemplaram” (v.12); ✓ Intensificação do terror diante do Juízo de Deus: “Naquela hora, houve grande terremoto, e ruiu

a décima parte da cidade, e morreram, nesse terremoto, sete mil pessoas, ao passo que as outras ficaram sobremodo aterrorizadas e deram glória ao Deus do céu” (v.13). A ideia aqui é mostrar que aquele dia será de intenso terror como jamais experimentado. Não importa onde os ímpios estiverem, eles serão tomados por intenso terror. Concordamos com aqueles que entendem que este ato de darem glória a Deus, não será um ato de arrependimento genuíno e de conversão que resultam em salvação, mas, sim, que tal ato não passa de constatação do iminente Juízo que lhes

136 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.424. 137 Observe que o próprio livro fala do uso de simbolismos quando diz “espiritualmente”.

Page 109: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

103

sobrevirá trazendo intenso pavor, que levará esses ímpios á uma tentativa desesperada de alcançarem a graça de Deus a qual eles desprezaram a vida toda quando a Igreja lhes anunciou o Evangelho.

“Passou o segundo ai. Eis que, sem demora, vem o terceiro ai” (v.14). Aqui também encerra-se o interlúdio que começou em Ap 10.1. Desta forma João abre a contagem regressiva nos lembrando que resta ainda mais um “ai” (sofrimento). Passamos agora a descrever a sétima trombeta.

3.4.3 – A Sétima Trombeta (11.15-19) A sétima trombeta, tocada pelo sétimo anjo, descreve a vitória final de Cristo sobre todos os Seus inimigos. Sua vitória será celebrada por todas as hostes celestiais e de redimidos por meio de eterna celebração que consistirá: Num louvor perfeito (v.15-18) “O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos. E os vinte e quatro anciãos que se encontram sentados no seu trono, diante de Deus, prostraram-se sobre o seu rosto e adoraram a Deus, dizendo: Graças te damos, Senhor Deus, Todo-Poderoso, que és e que eras, porque assumiste o teu grande poder e passaste a reinar. Na verdade, as nações se enfureceram; chegou, porém, a tua ira, e o tempo determinado para serem julgados os mortos, para se dar o galardão aos teus servos, os profetas, aos santos e aos que temem o teu nome, tanto aos pequenos como aos grandes, e para destruíres os que destroem a terra” (v.15-18). Esse louvor perfeito é descrito como: ✓ Algo grandioso: “e houve no céu grandes vozes” (v.15); ✓ Reconhecimento do eterno Senhorio Divino: “O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e

do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos” (v.15); na tentação que o Senhor Jesus sofreu no deserto (Mt 4), Satanás prometeu-Lhe os reinos do mundo. Obviamente, ele nunca foi dono de nada, embora sempre alegue isso usurpadoramente. No Dia do Juízo, todos verão quem de fato são os donos do reino do mundo: Deus e o Seu Filho Jesus Cristo. O que esta frase nos mostra é que Deus em Cristo resgatou o que Lhe pertencia por direito. O mundo e tudo o que nele existe é obra das mãos de Deus e por isso, Ele é o Seu dono de fato e de direito. Com a intromissão do pecado na humanidade, o homem foi afastado de Deus, e não só isso, ele também fez com que o mundo ficasse sob a influência do maligno (1Jo. 5.19). Cristo na cruz venceu, o pecado e o maligno, e na Sua ressurreição Ele venceu a morte. Com a Sua obra Ele resgatou os pecadores eleitos, e o resgate destes implica na Sua autoridade sobre o reino do mundo.

✓ Rendição humilde: “E os vinte e quatro anciãos que se encontram sentados no seu trono, diante de Deus, prostraram-se sobre o seu rosto e adoraram a Deus” (v.16);

✓ Gratidão solene: “Graças te damos, Senhor Deus, Todo-Poderoso, que és e que eras, porque assumiste o teu grande poder e passaste a reinar” (v.17); quando dizem que Deus assumiu o Seu grande poder, não estão afirmando com isso que Deus por algum tempo deixou de governar o mundo, mas, sim, que permitiu que forças malignas aqui atuassem, especialmente contra a Sua Igreja, porém, no Dia do Seu Juízo, Ele exercerá todo o Seu poder contra os ímpios. Temos mais uma vez a descrição do ato de adoração rendida a Deus pelos vinte e quatro anciãos (todos os crentes de todas as eras). Notemos que em suas palavras de louvor eles dizem: “... que és e que eras...” (v.16), em vez de “... Aquele que é, que era e que há de vir...” (Ap. 1.8), simplesmente pelo fato de que Ele já veio e instaurou o Seu Reino eterno.

✓ Proclamação da Justiça Divina: “Na verdade, as nações se enfureceram; chegou, porém, a tua ira, e o tempo determinado para serem julgados os mortos, para se dar o galardão aos teus servos, os profetas, aos santos e aos que temem o teu nome, tanto aos pequenos como aos grandes, e para destruíres os que destroem a terra” (v.18). A Igreja se regozija pela demonstração do Poder

Page 110: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

104

Soberano de Deus executando o Seu Juízo Santo. Aos ímpios foi dada a condenação; aos santos é dado o galardão (v.18). Com respeito aos galardões que o Senhor dará aos Seus santos, são expressão da livre Graça de Deus, visto que eles “são dados” aos santos, não como “recompensa extra” além da salvação, mas, como sendo a própria salvação.

Na Aliança Perpétua (v.19) “Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da Aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões, terremoto e grande saraivada” (v.19). Temos a descrição do Céu. A Arca da Aliança e o Santuário são símbolos da Presença gloriosa de Deus. Os santos estarão eternamente na Presença de Deus rendendo-Lhe o louvor e a adoração. A Aliança que Deus estabeleceu com o Seu povo é uma só e é eterna. Encerramos aqui a primeira grande seção do Apocalipse. Na próxima grande (Ap. 12-22) veremos o mesmo assunto, a vitória de Cristo e a vitória da Sua Igreja, sendo abordado sob outros aspectos.

Aplicação Das muitas verdades que apresentamos neste capítulo, destacamos aqui a seguinte: O chamado de Cristo à Sua Igreja é para que esta testemunhe Dele neste mundo. Isso implica em proclamar a mensagem do Evangelho. Esta mensagem não pode ser diluída, modificada a fim de tornar-se atrativa a todos. O verdadeiro Evangelho atrairá somente os eleitos de Deus, e são estes a Sua Igreja, o Seu povo. As duas testemunhas aqui de Ap 11 “atormentavam” o mundo ímpio com a mensagem do Evangelho, a ponto de serem atacadas e até assassinadas por ele. Isso nos lembra Ap 2.10: “Sê fiel até a morte”. Deste mundo a Igreja não deve esperar aplausos e prêmios. Antes, se ela for fiel no seu chamado, certamente não será uma Igreja cativante para o mundo, mas, certamente será o aprisco onde as ovelhas de Cristo serão reunidas e preservadas na sua fé para aquele glorioso Dia. O inimigo de nossas almas não dará descanso. Não perderá tempo em atacar-nos e tentar demover-nos da nossa fé em Cristo. Ainda que o último inimigo, a morte, acometa os crentes, estão desfrutam das alegrias que a bendita esperança da ressurreição final lhes traz. Quando o mundo estiver se regozijando por ter destruído a Igreja de Cristo, eis que Ele próprio, com o Seu poder a levantará gloriosa. Temos a única esperança que o mundo não tem, e é a única verdadeira. Regozijemo-nos nela, regozijemo-nos em Cristo.

Page 111: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

105

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 4. Cristo Contra o Dragão e Seus Aliados – Ap 12 – 14 4.1. A Mulher e o Dragão – Ap 12

4.1.1. A Mulher, o Filho e o Dragão – Ap 12.1-6 4.1.2. O Dragão banido do céu – Ap 12.7-12 4.1.3. O Socorro e proteção para a Igreja – Ap 12.13-17

Introdução Reportemo-nos à página 18 desta apostila. Lá encontramos o gráfico que divide Apocalipse em duas grandes partes. A primeira parte do Apocalipse aponta para o drama da Igreja de Cristo na presente dispensação (da primeira à segunda vinda de Cristo), abordando o assunto sob o aspecto “físico”, ou seja, o sofrimento visível causado à Igreja por causa de sua guerra contra o mundo. A segunda parte do Apocalipse aponta para o mesmo assunto só que observando-o do plano “espiritual”, ou seja, o sofrimento visível da Igreja por sua guerra contra o mundo é reflexo de algo muito mais tremendo e impressionante no plano espiritual, a saber, a guerra entre Cristo e Satanás. Como temos estudado Apocalipse dentro do que chamamos de paralelismo progressivo (veja página 16 desta apostila), ao iniciarmos a segunda grande parte do livro (Ap 12 – 22) retomamos o assunto principal do livro no início e vamos percorrer toda a História do povo de Deus até chegarmos no desfecho da História na consumação dos séculos, a Volta de Cristo. Lembramos que o assunto principal de Apocalipse é: a vitória de Cristo e Sua Igreja sobre Satanás e seus aliados. Nunca percamos isso de vista, senão nossa interpretação do livro será totalmente equivocada. Esta última grande parte do livro (Ap 12 – 22) divide-se em quatro seções (veja o gráfico da página 18), são elas: Cristo contra o Dragão e os seus aliados (Ap 12 – 14); As Sete Taças (Ap 15 e 16); A queda dos aliados do Dragão (Ap 17 – 19) e, A grande tribulação – o triunfo final de Cristo e Sua Igreja (Ap 20 – 22).

4. Cristo Contra o Dragão e os Seus Aliados (Ap 12 – 14) O grande dragão é Satanás, e isto fica claro em 12.9 e 20.2. ao seu lado, ele tem os seguintes aliados: a besta que sobe do mar, a besta que sobe da terra, Babilônia e os homens que trazem em si a marca da besta. A acusação feita pelos ímpios e descrentes de que João fez uso de figuras mitológicas tais como Apolo, o deus dos gregos que nasceu de uma deusa chamada Leto e a figura do dragão chamado Píton; ou o mito babilônico da criação do mundo no qual Tiamat e o monstro de sete cabeças morto pelo deus Marduk, quando Tiamat arrastou uma terça parte da estrelas do céu. Ainda que João pudesse estar familiarizado com essas lendas, com certeza não usou delas aqui, mas, sim, registrou a revelação que Deus dera e que o Senhor Jesus o ordenara a registrar. Apocalipse é um livro dado por Deus138.

4.1. A Mulher e o Dragão (12.1-17) Como já apontamos, o capítulo 12 não é somente o início de uma seção menor (a quarta seção) mas, também da segunda grande seção do livro.

138 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.449.

Estudo 21

Page 112: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

106

Num primeiro momento, o grande dragão se volta contra Cristo tentando destruí-Lo (v.1-12), porém, ao falhar nesse intento, ele se volta então contra a Igreja (v.13-17).

4.1.1 – A Mulher, o Filho e o Dragão (12.1-6) Nos seis primeiros versículos encontramos dois sinais, sendo que o primeiro é descrito como “grande”. O primeiro (grande) sinal (v.1-2) “Viu-se grande sinal no céu, a saber, uma mulher vestida do sol com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. que, achando-se grávida, grita com as dores de parto, sofrendo tormentos para dar à luz” (v.1-2). O cenário apresentado aqui é o céu. Uma mulher gloriosamente adornada: o sol é o seu vestido, a lua é o estrado dos seus pés, e na cabeça, um diadema de doze estrelas. As dores de parto lhe sobrevêm e ela grita. Quem é essa mulher? Num primeiro momento, a interpretação de que essa mulher é Maria, porque o filho que ela dá à luz descrito no v.5 só pode ser o Senhor Jesus, parece plausível. Porém, tal interpretação não resiste a uma análise mais cuidadosa. Maria, jamais ocupou um posto tão proeminente assim na Escritura e no Cristianismo dos primeiros séculos. Mesmo durante a Idade Média, os teólogos cristãos mais renomados interpretaram que essa mulher não é Maria, mas, sim, a Comunidade do Pacto, Israel/Igreja. Logo que se analisa esta interpretação, surge uma dificuldade: a Igreja “deu à luz” Cristo? Não seria o inverso o mais correto? Embora o termo “Igreja” seja próprio do Novo Testamento, o seu conceito tem suas origens no Antigo Testamento. O Aliancismo ensina que a Igreja de Cristo não nasce no Novo Testamento, mas, sim, no Antigo. Começando por Abraão que é o pai de todos os crentes circuncisos (judeus) e não circuncisos (os gentios), perpassando todo o Antigo Testamento, descobrimos que Deus tem um único povo formado pelos crentes da Antiga e da Nova Aliança, veja Ef 2. 11-22. No Antigo Testamento, o povo de Deus eram os judeus. Deles descende Jesus Cristo (Rm 9.5). Por isso, Cristo é o “elo” entre os filhos de Deus do Antigo e do Novo Testamento. Além disso, no próprio texto temos o esclarecimento de que esta mulher é a Igreja, veja o v.17 que fala dos outros descendentes dela. Além disso, a Israel, nos dias do Antigo Testamento, é aplicado termos como: “congregação”, “assembleia”, “ajuntamento solene”, “família”, termos estes que são, no Novo Testamento, a identidade da Igreja. Por fim, no Novo Testamento Israel é descrito como a Igreja de Cristo (veja Rm 9.6-8) e a Igreja é designada como o “Israel de Deus” (Gl 6.16). Outro fato que colabora com a nossa interpretação é a coroa dessa mulher. Sua coroa tem 12 estrelas. O número 12 é símbolo da eleição, salvação e redenção do povo de Deus. O segundo sinal (v.3-4) “Viu-se, também, outro sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas do céu, as quais lançou para a terra; e o dragão se deteve em frente da mulher que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse” (v.3-4). Eis que um dragão grande e vermelho com horrível aparência se põe diante da mulher esperando para devorar o filho quando nascesse. Ele também arrastou consigo uma terça parte das estrelas do céu. Mas, por mais tenro e inofensivo que o filho da mulher pareça, ele é muito mais poderoso que este dragão que aparenta ser muito mais forte. O filho da mulher foi tomado por Deus e levado para o céu até Seu trono. Enquanto isso, a mulher foge para o deserto e Deus ali lhe protege e sustenta. Que significa esta visão de João? Temos três personagens: a mulher, o filho e o dragão. Como já vimos, a mulher é a Comunidade da Aliança que nasce no Antigo Testamento e nos trouxe Jesus Cristo, que aqui é o filho que nasceu dessa mulher. Quanto ao dragão, é óbvio tratar-se de Satanás, mesmo porque o texto é claro em nos afirmar isto, v.9, 12, 13, 15, 16 e 17. A cor vermelha representa a guerra (v.12); os dez chifres

Page 113: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

107

representam seu grande poder (claro que nunca maior que o de Cristo), e as suas sete cabeças com suas respectivas sete diademas, representam sua influência sobre todo o mundo. Satanás sempre se opôs ao povo de Deus na tentativa de destruí-lo, pois, assim fazendo, conseguiria destruir a linhagem de Cristo, impedindo-O de nascer. Se Cristo não nascesse, não haveria salvação e dessa forma, Satanás seria o vencedor. Leia o Antigo Testamento, e analise as muitas perseguições e ataques que Israel sofreu. Mesmo nos dias dos patriarcas, a linhagem santa sempre esteve em ameaça quando as matriarcas sofreram com a esterilidade ou mesmo despertando o interesse de outros homens como aconteceu com Sara (Gn 12.17-19; Gn 20). O ódio que Israel despertava nas outras nações é inexplicável do ponto de vista humano, mas, o é totalmente compreensível dentro da perspectiva espiritual. “Nasceu-lhe, pois, um filho varão, que há de reger todas as nações com cetro de ferro. E o seu filho foi arrebatado para Deus até ao seu trono” (v.5). Quanto ao Filho da mulher, o texto não nos deixa dúvida. Quem mais poderia despertar a fúria de Satanás e causar-lhe tanto alvoroço, senão Jesus? Quem haverá de reger as nações com cetro de ferro? Quem foi levado ao céu e posto à direita do Pai no Seu santo trono, senão Jesus? Quem recebeu toda a autoridade (v.10 e Mt 28.18)? Em Jesus se cumpriu as profecias de Is 7.14; 66.7. A Comunidade da Antiga Aliança “deu à luz” Jesus Cristo. Algo maravilhoso nos salta aos olhos aqui: a Comunidade da Aliança foi o meio pelo qual Deus trouxe Seu filho Jesus Cristo ao mundo, para que Este a redimisse transformando-a em Sua Noiva. Este versículo também descreve o reinado de Cristo em sua extensão expressão: não há coisa alguma que esteja fora dos limites da autoridade de Cristo. O Seu cetro de ferro (cf. Sl 2.9; Ap 2.27; 12.5;19.15), é a forma como Ele o Seu governo sobre todos quantos se insurgem contra Ele. Enquanto despeja Sua santa ira contra os ímpios, Ele cuida amorosamente de Sua Igreja. “A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a sustentem durante mil duzentos e sessenta dias” (v.6). Os v.5-6 descrevem a ascensão de Cristo ao céu após Sua ressurreição, bem como a concretização de Sua promessa de não deixar desemparada a Sua Igreja neste mundo, o qual é um deserto de sofrimento e angústia para a mesma. O que deve ficar claro para nós aqui é que, Deus tem “preparado lugar para que nele” sejamos sustentados enquanto passamos por este deserto existencial. Além disso, nossa tribulação tem prazo para existir e terminar, “mil duzentos e sessenta dias”, exatamente o mesmo tempo dado às duas testemunhas para profetizarem (Ap 11.3), o que reforça ainda mais que essa mulher é a Igreja de Cristo.

4.1.2. O Dragão Banido do Céu (12.7-12) O segundo quadro simbólico deste texto aponta para o efeito do nascimento, expiação e ascensão de Cristo ao Trono celestial. “Houve peleja no céu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o dragão. Também pelejaram o dragão e seus anjos; todavia, não prevaleceram; nem mais se achou no céu o lugar deles” (v.7-8). O texto começa apresentando uma terrível batalha. De um lado está Miguel liderando o exército dos anjos bons, e, do outro, está Satanás com seus aliados. Miguel é sempre apresentado como um defensor do povo de Deus (Dn 10.13, 21; 12.11; Jd 9). E Satanás, em contrapartida, é apresentado como o adversário (este é o significado da palavra “Satanás”) do povo de Deus. Ainda que Satanás seja apresentado na figura de um dragão vermelho, a construção fraseológica aqui aponta para o fato de que ele é um ser angélico, maligno, é claro. Outra questão a ser analisada aqui é: quando se deu essa batalha entre os anjos bons e os demônios? A resposta não está no passado, mas no presente: esta guerra está acontecendo. Satanás e seus asseclas não se conformam com a vitória de Cristo na cruz e no túmulo. Desde o início Satanás se opôs a Deus, sem, contudo, poder fazer diferente do que a soberana vontade de Deus determina. Respondendo aos discípulos quando regressaram jubilosos porque os demônios se lhes submeteram,

Page 114: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

108

Jesus disse: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10.18). Com essas informações temos um quadro da atividade de Satanás acusando os filhos de Deus, mas, sendo envergonhado e derrotado em cada uma dessas investidas. Ele se levantou contra Deus, e desde então, se levanta contra a Igreja de Cristo. Fará isso até o último instante que lhe for possível. Sua, derrota já está selada e concretizada, pois, “todavia, não prevaleceram; nem mais se achou no céu o lugar deles”. Observe os seguintes fatos referentes à obra de Cristo: ✓ Satanás tentou de todas as formas destruir o povo de Deus para impedir o nascimento de Cristo;

foi em vão, pois, Cristo nasceu. ✓ Depois ele investiu todas as suas forças contra o recém-nascido em Belém; também foi em vão, pois,

Cristo cresceu. ✓ Durante o ministério de Cristo, tentou por várias formas fazê-Lo tropeçar a fim de invalidar Sua

obra; foi em vão, pois, Cristo suportou todas as provações e tentações e venceu todas. ✓ Na cruz deu a sua última cartada fazendo com que as pessoas zombeteiramente testassem o poder

de Jesus provocando-O a descer da cruz; foi em vão, pois, Cristo não desceu da cruz, indo até o fim cumprindo Sua missão.

✓ O túmulo seria sua última esperança de invalidar o sacrifício de Cristo, mas, nada pôde fazer para deter a ressurreição do Senhor Jesus porque o Senhor da morte e do inferno é Cristo (Ap 1.18).

E assim, “E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos” (v.9). As palavras destes versículos se movem para o passado e para o futuro. Aqui no v.9, temos a descrição da derrota final de Satanás. Ele foi expulso do céu e consigo arrastou uma terça parte dos anjos (v.4). Reafirmamos que os v.7-12 não tratam daquela primeira queda de Satanás como muitos pensam, mas, sim, da vitória de Cristo sobre ele por meio de Seu sacrifício. Satanás é derrotado todas as vezes que os filhos de Deus resistem às tentações confiantes no poder e graça do Senhor Jesus. Satanás é descrito aqui como “o grande dragão” evocando aqui a figura do caos e destruição. Também é chamado de “a antiga serpente”, uma referência clara à forma como ele se apresentou a Eva quando a enganou (Gn 3). Ele é também chamado de “diabo” que é uma transliteração do grego dia,boloj, que é a junção da preposição dia, (através de) com ballein (arremessar), significando assim, “abandonar ou cruzar, dividir, estar em divergência, acusar, culpar, caluniar, delatar, rejeitar, representar mal, enganar”, ações essas que descrevem o caráter de Satanás139. Ele ainda é descrito como “o sedutor de todo o mundo”, ou seja, o enganador, que ilude a fim de desviar as pessoas da Verdade. “Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus. Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais. Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta” (v.10-12). Tomado de fúria, Satanás dirige-se contra a Igreja de Cristo, e a sua principal arma é a acusação. Em meio às investidas de Satanás, a Igreja é impulsionada pela verdade de que Cristo reina soberanamente: “Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo” (v.10). Além disso, Deus em Cristo, cancelou toda acusação contra os Seus eleitos, expulsando definitivamente o “... acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus” (v.10). Mas, não é verdade que Satanás continua ainda hoje nos acusando diante de Deus? Com certeza. Mas, “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica” (Rm 8.33).

139 KISTEMAKER, 2004, p.460.

Page 115: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

109

Nos v.1-6 vimos a encarnação de Jesus; aqui, dos v.7-12, vemos a expiação de Jesus, pois, os crentes que eram acusados por Satanás “... venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram...” (v.11). Não há outra forma de anularmos as acusações do diabo senão pelo sangue de Jesus (Rm 8. 34); não há vitória para quem não persevera na “palavra do testemunho”, a saber, a Palavra de Deus. Esta batalha espiritual entre as forças divinas contra as malignas repercute no plano físico (o que corrobora com a nossa interpretação), pois, lemos: “... e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida”. A Igreja luta e peleja contra os seus inimigos com a garantia de ser desde já vitoriosa por meio de Cristo Jesus (Rm 8.37). No v. 12 temos uma ordem de regozijo e um anúncio de sofrimento. Os céus são conclamados a regozijarem-se diante de tão grande salvação. “Assim nem os céus nem os santos que habitam ali nunca mais ouvirão as acusações caluniosas de Satanás. Através da vitória de Cristo o próprio céu foi purificado”140. Temos no v.12 o último dos três “ais” (“Ai da terra e do mar”) anunciados pela grande águia de Ap 8.13. Fica descrita de forma muito sutil aqui a diferença entre a Igreja Triunfante, a que está no céu desfrutando a vitória que Cristo lhe deu na cruz (“Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais”) e a Igreja Militante (a que está ainda neste mundo sofrendo os ataques do inimigo). A Igreja Militante é lembrada de que Satanás vem contra ela com toda a sua fúria, pois, além de saber que já está derrotado, ele também sabe que resta-lhe pouco tempo. Não é Satanás quem controla o tempo e o espaço da sua ação, mas, sim, Deus. Ele não pode mais acusar os eleitos de Deus, mas, certamente pode desferir severa perseguição e sofrimento contra ela. Ele quer causar males e dores à Igreja Militante. Ao pregarmos o Evangelho, precisamos informar os pecadores de que Cristo os chama para antes de desfrutarem da Glória Eterna, por certo, sofrerem terrivelmente por amor do Seu santo nome.

4.1.3. O Socorro e Proteção para a Igreja (12.13-17) “Quando, pois, o dragão se viu atirado para a terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho varão; e foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até ao deserto, ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um tempo, tempos e metade de um tempo, fora da vista da serpente. Então, a serpente arrojou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, a fim de fazer com que ela fosse arrebatada pelo rio. A terra, porém, socorreu a mulher; e a terra abriu a boca e engoliu o rio que o dragão tinha arrojado de sua boca. Irou-se o dragão contra a mulher e foi pelejar com os restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus; e se pôs em pé sobre a areia do mar”. Agora, sentindo o gosto amargo da sua derrota e fracasso por não ter conseguido destruir o Filho da mulher, o dragão (Satanás) se volta para perseguir a mulher (Igreja), visto que o Filho dela (Jesus Cristo) está no céu, junto a Deus (v.5). A mulher (Igreja) foi levada ao deserto (provação), onde recebe o sustento divino e a proteção divina por “...um tempo, tempos e metade de um tempo...”, ou seja, nesta presente era entre a primeira e segunda vinda de Cristo. Deus revelou Sua proteção e cuidado para com a mulher (Sua Igreja): ✓ Dando-lhe “as duas asas como da águia”: embora muitos afirmem que essas duas asas sejam o

Antigo e o Novo Testamento (ainda que o simbolismo seja belo!), isso não é correto. As duas asas nada mais são do que a própria mão de Deus cuidando da Sua Igreja. Veja as seguintes passagens (Êx 19.4; Dt 32.11-12; Sl 91.4; Is 40.31). O cuidado de Deus com a Sua Igreja é evidente em toda a História. Nunca faltou inimigo que tentasse destrui-la. Da mesma forma, nunca faltou da parte de Deus refúgio e proteção para ela.

