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Departamento de Ciências Sociais Extração e Produção de Petróleo e Gás Natural no Estado do Rio de Janeiro: Distribuição das Compensações Financeiras, Desenvolvimento e Legislação Ambiental Aluno: Pedro Gross Saturnino Braga Orientador: Prof. Ricardo Ismael Introdução A indústria de extração e de produção de petróleo 1 tem impactos importantes no desenvolvimento. Por um lado, gera uma série de atividades e serviços associados que dinamizam as economias nacionais e locais. Por outro lado, ela propicia o pagamento de royalties, que no caso do estado do Rio de Janeiro e de seus municípios contribui significativamente para os investimentos públicos, de acordo com as regras de distribuição fixadas em lei. O elevado crescimento na extração de hidrocarbonetos, aliada a um aumento no preço do barril do petróleo no começo da década de 2000, gerou um grande aumento na quantidade de royalties pagos por essa exploração. A descoberta das jazidas de petróleo na região do pré- sal, e o anúncio feito pela Petrobras de possuir a tecnologia para exploração dessas jazidas, gerou uma expectativa de elevado aumento dos recursos oriundos da exploração de hidrocarbonetos. Simultaneamente, começava uma busca cada vez maior dos estados por recursos financeiros. Desde 1988, quando a Constituição Federal definiu a divisão tributária entre os entes federados, a participação das unidades estaduais tem diminuído deixando-as mais dependentes de transferências voluntárias da União. Pela dificuldade de se fazer uma reforma no sistema tributário, que a União não apoia com receio de diminuir sua arrecadação, pela necessidade dos estados arrecadarem mais recursos, e pelo aumento expressivo nos recursos oriundos dos royalties, começa a ser debatido o destino destes, com o objetivo de beneficiar estados e municípios que não produziam petróleo em seu território ou na plataforma continental defronte aos seus territórios, os chamados não produtores. O assunto começou a ser tratado no Congresso em 2009 e só em 2013, após diversas reviravoltas, foi aprovado em lei, 12.734/2012. Os estados produtores, no entanto, alegaram que a lei era inconstitucional e requereram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 4.917, em 2013. Ficou decidido que a Ministra Carmen Lúcia seria a relatora do processo, e como a adoção imediata da lei causaria severos prejuízos para o orçamento dos estados produtores, mesmo se depois a lei fosse considerada inconstitucional, a Ministra deferiu uma liminar de suspensão da mesma até o julgamento da ADI. Após mais de dois anos da liminar de suspensão a ADI ainda não foi julgada, apesar da pressão dos parlamentares e governantes dos estados não produtores.Com a liminar suspensa fica mantida a divisão de royalties adotada anteriormente, decidida pela lei 9.478/97, onde os estados não produtores recebiam um percentual muito reduzido. Nesses dois anos surgiram outros fatores que trouxeram incertezas para o mercado de hidrocarbonetos, como a queda no preço do barril de petróleo no mercado internacional e o os problemas envolvendo a Petrobras que comprometeram seu plano de investimentos. A queda 1 Por questões práticas, ao longo desse relatório quando se escreve sobre petróleo refere-se também ao gás natural.

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Departamento de Ciências Sociais

Extração e Produção de Petróleo e Gás Natural no Estado do Rio de

Janeiro: Distribuição das Compensações Financeiras, Desenvolvimento e

Legislação Ambiental

Aluno: Pedro Gross Saturnino Braga

Orientador: Prof. Ricardo Ismael

Introdução

A indústria de extração e de produção de petróleo1 tem impactos importantes no

desenvolvimento. Por um lado, gera uma série de atividades e serviços associados que

dinamizam as economias nacionais e locais. Por outro lado, ela propicia o pagamento de

royalties, que no caso do estado do Rio de Janeiro e de seus municípios contribui

significativamente para os investimentos públicos, de acordo com as regras de distribuição

fixadas em lei.

O elevado crescimento na extração de hidrocarbonetos, aliada a um aumento no preço

do barril do petróleo no começo da década de 2000, gerou um grande aumento na quantidade

de royalties pagos por essa exploração. A descoberta das jazidas de petróleo na região do pré-

sal, e o anúncio feito pela Petrobras de possuir a tecnologia para exploração dessas jazidas,

gerou uma expectativa de elevado aumento dos recursos oriundos da exploração de

hidrocarbonetos. Simultaneamente, começava uma busca cada vez maior dos estados por

recursos financeiros. Desde 1988, quando a Constituição Federal definiu a divisão tributária

entre os entes federados, a participação das unidades estaduais tem diminuído deixando-as

mais dependentes de transferências voluntárias da União.

Pela dificuldade de se fazer uma reforma no sistema tributário, que a União não apoia

com receio de diminuir sua arrecadação, pela necessidade dos estados arrecadarem mais

recursos, e pelo aumento expressivo nos recursos oriundos dos royalties, começa a ser

debatido o destino destes, com o objetivo de beneficiar estados e municípios que não

produziam petróleo em seu território ou na plataforma continental defronte aos seus

territórios, os chamados não produtores.

O assunto começou a ser tratado no Congresso em 2009 e só em 2013, após diversas

reviravoltas, foi aprovado em lei, 12.734/2012. Os estados produtores, no entanto, alegaram

que a lei era inconstitucional e requereram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI

4.917, em 2013. Ficou decidido que a Ministra Carmen Lúcia seria a relatora do processo, e

como a adoção imediata da lei causaria severos prejuízos para o orçamento dos estados

produtores, mesmo se depois a lei fosse considerada inconstitucional, a Ministra deferiu uma

liminar de suspensão da mesma até o julgamento da ADI. Após mais de dois anos da liminar

de suspensão a ADI ainda não foi julgada, apesar da pressão dos parlamentares e governantes

dos estados não produtores.Com a liminar suspensa fica mantida a divisão de royalties

adotada anteriormente, decidida pela lei 9.478/97, onde os estados não produtores recebiam

um percentual muito reduzido.

Nesses dois anos surgiram outros fatores que trouxeram incertezas para o mercado de

hidrocarbonetos, como a queda no preço do barril de petróleo no mercado internacional e o os

problemas envolvendo a Petrobras que comprometeram seu plano de investimentos. A queda

1 Por questões práticas, ao longo desse relatório quando se escreve sobre petróleo refere-se também ao gás

natural.

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no preço do petróleo já afeta a quantidade de royalties distribuídos, ocorrendo uma redução, o

que não era esperado quando a lei 12.734/2012 foi aprovada. Além disso, se o preço do

petróleo reduzir ainda mais pode comprometer a exploração nos campos da região do pré-sal.

Esses novos fatores também afetam o modelo adotado para exploração de

hidrocarbonetos na região do pré-sal decidido pela lei 12.351/2010. Após o fim do monopólio

da exploração de petróleo no Brasil, em 1997, foi estabelecido o modelo de concessão, onde a

União concedia a exploração de campos de petróleo para empresas através de licitação, e

recebia bônus de assinatura, royalties, e bônus de participação especial quando a quantidade

de barris explorados excedia o estimado em contrato, com os dois últimos sendo divididos

com estados e municípios. Com a lei 12.351/2010 se estabelece a adoção do modelo de

partilha nos campos do pré-sal. Nesse modelo o governo continua como proprietário do

petróleo explorado, cedendo uma proporção dos barris ao consórcio responsável pelos custos

da exploração. Também ficou definido que a Petrobras teria uma participação mínima de 30%

em todos os campos do pré-sal.

