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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ECONOMIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA VINÍCIUS FELIPE DASILVA EXTERNALIDADE DA EDUCAÇÃO SOBRE CRIMES VIOLENTOS: EVIDÊNCIAS PARA OS MUNICÍPIOS BRASILEIROS SALVADOR 2014

Externalidade Da Educação Sobre Crimes Violentos

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE ECONOMIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIAMESTRADO EM ECONOMIA

    VINCIUS FELIPE DA SILVA

    EXTERNALIDADE DA EDUCAO SOBRE CRIMES VIOLENTOS: EVIDNCIASPARA OS MUNICPIOS BRASILEIROS

    SALVADOR

    2014

  • VINCIUS FELIPE DA SILVA

    EXTERNALIDADE DA EDUCAO SOBRE CRIMES VIOLENTOS:

    EVIDNCIAS PARA OS MUNICPIOS BRASILEIROS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em

    Economia da Faculdade de Economia da Universidade

    Federal da Bahia como requisito parcial para a obteno do

    grau de Mestre em Economia.

    rea de concentrao: Economia Regional e Meio Ambiente.

    Orientadora: Prof. Dra. Claudia S Malbouisson Andrade.

    SALVADOR

    2014

  • Ficha catalogrfica elaborada por Vnia Magalhes CRB5-960

    Silva, Vincius Felipe da

    S586 Externalidade da educao sobre crimes violentos: evidncias para os municpios

    brasileiros./ Vinicius Felipe da Silva._ Salvador, 2013.

    79 f. : il.; fig.; tab.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Economia,

    2013.

    Orientadora: Profa. Dra. Claudia S Malbouisson Andrade.

    1.Educao. 2. Criminalidade. I. Andrade, Claudia S Malbouisson. II. Ttulo.

    III. Universidade Federal da Bahia.

    CDD 330.1

  • Generated by CamScanner

  • Dedico a minha famlia.

  • AGRADECIMENTOS

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior pela concesso de bolsa deestudo que garantiu o apoio financeiro necessrio para a minha formao e o desenvolvimentodesta pesquisa.

    professora Claudia S Malbouisson Andrade por sua confiana depositada em mim. Sem suaorientao e conselhos na dissertao, no mestrado e na vida os bons resultados no teriamacontecido. Obrigado por demonstrar que tudo possvel.

    minha me e meu pai, por todo amor e pelo apoio s minhas escolhas. Ao meu irmo e minha irm, meus primeiros amigos. Enfim, toda minha famlia, em Pernambuco, na Bahia,em So Paulo... que no perdeu sua essncia e no perder: a unio. A famlia o bero doaprendizado, da educao e da amizade, valores que eu abracei. Vocs estiveram ao meu ladoem todos os momentos e por isso eu sou grato.

    Lorena, minha pequena, pela energia positiva, animao e compreenso. Serei sempre gratopor estar ao meu lado nesses momentos. E, claro, por todas as crticas e revises.

    Aos colegas do Programa do Ps-graduao em Economia PPGE da UFBA pelos momentoscompartilhados e pelos aprendizados dentro e fora da sala de aula nos dois anos de mestrado.Tambm agradeo Bernardo e Jlio, pela amizade, pelo momentos de descontrao e pelacontribuio com esta dissertao.

    Aos professores Dr. Robinson Tenrio e Dr. Gervsio Santos, membros da banca examinadora,por terem aceitado o convite. Agradecimento especial Gervsio, por todo o aprendizado epelos inmeros conselhos.

    todos os professores do PPGE, aos funcionrios da secretaria Ruy e Max e a bibliotecriaVnia por toda ajuda.

  • Conseguimos chegar s dedues e inferncias,

    disse Lestrade, dando uma piscada para mim.

    Acho que muito difcil lidar com fatos, Holmes,

    sem nos perdermos atrs de teorias e fantasias.

    Inspetor Lestrade para Sherlock HolmesO Mistrio do Vale Boscombe

    Yo soy yo y mi circunstancia...

    Jos Ortega y Gasset

  • RESUMO

    A anlise econmica do crime pela abordagem do capital humano prev que um indivduo commaior educao tem menor propenso ao envolvimento criminal. As evidncias embasam a te-oria, pois capturam um significativo efeito causal negativo da educao sobre o comportamentocriminoso, uma importante externalidade positiva para a sociedade. O objetivo estimar o efeitoda externalidade da educao sobre os crimes violentos no Brasil, a partir da taxa de homic-dio e de duas medidas de formao escolar, a concluso nos ensinos fundamental e mdio, naforma de porcentagem da populao municipal. Uma vez que os dados se configuram em umpainel com mais de 5.500 municpios brasileiros, para os anos de 2000 e 2010, alm do m-todo de MQO com controles, so utilizados os mtodos de Efeito Fixo e Varivel Instrumentalpara controlar a heterogeneidade municipal e a endogeneidade da varivel de educao, com onvel educacional dos pais como varivel instrumental. Os resultados sugerem que, ceteris pari-bus, para mais 10 p.p. na porcentagem da populao com ensino mdio ou ensino fundamentalcompletos h uma reduo de 5 homicdios por 100 mil habitantes. Frente taxa de homic-dio registrada em 2010 de 27,4, o efeito redutor estimado da educao configura-se como umaexternalidade positiva significativa.

    Palavras-chave: Educao. Crimes Violentos. Externalidade. Painel. Varivel Instrumental.

  • ABSTRACT

    Economic analysis of crime by the human capital approach states that an individual with highereducation have is less likely to criminal involvement. The evidence supports the theory becauseit captures a significant negative causal effect of education on criminal behavior, an importantpositive externality for society. The objective is to estimate the effect of the externality of edu-cation on violent crimes in Brazil, from the homicide rate and two measures of school educationcompletion in primary and secondary education , as a percentage of the municipal population.Once the data are configured on a panel with more than 5,500 municipalities for the years2000 and 2010, in addition to the method of OLS with controls, methods of Fixed Effects andInstrumental Variable are used to control the municipal heterogeneity and endogeneity of theeducation variable, with parental education as an instrumental variable. The results suggest that,ceteris paribus, for a further 10 p.p. in the percentage of population with high school or primaryschool completed there is a reduction of 5 homicides per 100 thousand inhabitants. Front of thehomicide rate of 27.4 recorded in 2010, the estimated reducing effect of education appears as asignificant positive externality.

    Key-words: Education. Violent Crime. Externality. Panel Data. Instrumental Variable.

  • LISTA DE ILUSTRAESFigura 1 PIB real per capita para o Brasil - 2000 e 2009 . . . . . . . . . . . . . . . . 36Figura 2 Mdia da porcentagem da populao entre 18 e 24 anos com formao es-

    colar - 1991 a 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37Figura 3 Homicdios por 100 mil habitantes para o Brasil no ano de 2000 . . . . . . 42Figura 4 Homicdios por 100 mil habitantes para o Brasil no ano de 2010 . . . . . . 43Figura 5 Mdia da porcentagem da populao com mais de 18 anos de idade com

    formao escolar - 1991 a 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Figura 6 Distribuio de Kernel da Varivel Ensino Fundamental . . . . . . . . . . . 61Figura 7 Distribuio de Kernel da Varivel Ensino Mdio . . . . . . . . . . . . . . 62Figura 8 Distribuies de Kernel da varivel Crime segundo a varivel Ensino Mdio 63

  • LISTA DE TABELASTabela 1 Execuo Oramentria da Unio em categorias selecionadas excluindo transfern-

    cias para estados e municpios e gastos com pagamento de juros (% do PIB) . . . . 35Tabela 2 Gasto pblico em educao por aluno em relao ao PIB per capita no Brasil,

    em % - 2000 a 2008 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40Tabela 3 Total de homicdios e taxa por cem mil habitantes - Brasil - 1990-2011 . . . 41Tabela 4 Resumo e descrio das variveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Tabela 5 Estatsticas Descritivas - 2000 e 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60Tabela 6 Estatsticas Descritivas dos Dados em Painel . . . . . . . . . . . . . . . . . 64Tabela 7 Regresses por MQO para cross-section dos anos de 2000 e 2010 - Ensino

    Fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65Tabela 8 Regresses por MQO para cross-section dos anos de 2000 e 2010 - Ensino

    Mdio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66Tabela 9 Regresses por Dados em Painel - Ensino Fundamental . . . . . . . . . . . 67Tabela 10 Regresses por Dados em Painel - Ensino Mdio . . . . . . . . . . . . . . . 68Tabela 11 Regresses por Varivel Instrumental - Ensino Fundamental . . . . . . . . . 69Tabela 12 Regresses por Varivel Instrumental - Ensino Mdio . . . . . . . . . . . . 70Tabela 13 Regresses por Varivel Instrumental e Dados em Painel - Ensino Fundamental 71Tabela 14 Regresses por Varivel Instrumental e Efeito Fixo - Ensino Mdio . . . . . 72Tabela 15 Teste de Identificao para a Varivel Instrumental Educao dos Pais . . . 73

  • SUMRIO

    1 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    2 REVISO DA LITERATURA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.1 O Papel da Educao na Economia do Crime . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.2 Educao e Crime: uma Externalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292.3 Canais da Relao entre Educao e Crime . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    3 CONTEXTO DO CRIME E DA EDUCAO NO BRASIL . . . . . . . 353.1 Evoluo Relativa da Educao no Brasil desde os anos 1990 . . . . . . . . 373.2 Homicdios, Criminalidade e Despesas com Segurana . . . . . . . . . . . . 40

    4 METODOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474.1 Especificao do Modelo Economtrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 484.2 Estratgia de Identificao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504.3 Dados e Variveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

    5 RESULTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 595.1 Estatsticas Descritivas e Resultados Preliminares . . . . . . . . . . . . . . 595.2 Estimaes por Painel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 675.3 Estimaes por Varivel Instrumental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

    6 CONCLUSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

    REFERNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

  • 11

    1 INTRODUO

    Os estudos da criminalidade documentam diferentes determinantes do crime: policiamento, taxade desemprego, nvel de renda, encarceramento, background familiar, desigualdade, entre ou-tras. Menos estudada e igualmente interessante a relao entre educao e crime, sobretudopara o Brasil, em funo do profundo dficit social. Porm, ao olhar o pas em retrospectivasurge um pseudo paradoxo sobre esta relao: os indicadores sociais e econmicos melhora-ram, entre eles o acesso educao, pari passu uma piora da sensao de insegurana e aoestabelecimento de altas taxas de crime e violncia. natural, ento, pensar qual a influnciaque a educao tem e deveria ter nos ndices de crime no pas.

    No ano de 2010 ocorreram quase 50 mil mortes violentas no Brasil, a taxa foi de 27,4 ho-micdios por 100 mil habitantes, um ritmo de 137 por dia. Na comparao com o ano 2000essa taxa estabilizou em mbito nacional, porm o fenmeno teve disseminao regional e emmuitos estados ocorru forte elevao destes ndices1. Considerando a perda de capital humano,auferido a partir dos valores dos rendimentos das vtimas, estima-se que o Brasil perde apro-ximadamente R$9,1 bilhes por ano. Apenas no ano de 2001 esse valor foi R$189,5 mil porvtima. No ano de 2004, considerando demais custos sociais e privados com a violncia, comoos gastos com segurana pblica e privada, sistemas de sade e prisional, seguros, entre ou-tros, a cifra alcanou R$92,2 bilhes ou 5,09% do PIB. Somente as perdas com capital humanoforam 1,35% enquanto que os gastos com o Sistema de Segurana Pblica corresponderam a1,45% (as informaes constam em Beato Filho (2012)).