✓ O deserto: a figura do deserto no Antigo Testamento sempre trazia ao povo duas verdades: intensa tribulação e reais conforto, provisão e proteção da parte de Deus. Logo, ao levar a Sua Igreja para o

140 KISTEMAKER, 2004, p.464.

Page 116: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

110

deserto, Deus estava mandando-a para o meio da tribulação, mas, ali, não a deixou sem assistência. O texto nos diz que ali é “... o seu lugar...” (v.14). Não adianta a Igreja querer sair do mundo; ela precisa estar no mundo e nele lutar contra o mal, pois, Deus lhe provê com as armas necessárias. Isto também deve nos fazer olhar de forma diferente para as tribulações, e não vê-las como sofrimento apenas, mas, como uma oportunidade de experimentarmos de forma singular o cuidado de Deus, enquanto ali, no “nosso lugar”, somos transformados e moldados por Deus conforme o caráter de Jesus Cristo (cf. Rm 8.28-30).

✓ O tempo: lemos mais uma vez uma expressão que nos é familiar “... um tempo, tempos e metade de um tempo...” (v.14). Já estudamos sobre isso, e vimos que equivale a “quarenta e dois meses” (Ap 11.2), “mil duzentos e sessenta dias” (Ap 11.3), os quais dão o total de três anos e meio. Reportamo-nos mais uma vez ao Antigo Testamento. A cena é a do profeta Elias que foi enviado por Deus a profetizar (1Rs 17). Ele orou ao Senhor e o céu não deu chuva por justos três anos e meio (cf. Tg 5.17). Durante este tempo, profeta foi sustentado pela mão do Senhor por meios milagrosos. Dessa forma este período (três anos e meio) tornou-se o símbolo da mais dura provação bem como da mais tremenda manifestação do cuidado de Deus para com Seu povo. É neste sentido que Ap 12.14 se apresenta.

✓ A serpente: é apenas outra figura que descreve Satanás, e somente neste capítulo, João usa três vezes essa figura (v.9,14,15). Enquanto a figura do dragão descreve a destrutividade de Satanás, a da serpente realça o seu caráter ardiloso, sorrateiro e traiçoeiro; além do que, na narrativa de Gênesis, a serpente enganou Eva, e aqui a serpente ataca a mulher (Igreja).

✓ O rio: Satanás faz o possível para que a Igreja seja engolida por uma torrente de mentiras, de desilusões, de falsidades filosóficas, utopias políticas e dogmas quase científicos; as pessoas mundanas estão sempre prontas a “engolir” (e serem engolidas por) tudo isso. Enquanto isso, a verdadeira Igreja não se deixa enganar, os “... restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus...” (v.17).

✓ A terra engolindo o rio: é a ação de Deus socorrendo a Sua Igreja, interrompendo e frustrando os planos e ataques de Satanás contra o Seu povo.

Temos aqui mais uma vez sendo repetida a mensagem principal do Apocalipse: a Igreja de Cristo enquanto estiver neste mundo sofrerá toda sorte de ataques malignos, mas, em Cristo (e Nele somente) ela é vitoriosa.

Aplicação Vez após vez, Satanás foi frustrado nos seus planos de destruir o povo de Deus: nos tempos da Antiga Aliança tentando impedir a vinda do Salvador, e nos tempos da Nova Aliança, tentando destruir a Igreja para que o “testemunho de Jesus” também seja destruído. No começo desse capítulo, o dragão ficou a postos para devorar o Filho varão da Mulher quando este nascesse; fracassou (v.4). Depois, foi lançado por terra com seus sequazes, voltou-se contra a Igreja, mas, Deus a socorreu maravilhosamente (v.13,14). Por fim, lança contra a Igreja um “dilúvio” de mentiras e engodos, mas Deus, simplesmente fez tudo desaparecer. Novamente somos lembrados de que nessa guerra só existem dois lados: o de Deus, e, portanto, da vitória, e o do maligno já derrotado. De que lado estamos?

Page 117: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

111

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 4. Cristo Contra o Dragão e Seus Aliados – Ap 12 – 14 4.2. Os Aliados do Dragão – Ap 13

4.2.1. A besta que se levanta do mar – Ap 13.1-10 4.2.2. A besta que se levanta da terra – Ap 13.11-18

Introdução Aqui em Ap 13 temos a explicação do que foi descrito no capítulo anterior. Aqui vemos Satanás deflagrando a guerra contra o povo de Deus. “Através da besta como o Anticristo, ele literalmente deseja tomar o posto de Cristo. Isso se torna evidente em suas reiteradas tentativas de assumir a aparência do Cristo. Aqui estão sete exemplos indicativos da paródia satânica”141.

4.2. Os Aliados do Dragão (13.1-18) O presente capítulo mostra-nos dois dos três agentes, instrumentos e armas que Satanás, o dragão usa no seu intento de destruir a Igreja, a saber, a besta de se levanta do mar, outra que se levanta da terra e a grande Babilônia (Ap 14.8). William Hendriksen diz142:

O capítulo 13 nos mostra os agentes, os instrumentos ou ferramentas que são usadas pelo dragão em seu ataque contra a Igreja. Duas bestas são descritas. A primeira é um monstro de indescritível horror. A segunda tem uma aparência inofensiva, e por esta razão é ainda mais perigosa que a primeira. A primeira besta emerge do mar. A segunda se ergue da terra. A primeira é a mão de Satanás. A segunda é a sua mente. A primeira representa o poder perseguidor de Satanás operando nas nações deste mundo e seus governantes. A segunda simboliza as falsas religiões e filosofias deste mundo. Ambas estas bestas se opõem à Igreja ao longo desta dispensação; mas o Apóstolo as descreve em termos que indicam a forma que elas assumem durante a última década do primeiro século AD.

Descreveremos quem são esses agentes e depois explicaremos a nossa conclusão.

✓ A besta que se levanta do mar: são os poderes políticos perseguem a Igreja de Cristo; ✓ A besta que se levanta da terra: são as falsas religiões e filosofias, as mentiras usadas por Satanás

para confundir (se possível) a Igreja de Cristo; ✓ A grande Babilônia: é o mundo, o centro da sedução para fazer com que a Igreja caia em

pecado.

4.2.1 – A Besta que se Levanta do Mar (13.1-10) A descrição dessa besta (v.1-4) “Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças e, sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de blasfêmia. A besta que vi era semelhante a leopardo, com pés

141 KISTEMAKER, 2004, p.475. 142 HENDRIKSEN, 1987, p. 175.

Estudo 22

Page 118: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

112

como de urso e boca como de leão. E deu-lhe o dragão o seu poder, o seu trono e grande autoridade” (v.1-2). João vê se levantando das profundezas do mar uma besta (qhri,on; lit. monstro, fera). Assim termina Ap 12: “e se pôs em pé sobre a areia do mar” (v.18). Então devemos entender que João viu o dragão numa posição entre a terra e o mar e dali ele comandando seus aliados. A descrição que João faz desta besta está carregada de simbolismo. Vejamos:

✓ O mar: em Ap 17.15 João nos fornece o significado desse mar: “... as águas que viste, onde a meretriz está assentada, são povos, multidões, nações e línguas”. Sendo assim, afirmamos que o mar aqui representa as nações e seus governantes (daí afirmarmos que são forças políticas). Não só aqui em Apocalipse vemos esse figura de linguagem. No Sl 46.6 está escrito: “Bramam nações, reinos se abalam; ele faz ouvir a sua voz, e a terra se dissolve”; em Is 5.30: “Bramam contra eles naquele dia, como o bramido do mar; se alguém olhar para a terra, eis que só há trevas e angústia, e a luz se escurece em densas nuvens”, e ainda em Is 17.12 lemos: “Ai do bramido dos grandes povos que bramam como bramam os mares, e do rugido das nações que rugem como rugem as impetuosas águas!”.

✓ Os chifres e as coroas: nos tempos antigos e especialmente nas literaturas apocalípticas, chifre simbolizam poder, geralmente o poder político. O mesmo se diz das coroas que apontam para autoridades políticas.

✓ Os números 7 e 10: a besta tem dez chifres e sete cabeças. É tolice afirmar que as sete cabeças aqui são sete reis ou poderosos específicos da História. Esses números (como sempre no Apocalipse) devem ser entendidos simbolicamente. Dessa forma, entende-se que esses números apontam para uma força completa (todos os impérios anticristãos de toda essa presente era) atuando contra a Igreja de Cristo.

✓ Os nomes de blasfêmias: são palavras que têm por objetivo desonrar e insultar ao Senhor Jesus. Nos dias de João por exemplo, os Césares eram reverenciados com o slogan “dominus et deus” (Senhor e Deus), o que para os cristãos era uma blasfêmia. Na Revolução Francesa, por exemplo, o slogan era ni Dieu ni maître (nem Deus nem mestre) foi uma forma de afrontar a Fé Cristã. Países que abraçaram o comunismo afirmam que o Estado é deus. No presente texto, vemos que esta besta blasfema contra Deus “...para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu” (v.6).

✓ A aparência da besta: é dito que ela “... era semelhante a leopardo, com pés como de urso e boca como de leão”. Não tentemos imaginar um ser com essas formas, pois, seria algo insano. O que deve ser ressaltado aqui são as características de cada um desses animais, aplicadas à besta: a rapidez do leopardo para capturar a sua presa, a força das garras de um urso para dilacerar as vítimas, e a crueldade de um leão ao devorar suas vítimas143. A combinação rapidez-força-crueldade mostra o caráter dessa besta.

✓ A autoridade: recebeu do próprio dragão essa autoridade, em outras palavras, ela age em nome dele (do dragão).

“Então, vi uma de suas cabeças como golpeada de morte, mas essa ferida mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou, seguindo a besta; e adoraram o dragão porque deu a sua autoridade à besta; também adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?” (v.3-4). Quem provocou essa ferida não é mencionado no texto. Contudo, quando lemos Gn 3.15, a sentença de Deus para a serpente (que é o dragão, 12.9). A ferida causada foi mortal, contudo, foi curada, o que causou a admiração das pessoas e estas a seguiram maravilhadas. Além disso, adoraram o dragão e a própria besta, conferindo a ela uma glória típica de pessoas iludidas pela mentira. Dessa forma o dragão e a besta que se levantou do mar, fazem uma imitação da morte e ressurreição de

143 Cf. KISTEMAKER, 2010, p.479.

Page 119: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

113

Jesus, com o propósito explícito de usurpar de Cristo Sua glória. Não nos esqueçamos das palavras do Senhor Jesus a respeito dos tempos finais, nos quais falsos profetas infestarão a terra, farão sinais e prodígios com o expresso objetivo de enganar os eleitos (Mt 24.24; Mc 13.22). Satanás é perito em enganar as pessoas, especialmente, fazendo imitações da obra de Cristo. O que João vê acontecer com esta besta, nos mostra justamente a forma como Satanás atua neste mundo. Quando Moisés estava diante do Faraó, realizou sinais e prodígios da parte de Deus; os magos do Egito também fizeram o mesmo, contudo, até certo ponto (Êx 8.18 e 19), pois, reconheceram que era a mão de Deus que estava realizando aqueles sinais, e eles não podiam mais nada com suas magias e feitiçarias. Em At 8.9-13 temos o caso de Simão, o mágico, que iludia o povo, fazendo-se passar pelo “grande vulto... o poder de Deus, o Grande Poder” (v.9 e 10); e também, Elimas, o mágico (At 13.4-12) que foi um estorvo para a conversão do procônsul Sérgio Paulo. Ambos foram severamente punidos. A ação dessa besta (v.5-8) “Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses; e abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação; e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (v.5-8). Já vimos sobre as “... arrogâncias e blasfêmias...” proferidas pela besta (veja os v.1 e 2), quanto ao tempo que lhe foi dado para agir “quarenta e dois meses”, veja comentário de Ap 12.13-17. Contudo, lembramos que esse tempo simboliza toda essa presente era, a saber desde a primeira até à segunda vinda de Cristo, os tais “últimos dias”, tempo este referente à toda tribulação pela qual passa a Igreja de Cristo. A besta não somente desonra e difama os santos que habitam com Deus nos céus (“...o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu”, v.6), mas também, ataca os santos aqui neste mundo: “Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse” (v.7). Contudo, essa vitória não é definitiva, pois, enquanto a besta dá a impressão de ser poderosa a ponto de voltar a viver, de atacar a Igreja de Cristo e vencê-la, e de exibir sua “autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação”, na verdade, ela “ressuscitou” para ser definitivamente destruída por Cristo na Sua glória, não é ela quem ataca realmente, mas, sim, é a Igreja de Cristo que ataca o inferno, pois, “... e as portas do inferno não prevalecerão contra ela...”, prometeu o Senhor Jesus (Mt 16.18); não é a besta quem domina sobre os povos, mas, sim, Cristo (Ap 11.15-18). O dragão conferiu à besta uma autoridade que ele mesmo usurpou e que no final Cristo arrancará de suas mãos. Todas essas imitações que a besta faz, levará “... aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro...” (v.8) a adorá-la. Somente os que têm seus nomes no Livro da Vida do Cordeiro ficarão livres desse engodo. Sentenças pronunciadas (v.9-10) “Se alguém tem ouvidos, ouça. Se alguém leva para cativeiro, para cativeiro vai. Se alguém matar à espada, necessário é que seja morto à espada. Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos” (v.9-10). Três sentenças são pronunciadas aqui diretamente contra contra os inimigos da Igreja, e indiretamente a favor da mesma; para cada mal que os inimigos fizerem à Igreja, colherão muito pior, e a Igreja será abençoada com a graça de Deus. Ele vê o sofrimento do Seu povo. Ele até pode permitir que Satanás os aflija de alguma forma; contudo, limita a ação de Satanás (“quarenta e dois meses”). Os cristãos devem ficar firmes, pois, “Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos” (v.10), pois, Deus mesmo castigará e punirá os exatores da Sua Amada Igreja: “Se alguém leva para cativeiro, para cativeiro vai. Se alguém matar à espada, necessário é que seja morto à espada...”. A vingança não nos pertence, mas, sim, a Deus. Ele é quem vingará os nossos inimigos.

Page 120: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

114

4.2.2 – A Besta que se Levanta da Terra (v.11-18) A besta que emerge do mar é o próprio Anticristo144, enquanto que a besta que se levanta da terra é o “falso profeta” (veja Ap 16.13; 19.20; 20.10), ou seja, a mensagem enganadora e mentirosa do dragão (diabo) levando as pessoas a adorá-lo, bem como também adorarem a besta que se levanta do mar. Enquanto a que emerge do mar representa as ações de Satanás, a que emerge da terra representa seus ensinamentos e mensagem mentirosos e enganosos. Enquanto a primeira besta, a que emerge do mar é uma imitação grotesca e mentirosa do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, a segunda besta é uma imitação grotesca da Igreja de Cristo, a qual é a mensageira do Seu Santo Evangelho; a besta que se levanta da terra é a “mensageira” do dragão. A descrição dessa besta (v.11) “Vi ainda outra besta emergir da terra; possuía dois chifres, parecendo cordeiro, mas falava como dragão” (v.11). Esta besta emerge “da terra”, isto quer dizer que ela se opõe a tudo o que vem do céu, da parte de Deus. O fato dela possuir “dois chifres, parecendo cordeiro”, aponta para sua habilidade de imitar a Cristo (compare com Ap 8.3), tal como sua comparsa que emergiu do mar. A sua aparência de cordeiro esconde o seu real caráter que é maligno, pois, o que ela fala e faz mostra a sua total subordinação ao dragão que é o diabo, o pai da mentira (Jo 8.44). Lembre-se de que o número dois indica um testemunho confirmado. Essa besta dá um testemunho mentiroso que é confirmado como se fosse verdadeiro; os incautos são presas fáceis para ela. As ações dessa besta (v.12-15) “Exerce toda a autoridade da primeira besta na sua presença. Faz com que a terra e os seus habitantes adorem a primeira besta, cuja ferida mortal fora curada” (v.12). A autoridade da primeira besta foi conferida pelo dragão (v.2), sendo assim, a segunda besta trabalha para o próprio dragão. Seu objetivo é conduzir os homens a adorarem a primeira besta. Isto se torna muito claro para nós quando vemos aqueles homens influentes que se levantam cheios de falácia cativando as mentes fracas do povo, desviando-o da Fé Cristã. Os grandes tiranos e ditadores da História sempre se valeram de uma filosofia esdrúxula (porém, convincente) para conduzir os homens para longe da Verdade do Evangelho. Filosofias humanas, a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia e a Pedagogia moderna, surgiram com a proposta de substituir a Palavra de Deus nas relações humanas e no tratar do coração e seus dilemas. Seu discurso é convincente, sua oratória é hipnotizante; o homem tem o seu eu massageado. “Também opera grandes sinais, de maneira que até fogo do céu faz descer à terra, diante dos homens. Seduz os que habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi dado executar diante da besta, dizendo aos que habitam sobre a terra que façam uma imagem à besta, àquela que, ferida à espada, sobreviveu” (v.13-14). Notemos a sagacidade dessa besta. Ela “... opera grandes sinais (...) até fogo do céu faz descer à terra...”. Quem duvida que Satanás tem poder para realizar sinais parecidos (meras imitações) com os que Deus faz, deve atentar muito bem para este texto. Assim como a besta que emerge do mar ostenta um poder capaz de fazer com que uma de suas cabeças que foi ferida mortalmente volte a viver (v.3), da mesma forma a besta de emerge da terra tem seus truques a fim de iludir os homens. Surge então uma questão muito séria: como distinguir o verdadeiro profeta do falso? Sinais e prodígios são feitos por ambos, logo, não podemos tomar esses “milagres” como parâmetros. Ainda

144 O termo “Anticristo” na interpretação amilenista, não se refere a uma pessoa específica, mas, sim, a todos poderosos políticos que se levantam contra a Igreja de Cristo. Todos imperadores, ditadores, governantes e líderes religiosos que se opuseram e vierem a se opor à Igreja de Cristo, são a personificação do Anticristo.

Page 121: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

115

sobre os milagres e sinais, é certo que os que são feitos pelos verdadeiros profetas de Deus são verdadeiros e os que são realizados pelos falsos profetas, são falsos; contudo, é difícil determinar a veracidade ou a falsidade de um profeta pelos seus milagres. Não devemos olhar o milagre em si, mas, sim, o resultado desse milagre. Se alguém realiza um milagre e afirma ser um profeta verdadeiro de Deus, então seu milagre deve levar as pessoas a adorarem a Deus e a glorificarem-No. Contudo, isto ainda não é suficiente. Há ainda mais um crivo para testar a veracidade de um profeta. Além de conduzir o povo a glorificar a Deus (e tão somente a Deus!) seu milagre em nada deve ferir e contradizer as Escrituras, pois, assim honrará à Palavra de Deus e a Ele próprio. Nada disso é encontrado nos milagres da besta que emerge da terra, mesmo porque está explícito neste texto que ela age em oposição a Deus. Uma vez que ela seduziu “... os que habitam sobre a terra...”145, ela os induz a fazerem uma imagem (eivkw,n), ou seja, uma estátua para servir de objeto de adoração. “e lhe foi dado comunicar fôlego à imagem da besta, para que não só a imagem falasse, como ainda fizesse morrer quantos não adorassem a imagem da besta” (v.15). A besta que emerge do mar recebe todo o destaque, enquanto, que, a que emerge da terra lhe é uma coadjuvante, sem qualquer menção de sua identidade. Comentando este verso, William Hendriksen, diz (HENDRIKSEN, 1987, p. 180):

A influência sacerdotal defendia e dava seu apoio ao poder secular do estado em sua perseguição aos crentes. A religião e a política pagãs cooperavam uma com a outra em sua batalha contra a Igreja. Os sacerdotes dos tempos pagãos faziam tudo a fim de imprimir nas mentes do povo a mentira de Satanás: ‘César é Senhor!’ Recorriam até a embustes e pseudo milagres a fim de enganar o povo. Ordenavam aos habitantes dos vários distritos que fizessem estátuas em honra do imperador (...) com o fim de gravar mais firmemente na mente do povo a religião do estado ou a adoração ao imperador, recorriam a embustes, fazendo que surgisse fogo sem nenhuma causa concreta e, por meio da arte do ventriloquismo, faziam com que saísse uma voz da estátua do imperador (...).

Mais uma imitação barata que ela faz do poder de Deus. Deus soprou fôlego de vida nas narinas de Adão (Gn 2.7), e aqui essa besta tenta imitar ao Senhor fazendo com que essa estátua tenha (aparentemente) vida. Tal como a besta que emerge da terra dá vida à que emerge do mar, isto é, torna-a convincente a ponto de levar os homens a adorá-la, também são as filosofias mundanas que dão aos políticos e poderosos inimigos de Cristo e Sua Igreja, o poder que eles precisam para levar a diante os seus feitos maléficos. A marca da besta (v.16-18) “A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta ou o número do seu nome. Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis” (v.16-18). Os seguidores da besta recebem uma marca que é identificada como o “... número do seu nome...”. Eis mais uma imitação que a besta faz do poder de Deus. Assim como os escolhidos são selados por Deus (Ap 7), aqui a besta marca os que lhe seguem. Esse número é identificado como “... número de homem...”, ou seja, o caráter dessa marca não passa de algo totalmente imperfeito, tendo a ver com a imperfeição e corrupção do homem por causa do pecado.

145 Esta expressão ocorre 10 vezes no Apocalipse, e todas as vezes se referem aos que não são crentes e salvos em Cristo.

Page 122: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

116

As mais variadas interpretações oferecidas a esse número da besta (“... seiscentos e sessenta e seis...”) dispensam qualquer comentário justamente por serem até ridículas146. Contudo, devemos respeitar o simbolismo do Apocalipse para não cairmos em erros. William Hendriksen comentando sobre o significado do número diz: “o número da besta é 666, isto é: fracasso sobre fracasso, fracasso mais fracasso! É o número do homem, porque a besta se gloria no homem: por isso deve fracassar!”147. A besta que emerge da terra seduz homens de todas as classes sociais “... os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos...” e uma vez feito isso, os marca. A marca mostra possessão e propriedade, ou seja, eles não somente são marcados, mas, principalmente, pertencem à besta. Em Ap 14.9 e 11, os que são marcados pela besta são identificados como adoradores dela. Eles recebem a marca “... sobre a mão direita...”, o que indica seus feitos, suas ocupações; e “... sobre a fronte...” que indica sua atividade intelectual.

Aplicações Destacamos aqui as seguinte aplicações: 1) Os verdadeiros filhos de Deus são guiados por Sua Palavra. A relação que os filhos de Deus têm

com Ele é estabelecida e dirigida por Sua Palavra. Eles não se deixam levar pelo que eles veem, mas, são guiados pelo que ouvem. É o que eles ouvem de Deus que transforma seus corações e lhes fortalece a fé. Eles jamais serão enganados pelo anticristo, mesmo diante de seus portentosos sinais. Aqueles que vivem em busca de sinais e milagres são imaturos na fé, e facilmente serão enganados pelo inimigo.

2) A marca do crente é o Espírito Santo, e a do perdido, o pecado. O que prova que alguém é de fato filho de Deus é a pessoa do Espírito Santo em sua vida revelando o Seu fruto nesse coração. Alguém que vive na prática do pecado, certamente não conhece a Deus e nem Lhe pertence (1Jo 1.6,8,10; 2.4).

146 Há quem afirme que este número seja o sistema de cobrança por meio de código de barras; ou um revolucionário sistema de identificação eletrônico por meio de “chips” introduzidos subcutaneamente em cada pessoa. 147 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 182.

Page 123: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

117

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 4. Cristo Contra o Dragão e Seus Aliados – Ap 12 – 14 4.3. O Cordeiro, as Quatro Mensagens e a Ira de Deus – Ap 14

4.3.1 – O Cordeiro – Ap 14.1-5 4.3.2 – As Quatro Mensagens – Ap 14.6-13 4.3.3 – A Ira de Deus – Ap 14.14-20

Introdução O capítulo 14 encerra mais uma seção paralelística do livro. Este capítulo é divido em três partes, sendo que cada uma delas começa com o verbo “olhei” (v.1,6,14) que no grego é feito um jogo com as palavras Kai. ei=don( kai. ivdou, - “E olhei e vi” com o propósito de dar ênfase para algo que chamou a atenção de João, e quando ele voltou o seu olhar, viu alguém e algo.

4.3 – O Cordeiro, as Quatro Mensagens e a Ira de Deus (14.1-20) O tempo todo no livro do Apocalipse podemos ver o contraste que há entre Deus e Satanás. Depois de descrever como a besta que se levantou da terra tentou fazer com que a Igreja se rendesse em adoração à besta que emerge do mar, João passa a mostrar que a Igreja triunfou sobre seus inimigos. É o que veremos agora no capítulo 14.