Objetivos

Em razão do conflito federativo, desencadeado pela tramitação e aprovação no

Congresso Nacional da revisão dos critérios de distribuição dos royalties derivados da

exploração de petróleo e gás, e diante da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no

Supremo Tribunal Federal (STF), ADI 4.917, impetrada pelos estados produtores, cabe

realizar uma síntese de todo o processo histórico em curso, e analisar o andamento da ADI

4.917 no STF; Analisar as declarações e as posições dos principais candidatos à Presidência

da República em 2014, com relação á questão dos royalties do petróleo e gás, o conflito

federativo envolvido e o modelo de exploração do pré-sal; analisar a queda do preço do

petróleo no mercado internacional e seus possíveis desdobramentos sobre a exploração de

hidrocarbonetos na plataforma continental.

Metodologia

Levantamento bibliográfico sobre a evolução do federalismo fiscal brasileiro e sobre o

modelo de exploração de hidrocarbonetos no Brasil; levantamento nos anais do Congresso

Nacional, no período de 2009 a 2013, da tramitação da proposta de mudanças nas regras de

distribuição de compensações financeiras referentes à exploração de petróleo e gás natural;

levantamento da tramitação da ADI 4.917 no STF, com levantamento dos documentos

pertinentes; levantamento nos arquivos dos jornais “O Globo” e “O Estado de São Paulo” das

declarações e das posições dos principais candidatos à Presidência da República em 2014,

com relação á questão dos royalties do petróleo e gás natural e do modelo adotado para

exploração dos mesmos.

Marco legal da distribuição dos royalties da exploração de petróleo e gás

Após o período da ditadura militar, onde se começou a explorar o petróleo localizado

abaixo do nivel do mar, através de plataformas flutuantes, foi promulgada a Constituição

Federal de 1988, definindo as bases da legislação petrolífera atual. Nela se define o petróleo

como monopólio da União, mas também fica garantida uma compensação aos estados e

municípios produtores.

Art. 20, § 1º: É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da

exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia

elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar

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territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.2

Se os royalties buscavam beneficiar os estados produtores de energia, o ICMS (Imposto

sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços e

Transporte Interestadual e Intermunicipal de Comunicação) fazia o contrário, ao garantir na

al. b do inc. X do § 2º do art. 155 da Constituição que tanto o petróleo e seus derivados como

a energia elétrica seriam cobrados no estado de destino, e não no de origem como os demais

produtos. Isso buscava garantir que mesmo os estados que não contam com recursos naturais

para a produção de energia se beneficiassem dessa tarifação.

No ano seguinte foi criada a Lei de compensação financeira pelos recursos naturais,

7.990/89, buscando completar as partes referentes a esse assunto que não foram tratadas na

Constituição Federal, especialmente a porcentagem de royalties que deveriam ser pagos, e as

porcentagens de cada beneficiado. Inicialmente definiu-se que 5% da produção bruta deveria

ser paga na forma de royalties, e a maior parte seria encaminhada para os estados produtores.

Em 1997 o Congresso Federal criou a Lei 9.478/97, onde a Petrobras deixava de ter o

monopólio para a extração de petróleo, passando a ser apenas mais uma empresa a concorrer

com outras na concessão para explorar poços no país. As licitações deveriam garantir o

ressarcimento ao governo por ceder seu direito de explorar através de um bônus de assinatura,

além de uma porcentagem dos royalties, que até então não eram destinados a União pelo fato

de a Petrobras, na época, ser uma empresa 100% pública, onde os lucros iam para o governo.

A Lei também estabelece que em todos os contratos haja um pagamento de participação

especial em caso de ocorrer produção ou renda acima do planejado, sendo destinada metade

dessa participação para a União, e a outra metade para o estado produtor, além de aumentar os

royalties para 10% do valor da produção bruta.

Em 2006 a Agência Nacional de Petróleo, ANP, anunciou que a Petrobras havia

descoberto petróleo, e a capacidade de explora-lo, nas camadas pré-sal da plataforma

continental brasileira. A crosta terrestre tem três camadas, a mais externa delas, próxima à

superfície, é o pós-sal, onde está concentrada a maior parte do petróleo que é explorado

atualmente. Abaixo dela existe uma camada de sal e, por último, o chamado pré-sal. O

petróleo encontrado na camada pré-sal brasileira está localizado na plataforma continental, e

os campos para realizar a perfuração entre 1000 e 2000 metros abaixo d’água. Essa camada

ainda se encontra entre 4000 e 6000 metros abaixo do fundo do mar, totalizando até 8000

metros de distância até o petróleo.

Pela grande importância dessas novas áreas para economia nacional, garantindo a

autossuficiência do país em petróleo, e com receio que os lucros dessa exploração não se

mantivessem no Brasil, o Executivo enviou uma proposta de lei, no ano de 2009, sugerindo

mudança na legislação do petróleo. O projeto, que viria a se tornar a lei 12.351/2010, decidia

pela adoção do modelo de partilha na região do pré-sal e outras áreas estratégicas, que

deveriam ser definidas pelo executivo através do Ministério de Minas e Energia.

Os campos que não se encontram em áreas consideradas estratégicas continuam

seguindo o modelo de concessão, onde a União concede o direito à exploração e a

propriedade do petróleo explorado em determinados campos por um período de tempo

definido em contrato. Nas áreas estratégicas deve ser adotado o modelo de partilha, onde o

governo continua como proprietário do petróleo explorado, mas cede parte deste à empresa ou

às empresas responsáveis pelos custos da exploração. O consórcio recebe a quantidade de

barris relativa ao custo da exploração, e a quantidade que excedente, chamado de óleo

excedente, é dividido entre o consórcio e o governo em proporção definida em contrato. Além

disso, ainda são pagos bônus de assinatura e royalties, que aumentou de 10% para 15% nessas

áreas. Foi criada a empresa estatal Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA), que é responsável pelos

2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicada no DOU de 5/10/1988.

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contratos de partilha e pela comercialização da proporção de petróleo que cabe a União. A

PPSA também é responsável por indicar metade dos assentos nos comitês operacionais de

cada campo, órgãos responsáveis pelas decisões de exploração. Dessa maneira o governo tem

o controle da produção em cada campo, tendo maior participação no comércio de

hidrocarbonetos. Pode, por exemplo, reduzir a produção em períodos que o preço do barril

esteja baixo. O modelo de partilha também permite ao governo realizar política industrial com

a sua proporção de petróleo, vendendo, por exemplo, barris de petróleo para nações aliadas a

um preço abaixo do mercado.

A descoberta das jazidas do pré-sal encontraram situação bastante diversa. No plano das ideias, a

hegemonia do ideário neoliberal encontrava-se em declínio, como resultado do baixo sucesso das

reformas empreendidas em termos de crescimento econômico, o que influiu na ascensão ao poder de

elites políticas com orientação de centro-esquerda. No entanto, estas somente puderam modificar o viés

ideológico de seus governos a partir da maior independência que o cenário econômico favorável

propiciou. Tal possibilidade traduziu-se em políticas públicas como o marco regulatório do pré-sal, em

que elementos de maior intervenção estatal - regime de partilha, cessão onerosa e criação da Pré-Sal

Petróleo SA- são utilizados como base para a estruturação do Fundo Social do Pré-Sal, visando repartição

social dos recursos do petróleo.3

A lei 12.351/2010 também estabelece que a Petrobras tenha participação mínima de

30% em todos os campos explorados, e o restante seria decidido através de licitação, onde a

proposta vencedora seria aquela que destinasse maior percentual do óleo excedente à União.

Como o governo tem participação na Petrobras ele indiretamente também assume riscos nos

campos explorados, pois a mesma é responsável por 30% dos investimentos em cada campo.

Isso demonstra a grande expectativa que existia com o pré-sal, não considerando a

possibilidade dos mesmos não serem tão rentáveis como se esperava.

O conflito federativo no Congresso Nacional

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma redivisão nas receitas entre as três

esferas da federação. O objetivo era descentralizar o poder da mão da União, reduzindo a

parcela de arrecadação destinada à mesma. Desde então aumentos de arrecadação foram feitos

com a criação de contribuições, que não necessitam ser divididas com os estados e

municípios, como COFINS, CIDE, etc. ao invés de elevações nos impostos já existentes.