    O panorama apresentado por esses dados de altos custos sociais e econmicos associadosaos crimes violentos, ou seja, eles geram grandes externalidades negativas para a economia.O problema no caracterizado apenas pelos custos financeiros e produtivos mas pelas vidasperdidas, que em sua maioria de jovens. Reduzir as taxas de crime e seus custos deve ser,portanto, um importante ponto da agenda de polticas pblicas. Os policy makers necessitam demedidas precisas dos determinantes do comportamento criminoso para que as polticas sejameficientes. Este trabalho visa contribuir nesse sentido.

    Na perspectiva da teoria econmica, o comportamento criminoso compreendido como de-corrente de escolha racional. Nessa linha, os modelos propostos por Becker (1968) e Ehrlich(1973) so trabalhos seminais e sintetizam a interpretao econmica da opo pela ilegalidade.O indivduo escolhe a alocao do seu tempo entre lazer, trabalhos legais ou ilcitos, dadas res-tries econmicas e sociais. Nessa abordagem, o crime uma atividade econmica que geraretornos econmicos como outra qualquer. H custos na escolha pelo crime: a punio, o custode oportunidade por abrir mo de rendas legais, o risco de captura, os custos operacionais e,1 Dados do Sistema de Informaes de Mortalidade do Ministrio da Sade (SIM-DATASUS) que esto deta-

    lhados no Mapa da Violncia 2012

  • 12

    inclusive, os morais e psicolgicos. Na tomada de deciso o potencial criminoso avalia custose ganhos em um contexto de incerteza: de modo que a escolha depende da comparao da uti-lidade esperada por incorrer no crime com a obtida pelo rendimento do trabalho legal. A ofertade crime dependeria da probabilidade de captura e do grau de punio2. Alm disso, caracte-rsticas do potencial criminoso e do ambiente scio-econmico, como a educao, tambm sodeterminantes da escolha pelo crime (CERQUEIRA; LOBO, 2004; LEVITT; MILES, 2006).

    Para prevenir o crime existiria ento um nvel timo de gasto pblico em polticas de preven-o, um equilbrio socialmente aceito entre prises, cortes judiciais, polcias e escolas. Por emprtica ambas polticas implica em altos custos para a sociedade3 Entretanto, os benefcios sodiferentes, pois as polticas focadas no combate ao crime, como o maior policiamento e maisprises, apresentam benefcios limitados reduo da criminalidade. As polticas educacio-nais, por sua vez, geram externalidades positivas, pois h benefcios sociais que vo alm dosretornos privados do investimento na educao. H uma longa tradio entre os economistasna avaliao do impacto do capital humano sobre os rendimentos privados. Alguns pesquisa-dores tem empreendido esforos e conseguido investigar os retornos sociais da educao, porexemplo, Acemoglu e Angrist (2001) apresentam evidncias de que a maior escolaridade dostrabalhadores gera externalidades positivas pois aumenta a produtividade nacional e os salriosde outros profissionais.

    No que diz respeito ao potencial benefcio social da educao sobre o crime, existem fundamen-tos tericos e evidncias empricas que vo alm de uma simples relao entre os dois. Primeiro,sob a perspectiva terica, a maior educao eleva o custo de oportunidade de cometer um crimeno presente e no futuro. A educao aumenta os salrios, sem apresentar o mesmo efeito sobreos retornos dos crimes comuns, logo, h um trade-off na escolha entre trabalho legal e compor-tamento ilegal. Alm disso, o encarceramento uma forma de punio que promove a perda detempo, consequentemente, est associado um maior custo aos mais escolarizados. Segundo, aeducao pode afetar o valor que o indivduo atribui aos retornos psicolgicos e financeiros docrime. Terceiro pode alterar indiretamente as preferncias aumentando a pacincia e a aversoao risco e diminuindo a propenso resoluo de conflitos pela violncia. Quarto, a educaoforma interaes sociais fora do ambiente criminal, promovendo um efeito dos pares. Quinto, osjovens na escola sofrem de um efeito auto-incapacitao, uma vez que possuem menos tempolivre para promover atos ilcitos fora do ambiente escolar.

    No entanto, a correlao tambm pode ser positiva, porque: o aprimoramento de tcnicas ouo acesso a cargos e redes sociais decorrente do aprendizado ou da educao formal pode aju-2 Essas previses constam em diversos modelos tericos na Economia do Crime e representam o efeito dis-

    suasrio (deterrence). De fato, poucos estudos venceram o desafio de obter evidncias da causalidade destasrelaes, em funo dos problemas da endogeneidade (LEVITT, 2004) um exemplo

    3 Normalmente o poder pblico tem gastado mais com educao do que com o controle social, porm, essepadro tem se alterado, Beato Filho (2012) chama ateno que gasta-se mais com o sistema penal no estado daCalifrnia (EUA) do que com a educao.

  • 13

    dar na atividade de crimes digitais ou de colarinho branco, como o estelionato e a corrupo.A aglomerao de jovens em escolas pode promover mais crimes juvenis, como os conflitosde gangues. Por fim, espera-se que o efeito lquido desses canais seja negativo sobre os cri-mes ordinrios, seja contra a pessoa como o homicdio, ou os patrimoniais (EHRLICH, 1975;FEINSTEIN, 2002; LOCHNER, 2004; LOCHNER, 2011).

    Para estimar o efeito da educao no crime h dificuldades empricas, a principal delas a endo-geneidade, problema economtrico na estimao do coeficiente da varivel de interesse, nestecaso da educao, que pode promover vis e inconsistncia. As fontes da endogeneidade soo erro de medida na varivel dependente, a omisso de varivel importante e a simultaneidade(ou causalidade reversa).

    Primeiro, o erro de medida na varivel de crime pode ocorrer por sub-notificao nos registroscriminais oi porque os dados criminais esto agregados em algum nvel espacial, o que podeprovocar alguma perda de informao em unidades geogrficas de maior rea. Segundo, ca-ractersticas no observadas que afetam a escolha por educao escolar frequentemente estocorrelacionadas com outras caractersticas tambm no observadas que influenciam a escolhapor cometer crime. Por exemplo, pode existir um trade-off nos gastos pblicos entre as polti-cas educacionais e as de combate ao crime. Terceiro, deve-se evitar a causalidade reversa, ouseja, a simultaneidade entre crime e educao, seja porque a escolha por no concluir os estudosacontece porque a educao no aumenta os ganhos do crime ou porque o indivduo possui umaalta taxa de retorno da atividade criminosa. Esse comportamento individual pode ser refletidono nvel agregado pela influncia da taxas de crime de um ano anterior na medida de educaodo tempo presente.

    Um exemplo da dificuldade emprica na estimao do efeito da educao sobre o crime obser-vado em Ehrlich (1975), que falhou em estimar a elasticidade entre estas duas variveis, porquea medida de educao adotada era altamente correlacionada com a renda permanente da locali-dade. Por isso, o parmetro estimado foi positivo, uma correlao espria, poluda pela influn-cia da varivel de renda, uma medida das oportunidades de ganho dos criminosos. Os trabalhosde Levitt e Lochner (2001), Lochner e Moretti (2004), Sabates e Feinstein (2008), Machin,Marie e Vujic (2011) e Meghir, Palme e Schnabel (2012) apontam evidncias empricas quevo alm da correlao entre educao e crime, pois utilizaram estratgias de identificao doefeito causal, como o uso de varivel instrumental, controlando o problema da endogeneidadee obtendo estimativas condizentes com a hiptese de efeito negativo.

    O objetivo desse trabalho estimar o efeito da externalidade da educao sobre os crimes noBrasil, utilizando duas medidas de formao escolar: as porcentagens da populao municipalcom ensino fundamental e ensino mdio completos. Para tanto, so usados registros de homi-cdios do SIM-DATASUS como forma de mensurar a criminalidade local e dados dos Censos

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    de 2000 e 2010 para as variveis de educao e demais controles. A relevncia desse trabalhose d, por um lado, por contribuir para a compreenso da extenso dos retornos econmicos docapital humano e, por outro, por suprir uma lacuna na literatura brasileira de sobre evidnciasda relao entre o crime e a educao. No Brasil, poucos trabalhos venceram o desafio emp-rico na rea econmica de avaliar a relao entre educao e crime: Kume (2004) utiliza oMtodo dos Momentos Generalizados (GMM) e encontra evidncia do efeito negativo do nvelde escolaridade da populao sobre a taxa de criminalidade; Chioda e outros (2012) avalia aexternalidade do Bolsa Famlia utilizando a ampliao do programa como instrumento para afrequncia escolar, capturando um efeito negativo sobre o nvel de crimes contemporneos.

    Para minimizar a potencial endogeneidade das variveis de educao foram feitas regressesa partir de dados em painel utilizando a educao dos pais como varivel instrumental. Essavarivel j foi utilizada como instrumento na literatura de retornos da educao (ver Ashen-felter e Zimmerman (1997), Ichino e Winter-Ebmer (1999), Trostel, Walker e Woolley (2002)e Lemke e Rischall (2003)). Um instrumento para o efeito da educao sobre o crime precisaprever mudanas no nvel educacional do municpio, mas no ser correlacionado com mudan-as nas taxas de crime, aps controlar por outros fatores relevantes (ANGRIST; PISCHKE,2008). Dessa forma, a educao dos pais pode ser um instrumento vlido. Argumenta-se querecursos dos pais afetam as decises escolares dos filhos, pois famlias com pais mais educadosestabelecem estratgias prprias para as escolhas escolares dos filhos.

    A educao parental explica variaes na educao dos filhos, aps controlar por outros recursosparentais, sobretudo a renda familiar. Esse o argumento de Trostel, Walker e Woolley (2002)e Lemke e Rischall (2003). Uma medida de educao dos pais tambm j foi utilizada comovarivel de controle em regresses de crime contra a educao. A lgica que esta varivelcarrega informaes sobre os recursos parentais, fator determinante nas escolhas dos filhos.Mas alguns estudos, como Levitt e Lochner (2001) e Lochner e Moretti (2004), sugerem queo efeito no significativo aps controlar por outras variveis de recursos parentais, como onvel de renda, o status social e a empregabilidade. Isso indica que a educao dos pais podecumprir com os critrios para um bom instrumento. Alm dessa estratgia, como os dados estoconfigurados em um painel de dois anos, a metodologia tambm utiliza o mtodo de efeito fixopara controlar a heterogeneidade no-observada no nvel municipal.

    Os resultados sugerem que, controlados outros fatores conflitantes, uma populao com maioreducao comete menos crimes violentos. A estimativa para o mtodo que combina EF e VI de que, ceteris paribus, para mais 10 p.p. na porcentagem da populao com ensino mdio ouensino fundamental completos h uma reduo de 5 homicdios por 100 mil habitantes. Frente taxa de homicdio registrada em 2010 de 27,4 mortes por cem mil habitantes, o efeito redutorestimado da educao configura-se como uma significativa externalidade positiva.