4.3.1 – O Cordeiro (14.1-5) “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai” (v.1). “Olhei...”, assim João começa descrevendo esta visão. Olhou e viu “o Cordeiro”, o Senhor Jesus Cristo em pé no monte Sião, que aqui não deve ser entendido literalmente, mas, como uma figura de linguagem apontando para a morada celeste de Deus. Além do Cordeiro, ele também viu os 144.000 selados na fronte com o nome do Cordeiro e de “seu Pai”. Assim a visão que João passa a ter agora é da glória de Cristo. Temos aqui mais um contraste. Enquanto Ap 13 descreve a influência e atuação da besta na terra sobre os ímpios, Ap 14 descreve a glória de Cristo e o triunfo de Sua Igreja. “Ouvi uma voz do céu como voz de muitas águas, como voz de grande trovão; também a voz que ouvi era como de harpistas quando tangem a sua harpa” (v.2). Enquanto olhava para o céu, de lá João ouviu uma voz “... como de muitas águas... como voz de grande trovão... como de harpistas quando tangem a sua harpa”. Note que ele não disse que a voz era de, mas, sim, como de, ou seja, as características do som dessa voz eram como as de das muitas águas (pense nas cataratas do Iguaçu) comunicando assim o seu poder, com as características do estrondo de um trovão, comunicando assim a majestade dessa voz, e a sublimidade de harpas sendo tocadas por músicos peritos. O “movimento” (efeitos) dessa voz em seu coração começou com um estrondo majestoso e poderoso, e terminou suave e aprazível, tal como um coro que seguindo a dinâmica dada pelo seu regente. O Senhor Jesus permitiu a João um vislumbre da eternidade estando ainda neste mundo. “Entoavam novo cântico diante do trono, diante dos quatro seres viventes e dos anciãos. E ninguém pôde aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra. São estes os que não se macularam com mulheres, porque são castos. São eles os seguidores

Estudo 23

Page 124: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

118

do Cordeiro por onde quer que vá. São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para o Cordeiro; e não se achou mentira na sua boca; não têm mácula” (v.3-5). Diante do trono do Cordeiro, os 144.000 entoavam um novo cântico o qual somente eles aprenderam e ninguém mais pôde aprender. Sobre os “quatro seres viventes” veja o comentário de Ap 4.6 e 7148, e sobre os “vinte e quatro anciãos” veja o comentário de Ap 5.8149. Mas, que cântico é esse? Não devemos nos deixar levar pelo literalismo do texto. O que João está apresentando aqui é a nova condição de vida dos redimidos do Senhor. Eles se encontram nos céus, logo, o que João vê aqui é a vitória final da Igreja gozando das bem-aventuranças do céu. Não nos esqueçamos que isto é uma visão do futuro, dos tempos depois da segunda vinda de Cristo. Estes 144.000 não são uma classe especial de crentes, mas, sim, eles são os próprios redimidos em sua totalidade (veja o significado deste número em nosso comentário de Ap 7150). Ao dizer: “E ninguém pôde aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra”, João está usando uma analogia em relação à salvação dos eleitos, a saber, só eles receberam a vida eterna em Cristo Jesus, por isso só eles puderam aprender esse cântico de louvor a Deus. isto fica evidente no próximo versículo. Enquanto estiveram neste mundo buscaram uma vida agradável ao Senhor porque “...não se macularam com mulheres, porque são castos” (v.4). Essa é a primeira das quatro características desses 144.000 santos. O texto aqui não está falando de celibato como muitos afirmam, mas sim, que eles se mantiveram em pureza espiritual diante de tanta impureza neste mundo (a grande Babilônia, que seduziu as nações com sua prostituição, veja o comentário do v.8). Eles também são “... os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá” (v.4), o que demonstra a fidelidade incondicional. Em terceiro lugar eles “São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para o Cordeiro”, como já foi dito, eles não são um grupo seleto dentre os crentes151, mas eles são os próprios crentes que foram redimidos deste mundo vil o que mostra a redenção total, pois, foram comprados de uma só vez por Cristo. Por fim, vemos que neles “... não se achou mentira na sua boca; não têm mácula” (v.5), ou seja, seus lábios não são usados para pecar contra Deus por meio de mentiras, antes, são usados para entoar um novo cântico, o que nos mostra uma consagração especial. Daí porque o v.13 afirma que “... suas obras os acompanham”, o que veremos em tempo oportuno.

4.3.2 – As Quatro Mensagens (14.6-13) João prossegue em sua visão. Agora ele ouve quatro mensagens distintas. A primeira mensagem (v.6-7) “Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (v.6-7). João vê (Kai. ei=don) outro anjo que voando pelo meio do céu anuncia um “evangelho eterno” (euvagge,lion aivw,nion). O que isso quer dizer? Por falar do meio do céu, este anjo quer que sua mensagem (o evangelho eterno) seja ouvido em todos os cantos da terra por todos os seres humanos, tal como fica claro na frase “... aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo...”. Esse versículo tem que ser entendido da perspectiva da eleição divina. Em cada nação, tribo e povo, Deus tem Seus eleitos os quais haverão de ser alcançados para salvação. A

148 Estudo 13 desta apostila. 149 Estudo 14 desta apostila. 150 Estudo 16 desta apostila. 151 As Testemunhas de Jeová, dizem que estes 144.00 são um grupo seleto de crentes que estão no céu, ao passo que os demais crentes habitarão neste mundo o qual é chamado de “novo céu e nova terra”.

Page 125: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

119

mensagem angelical conclamando as pessoas a darem glória a Deus e a adorá-Lo será atendida salvificamente pelos eleitos; porém, no Dia do Juízo todos os ímpios se renderão a ele, mas, será tarde demais. A segunda mensagem (v.8) “Seguiu-se outro anjo, o segundo, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria da sua prostituição” (v.8). A segunda mensagem que João ouve vem de um anjo que anuncia a queda da grande Babilônia. O brado “Caiu, caiu a grande Babilônia...” é extraído de Is 21.9 e Dn 4.30 os quais anunciam sucessivamente a queda e a grandeza de Babilônia. Na escrita moderna quando queremos ressaltar e dar ênfase a uma palavra, a colocamos em negrito ou itálico. Antigamente, desconhecia-se este recurso. Para dar ênfase, o escritor repetia a palavra como acontece neste verso: “Caiu, caiu...” (e;pesen e;pesen)152. O anjo quer que João veja que de fato a grande Babilônia caiu. Mas, quem ou o quê é essa grande Babilônia? Não devemos identificá-la como um povo específico, ou nação, mas, devemos entender que o que João quer nos mostrar aqui ao mencionar a grande Babilônia, é uma referência aos inimigos do povo de Deus em todos os tempos, e um dos três aliados do dragão contra a Igreja de Cristo. No caso aqui, esses inimigos são o mundo pervertido e incontinente na presença de Deus, o qual permanece indiferente e rebelde mesmo ouvindo o evangelho eterno de Deus. A terceira mensagem (v.9-12) “Seguiu-se a estes outro anjo, o terceiro, dizendo, em grande voz: Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca na fronte ou sobre a mão, também esse beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome” (v.9-11). Esta mensagem anuncia a separação que foi feita e que será executada entre os eleitos e os réprobos (veja v.14-20). “Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca na fronte ou sobre a mão” (v.9), isto é, continua em sua idolatria venerando a besta e a sua imagem, recebendo assim, sobre si a marca da mesma, haverá de beber “...do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira...”, isto quer dizer que este desobediente haverá de enfrentar a ira de Deus sem nenhum atenuante; pelo contrário, será “...atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro” (v.10). Eis aqui uma descrição horrenda do inferno. Há que entenda que o inferno seja a ausência de Deus deixando o homem sofrer em tormentos eternos sem nenhuma expectativa de salvação. Este texto nos mostra que o inferno não é a ausência de Deus, mas, sim, a Sua presença em juízo mostrando o Seu zelo pela Sua santidade na condenação dos réprobos. O tormento aqui é tanto interno como externo. Interno porque é como um vinho mortífero que foi tomado, e externo como a dor da queimadura provocada pelo fogo. “Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (v.12). Enquanto está falando sobre os ímpios João não se esquece dos santos. Lembra-os de que é possível viverem num mundo tão hostil desde que se mantenham fiéis e perseverantes guardando os mandamentos do Senhor Deus e a fé em Jesus. Aliás, tão somente isto pode guardar-nos de tropeçar neste mundo: os mandamentos de Deus e a fé em Jesus. Veja também Ap 13.10,18 como a ideia é semelhante.

152 O texto Majoritário não apresenta essa repetição; o Receptus e o Bizantino apresentam.

Page 126: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

120

A quarta mensagem (v.13) “Então, ouvi uma voz do céu, dizendo: Escreve: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham” (v.13). Embora o verso 12 pareça ter mais sentido se interpretado em conexão com este, devemos entendê-los separadamente. João agora ouve a quarta mensagem. Desta vez há uma grande diferença. Não é a voz de um anjo que ele ouve, mas, “... uma voz do céu...”, ou seja, uma voz celestial. Embora não esteja explícito no texto que esta voz é de Deus ou do Senhor Jesus, não temos dificuldade em entendê-la como sendo de Jesus Cristo por causa da ordem que foi dada a João: “Escreve...”. Semelhantemente, vemos esta ordem em Ap 2.1,8,18; 3.1,7,14; ver também Ap 1.11,19; 19.9; 21.15. Esta voz anuncia a segunda bem-aventurança (no Apocalipse). Esta bem-aventurança mostra a bênção dada àqueles que são chamados de “... mortos que, desde agora, morrem no Senhor”. Há uma dupla aplicação dessas palavras. Primeiramente, em relação conversão. Os pecadores antes de serem convertidos pelo Espírito Santo estão mortos (Ef 2.1), por isso recebem a regeneração e a justificação, passando assim, a estarem vivos “em Cristo”. Trata-se da nossa união mística com Cristo. Em segundo lugar, trata-se da perseverança dos crentes a ponto de morrerem por Cristo. A expressão “... que morrem em Cristo...” significa, aqueles que perseveram a ponto de morrerem por Cristo. Além disso, quando um crente morre, diz-se que ele “morreu no Senhor”. Estes bem-aventurados (felizes eternamente) são recebidos na glória “para que descansem das suas fadigas”, isto é, de suas labutas terrenas que enfrentaram por amor a Cristo, e receberem a recompensa eterna por suas obras fiéis153.

4.3.3 – A Ira de Deus (14.14-20) O contraste entre os ímpios e os crentes é notório em todo o Apocalipse. Eles se contrastam quanto à forma de vida que levam neste mundo, quanto a quem eles adoram, etc. Não haveria de ser diferente com relação ao fim de cada um. Da mesma forma, os versos finais de Ap 14 nos mostram esse contraste no tocante ao Dia do Juízo, ou, o Dia da Ira de Deus, que aqui é descrito em termos de ceifa e vindima. Esta figura de linguagem está em perfeita harmonia com o restante das Escrituras, veja Jl 3.13; Is 63.1-6; Lm 1.15. A ceifa (v.14-16) “Olhei, e eis uma nuvem branca, e sentado sobre a nuvem um semelhante a filho de homem, tendo na cabeça uma coroa de ouro e na mão uma foice afiada” (v.14). Ao olhar para o céu João vê numa nuvem alguém semelhante a filho de homem nela assentado, lançando mão da profecia de Dn 7.13 (a qual ele já havia lançado mão antes, veja, Ap 1.7,13). Este é o único lugar nas Escrituras em que aparece a frase “... uma nuvem branca...”. A nuvem quando mencionada figuradamente simboliza a manifestação da glória de Deus e o Seu o Juízo. A cor branca, simboliza pureza, santidade. Assim sendo, o que João vê aqui é o Juízo santo e puro de Deus. Assentado nesta nuvem está um “... semelhante a filho de homem...”, e este é sem dúvida alguma, o próprio Senhor Jesus (Ap 1.7). Veja também palavras ditas por Jesus a Caifás em Mt 26.64 e Mc 14.62. Em Sua cabeça não mais uma coroa de espinhos, mas, uma coroa de ouro que simboliza a Sua vitória. Em Sua mão está a foice afiada com a qual começa a ceifa. O fato dela ser “afiada” nos mostra a sua força e perícia em executar a vontade de Deus.

153 O texto aqui não está ensinando salvação pelas obras, mesmo porque fala de obras que foram realizadas por crentes, ou seja, por aqueles que já foram salvos por Cristo e por meio de um viver que Lhe foi agradável realizaram boas obras as quais são recompensadas.

Page 127: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

121

“Outro anjo saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele que se achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu! E aquele que estava sentado sobre a nuvem passou a sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada” (v.15). João vê um outro anjo saindo do santuário (isto é, da presença de Deus) e este gritando fortemente para Jesus, Lhe diz: “... Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu!”. Mas surgem algumas perguntas: este anjo está dando uma ordem a Jesus e Ele obedeceu? Não é Jesus o Senhor e por isso superior aos anjos (Hb 1.4)? Em Jesus subsiste a plenitude da Divindade (Cl 2.9), sendo assim, não deveria estar Ele ciente de tudo sem precisar que um anjo Lhe diga quando fazer as coisas? Além disso, como pode um anjo ser o “intermediário” entre o Pai e o Filho? Como pode um saber de algo que nem mesmo o Filho quis revelar por se tratar de algo exclusivo para a glória do Pai (Mt 24.36; Mc 13.32; At 1.7)? Todas essas perguntas seriam um problema se caso o anjo estivesse mesmo dando uma ordem a Jesus. Mas, quando avaliamos todo o contexto, vemos que os anjos que aqui aparecem transmitindo mensagens, e este anjo, o quarto mensageiro, está anunciando aos homens e não dando uma ordem a Jesus. Este anjo anuncia o Juízo iminente, apontando aos homens que Jesus está com a Sua foice nas mãos. Ele só fala porque vê o Senhor pronto para agir recolhendo o Seu povo (1Ts 4.16). A vindima (v.17-20) “Então, saiu do santuário, que se encontra no céu, outro anjo, tendo ele mesmo também uma foice afiada” (v.17). Começa agora a vindima. Enquanto a “ceifa” descrita nos v.14-16 se refere ao ajuntamento dos salvos para serem recolhidos na Glória do Senhor no Dia do Juízo, a “vindima” descrita nos v.17-20, se refere ao ajuntamento dos ímpios para serem lançados no “grande lagar da cólera de Deus” (v.19). A figura da colheita das uvas e estas sendo pisadas num lagar simboliza do Juízo de Deus contra o ímpios. Este anjo que também saiu do santuário (ou seja, da presença de Deus) tem em suas mãos um foice afiada. “Ao ‘filho do homem’ foi dada a autoridade de pôr a foice em ação, ainda que use seus anjos para assisti-lo (Mt 13.39; 24.31)”154. “Saiu ainda do altar outro anjo, aquele que tem autoridade sobre o fogo, e falou em grande voz ao que tinha a foice afiada, dizendo: Toma a tua foice afiada e ajunta os cachos da videira da terra, porquanto as suas uvas estão amadurecidas! Então, o anjo passou a sua foice na terra, e vindimou a videira da terra, e lançou-a no grande lagar da cólera de Deus. E o lagar foi pisado fora da cidade, e correu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios” (v.18-20). Segundo os rabinos, cada anjo que era enviado por Deus, tinha uma tarefa específica. Não realizava duas tarefas. Desta forma, João lança mão de um ensino familiar aos judeus. Cada anjo neste capítulo recebe uma tarefa específica. Embora pareça que este anjo que tem autoridade sobre o fogo, pareça ter duas tarefas, a saber, autoridade sobre o fogo, e autoridade para ordenar ao outro anjo que use a foice afiada, isso não é verdade. Ele recebeu poder sobre o fogo, retratando o juízo; e ele exerce sua autoridade ordenando ao outro anjo que comece a vindimar. A vindima deveria começar, pois, “... as uvas estão amadurecidas...”. Da terra o anjo vindima as uvas as quais são lançadas no grande lagar da ira de Deus. Fora da cidade, o lagar foi pisoteado e o sangue correu como um rio no qual os cavalos podiam nadar (“... e correu sangue do lagar até aos freios dos cavalos...” o que quer dizer que o sangue chegou à altura da boca dos cavalos). Flávio Josefo em seu livro Guerra Judaica VI, relata que quando Jerusalém foi tomada por Tito, os soldados romanos matavam a todos quantos encontravam e fizeram com que a cidade se transformasse

154 Cf. KISTEMAKER, 2004, p. 530.

Page 128: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

122

num rio de sangue, a tal ponto que o fogo que irrompia em muitas casas era apagado com o sangue desses homens155. Quanto à extensão percorrida por este rio de sangue, 1600 estádios. Sendo um estádio romano o equivalente a 40 quilômetros aproximadamente, então aqui seria algo em torno de 400 quilômetros. Muitos significados são oferecidos, mas, como sempre, quase todos não passam de devaneios. William Hendriksen oferece uma interpretação plausível para este número. O número 1600 é o resultado de 4 x 4 = 16 que por sua vez é multiplicado por 10 x 10 = 100, ou seja, 16 x 100 = 1600. Como já vimos, o número 4 na simbologia judaica representa a terra, o universo, e o número 10 simboliza inteireza, perfeição. Sendo assim, o número 1600 aponta para a completa ira de Deus sobre todos os habitantes da terra.

Aplicação O Dia da Volta de Cristo será para nós o melhor dia das nossas vidas, pois, estaremos eternamente com o nosso Amado Redentor e jamais seremos separados Dele descansaremos das nossas fadigas, receberemos a grandiosa recompensa da Graça de Deus, estaremos envoltos eternamente em Sua glória. Mas, para os ímpios, este será o Dia do Juízo Final. Será o primeiro dia de uma eternidade sem fim de dor, pavor e desespero; o dia em que a ira de Deus será derramada plenamente sobre os perversos. Qual será no futuro o seu lar?

155 Cf. RIENECKER-ROGERS, 1988, p. 628.

Page 129: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

123

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 5. As Sete Taças – Ap 15 – 16 5.1. Os Sete Anjos e o Louvor dos Redimidos – Ap 15 5.1.1 – O Grande Sinal no Céu: a Visão dos Sete Anjos – Ap 15.1 5.1.2 – O Louvor dos Santos Vencedores – Ap 15.2-4 5.1.3 – A Abertura do Santuário – Ap 15.5-8

Introdução A ordem dos eventos na História está sempre se repetindo. Nesta nova seção do livro, o paralelismo progressivo se repete. Neste ponto dos nossos estudos é importante fazermos um resumo do que vimos até aqui para uma melhor compreensão do restante do livro que ainda falta para estudarmos. Este resumo prepara-nos para compreendermos os capítulos 15 e 16. ✓ Ap 1 – 3: as igrejas são estabelecidas pela pregação da Palavra de Deus, e também são consideradas

por Cristo como castiçais, ou seja, portadoras da Luz num mundo que jaz em trevas. Elas são abençoadas pela constante presença real de Cristo no meio delas.

✓ Ap 4 – 7: vez após vez o povo de Deus é perseguido pelo mundo. Esse povo está sujeito a muitas provações e aflições.

✓ Ap 8 – 11: repetidas vezes os juízos de Deus têm visitado o mundo perseguidor. Apesar da força desses juízos e seus efeitos horrendos os homens ímpios não chegam ao arrependimento.

✓ Ap 12 – 14: repetidas vezes este conflito entre a Igreja e o mundo aponta para uma guerra mais profunda, a saber, a inimizade entre Cristo e Satanás, entre a “semente da mulher” e o “dragão”156.

O que acontece quando na História (os sete selos), apesar dos avisos (trombetas) de Deus, os ímpios não chegam ao arrependimento? Será que Deus permite que essa dureza de coração, essa impenitência por parte dos ímpios e o desdém para com as Suas coisas, fiquem impunes e venham a receber o devido castigo somente no Juízo Final? Essas perguntas são respondidas nesta presente seção do livro (capítulos 15 e 16). Os flagelos aqui descritos como “taças derramadas”, mostram que Deus pune ainda nesta presente vida os impenitentes, os quais tiveram muitas chances de arrependimento e não aproveitaram; cruzaram a linha entre a paciência de Deus e a Sua ira.

5. As Sete taças (Ap 15 – 16) 5.1. Os Sete Anjos e o Louvor dos Redimidos (Ap 15) Este capítulo está em estreita conexão com o capítulo 16. Ele introduz o assunto de ambos: os sete flagelos (ou sete taças da ira de Deus). Enquanto Ap 15 apresenta é o cenário para os eventos que se desenrolarão em Ap 16, este descreve os eventos do cenário descrito em Ap 15. Podemos dividir Ap 15 em três partes: (1) O grande sinal no céu: a visão dos sete anjos (v.1); (2) o louvor dos santos vencedores (v.2-4)157; (3) a abertura do santuário (v.5-8).

156 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 188. 157 Esta parte é um “interlúdio” neste capítulo, pois, divide o assunto principal com um assunto que aparentemente não tem qualquer ligação.

Estudo 24

Page 130: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

124

5.1.1. O Grande Sinal no Céu: a Visão dos Sete Anjos (15.1) “Vi no céu outro sinal grande e admirável: sete anjos tendo os sete últimos flagelos, pois com estes se consumou a cólera de Deus” (v.1). Este é o “outro” grande sinal que João vê no céu. O verbo “ver” aparece quarenta e duas vezes em todo o livro, e aqui nos v.1-2, três vezes. O primeiro sinal está registrado em Ap 12.1-2 no qual João vê a mulher radiante e o seu oponente horrendo, o dragão. Ao descrevê-lo como “... sinal grande e admirável...” João se refere à ação de Deus derramando a Sua ira (por meio das sete taças) sobre os ímpios de coração endurecidos. Este versículo serve como um “pano de fundo” para o que será descrito nos v.5-8. A ira de Deus aqui descrita como “... sete últimos flagelos...”, mostra a totalidade e completude (número sete) da ira de Deus, bem como as ações finais da ira de Deus “... pois com estes se consumou a cólera de Deus”. Estas são as últimas pragas que o Senhor enviará sobre os ímpios; depois destas não mais virão pragas, mas, o próprio Senhor Jesus pessoalmente para executar Seu juízo.

5.1.2. O Louvor dos Santos Vencedores (15.2-4) Como um “interlúdio”, João agora interrompe a descrição da visão que vinha tendo e passa a descrever mais uma vez os santos vencedores que estão com Cristo nos céus, só que de outra forma. “Vi como que um mar de vidro, mesclado de fogo, e os vencedores da besta, da sua imagem e do número do seu nome, que se achavam em pé no mar de vidro, tendo harpas de Deus” (v.2). Como que desviando seus olhos da visão da cólera de Deus sendo despejada sobre os ímpios, João volta os seus olhos para a glória e vê muito além, ou seja, ele vê o que acontece enquanto a ira do Senhor Jesus é executada; ele vê os santos vitoriosos louvando ao Senhor pela Sua Justiça executada. Esta visão está em pleno acordo com o texto de 1Ts 4.17, onde é descrita a Volta de Cristo que primeiramente, ressuscitará os servos de Deus que estiverem mortos, em seguida, transformará os corpos dos crentes que estiverem vivos, e imediatamente, todos eles serão recolhidos à presença de Cristo “nos ares”, para dali participarem do Seu juízo contra os pecadores. Enquanto os ímpios colhem as severas consequências do juízo divino, os filhos de Deus já desfrutam das bem-aventuranças de Sua glória. Ele prossegue com a visão: “Vi como que um mar de vidro, mesclado de fogo...” (v.2). Em Ap 4.6, João viu o mar de vidro. O vidro simboliza a transparência e a clareza, enquanto, que, o fogo indica a pureza do Juízo de Deus. Assim evidencia-se que o juízo de Deus não deixa margem para dúvidas ou injustiças. O fogo da Sua ira é o que o pecado merece receber. Os santos são “... os vencedores da besta, da sua imagem e do número do seu nome”. Este versículo nos mostra que o “número da besta” não se trata de algarismos numéricos que serão vistos nos seguidores da besta, mas, sim, o pecado que caracteriza o seu caráter maligno. Os vencedores da besta, vencerão também o seu número, ou seja, o pecado. Eles se mantiveram firmes na presença de Deus e não sucumbiram ante os ataques do dragão e seus aliados. “e entoavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das nações! Quem não temerá e não glorificará o teu nome, ó Senhor? Pois só tu és santo; por isso, todas as nações virão e adorarão diante de ti, porque os teus atos de justiça se fizeram manifestos” (v.3-4). Comentando este trecho, William Hendriksen observa a ligação com a passagem pelo Mar Vermelho quando os israelitas fugiram do Egito. Ele diz158:

158 HENDRIKSEN, 1987, p. 190.

Page 131: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

125

João vê um mar. Na praia está uma multidão vitoriosa. Estão tocando suas harpas e cantando o cântico de Moisés e o cântico do Cordeiro. Esta visão é baseada mui claramente na história do afogamento das hostes de Faraó no Mar Vermelho. Naquela ocasião, também um povo vitorioso se pôs na praia do mar e cantou o cântico de salvação e de triunfo: “Cantarei a Javé, porque ele triunfou gloriosamente: O cavalo e o cavaleiro foram lançados ao mar” (Êx 15.1b). Esta vitória sobre os egípcios foi uma prefiguração da vitória de todos os redimidos de Deus sobre a besta, sua imagem, seu número. Portanto, o cântico que a Igreja triunfante está cantando é chamado de “o cântico de Moisés e do Cordeiro”. Em ambos os casos foi o Cordeiro quem garantiu a vitória. Moisés estava simplesmente fazendo a vontade de Deus, e é, portanto, chamado de “servo de Deus” (...) assim como Israel atribuiu sua vitória a Deus, assim também este vitorioso regimento, visto por João, proclama em alta voz que Deus é Aquele que concedeu triunfo a Seu povo; até mesmo suas harpas pertencem a Deus; e Ele é Quem lhas deu.

Neste cântico os santos expressam a sua confiança em Deus, a admiração pelo Seu infinito poder, perfeita justiça, e, Seu absoluto senhorio sobre todas as nações e povos. Além disso, este cântico está totalmente baseado no Antigo Testamento. Veja-se as seguintes passagens: Sl 111.2; 139.14; Am 3.13; 4.13. Sl 145.17; Dt 32.4; Jr 10.7 e Sl 86.9.

5.1.3 – A Abertura do Santuário (15.5-8) Voltando para a visão inicial, João agora contempla a cólera de Deus sendo despejada sobre os ímpios. “Depois destas coisas, olhei, e abriu-se no céu o santuário do tabernáculo do Testemunho” (v.5). Ele contempla o céu aberto e vê o “tabernáculo do testemunho”, o qual é o símbolo da presença real de Deus. Nos dias de Moisés, o tabernáculo foi o meio que Deus usou para imprimir nos corações dos Seus filhos a convicção da Sua presença real com eles. No Novo Testamento, o tabernáculo apontou para Jesus em Sua glória habitando conosco (Jo 1.14). Saindo da presença de Deus, João vê “e os sete anjos que tinham os sete flagelos saíram do santuário, vestidos de linho puro e resplandecente e cingidos ao peito com cintas de ouro” (v.6). Como já vimos, os sete flagelos são a ira completa de Deus contra os ímpios. Os “vestidos de linho puro e resplandecente” apontam para a pureza e santidade desses anjos (isto é perfeitamente compreensível, justamente pelo fato deles assistirem na presença de Deus), e as “cintas de ouro” representam a autoridade, dignidade e proeminência por serem eles “instrumentos” na execução da Sua santa vontade. “Então, um dos quatro seres viventes deu aos sete anjos sete taças de ouro, cheias da cólera de Deus, que vive pelos séculos dos séculos” (v.7). No Apocalipse os “seres viventes” (seres celestiais) recebem papéis especiais no desempenho progressivo do livro. Foram instrumentos na abertura dos quatro primeiros selos (Ap 6.1-8) e na condução das taças do incenso, que representam as orações dos santos (Ap 5.8; 8.3-5)159. “O santuário se encheu de fumaça procedente da glória de Deus e do seu poder...” (v.8a). A cena é uma lembrança de Deus enchendo o tabernáculo com a nuvem de Sua glória (Êx 40.34), como também aconteceu quando Salomão dedicou o templo (1Rs 8.10-11; 2Cr 5.13b-14). Também nos lembra o que aconteceu no chamamento de Isaías (Is 6.4). João prossegue dizendo: “...ninguém podia penetrar no santuário, enquanto não se cumprissem os sete flagelos dos sete anjos” (v.8b), ou seja, o tempo de arrependimento passou e ninguém mais pode ter acesso a presença de Deus, antes, todos devem aguardar a execução da Sua ira.