Dessa forma, a arrecadação proporcional dos estados nas duas últimas décadas começou a

declinar, como mostra a tabela abaixo, enquanto a proporção da União voltou a crescer.

Atualmente os estados ficaram muito dependentes da União para conseguir recursos

financeiros, necessitando realizar parcerias com a mesma para a execução de grandes projetos

ou obras públicas. Por conta dessa dependência, estados que tem melhor alinhamento com o

Governo Federal, especialmente por estar na mesma coalizão política, tem mais facilidade em

conseguir firmar parcerias e como consequência promover grandes investimentos locais. Isso

diminui cada vez mais importância do Governador e sua independência para realizar as

melhorias que acham necessárias. Além de grande parte dos seus recursos já virem

carimbados, definidos em que áreas serão gastos, ele ainda depende do interesse nacional para

realizar projetos de médio e grande porte. Da mesma forma, cada vez mais os movimentos

sociais dirigem suas petições e protestos ao Governo Federal e menos aos locais, o que

demonstra a descrença na ideia de mudanças que possam surgir de baixo para cima.

3 TROJBICZ, Beni & LOUREIRO, Maria Rita. Trajetória do marco regulatório do petróleo no Brasil: 1997 –

2010. IX Encontro da ABCP Brasília, DF, 04 a 07 de agosto de 2014.

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Evolução da distribuição de recursos entre os três níveis de Governo4

União Estados Municípios Total

Arrecadação Direta em % do total

1960 64,0 31,3 4,7 100,0

1965 63,6 30,8 5,6 100,0

1983 76,6 20,6 2,8 100,0

1988 71,7 25,6 2,7 100,0

1991 63,4 31,2 5,4 100,0

2000 66,7 27,6 5,7 100,0

2011 68,6 25,6 5,7 100,0

Receita Disponível em % do total

1960 59,5 34,1 6,4 100,0

1965 54,8 35,1 10,1 100,0

1983 69,8 21,3 8,9 100,0

1988 60,1 26,6 13,3 100,0

1991 54,7 29,6 15,7 100,0

2000 55,8 26,3 17,9 100,0

2011 57,1 24,7 18,2 100,0

A União é contrária a uma reforma tributária, pois tem receio que ela perca parte de

suas receitas. Simultaneamente, os estados necessitam de maior receita para ter também maior

independência. A arrecadação através de royalties, que teve constante e elevado aumento no

começo do século XXI, se mostrou uma alternativa para aumentar as receitas sem mexer no

modelo tributário. O problema dessa alteração, principalmente quando são incluídos

alterações em contratos de licitações já realizadas, é que gera um grande aumento na receita

da grande maioria dos estados e municípios à custa de uma diminuição na receita de outros

desses estados e municípios. Essa tática gerou um conflito federativo, onde cada parlamentar

defende os melhores interesses dos seus estados sem preocupação com prejuízos de outras

federações. Ideais partidários ou políticos foram postos de lado e a discussão ficou

simplesmente numa regra de maioria.

O debate principal aconteceu em torno dos royalties pagos na exploração marítima,

visto que lá está a maior parte das reservas de petróleo brasileiro, principalmente após a

descoberta do pré-sal. Até então, os royalties pagos aos estados não produtores numa extração

na plataforma continental eram de cerca de 7% do valor total a ser dividido por todas as

federações, enquanto os produtores ficavam com 45%, metade para o próprio estado, e a outra

parte para os municípios confrontantes.

A primeira proposta, que veio do Executivo era que os royalties advindos dos campos

presentes no pré-sal fossem divididos de forma mais igualitária, beneficiando todos os estados

e não apenas os confrontantes com os poços, afinal os campos ficam a uma grande distância

4 Fonte dos dados: AFONSO, JOSÉ ROBERTO, utilizando as fontes primárias: STN, SRF, IBGE, Ministério da

Previdência, CEF, Confaz e Balanços Municipais; disponível no link: http://pt.slideshare.net/CIEF2012/4-

conferncia-jos-roberto-r-afonso. Acesso em: 05 mar 2015.

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da costa. Os parlamentares dos estados produtores já se mostravam contrários a essa proposta,

alegando que a Constituição garantia a compensação para os estados confrontantes, e que caso

um desastre ambiental ocorresse seriam estes os prejudicados. Apesar dos protestos dos

estados produtores, principalmente da bancada fluminense e capixaba, o restante do

Congresso, assim como o Governo Federal, foram favoráveis a uma distribuição mais

equilibrada dos royalties das áreas do pré-sal. Essa nova partilha deveria se basear no Fundo

de Participação dos Estados, FPE, e o Fundo de Participação dos Municípios, FME, onde,

através de indicadores sociais, se definem os níveis de pobreza em cada região, destinando

mais recursos às localidades mais carentes.

Observando a imensa maioria que os estados não produtores tinham no Congresso,

alguns parlamentares sugeriram uma reforma mais expressiva, propondo alteração não apenas

nos campos localizados em áreas consideradas estratégicas, mas qualquer futuro campo a ser

licitado na plataforma continental, afirmando que a costa pertence a toda a união, e não a um

estado específico.

A posição do governo do Rio de Janeiro não buscava acordos, entendendo que a

Constituição garantia que os royalties deveriam ser pagos aos estados e municípios defronte a

região de exploração na plataforma continental. Para pressionar o Rio começou a ser discutida

uma alteração no pagamento dos royalties de todos os campos explorados, inclusive aqueles

que já estavam com a licitação feita e, portanto, já fazia parte do orçamento daqueles que os

recebiam.

O que começou como uma medida considerada radical, uma forma de pressionar os

estados produtores a uma negociação, ganhou força com a expectativa que os campos do pré-

sal ainda demorariam a ter suas licitações realizadas, com a perspectiva das explorações só

terem início em 2016 ou 2017. Em 2010 os Deputados Ibsen Pinheiro, do PMDB do Rio

Grande do Sul, e Humberto Souto, do PPS de Minas Gerais, conceberam uma emenda ao

projeto de lei, que determinava a mudança na distribuição de todos os royalties, tanto os que

viriam a ser licitados, como também os dos contratos já realizados. Essa ficou conhecida e

nomeada como emenda Ibsen Pinheiro. Durante o ano de 2010 o projeto foi debatido no

Congresso, onde houve tentativas de acordo, com propostas como a União ressarcir a perda

dos estados produtores, ou que esses só abrissem mão da renda da participação especial.

Apesar das propostas, os debates em torno delas foram pouco eficazes, pois nenhum dos lados

aceitava qualquer prejuízo, especialmente o Rio de Janeiro e a União.

Luis Inácio Lula da Silva, Presidente do país na época, pediu aos parlamentares para

adiarem a discussão para o ano seguinte, uma vez que 2010 era ano eleitoral e aquele era um

tema de extrema importância, com decisões que não deveriam ser tomadas às pressas ou por

influências eleitorais. Mesmo assim, os deputados ignoraram o apelo e seguiram com o

planejamento de votá-lo naquele ano. Quando o projeto de lei foi aprovado nas duas casas e

faltava apenas a sanção presidencial, os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, com

colaboração de parte dos governantes paulistas, exerceram grande pressão no poder executivo,

através de petições populares e manifestações, e o Presidente Lula viu-se obrigado a vetar

parte da Lei, que teve o número 12.351/2010, deixando-a incompleta. Ela garantiu o modelo

de partilha, com prioridade à Petrobras e a criação da PPSA, mas deixou o assunto dos

royalties sem solução.