  • 15

    Alm desta introduo, este trabalho composto por mais cinco captulos. O prximo captulofundamenta as razes tericas e as evidncias da relao entre educao e crime. O terceirocaptulo contextualiza a evoluo da educao e do crime no Brasil nos ltimos anos. A es-pecificao do modelo economtrico, a definio da estratgia de identificao e a descriodos dados e das variveis esto no captulo quatro. Alm das estatsticas da amostra, o quintocaptulo tambm apresenta os principais resultados economtricos. O ltimo captulo conclui.

  • 16

    2 REVISO DA LITERATURA

    Este captulo apresenta uma reviso da literatura recente que avalia pela tica da teoria econ-mica o papel da educao como um determinante da criminalidade. verdade que os fundamen-tos tericos sobre educao e crime surgiram de maneira separada na Economia. No entanto, anecessidade de entender as relaes existentes entre os dois temas fez com que fosse estabele-cida uma linha de pesquisa prpria dentro da Economia do Crime, que a anlise econmicado crime pela abordagem do capital humano. Contribuies significativas foram feitas nestaliteratura no que diz respeito a compreenso do papel da educao, tanto no arcabouo tericoquanto no nvel das evidncias empricas. Nesse sentido, a literatura aqui revisada est, de formaexplcita ou implcita, em acordo com o argumento que indivduos mais educados so menospropensos a se engajar no crime.

    2.1 O PAPEL DA EDUCAO NA ECONOMIA DO CRIME

    A ideia de que a educao de uma pessoa um dos determinantes da escolha por atividadeilegal no nova. Na origem da Economia do Crime nas dcadas de 1960 e 1970 foram feitasavaliaes empricas e teorizaes do papel da educao na ocorrncia de crimes, no entanto, amaneira como esta varivel era includa na anlise econmica era de certa forma ingnua e comcerteza sem nfase, seja por limitaes empricas ou por negligncia terica. Becker (1968)e Ehrlich (1973), Ehrlich (1975) so exemplos de estudos seminais da teoria econmica docrime em que a educao j era uma das variveis presentes na modelagem do comportamentocriminoso, sem estabelecimento de canais especficos para esta relao.

    Antes de analisar o papel da educao necessrio conhecer o arcabouo terico por trs dasanlises econmicas do comportamento ilegal. ??) e Ehrlich (1973) so trabalhos que sinte-tizam a interpretao econmica da participao em atividades ilegais, porque estabeleceramexplicaes tericas que divergiam da costumeira viso de comportamento desviante, presentena literatura criminolgica da poca. No arcabouo proposto por eles, e que estabeleceu as basesdos estudos em Economia do Crime, os pressupostos comportamentais so os da modelagemterica econmica, centrado na escolha racional. Por isso, o comportamento criminoso asso-ciado ao conceito de oportunidades. O ofensor no apresentaria motivao nica, mas seria umindivduo como outro qualquer na medida em que responde a incentivos, porm, apresentariabenefcios e custos diferentes das pessoas que seguem a lei.

    Por trs dessa fundamentao de base comportamental existia o interesse de analisar a influnciadas polticas pblicas na preveno de crimes. As previses no seriam consistentes se fossemfeitas com base em uma interpretao de que as pessoas que no seguem a lei agem dessa formaporque diferem sistematicamente dos que so leais. A proposta deles permitia avaliar o papelde diferentes desenhos de polticas em alterar as oportunidades e preferncias dos potenciais

  • 17

    criminosos. Ou seja, mudanas nas polticas e no contexto econmico promoveriam restriess escolhas dos indivduos, inclusive na escolha por cometer crimes.

    Estes modelos partem do suposto de que o indivduo escolhe a alocao do seu tempo entrelazer, trabalhos legais e ilcitos, dadas as restries econmicas e sociais. Nessa abordagem,o crime uma atividade econmica que gera retornos econmicos como outra qualquer. Hcustos na escolha pelo crime: a punio, o custo de oportunidade de outras atividades, o riscode captura, os custos operacionais e, inclusive, os morais e psicolgicos. Na tomada de decisoo potencial criminoso avalia custos e ganhos em um contexto de incerteza. A escolha dependeda comparao da utilidade esperada por incorrer no crime com a obtida em outros meios,inclusive o rendimento de atividades legais.

    A abordagem proposta por Becker (1968) estabelece uma funo que relaciona a oferta indi-vidual de crimes (O j, o nmero de infraes cometidas por uma pessoa) probabilidade decaptura (p j), ao grau de punio ( f j) e a um grupo de variveis (u j), como a renda disponvelem outras atividades, a disposio de cometer um ato ilegal, a obedincia s leis e a educao.

    O j = O(p j, f j,u j) (2.1)

    Essa funo tem como propriedades as relaes negativas com p j e f j.1 Como u j expressa maisde uma varivel ela no possui uma previso bem definida. Dentro deste grupo est a variveleducao e Becker estabelece duas principais relaes de forma indireta. Primeiro, Becker ar-gumenta sobre os acrscimos na renda, fator que possui um vnculo com os investimentos emcapital humano em funo dos retornos da educao.2 Segundo, o autor tambm destaca um pa-pel comportamental da educao, argumentando que ela aumentaria a obedincia das pessoas sleis. Mas esses argumentos no so desenvolvidos terica e empiricamente, ele apenas apontaque reduziriam o incentivo prtica de atos ilegais e que por isso reduziria o nmero de crimes.

    H uma nfase na contribuio de Becker na relao da oferta de crimes com a probabilidade e apunio. Em parte isso se deve ao argumento sobre as polticas pblicas discutido anteriormente,mas tambm porque essas variveis eram ponto comum entre diversas teorias da criminologia,diferentemente de variveis como a renda e a educao.

    Alm da funo no nvel individual, por simplicidade, tambm formalizada uma funo demercado de infraes, que mantm as mesmas propriedades da primeira, porm, utiliza vari-1 Essas previses constam em diversos modelos tericos na Economia do Crime e representam o efeito dissua-

    srio (deterrence).2 O prprio autor um dos pais da matria, no que diz respeito ao tema da educao na Economia, porque con-

    tribuiu para a formalizao da teoria do capital humano. Becker (1962) discute o papel dos investimentos emeducao como a escolaridade formal e o aprendizado profissional nos retornos privados e na empregabilidade.Para aprofundamento da literatura do retorno econmico privado da educao ver Card (1999)

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    veis em uma verso agregada. Por causa do critrio de disponibilidade de dados a funo 2.2 esuas variaes so frequentemente utilizadas em avaliaes empricas. Ela representada como

    O = O(p, f ,u) (2.2)

    em que a ausncia do subscrito indica a agregao em algum nvel geogrfico. As relaes so

    Op =O p

    < 0 (2.3)

    eO f =

    O f

    < 0 (2.4)

    Dentro das contribuies tericas da Economia do Crime Becker (1968) apenas arranhou o po-tencial explicativo da varivel educao. Ele no estabeleceu previses precisas de variaes naeducao, seja em nvel individual ou agregado. Ehrlich (1973) e Ehrlich (1975) aprofundarama discusso enfatizando um meio da educao impactar no comportamento criminal, que seriarevisitado posteriormente como um dos canais da educao: o da renda individual.

    Na anlise da deciso por engajar em atividades ilegais, Ehrlich foi alm das contribuies an-teriores por algumas razes, dentre elas o papel da educao. Primeiramente, no modelo tericoproposto, acrescenta-se ao conceito de oportunidades, alm da punio, os ganhos obtidos nasatividades ilegais. Destaca-se que isso foi feito de forma explcita, porque alm da anlise te-rica o ele testa empiricamente a influncia dos ganhos e custos das atividades legais e ilegais.Isso feito ao verificar a associao entre algumas taxas de crime com a desigualdade de rendae atividades de controle legal (law enforcement), como o policiamento e o grau de punio.

    O segundo avano, e talvez o maior diferencial do ponto de vista terico, a associao formalentre a teoria da participao em atividades ilegais com a teoria geral da escolha ocupacional.Ehrlich formaliza economicamente o problema de deciso do infrator como uma alocao timade recursos sob incerteza - como o tempo - considerando atividades que so concorrentes dentroe fora da economia legal, ao invs de trat-las como mutuamente exclusivas. Com esse grau deespecificao, o modelo tenta prever as respostas - direo e magnitude - dos infratores frenteas mudanas nas oportunidades observveis do mercado. Para fundamentar empiricamente, oautor utiliza um modelo economtrico de equaes simultneas.

    Dentro deste arcabouo a educao individual um determinante da deciso de engajar emum ato ilegal. O modelo tem como suposto a comparao pelo agente dos ganhos e custos dasatividades disponveis dentro de um contexto de deciso ocupacional. As oportunidades dosmercados nos quais o indivduo se encontra, como o de trabalho, caracterizam as atividades

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    disponveis. Nesse modelo analtico, quanto maior o nvel de renda obtida com fontes legais,ceteris paribus, maior o desestimulo participao no crime. A maneira como a educaoafeta o comportamento individual dentro desse arcabouo tem fundamento na literatura dosretornos econmicos do capital humano. Um maior nvel de educao eleva tanto os retornosprivados legais como a empregabilidade, consequentemente altera-se os incentivos da escolhapela ilegalidade .

    Formalmente, Ehrlich (1973) estabeleceu uma funo de oferta de crimes em que a escolhaindividual da participao tima em atividades no mercado ilegal capturada por um modelo deum perodo sob incerteza. Assume-se que o indivduo segue um comportamento maximizadorda utilidade esperada. A funo de utilidade esperada concebida como

    EU(Xs, tc) = (1 pi)U(Xb, tc)+ piU(Xa, tc) (2.5)

    em que pi a probabilidade no estado s, ou seja, em caso de sucesso (b) ou fracasso (a) noato criminoso. O subscrito i referencia o tipo de atividade ilegal. U(Xs, tc) uma funo deutilidade indireta que captura a satisfao individual associada ao fluxo de consumo e ao estoquede riqueza. O problema consiste em maximizar a equao 2.5 com respeito s variveis deescolha: ti o tempo com atividade ilegal, tl com o legal e tc com consumo ou atividades forado mercado, como a educao escolar, e; s restries de riqueza e de disponibilidade de tempo.As restries so expressadas por

    Xb =W+Wi(ti)+Wl(tl) (2.6)

    em caso de sucesso, e

    Xa =W+Wi(ti)Fi(ti)+Wl(tl) (2.7)

    em caso de fracasso. H uma restrio da disponibilidade de tempo

    t0 = ti + tl + tc (2.8)

    A varivel Xs representa a riqueza do indivduo, como ativos, rendimentos, e a riqueza equi-valente a retornos no pecunirios em atividades legais e ilegais. Ela composta pelos ganhos

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    em atividades legais e ilegais lquidos de todos os custos associados com o trabalho ou com ocrime, incluindo o valor pecunirio e no-pecunirio da punio Fi(ti). Ehrlich desenvolveu ascondies necessrias para o comportamento timo de acordo com esse modelo, porm elas noso o foco desta anlise, uma vez que cumpridas essas condies as implicaes importantesso as comportamentais. A escolha por entrar em uma atividade ilegal e o nvel timo de parti-cipao dependem das variaes marginais nos ganhos e perdas, wi = (dWi/dti), fi = (dFi/dti),wl = (dWl/dtl) e da probabilidade pi.