159 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.547.

Page 132: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

126

Aplicações Destacamos aqui: 1) Os terríveis sofrimentos eternos preparados para os ímpios, e as bem-aventuranças eternas

preparadas para os eleitos e salvos; ambos serão realizados em sua completude. 2) A certeza de que ambos acontecerão encontra sua base no caráter santo de Deus que não mente e

nem retrocede em Sua Palavra.

Page 133: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

127

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 5. As Sete Taças – Ap 15 – 16 5.2. As Sete Taças da Ira de Deus (Ap 16)

5.2.1. A Primeira Taça (v.1-2) 5.2.2. A Segunda Taça (v.3) 5.2.3. A Terceira Taça (v.4-7) 5.2.4. A Quarta Taça (v.8-9) 5.2.5. A Quinta Taça (v.10-11) 5.2.6. A Sexta Taça (v.12-16) 5.2.7. A Sétima Taça (v.17-21)

Introdução Na literatura bíblica, a figura de uma taça sendo entornada e derramando o seu conteúdo é símbolo da ira de Deus sendo derramada sobre os pecadores. Imagine um rei em seu banquete, ao ver o descuido de um serviçal que ao encher a taça de vinho, deixa a mesma transbordar fazendo bagunça na mesa do rei, o mesmo fica furioso e despeja sua ira sobre o serviçal. Certamente é dessa cena que foi extraída a figura de uma taça simbolizando a ira do rei. A visão que João passa a relatar agora em Ap 16 fala das taças da ira de Deus sendo derramadas sobre os pecadores.

5.2. As Sete Taças da Ira (Ap 16) Por todo o livro do Apocalipse João baseia suas visões no Antigo Testamento. É o que podemos constatar aqui no capítulo 16. Neste capítulo ele está pensando nas pragas que sobrevieram ao Egito por ocasião do Êxodo. É claro que o que é mais significativo aqui não é a sequência das pragas, mas, sim, a correspondência delas. Há também uma ligação muito estreita entre as taças e as trombetas (Ap 8 – 11):

Sete Trombetas Sete Taças 1. terra (8.7) 1. terra (16.2) 2. mar (8.8 e 9) 2. mar (16.3) 3. rios, fontes (8.10,11) 3. rios, fontes (16.4, 5) 4. sol, lua, estrelas (8.12) 4. sol (16.8) 5. poço do abismo (9.1) 5. trono da besta (16.10) 6. rio Eufrates (9.13, 14) 6. rio Eufrates (16.12) 7. relâmpago, granizo (11.15, 19) 8. relâmpago, granizo (16.17, 21)

5.2.1. A Primeira Taça (v.1-2) “Ouvi, vinda do santuário, uma grande voz, dizendo aos sete anjos: Ide e derramai pela terra as sete taças da cólera de Deus. Saiu, pois, o primeiro anjo e derramou a sua taça pela terra, e, aos homens portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem, sobrevieram úlceras malignas e perniciosas” (v.1-2). A grande voz que João ouve vinda do santuário é a do próprio Deus. Ele ordenou aos sete anjos que derramassem as “... sete taças da cólera de Deus...” sobre a face da terra. E assim, o

Estudo 25

Page 134: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

128

primeiro anjo derramou sobre a terra a sua taça sobre os “... homens portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem...”; e sobreveio a eles terríveis úlceras. João não diz claramente que a grande voz era de Deus, contudo, ele lançou mão aqui de um estilo tipicamente judaico no qual o nome de Deus não é mencionado claramente por respeito, mas, ao dizer que essa voz procedia do santuário, fica claro que se tratava da voz de Deus. Isso se harmoniza com o contexto do capítulo anterior, em especial o v.8 que fala da manifestação maravilhosa do poder e presença de Deus ali. Os “sete anjos” significam a ira completa (significado do número 7) de Deus sendo derramada, a qual ninguém pode deter. A figura das taças é bastante significativa, pois, o transbordar de uma taça significa que se esgotou a paciência, no caso aqui, a de Deus. A primeira taça foi derramada exclusivamente sobre os “... homens portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem...”, os quais são os inimigos de Deus e de Sua Igreja. Com respeito às enfermidades (“úlceras malignas e perniciosas”) que sobrevieram aos inimigos, é importante lembrar que o Senhor as usou contra os ímpios para punição, um exemplo disso é Herodes (At. 12.23). Contudo, aos crentes as enfermidades não são taças da ira de Deus, mas um dos meios que Deus usa para forjar neles o Seu caráter (Rm 8.28-29).

5.2.2. A Segunda Taça (v.3) “Derramou o segundo a sua taça no mar, e este se tornou em sangue como de morto, e morreu todo ser vivente que havia no mar” (v.3). A ira do Senhor também afetou o mar tornando-o numa poça gigantesca de sangue coagulado e fétido – algo extremamente repugnante – o que provoca a morte de “... todo ser vivente que havia no mar”. A grande diferença entre as trombetas e as taças é que aquelas afetaram a terça parte da criação, enquanto, que, as taças afetaram toda a criação. As trombetas (o anúncio do dia da ira do Senhor) trazem destruição, mas, não completa; as taças (a execução da ira do Senhor) trazem a destruição completa. Não haverá lugar para se esconder (veja o comentário do v.20).

5.2.3. A Terceira Taça (v.4-7) “Derramou o terceiro a sua taça nos rios e nas fontes das águas, e se tornaram em sangue. Então, ouvi o anjo das águas dizendo: Tu és justo, tu que és e que eras, o Santo, pois julgaste estas coisas; porquanto derramaram sangue de santos e de profetas, também sangue lhes tens dado a beber; são dignos disso. Ouvi do altar que se dizia: Certamente, ó Senhor Deus, Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são os teus juízos” (v.4-7). Os rios e as fontes são completamente afetados e dessa forma o castigo aos ímpios se intensifica. É justa a retribuição do Senhor. Dessa forma todo o suprimento para a vida se esgota. Debaixo do altar as almas haviam clamado por vingança (Ap 6.9; 8.3-5). Portanto, quando se executa esta vingança, é o altar que responde: “Certamente, ó Senhor Deus, Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são os teus juízos” (v.7).

5.2.4. A Quarta Taça (v. 8-9) “O quarto anjo derramou a sua taça sobre o sol, e foi-lhe dado queimar os homens com fogo. Com efeito, os homens se queimaram com o intenso calor, e blasfemaram o nome de Deus, que tem autoridade sobre estes flagelos, e nem se arrependeram para lhe darem glória” (v.8-9). Em Dt 28.22 encontramos: “O Senhor te ferirá com a tísica, e a febre, e a inflamação, e com o calor ardente, e a secura, e com o crestamento, e a ferrugem; e isto te perseguirá até que pereças”. Deus usa até mesmo o sol para punir os ímpios. O fogo sempre é descrito no Apocalipse como um agente purificador e santificador, mas, aqui, ele aparece como instrumento de destruição e punição

Page 135: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

129

específica sobre os inimigos de Deus os quais mesmo estando sob os piores flagelos não se arrependem e nem dão glória a Deus. Mais uma vez este texto faz alusão à saída de Israel do Egito, pois, mesmo sob as piores pragas, Faraó mantinha-se duro e empedernido em seu coração. Além disso, o fracasso em não arrependerem-se se dá pelo resultado de o Senhor tê-los abandonado em seus próprios pecados. Em Rm 1.24-28 Paulo menciona como o Senhor lhes endurece o coração em seus próprios pecados como um ato divino de juízo. Em suma, tais pessoas estão perdidas para sempre.

5.2.5 – A Quinta Taça (v.10-11) “Derramou o quinto a sua taça sobre o trono da besta, cujo reino se tornou em trevas, e os homens remordiam a língua por causa da dor que sentiam e blasfemaram o Deus do céu por causa das angústias e das úlceras que sofriam; e não se arrependeram de suas obras” (v.10-11). Agora, o alvo da ira de Deus é o trono da besta. Este trono da besta é o centro do governo anticristão (Na 3.1; Hb 3.12-14). Quando olhamos para a História e vemos ruindo os grandes impérios que massacraram o povo de Deus e a Sua Igreja, então conseguimos entender melhor este texto. Os ímpios ao verem seus impérios ruírem entram em colapso. Os ímpios todos desfalecem. Eles perdem a esperança. Ficam desesperados de tanta dor por causa das taças da ira de Deus derramadas sobre eles. Simon Kistemaker lembra que as quatro primeiras traças afetam a criação, enquanto, que, a quinta taça afeta o reino espiritual da besta, isto é, a sede do império espiritual de Satanás. Mais uma vez é mencionada a dureza dos corações dos ímpios.

5.2.6 – A Sexta Taça (v.12-16) “Derramou o sexto a sua taça sobre o grande rio Eufrates, cujas águas secaram, para que se preparasse o caminho dos reis que vêm do lado do nascimento do sol. Então, vi sair da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs; porque eles são espíritos de demônios, operadores de sinais, e se dirigem aos reis do mundo inteiro com o fim de ajuntá-los para a peleja do grande Dia do Deus Todo-Poderoso. (Eis que venho como vem o ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua vergonha.) Então, os ajuntaram no lugar que em hebraico se chama Armagedom” (v.12-16). Algumas passagens veterotestamentárias são mencionadas aqui. Primeiramente, quando João diz: “Derramou o sexto a sua taça sobre o grande rio Eufrates, cujas águas secaram, para que se preparasse o caminho dos reis que vêm do lado do nascimento do sol” (v.12), é uma alusão aos israelitas atravessando o Mar Vermelho e o Rio Jordão (Êx 14.21; Js 3;17), sendo perseguidos pelos inimigos que foram vergonhosamente destruídos por Deus. Aqui, os reis do Oriente, descritos por João são as forças inimigas que se levantam contra a Igreja de Cristo, tal como o Egito se levantou contra Israel. Em Jz 4 e 5 sabemos que o rei Jabim e os cananeus trouxeram terrível desolação a Israel. Para libertar Seu povo, Deus usou Débora e Baraque. Uma terrível batalha foi travada no vale de Megido e os inimigos de Israel são destruídos (Jz 4.14). Foi o próprio Senhor Deus quem pelejou por Israel e deu-lhe a vitória (Jz 5.20). Willian Hendriksen diz160:

Portanto, Armagedom é o símbolo de todas as batalhas, nas quais, quando a necessidade é grande e os crentes são oprimidos, o Senhor manifesta de repente Seu poder em favor de Seu povo angustiado, e vence o inimigo (...) Mas a real, a grande, a final batalha de Armagedom coincide com aquela ocasião do “pouco tempo” de Satanás (veja-se Ap 11.7-11).

160 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 195.

Page 136: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

130

Da boca do dragão (Satanás), da boca da besta (governo anticristão) e da boca do falso profeta (religião anticristã) João diz que: “Então, vi sair da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs” (v.13), ou seja, seu aspecto é repugnante, asqueroso. Tudo quanto procede do diabo e dos seus aliados em seu âmago é repugnante. Eles são “espíritos de demônios, operadores de sinais, e se dirigem aos reis do mundo inteiro com o fim de ajuntá-los para a peleja do grande Dia do Deus Todo-Poderoso” (v.14), ou seja, como que tentando impressionar, Satanás por meio dos seus agentes tenta reunir um poderoso exército a fim de intimidar a Igreja a qual deve estar sempre alerta com a vida sempre em ordem para que não seja apanhada de surpresa naquele dia “Eis que venho como vem o ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua vergonha” (v.15). João vê que a sexta taça é derramada sobre o rio Eufrates o qual aponta para Assíria e Babilônia161 que simbolizam o mundo iníquo. Desencadeia o Armagedom (v.16). Mas, o que significa essa batalha do Armagedom? Muitas interpretações (várias delas até mesmo jocosas) são oferecidas. O termo “Armagedom” ocorre somente aqui em toda a Bíblia. Ele é a transliteração do nome hebraico Megido. O monte ou cidade de Megido, situado na planície de Esdralon, foi palco de intensas e sangrentas batalhas. Simon Kistemaker conclui162:

Considero o termo Armagedom como um símbolo por meio do qual Deus livra seu povo do mal e demonstra que ele tem o poder e a força para subverter seus inimigos. Ele mostrou reiteradamente sua fidelidade resgatando-os nos tempos tanto do Antigo como do Novo Testamento. Assim, ele os liberta durante a tribulação final quando do regresso de Cristo. “É por essa razão que o Har-Magedon é a sexta taça. A sétima é o dia do juízo.

5.2.7. A Sétima Taça (v. 17-21) “Então, derramou o sétimo anjo a sua taça pelo ar, e saiu grande voz do santuário, do lado do trono, dizendo: Feito está! E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocorreu grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra; tal foi o terremoto, forte e grande. E a grande cidade se dividiu em três partes, e caíram as cidades das nações. E lembrou-se Deus da grande Babilônia para dar-lhe o cálice do vinho do furor da sua ira. Todas as ilhas fugiram, e os montes não foram achados; também desabou do céu sobre os homens grande saraivada, com pedras que pesavam cerca de um talento; e, por causa do flagelo da chuva de pedras, os homens blasfemaram de Deus, porquanto o seu flagelo era sobremodo grande” (v.17-21). Esta taça é lançada no ar: “Então, derramou o sétimo anjo a sua taça pelo ar, e saiu grande voz do santuário, do lado do trono, dizendo: Feito está!” (v.17). Sabemos que a melhor maneira de uma epidemia se espalhar é através do ar. Novamente João ouve a voz de Deus: “Feito está!”. A ira de Deus foi derramada completamente. No céu João vê “relâmpagos, vozes e trovões” (v.18), na terra “ocorreu grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra; tal foi o terremoto, forte e grande” (v.18). Tudo nesta taça é grande, o que aponta para a intensidade da ira de Deus sobre os ímpios. Estes flagelos trouxeram um abalo sem precedentes em toda a criação, tanto no céu como na terra. “E a grande cidade se dividiu em três partes, e caíram as cidades das nações. E lembrou-se Deus da grande Babilônia para dar-lhe o cálice do vinho do furor da sua ira” (v;19). A Babilônia,

161 A Assíria e a Babilônia foram impérios que escravizaram Israel por cerca de 300 anos. Assíria (o reino do norte) levou cativo Israel (a parte norte da terra prometida em 720 a.C.) e a Babilônia (o reino do sul) levou em cativeiro a Judá (a parte sul da terra prometida em 586 a.C.). 162 KISTEMAKER, 2004, p.571.

Page 137: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

131

a grande meretriz se vê totalmente destruída (este é o significado de ela ter sido destruída em três partes). Este cidade é o centro do poder anticristão que recebe agora o justo castigo de Deus. A ira de Deus derramada em sua plenitude não deixou nenhum lugar para esconderijo, pois, “Todas as ilhas fugiram, e os montes não foram achados” (v.20). Nem mesmo fora da terra, lugar algum escapou da ira de Deus: “também desabou do céu sobre os homens grande saraivada, com pedras que pesavam cerca de um talento; e, por causa do flagelo da chuva de pedras, os homens blasfemaram de Deus, porquanto o seu flagelo era sobremodo grande” (v.21). Uma saraivada com pedras do peso de um talento163 destruíram toda a terra (v.21). Em suma não ficou um único lugar na terra sem passar pela Ira de Deus. Contudo, os ímpios ainda continuam blasfemando de Deus. Toda esta seção (Ap 15 – 16) mostra a fúria da ira de Deus sendo despejada completamente sobre os ímpios. Não haverá um único lugar neste universo que não sentirá o peso da mão de Deus despejando as Suas taças da ira.

Aplicação Da ira dos homens e da de Satanás, Deus nos livra. Mas, quem pode livrar o homem da ira de Deus? A pergunta do Sl 90.11: “Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido?” teve sua resposta na cruz do Calvário. Cristo conheceu o poder da ira de Deus que deveria cair sobre nós; Cristo viu a face de Deus em cólera segundo o temor que a Ele é devido. Somente Deus pode nos livrar da ira de Deus. Os que hoje correm para Cristo e Nele buscam a misericórdia e o perdão, haverão de escapar da ira de Deus no Dia do Juízo Final, porque Cristo na cruz, suportou a ira do Pai no lugar dos pecadores eleitos. Mas, o Dia do Juízo será o dia “da ira do Cordeiro” (cf. Ap 6.16; 14.10); este mesmo Deus, o Senhor Jesus, derramará a sua ira sobre os pecadores condenados.

163 Um talento tem algo em torno de 60 kg.

Page 138: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

132

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 6. A Queda dos Aliados do Dragão – Ap 17 – 19 6.1 – O Julgamento de Babilônia (Ap 17) 6.1.1. A Mulher e a Besta (v.1-6) 6.1.2 – A História da Besta (v.7-18)

Introdução Em concordância com o paralelismo progressivo que vem servindo de diretriz para os nossos estudos no Apocalipse164, entramos agora, na penúltima seção do livro. Segue-se uma vívida descrição da queda de Babilônia e a punição infligida sobre a besta e o falso profeta. Notemos o quadro da vinda de Cristo para o juízo (19.11ss): “Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro, e julga e peleja com justiça”. Toda a Era Cristã novamente é abrangida encerrando com a volta de Cristo. Em Apocalipse, os inimigos de Cristo são apresentados na seguinte ordem: O dragão, A besta que emerge do mar (poderes políticos anticristãos), A besta que emerge da terra (as religiões anticristãs – falso profeta), Babilônia, a grande meretriz (o mundo pervertido) e, Os que portam a marca da besta (Ap 12 – 14). A destruição dos inimigos de Cristo apresenta esses mesmos elementos só que em ordem inversa: Os seguidores da besta sofrem a devida punição (Ap 15 e 16), A punição sobre a grande meretriz Babilônia (Ap 17 e 18), A punição das bestas (Ap 19), O dragão é definitivamente derrotado (Ap 20). Esta presente seção do livro pode ser resumida da seguinte forma: Ap. 17 descreve a natureza de Babilônia, a grande meretriz, e narra a sua história; Ap. 18 nos mostra o inevitável, completo e irrevogável caráter da queda de Babilônia; por fim, Ap. 19 nos apresenta o regozijo no céu por causa da completa ruína de Babilônia e por causa das bodas do Cordeiro (cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 197).

6.1 – O Julgamento de Babilônia (Ap 17) Dividiremos este capítulo em duas partes: A Mulher e a Besta v.1 – 6, e A História da Besta (v.7 – 18).

6.1.1 – A Mulher e a Besta (v.1-6) Antes de tudo, devemos destacar que a mulher descrita neste capítulo não é a mesma descrita em Ap 12. Enquanto a de Ap 12 descreve a Igreja de Cristo (o Povo de Deus), esta, de Ap 17

164 Veja a página 16 desta apostila no item “Análise Geral”.

Estudo 26

Page 139: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

133

é a personificação do pecado, do engano e da sedução do Mal, a fim de desviar os homens do Caminho da Verdade. “Veio um dos sete anjos que têm as sete taças e falou comigo” (v.1). Qual dos sete anjos que derramaram suas taças é este anjo não sabemos. Mas, isto não tem importância. O que importa é o que ele fez. Ele mostrou a João o julgamento da grande meretriz: “Vem, mostrar-te-ei o julgamento da grande meretriz (v.1b). Antes de descrever quem é essa “grande meretriz”, o anjo relata as suas obras pelas quais o julgamento divino virá sobre ela: “que se acha sentada sobre muitas águas, com quem se prostituíram os reis da terra; e, com o vinho de sua devassidão, foi que se embebedaram os que habitam na terra” (v.1b-2). Quem é essa “grande meretriz”? O próprio texto a identifica como: “BABILÔNIA, A GRANDE, A MÃE DAS MERETRIZES E DAS ABOMINAÇÕES DA TERRA” (v.5). Mas, tal figura refere-se à cidade de Babilônia literalmente? Para podermos compreender o porquê desta associação com Babilônia, precisamos entender como os cristãos viam a cidade (real) de Babilônia. A Babilônia antiga estava situada ao longo das praias do rio Eufrates. Ela foi a capital de um dos maiores impérios de todos os tempos. Sob o comando de Nabucodonosor, os babilônios invadiram Judá (a parte sul de Israel) e destruíram Jerusalém, profanaram o Templo do Senhor, e levaram cativos os nobres do povo de Judá. Isto aconteceu no ano 608, 596 e 586 a.C. Assim sendo, Babilônia se tornou símbolo de destruição, de luxúria e de devassidão. Obviamente, o que João vê montada sobre a besta que emerge do mar (compare os v.1 e 3), não era a cidade, propriamente dita, de Babilônia, mas, sim, alguém que seduzia os povos com sua sensualidade e prostituição. Há um duplo sentido nesta figura: Um sentido amplo e abrangente, e um sentido restrito. Num sentido amplo “Babilônia” aqui refere-se a todo o sistema político (“se acha sentada sobre muitas águas”) que rege o mundo, primeiramente, seduzindo-o com coisas aparentemente belas e atrativas, que, na verdade não passam de “... abominações ... imundícias...” (v.4). Num sentido restrito “Babilônia” apontava para a cidade de Roma, capital do império de então, a qual derramou o sangue de muitos discípulos do Senhor (v.6; compare com o v.18). É importante observarmos como essa “grande meretriz” age em pleno acordo com a besta “Transportou-me o anjo, em espírito, a um deserto e vi uma mulher montada numa besta escarlate, besta repleta de nomes de blasfêmia, com sete cabeças e dez chifres” (v.3). O fato dessa mulher aparecer montada sobre a besta indica que elas agem em comum acordo. Como já vimos em Ap 13, a besta que emerge do mar, representa os sistemas políticos e governos anticristãos que usam seu poder para perseguir a Igreja de Cristo (compare com Ap 17.15). Em Ap 17.2 vemos que “... os reis da terra...”, ou seja, os poderosos, se prostituíam com a meretriz. Estes se deixaram levar pela sensualidade da meretriz. Sua sensualidade é assim descrita: “Achava-se a mulher vestida de púrpura e de escarlata, adornada de ouro, de pedras preciosas e de pérolas, tendo na mão um cálice de ouro transbordante de abominações e com as imundícias da sua prostituição” (v.4). Ela traz em sua mão um cálice de ouro que no interior só se vê abominações. Assim é o mundo pecador. Ele se apresenta lindo e atraente (cálice de ouro), mas, seu interior é todo abominação e podridão. “Na sua fronte, achava-se escrito um nome, um mistério: BABILÔNIA, A GRANDE, A MÃE DAS MERETRIZES E DAS ABOMINAÇÕES DA TERRA” (v.5). Na fronte, os incrédulos têm a marca da besta, os santos, o selo ou o nome de Deus e do Cordeiro; a grande meretriz, por sua vez, traz estampadas em sua fronte os seus pecados. É dito que essa inscrição é “um mistério”, o qual é revelado no v.7. Ao descrevê-la como “A GRANDE”, João aponta para a forma como Babilônia e todos os pecadores arrogantes se veem. Ainda maior que a sua arrogância será a sua queda. Ele continua: “A MÃE DAS MERETRIZES E DAS ABOMINAÇÕES DA TERRA”. Ao chama-la de “mãe”, é no sentido de ela ser a líder encabeçando os ímpios contra a Igreja, como se vê a seguir.

Page 140: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

134

“Então, vi a mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus; e, quando a vi, admirei-me com grande espanto” (v.6). A cena é estarrecedora, e não foi à toa que João ficou perplexo (“admirei-me com grande espanto”). A meretriz embriagava-se com o sangue dos santos e das testemunhas de Jesus. Nos primórdios do Cristianismo, dizia-se que “o sangue dos mártires foi a semente da Igreja”. A perseguição e o martírio sempre sobrevieram a Igreja. Quanto mais nos aproximamos da Volta de Cristo, mais intensa será a perseguição. A terra tem bebido o sangue dos nossos irmãos desde sempre. Mas, Cristo os vingará.