Em 2011, com novos mandatos em vigor, recomeçou a discussão dos royalties no

Congresso. Os estados produtores apresentaram um projeto em que se aumentaria a

porcentagem de royalties nas futuras licitações, esse aumento indo para os não produtores, e

propondo que a União destinasse parte da sua renda nas licitações já realizadas para os

estados não confrontantes, não alterando a arrecadação dos estados produtores. A bancada do

governo, maioria no Congresso, recusou a proposta, alegando que a União não estava disposta

a abrir mão dos seus recursos financeiros. O projeto que se tornou lei foi elaborado pelo

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Senador Wellington Dias, do PT do Piauí, em que propunha uma divisão dos royalties muito

parecida com a proposta pela Emenda Ibsen. A proposta, que resultou na Lei 12.734/2012,

tem apenas cinco artigos, onde os dois principais são o segundo e o terceiro, que alteram

diversos artigos das Leis 12.351/2010 e 9.478/97 respectivamente. Essas alterações garantem

a mudança na distribuição de todos os royalties, incluindo os que estavam contidos nos

contratos já licitados. Para reduzir as perdas dos estados produtores, o projeto determina que

as reduções percentuais da participação dos estados produtores na distribuição dos royalties

devem ocorrer gradativamente. As porcentagens da participação especial também sofrem

redução semelhante. Assim as perdas financeiras não seriam tão grandes, pois apesar de

reduzir as porcentagens, a quantidade de royalties pagos vai aumentar com a exploração de

novos campos, ocorrendo uma compensação.

Os estados confrontantes teriam uma redução imediata de 23,5% para 20% e assim se

manteria. Já os municípios seriam os maiores prejudicados, tendo uma redução imediata de

23,5 %para 15%, chegando a 4% em 2020. A porcentagem de participação especial destinada

aos estados também reduziria de 50% para 20% de forma imediata. Os parlamentares dos

estados produtores alegaram que apesar de reduzidas as perdas ainda seriam imensas. A

mudança nos contratos já licitados inviabiliza o orçamento de diversos municípios, pois já

planejando a entrada dessa verba, aprovaram um orçamento que, assim, não poderão cumprir.

O próprio estado do Rio de Janeiro destinou grande parte dos royalties que viria a receber

para pagar a dívida com a Receita federal, o que se torna impossível com a redução. Além

disso, alegam que os danos causados por essa exploração, como riscos ambientais, o ônus da

pressão migratória e a demanda crescente sobre a infraestrutura incipiente, apenas são

sentidos nos municípios confrontantes. Os demais parlamentares rebatem alegando que já está

previsto em lei que em caso de danos ambientais a empresa terá que arcar com indenizações e

que, assim, os royalties não seriam indenizatórios para essas causas, mas sim uma indenização

por recurso finito.

Durante a tramitação da proposta, que teve como relator o Senador Vital do Rêgo, do

PMDB do Piauí, parlamentares da bancada dos estados produtores buscaram colocar em

discussão outros quesitos, como a revisão do ICMS, que apenas no caso do petróleo e da

energia elétrica é pago integralmente no estado consumidor, para beneficiar os estados que

não têm recursos naturais para produção de energia. Retirando os royalties e o ICMS, os

estados produtores seriam duplamente prejudicados. Apesar de diversos parlamentares

reconhecerem a importância de uma revisão nos tributos, consideraram que isso deveria ser

feito em outro momento, não misturando questões tributárias com os royalties. Com imensa

maioria nas duas câmaras, a proposta foi aprovada no dia 7 de novembro de 2012 e muito

comemorada pelos parlamentares dos estados não produtores, alegando ser uma vitória para

os estados brasileiros mais carentes.

Faltando apenas a sanção da Presidente da República Dilma Rousseff, os políticos dos

estados produtores, incluindo os governadores e prefeitos, começam a fazer pressão pelo veto

presidencial. Com esse cenário, no dia 30 de novembro de 2012 a Presidente vetou

parcialmente a Lei 12.734/2012, alterando tanto as novas licitações como as já realizadas.

O § 1º do art. 20 da Constituição garante uma compensação financeira aos estados e

municípios confrontantes, mas não garante de quanto deve ser essa compensação. Dessa

maneira, mesmo reduzindo a porcentagem dos mesmos, eles continuam sendo compensados.

No entanto, a lei 12.734/2012 destina parte dos royalties a serem distribuídos entre os estados

e municípios segundo o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos

Municípios, onde as regiões mais carentes recebem mais recursos. Para receber essa

porcentagem dos royalties, os estados e municípios não podem receber por serem

confrontantes, ou se desejassem receber dos Fundos de Participação deveriam abrir mão de

receber como confrontantes. A Presidente vetou este trecho da lei por obrigar um ente

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federativo a abrir mão de seu direito constitucional para receber uma participação que deveria

ir para todos os estados ou municípios da federação.

O texto proposto é inconstitucional, pois conflita diretamente com as disposições previstas no

art. 5º e no § 1º do art. 20 da Constituição, ao obrigar os Estados e Municípios a renunciarem a

direito constitucional originário para participar da distribuição do Fundo Especial destinado a

todos os entes federados. Adicionalmente, ao prever opções sucessivas entre as receitas

compensatórias e aquelas decorrentes do Fundo Especial, a implementação da sistemática

prevista no projeto se torna inaplicável, visto que a opção de cada um dos entes federados

impactará nos fatores que condicionam as decisões dos demais.5

A Presidente também vetou a mudança nos contratos já licitados, pois vão de encontro

ao inciso XXXVI do art. 5° da Constituição que define “XXXVI - a lei não prejudicará o

direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Os estados e municípios

confrontantes adquiriram o direito determinada parcela nos campos já licitados, e com essa

parcela eles planejam investimentos futuros, não apenas os orçamentos anuais, mas numa

obra que leva anos, o planejamento é feito contanto com a continuação daqueles royalties por

anos. Dessa maneira a alteração nos royalties de contratos já firmados, pode causar para um

orçamento anual já aprovado, como também pode causar a interrupção de diversas obras.

As novas regras de distribuição dos royalties previstas no art. 3º do projeto, ao não ressalvar

sua aplicação aos contratos já em vigor, violam frontalmente o disposto no inciso XXXVI do

art. 5º e no § 1º do art. 20 da Constituição.

Os royalties fixados na legislação em vigor constituem uma compensação financeira dada aos

Estados e Municípios produtores e confrontantes em razão da exploração do petróleo em seu

território. Devido a sua natureza indenizatória, os royalties incorporam- se às receitas

originárias destes mesmos entes, inclusive para efeitos de disponibilidade futura. Trata-se,

portanto, de uma receita certa, que, em vários casos, foi objeto de securitização ou operações

de antecipação de recebíveis. A alteração desta realidade jurídica afronta o disposto no inciso

XXXVI do art. 5º e o princípio do equilíbrio orçamentário previsto no art. 167, ambos da

Constituição Federal.6

A partir do veto, começou uma disputa fora e dentro das sessões do Congresso, com

pressões de ambos os lados. Foi votado o regime de urgência para a sessão que discutiria o

veto da Presidente, o que os parlamentares cariocas consideraram inconstitucional, pois os

vetos deveriam ser votados em ordem cronológica. O estado do Rio recorreu ao STF com uma

ADI, Ação Direta de Inconstitucionalidade, e perdeu por sete votos a cinco, permitindo que o

Congresso decidisse a própria ordem das votações. O Governo Federal, por sua vez, falava

que já havia tomado todas as medidas que seriam possíveis de sua parte, com o veto

presidencial, e que a partir de então cabia aos parlamentares resolverem o embate federativo.

No dia 6 de março de 2013, o Congresso Federal realizou uma sessão conjunta das

duas casas, para avaliar o veto da Presidente da República. Os deputados recusaram a ideia de

quebra de contrato, pois estes eram feitos com a ANP, e não com os estados, e portanto, não

haveria quebra. Mesmo a bancada governista se mostrava contrária ao veto, permanecendo a

disputa federativa sem nenhuma influência partidária. Mesmo com o abandono de alguns

parlamentares da sessão, e a ameaça de entrar no STF alegando inconstitucionalidade, o veto

foi derrubado com ampla maioria dos votos.