    As principais implicaes de esttica comparativa vinculadas varivel educao presentes emEhrlich (1973) so: um acrscimo no retorno marginal ou na diferena relativa do ganho com aatividade ilegal, wiwl , seja por uma reduo real nos salrios ou aumentos nas oportunidadesde ganho com o crime, ceteris paribus, podem se configurar como um incentivo para entrarnas atividades criminosas ou alocar mais tempo nelas; a direo e a magnitude do efeito damudana na probabilidade de desemprego, ul , sobre a deciso alocativa do tempo dependemda atitude perante o risco, haja vista que um indivduo propenso ao risco poderia escolher pelaespecializao, alocando seu tempo por completo em atividades criminosas; por fim, a alocaode tempo em atividades fora do mercado, como a educao escolar e o aprendizado profissional(schooling), que so formas de investimento em capital humano, podem ser determinantes poisum aumento em tc, dada a restrio da disponibilidade de tempo, implica em reduo de tl eprincipalmente de ti.

    Fica claro que o conceito de oportunidades central na anlise de Ehrlich, uma vez que as opor-tunidades disponveis no mercado, no seu sentido ampliado, direcionam a alocao de tempoprodutivo entre atividades legais e ilegais.3 Essa alocao no se caracteriza necessariamentepor ser mutuamente exclusiva, pois o efeito riqueza no um efeito substituio puro. No quediz respeito ao papel da educao, esta varivel ganha muita importncia dentro da anliseeconmica do crime a partir desta formulao terica. Porm, a associao em essncia in-direta, sobretudo via rendimentos legais mas tambm afetando a probabilidade de desemprego,com exceo no que diz respeito ao tempo alocado com schooling, que um efeito direto. Ape-sar desses avanos, ainda no foi dessa vez que a formulao terica da relao entre educaoe crime foi desenvolvida.

    Em Ehrlich (1973), a funo de oferta de crime por potencial infrator sintetiza as implicaescomportamentais, apresentadas anteriormente, da alocao tima de tempo entre atividades le-gais e ilegais e expressada como

    qi = i j(pi j, fi j,wi j,wl j,ul j,i j) (2.9)3 Ehrlich (1973) destaca que crimes contra pessoa tambm se encaixam dentro do arcabouo terico proposto

    por ele, com algumas modificaes, porque apesar de no fornecerem ganhos materiais h os subjetivos e,principalmente, os custos atrelados, inclusive os de oportunidade frente aos rendimentos legais.

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    o subscrito j indica a pessoa, o i continua referenciando o tipo de atividade ilegal, qi o n-mero de infraes cometidas e observadas e j representa outras variveis que podem afetar afrequncia de infraes.

    A correspondente agregada da funo de oferta derivada partindo do forte suposto de que osindivduos so idnticos, sua representao implcita

    Qi = i(Pi,Fi,Yi,Yl,Ul,i) (2.10)

    em que Pi e Fi so as mdias de pi e fi, enquanto que as demais variveis so as verses agre-gadas.

    Ehrlich (1973) usou um modelo economtrico em que testou as correspondentes empricas dasvariveis includas na funo de oferta comportamental, com as devidas transformaes e adap-taes, como a utilizao de mdias aritmticas. A aplicao foi feita para diferentes gruposde crimes como assassinato, estupro, assalto, latrocnio, furto e roubo de veculos nos anos de1940, 50 e 60. As variveis dependentes eram mdias populacionais no nvel estadual, uma me-dida distante e que no carrega informaes heterogneas, porm, muito valiosa e importanteao se considerar a poca e o perfil dos dados de crimes.

    Foram feitas regresses de Mnimos Quadrados Ordinrios (MQO) e de dois mtodos de equa-es simultneas o Seemingly Unrelated Regression (SUR) e o Two Stage Least Squares (2SLS,ou Mnimos Quadrados 2 Estgios, MQ2E). Uma varivel de educao foi utilizada como con-trole, a mdia de anos de estudo da populao com mais de 25 anos de idade. Se por um lado aselasticidades estimadas de variveis correlacionadas com a educao, como a mediana da rendae a desigualdade (porcentagem das famlias abaixo da mediana da renda), no foram significati-vas para especficas taxas de crimes contra a pessoa, porm, foram significativas para agregadodesse grupo. Por outro lado, elas foram significativas para todos os crimes contra a propriedade.

    Ainda na fase inicial da Economia do Crime, Ehrlich (1975) foi o primeiro a tentar obter evidn-cias da relao entre nvel educacional e crimes cometidos. Para tanto, o autor utilizou anlisesestatsticas e economtricas. Como base usou o modelo terico similar ao proposto no trabalhoanterior, mas foi alm, uma vez que argumentos analticos da relao entre educao e crimeforam desenvolvidos de acordo com a modelagem. Apesar desses avanos importantes algumasdificuldades tornaram-se evidentes. Os resultados da anlise economtrica foram limitados, sejaporque os dados eram agregados e distantes do nvel individual, ou porque o mtodo econom-trico mostrou-se inadequado frente ao problema.

    O autor define a educao no sentido restrito de um parmetro da produtividade das pessoas, ou

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    seja, que amplia todos os possveis retornos pecunirios, um indicador do capital humano. Tantoa educao escolar como o aprendizado formal seriam incorporados por esse conceito. Em li-nha gerais, o autor no considera que a relao entre educao e crime seja simples, porquedependeria da forma como a educao afetaria as oportunidades disponveis para os infrato-res em diferentes atividades ilegais. Em decorrncia disso o efeito total sobre a participaono crime no poderia ser previsto priori, com base no modelo, porque dependeria dos efei-tos relativos nos retornos legais e ilegais, nos riscos relevantes e no custo de oportunidade doencarceramento.

    Apesar das ressalvas apontadas pelo autor, Erlich props algumas consideraes tericas darelao entre educao e crime. As pessoas com baixo nvel de escolaridade e treinamentofrequentemente so as mesmas que possuem uma renda potencial abaixo da mdia, por isso,apresentariam relativamente maior diferencial de ganhos em relao aos crimes contra a propri-edade e menor custo de oportunidade do encarceramento, consequentemente, maior incentivopara esse tipo de crime. Indivduos com esse perfil tambm poderiam tender a se especializarem,apresentando uma frequncia maior de crimes cometidos. Os jovens so os que no possuemformao escolar, e alm disso, enfrentam restries no mercado de trabalho formal e rendi-mentos reduzidos, logo, um retorno ilegal relativo maior e mais incentivos para cometer atosilegais. Os jovens que frequentam a escola dispem de menos tempo para cometer crimes. Oengajamento em crimes de colarinho branco, como corrupo, fraude e o mercado negro, tendea ser mais fcil e render mais aos indivduos com melhor educao.

    Com base em dados dos anos 1940, 1950 e 1960 de prises e detenes dos Estados Unidos(EUA), Ehrlich (1975) desenvolve anlises estatsticas e encontra uma significativa associaoentre infratores com baixa educao e crimes contra a propriedade. Outros fatores associadosso a baixa idade e o perfil da ltima ocupao: trabalhos operacionais. O principal argumentopor trs desse resultado seria um rendimento potencial reduzido decorrente da juventude e dobaixo nvel de educao.

    Econometricamente o autor analisou previses do modelo em relao a taxa de crime, comregresses que estimaram elasticidades:

    ln(QN)i = ai +b1ilnPi +b2ilnTi + c1ilnXi + c2ilnW + e1lnNW + e2iEd +i (2.11)

    As principais estimaes relacionadas com a varivel de renda e a desigualdade so as mes-mas encontradas no trabalho anterior. O autor argumenta que esses resultados, isoladamente,demonstram o efeito da educao, uma vez que outros trabalhos mostram que h relao entrea desigualdade nos rendimentos e a disperso na educao. Porm, Ehrlich (1975) tambm in-cluiu a varivel educao, qual seja a mdia dos anos de escolaridade da populao com mais de25 anos de idade (Ed), na regresso apenas para os anos 1960 por critrio de disponibilidade dedados. Porm, no logrou exito em obter como estimativa a correlao parcial negativa. O efeito

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    parcial mdio para Ed foi positivo e significativo entre os estados americanos, principalmenteem relao aos crimes contra a propriedade, o que se configura como um desapontamento porum lado. Porm, o autor tece um argumento condizente, em que a varivel Ed funcionaria nestaregresso como uma proxy para a renda de longo-prazo, uma vez que as demais variveis derenda utilizadas so contemporneas, e que por isso elas simbolizariam uma maior oportunidadede riquezas transferveis.

    Freeman (1996) tambm se debruou sobre os determinantes da criminalidade na tica da teoriaeconmica. Nas anlises propostas pelo autor, variveis relacionadas ao mercado, sobretudo ode trabalho, compunham o principal argumento explicativo para as altas taxas de delitos e en-carceramentos nos EUA. O autor destaca os nveis extraordinrios no final da dcada de 1980e no incio dos anos 1990 das infraes cometidas por jovens. A anlise estatstica do estudoevidencia que o mercado de trabalho estava enfraquecido neste perodo e de forma acentuadapara os trabalhadores americanos com baixa qualificao. O enfraquecimento foi to significa-tivo que a influncia deste fator superou o forte efeito incapacitao e dissuasrio da poltica deencarceramento promovida nesse perodo. A taxa de homens encarcerados aumentou trs vezesem trs dcadas atingindo um total de 1.350.500 em 1993, correspondente 2% da fora detrabalho.

    As hipteses de Freeman (1996) sobre o argumento de que as mudanas no mercado de traba-lho explicam o aumento da taxa de atividade criminal so: crescimento relativo dos rendimentosilegais frente aos legais, e; os indivduos menos educados responderiam mais significativamenteaos retornos econmicos do crime. Na avaliao dessas hipteses algumas estatsticas associa-das ao nvel educacional apresentadas no estudo chamam ateno: 2/3 da populao carcerriano havia terminado o ensino mdio; o salrio teria sido reduzido de 20 a 30% no perodo; asatividades criminais se tornaram mais rentveis, como indicado por uma estimativa de recebi-mentos por hora em 1989 na cidade de Boston, de $10,00/h, quera muito maior do que o salriomnimo oficial de $7,50/h para os jovens; a demanda de trabalho por jovens desqualificadoscaiu.

    Frente s estatsticas levantadas, Freeman sugere que polticas pblicas de preveno, mesmoque marginalmente eficientes, seriam socialmente desejadas e justificadas por causa do altocusto do encarceramento e a perda social dos crimes cometidos. Os gastos totais com o sistemade justia criminal representavam 1,3% do PIB e o custo social dos crimes era estimado entre1,2 e 1,6% do PIB. Uma ressalva deve ser feita sobre a limitao da contribuio do autor: aanlise no causal, pois restringida estatsticas descritivas.

    sabido que quem voc conhece e com quem voc conectado importa para o sucesso de seusnegcios e feitos sociais. Esse argumento motivou a formalizao do conceito de efeito dospares, presente no apenas na Economia mas nas Cincias Sociais. No contexto do crime, as

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    conexes sociais de uma pessoa um fator determinante na escolha pelo envolvimento em umaatividade criminal e, posteriormente, na probabilidade de sucesso ou fracasso. Glaeser, Sacer-dote e Scheinkman (1996) lembram que esse argumento no novo na criminologia. Apesardisso, esse trabalho foi pioneiro na Economia do Crime e responsvel por ajudar a consolidaruma nova linha de estudo.