6.1.2 – A História da Besta (v.7-18) “O anjo, porém, me disse: Por que te admiraste? Dir-te-ei o mistério da mulher e da besta que tem as sete cabeças e os dez chifres e que leva a mulher” (v.7). Antes de revelar o mistério sobre a mulher e a besta a João, o anjo lhe faz um questionamento a fim de consolá-lo. “a besta que viste, era e não é, está para emergir do abismo e caminha para a destruição. E aqueles que habitam sobre a terra, cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida desde a fundação do mundo, se admirarão, vendo a besta que era e não é, mas aparecerá” (v.8). A besta é descrita como a que “... era e não é” (v.8,11), e isto aponta para a transitoriedade da besta, ou seja, dos impérios, pois, ela (a besta) “...caminha para a destruição” (v.8). Os impérios vêm e vão. Junto à besta cairão também os réprobos, que “não foram escritos no Livro da Vida desde a fundação do mundo”, os quais adoraram a imagem da besta (cf. Ap 13.3b). A perplexidade tomará conta de seus corações, porque essa besta que existia e deixou de existir, reaparecerá. Uma regra de interpretação bíblica que sempre deve ser observada é a que diz que a Bíblia explica a Bíblia, ou seja, interpretar um texto em consonância com outros textos bíblicos. No presente capítulo temos uma interpretação dos símbolos nele encontrados. Vejamos. “Aqui está o sentido, que tem sabedoria: as sete cabeças são sete montes, nos quais a mulher está sentada. São também sete reis, dos quais caíram cinco, um existe, e o outro ainda não chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco” (v.9-10). A maioria dos comentaristas afirma que João está se referindo especificamente à cidade de Roma quando diz “As sete cabeças”. Contudo isto pareça lógico, pois, de fato Roma está edificada sobre sete colinas, a questão que surge é: porque João agora fala literalmente, sendo que, até aqui, ele falou simbolicamente, com relação às sete cabeças da besta? A frase “Aqui está o sentido, que tem sabedoria” quer dizer “Aqui está a mente que tem entendimento”165. A expressão “sete montes” ou “sete colinas” devem ser entendidas como uma referência aos impérios anticristãos de todas as épocas, e não um império específico. O Antigo Testamento indica que montes podem simbolizar poder político, como fica evidente nas seguintes passagens: Is 2.2; Jr 51.25; Dn 2.35b. “São também sete reis, dos quais caíram cinco, um existe, e o outro ainda não chegou”, o que para muitos intérpretes bíblicos representam imperadores romanos, mas, a dificuldade em relação à sequência desses imperadores põe em cheque essa interpretação. É mais plausível entender que aqui é uma referência aos grandes impérios mundiais: Babilônia antiga, Assíria, Neo-Babilônia, Medo-Persa, Grego-Macedônio e Roma. Os cinco primeiros já haviam caído, o sexto (Roma) existia ainda nos dias de João, e o sétimo “...quando chegar, tem de durar pouco”, apontando assim para a transitoriedade desses impérios; eles caminham para a destruição. O único Império que é eterno é o de Cristo. “E a besta, que era e não é, também é ele, o oitavo rei, e procede dos sete, e caminha para a destruição” (v.11). A besta que emerge do mar sobre a qual está montada a mulher, procede dos sete impérios, e igualmente, “caminha para a destruição”. “Os dez chifres que viste são dez reis, os quais ainda não receberam reino, mas recebem autoridade como reis, com a besta, durante uma hora” (v.12). Esses dez chifres (o chifre era símbolo de poder e força), “... são dez reis, os quais ainda não receberam reino, mas recebem autoridade como

165 KISTEMAKER, 2004, p.593.

Page 141: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

135

reis, com a besta, durante uma hora” (v.12). Eles não receberam reino, mas, tinham autoridade como de reis, pelo espaço de tempo de “uma hora”, o que aponta para sua transitoriedade, assim como a dos impérios anteriores que também foram transitórios. “Têm estes um só pensamento e oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem” (v.13), ou seja, estão plenamente aliados à besta no seu ataque contra a Igreja de Cristo, colocando-se assim à disposição da besta para “usá-los” como bem lhe pretender. Todos eles, as bestas, os impérios, os reis e todos aqueles que não têm seus nomes escritos no Livro da Vida desde a fundação do mundo (v.8), “Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele” (v.14)166. A designação dos aliados do Cordeiro “chamados, eleitos e fiéis...”, é muito expressiva. A ordem cronológica seria: eleitos, chamados e fiéis, ou seja, Deus elegeu (escolheu os Seus) antes da fundação do mundo, no tempo determinado por Ele os chamou (converteu), aos quais agora, capacita para serem fiéis. Mas, a colocação das palavras conforme o texto nos faz observar essa realidade de forma ainda mais plena. Os “chamados” só vieram a Cristo, porque foram “eleitos” por Ele, e tão somente por isso, permanecem fiéis a Ele. Tanto a nossa conversão quanto a nossa fidelidade são resultado da eleição divina, e nunca o contrário. “Falou-me ainda: As águas que viste, onde a meretriz está assentada, são povos, multidões, nações e línguas” (v.15). As águas em que a meretriz se assenta (v.15) “...são os povos, multidões, nações e línguas”. Todo o mundo está sob o controle e sedução da meretriz. Devemos observar a quádrupla descrição do mundo (povos, multidões, nações e línguas). Como já estudamos anteriormente, o número 4 simboliza o cosmos, o mundo inteiro. Não se restringe à uma era específica, mas, a todas as eras, ou seja, a História do princípio ao fim. “Os dez chifres que viste e a besta, esses odiarão a meretriz, e a farão devastada e despojada, e lhe comerão as carnes, e a consumirão no fogo” (v.16). Este capítulo termina mostrando o trágico fim da grande meretriz. Num relance de fúria, os seus aliados serão tomados de profunda aversão por ela e a atacarão, despindo-a de suas vestes luxuriosas, devorarão suas carnes e a queimarão no fogo. Esta cena retrata o caos em que o pecado lança o homem e o castigo que sobrevêm ao pecador. Esta aversão à grande meretriz, a autodestruição dos ímpios, tudo está nos propósitos de Deus e dessa forma se cumprirá a Palavra de Deus “Porque em seu coração incutiu Deus que realizem o seu pensamento, o executem à uma e deem à besta o reino que possuem, até que se cumpram as palavras de Deus” (v.17). Destaca-se aqui o fato de que Deus está no controle de tudo. Ele próprio moverá os corações desses ímpios contra a mulher, a grande meretriz. O asco por ela tomará seus corações, e eles sentirão não só repulsa, mas fúria contra ela por ter-lhes enganado e seduzido. Depois de matarem e devorarem a mulher, a grande meretriz, os reis se voltarão para a besta e lhe entregaram a autoridade sobre seus reinos. Mas, tudo isso está dentro dos propósitos de Deus, o qual permite um temporário triunfo do mal para que que quando Ele vier em Sua glória e poder julgar o mal, seja Ele glorificado e exaltado. “A mulher que viste é a grande cidade que domina sobre os reis da terra” (v.18). A mulher da visão, como fica claro no texto é “a grande cidade que domina sobre os reis da terra”. Simon Kistemaker comentando este verso diz167:

“Há duas cidades no Apocalipse. Uma é a nova Jerusalém que desce dos céus, da parte de Deus (3.12; 21.2, 10; 22.2, 3), e a outra é a cidade do mundo controlada por Satanás e conhecida como Babilônia, a Grande (11.8; 14.8; 16.19; 17.5; 18.2, 10). Essas duas cidades têm seus próprios cidadãos, seus próprios governos e leis, e seus próprios destinos. Uma é a cidade da luz; a outra, a

166 Este é o versículo-chave do livro do Apocalipse. Todo o livro deve ser interpretado dentro da perspectiva deste verso. 167 KISTEMAKER, 2004, p.604.

Page 142: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

136

cidade das trevas; uma é conhecida por sua pureza, a outra, por suas fraudes. Numa, Deus e o Cordeiro habitam com seu povo; e na outra residem Satanás, os anjos apóstatas e seus seguidores”.

Aplicação A exortação do Apóstolo João em 1Jo 2.15-18 devemos ecoar em nossos ouvidos e coração: “15 Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; 16 porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. 17 Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente. 18 Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também, agora, muitos anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora. 19 Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos. 20 E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento”.

Page 143: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

137

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 6. A Queda dos Aliados do Dragão – Ap 17 – 19 6.2. A Queda de Babilônia (Ap 18) 6.2.1. A Queda é Anunciada (v.1-8) 6.2.2. Os Admiradores de Babilônia Lamentam Sua Queda (v.9-20) 6.2.3. Babilônia é Definitivamente Arruinada (v.21-24)

Introdução Os aliados do Dragão estão sofrendo o julgamento que lhes cabe; este é o assunto desta seção do Apocalipse. Enquanto Ap 17 apresentou o caráter de Babilônia (uma prostituta que seduz os poderosos da terra), Ap 18 apresenta o castigo que essa aliada do Dragão sofrerá.

6.2. A Queda de Babilônia (Ap 18) Podemos dividir Ap 18 em três partes do modo como é apresentado pela versão Almeida Revista e Atualizada da Bíblia: (1) a queda é anunciada (v.1-8); (2) os admiradores de Babilônia lamentam sua queda (v.9-20); (3) Babilônia é definitivamente arruinada (v.21-24).

6.2.1. A Queda é Anunciada (v.1-8) Como já foi visto, a menção à Babilônia não se restringe apenas àquela cidade que se situava às margens do rio Eufrates, mas, vai muito além. Ela é o centro do universal reino das Trevas. É um símbolo do mundo ímpio que ataca a Igreja de Cristo. O Primeiro Lamento (v.1-3) “Depois destas coisas, vi descer do céu outro anjo, que tinha grande autoridade, e a terra se iluminou com a sua glória” (v.1). O anjo que João vê descendo do céu é grande em poder e autoridade e com seu fulgor encheu de luz a terra. Há quem afirme que este anjo seja o próprio Senhor Jesus, mas, isto não tem base firme, pois, o adjetivo precedente “outro” aponta para a sucessão de anjos anteriores (cf. Ap 17.1,3,7,15)168. “Então, exclamou com potente voz, dizendo: Caiu! Caiu a grande Babilônia e se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável” (v.2). O fato da glória deste anjo encher a terra de luz, aponta para o contraste entre a santidade deste anjo comparada à depravação da Babilônia que é a “... morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável...”. A abominação de Babilônia se dá por causa de seu pecado. Outro fato que nos chama a atenção é o anúncio da queda de Babilônia: “Caiu! Caiu a grande Babilônia...”. Pela frase estar construída no passado mostrando que a queda já ocorrera isto mostra que ela haverá de acontecer como de fato já aconteceu nos eternos decretos de Deus (Ap. 17.17). “pois todas as nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição. Com ela se prostituíram os reis da terra. Também os mercadores da terra se enriqueceram à custa da sua luxúria”

168 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.610.

Estudo 27

Page 144: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

138

(v.3). Aqui João repete o que já foi dito em Ap 14.8. Três classes de pessoas são apresentadas aqui: as nações, os seus reis e os mercadores, e todos eles se deixaram levar pela luxúria da meretriz, Babilônia. As nações beberam do seu vinho, isto é, pecaram deliberadamente contra Deus provocando-Lhe a ira. Os reis se prostituíram com ela, ou seja, curvaram-se diante de ídolos e forçaram seus súditos a fazerem o mesmo. “Não surpreende que os cristãos na província da Ásia vivessem em desprezível pobreza: recusaram submeter-se aos ditames dos deuses e associações locais (cap.2 e 3)”169. Quanto aos mercadores que se enriqueceram e lucraram com a luxúria de Babilônia, estes foram os responsáveis por espalharem a sua luxúria pelo mundo. Deus Ordena Seu Povo a Fugir (v.4-8) “Ouvi outra voz do céu, dizendo: Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (v.4). A ordem de retirar-se de Babilônia (mundo ímpio) é dada aos crentes de todos os tempos, veja Is 48.20; 52.11; Jr 50.8,41,44; Zc 2.7170. Mas fica a pergunta: como sair do mundo se é nele que habitamos? Por “mundo” aqui, nos referimos ao sistema pecaminoso em que os homens vivem. Isto fica bem claro no texto quando ouvimos Deus dizer aos Seus filhos para não serem “... cúmplices em seus pecados...”. O desafio do crente não é se isolar deste mundo, mas, sim, viver em santidade diante de Deus. Os pecados de Babilônia, disse o Senhor “porque os seus pecados se acumularam até ao céu, e Deus se lembrou dos atos iníquos que ela praticou” (v.5), por isso ela haverá de receber em justa medida da fúria de Deus. Em Sua infinita misericórdia para com o Seu povo, Deus ordena-lhe a se retirar para não sofrerem dos seus flagelos. “Dai-lhe em retribuição como também ela retribuiu, pagai-lhe em dobro segundo as suas obras e, no cálice em que ela misturou bebidas, misturai dobrado para ela. O quanto a si mesma se glorificou e viveu em luxúria, dai-lhe em igual medida tormento e pranto, porque diz consigo mesma: Estou sentada como rainha. Viúva, não sou. Pranto, nunca hei de ver!” (v.6-7). A glória da Babilônia está na sua luxúria, perversidade e arrogância, e justamente nestas coisas Deus haverá de humilhá-la. As palavras de Babilônia mostram essa arrogância, prepotência e estupidez. Os flagelos que sobrevirão à Babilônia mostrarão a sua fragilidade, pobreza e podridão. “Por isso, em um só dia, sobrevirão os seus flagelos: morte, pranto e fome; e será consumida no fogo, porque poderoso é o Senhor Deus, que a julgou” (v.8). O mal que ela em tempos praticou haverá de receber a retribuição “... em um só dia...”, o que indica a intensidade da fúria de Deus para com o pecado. É muito importante vermos como Deus lida com o pecado. A única coisa que atrai a fúria da santidade de Deus como um relâmpago é o pecado! Os pecadores perversos vivem zombando de Deus. Duvidam de Sua Palavra e promessas. Pensam que é impossível e que é invencionice dos crentes essa história de “Juízo Final”.

6.2.2. Os Admiradores de Babilônia Lamentam Sua Queda (v.9-20) Encontramos três cantos de lamento nesta parte de Ap 18, em contraste com a situação dos filhos no v.20 . Vejamos: O Lamento dos Reis (v.9 e 10) “Ora, chorarão e se lamentarão sobre ela os reis da terra, que com ela se prostituíram e viveram em luxúria, quando virem a fumaceira do seu incêndio, e, conservando-se de longe, pelo medo do seu tormento, dizem: Ai! Ai! Tu, grande cidade, Babilônia, tu, poderosa cidade! Pois, em uma só hora, chegou o teu juízo” (v.9-10). Estes que cometeram fornicação com a grande meretriz, agora lamentam “de longe” a sua destruição. Os poderosos deste mundo que viveram na opulência e

169 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.613. 170 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.205.

Page 145: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

139

luxúria, ao verem o colapso que se abaterá sobre o sistema financeiro, tentarão fugir ficando de longe. Porém, os efeitos severos do Juízo Divino lhes alcançará onde estiverem. Da ira de Deus só escaparão aqueles que se abrigaram em Cristo. O lamento deles é pela terrível perda financeira que tiveram. Mesmo que fiquem de longe lamentando por estarem tomados de pavor, haverão de ser afetados pela destruição de Babilônia, pois, a falência do sistema econômico os afetará em cheio. Ressalta-se novamente a repentina destruição. O que ela construiu em anos, décadas e séculos, “em um só dia” (v.8), e “em uma só hora” (v.9) será reduzido a pó pelo Juízo de Deus. O duplo “Ai” proferido pelos reis: “Ai! Ai! Tu, grande cidade, Babilônia, tu, poderosa cidade!”, indica tanto a tristeza causada pela destruição como a anunciação da mesma. O Lamento dos Mercadores (v.11-17a) “E, sobre ela, choram e pranteiam os mercadores da terra, porque já ninguém compra a sua mercadoria, mercadoria de ouro, de prata, de pedras preciosas, de pérolas, de linho finíssimo, de púrpura, de seda, de escarlata; e toda espécie de madeira odorífera, todo gênero de objeto de marfim, toda qualidade de móvel de madeira preciosíssima, de bronze, de ferro e de mármore; e canela de cheiro, especiarias, incenso, unguento, bálsamo, vinho, azeite, flor de farinha, trigo, gado e ovelhas; e de cavalos, de carros, de escravos e até almas humanas. O fruto sazonado, que a tua alma tanto apeteceu, se apartou de ti, e para ti se extinguiu tudo o que é delicado e esplêndido, e nunca jamais serão achados. Os mercadores destas coisas, que, por meio dela, se enriqueceram, conservar-se-ão de longe, pelo medo do seu tormento, chorando e pranteando, dizendo: Ai! Ai da grande cidade, que estava vestida de linho finíssimo, de púrpura, e de escarlata, adornada de ouro, e de pedras preciosas, e de pérolas, porque, em uma só hora, ficou devastada tamanha riqueza!”. O mesmo se dá com os mercadores da terra. Aquilo que lhes enriqueceu e lhes trouxe tanta alegria, agora era motivo de pranto porque não despertava mais o interesse das pessoas, “já ninguém comora sua mercadoria” (v.11). O seu comércio é amplo em relação aos produtos comercializados (v.12-13):

✓ Elementos do reino mineral: ouro, prata, pedras preciosas, pérolas, bronze e ferro; ✓ Elementos do reino vegetal: linho finíssimo, púrpura, seda, escarlata; e toda espécie de madeira

odorífera, madeira preciosíssima; ✓ Elementos do reino animal: marfim, gado, ovelhas, cavalos; ✓ Especiarias: canela de cheiro, especiarias, incenso, unguento, bálsamo, vinho, azeite, flor de

farinha, trigo; ✓ Seres humanos: escravos e até almas humanas.

Esta lista mostra as riquezas do mundo as quais todas perecerão. Enquanto isso, semelhantemente aos reis, esses mercadores permanecerão “de longe” lamentando toda a sua fonte de renda e lucro desaparecer em meio ao fogo da ira de Deus: “O fruto sazonado, que a tua alma tanto apeteceu, se apartou de ti, e para ti se extinguiu tudo o que é delicado e esplêndido, e nunca jamais serão achados” (v.14). Tal como acontecerá aos reis, também sucederá aos mercadores, a saber, ficarão de longe, mas, serão alcançados pelo Juízo de Deus. Aqueles que presenciaram a opulência de Babilônia que se arvorava do seu esplendor, agora, lamentam: “Ai! Ai da grande cidade, que estava vestida de linho finíssimo, de púrpura, e de escarlata, adornada de ouro, e de pedras preciosas, e de pérolas, porque, em uma só hora, ficou devastada tamanha riqueza!” (v.16-17a). Tudo o que adquiriram com seu trabalho inescrupuloso e ganancioso durante toda a sua vida, será destruído “em uma só hora” (v.17a). O Lamento dos Navegantes (v.17b -19) “E todo piloto, e todo aquele que navega livremente, e marinheiros, e quantos labutam no mar conservaram-se de longe. Então, vendo a fumaceira do seu incêndio, gritavam: Que cidade

Page 146: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

140

se compara à grande cidade? Lançaram pó sobre a cabeça e, chorando e pranteando, gritavam: Ai! Ai da grande cidade, na qual se enriqueceram todos os que possuíam navios no mar, à custa da sua opulência, porque, em uma só hora, foi devastada!” (v.17b-19). A quádrupla descrição é importante: “...piloto”, “aquele que navega livremente”, “marinheiros” e “quantos labutam no mar”, pois, aponta para a totalidade (número 4) daqueles que vivem no mar. Quando estudamos sobre a besta que emerge do mar, vimos que “mar” simboliza o governo do mundo, ou seja, os poderosos e governantes. Na antiguidade, os navegantes foram os responsáveis por propagarem culturas, disseminarem o conhecimento a respeito de outros povos; eles foram o que os meios de comunicação são para nós hoje. O que João está mostrando aqui é o que ele vem apresentando desde o início deste capítulo: o castigo sobre todo o mundo ímpio. Todos os três grupos aqui descritos, os reis, os mercadores e os navegantes, estão de longe contemplando a ruína de Babilônia, e todos também notam que “em uma só hora”171 apenas, lhe sobrevirá o Juízo de Deus. Todo este trecho (v.9-19) tem respaldo em Ez 27.24-36 e em alguns momentos faz citações quase literais. O Glorioso Contraste (v.20) Como sempre encontramos no livro do Apocalipse, temos aqui mais um contraste: “Exultai sobre ela, ó céus, e vós, santos, apóstolos e profetas, porque Deus contra ela julgou a vossa causa” (v.20). Enquanto os ímpios lamentam a destruição daquele que lhes dava prazer, o povo de Deus em sua totalidade (observe a quádrupla descrição: céus, santos, apóstolos e profetas) são conclamados a exultarem sobre Babilônia. O verbo aqui é eu,frai,nw que significa “alegrar-se, regozijar-se, celebrar”, aponta para o triunfo da Igreja de Cristo. Os filhos de Deus se regozijam não somente por causa da derrota de Babilônia, mas, porque Deus executou o Seu Juízo e Justiça: “...porque Deus contra ela julgou a vossa causa”.

6.2.3. Babilônia é Definitivamente Arruinada (v.21-24) Na parte final deste capítulo, temos a descrição da destruição total e definitiva de Babilônia. Enquanto o povo de Deus exulta de alegria na Sua presença, os seus inimigos amargam as terríveis consequências do Juízo Divino que lhes sobreveio. O caráter irrevogável, irreparável e completo da destruição de Babilônia é descrito no simbolismo de “Então, um anjo forte levantou uma pedra como grande pedra de moinho e arrojou-a para dentro do mar, dizendo: Assim, com ímpeto, será arrojada Babilônia, a grande cidade, e nunca jamais será achada” (v.21). Como já vimos, o mar simboliza o mundo ímpio, as nações pagãos. Este é atingido no seu centro e é totalmente abalado, sacudido e destruído pela ação deste anjo. Assim como a grande pedra ficou sepultada no fundo do oceano e “... nunca jamais será achada”, assim acontecerá com este mundo ímpio, que como centro de sedução, o qual perecerá para todo o sempre. “E voz de harpistas, de músicos, de tocadores de flautas e de clarins jamais em ti se ouvirá, nem artífice algum de qualquer arte jamais em ti se achará, e nunca jamais em ti se ouvirá o ruído de pedra de moinho. Também jamais em ti brilhará luz de candeia; nem voz de noivo ou de noiva jamais em ti se ouvirá, pois os teus mercadores foram os grandes da terra, porque todas as nações foram seduzidas pela tua feitiçaria” (v.22-23). Tudo o que há de belo no mundo, tal como a música (“... voz de harpistas, de músicos, de tocadores de flautas e de clarins...”), a arte (“... nem artífice algum de qualquer arte...”), tudo o que é importante para a manutenção e o progresso, a saber, o

171 Esta expressão aponta para o Juízo completo que sobrevirá ao mundo de uma só vez e não que o mesmo durará apenas só uma hora. Os que sustentam a teoria de que Cristo executará o Juízo em “etapas” (veja-se o Premilenismo), ignoram passagens como esta.

Page 147: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

141

trabalho (“... o ruído de pedra de moinho (...) luz de candeia”), bem como o que inspira o amor (“... voz de noivo ou de noiva...”), enfim, tudo “... nunca jamais...”172 será encontrado. O último versículo traz uma nota deprimente: “E nela se achou sangue de profetas, de santos e de todos os que foram mortos sobre a terra” (v.24). Como já foi visto em ocasião anterior, o termo “Babilônia” num sentido mais abrangente indica o mundo ímpio como centro de perversidade e pecado, e num sentido mais restrito, simboliza a cidade de Roma a qual perfeitamente se encaixa neste verso devido ao fato dela ter sido palco da maiores atrocidades cometidas contra os servos de Deus. Contudo, nada escapou aos olhos de Deus. Ele virá, e “em uma só hora” apenas, executará todo o Seu Juízo santo contra os inimigos do Seu povo.

Aplicações Destacamos aqui algumas verdades sobre o Dia do Juízo final: 1) É certo o seu acontecimento, pois, está baseado na promessa de Deus; 2) Será repentino, acentuando assim ainda mais a fragilidade do ser humano e o grande poder de

Deus. Apesar de construírem impérios, os homens sempre os vê ruir com uma simples ação da parte de Deus; mas, todos os julgamentos que Deus efetuou no passado contra os inimigos de Seu povo, são um pálido reflexo do que haverá de ser o Dia do Juízo Final.

172 Note o fato de que o termo “jamais” ocorre seis vezes entre os v.21-23.

Page 148: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

142

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 6. A Queda dos Aliados do Dragão – Ap 17 – 19 6.3. As Bodas do Cordeiro e a Batalha Final Contra o Anticristo (Ap 19) 6.3.1 – As Bodas do Cordeiro (v.1-10) 6.3.2 – A Batalha Final Contra o Anticristo (v.11-21)

Introdução Este capítulo é o último dessa seção (Ap 17 – 19). Estamos diante de umas das partes mais belas do livro do Apocalipse. Trata-se da descrição das bodas do Cordeiro (“Casamento de Jesus Cristo com Sua Igreja”) e a vitória final e triunfal Dele sobre o Anticristo.

6.3. As Bodas do Cordeiro e a Batalha Final Contra o Anticristo (Ap 19) Os pecadores ímpios que têm a marca da besta já foram julgados (Ap 15 e 16); Babilônia, a grande meretriz também já sofreu as consequências do seu pecado (Ap 17 e 18), e agora é a vez do Anticristo e as bestas sofrerem e serem condenados (Ap 19.11-21). Temos aqui mais um “interlúdio” belíssimo no qual vemos o “casamento de Jesus Cristo com Sua Igreja”.

6.3.1 – As Bodas do Cordeiro (v.1-10) Antes de analisarmos estes versos devemos compreender como eram os casamentos naqueles tempos. João descreve as bodas do Cordeiro dentro dos rituais do casamento daquela época, os quais são bem diferentes dos nossos173:

Distinguimos os seguintes elementos num casamento judaico: primeiro, vem os esponsais. Estes são considerados mais como obrigatórios que o nosso “noivado”. Os termos do casamento são aceitos na presença de testemunhas e a bênção de Deus é pronunciada sobre a união. Desse dia em diante, noivo e noiva são legalmente marido e mulher (2Co 11.2). Em seguida, o intervalo entre os esponsais e as bodas. Durante este intervalo, o noivo paga ao pai da noiva o dote, se não o fizera antes (Gn 34.12). Algumas vezes o dote era pago na forma de serviço prestado (Gn 29.20). Então vem a procissão para encerrar o intervalo. A esposa se prepara e se adorna. O esposo, em seu melhor traje e acompanhado de seus amigos, que cantam e empunham archortes174, prosseguem até ao lar da noiva. Recebe a esposa e a leva, novamente acompanhados de uma procissão, ao seu lar ou ao lar de seus pais (Mt 9.15; cf. também Mt 25.1-13). Em caso do esposo vir de longe, a festa era às vezes, preparada no lar da esposa. Por fim, há as bodas, que inclui a ceia nupcial. As festividades usuais duravam sete, ou mesmo mais dias”.

Diante destes esclarecimentos e podemos entender que a ilustração usada por João, a saber, o casamento, relaciona-se com os fatos referentes à segunda vinda de Cristo da seguinte forma:

✓ O Noivo: é Jesus Cristo; ✓ A Noiva: é a Igreja; ✓ O Pai da Noiva: Deus Pai;

173 HENDRIKSEN, 1987, p. 211. 174 Uma lamparina que era composta de um cordão cheio de breu colocado num recipiente ao qual ateava-se fogo.

Estudo 28

Page 149: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

143

✓ O casamento estabelecido (o noivado): o plano da salvação, a encarnação de Cristo; ✓ O Dote pago pelo Noivo: Seu sacrifício lá na Cruz; ✓ A Procissão do casamento: a segunda vinda de Cristo; ✓ Os companheiros do Noivo: os anjos que farão a separação dos salvos e ímpios; ✓ O casamento consumado: nossa entrada no céu; ✓ As festas do casamento: a eternidade de louvor e comunhão entre o Deus Triúno e a Sua Igreja.