O que se observa nesse período é a pouca pretensão dos estados em negociar entre

eles, transformando a questão numa batalha federativa. O governo federal também não buscou

promover negociações que pudessem propiciar um acordo entre as entidades federativas. O

Executivo vetou o que considerava inconstitucional e garantiu que sua bancada não permitisse

que a União perdesse parte de seus royalties nas leis criadas, mas não buscou influenciar a

5 Veto da Presidente da República Dilma Roussef à lei 12.734/2012.

6 Veto da Presidente da República Dilma Roussef à lei 12.734/2012.

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bancada na hora da derrubada do veto. Com os estados-membros em conflito, as decisões do

Congresso não foram tomadas com uma reflexão nas discussões, com base em ideais políticos

e buscando um consenso, mas cada parlamentar buscando a maior quantidade de recursos

para os seus respectivos estados, colocando a vontade de cada unidade estadual acima do ideal

nacional.

Judicialização do conflito

Assim que a decisão dos parlamentares foi publicada no Diário Oficial, no dia 15 de

março de 2013, os governos do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, além da

Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro entraram, separadamente, com pedidos de ADI no

Supremo Tribunal Federal. Pela semelhança entre eles, todos foram entregues ao mesmo

relator, a Ministra Carmen Lucia, que os analisou conjuntamente e decidiu que serão julgados

na mesma sessão.

A Ministra escolheu a ADI requerida pelo governo do Rio de Janeiro, de número

4.917, para analisar o pedido de medida cautelar, que requisitava a suspensão dos efeitos da

lei até o julgamento final do STF. Posteriormente, alguns dos estados não produtores

conseguiram entrar no processo como Amicus Curie, uma terceira parte interessada, assim

como algumas associações, como a Confederação Nacional de Municípios. O debate

federativo que começou no Congresso passou para o âmbito judiciário, mostrando a

incapacidade de negociação entre os estados brasileiros.

A ADI requerida pelo estado de Rio de Janeiro apresenta duas teses principais. A

primeira é a “Invalidade global das alterações no regime jurídico dos royalties do petróleo”, se

utilizando do art. 20 da Constituição, onde define o direito dos estados e municípios

confrontantes de receberem compensação financeira, e do art. 155, onde define que o ICMS

seria cobrado no destino.

1. Violação no sentido e alcance do art. 20, § 1° da Constituição. Natureza compensatória e não

redistribuitiva dos royalties.

2. Violação do pacto federativo originário, e consequentemente, do princípio da supremacia da

Constituição e do princípio federativo. O pagamento de royalties e a fórmula de cobrança do

ICMS do petróleo no destino – e não na origem – formam um sistema que integra o pacto

constituinte entre Estados produtores e não-produtores. Lei ordinária não pode alterá-lo (CF,

art. 155, § 2, X, b).7

Esses argumentos se referem a toda a exploração de petróleo, tanto dos campos já

licitados como das futuras licitações. A segunda tese se refere exclusivamente aos contratos já

licitados, e essa divisão indica que o Rio de Janeiro busca ao menos garantir a manutenção

das receitas já existentes. O autor apresenta quatro fundamentos para sustentar uma

“Invalidade da aplicação das novas regras aos royalties derivados das concessões instituídas

nos termos da legislação anterior”8.

1. Violação ao direito adquirido. As participações não são devidas em bloco; cada concessão gera

um direito autônomo à percepção das participações governamentais a ela referentes. Nas

concessões já existentes, esse direito se concretizou e se incorporou ao patrimônio jurídico dos

entes federativos, nos termos das normas de regência. A criação de um novo regime jurídico – que

seja válido – somente poderia afetar concessões futuras.

2. Violação ao princípio de segurança jurídica. Ainda que não se pudesse falar de direito adquidido

na hipótese, a incidência das inovações sobre as concessões já existentes surpreenderia

bruscamente os estados produtores, afetando situações já constituídas de longas data e frustando

sua expectativa legítima em relação a receitas que vêm auferindo há muitos anos e que já se

encontram comprometidas.

7 ADI requerida pelo estado do Rio de Janeiro, posteriormente numerada ADI 4.917, p. 1.

8 ADI 4.917, p. 1

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3. Violação ao ato jurídico perfeito. O Estado do Rio de Janeiro, em particular, celebrou contrato de

refinanciamento de sua dívida junto à própria União, no qual se estabeleceu que a amortização seria

feita por cotas de royalties e participações. A União não pode se valer da sua competência

legislativa para tornar inviável o cumprimento do contrato que celebrou com o Estado, gerando

graves sanções para este.

4. Violação aos pricípios da responsabilidade fiscal, do equilíbrio orçamentário e da boa-fé

objetiva. A modificação drástica e súbita do sistema de distribuição das participações

governamentais – sobretudo para alcançar as concessões já existentes – produziria um desequilíbrio

orçamentário dramático e impediria o cumprimento de inúmeras obrigações constitucionais, legais

e contratuais dos Estados afetados. Dentre tais obrigações encontra-se o contrato de

refinanciamento da divída firmada pelo estado com a própria União, a cuja amortização estão

vinculados os royalties.9

A ADI termina com o pedido do estado do Rio de Janeiro por uma medida cautelar

com urgência. Em virtude do pagamento dos royalties serem feitos mensalmente, o prazo de

espera para que a medida cautelar fosse analisada por todos os ministros causaria grandes

prejuízos aos estados produtores.

No dia 18 de março de 2013, a Ministra Carmen Lúcia publicou medida cautelar

suspendendo a validade da lei 12.734/2012 até o resultado do julgamento. A relatora explicou

que, em virtude de feriados nacionais, o Supremo Tribunal Federal não seria capaz de se

reunir antes que o próximo pagamento de royalties fosse feito, e por isso a decisão

monocrática, reiterando que casos similares já haviam ocorrido.

Situações como a presente, nas quais a urgência da providência requerida cautelarmente e a

objetiva configuração de instabilidade jurídica, financeira e política advindas ficam

objetivamente demonstradas se se mantiverem os efeitos das normas questionadas, têm sido

acentuadas em casos nos quais – como se tem na espécie – a medida cautelar poderia não

produzir sua plena utilidade e o seguro afastamento dos riscos demonstrados e iminentes sem a

suspensão imediata dos efeitos das normas, tudo a impor ao Ministro Relator tomada de

decisão imediata – reitere-se – ad referendum do Plenário.10

Apesar de a relatora não expor abertamente o seu julgamento final sobre o caso, é

possível perceber a concordância com diversos argumentos levantados pela ADI. A questão

federativa é amplamente tratada, com o receio da Ministra Carmen Lúcia que isso se

transforme em uma desgastante batalha federativa. É lembrado que a Constituição foi

elaborada através de negociações em que a divisão dos recursos foi pensada para haver um

equilíbrio. Ao alterar somente os royalties esse equilíbrio também é alterado.

Na espécie em exame, a Constituição estabeleceu normas que se ajustam, coordenam-se,

completam-se com finalidade clara de garantir a participação de Estados e Municípios em

situação geográfica definida ou compensá-los pelos ônus decorrentes de sua situação.

O enfraquecimento dos direitos de algumas entidades federadas não fortalece a

federação; compromete-a em seu todo.

E se uma vez se desobedece a Constituição em nome de uma necessidade, outra

poderá ser a inobservância de amanhã em nome de outra. Até o dia em que não haverá mais

Constituição.

O direito de Estados e Municípios, a ser exercido nos termos da lei, não pode ser porta

de entrada para o seu amesquinhamento pelo legislador, não se podendo permitir seja esse

direito constitucionalmente estabelecido mais formal que real, ainda que o objetivo tenha sido

o de angariar novos recursos às demais entidades federadas, igualmente necessitadas de novos

aportes para fazer face às demandas sociais.