    A contribuio de Glaeser, Sacerdote e Scheinkman (1996) se distancia levemente da abor-dagem tradicional uma vez que destaca o papel das interaes sociais no ambiente criminal,inclusive sobre o ponto de vista de vizinhana geogrfica. Seguindo modelos comportamentais,argumentam que as interaes sociais explicariam a escolha por cometer crimes e tambm porschooling em funo do relacionamento social em subgrupos que facilitariam a transmisso deinformaes e incentivos atividade criminosa. A anlise tem como fundamento estatstico queas decises intra grupos ou cidades no seriam independentes. As evidncias empricas reporta-das sobre as interaes sociais indicam que elas so: fortes entre pessoas que cometem crimescomo furto e roubo de veculo e entre os jovens; moderadas para os que cometem assalto eroubo mo armada, e; negligenciveis para os que cometem assassinato e estupro.

    Na mesma linha de anlise centrada no efeito dos pares, Calv-Armengol e Zenou (2004) fo-caram na importncia das redes sociais em facilitar o comportamento criminal. Mais preci-samente, desenvolveram um modelo com base na teoria dos jogos da deciso sobre o crime,caracterizado como uma rede criminal supondo a existncia de um efeito dos pares no aprendi-zado de uma tecnologia do crime. Uma implicao apontada pelos autores foi que delinquentesjuvenis influenciariam, entre eles, as decises de cometer crime, tanto por um efeito positivocomo negativo. O argumento dos autores que as redes sociais conecta as pessoas, nesse sen-tido, o efeito dos pares uma externalidade intra-grupos que afeta todos os membros de umcerto grupo.

    Ballester, Zenou e Calv-Armengol (2010) promoveram inovaes no trabalho anterior, comoo suposto da existncia de uma figura chave ou de um grupo chave na rede criminal (key-playerpolicy), o suposto de que os delinquentes podem entrar no mercado de trabalho e a importnciadada s formas das conexes (os links da rede). Essa nova caracterizao da rede criminal passaa considerar a importncia promovida por um criminoso ou grupo na rede, pois analisa o efeitoreducionista nas taxas de crime uma vez removida essa figura ou grupo chave. A complexidadedo modelo cresce significativamente porque depende dos salrios, da estrutura da rede e dacontribuio do key-player.

    Segundo essa linha de pesquisa, qual seria ento o papel da educao na anlise econmica daescolha pelo crime no contexto de interaes sociais? A educao tem papel chave, porque asconexes sociais influenciadas por essa varivel, como as de escolarizao, aprendizado e as demercado de trabalho, quando fortemente estabelecidas, podem desestimular a prtica de crimes

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    e tambm o convvio com infratores, consequentemente, favorecer a formao de redes sociaissem criminosos integrando-as.

    Em um estudo que avalia a contribuio de diversos determinantes da criminalidade Levitte Lochner (2001) encontraram evidncia que sugere que a educao reduz substancialmente aprobabilidade de que um adolescente participe no crime. O modelo economtrico composto dediversas variveis demogrficas, econmicas e de controle legal, acrescentada de uma variveldummy referente concluso do ensino mdio. Os autores estimaram que completar o ensinomdio reduz em 9 e 17% a propenso participao em crimes contra a propriedade e crimesviolentos, respectivamente.

    Gould, Weinberg e Mustard (2002) segue os argumentos de Freeman (1996) a respeito das con-dies do mercado de trabalho e da influncia desta conjuntura sobre as atividades criminosas.O estudo tenta estabelecer uma relao causal entre as condies do mercado de trabalho - taxade desemprego e salrio - e as taxas de crime, utilizando o mtodo de Varivel Instrumental,com variaes exgenas na composio industrial e nas mudanas demogrficas dentro da in-dstria, no nvel agregado. A educao exerce papel significativo na anlise emprica de Gould,Weinberg e Mustard (2002), seja como controle ou como termo interativo com as condies domercado de trabalho, uma vez que o estudo leva em considerao que os indivduos que maiscometem crime so os menos qualificados.

    O que se constata at ento na evoluo da literatura da Economia do Crime que se, por umlado, os economistas haviam reconhecido a existncia da relao entre educao e crime e, emalgumas ocasies, tentado estimar empiricamente isso, por outro lado, pouco foi feito para for-malizar a teoria. As contribuies de Lochner supriram essa lacuna. Lochner (2004) formalizoua anlise terica da relao entre educao e crime com o estabelecimento de um modelo dedeciso entre educao, trabalho e crime a partir de uma abordagem do capital humano. O ar-gumento central que se o capital humano aumenta os retornos marginais do trabalho maisdo que os do crime, ento os investimento em capital humano, como a formao escolar e oaprendizado, deveriam reduzir o crime. Por isso, as polticas pblicas que melhoram o nveleducacional da populao ou a eficincia da educao poderiam minimizar o nvel de certostipos de crimes entre adultos.

    O modelo proposto por Lochner (2004) um modelo dinmico, que assume que os indivduosescolhem o tempo timo a ser alocado em cada perodo para o investimento em capital humano,para o trabalho legal e para o crime, tendo como objetivo maximizar a renda esperada ao longodo ciclo de vida. A escolha por trabalho legal e ilegal gera renda, porm engajar no crimeimplica em assumir o risco de ser preso. Se for preso o indivduo possui um consumo mnimoe no pode investir, trabalhar ou cometer crimes novamente at ser solto. Do modelo, duas

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    equaes so essenciais. A primeira, a de acmulo de capacidades (skills) estabelecida como:

    Ht+1 = Ht + f (It ,Ht ;A) (2.12)

    A equao 2.12 define que o individuo possui a dotao inicial de capacidade H0, a habilidadede aprendizado A e uma habilidade criminal . Alm disso, o modelo tambm define que paraos primeiros T anos, os indivduos podem escolher entre trabalhar, investir na educao formalou cometer crime. Por isso, a equao 2.12 representa a produo de habilidade futuras comofuno das capacidades no tempo t, Ht , tempo investido no aprendizado, It , e tempo no crime,kt . Por praticidade h simboliza o tempo normalizado, assim, o tempo despendido com trabalho h It kt . Os recebimentos do trabalho em cada perodo so representados por wtHt + t (wt o preo do capital humano, o salrio livre de imposto, e t um choque de mdia zero i.i.d).

    A segunda equao essencial no modelo de Lochner (2004) a funo que representa como oindivduo faz a alocao do tempo entre trabalho, investimento em capacidades e crime, com oobjetivo de maximizar o valor esperado dos rendimentos descontados (por um fator de descontono tempo ), que um equao de Bellman

    V (Ht ,t) = maxIt ,kt{(wtHt + t)(h It kt)+N(kt ,Ht , ,t) It(kt)F

    + [(kt)t+1(Ht+1)+(1(kt))E(Vt+1(Ht+1,t+1))]}(2.13)

    sujeita restrio da equao de acmulo de capital humano 2.12 e restrio de tempo

    It ,kt 0 e 0 It + kt h,t (2.14)

    A equao 2.13 funo: do rendimento do trabalho (wtHt +t)(h Itkt); do retorno lquidodo crime N(kt ,Ht , ,t), em que t um choque nos retornos criminais de mdia zero e i.i.d,o retorno estritamente crescente e cncavo em kt e e no decrescente em Ht ; do custo doinvestimento em capacidades, It , uma taxa ; do custo de ser preso, (kt)F , com proba-bilidade (kt) e valor de multa F , e; do valor esperado se entrar na priso, representado peloltimo termo.

    Enquanto Lochner (2004) promoveu significativas contribuies na literatura terica da relaoentre educao e crime, Lochner e Moretti (2004) fez o mesmo para a literatura emprica. Ainovao metodolgica foi a estratgia de identificao adotada. Os autores usaram mudanasao longo do tempo nas leis do sistema de educao que determinavam em cada estado americanoa idade mnima obrigatria para frequentar as salas de aula como varivel instrumental para a

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    educao. O mtodo consiste em explorar o efeito das alteraes legais sobre a idade de sadada escola no aumento do nvel escolar e na reduo de taxas de crime cometido por coortes deidade em cada estado. A justificativa para esse mtodo o problema de endogeneidade presentenas anlises empricas da relao entre educao e crime. Com o uso desse mtodo respostascausais do efeito da educao sobre o crime foram obtidas.

    Os dados examinados por Lochner e Moretti (2004) foram as taxas de deteno segundo a in-frao penal e a idade do Uniform Crime Report do FBI para os EUA em 1960, 70, 80 e 90.Esses dados foram mesclados aos dados do censo americano para obter informaes referentes educao da populao e outros dados demogrficos. Uma estimativa da causalidade apontadapelo estudo que o aumento de um ano na mdia de anos de estudo em um estado americanodiminui as taxas de deteno em aproximadamente 11%. Clculos feitos pelos autores sugeremque a maior parte do efeito ocorreria atravs dos aumentos dos salrios e do custo de oportuni-dade. Outra estimativa encontrada o efeito da graduao no ensino mdio, que seria da ordemde 7 a 9% de reduo na taxas de deteno para um aumento de 10 p.p. na populao comensino mdio.

    Um destaque em Lochner e Moretti (2004) a constatao de que a educao promove efeitosreducionistas tanto nos crimes contra a propriedade, de motivao essencialmente material,quanto nos violentos. As estimativas dos coeficientes das taxas agregadas desses grupos decrime so prximas, porm, apresentam divergncias na comparao dentro de cada categoria.O efeito parcial mdio negativo do aumento de um ano na escolaridade mdia para cada tipode crime foi de: 30% para homicdio e assalto; 20% para roubo de veculo; 13% para incndioculposo, e; 6% para roubo e furto.

    Machin e Meghir (2004) mostraram que maiores salrios reduzem o crime, resultado similar aoencontrado por Gould, Weinberg e Mustard (2002), por exemplo, e outros autores da Economiado Crime, o que evidencia a importncia dos incentivos econmicos como mecanismos de pre-veno criminalidade. Os dados utilizados eram referentes s reas policiais do Reino Unido(RU) entre os anos de 1975 e 1996. O estudo deriva um modelo terico e um economtrico como objetivo de estabelecer uma relao causal entre o nvel salarial e a taxa de crime. As esti-maes foram feitas com o mtodo de Efeitos Fixos (FE) e Varivel Instrumental, que permitecontrolar no apenas os efeitos invariantes de rea mas tambm os que mudam no tempo. Osautores indicam que polticas pblicas que promovem o acmulo de capital humano, sobretudoatravs do sistema de educao, e aumentam a produtividade individual no mercado de trabalhoe os salrios, so importantes determinantes na reduo do crime.

    Kume (2004) investigou os determinantes da criminalidade para os estados brasileiros noperodo entre 1984 e 98 utilizando dados de homicdios intencionais coletados pelo SIM-DATASUS. A estimao foi feita pelo Mtodo Generalizado dos Momentos (GMM), com a

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    prerrogativa de tentar amenizar os problemas economtricos frequentes em anlises aplicadasdo crime, como a endogeneidade causada por variveis omitidas e erros de medida na taxa decrime (subnotificao). Vaiveis demogrficas, sociais, econmicas e de controle legal foramusadas no estudo, enquanto que a varivel de educao foi a mdia de anos de estudo para apopulao com pelo menos 25 anos de idade. No que concerne a varivel de educao, a esti-mativa da correlao parcial obtida foi negativa. Como resultado, o estudo aponta que um anoa mais na mdia de anos de estudo associado uma reduo de 6% na taxa de criminalidadeno curto prazo e quase 12% no longo prazo.