Três Hinos e Uma Ordem (v.1-5) Saiu uma voz do trono, exclamando: Dai louvores ao nosso Deus, todos os seus servos, os que o temeis, os pequenos e os grandes”. Nos v.1-2 encontramos o primeiro hino de louvor a Deus. “Depois destas coisas, ouvi no céu uma como grande voz de numerosa multidão, dizendo: Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus” (v.1), ou seja, depois dos fatos descritos em Ap 18, João ouve no céu uma “... grande voz de numerosa multidão...” e esta voz diz: “Aleluia!” que quer dizer: “Louvado seja o Deus Eterno!”, porque “A salvação, e a glória e o poder...” são exclusivamente Dele. Ele continua “porquanto verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou a grande meretriz que corrompia a terra com a sua prostituição e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos” (v.2). Os Seus juízos são “verdadeiro e justos”, e através dos quais Ele julgou a grande meretriz, Babilônia, por causa da sua prostituição. Além disso, também vingou “... o sangue dos seus servos” que foram martirizados por ela. O segundo hino de louvor é apresentado no numeroso coro celestial que: “Segunda vez disseram: Aleluia! E a sua fumaça sobe pelos séculos dos séculos” (v.3). E por que Deus deve ser louvado agora? Porque Ele não só julgou Babilônia, como também Seu juízo sobre ela é eterno. O terceiro hino de louvor é entoado pela numerosa multidão composta pelos: “Os vinte e quatro anciãos e os quatro seres viventes prostraram-se e adoraram a Deus, que se acha sentado no trono, dizendo: Amém! Aleluia!” (v.4). Aqui temos a soma de todos os redimidos de todas as eras (os vinte e quatro anciãos), e os todos os santos seres angelicais (quatro seres viventes)175. À uma voz dizem: “Amém! Aleluia!”. A concordância entre eles é expressa quando dizem “Amém!”, que quer dizer: “Assim seja!”. Segue-se então uma ordem: “Daí louvores ao nosso Deus, todos os seus servos, os que o temeis, os pequenos e os grandes”. Esta ordem é dirigida aos que ainda estão sobre a terra. Este é o grande Dia do Senhor, dia este em que o louvor deve ser totalmente tributado a Ele. Contudo, o verdadeiro louvor parta dos lábios daqueles que o temem, e dentre estes estão pessoas de todas as classes: tanto pequenos como grandes, nós que estamos neste mundo carecemos de constante exortação para louvarmos a Deus, e deixar de fazê-lo é pecado. O Casamento (v.6-10) “Então, ouvi uma como voz de numerosa multidão, como de muitas águas e como de fortes trovões, dizendo: Aleluia! Pois reina o Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso” (v.6). A construção da frase no v.6 é praticamente a mesma do v.1, e isto nos mostra que João se refere ao mesmo grupo de pessoas. A unidade dessa multidão em louvar a Deus é tão coesa que amplifica o som, fazendo-o parecer como “... de muitas águas e como de fortes trovões...” (v.6). Semelhantemente, o v.6 apresenta uma tríplice descrição de Deus (“Senhor, nosso Deus, o todo-Poderoso”) , tal como faz o v.1. “Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou” (v.7), ou seja, este é o momento em que Cristo desce dos céus, e nas alturas (cf. 1Ts 4.13-18) nós nos encontraremos com Ele, e todos juntos subiremos (a

175 Veja comentário dos capítulos 4 e 5, respectivamente, p. 60 e 67 desta apostila.

Page 150: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

144

procissão) para o Céu de glória. Em lá chegando iniciar-se-á as bodas do Cordeiro, ou seja, a união eterna entre Cristo e a Sua Igreja. A noiva (a Igreja) está (e deve estar constantemente) devidamente vestida para este momento, “pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos” (v.8). Os atavios (enfeites e adornos), as vestes de linho “finíssimo, resplandecente e puro”, são “os atos de justiça dos santos.” da Igreja; não uma justiça própria, mas, proveniente da justiça de Deus (v.2). “Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas as verdadeiras palavras de Deus” (v.9). William Hendriksen comentando esta passagem diz176:

A festa continua, não apenas uma ou duas semanas, porém, por toda a eternidade! Esta festa é o clímax de todo esse processo por meio do qual o Noivo, Cristo, vem para a noiva, a Igreja. É o alvo e propósito desta sempre crescente intimidade, união, companheirismo e comunhão entre o Redentor e os redimidos. Em Cristo a noiva foi eleita desde a eternidade. Ao longo de toda a dispensação do Antigo Testamento as bodas foram anunciadas. Em seguida, o Filho de Deus assumiu nossa carne e sangue: os esponsais tomaram lugar. O preço – o dote – foi pago no Calvário. E agora, após um intervalo, que aos olhos de Deus é apenas um pouco tempo, o Noivo retorna e “chegaram as bodas do Cordeiro”. A Igreja, na terra, anela por esse momento, da mesma forma que a Igreja no céu. Então, estaremos todos com Ele para todo o sempre. Será uma santa, bendita e eterna comunhão: a mais plena realização de todas as promessas do Evangelho!

“Prostrei-me ante os seus pés para adorá-lo. Ele, porém, me disse: Vê, não faças isso; sou conservo teu e dos teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus. Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia” (v.10). João se prostra em adoração diante do anjo que falava com ele. O anjo, porém, o repreendeu dizendo: “Vê, não faças isso; sou conservo teu e dos teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus”. O anjo recusou adoração pelo motivo óbvio de que a adoração deve ser dada exclusivamente a Deus: “... adora a Deus”. Nos tempos em que vivemos a adoração e a evocação a anjos é uma prática cada vez mais constante entre os ímpios, e infelizmente, tem entrado em muitas igrejas, com outras formas e sob outras alegações. Não podemos nunca nos esquecer que os anjos do Senhor não passam de ministros de Deus enviados “para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação” (cf. Hb 1.14). Além disso, eles são nossos conservos, ou seja, servem a Deus juntamente conosco (veja o v.4). Portanto, tributar-lhes louvor, ainda que sejam seres gloriosos, é prova de insensatez. “Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia”, comentando estas palavras, William Hendriksen afirma177:

“O espírito e o conteúdo interior de toda a verdadeira profecia – ou seja, da Bíblia toda – é o testemunho de Jesus, o testemunho que Ele nos revelou. Esta revelação que Ele nos deu não nos permite adorar a ninguém mais, senão a Deus (Mt. 4.10)”.

6.3.2. A Batalha Final Contra o Anticristo (v.11-21) Voltamos agora, ao assunto que vinha sendo apresentado nos capítulos 17 e 18: a destruição dos aliados do Dragão. Agora é a vez do Anticristo.

176 HENDRIKSEN, 1987, p. 213. 177 Ibid, p. 213.

Page 151: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

145

O Cavaleiro e Seus Exércitos (v.11-16) “Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça” (v.11). João não vê apenas uma porta aberta no céu (cf. Ap 4.1), mas, sim, o céu aberto. Novamente ele vê o “cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça”. Já discorremos sobre quem é este cavaleiro quando vimos Ap 6.2, e cremos que ambos os textos referem-se a Jesus Cristo, pois: ✓ Quem mais poderia ser chamado de: “Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça” (v.11; cf. Jo

1.1)? ✓ De quem mais se diz que “Os seus olhos são chama de fogo; na sua cabeça, há muitos diademas;

tem um nome escrito que ninguém conhece, senão ele mesmo” (v.12; cf. Ap 1.14)? ✓ Quem mais “Está vestido com um manto tinto de sangue, e o seu nome se chama o Verbo de

Deus” (v.13; cf. Jo 1.1 e 1Jo 1.1)? ✓ De quem mais além de Cristo é dito que: “e seguiam-no os exércitos que há no céu, montando

cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo, branco e puro” (v.14)? ✓ De quem mais “Sai da sua boca uma espada afiada, para com ela ferir as nações; e ele mesmo as

regerá com cetro de ferro e, pessoalmente, pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso” (v.15).

✓ E também “Tem no seu manto e na sua coxa um nome inscrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (v.16).

Sobre a cabeça Jesus tem “... muitos diademas...”, ou seja, coroas de vitória. São muitas coroas, afinal, Ele é o “REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES”. Seu nome ninguém conhece, exceto Ele mesmo, e isto mostra o Seu caráter interior em relação com Seu Pai, pois, em Cristo, temos a “expressão exata do Ser de Deus...” (cf. Hb 1.3). Além disso, Ele vem para julgar com Deus. O sangue que salpica Suas vestes não é o Seu sangue vertido lá na cruz, mas, sim o sangue dos Seus adversários que por Ele são destruídos na Sua vinda – lembre-se de que aqui neste texto, Ele não vem para outra coisa senão para arrebatar a Sua Igreja e julgar os inimigos. O exército que O segue tem as mesmas características da Noiva, a Igreja (compare os v.8 e 14) , portanto, é a própria Igreja que vem com Ele para julgar os inimigos. Contudo, este exército não é composto só pela Igreja, mas, também, pelos anjos, pois, ambos estão presentes neste momento de triunfo (cf. v.4; Mt 24.31; Mc 13,27; Lc 9.26; 1Ts 4.13-18; 2Ts 1.7-10). Da Sua boca sai uma espada afiada. Comentando este trecho, Simon Kistemaker diz178:

A imagem de uma espada afiada saindo da boca de Jesus é familiar, e aponta para a descrição que João faz de Jesus na ilha de Patmos (1.16). Paulo escreve que, no regresso de Cristo, este destruirá o iníquo com o sopro de sua boca (2Ts 2.8), pois a batalha que o Senhor enfrenta não é com a espada, mas com sua palavra. Esta é uma guerra espiritual, na qual ele enfrenta as forças espirituais das trevas nas regiões celestiais (Ef 6.12). Esta palavra que sai da boca de Jesus executa o juízo divino para derrubar os ímpios (Ap 19.21; ver também 2.12, 16; Is 11.4; 49.2). Assim Jesus, com um só golpe, derruba seus inimigos.

Além da espada que sai da Sua boca Ele tem um cetro de ferro com o qual regerá as nações. O pisar o “lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso” aponta para o Juízo que Ele trará sobre os inimigos de Sua Igreja. Além do cetro de ferro, Ele tem um manto sobre a sua coxa, o qual é uma vestimenta típica de um rei; contudo, Ele é mais um rei entre tantos; Ele é: “REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES”. Assim, o exército vitorioso composto pela Igreja e os anjos celestiais, pode desfrutar da

178 KISTEMAKER, 2004, p.659.

Page 152: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

146

certeza de vitória sobre os inimigos, pois, têm à frente o Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, o Verbo de Deus, o maior de todos os maiores reis, e Senhor de todos os Senhores. A nossa vitória é certa e irrevogável! A Batalha Final Contra o Anticristo (v.17-21) “Então, vi um anjo posto em pé no sol, e clamou com grande voz, falando a todas as aves que voam pelo meio do céu: Vinde, reuni-vos para a grande ceia de Deus, para que comais carnes de reis, carnes de comandantes, carnes de poderosos, carnes de cavalos e seus cavaleiros, carnes de todos, quer livres, quer escravos, tanto pequenos como grandes” (v.17-18). A cena que João descreve agora é de um horror terrível. O anjo conclama as aves dos céus de se fartem da carne dos inimigos de Cristo. Tenha em mente um campo vasto coberto de todos os cadáveres dos ímpios apodrecendo sendo devorados por todas as aves de rapina que existem. As palavras deste anjo chamando as aves para banquetear-se das carnes dos ímpios, ocorreram antes do massacre, o que comprova ainda mais a veracidade da vitória de Cristo sobre o mal. Cristo nem sequer usa uma arma de guerra, pois, apenas com a Sua palavra executa o Seu justo juízo. A totalidade dessa destruição está representada no número 4. Veja o gráfico a seguir o qual apresenta duas seções de quatro itens cada. CARNES DE TODOS Uma vez que o número 2 na literatura apocalíptica significa testemunho confirmado, podemos afirmar que a destruição do Anticristo será total, e tal juízo será confirmado pelo testemunho da Palavra de Deus. “E vi a besta e os reis da terra, com os seus exércitos, congregados para pelejarem contra aquele que estava montado no cavalo e contra o seu exército. Mas a besta foi aprisionada, e com ela o falso profeta que, com os sinais feitos diante dela, seduziu aqueles que receberam a marca da besta e eram os adoradores da sua imagem. Os dois foram lançados vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre. Os restantes foram mortos com a espada que saía da boca daquele que estava montado no cavalo. E todas as aves se fartaram das suas carnes” (v.19-21). A partir do v.19 temos a descrição da batalha do Armagedom (Ap 16.16). Eles se prepararam para a batalha, mas nem com todas as suas tropas reunidas puderam oferecer significativa resistência Àquele que é o Todo-Poderoso. Não temos nenhuma descrição de como foi a batalha do Armagedom. O texto apenas se importa em descrever o resultado:

✓ O aprisionamento da besta e do falso profeta; ✓ O subsequente lançamento deles no lago do fogo que arde com enxofre; ✓ A morte dos restantes que serviram de “banquete” para as aves de rapina.

A besta é o Anticristo, e a besta que emerge da terra é o falso profeta (veja o comentário de 13.11; 16.13). Quanto à batalha do Armagedom não devemos entendê-la como uma batalha prolongada, vencendo ora um exército, ora outro. Muito pelo contrário, o texto nos mostra que tão logo Cristo se manifeste em Sua glória, os inimigos serão totalmente derrotados e desbaratados. Haverá sim uma grande batalha, não porque os inimigos oferecerão uma resistência capaz de prolongar a guerra. O

1 – carnes de reis; 2 – carnes de comandantes; 3 – carnes de poderosos; 4 – carnes de cavalos e seus cavaleiros (estes devem ser considerados como um só)

1 – quer livres; 2 – quer escravos; 3 – tanto pequenos; 4 – como grandes

Page 153: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

147

Armagedom será algo portentoso e extraordinário tão somente por causa da manifestação gloriosa de Cristo Jesus. Os aliados do Dragão foram um a um destruídos; resta agora o próprio Dragão. É o que veremos no próximo capítulo.

Aplicações Ao pensarmos na volta de Cristo, nosso coração deve se encher de alegria e esperança. Será o dia mais lindo da nossa vida. Encontraremos como o Nosso Senhor e ficaremos eternamente ao Seu lado. Louvores e adoração constantes serão entoado por nós a Ele, e Ele mesmo nos encherá de profunda e eterna alegria. Em Sua primeira vinda Ele veio humilde; na Sua segunda vinda será em glória e majestade. Sua vitória sobre os ímpios e as forças do mal será de um golpe só e definitivo. Os inimigos com toda a sua empáfia e opulência serão vergonhosamente derrotados.

Page 154: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

148

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 7. A Grande Tribulação: o Triunfo Final de Cristo e de Sua Igreja – Ap 20 – 22 7.1. A Prisão de Satanás e o Juízo Final (Ap 20) 7.1.1. A Prisão de Satanás (v.1-3) 7.1.2. Os Santos Reinam no Céu (v.4-6) 7.1.3. O Conflito Final (v.7-10) 7.1.4. O Grande Trono Branco (v.11-15)

Introdução Mais uma vez retornamos ao início da História, ao início da Era Cristã, os últimos tempos. Não se esqueça do Paralelismo Progressivo179 do livro, sendo esta a última seção do mesmo. Todos os aliados do Dragão foram definitivamente derrotados restando tão-somente, o próprio Dragão, que é “... a antiga serpente, que é o diabo, Satanás...” (Ap 20.2).

7.1. A Prisão de Satanás e o Juízo Final (Ap 20) Há um notável paralelo entre Ap 11-14 e Ap 20180:

179 Sobre este assunto veja a pág. 16 desta apostila. 180 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.218.

Estudo 29

Ap 12 – 14 12.5-12: Em conexão com o nascimento, morte, ascensão e coroação de Cristo, Satanás é lançado do céu. Suas acusações perderam toda aparência de justiça. 14.2-6; 12.14-18: Um longo período de poder e constante testemunho por parte da Igreja, a qual é sustentada “longe da face da serpente (Satanás)”. A influência do diabo é restringida. 11.7-14; 13.7: Um período muito curto da mais severa perseguição. Este é o pouco tempo de Satanás: a mais terrível e também a final manifestação do poder perseguidor do anticristo. 11.17,18; 14.14-18: A única e tão-somente única segunda vinda de Cristo para juízo.

Ap 20 20. 1-3: Satanás é atado e lançado no abismo; seu poder sobre as nações é reprimido. Ao invés de nações conquistarem a Igreja, esta é que começa a conquistar (evangelizar) as nações. 20.2: Um longo período de poder exercido pela Igreja. Satanás tem estado amarrado. Ele permanece amarrado por mil anos, isto é, durante esta era evangélica inteira. (No céu as almas dos redimidos estão vivendo e reinando com Cristo, 20.4-6). 20.7-10: Um período muito curto da mais severa perseguição: Satanás dirige o exército de Gogue e Magogue contra a Igreja. Esta é a Batalha do Armagedom. 20.11: A única e tão-somente única segunda vinda de Cristo para juízo.

Page 155: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

149

Uma vez que compreendemos a ordem dos fatos na História, Ap 20 fica mais compreensível e claro. A ordem dos fatos é esta: (1) a primeira vinda de Cristo; (2) a prisão de Satanás por um longo (porém, determinado) período de tempo; (3) a libertação de Satanás por pouquíssimo tempo; (4) a segunda (e última) vinda de Cristo para juízo. Leia Ap 20 cuidadosamente e esta ordem dos fatos será encontrada sem qualquer dificuldade. Podemos dividir Ap 20 em quatro partes:

7.1.1 – A Prisão de Satanás (v.1-3) “Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo” (v.1-3). João vê um anjo descendo do céu segurando nas mãos uma corrente com a qual ele prende Satanás e o lança no abismo, trancando-o ali por mil anos para que “...não mais enganasse as nações...”. João também relata que depois disto é necessário que ele (Satanás) seja solto por pouco tempo. O que significa esta prisão de Satanás? Segundo o Amilenismo181, entendemos que esta prisão de Satanás por mil anos não se trata de um período literal, mas, sim, estes mil anos apontam para um período de tempo determinado, a saber, os últimos dias, período este que vai desde a primeira até à segunda vinda de Cristo. Trata-se então desta presente era em que vivemos e quanto tempo ainda ela durará só Deus sabe. Surge então outra pergunta: se os mil anos são a presente era, como pode Satanás estar preso se podemos ver a sua atuação de forma tão explícita neste mundo (1Jo 5.19)? A resposta é: a prisão de Satanás consiste na ação de Cristo impedindo-o (amarrando-o) de continuar cegando as nações, ou seja, Cristo impediu Satanás de continuar impedindo o avanço da pregação do Evangelho. Satanás ainda continua investindo furiosamente contra o povo de Deus, contudo, é assegurado aos crentes que Satanás não pode mais deter o avanço da Igreja de Cristo no que diz respeito à pregação do Evangelho. William Hendriksen faz uma hábil defesa deste argumento182. Ele nos lembra que primeiramente, precisamos voltar às circunstâncias em que Apocalipse (em especial Ap 20) foi escrito. Uma Igreja que estava enfrentando séria oposição não só do Império Romano que obrigava a adoração ao imperador, como também de um mundo afundado num paganismo e idolatria indizível. A Igreja de Cristo assim se estabelecia. Mas, antes da vinda de Cristo a situação era ainda mais complicada. Ninguém conhecia a Deus, exceto, o povo judeu, ao qual o Senhor lhe revelou Sua Palavra e promessas acerca da Redenção por meio do Messias. Então, vem o Messias, Jesus de Nazaré. O domínio de Satanás sobre os homens foi cerceado. Cristo entrou na casa do valente e o “amarrou” (Mt 12.29). O verbo amarrar é usado tanto aqui em Ap 20.2 como em Mt 12.29 . Quando os setenta comissionados por Cristo voltaram de sua missão, relataram maravilhados o fato de os espíritos imundos se submeterem a eles em nome de Jesus, o Senhor lhes respondeu: “Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10.17,18). Aqui a “queda do céu” do diabo é associado com a atividade missionária dos setenta. Esta é uma passagem muito significativa para nos ajudar a entender Ap 20. Quando alguns gregos foram ter com Jesus, Ele lhes disse: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo” (Jo 12.31,32). A palavra “expulso” (evkblhqh,setai) em Jo 12.32 e o verbo “lançar”

181 Sistema Escatológico adotado nestes estudos para a interpretação do Apocalipse. 182 Veja o seu comentário do livro do Apocalipse “Mais que Vencedores”, págs. 220-224.

Page 156: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

150

(e;balen) em Ap 20.3 têm a mesma raiz na língua grega (ba,lw). Não somente os judeus, mas, todos os homens (povos) seriam atraídos a Cristo. Em Cl 2.15 fica claro que a vinda de Cristo a este mundo bem como a Sua obra “despojou” Satanás e seus exércitos, triunfando sobre todos eles na Cruz. Todas estas passagens sobre o amarrar e lançar fora ou a queda de Satanás estão associadas à primeira vinda de Cristo, a qual deu início a esta era evangélica (o milênio) tirando de Satanás o seu domínio sobre as nações, impedindo-o de impedir o avanço do Evangelho. O povo de Deus que até então era apenas o povo judeu, viu o nascimento e a expansão da Igreja de Cristo (o povo de Deus agora) rompendo os limites de Jerusalém e da Judéia, passando por Samaria e indo aos confins da terra. Olhemos ao nosso redor e vejamos como o evangelho tem avançado. Antigamente, nos tempos dos apóstolos, apesar de toda a dificuldade, a Igreja chegou até à Europa. Desenvolveu-se e chegou até nós. Apesar de sofrer um obscurecimento por parte do Catolicismo, vemos o Evangelho brotando com toda a força na Reforma Protestante. Poderíamos mencionar outros movimentos mais que trouxeram um grande avanço para o Evangelho, mas, não dispomos de tempo. Basta-nos ver os meios de comunicação de hoje e como eles têm contribuído para o avanço missionário. Satanás está literalmente amarrado quanto ao avanço do Evangelho; pode até oferecer resistência, mas, Cristo nos assegurou que as portas do inferno não prevalecerão (Mt 16.18). A Igreja marcha vitoriosa, pois, o seu poder está no Poder de Cristo. Contudo, sabemos que Satanás não está amarrado em todos os sentidos. Sua influência não está completamente destruída. Pelo contrário, dentro da esfera na qual a Satanás é permitido exercer sua influência para o mal, ele assola mais furiosamente. Um cão preso em sua corrente: é assim que Satanás está. Ele não pode fazer além do que lhe é permitido; mas, é tolice entrar no seu raio de ação. Quanto à sua soltura, Simon Kistemaker comenta183:

Esta é a terceira vez no Apocalipse que João fala de um pouco de tempo (6.11; 12.12). Qual a extensão desse período? Notamos, em primeiro lugar, a expressão ‘é necessário’, a qual fala da necessidade divina. Isto é, Deus o Pai conhece o exato momento do regresso de Jesus (Mt 24.36), e de sua perspectiva celestial o período do tempo cronológico é breve. Segundo, a expressão ‘pouco de tempo’ deve ser entendida em relação aos mil anos. Um é breve, o outro é longo. A mensagem de João aos santos na terra é que virá um breve intervalo durante o qual Satanás será solto. Jesus promete que ‘por causa dos eleitos aqueles dias serão abreviados’ (Mt. 24.22). Ele garante a segurança deles, porque Satanás é incapaz de destruí-los espiritualmente.

Cremos também que no final dos últimos tempos (a era que vai desde a primeira até a segunda vinda de Cristo), será um tempo de terrível e intensa tribulação, pois, “... o amor se esfriará de quase todos” (Mt 24.12), disse Jesus. O amor não morrerá, pois, ele é para sempre (1Co 13.8,9,13), mas, ele se esfriará no coração de quase todos. Satanás trabalhará com todas as suas forças, pois terá pouco tempo para isso, a fim de esfriar o amor no coração dos crentes, numa tentativa de assim conseguir impedir a pregação do Evangelho. Embora a falta de amor não seja uma característica só do tempo final dos últimos tempos, pois, podemos constatar isso logo no começo dessa era na Igreja em Éfeso (Ap.2.4), mas, se intensificará cada vez mais. E o que mais pode atrapalhar a Igreja em sua missão de pregar o Evangelho do que a falta de amor, ou uma frieza no coração?

7.1.2 – Os Santos Reinam no Céu (v.4-6) Ainda que João não deixe claro o lugar onde ocorreram estes eventos, o contexto mostra que foi no céu.

183 KISTEMAKER, 2004, p.674.

Page 157: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

151

“Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos” (v.4-6). A Igreja de Cristo é classificada em dois grupos: a Igreja Militante (os crentes que ainda vivem neste mundo e lutam por causa de Cristo) e a Igreja Triunfante (os crentes que já morreram e agora suas almas estão nos céus com Cristo). Os v.4-6 referem-se à Igreja Triunfante. João olha para o céu e vê sentados em tronos “...aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar”. Ele vê também as “... almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus...”, os que permaneceram fiéis e não adoraram a besta e à sua imagem. Estes crentes (Igreja Triunfante) estão vivendo e reinando com Cristo “... durante mil anos...”. Durante os mesmos mil anos, os outros crentes (Igreja Militante) que estão neste mundo, continuam propagando o Evangelho do Senhor. Com respeito aos ímpios, lemos: “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos” (v.5). Com base neste texto, alguns têm afirmado que enquanto os crentes que já morreram estão no céu desfrutando parcialmente da glória (pois, somente suas almas estão lá), os ímpios permanecem num estado de dormência inconscientes, e permanecerão assim até o dia do Juízo Final quando todos serão ressuscitados: os crentes para viverem plenamente (de corpo e alma) nos céus, e os ímpios, plenamente (de corpo e alma) sofrerão no lago de fogo e enxofre. Concordamos que haverá uma ressurreição do corpo no dia da segunda vinda de Cristo, pois, o plano de Deus para nós é pleno e abrange não só a nossa alma, mas, também o nosso corpo. Da mesma forma os ímpios serão ressuscitados para sofrerem plenamente no inferno, isto é, de corpo e alma. Porém, não concordamos com essa ideia de “dormência da alma dos ímpios”. Isto não encontra base alguma na Bíblia, nem mesmo aqui em Ap 20.5. Quando João diz que “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos”, está se referindo à Conversão que é chamada na Bíblia de “novo nascimento” (Jo 3.3). Os ímpios não reviveram, ou seja, não nasceram de novo, nesta presente Era Evangélica, mesmo tendo ouvido o Evangelho. Dessa forma, tanto os crentes que estão neste mundo (Igreja Militante) como os que já estão na Glória (Igreja Triunfante) reinando com Cristo, estão dentro do milênio; os crentes aqui aguardando a segunda vinda do Senhor, e os de lá (do céu) aguardando a Ressurreição Final, pela qual todos os crentes que já morreram passarão. Os crentes que estiverem vivos no dia da segunda vinda de Cristo serão transformados num abrir e fechar de olhos (1Co 15.50-53). “Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos” (v.6), ou seja, feliz eternamente aquele que teve a experiência da Conversão (“primeira ressurreição”), porque sobre este, a “segunda morte” (condenação eterna) “não tem autoridade”, ou seja, não será condenado ao inferno. Em vez disso “serão sacerdotes de Deus e de Cristo” e “... reinarão com ele os mil anos” caso venham a morrer antes da Sua segunda vinda.