Por mais nobres e defensáveis sejam os motivos que conduzem os legisladores, não se

atém o controle de constitucionalidade a suas razões, mas à compatibilidade do ato legislado

9 ADI 4.917, p. 1 e 2

10 Liminar da Ministra Carmen Lucia, suspendendo a lei 12.734/2012 até o julgamento da ADI 4.917, p.10.

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com as normas constitucionais.11

Em relação à segunda tese da ADI a Ministra Carmen Lúcia claramente se mostra de

acordo, e foi essa parte que garantiu a medida cautelar, visto que ali demonstrou a necessidade

de urgência. A autora concorda quanto aos grandes prejuízos financeiros, e que os estados e

municípios produtores contavam com aquelas verbas quando fecharam o orçamento de 2013

no ano de 2012, ao contrário dos não produtores, que tinham um orçamento planejado sem

essas verbas. Além disso, em caso de validação da lei enquanto o julgamento era aguardado,

os estados produtores teriam o prejuízo dos meses que ficaram sem receber, que não poderia

ser posteriormente compensado. É enfática a sua opinião sobre os contratos já firmados,

ressaltando a segurança para se determinar o futuro. Esse caso poderia criar insegurança, uma

vez que futuros projetos que planejam se utilizar de verbas de royalties sofreriam com a

incerteza da manutenção do mesmo. Parlamentares cariocas, por exemplo, argumentaram

durante a sessão conjunta que derrubou os vetos que outros royalties como da mineração ou

de hidrelétricas também poderiam ser revistos. Com a alteração do destino dos royalties nos

campos já licitados pode criar-se uma insegurança para qualquer futuro orçamento. A relatora

argumenta que a alteração de contratos já firmados fere o art. 5° da Constituição.

Aplicar a nova legislação àqueles atos e processos aperfeiçoados segundo as normas vigentes

quando de sua realização seria retroação, dotar de efeitos pretéritos atos e processos acabados

segundo o direito, em clara afronta à norma constitucional do inc. XXXVI do art. 5º, antes

mencionado.

Como indaguei em outra decisão, se nem certeza do passado o brasileiro pudesse ter,

de que poderia ele se sentir seguro no Estado de Direito? Já se disse que o Brasil vive incerteza

quanto ao futuro (o que é da vida), mas tem também insegurança quanto ao presente (o que

precisa ser depurado para que as pessoas vivam o conforto da certeza das coisas, pois certezas

das gentes não há), e o que é pior e incomum, também tem por incerto o passado.

A expressão normativa questionada põe em ênfase este dado: não seria dever do

Estado, acatando a Constituição que tem na segurança jurídica e no respeito incontornável e

imodificável ao ato jurídico perfeito, garantir a certeza, pelo menos quanto ao passado e

acabado, como se dá com as concessões feitas?

Tem razão, no ponto, o Autor, ao requerer a suspensão de efeitos das normas

modificadas porque poderiam ser interpretadas no sentido da possibilidade de sua aplicação

imediata e com efeitos retro.

Tanto causaria insegurança jurídica, financeira e política, pelo que não podem

prevalecer as normas até o seu julgamento por este Supremo Tribunal Federal.12

Apesar da concordância com diversos argumentos utilizados pelo procurador carioca,

é importante ressaltar que os argumentos dos estados não produtores pela validade da lei não

estavam presente na ADI, e assim a Ministra Carmen Lúcia não discute sobre eles, Outros

documentos defendem a validade da lei 12.734/2012, não sendo possível prever o resultado

do julgamento. O parecer do Procurador Geral da República (PGR) descrito acima foi enviado

para o Supremo poucos dias depois da concessão da liminar. Nele ele aprova a medida

cautelar e defende a validade da lei a partir de 2016, para garantir a segurança financeira

daqueles que recebem os royalties. Nesse mesmo parecer, no entanto, o Procurador Roberto

Gurgel defende a validade da lei, rebatendo os argumentos utilizados pelos estados produtores

para alegar inconstitucionalidade.

51. Já a percepção de que os ganhos devam ser repartidos por toda a sociedade brasileira, a

partir da distribuição dos royalties e participações especiais de outros moldes, parece ser a base

de uma política pública mais afinada com a sociedade que deve nortear esses contratos e

negócios, além de mostrar maior reverência ao objetivo fundamental da República, no interesse

de ver reduzidas as disigualdades sociais e regionais (Constituição, art. 3°. III)

11

Liminar da Ministra Carmen Lucia, suspendendo a lei 12.734/2012 até o julgamento da ADI 4.917, p.23-4. 12

Liminar da Ministra Carmen Lucia, suspendendo a lei 12.734/2012 até o julgamento da ADI 4.917, p.25-6.

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52. Não se pode desconsiderar, além disso, que estamos diante de contratos de natureza

sucessiva e pensados como acordos de longa duração. Se o contexto e a realidade financeira

atinentes à atividade se modificam no decorrer dos anos, as próprias expectativas de ordem

econômico-financeira quanto às concessões instituídas antes da revisão legal se modificam. O

que está agregado à esfera de direito dos Estados produtores é o direito à participação na

receita, a título de compensação, que não deixa de existir.13

Posteriormente Roberto Gurgel foi substituído por Rodrigo Janot como Procurador

Geral da República. Em virtude da importância do assunto, era esperado que o julgamento

fosse realizado sem demora, o que não ocorreu. Apenas no dia 21 de novembro de 2013 o

STF pediu ao PGR e à Advocacia Geral da União (AGU) pareceres sobre o assunto. Os

pareceres foram enviados no início do ano de 2014, e os dois se mostraram a favor da

redistribuição dos royalties, negando a inconstitucionalidade da lei. Janot seguiu o parecer de

seu antecessor, e defendeu a manutenção da lei 12.734/2012, mas contrário quanto à sua

aplicação imediata. Já a AGU também defendeu a validade da lei, alegando que, como a

diminuição seria feita gradualmente, não causaria graves problemas financeiros, como havia

sido alegado pelos estados produtores. Essa posição surpreendeu diversos especialistas, uma

vez que havia sido a AGU que orientara a Presidente da República em seu veto à mesma lei.

Com os pareceres enviados, o julgamento já pode ser posto em pauta. Em abril de

2015 foi realizada uma reunião entre os governadores dos estados não produtores com o

Presidente do STF Ricardo Lewandowski e com a relatora da ADI Ministra Carmen Lúcia,

onde os primeiros pressionaram para que o julgamento da ADI 4.917 fosse posto em pauta.

Apesar da expectativa, até o momento a sessão para julgar o caso segue sem data marcada.

O embate dos candidatos a Presidência da República em 2014

A questão da redistribuição dos royalties é muito polêmica, e como é baseada num

conflito federativo e não ideológico, os candidatos evitaram o assunto. A demora para o

julgamento do STF também contribuiu para o silencio, pois tirou o assunto da pauta dos

maiores meios de comunicação, o que pressionaria os candidatos a se posicionarem.

Apesar da ausência dos royalties no debate, dois assuntos relacionados à exploração de

hidrocarbonetos tiveram destaque nas eleições. O primeiro foi o debate entre a ex-candidata à

reeleição Dilma Rousseff e o ex-candidato a Presidência Aécio Neves sobre o modelo ideal

para a exploração de hidrocarbonetos. Aécio Neves defendia a volta do modelo de concessão,

por acreditar que foi com esse modelo que o Brasil conseguiu atrair diversas empresas

estrangeiras para investir no setor petrolífero, que garantiu seu crescimento. Também criticava

particularmente o sistema do modelo de partilha adotado pelo Brasil, que deixa poucas

decisões administrativas na mão dos consórcios que se saírem vencedores das licitações, visto

que a PPSA indica metade dos assentos dos comitês operacionais. Além disso, a

obrigatoriedade da participação da Petrobras pode se transformar em um ônus segundo o ex-

candidato, pois vai exigir grande investimento, algo que a empresa não é capaz de realizar no

momento. Já Dilma Rousseff defendia o modelo adotado pela lei 12.351/2010, alegando que

era importante uma maior participação do estado no sistema de exploração, e também nas

decisões sobre essas explorações, além de garantir um importante crescimento para a

Petrobras.