    Sabates e Feinstein (2008) exploram os efeitos do programa piloto do Education MaintenanceAllowance (EMA) que comeou em setembro de 1999 em 15 reas da Inglaterra. O objetivodo programa consistia em aumentar a participao, frequncia e concluso da educao escolarps idade compulsria (16 18 anos) atravs do pagamento de pequena quantias. A situaocriada pela poltica pblica simula um experimento natural e, por isso, pode ser definida comoum quase-experimento, na medida em que possvel verificar o que aconteceu com os dadosantes e depois da poltica. Em funo da configurao dos dados a estratgia de identificaoadotada foi o mtodo de diferenas-em-diferenas, um mtodo de anlise de tratamento. Osdados de crime so dos anos de 1996 2002 obtidos junto ao Home Office Offenders Index (OI)e so mesclados aos dados de educao do Local Education Authorities (LEA). No geral, osresultados indicam que aps a implantao do programa as 15 reas beneficiadas observadasredues maiores nas taxas de crimes como roubo e furto. Esse resultado se mantm para rouboaps controlar por variveis econmicas e educacionais.

    Machin, Marie e Vujic (2011) seguiram a metodologia adotada por Lochner e Moretti (2004)de explorar uma estratgia de identificao com mudanas nas leis de atendimento escolar com-pulsrio como varivel instrumental. A regio do estudo de Machin, Marie e Vujic (2011) foi aInglaterra e o Pas de Gales, para o perodo de 1972 1996. As estimativas do efeito da escolari-dade em taxas de condenao de crimes patrimoniais e violentos foram obtidas com os mtodosde varivel instrumental e regresso descontnua explorando a mudana na idade mnima de15 para 16 ocorrida entre os anos de 1972 e 73. O efeito estimado para o diferencial entre oscoortes foi uma reduo de 20 30 porcento nos crimes contra a propriedade.

    Chioda e outros (2012) apresentam evidncias de que o Programa Bolsa Famlia (PBF) ampliouo nmero de jovens entre 15 e 17 que cursam o ensino mdio no Brasil e tambm a frequnciacom que eles vo as aulas. Essa mudana institucional na poltica pblica de redistribuio derenda intensificou entre os jovens estudantes um potencial efeito auto-incapacitao4. Comoconsequncia, estima-se uma contribuio associada ao PBF na forma de uma reduo na taxade crime na regio do entorno das escolas na do Estado de So Paulo na ordem de 20%.4 O efeito auto-incapacitao similar ao efeito incapacitao promovido pelo encarceramento, com a diferena

    de que no imposto, mas uma escolha do indivduo.

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    Meghir, Palme e Schnabel (2012) exploram micro-dados e reformas institucionais nas leis deatendimento compulsrio da Sucia com o objetivo de obter evidncias causais da educaosobre o crime. A reforma no sistema educacional sueco foi implementada em diferentes anosde forma heterognea entre os municpios durante as dcadas de 1950 e 1960. A intuio portrs da anlise consistia em comparar indivduos expostos em dois sistemas educacionais dife-rentes (com ou sem a reforma), mas que integrantes do mesmo coorte e do mesmo mercado detrabalho. Com isso, os autores pretendiam analisar os efeitos de equilbrio parcial, sem levarem considerao os de equilbrio geral sobre o mercado de trabalho. O estudo no se limita aanalisar os efeitos sobre os indivduos afetados pela reforma, mas tambm sobre os filhos de-les, caracterizando-se por isso como um estudo intergeracional. Para tanto utilizam os dadosdo censo sueco entre os anos de 1945 e 1955 mesclados aos dados de condenao dos anos de1981 2008.

    Os autores encontram evidncias que indicam um efeito negativo da reforma tanto na propensocomo no nmero de condenaes. Os valores so de redues de 5% e 0,25 respectivamente. Aestimativa mais interessante diz respeito ao efeito sobre a gerao futura - devido a raridade daanlise - estimada como uma reduo na probabilidade de condenao de 2,5%. O argumentoa respeito do efeito intergeracional de que isso ocorreria atravs da melhoria da paternidade edos investimentos educacionais nas crianas.

    Os estudos revisados nesta seo evidenciam os avanos da Economia do Crime, pois demons-tram como a educao de um indivduo importa e a tambm apresentam as inovaes no campode estudo no que diz respeito a forma como a educao pode desestimular a escolha pela cri-minalidade. Sob o modelo econmico tradicional do crime, a educao um investimento emcapital humano e, por isso, pode ampliar recebimentos futuros oriundos de trabalhos legtimos,sem afetar os retornos de atividades criminosas. Como o trabalho e o crime so potenciais subs-titutos, nesta abordagem, a implicao terica que a participao em atividades ilegais podeser reduzida em decorrncia da elevao nos retornos das atividades legtimas, mas tal implica-o limitada, porque os criminosos seriam propensos ao risco. Atravs de outros caminhos aeducao tambm poderia influenciar as escolhas dos indivduos, como no caso das interaessociais, uma vez que a frequncia ou o nvel escolar influenciariam a escolha do grupo de pares,consequentemente provocar efeitos positivos ao alterar a valorizao do sucesso obtido com asatividades legais ou ao diminuir a qualificao para o crime.

    2.2 EDUCAO E CRIME: UMA EXTERNALIDADE

    Os determinantes do investimento na educao e dos retornos econmicos dele compem umaliteratura vasta e bem estabelecida na Economia. Diversos estudos econmicos deste campo de-monstraram que indivduos com melhor educao experimentam menor tempo de desemprego,ganham mais e trabalham em cargos com maior status em comparao com a pessoas de me-

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    nor nvel educacional. Becker (1962) demonstrou teoricamente como a acumulao de capitalhumano produz um crescimento econmico individual e maior produtividade paras firmas. Oautor se preocupou com as diversas atividades que determinam a renda real futura, como oaprendizado no trabalho, a melhoria da sade e o acesso as informaes do sistema econmicoporm, logrou maior ateno aos efeitos promovidos pela educao (pr e ps-escolar).

    Nos tempos modernos o foco dos economistas tem se estabelecido na relao causal entre edu-cao e renda. A questo : os altos rendimentos observados para trabalhadores bem educadosso causados pelo maior nvel educacional ou indivduos com potencial de renda elevada inves-tem mais na educao? Card (1999) revisa a modelagem terica e economtrica dessa questotendo como centro da anlise a equao minceriana, uma vez que ela resume de forma con-cisa a unio bem sucedida do raciocnio indutivo e dedutivo sobre o efeito que o maior nveleducacional promove nos rendimentos futuros. Uma forma geral da equao :

    logy = a+bS+g(X)+ e (2.15)

    em que logy o logaritmo dos rendimentos futuros, g(X) so outros fatores observados, como aidade, so outras caractersticas individuais no observadas e b o retorno da educao, comouma taxa interna de retorno dos investimentos na educao (S), assumindo que a educao livre e que os estudantes no recebem nada enquanto frequentam a escola. O valor estimadodo retorno da educao tem situado no intervalo de 6 a 10% por ano mais de escolaridade(CARD, 1999).

    Mas os benefcios da educao no se limitam ao aumento dos rendimentos do indivduo queinveste no capital humano e da produtividade para a empresa contratante. Os indivduos que noadquirem mais educao, seja porque no esto mais na idade de investir em capital humanoou porque integram o mercado de trabalho e no mais frequentam os ambientes de aprendizadoformal (no sentido amplo, inclusive as universidades) tambm se beneficiam do melhor nveleducacional dos outros indivduos.

    Os benefcios podem ser produtivos ou no. Por exemplo, Acemoglu e Angrist (2001) apre-sentam evidncias de benefcios produtivos promovidos por investimentos na educao: em umestudo entre pases, os resultados indicam que a maior escolaridade dos trabalhadores aumentaa produtividade nacional e os salrios de outros profissionais (que investiram ou no no capitalhumano). Lochner (2011) reporta evidncias dos benefcios no produtivos da maior educaosobre a sade, a cidadania e o crime.

    Quando posto desta forma, verifica-se que a educao gera benefcios que vo alm do retornoeconmico privado. O investimento em capital humano atravs da educao gera diversos be-nefcios sociais e, entre eles, a reduo das atividades ilegais. Quando a educao se configura

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    como um mecanismo de preveno ao crime ela est gerando retornos econmicos para a soci-edade, pois: contribui na reduo dos gastos com o sistema penal e com a polcia; evita perdashumanas que seriam produtivas para a economia; aumenta o bem-estar decorrente da melhoriana sensao de segurana. Em resumo, o efeito da educao em reduzir a criminalidade umprocesso que gera externalidades positivas.

    Uma externalidade est presente sempre que uma ao de um agente na economia afeta direta-mente o bem-estar de outro agente. O termo direto implica que no h precificao da ao, ouseja, os efeitos no so mediados por preos (MAS-COLLEL et al, 1995). No custa lembrarque os indivduos com maior educao s precificam a ao do trabalho, ou seja, recebem umprmio decorrente da maior produtividade do capital humano mas no cobram pelos demaisbenefcios gerados para os outros agentes.

    A externalidade gerada pela educao, como mecanismo de preveno ao crime, altamentesignificativa do ponto de vista da anlise custo-benefcio, tpica do contexto de polticas pbli-cas. A avaliao custo-benefcio analisa o custo necessrio para combater o crime frente umaoferta de crimes, que o resultado das aes individuais. A partir disso possvel obter o nveltimo de crimes cometidos, que uma medida que expressa o equilbrio socialmente aceitoentre o nmero de infraes e o gasto para evit-las (LEVITT; MILES, 2006). Os principaismecanismos de combate ao crime so as polticas pblicas que estabelecem o controle legal, opoliciamento e o sistema de justia, por exemplo. Esses mecanismos so muito custosos para asociedade e geram um nico produto: a reduo do nvel de atividade ilegal. Os investimentosem educao tambm podem ser custosos, mas geram diversos benefcios, ou seja, seriam maiscusto-efetivos.

    Lochner e Moretti (2004) apresentam algumas estimativas do potencial benefcio social da redu-o do crime nos EUA promovido pelo aumento do nvel da educao. A anlise desenvolvidaa partir de medidas de equilbrio parcial. Os autores utilizam o impacto estimado do aumentode 1% na taxa de concluso do ensino mdio sobre a quantidade de encarcerados por tipo decrime. Os custos relacionados aos crimes so categorizados por perdas de propriedade, de v-timas (estimados pela produtividade, salrios e custos mdicos) e custos de encarceramento.Os principais benefcios so: reduo de aproximadamente 100.000 crimes; economia de $1,1bilho pela reduo de assassinatos; economia de $370.000 pela diminuio de assaltos. Se-gundo os autores, essa externalidade da educao corresponde $1.1702.100 por concluintedo ensino mdio, ou 1426% do retorno privado da educao.