7.1.3 – O Conflito Final (v.7-10) “Quando, porém, se completarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá a seduzir as nações que há nos quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, a fim de reuni-las para a peleja. O número dessas é como a areia do mar. Marcharam, então, pela superfície da terra e sitiaram o acampamento dos santos e a cidade querida; desceu, porém, fogo do céu e os consumiu. O diabo,

Page 158: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

152

o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se encontram não só a besta como também o falso profeta; e serão atormentados de dia e de noite, pelos séculos dos séculos” (v.7-10). Terminados os mil anos Satanás é posto em liberdade e em sua companhia traz Gogue e Magogue. Que são estes? Quando os crentes dos dias de João leram esses nomes entenderam perfeitamente o que ele (João) queria transmitir-lhes. Lembraram-se de Ez 38 e 39, onde esses nomes indicam indubitavelmente o poder dos Selêucidas, nos dias de Antíoco Epífanes, o cruel inimigo dos judeus. Antíoco Epífanes à frente do seu exército era “Gogue”, e o seu exército destruidor era “Magogue”. Quando ele e o seu exército invadiram Jerusalém, além de destruir tudo, sacrificou um porco no altar do Templo do Senhor o que para os judeus foi uma terrível profanação. Portanto, a opressão exercida sobre o povo de Deus por “Gogue e Magogue”, refere-se em Ezequiel, à terrível perseguição sob o poder de Antíoco Epífanes, governador da Síria. João lança mão desse fato triste ocorrido no passado para exemplificar como será a última investida de Satanás contra a Igreja184. Podemos observar as seguintes semelhanças entre o ataque de Antíoco Epífanes a Jerusalém, com o que acontecerá sob o comando de Satanás contra a Igreja de Cristo:

✓ O ataque de Gogue e Magogue (Síria sob o comando de Antíoco) foi a última grande opressão que o povo de Deus teve que suportar na antiga dispensação (Antigo Testamento). É, pois, um símbolo apropriado para o ataque final das forças anticristãs contra a Igreja durante a nova dispensação.

✓ Os exércitos de Antíoco eram muito numerosos. Desta forma podiam adequadamente simbolizar a oposição mundial à Igreja nos dias imediatamente precedentes à segunda vinda de Cristo.

✓ O ataque de Antíoco ainda que severo, foi também de curta duração. Da mesma forma será a última investida de Satanás.

✓ Assim como Antíoco não esperava ser derrotado (como de fato o foi inesperadamente), Satanás será destruído repentinamente.

Em Ap 20.8, Gogue e Magogue são identificadas como “... as nações que há nos quatro cantos da terra...”, o que quer dizer “o mundo inteiro”. Satanás reunirá todo o mundo para esta peleja. Os ímpios do mundo inteiro perseguirão a Igreja. Este fato está cada vez mais notório em nossos dias. Esta perseguição será de diversas formas. Rejeitamos a interpretação que afirma que Gogue e Magogue são a China, o Japão, a Índia, etc., que se ajuntarão com o objetivo de atacar a Europa e as Américas (em especial à do Norte). Tal interpretação não merece comentário, simplesmente porque o Novo Testamento não contém quaisquer predições que se apliquem a certas nações ou estados específicos contemporâneos: a estes, e somente a estes. Antes, ele descreve sim, o conflito entre a Igreja e o mundo. O fato é que a Igreja tem um tempo próprio para a pregação do Evangelho, a saber, o milênio, que é hoje, agora! Mas, no final, por pouco tempo ela será cerceada, perseguida como nunca foi antes. Contudo, ela já tem a garantia de ser vitoriosa por meio de Cristo (Ap 17.14). Satanás então, depois de derrotado será condenado eternamente ao “lago de fogo e enxofre” (expressão que mostra o inferno como lugar de sofrimento tanto para a alma como para o corpo). Lá já estão a besta e o falso profeta. A frase: “... onde já se encontram não só a besta como também o falso profeta...” não quer dizer que eles foram lançados no lago de fogo e enxofre antes de Satanás, mas, sim, que todos receberão do mesmo castigo que durará “... pelos séculos dos séculos...”.

184 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p.228.

Page 159: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

153

7.1.4 – O Grande Trono Branco (v.11-15) “Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros. Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo as suas obras. Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo”. O quadro que João descreve agora é o do Dia do Juízo Final. A atenção de todos se volta para “o grande trono branco”, ou seja, o Rei dos reis em Sua pureza e santidade dali julgará cada um “um por um, segundo as suas obras”. Deste dia ninguém escapa; tanto os “pequenos” como os “grandes”. Todos haverão de comparecer diante do Trono Branco. Todos quantos viveram na terra. Diante a santidade de Cristo o céu e a terra fugirão. William Hendriksen comenta que não haverá uma destruição ou aniquilamento, mas a renovação do universo. Haverá uma dissolução dos elementos por meio de grande calor (2Pe 3.10); uma regeneração (Mt 19.28); uma restauração de todas as coisas (At 3.21); um livramento da escravidão da corrupção (Rm 8.21). O universo já não estará mais sujeito à vaidade. Os livros (registros da vida de cada um) serão abertos, consultados e julgados. Os que tiverem seus nomes no Livro da Vida, estes não sofrerão a segunda morte, mas, entrarão no gozo eterno. O contrário sucederá àqueles que não tiverem (ou não encontrarem) seus nomes no Livro da Vida. A Morte, ou seja, a separação de alma e corpo, e o Hades, o estado desta separação, deixam de existir. Depois da segunda vinda de Cristo para Juízo, nem no novo céu, nem na nova terra, nem mesmo no inferno haverá uma separação entre o corpo e a alma.

Aplicações O Dia do Juízo Final será o dia: ✓ Que os inimigos do Rei não escaparão, e nem encontrarão lugar para se esconderem Dele; ✓ Que os amigos do Rei serão reunidos como nunca foram, a saber, na Glória, na presença Dele; ✓ Que todas as obras serão conhecidas; as dos ímpios para que recebam a justa condenação, e as dos

salvos para que Cristo seja neles glorificado como aquele que transformou pecadores em filhos de Deus.

Page 160: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

154

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 7. A Grande Tribulação: o Triunfo Final de Cristo e de Sua Igreja – Ap 20 – 22 7.2. O Novo Céu, a Nova Terra e a Nova Jerusalém (Ap 21.1 – 22.5) 7.2.1. O Novo Céu e a Nova Terra (21.1-8) 7.2.2. A Nova Jerusalém (21.9 – 22.5)

Introdução Definitivamente, a Bíblia é a Palavra de Deus. De que outra forma seria possível um livro escrito por vários homens (cerca de 36) num espaço de tempo de 1.600 anos, dos mais diferentes níveis sociais, ter uma unidade interna tão firme e clara? Como pode uma obra começada por um escritor culto e versado nas leis como é o caso de Moisés, encerrar-se com o mesmo assunto mais de um milênio e meio depois por um homem simples, um pescador como João? Chegamos a esta conclusão observando que a Bíblia começa falando de um paraíso e termina falando também de um paraíso eterno. No primeiro paraíso o homem desfrutava de íntima e plena comunhão com Deus; neste último vemos o Senhor Deus restabelecendo a comunhão que fora interrompida pelo pecado, expurgando-o da Sua Criação. A Bíblia começa falando de um Salvador que executaria os desígnios de Deus; ela termina mostrando que o Salvador cumpriu o que Lhe cabia fazer e agora, reina soberano eternamente. Definitivamente, a Bíblia é a Palavra de Deus.

7.2. O Novo Céu, a Nova Terra e a Nova Jerusalém (Ap 21.1 – 22.5) Estamos nos aproximando do final do livro do Apocalipse. João, agora, em Ap 21 passa a mostrar a maravilhosa restauração de todas as coisas, bem como descreve a grandeza e formosura da Nova Jerusalém em contraste com a Babilônia. A Nova Jerusalém é a “noiva do Cordeiro” (o mesmo que esposa), enquanto, que, a Babilônia (o mundo ímpio) é “a grande meretriz”. Uma é cheia de glória, honra e pureza; a outra é repleta de luxúria, imoralidade e podridão. A Noiva está devidamente adornada para encontrar-se com Seu Noivo e a sua formosura é resultado da “obra de purificação” (a salvação) que o Noivo executou; a Babilônia tem seus enfeites com os quais seduziu os poderosos da terra, arrastando-os todos consigo para a destruição. Ela também se encontrará com Cristo, mas, para juízo. A lista de contrastes tem muitos outros itens.

7.2.1. O Novo Céu e a Nova Terra (21.1-8) Uma questão deve ser respondida aqui: o Novo Céu e a Nova Terra se referem apenas ao futuro? Trata-se de fatos pertencentes apenas ao futuro? Ou os fatos narrados entre Ap 21.1 – 22.5 tratam de coisas relacionadas à Igreja de agora? A resposta é: as duas cosias. Este trecho é uma descrição do universo que será redimido no futuro prefigurado na Igreja redimida no presente, ou seja, a obra redentora de Cristo apresenta seus resultados na Igreja da presente dispensação, e estes resultados apontam para o que será da Igreja de Cristo no futuro, nos céus185. “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (v.1). Os adjetivos “novo” (kaino,j) e “nova” (kainh,) indicam “restauração”, “renovação”

185 Cf. HENDRIKSEN, 1987, p. 232.

Estudo 30

Page 161: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

155

do que existe, e não e não uma outra ordem. No idioma grego temos duas palavras para os adjetivos “novo/nova” que se tornaram sinônimas com o passar do tempo, porém, originalmente tinham diferença de significado. Trata-se dos adjetivos kaino,j/kainh, e ne,oj/ne,a . Os adjetivos kaino,j/kainh, denotam aquilo que é novo quanto à qualidade, em comparação com aquilo que existia até agora, aquilo que é melhor do que o antigo, e, por isso, muito mais maravilhoso; enquanto ne,oj/ne,a se emprega num sentido temporal, comparando duas coisas iguais, só que uma mais nova que a outra186. Exemplificando: pense numa casa reformada. Trata-se da mesma casa que já existia, mas, após a reforma pode-se dizer dela “eis aqui a minha nova casa”. No idioma grego seria dito kainh, oivki,a. Agora, se houve duas casas, só que uma foi construída depois da outra, diríamos que uma é mais nova que a outra, e no idioma grego ficaria ne,a oivki,a. Aqui em Ap 21.1 João usa os adjetivos kaino,j/kainh, ao falar sobre o “novo céu e a nova terra”. Deus não criará um outro céu e uma outra terra mais novos que os atuais. Ele restaurará o céu e a terra, expurgará tudo aquilo que é pecado bem como consequência do pecado. A antiga ordem contaminada pelo pecado será então uma nova ordem totalmente pura e livre do pecado. Essa restauração ocorrerá a toda a natureza: os crentes que morreram serão ressuscitados, os que estiverem vivos serão transformados num abrir e fechar de olhos; a própria natureza desabrochará por si mesma em todas as suas potencialidades. Deus não aniquilará os céus e a terra, antes, os purificará. Pedro escrevendo sobre a destruição dos céus por meio do fogo (símbolo de juízo e purificação) diz: “10 Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas. 11 Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, 12 esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão. 13 Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2Pe 3.10-13). “...o mar já não existe”. Em Apocalipse, mar é símbolo de um mundo em seu conflito e inquietude (Ap 13.1; 17.15), e de inimizade e oposição à Igreja. É do mar que a besta emerge. Entretanto, no universo renovado – o novo céu e a nova terra – tudo será paz. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo” (v.2). João vê a Nova Jerusalém descendo do céu. Esta não tem nada a ver com a Jerusalém terrena. Ela é santa porque é separada do pecado e completamente consagrada a Deus. Essa nova e santa Jerusalém é a Igreja do Senhor Jesus Cristo, como fica claro pelo fato dela ser chamada aqui e em toda parte de a noiva e esposa do Cordeiro, título este exclusivo da Igreja. No Éden Deus tinha plena e íntima comunhão com o homem. Esta comunhão foi interrompida pela pecado e durante toda a existência da humanidade vemos O Senhor Deus vindo ao encontro do homem para restaurar esta comunhão, o que definitivamente foi conquistado mediante o sacrifício de Cristo lá na Cruz, e será plenamente estabelecida por toda a eternidade, com a segunda vinda de Cristo. Por esta razão, a grande voz que João ouviu do céu disse: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (v.3). O verbo habitar significa exatamente: “armar a sua tenda entre nós; fixar moradia conosco”. O resultado dessa comunhão restabelecida é:

✓ “Deus habitará com eles” (v.3); ✓ “Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (v.3); ✓ “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (v.4);

186 Cf. COENEN-BROWN, 2000, vol.2, p.1402.

Page 162: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

156

✓ “e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (v.4)

Todas essas maravilhas de certa forma já estão sendo desfrutadas pela Igreja hoje, mas o será em sua plenitude somente na eternidade com Cristo. João vê “E aquele que está assentado no trono” (Deus) e O ouve dizer: “Eis que faço novas todas as coisas...” (v.5). Somente Deus pode fazer novas todas as coisas. Os homens se iludem pensando que por meio das “melhorias”, dos sistemas políticos, medidas econômicas, etc., trarão uma nova ordem, introduzirão uma era áurea de paz e prosperidade. A única esperança é Deus. Ele é o único que pode prometer e cumprir plenamente o que foi prometido. Por esta razão ordenou Jesus a João: “Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras” (v.5). João continua seu relato: “Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida” (v.6). A veracidade da promessa Divina é tão forte que é dada por feita, e, de fato, feito está! Jesus é Aquele que estabeleceu o fim desde o princípio; Aquele que tem o desfecho de tudo em Suas mãos, mesmo antes de tudo existir. Aquele que é o princípio vital de todas as coisas e o fim delas187 pode dar a “água da vida” (vida eterna) a todo o sedento. Para os cristãos dos tempos de João, essas palavras soaram reconfortantes. Deus é a fonte da água da vida, a fonte inesgotável, que jorra em todo o tempo apesar das adversidades. Aos sedentos essa fonte está à disposição. Como dissemos no início, estas palavras se referem tanto à Igreja atual que milita neste mundo, como aponta também para a eternidade com Deus. O v.7 deixa isto bem claro: “O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho”, ou seja, aos cristãos de seu tempo João transmite essa encorajadora mensagem. Eles precisariam passar por tudo aquilo e tomarem posse da vitória que Cristo lhes garantiu, somente assim, herdariam toda a promessa de Deus. “Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras, e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte” (v.8). Os covardes (deiloi/j) são os indecisos. Eles encabeçam essa lista justamente por contrastarem com os crentes que sofrem nesta vida por amor a Cristo. Por serem covardes, eles não abraçaram a Fé temendo o sofrimento neste mundo, porém, não escaparão do sofrimento eterno. Os incrédulos (avpi,stoij) diferem dos covardes no sentido que, enquanto os covardes admitem a veracidade da Palavra de Deus, mas, não a abraçam, os incrédulos duvidam e desdenham da Palavra, e, assim, entregam-se a práticas iníquas. Já os abomináveis (evbdelugme,noij) são os que são manchados pelo pecado, que se deixam poluir por toda sorte de pecados, e espalham pelo mundo sua sordidez pecaminosa. Eles têm um estilo de vida completamente oposto ao que a Palavra de Deus prescreve, Os assassinos (foneu/sin), especialmente os que matam os servos de Deus. Em Ap 22.15, João citará novamente este grupo. Os impuros (po,rnoij) são os imorais, os sexualmente depravados, os que se entregam à prostituição e à fornicação e ao adultério. Os pecados de homicídio e imoralidade sexual são frequentemente conectados nas Escrituras. Os feiticeiros (farma,koij). O adjetivo farmako,j (de onde origina a nossa palavra “farmacêutico”) aplica-se aos mágicos, enganadores, que usam drogas. Contudo, há uma grande diferença entre o farmacêutico daquela época e o dos nossos tempos. Aqueles usavam drogas e outros artifícios para enganar as pessoas especialmente na área da fé. Não eram profissionais que visavam curar pessoas enfermas com seus medicamentos.

187 “EU SOU” (hw")hy>) é o nome de Deus no Antigo Testamento, e que Jesus aplicou a Si mesmo (Jo 8.58). Aqui no Apocalipse “EU SOU” é aplicado tanto a Jesus como a Deus, veja Ap 1.8 comparado com Ap 21.6.

Page 163: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

157

Os idólatras (eivdwlola,traij) são adoradores de imagens e ídolos. A idolatria é também a perversão do verdadeiro o qual deve ser rendido somente a Deus. Quando o homem se afasta de Deus, erige altares para falsos deuses que, na verdade, são expressões pecaminosas do seu próprio coração. Por fim, todos os mentirosos (pa/sin toi/j yeude,sin), encerram essa lista. Não apenas pessoas que contam mentiras, mas, também aqueles que trocam a verdade pela mentira, que acreditam em ilusões e fábulas, que se entregam à falsas religiões. A todos estes “a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte”. Veja o comentário de Ap 20.6 sobre o que vem a ser a “segunda morte”.

7.2.2. A Nova Jerusalém (21.9 – 22.5) Antes, comparemos Ap 17. 1,3 com Ap 21.9,10: Ap 17.1,3 Ap 21.9,10 Sobre as ruínas da grande meretriz, Babilônia, levanta-se majestosa a Nova Jerusalém, a esposa do Cordeiro cheia de honra e pureza. Esta cidade que João vê descendo dos céus, da parte de Deus é a Igreja do futuro (Igreja Triunfante) prefigurada pela Igreja do presente (Igreja Militante). O ideal de Deus para o Seu povo não está destinado somente ao futuro, mas, também desde já na presente era. A Sua presença e companhia é tanto para ser desfrutada nesta vida como no porvir. A Glória da Nova Jerusalém e as Suas Medidas (21.9-17) “Então, veio um dos sete anjos que têm as sete taças cheias dos últimos sete flagelos e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro; e me transportou, em espírito, até a uma grande e elevada montanha e me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus” (v.9-10). O anjo toma João e o transporta “em espírito, até a uma grande e elevada montanha e me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, a qual tem a glória de Deus”. Este é o mesmo anjo de Ap 17.1. Ali o enfoque era a grande meretriz, Babilônia (o mundo condenado); aqui, porém, é a Nova Jerusalém (a Igreja redimida). Do topo do monte João contempla a cidade em toda a sua beleza. “Somente quando estamos sobre o alto monte da fé é que somos capacitados a ver a Igreja como existe em sua plena realidade”188. Simon Kistemaker nos lembra que: “É bom termos em mente que ele está descrevendo o que lhe é permitido ver, comparando-o àquilo que os seres humanos podem compreender”189. Eis a descrição da cidade: “a qual tem a glória de Deus. O seu fulgor era semelhante a uma pedra preciosíssima, como pedra de jaspe cristalina” (v.11). A luz que a cidade reflete não vem dela mesma, mas, do próprio Deus (v.23). E esta luz multicolorida lembra o aspecto de jaspe cristalino, que é um quartzo belíssimo que reflete a luz em vários matizes. Assim, a Igreja reflete a luz de Deus neste mundo (Fp 2.15).

188 HENDRIKSEN, 1987, p.237. 189 KISTEMAKER, 2004, p.709.

v.1- Veio um dos sete anjos que têm as sete taças e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei o julgamento da grande meretriz que se acha sentada sobre muitas águas, v.3- Transportou-me o anjo, em espírito, a um deserto e vi uma mulher montada numa besta escarlate, besta repleta de nomes de blasfêmia, com sete cabeças e dez chifres.

v.9- Então, veio um dos sete anjos que têm as sete taças cheias dos últimos sete flagelos e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro; v.10- e me transportou, em espírito, até a uma grande e elevada montanha e me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus,

Page 164: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

158

“Tinha grande e alta muralha, doze portas, e, junto às portas, doze anjos, e, sobre elas, nomes inscritos, que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel. Três portas se achavam a leste, três, ao norte, três, ao sul, e três, a oeste. A muralha da cidade tinha doze fundamentos, e estavam sobre estes os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro” (v.12-14). João descreve uma muralha alta, com doze portas, doze anjos, com os doze nomes das tribos de Israel. Em cada direção (norte, sul, leste e oeste) há três portas, e esta muralha tem doze fundamentos cada qual contendo sobre si os nomes dos doze apóstolos de Cristo. O que significa tudo isto? Podemos sintetizar o pensamento de João em uma frase: a Nova Jerusalém transmite-nos a certeza de absoluta segurança. A muralha, as portas, os anjos em cada porta, tudo isso nos transmite segurança. Claro que não se trata aqui de uma segurança contra inimigos, uma vez que todos os inimigos de Deus e de Sua Igreja já estão no lago que arde com fogo e enxofre. A segurança que João quer transmitir aos leitores do livro diz respeito à Salvação eterna. O número 12 expresso tanto nas tribos de Israel como nos apóstolos indica o povo escolhido de Deus em todas as eras. O Reino dos Céus manifestado através da Igreja de Cristo (lembre-se que a Nova Jerusalém é tanto a Igreja Militante quanto a Triunfante) a qual tem as suas portas abertas para todos os quatro cantos da terra (norte, sul, leste e oeste), mostrando assim, a universalidade da Igreja de Cristo, ou seja, ela não é composta de uma etnia apenas, mas, de pessoas de todas as partes do mundo. Cristo não salvou o mundo inteiro (referimo-nos às pessoas), mas, sim, salvou pessoas de todas as partes do mundo. Desta forma a nossa salvação está assegurada por Cristo, guardada nos céus (2Tm 4.8). “Aquele que falava comigo tinha por medida uma vara de ouro para medir a cidade, as suas portas e a sua muralha. A cidade é quadrangular, de comprimento e largura iguais. E mediu a cidade com a vara até doze mil estádios. O seu comprimento, largura e altura são iguais. Mediu também a sua muralha, cento e quarenta e quatro côvados, medida de homem, isto é, de anjo” (v.15-17). Então o anjo tendo uma vara de medir de ouro em suas mãos, pôs-se a medir a cidade. Mediu suas portas, sua muralha. A cidade em suas medidas é quadrangular, ou seja, um cubo perfeito, tendo doze mil estádios de largura, de comprimento e de altura. Um estádio (medida de área) equivale a 184,9 metros, sendo assim, a Nova Jerusalém mede 2.218,8 quilômetros de largura, 2.218,8 quilômetros de altura, e 2.218,8 quilômetros de comprimento. Mas, como sempre, o que importa no Livro do Apocalipse em relação aos números não é o seu valor quantitativo, mas, sim, o seu simbolismo. William Hendriksen comenta o significado desses números190:

Doze mil é o produto de três (a Trindade) vezes quatro (o universo), vezes dez, vezes dez, vezes dez (inteireza e perfeição finais reduplicadas). Portanto, este número expressa o completo e perfeito resultado do poder salvador do Deus Triúno operando no universo. Este resultado completo e perfeito é a Igreja de Deus gozando de comunhão com Deus no novo universo. Esta comunhão será “completa e perfeita” em todas as direções. Gozamos de antemão, aqui e agora, algo desta comunhão. Era prefigurada, ademais, pelo Santo dos santos no Tabernáculo e no Templo de Salomão. Aquele era também um cubo perfeito. Ali o sumo sacerdote entrava em comunhão com Deus. Mas na Cidade Santa todos os crentes são sacerdotes, bem como reis. Todos gozam desta comunhão.