Outro debate travado foi entre Dilma Rousseff e a ex-candidata Marina Silva. A

segunda defendia um maior investimento em biocombustíveis e outras formas de energia

alternativa. O seu coordenador de campanha, Walter Feldman, também fez críticas à

obrigatoriedade da participação da Petrobras, pela grande demanda de investimentos que isso

geraria. Dilma Rousseff acusou Marina Silva de buscar reduzir os investimentos no Pré-sal,

13

Parecer do Procurador Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos, do dia 8 de abril de 2013,

referente às ADIs 4.916, 4.918 e 4.920, p. 17.

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13

alegando que os biocombustíveis complementam os hidrocarbonetos, mas não os substituem.

Após a eleição de Dilma Rousseff para o segundo mandato, a revisão do modelo foi

cogitada, com o Ministro de Minas e Energia Eduardo Braga alegando ser necessária alguma

mudanças. “O regime de partilha precisa ser revisitado, com a lógica de que a Petrobras deve

ser operadora sempre que for do interesse, não da obrigatoriedade, porque nós não podemos

obrigar uma empresa, sem que ela tenha capacidade física e financeira para tanto.”14

A Presidente garantiu a manutenção dos dois modelos adotados no Brasil, o de

concessão para áreas que não se tem certeza da existência de grande quantidade de petróleo, e

o de partilha para as áreas estratégicas onde se sabe da existência de grandes jazidas. Também

se mostra favorável ao protagonismo da Petrobras na exploração do pré-sal, afirmando que é

importante para a empresa continuar crescendo. Já tramita, no entanto, um projeto de lei no

senado, PLS 131, elaborado pelo Senador José Serra para tirar essa obrigatoriedade de ser

operadora exclusiva e de participação mínima de 30% da Petrobras. Como não haverá novos

leilões nos campos do pré-sal no ano de 2015 o Congresso Federal tem tempo para debater

esse projeto, analisando a atual situação da petrolífera e do mercado de hidrocarbonetos.

A queda do preço do petróleo no mercado internacional

No final de 2014 o preço do barril de petróleo no mercado internacional, que se

mantinha em média entre $105 e $110 desde 2013, começou a cair, chegando a ficar abaixo

de $50 em janeiro de 2015. Apesar de ter se recuperado ficando perto de $60 ao longo de

2015 voltou a apresentar queda em julho do mesmo ano chegando próximo aos $50.

Petróleo Brent dados históricos em dólares15

Data Último Var%

01.07.2015 52.94 -17.46%

01.06.2015 64.14 -3.71%

01.05.2015 66.61 -2.70%

01.04.2015 68.46 18.12%

01.03.2015 57.96 -10.61%

01.02.2015 64.84 15.68%

01.01.2015 56.05 -6.92%

01.12.2014 60.22 -16.01%

01.11.2014 71.70 -18.39%

01.10.2014 87.86 -7.19%

01.09.2014 94.67 -8.26%

01.08.2014 103.19 -2.67%

01.07.2014 106.02 -5.64%

01.06.2014 112.36 2.70%

01.05.2014 109.41 1.24%

01.04.2014 108.07 0.29%

01.03.2014 107.76 -1.20%

01.02.2014 109.07 2.51%

01.01.2014 106.40 -3.97%

Se comparado o panorama atual aos anos em que as leis de alteração na exploração de

hidrocarbonetos foram feitas, 2010 para o modelo de partilha e 2012 as alterações nos

royalties, fica claro a diferença nos contextos históricos. O preço do barril de petróleo teve

crescimento ao longo de todo o ano de 2009 e de 2010, chegando acima dos $100 dólares.

14

Reportagem O Globo; 8 de abril de 2015. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/para-ministro-de-

minas-energia-petrobras-pode-deixar-de-ser-unica-operadora-do-pre-sal-15811429. Acesso em: 14 jul 2015. 15

Fonte dos dados: site br.investing.com; disponível em: http://br.investing.com/commodities/brent-oil-

historical-data. Acesso em: 24 jul 2015.

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14

Esse cenário criou um grande otimismo em relação ao pré-sal, e a estimativa era de elevados

lucros. Com a queda do preço esse contexto se altera, e a certeza da viabilidade financeira de

explorar todos os campos passa a ser contestada. O pré-sal que era vista como uma área que

não apresentava grandes riscos, passa a não ser mais tão atrativo como em 2010, pois se

queda no preço do barril voltar a ficar constante os poços podem não ser mais rentáveis. O

leilão do campo de Libra, onde houve participação reduzida de empresas estrangeiras e o

consórcio vencedor destina a mínima quantidade possível de barris de petróleo a União,

41,65%, mostra que o interesse internacional não foi tão grande como era esperado.

Os royalties também estão sendo afetados por essa diminuição de preço, porque são

calculados com base numa proporção definida em contrato, normalmente 10%, do valor da

produção. Com a redução do custo do barril, também se reduz o valor total da produção e por

consequência os royalties a serem pagos. Essa não era a expectativa de mercado quando a lei

12.734/2012 foi aprovada, com o barril chegando a custar mais de $120 e depois se mantendo

perto dos $110. Com a quantidade de campos explorados crescendo no Brasil e com a

expectativa da exploração do pré-sal, a tendência eram os royalties continuarem tendo elevado

crescimento, assim como a participação especial, visto que os campos geravam cada vez mais

lucros. Era com essa projeção de lucro que se pretendia evitar os prejuízos aos estados e

munícipios produtores, pois apesar de ter seus percentuais reduzidos gradualmente, o aumento

do valor total de royalties a ser distribuído ia crescer e essas reduções não significariam menor

arrecadação. Com o barril custando praticamente metade do que custava em 2012, as

projeções das compensações financeiras pagas pelas petrolíferas sofrem inevitável redução, o

que faz as tensões federativas crescerem, já que se torna mais evidente o prejuízo que os

estados confrontantes terão se a lei 12.734/2012 for considerada constitucional pelo STF.

Conclusão

As divisões orçamentárias decididas na Constituição Federal de 1988 foram fruto de

longas negociações, onde diversos assuntos foram tratados concomitantemente, baseado numa

política de equilíbrio. Cada estado foi beneficiado em alguns pontos em detrimento de outros

para que nenhum fosse prejudicado. A alteração de um desses assuntos em separado, como foi

o caso dos royalties e como está sendo a atual reforma do ICMS debatida no congresso, pode

gerar um desequilíbrio entre os entes da federação, e é o que está causando o conflito

federativo. Esse tratamento separado das questões tributárias ocorre pelo receio do Governo

Federal em realizar uma reforma no federalismo fiscal, com temor da União perder recursos.

Recentemente o Governador do estado do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão chegou

a pedir ao Presidente do STF Ricardo Lewandowski que se esperasse a reforma do ICMS que

deve ocorrer no Congresso para julgar as questões dos royalties, mostrando como os dois

assuntos se equilibram. Não cabe, entretanto, ao STF o controle desse equilíbrio e sim ao

Congresso Federal. O papel do STF é decidir sobre a constitucionalidade da lei, e isso não vai

ser alterado por uma reforma no ICMS. O fato do ICMS dos hidrocarbonetos não serem pagos

ao estado de origem é usado como argumento para compensar o recebimento de royalties

pelos locais confrontantes, mas não é o único nem principal motivo. Royalties e ICMS são

apenas duas engrenagens da máquina orçamentária e devem ser alterados junto com toda a

máquina.