    2.3 CANAIS DA RELAO ENTRE EDUCAO E CRIME

    Os desdobramentos promovidos pelas teorias econmicas do crime e do capital humano pos-sibilitou a formalizao da relao entre investimentos em educao e em aprendizado e ocrime. Essa relao tambm formalmente estabelecida por Feinstein (2002), Lochner e Mo-

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    retti (2004), Lochner (2004), Machin e Meghir (2004) e Machin, Marie e Vujic (2011) atravsde potenciais canais por onde a educao afetaria o comportamento criminal, argumento centralda abordagem do crime pelo capital humano. Entre os diversos canais os mais destacados so:efeitos de renda; a disponibilidade de tempo; a pacincia ou a averso ao risco; as interaessociais ou o efeito dos pares; e os efeitos dos benefcios obtidos atravs do crime como oseconmicos, psicolgicos e o prazer. Os canais de impacto da educao sobre o crime podemse dar de forma direta ou indireta. Os impactos agem diretamente sobre as aes criminosas aomodificarem o comportamento individual, alterando as preferncias, e indiretamente ao modi-ficarem as oportunidades.

    O primeiro canal, o efeito da renda, consiste que a educao aumentaria os potenciais salrios ereduziria a probabilidade de desemprego, em funo disso aumentaria o custo de oportunidadede cometer crime e que por sua vez poderia reduzir o envolvimento ps-escolar com a atividadecriminosa (MACHIN; MEGHIR, 2004). H dois argumentos para esse canal: primeiro, o tempoutilizado para organizar a ao criminosa um tempo que no poder ser utilizado para seobter a renda de oportunidades de trabalho legal, que por sua vez tende a ser maior quantomaior a escolarizao; segundo, h uma expectativa de tempo que pode ser despendido como encarceramento, ou seja, para cada tipo de crime que pode ser cometido h uma pena quedeve ser paga com tempo em priso, consequentemente, esse perodo mais custoso para osindivduos com melhores salrios e oportunidades de trabalho, que so os mesmos que possuemum maior capital humano (LOCHNER, 2004).

    O efeito renda reduz os incentivos ao risco inerente nas atividades associadas ao crime (MA-CHIN; MARIE; VUJIC, 2011). Dado que a educao amplia os potenciais retornos com ativida-des legais, ela atua indiretamente por um efeito reducionista sobre o crime. Portanto, as pessoasque podem ganhar mais so menos propensas engajar em atividades criminosas (FEINSTEIN,2002). Mas h exceo, Lochner (2004) salienta que pode existir correlao positiva entre oscrimes de colarinho branco e a educao, dado que tcnicas obtidas com maior aprendizadoprofissional e com maior escolarizao podem ser usadas inapropriadamente para se alcanarbenefcios atravs desses tipos de crimes, gerando mais renda do que se poderia obter atravsde ocupaes legais.

    Evidncias do efeito renda foram encontrados em anlises que no levavam em consideraouma relao causal como Ehrlich (1973), Ehrlich (1975) e Freeman (1996) e por estudos queobtiveram um efeito causal como Gould, Weinberg e Mustard (2002) e Machin e Meghir (2004).Levitt e Lochner (2001) e Lochner (2004) encontraram evidncias do efeito renda positivo,associadas relao entre educao e crimes de colarinho branco.

    O segundo canal o efeito sobre a disponibilidade de tempo. Ele atinge mais fortemente osjovens, que motivo que aumenta a sua importncia. Basicamente, esse um efeito de incapa-

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    citao, mas no no sentido estrito da incapacitao pelo encarceramento porque, neste caso, uma escolha do indivduo. Ao frequentar a escola o jovem aloca seu tempo com as ativi-dades curriculares, com isso ele reduz a disponibilidade de tempo para planejar as atividadescriminosas e comet-las.

    Se por um lado Machin, Marie e Vujic (2011) argumentam em favor da existncia deste efeito,caracterizando sua contemporaneidade, pois os crimes contra a propriedade aumentariam emlocalidades com menor frequncia de jovens escola. Por outro lado, destacam uma exce-o associada alguns crimes violentos, que aumentariam em funo da maior frequncia dosjovens escola, que causaria um acirramento de rivalidades de gangues, ou seja, os crimesaumentariam devido um efeito concentrao.

    Chioda e outros (2012) apresentam evidncias do efeito da disponibilidade de tempo, atra-vs do efeito contemporneo que a maior frequncia escola, estimulada pelo PBF, promoveusobre potenciais jovens delinquentes. Para os autores, os resultados tambm sugerem efeitospromovidos pelas mudanas no grupo de pares e pelo aumento da renda domiciliar. O estudoassocia uma reduo de aproximadamente 21% nos crimes cometidos no entorno das escolasem funo da ampliao do PBF.

    Um terceiro canal o efeito sobre a pacincia ou a averso ao risco. A educao pode reduzir apropenso ao envolvimento com o crime porque ela aumenta a pacincia ou a averso ao risco.Primeiramente, se a pacincia de um indivduo aumentasse isso implicaria em taxas de descontodos retornos futuros menores, ou seja, os recebimentos futuros seriam mais valorizados, logo,a propenso a cometer crimes diminuiria. Segundo, se a educao torna os indivduos maisavessos ao risco, isso implicaria em aumento do peso atribudo por eles s possveis punies(FEINSTEIN, 2002; LOCHNER, 2004; MACHIN; MEGHIR, 2004).

    Um quarto canal o promovido pelas interaes sociais ou os pares. Segundo Lochner (2004)esse seria um importante determinante do crime e do nvel educacional. Essa relao seria si-multnea, dado que a evaso da escola por parte dos jovens pode estar atrelada a uma influncianegativa dos pares ou a um envolvimento com gangues, o que por sua vez encorajaria o en-gajamento com o crime ou aumentaria a propenso da escolha do crime como meio de obterrenda.

    Argumentos a favor da existncia deste canal e evidncias empricas so encontradas em Gla-eser, Sacerdote e Scheinkman (1996), Calv-Armengol e Zenou (2004), Ballester, Zenou eCalv-Armengol (2010) e Meghir, Palme e Schnabel (2012). As evidncias de Meghir, Palmee Schnabel (2012) so significativas, pois apresentam um efeito intergeracional, na medida emque filhos de pais que receberam maior investimento em capital humano sofreriam de um efeitodos pares atravs da famlia, aumentando tambm seu prprio capital humano e diminuindo aprobabilidade no envolvimento criminal.

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    O quinto canal o efeito sobre os retornos diretos e indiretos do crime. O primeiro diz res-peito aos ganhos econmicos obtidos com o crime, relativamente aos obtidos em ocupaeslegais. Os retornos indiretos so a sensao de prazer e outras relaes psicolgicas. Feinstein(2002) e Lochner (2004) destacam que o papel do prazer relacionado com o crime mais fortecom os jovens delinquentes, e que a educao poderia aumentar o valor atribudo aos benef-cios psicolgicos obtidos por atividades legais. Esse efeito tambm poderia acontecer por umacombinao com o efeito social, dado que a educao poderia socializar indivduos, logo, alte-rando o peso que eles atribuem ao dano causado a terceiros, tornando-os melhores cidados edesencorajando o crime.

    Apesar de ser naturalmente um problema difcil de investigar, uma vez que as informaeseconmicas do crime no so oficiais e podem sofrer de erros de medida, Freeman (1996),Lochner (2004) e Levitt (2004) promoveram esforos significativos na tentativa de investigar esistematizar informaes a respeito dos retornos econmicos do crime. A tentativa de analisartais informaes se mostrou vlida pois apresentam evidncias desta relao.

    Os canais do efeito da educao sobre o comportamento criminoso apresentados nesta seo,so exemplo de que o presente captulo props uma reviso narrativa da literatura recente sobreo papel da educao como um determinante do crime. A evoluo das anlises tericas e em-pricas da relao entre educao e crime culminaram em uma linha de pesquisa prpria dentroda Economia do Crime: a anlise econmica do crime pela abordagem do capital humano. Oarcabouo terico e emprico revisado est em acordo, de forma explcita ou implcita, com oargumento de que indivduos mais educados so menos propensos a se engajar no crime. Porisso, a deciso individual de investir na educao gera, no cenrio complexo de uma sociedadecomposta por escolhas coletivas, externalidades positivas por reduzir o crime.

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    3 CONTEXTO DO CRIME E DA EDUCAO NO BRASIL

    No bRasil, o perodo que engloba a dcada de 1990 e o incio do sculo XXI est marcado pelaevoluo nos indicadores socioeconmicos. O deasevolvimento do Brasil da redemocratizaotem ocorrido segundo um contrato social que garante a ampliao dos gastos pblicos nas reassociaisuma amostra desse gasto pode ser visualizada na Tabela 1, com reformas que estabili-zaram a economia, com um acetuado crescimento da renda do trabalhador e com o acesso escola aproximando-se da universalizao. Uma medida agregada que resume o nvel de bem-estar econmico o PIB. O mapa da Figura 1 apresenta o crescimento do PIB real per capitana primeira dcada do sculo. Nele, pode-se verificar que essa medida evoluiu de acordo com ocenrio apresentado.

    Tabela 1 Execuo Oramentria da Unio em categorias selecionadas excluindo transferncias paraestados e municpios e gastos com pagamento de juros (% do PIB)

    Ano Despesa Total Gastos Sociais Custeio da Sade e Educao

    1999 14,06 0,59 0,752000 14,44 0,58 0,902001 15,28 0,65 0,912002 15,75 0,78 0,902003 14,97 0,88 0,912004 15,33 1,11 1,062005 16,11 1,27 1,102006 16,78 1,42 1,132007 16,85 1,52 1,202008 16,51 1,57 1,252009 18,33 1,88 1,38

    Fonte: PESSOA, 2011

    Dentre as profundas mudanas demogrficas, sociais e econmicas que so percpeptveis nesseperodo a evoluo da educao sempre tema central na agenda socioeconmica brasileira.Um indicativo desta evoluo a formao escolar: os nmeros no param de crescer pois, crescente o nmero de jovens que possuem alguma formao e, outro importante indicativo, afrequncia escolar aumentou. Porm, no se pode negar, que no ocorreu uma revoluo educa-cional sul-coreana: a qualidade do ensino pblico ainda no a desejada, as desigualdades sograndes em um pas caracterizado por heterogeneidades espaciais, demogrficas e de oportuni-dades e ainda h muito que se ser feito para melhorar o baixo desempenho escolar.

    Frente essa relativa evoluo na educao e nos demais indicadores socioeconmicos, a so-ciedade brasileira presenciou o crescimento e a manuteno de altas taxas de crime. Entre osgrupos de crimes mais cometidos e com maior impacto no pas um se destaca, os crimes violen-tos (especificamente os homicdios), seja por sua natureza, seja por causa da forma rpida comose alastrou por diversas regies do pas. Do ponto de vista econmico, os homicdios promovemum forte desperdcio de recursos econmicos e, por isso, configuram-se como uma significativa

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    Figura 1 PIB real per capita para os estados brasileiros nos anos de 2000 e 2009

    Fonte: PESSOA, 2011

    externalidade negativa.