Encontramos este mesmo simbolismo, a saber, a nossa salvação garantida eternamente nas medidas da muralha também. O número 144 referente aos côvados aponta para o resultado de 12x12 (as tribos de Israel e os apóstolos, os quais representam a Igreja em Sua totalidade). Tomar esses números, tanto os da cidade quanto os da muralha de forma literal, nos traz um conflito. Sabemos que a cidade media 2.218,8 quilômetros tanto de altura como de largura e comprimento. Um côvado variava entre 45 a 52 centímetros (media-se do cotovelo à ponta do dedo médio de um homem), portanto 144 côvados dariam algo em torno de 66 metros. Como pode uma muralha de pouco mais de

190 HENDRIKSEN, 1987, p.238.

Page 165: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

159

60 metros abranger uma cidade com mais de 2.218,8 quilômetros de largura e comprimento? Respeitemos o simbolismo do Apocalipse ou cairemos no ridículo! Os Adornos da Nova Jerusalém (21.18-21) “A estrutura da muralha é de jaspe; também a cidade é de ouro puro, semelhante a vidro límpido. Os fundamentos da muralha da cidade estão adornados de toda espécie de pedras preciosas. O primeiro fundamento é de jaspe; o segundo, de safira; o terceiro, de calcedônia; o quarto, de esmeralda; o quinto, de sardônio; o sexto, de sárdio; o sétimo, de crisólito; o oitavo, de berilo; o nono, de topázio; o décimo, de crisópraso; o undécimo, de jacinto; e o duodécimo, de ametista. As doze portas são doze pérolas, e cada uma dessas portas, de uma só pérola. A praça da cidade é de ouro puro, como vidro transparente”. A estrutura, ou seja, a base da muralha é de jaspe e a cidade é de ouro, ou seja, tudo isso serve para descrever a glória e a beleza da Nova Jerusalém. É claro que João está usando aqui coisas que a nossa mente pode compreender, mas, que, de longe lembram a glória real da Nova Jerusalém. Semelhantemente às medidas, os adornos feitos de pedras preciosas são em número de doze. Não devemos ficar procurando significado nos detalhes. Mantenhamos a visão do conjunto num todo. A nossa salvação (significado do número 12) é preciosa, e nem toda a riqueza desse mundo garante a nossa salvação, mas, somente o Cordeiro. É o que nos mostra os versos seguintes. É importante vermos a correlação da descrição da Nova Jerusalém com o Tabernáculo dos dias do Êxodo. Muitas são as semelhanças. Ambos trazem a mesma mensagem: Deus habitando no meio do Seu povo e sendo o Seu Deus. A Iluminação da Nova Jerusalém (21.22-27) “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada. As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória. As suas portas nunca jamais se fecharão de dia, porque, nela, não haverá noite. E lhe trarão a glória e a honra das nações. Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro”. “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro” (v.22). A razão porque a Nova Jerusalém é toda especial e maravilhosa, não está nos seus adornos e ornamentos, mas, em Quem a torna especial por Sua Santa Presença, a saber, o Senhor “Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro”. Deus criou o homem para que este desfrutasse de plena comunhão com Ele. Contudo, quando o homem deu espaço para o pecado tal comunhão foi estupidamente rompida. Em toda a Bíblia encontramos Deus buscando o homem novamente, proporcionando-lhe oportunidade de restabelecer esta comunhão. A prova maior dessa “busca pelo homem” da parte de Deus está em Cristo Jesus, da manjedoura, passando pela cruz e terminando no túmulo vazio. Na Nova Jerusalém esta comunhão não necessitará de um templo onde Deus possa se manifestar, porque Ele mesmo será o “santuário”. A nossa comunhão com Ele será plena, ininterrupta e eterna. “A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada” (v.23). Deus é o centro, é tudo na Nova Jerusalém. A Sua Glória ilumina a cidade dispensando qualquer outra fonte de luz. “As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória” (v.24) Salvos de todas as partes do mundo estarão na Presença Dele e os poderosos e reis da terra Lhe renderão glória que Lhe é devida. Esta é uma citação de Is 60.3,5. Com certeza estes reis e poderosos fazem parte do povo de Deus. “As suas portas nunca jamais se fecharão de dia, porque, nela, não haverá noite. E lhe trarão a glória e a honra das nações”

Page 166: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

160

(v.25-26), novamente João recorre a Is 60 e dessa vez toma as palavras do v.11. Nos tempos antigos os portões de uma cidade eram fechados à noite para evitar a invasão de inimigos. Na Nova Jerusalém não será por este motivo, pois, todos os inimigos do povo de Deus está no lago de fogo e enxofre. Os portões estarão abertos constantemente porque não haverá jamais noite; será um dia eterno. Seus moradores estarão na mais completa segurança, por isso os portões não se fecharão. Enquanto os filhos de Deus estarão no mais maravilhoso descanso, os ímpios condenados não terão descanso noite e dia em seu sofrimento (Ap 14.11). “Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” (v.27). Na cidade santa não entrará coisa alguma que carregar contaminação e impureza, mas somente os escolhidos de Deus que têm seus nomes inscritos no Livro da Vida do Cordeiro. A Árvore da Vida (22.1-5) A Revelação Bíblica começa no Gênesis com um Paraíso no qual corre um rio e há uma árvore da vida; e termina com o Apocalipse falando do Paraíso eterno onde há o “rio da água da vida”. Também no centro deste Paraíso está a Árvore da Vida que produz doze frutos, um a cada mês, e suas folhas são para a cura de todos os povos. Sem perdermo-nos nos detalhes, mas, focando o ponto central destes versos, devemos observar as palavras “da Vida” que se repetem frequentemente no livro do Apocalipse:

✓ Água da Vida: 7.17; 21.6; 22.1 e 17; ✓ Árvore da Vida: 2.7; 22.2, 14, 19; ✓ Coroa da Vida: 2.10; ✓ Livro da Vida: 1.11; 3.5; 13.8; 17.8; 20.12 e 15; 21.27.

Todas essas palavras têm a mesma aplicação. O complemento “da Vida” é uma referência à Vida Eterna. Então, como as demais palavras, a expressão “Árvore da Vida” nada mais é do que a Vida Eterna propriamente dita. No Éden, Adão e Eva foram impedidos de comer dessa árvore depois que desobedeceram a Deus. Até na punição de Deus vemos a Sua misericórdia se revelando. Imagine só se Deus deixasse Adão e Eva comerem do fruto da Árvore da Vida e vivessem eternamente no estado de pecado com todas as suas drásticas consequências? Quando o Senhor os expulsou do Paraíso já estava manifestando a Sua misericórdia. Por meio do Cordeiro de Deus essa comunhão foi restabelecida e agora, os pecadores podem se aproximar de Deus e receberem a Vida Eterna num novo estado de vida, a saber, livres do pecado e suas consequências. “Então, me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro” (v.1). O anjo (21.9) mostrou a João “o rio da água da vida”, cuja água cristalina indica a sua pureza vivificadora. Este rio só comunica a Vida porque flui “do trono de Deus e do Cordeiro”. “No meio da sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos” (v.2). No meio da praça da cidade e de cada lado do rio, a árvore da vida cresce e expande seus ramos com seus frutos, doze frutos por ano, um fruto em cada mês; e as folhas da árvore servem de remédio para todos os povos. Ao dizer que “... as folhas da árvore são para a cura dos povos...” João não quis dizer que haverá alguma espécie de enfermidade no céu e que as folhas desta Árvore serão o remédio. Isso não condiz com o estado de perfeição do céu e nem mesmo com o versículo seguinte. “Nunca mais haverá qualquer maldição. Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro. Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele. Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos dos séculos” (v.3-5). O que João está afirmando é o completo e perfeito

Page 167: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

161

gozo que haverá no céu, a provisão Divina em todos os aspectos que não faltará. Nenhuma maldição do pecado se fará presente ali, porque Deus em Sua presença em glória refulgirá. Pela segunda vez neste trecho, João menciona “o trono de Deus e do Cordeiro”, comunicando assim a centralidade da glória do céu está na pessoa do Deus Triúno. Ele não viu dois (nem mesmo três) tronos, mas, um só, o qual é do Deus Triúno, e todos os salvos lá O servirão (observe o pronome definido no singular). Muito mais do que pensar em água, árvore, coroa e livro no céu, devemos sim, pensar na Vida Eterna que lá teremos. Simon Kistemaker citando um escritor anônimo diz o seguinte sobre o céu191:

O Céu A luz do céu é o rosto de Jesus.

A alegria do céu é a presença de Jesus. A melodia do céu é o Nome de Jesus.

A atividade do céu é o serviço de Jesus. A harmonia do céu e o louvor de Jesus.

O tema do céu é a obra de Jesus.

Tudo no Céu só é tão maravilhoso por causa de Jesus. Tudo o que no céu haverá, sem Jesus, perde completamente o seu valor.

Aplicação Somos o povo do Pacto, da Aliança. Deus estabeleceu Sua Aliança conosco. Por todas as Escrituras encontramos Deus reiterando Sua Aliança conosco dizendo: “Eu serei o vosso Deus, e vós, ser-me-eis o meu povo”. Toda a nossa esperança baseia-se nessa Aliança. Ele é o nosso Deus neste mundo; por Ele vivemos e existimos. Um dia Ele nos recolherá em Sua glória, e, eternamente O serviremos em louvor e adoração.

191 KISTEMAKER, 2004, p.727.

Page 168: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

162

O LIVRO DO APOCALIPSE

NO PLANO ESPIRITUAL – Ap 12 – 22 A Batalha de Cristo e Sua Igreja Contra Satanás e Seus Aliados ESBOÇO – Ap 12 – 22 7. A Grande Tribulação: o Triunfo Final de Cristo e de Sua Igreja – Ap 20 – 22 7.3. Conclusão do Livro do Apocalipse (Ap 22.6-21) 7.3.1. O Regresso de Jesus (v.6-17) 7.3.2. A Advertência (v.18 e 19) 7.3.3. Promessa e Bênção (v.20 e 21)

Introdução Chegamos à conclusão do Apocalipse. Ainda que no trecho antecedente (Ap 21.9 – 22.5) João tenha relatado as grandezas da Nova Jerusalém, há ainda um desfecho, um epílogo a ser acrescentado com o propósito de afirmar a autoridade do seu livro. Esta conclusão consiste num conjunta de afirmações, advertências e promessas, atestando a certeza da volta do Senhor Jesus Cristo192.

7.3. Conclusão do Livro do Apocalipse (Ap 22.6-21) Pouco mais temos a dizer sobre as palavras finais deste livro, visto termos analisado todo o conteúdo do mesmo o qual é praticamente repetido neste último capítulo. A similaridade entre o primeiro e o último capítulo é impressionante193.

Ap 1.1 Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João,

Ap 22.6,16 Disse-me ainda: Estas palavras são fiéis e verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer. Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas às igrejas. Eu sou a Raiz e a Geração de Davi, a brilhante Estrela da manhã.

Ap 1.3 Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo.

Ap 22.7,10 Eis que venho sem demora. Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro. Disse-me ainda: Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo.

Ap 1.8, 17 Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso. Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim a mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último.

Ap 22.13 Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim.

192 LADD, 1986, p.215. 193 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.732.

Estudo 31

Page 169: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

163

7.3.1 – O Regresso de Jesus (v.6-17) “Disse-me ainda: Estas palavras são fiéis e verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer. Eis que venho sem demora. Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro. Eu, João, sou quem ouviu e viu estas coisas” (v.6-8a). Tanto o anjo como João dão testemunho da legitimidade deste livro: “Estas palavras são fiéis e verdadeiras (...) Eu, João, sou quem ouviu e viu estas coisas” (v.6,8). Deus é o autor deste livro, assim como o restante das Escrituras, pois, Ele é “... O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas...” (v.6). Contudo, João não foi apenas um mero escrivão para o qual Deus foi ditando as palavras e ele foi registrando. Não. Deus usou João dentro do seu contexto de vida com seu conhecimento do Antigo Testamento. Podemos dizer que Deus é o autor primário e João, o secundário do Apocalipse. A fidedignidade dessas palavras está completamente associada ao seu cumprimento: “...em breve devem acontecer” (v.7). A partir da perspectiva divina, as coisas que foram preditas estão acontecendo inclusive agora, de modo que a consumação propriamente dita é deveras iminente. O termo “em breve” expressa a sóbria realidade de que a consumação está perto. Por isso é considerado feliz eternamente (“bem-aventurado”) aquele que guarda estas palavras em seu coração, pois, cristo diz: “Eis que venho sem demora” (v.7). “E, quando as ouvi e vi, prostrei-me ante os pés do anjo que me mostrou essas coisas, para adorá-lo” Então, ele me disse: Vê, não faças isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (v.8b-9). Novamente João comete um erro: ajoelhar-se diante do anjo. Por isso, recebe a mesma repreensão: “Vê, não faças isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (v.9) . O único ser que deve receber adoração é Deus. Nem mesmo as Suas mais belas criaturas merecem ser adoradas. É lamentável vermos a propensão idólatra que muitos crentes têm em relação aos anjos. Desde a antiguidade esse erro é cometido. O segundo mandamento é claro: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus (...) Não as adorarás, nem lhes darás culto (...)” Êx 20.4-5. “Disse-me ainda: Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo” (v.10). O ato de selar um livro impediria a sua leitura de ser feita. Assim, a Palavra de Deus não está algemada, mas, livre para fazer o que Lhe apraz (2Tm 2.9). O anjo ordenou a João que não selasse o livro “porque o tempo está próximo”, ou seja, a concretização de suas palavras está perto de acontecer. O tempo está próximo. Esta não é uma referência a um calendário ou a um relógio, mas, sim, aos “últimos tempos”, a saber a presente era que vai da primeira à segunda vinda de Cristo. Além disso, não podemos ignorar o caráter imediato do cumprimento dessas profecias àqueles primeiros cristãos (veja comentário de Ap 1.1, p.20 desta apostila). “Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se” (v.11). Há um contraste interessante:

A primeira e a terceira linha mostram as obras; a segunda e quarta linha mostram o caráter de cada um. Simon Kistemaker comentando este verso diz194:

O pecador regride da incredulidade para a desobediência, da desobediência para a negligência, da negligência para a apostasia e da apostasia para o embotamento do coração. O santo continua a

194 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.739.

1. Continue o injusto fazendo injustiça; 3. o justo continue na prática da justiça, 2. continue o imundo ainda sendo imundo; 4. e o santo continue a santificar-se.

Page 170: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

164

fazer progresso em uma vida que o conduz da fé para a prática da obediência, da obediência para a alegria e da alegria para a infindável bem-aventurança no Senhor. O caráter do pecador inflexível é decididamente anticristão; o do santo, porém, é marcado pela justiça e a santidade.

Neste verso vemos que o anjo ordena João a deixar cada qual (o ímpio e o justo) seguirem seu curso de vida. O ímpio teve as mesmas oportunidades que o justo; viu os flagelos e pragas e, apesar disso continuou em sua vida frívola, cheia de incredulidade e de desprezo para com a Palavra de Deus. Enquanto isso, o justo em sua vereda vai brilhando cada vez mais (Pv 4.18), refletindo a luz de Cristo em sua vida. Salientamos ainda o fato de que é a Palavra de Deus o instrumento principal usado por Ele na conversão e salvação dos pecadores. Se a Palavra de Deus não produzir este efeito, não será a nossa intervenção que o fará (Lc 16. 27-31). “E eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras” (v.12). Cristo tem em Suas mãos o galardão (misqo,j - salário, paga, recompensa). Mas, seria possível interpretar galardão como um pagamento pela obra realizada? Simon Kistemaker afirma que195, primeiramente, devemos lembrar que a promessa do retorno de Cristo significa alegria e felicidade para o crente, porém medo e remorso para o incrédulo. Seu regresso deve ser visto contra o cenário do último juízo, quando o justo tomar posse do seu galardão celestial e o injusto estiver nas trevas exteriores (Mt 25.31-46). Em segundo lugar, não há nas Escrituras menção de obras boas, nenhum cálculo de recompensa; nenhuma contabilidade de boas obras (só más); nenhuma correspondência entre realização e galardão. O termo galardão não tem nenhuma conexão com o conceito de “tesouro celestial” (Mt.6.19), porque qualquer galardão que porventura Deus dê é com base na graça imerecida. O dom da salvação é pura paga, é imerecido e sem preço, da parte Daquele que diz: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (v.13). “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro (...)” (v.14) . A diferença Ap 22.14 entre Ap 7.14, é que enquanto este diz respeito aos crentes que já estão nos Céus com Cristo, Ap 22.14 diz respeito aos crentes que ainda estão na terra. No restante, ambos os versos tratam do mesmo assunto, a saber, as vestes (vidas) somente são lavadas (purificadas do pecado) por meio do Sangue precioso de Cristo lá na cruz aos quais é feita a exortação para que eles lavem suas vestes (vidas) no sangue de Cristo. Somente os que assim fizeram e os que assim fazem estão devidamente preparados “(...) para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas” (v.14). “Fora ficam os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras e todo aquele que ama e pratica a mentira” (v.15). Como o Senhor está falando a pessoas que estão ainda na terra, Ele continua fazendo a distinção entre o crente e o incrédulo. Aos dizer “cães” o Senhor não está se referindo a animais, mas, sim, está fazendo uso de uma figura de linguagem usada naqueles tempos em relação aos gentios. Os rabinos consideravam os gentios, cães, por se tratarem de pessoas que deveriam ser evitadas pelos judeus. Daí a expressão aqui significa “alguém que deve ser evitado” não por sua raça ou etnia, mas, por causa de seu comportamento. A frase “... todo aquele que ama e pratica a mentira” deve ser aplicada aos demais pecados mencionados nesta lista bem como o todo tipo de pecado. “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas às igrejas. Eu sou a Raiz e a Geração de Davi, a brilhante Estrela da manhã” (v.16). O v.16 nos mostra a autenticidade do Livro. Por ser a “Revelação do Senhor Jesus Cristo” (Ap 1.1), Ele próprio assume a autoria e a veracidade deste livro. Jesus Cristo, o Eterno Deus que é a “Raiz e a Geração de Davi”, ou seja, a Origem, o Criador de Davi (e de todos os seres humanos), é também a sua “Geração”, ou seja, Ele é o Deus-homem, o Divino Ser encarnado em forma de servo (Fp 2.5-11), o mais ilustre descendente de Davi. Esta verdade é reforçada em todo o livro do Apocalipse. Em Ap 1.1 vemos que Deus enviou o anjo para

195 Ibid, p.739.

Page 171: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

165

que notificasse a João e aos demais crentes o que haveria de acontecer em breve. Aqui em Ap 22.16, o Senhor Jesus usando o pronome “Eu” (Egw.,) afirma ter Ele mesmo enviado o anjo até João e aos crentes para “... testificar estas coisas...”. Não há conflito algum em toda a Bíblia sobre a Divindade de Cristo; Ele é Deus! Quanto à expressão “brilhante estrela da manhã” foi extraída de Nm 24.17: “Uma estrela procederá de Jacó...”. Em sua carta à Igreja de Tiatira, Jesus promete a estrela da manhã a cada vencedor (Ap 2.28); e ao mencionar o dia do regresso do Senhor, Pedro informa a seus leitores que isso acontecerá quando “a estrela da manhã nascer em seus corações...” (2Pe 1.19), apontando assim para Cristo196. “O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (v.17). Aqui temos dois convites. As duas primeiras vezes em que aparece o verbo “vir” se refere a Jesus. É um convite cheio de amor e expectativa da Igreja e do Espírito Santo. A segunda vez em que aparece o verbo “vir”, trata-se de um convite aos homens: “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida”. Que a salvação em todos os seus aspectos (eleição, chamado e conversão) é uma obra exclusiva de Deus, isso é incontestável. Porém, há a responsabilidade e a resposta humana. Deus chama de forma irresistível, e o homem deve atender a este chamado, e quem atende a este dócil chamado descobre que é tudo pela Graça de Deus. As palavras deste versículo encontram suas equivalentes em Is 55.1: “Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite”.

7.3.2 – A Advertência (v.18 e 19) “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro” (v.18-19). Uma vez que as palavras deste livro são do próprio Senhor Jesus, ninguém neste universo está autorizado a alterar de alguma forma o conteúdo do mesmo. Nos tempos antigos as correspondências eram seladas e este selo só poderia ser quebrado quando o documento chegasse nas mãos do destinatário. Se um mensageiro por conta própria resolvesse abrir o documento e fazer alguma alteração, pagaria até mesmo com a própria vida. Se havia tanto rigor (e ainda hoje há, pois, qualquer alteração num documento é crime) com documentos humanos, o que se dirá de um documento Divino? O resultado será sofrer os flagelos descritos neste livro. Mas, sem dúvida alguma, a pior de todas as consequências é a condenação eterna. O v.19 é evocado por aqueles que defendem a perda da salvação. Mas, não é isto que João está dizendo aqui. Seu objetivo é mostrar que quem acrescentar ou extrair algo desse livro (e por conseguinte, da Bíblia toda) dará provas de grande iniquidade e revelando seu caráter reprovável que só tem a receber a condenação eterna como paga. Isto nos chama atenção para o nosso papel de pregadores do Evangelho. Nosso dever é entregar a mensagem (pregar a Palavra de Deus) do jeito que ela é; sem alterações ou especulações da nossa parte. Se porventura, quisermos acrescentar (falar além) ou tirar (diminuir ou até mesmo omitir) alguma de suas verdades, haveremos de acertar contas com o próprio Senhor Jesus. Comentando estes versos William Hendriksen diz197:

Devido ao fato deste livro do Apocalipse ser tão transcendente glorioso, tão divino – porquanto Deus mesmo é o Seu Autor – , que ninguém dos que ouvirem ou lerem este livro lhe acrescente ou

196 Cf. KISTEMAKER, 2004, p.743. 197 HENDRIKSEN, 1987, p.246.

Page 172: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

166

subtraia qualquer palavra. Que ninguém o chame de espúrio. Que ninguém diga que suas passagens tão significativas são interpelações. Que ninguém negue seu caráter divinamente inspirado. Que ninguém diga que não vale a pena estudá-lo. Que ninguém ridicularize este livro, tão cheio de convites e promessas. Se alguém recusa prestar atenção a esta advertência, as pragas escritas neste livro ser-lhe-ão acrescentadas. Deus tirará sua parte na árvore da vida e na Cidade Santa.

7.3.3 – Promessa e Bênção (v.20 e 21) “Aquele que dá testemunho destas coisas diz: Certamente, venho sem demora. Amém! Vem, Senhor Jesus! A graça do Senhor Jesus seja com todos” (v.20-21). O v.20 é a resposta ao v.17. A Igreja e o Espírito clamaram e Jesus agora responde: “Certamente, venho sem demora”. Temos a garantia proferida pelos lábios do próprio Senhor Jesus. Notemos novamente o verbo “vir”. Cristo não disse: “Certamente irei”, mas, “Certamente venho”. O verbo conjugado no presente enfatiza a certeza de que Cristo cumprirá Sua promessa, tal como se Ele já tivesse cumprido. Mas, como pode ser sem demora o regresso de Jesus, sendo que já se passaram cerca de dois mil anos desde que Ele fez esta promessa? Quando Ele disse: “... sem demora...”, não estava marcando a data dentro de um período curto de tempo, mas, sim, dizendo que: “virei repentinamente; em pouco tempo; num abrir e fechar de olhos”; ele não estava falando de espaço de tempo, mas, da forma como Ele voltará! E diante dessa certeza, João, a Igreja e as hostes celestiais exclamam e clamam: “Amém! Vem, Senhor Jesus!”. O v.21 comunica a bênção apostólica a qual nos lembra a forma com que Paulo encerra as suas cartas. Podemos ainda dizer que “todos” se refere não somente às sete Igrejas da Ásia, mas, a “todos quantos amam a Sua vinda” (2Tm 4.8). Uma vez que as sete Igrejas da Ásia representam a totalidade da Igreja de Cristo na face da terra, então estas palavras se dirigem a nós também.

Aplicação A afirmação da divindade de Cristo encerra o livro. Cristo é o Deus que Se revela aos Seus servos. Sua revelação é verdadeira e fiel e comunicam a verdadeira felicidade:

“Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro” (v.7); “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro” (v.14).

Aqueles que alcançaram essas bem-aventuranças que continuem na prática da justiça e numa vida de santidade, pois, a estes que foram justificados por Jesus e continuam praticando a justiça, isto é, vivendo em santidade, é que Ele levará consigo para a eternidade.

Page 173: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

167

Conclusão Chegamos ao fim deste livro. Um livro desafiador (como todas as partes da Escritura). Que possamos, tomados pelo amor de Deus, fazer como o apóstolo João fez: receber estas verdades guardá-las em nosso coração e transmiti-las com toda a fidelidade que temos para com o Cristo Jesus. Que o nosso coração esteja cada vez mais cheio da bendita esperança que é capaz de suplantar os desgostos e sofrimentos nesta vida sabendo que o Céu de Glória está preparado para nós, de onde Cristo nos espera de braços abertos para nos dar a Coroa da Vida. A Ele, pois, toda honra, glória, louvor, domínio e majestade pelos séculos dos séculos! Amém! “MARANATA! ORA, VEM! SENHOR JESUS!”

Page 174: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

168

BIBLIOGRAFIA BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, vol.6 Atos a Apocalipse. São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1989. BEALE, G. K., CARSON, D. A. (Org.), Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo (SP): Vida Nova, 2014. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. Bíblia de Estudo de Genebra. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil,1999. Bíblia de Jerusalém. São Paulo (SP): Sociedade Bíblica Católica Internacional e Edições Paulinas, 1980. BRUCE, F.F. (Org.). Comentário Bíblico NVI. São Paulo (SP): Editora Vida, 2009. CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática, Vol. 3-4. São Paulo (SP): Hagnos, 2003. CLOUSE, Robert G. Milênio: Significado e Interpretações. 1ª edição, Campinas (SP): Luz Para o Caminho, reimpressão 1990 DAVIS, John D. (org). Dicionário da Bíblia. Rio de Janeiro (RJ): Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1990. DOUGLAS, J. D. (org). O Novo Dicionário da Bíblia vol. 1 e 2. 1ª edição, São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1962, reimpressão 1990. ENGELSMA, David J. O Reino Espiritual de Cristo – uma Defesa do Amilenismo Reformado. Redlands, Califórnia. NP. ERICKSON, Millard J. Um Estudo do Milênio – Posições Contemporâneas da Escatologia. 1ª edição, São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1982. GINGRICH – DANKER, F.Wilbur; Frederick W. Léxico do NT. Grego/Português. 1ªedição, São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1984, reimpressão, 2001. GUNDRY, Robert, H. Panorama do Novo Testamento. 4ª edição, São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, reimpressão 1991. HENDRIKSEN, Willian. Mais que Vencedores – Interpretação do Livro do Apocalipse 1ª edição, São Paulo (SP): Casa Editora Presbiteriana, 1987. HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento – Atos a Apocalipse, Vol.6, 1ª edição, Rio de Janeiro (RJ): Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2010. HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. 1ª edição, São Paulo (SP): Casa Editora Presbiteriana, 1989.

Page 175: EXPOSIÇÃO DO NOVO TESTAMENTO · 2020. 10. 7. · II – A Escatologia do Novo Testamento ..... 03 III – Cristo: O Centro da História ... O Antigo Testamento tem alguns elementos

O Livro do Apocalipse Rev. Olivar Alves Pereira Introdução, Análise e Aplicações Ad majorem Dei gloriam

169

KISTEMAKER, Simon. Apocalipse – Comentário do Novo Testamento. 1ª edição, São Paulo (SP): Editora Cultura Cristã, 2004. LADD, George Eldon. Apocalipse, Introdução e Comentário. São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1986. LARCERDA, Oswaldo Dias de. A Nova Disposição de Nosso Senhor Jesus Cristo (Novo Testamento). 1ª edição, Jacareí (SP): (particular), 1996. LUZ, Waldir Carvalho. Novo Testamento Interlinear. 1ª edição, São Paulo (SP): Editora Cultura Cristã, 2003. NESTLE, Eberhard; NESTLE, Erwin; ALAND, Kurt. Novun Testamentum Graece. 12ª druck, Stuttgart, Germany: Deutsche Bibelgesellschaft Stuttgart, 1991. Nova Versão Internacional da Bíblia. São Paulo (SP): Sociedade Bíblica Internacional, 1993, 2000. REGA, Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico. 4ª edição, São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1998, reimpressão 2001. RIENECKER – ROGERS, Fritz; Cleon. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. 1ª edição, São Paulo (SP): Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1988. TAYLOR, Willian Carey. Introdução ao estudo do Novo Testamento Grego. 9ª edição, Rio de Janeiro (RJ): Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1990. WIERSBE, Warren. Comentário Bíblico Expositivo, Efésios – Apocalipse, Vol.6. Santo André (SP): Geográfica, 2007.