A recusa do Governo Federal em se realizar uma reforma tributária aliada a sua

postura omissa na disputa federativa em relação aos royalties, quando não buscou servir como

intermediário nas negociações e barrou qualquer proposta de redução de receitas da União

para compensar as perdas dos estados produtores, mostra o ideal de manter e até aumentar a

politica centralizadora da União, dando pouca independência aos estados. Isso é de grande

utilidade como plano de manutenção de governo, pois se qualquer projeto necessita de apoio

do Governo Federal ele fica em constante visibilidade, servindo como propaganda para a sua

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manutenção no poder.

Os debates entre os candidatos a Presidência em 2014 mostrou as diferenças

ideológicas e partidárias que existem quanto ao modelo energético a ser priorizado no Brasil e

o formato de exploração de Hidrocarbonetos. Marina Silva buscou um caminho menos

tradicional para o setor energético, priorizando as energias consideradas limpas, como os

biocombustíveis e as hidrelétricas. A ex-candidata, seguindo sua imagem de preocupação ao

meio ambiente, falava da importância do petróleo atualmente, mas alegava que ele não seria a

fonte energética do futuro, tanto por sua finitude, quanto, principalmente, por seus elevados

custos ecológicos. Marina Silva não alegou publicamente por uma redução dos investimentos

nos hidrocarbonetos, apesar de ter sido acusada por Dilma Rousseff e Aécio Neves e tentar

reduzi-los, mas que se aumentasse os investimentos nas energias alternativas e priorizasse as

pesquisas nesse setor.

Os outros dois principais candidatos, Dilma Rousseff e Aécio Neves, argumentavam

sobre a importância da indústria de extração de petróleo, entendendo ela como um setor

estratégico para o desenvolvimento econômico do Brasil. Apesar de concordarem com a

importância das energias alternativas como fontes complementares, compreendiam que o

investimento principal deveria se manter na extração de hidrocarbonetos, principalmente após

a descoberta das jazidas do pré-sal e da previsão do Brasil se tornar autossuficiente na

necessidade de petróleo. Os dois ex-candidatos, entretanto, discordavam quanto ao modelo de

exploração desses hidrocarbonetos, principalmente nas áreas estratégicas como o pré-sal.

Aécio Neves, seguindo a ideologia de um Estado com poucas intervenções na economia,

defendida pelo seu partido PSDB, pregava pelo retorno ao modelo de concessão para todos os

campos, pois foi esse que atraiu as maiores empresas estrangeiras para investir nas jazidas do

Brasil, alavancando o crescimento do setor. Além disso, Aécio Neves fez duras críticas a

obrigatoriedade de participação da Petrobras além dessa ser a operadora exclusiva, pois além

de afastar ainda mais as grandes empresas do setor, também obriga a Petrobras a realizar

grandes investimentos, indo em direção contrária a política atual da empresa de cortar custos.

Dilma Rousseff, por sua vez, defendia a manutenção do modelo de partilha decidido pela lei

12.351/2010. Desde a descoberta das jazidas do pré-sal a alteração do modelo foi um dos

grandes objetivos do PT, acreditando na positividade de participação do estado nas decisões

de exploração do petróleo, pela importância do setor para a economia nacional. A Presidente

também alegou que os campos do pré-sal não apresentam grandes riscos para a exploração e

que, portanto, o lucro do governo deve ser maior, o que se consegue através do modelo de

partilha. Por fim alega que a obrigação da participação da Petrobras não é um ônus para a

empresa, mas uma garantia do crescimento da mesma.

Após mais de seis anos desde que o assunto da redistribuição dos royalties começou a

ser tratada no Congresso Federal, e mais de dois anos que ela foi pro STF, o conflito continua

sem um desfecho. Tendo como base a ADI 4.917 pode se fazer um panorama dos possíveis

desfechos. Caso a primeira tese da ADI seja aceita, que alega a violação do art.20 § 1° da

Constituição Federal, qualquer mudança na distribuição de royalties, seja de contratos já

válidos ou futuros, será considerada inconstitucional. O Supremo também pode entender que

fere o princípio federativo alterar apenas os royalties, e alegar que é necessário reformular

outros meios de arrecadação. É através dessa tese que o Governador Luiz Fernando Pezão

pediu para o STF esperar a reforma do ICMS.

Outra possibilidade, a que seria um meio termo entre os dois lados, é entender apenas

a segunda tese como inconstitucional, que alega pelo principio do direito adquirido, da

segurança jurídica e da segurança orçamentária na alteração da distribuição dos campos já

licitados. Dessa maneira apenas os novos contratos teriam alteração na distribuição dos

royalties, diminuindo o crescimento dos estados produtores mas evitando prejuízos, e

aumentando a receita dos não produtores, mas de maneira inferior e mais a longo prazo. Esse

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Departamento de Ciências Sociais

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caso pode ser menos vantajoso para os estados não produtores se o preço do barril de petróleo

continuar caindo e colocar em risco a rentabilidade de futuros campos.

O STF ainda pode entender que toda a lei é constitucional. Nesse caso ela poderia ter

aplicação imediata ou ter um período antes de ser aplicada, entendendo que os orçamentos

futuros já estão traçados com a expectativa dessa receita. De qualquer maneira será necessária

uma alteração prática na lei 12.734/2012 que traça uma redução progressiva desde 2013 até

2020. Como essa redução ainda não ocorreu os prazos terão que ser modificados. Além disso

ela foi pensada num panorama que se esperava grande crescimento dos royalties e por isso os

prejuízos seriam reduzidos. Se o preço do petróleo continuar como está ou diminuir ainda

mais esse panorama é alterado e o prejuízo dos estados produtores será superior ao previsto,

tornando mais necessário um tempo maior para a aplicação da lei.

Com a demora a entrada de pauta da ADI 4.917 o julgamento vai ocorrer num

contexto diferente daquele onde a lei foi aprovada. A redução no preço do barril, que torna

menos atrativo investimentos nas jazidas do pré-sal, e o aumento do endividamento da

empresa afetando o seu plano de investimento, que já apresentou um plano para reduzi-los,

preocupam quanto a futuros projetos de extração de hidrocarbonetos. O retorno da questão da

obrigatoriedade de participação da Petrobras nos campos do pré-sal a pauta do Senado Federal

mostra que o assunto ainda trás outras incertezas, além de acentuar as disputas partidárias e

ideológicas quanto à participação do Estado na economia. A lei 12.351/2010, que decidi o

modelo de partilha, foi definido num contexto onde a imagem da Petrobras e sua capacidade

de investimentos eram superiores, e por isso a obrigatoriedade de participação da mesma.

Além disso, o alto preço do petróleo trazia a ilusão que os campos do pré-sal eram negócios

extremamente rentáveis que deveriam atrair interesse de diversas empresas. O barril em baixa

no mercado internacional e a rigidez do modelo de partilha adotado pelo Brasil, onde as

empresas assumem os riscos e tem pouco poder de decisão na exploração, pode afastar uma

grande quantidade de concorrentes das licitações.

Mesmo após o julgamento do STF o assunto ainda pode se estender. Se a decisão for

contrária aos estados não produtores esses podem tentar uma emenda constitucional, e por

serem maioria tem grandes possibilidades de aprovarem. Da mesma forma, se a decisão for

contrária aos estados produtores estes podem requerer mudanças em outras formas de

arrecadação, como tributos e até mesmo royalties da mineração ou de hidrelétricas. Se o

debate retornar ao Congresso a tendência é retornar o conflito federativo, que não permite

debate de ideais, mas apenas disputas regionais, onde a maioria se torna vencedora. Para se

manter o pacto federativo é necessário que o assunto seja negociado num consenso, onde os

estados não busquem se prejudicar mas, em sintonia, voltar a ter suas proporções de

arrecadação aumentando perante a União e os Municípios, buscando retornar a

descentralização que propunha a Constituição Federal de 1988.

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