    Ento, qual so as caractersticas do contexto da criminalidade, da violncia e da segurana noBrasil neste perodo de evoluo econmica? Esta evoluo, sobretudo a da educao, no teriacontribudo para reduzir os ndices de violncia? A literatura revisada no captulo anterior re-lata formalizaes tericas dos benefcios da educao e, principalmente, evidncias empricasdesta relao encontradas em outros pases. No Brasil, esta relao de reduo no crime comoresultado da evoluo educacional no se manteria vlida?

    Para alguns estudiosos da criminalidade, o cenrio brasileiro seria caracterizado como parado-xal, pois a expectativa rezidia na melhoria socioeconmica do pas reduzir as taxas de crime. verdade que no existe um consenso em torno desse paradoxo, pois, muitos mantm o argu-mento de que variveis sociais e econmicas, como a educao, possuem um papel fundamentalna preveno da atividade criminosa no Brasil (BEATO FILHO, 2012). Entre esses, a alegao de que a conjuntura dos crimes brasileiros seria ainda pior caso no ocorressem as ditas melho-rias, e salientam que as relaes e concluses formuladas com base em estatsticas descritivase simples indicadores agregados podem no ser suficientes para revelar uma verdadeira contri-buio promovida pelos fatores socioeconmicos.

    A associao entre o nvel de crime e uma medida da evoluo socioeconmica, como a edu-cao, susceptvel de ser enganadora, porque pode refletir fatores no observados e intera-es conflitantes que so relacionados ambas variveis de interesse: crime e educao. necessrio, primeiramente, compreender a contextualizao da educao e do crime nas lti-mas dcadas para que, depois, objetivando esclarecer este pseudo paradoxo, possam ser feitas

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    investigaes mais profundas.

    3.1 EVOLUO RELATIVA DA EDUCAO NO BRASIL DESDE OS ANOS 1990

    Desde a segunda metade da dcada de 1990 ocorre uma evoluo significava em muitos indi-cadores educacionais no Brasil. O acesso ao ensino fundamental foi quase universalizado nesseperodo e a expanso no acesso ao ensino mdio foi grande (VELOSO, 2011). Por exemplo,Menezes Filho (2011a) mostra que cerca da metade da gerao que nasceu em 1982 alcanouo ensino mdio e na ltima dcada 95% da populao entre 7 e 14 anos esto frequentando aescola. Apesar disso, o significativo avano quantitativo alcanado neste perodo no se repetiuna mesma intensidade nos quesitos de qualidade e de desempenho da educao.

    O perodo de 1991 2010 marcado por aumento nas taxas de formao escolar. A formaono ensino fundamental entre os jovens com idade entre 18 e 24 anos subiu de 23,5% em 1991,passando por 41,0% em 2000 e alcanando 68,1% em 2010. Para os mesmos anos as porcen-tagens do referido subgrupo populacional com graduao no ensino mdio so 10%, 19,9% e40,3%, um ritmo de crescimento por dcada de aproximadamente 100%. Essas informaespodem ser visualizadas na Figura 2.

    Figura 2 Mdias nacionais da porcentagem da populao com ensino fundamental ou ensino mdiocompletos entre 18 e 24 anos de idade para os anos de 1991, 2000 e 2010

    Elaborao prpria, 2013, com dados do IBGE, 2013

    Duas ressalvas so apontadas no que diz respeito aos dados quantitativos da educao, de acordocom Veloso (2011). Primeiro, a porcentagem de jovens que no esto na srie correta (com dis-toro idade-srie) elevada, consequncia do baixo desempenho, repetncia e evaso escolarem ambos os nveis de ensino. Para o ano de 2009, apenas 51% dos jovens de 15 a 17 anosestavam matriculados no ensino mdio. Segundo, a quase universalizao no acesso ao ensinofundamental no seguida de uma taxa de concluso muito alta.

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    Se o quadro educacional no Brasil relativamente positivo segundo os indicadores quantita-tivos, o mesmo no pode ser dito sobre a qualidade e o desempenho. Entre 1995 e 2001 oindicador de desempenho em Lngua Portuguesa despencou para todos as sries avaliadas (4a

    e 8a sries do ensino fundamental e 3o ano do ensino mdio). A porcentagem de jovens comdesempenho adequado saiu do intervalo de 37% 45% em 1995 para 20% a 27% em 2001. De2001 a 2007 esses valores andaram de lado, apresentando estagnao. 1

    Ainda no que diz respeito qualidade da educao, a comparao internacional ajuda a eviden-ciar o baixo desempenho escolar dos jovens brasileiros. Segundo o Programme for InternationalStudent Assessment (PISA)2 de 2003, que calculou o desempenho escolar em trs reas de pro-ficincia para a coorte de 15 anos no Brasil, os jovens brasileiros esto abaixo do nvel mnimode proficincia, ocupando as posies de nmero 78 (ltimo colocado) em matemtica, 57 emleitura e 64 em cincia (VELOSO, 2011). A situao do desempenho escolar no Brasil crtica,na avaliao do PISA em 2009 aproximadamente 70% dos jovens estudantes esto no menor n-vel de desempenho em matemtica, enquanto que entre os estudantes coreanos apenas 8% delesesto neste nvel. Os jovens brasileiros apresentaram um desempenho em leitura similar ao doscolombianos, abaixo dos uruguaios e chilenos e acima dos argentinos e peruanos (MENEZESFILHO, 2011b).

    No que diz respeito s polticas pblicas educacionais, uma avanou fortemente no Brasil, nosltimos 20 anos: a implantao de um macrossistema de avaliao educacional. Diferentes pro-gramas englobam o macrossistema de avaliao, dentre eles, o Sistema Nacional de Avaliaoda Educao Bsica (SAEB), inclusive a Prova Brasil, e o Exame Nacional do Ensino Mdio(ENEM). O desenvolvimento dessa poltica de avaliao permite a accountability (prestao decontas) sociedade, o estabelecimento de metas e a avaliao dos gestores pblicos, visando amelhoria da qualidade da educao. (CASTRO, 2009).

    A mensurao do desempenho obtida por esse sistema permite que as instituies pblicas deensino sejam cobradas pelo baixo desempenho. A cobrana da sociedade pode contribuir paramelhorar a qualidade do ensino, porque mecanismos de incentivo podem ser estabelecidos apartir da avaliao. Dessa forma, a avaliao tambm pea central para medir os resultados,corrigir os erros e aprimorar as polticas. Mas o Brasil ainda precisa aprender a utilizar maiseficientemente esse sistema (CASTRO, 2009; MESQUITA, 2012). Castro (2009) destaca o sis-tema de incentivos estabelecido no Estado de So Paulo a partir dos resultados das avaliaes1 Os dados de qualidade da educao so baseados no critrio de desempenho adequado a cada srie adotada

    pelo movimento Todos pela Educao. Para a 4a srie do ensino fundamental, o desempenho adequado emlngua Portuguesa uma pontuao acima de 200 pontos na escala no SAEB, enquanto para a 8a srie o pontode corte de 275 pontos. Para a 3a srie do ensino mdio, o desempenho adequado acima de 300 pontos.

    2 O PISA sofre algumas crticas no Brasil, as principais so: o perfil da prova desassociado da realidadebrasileira, e; o corte de idade de 15 anos, no condizente com a realidade dos alunos brasileiros, porquemuitos no esto na srie correta, logo, no completaram 8 anos de estudos (MENEZES FILHO, 2011a).Apesar disso o PISA fornece uma das poucas formas de comparao internacional do desempenho escolarentre pases. Entre os pases da Amrica Latina, 19 participam desta avaliao (CASTRO, 2009).

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    e o papel que o mesmo possui na melhoria da educao. Mesquita (2012) apresenta estatsticasque indicam que h um impacto sobre as aes de uma escola pblica municipal do Rio deJaneiro em funo da divulgao dos resultados do Ideb.

    O gasto pblico com educao um importante determinante das polticas pblicas e do pro-duto delas, o nvel educacional da populao. A estrutura de financiamento do gasto pblico estabelecida pela Constituio de 1988 - que estabeleceu que no mnimo 25% da receita dosestados e municpios deve ser alocada com educao - e pela Lei de Diretrizes e Bases daEducao Nacional (LDB) de 1996. Mecanismos foram estabelecidos para financiar o ensinopblico, reduzir a desigualdade do gasto por aluno e aumentar a eficincia da alocao de recur-sos, como o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizaodo Magistrio (FUNDEF) implantado em 1998 e que se tornaria em 2007 no Fundo de Manu-teno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao(FUNDEB).

    O FUNDEB estabelece que 20% da receita dos estados e municpios devem ser destinados aofundo, no mbito de cada estado, com valor a ser passado posteriormente a rede de ensinosegundo o nmero de alunos matriculados. Tambm garante que deva ser destinado no mnimo60% dos recursos recebidos pelo fundo para o pagamento dos professores. O Governo Federaltem como obrigao garantir complementaes aos recursos, caso o valor repassado pelo fundono seja suficiente. Segundo Veloso (2011), o aporte da Unio subiu de R$2 bilhes em 2007para R$5,1 bilhes em 2009.

    Alm do financiamento, programas foram criados nesse perodo com o objetivo de melhorar osindicadores educacionais. Por exemplo, pelo lado da oferta de educao, o Programa DinheiroDireto na Escola faz jus ao nome, pois transferiu recursos diretos para as instituies de ensinoem 2009 no total de R$1,1 bilho para 134,1 mil escolas (VELOSO, 2011). Muito tambm foifeito para aumentar a demanda pela educao. Em 2001 foi criado o Bolsa Escola Federal, queviria a ser substitudo em 2004 pelo Bolsa Famlia (PBF). Em 2008 o PBF foi ampliado e passoua cobrir tambm os jovens de 16 e 17 anos de idade (CHIODA et al, 2012) . Esses programaspromovem transferncias de renda para famlias elegveis, exigindo algumas contrapartidas,como a frequncia escolar dos jovens, consequentemente, apresentam um impacto positivo naformao educacional.

    A Tabela 2 mostra o gasto pblico recente em educao por aluno em relao ao PIB per capitano Brasil, para os nveis fundamental e mdio. No perodo em questo os valores destinadospara as redes de ensino dos dois nveis aumentaram entre os anos de 2000 e 2008, apesar desteltimo ter sofrido reduo entre 2002 e 2005. Esse aumento est diretamente associado com ocrescimento no volume de estudantes que integram a rede pblica. Isso uma demonstraoque o acrscimo de jovens rede de ensino implicou em uma relao de gasto maior do que

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    Tabela 2 Gasto pblico em educao por aluno em relao ao PIB per capita no Brasil, em %- 2000 a 2008

    Ano Ensino Fundamental Ensino Mdio

    2000 23,3 11,22001 24,0 12,62002 25,6 8,92003 24,1 9,92004 25,5 8,82005 26,8 8,62006 30,0 11,12007 32,7 12,22008 36,0 13,4

    Fonte: VELOSO, 2011

    um.

    Apesar do ganho quantitativo, Veloso (2011) apresenta evidncias de que o aumento do gastopblico com educao no Brasil no correspondeu em uma significativa melhoria na qualidadeda educao. A base de comparao do desempenho so os resultados do PISA. No perodo de2000 2009 o desempenho dos jovens estudantes brasileiros aumentou 52 pontos em matem-tica, 16 em leitura e 30 em cincias, um dos maiores aumentos entre os pases que integram aavaliao, sobretudo porque o n