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    Representações sobre o exu, noção de pessoa e identidades: contribuições para uma discussão 

    do ponto de vista antropológico Adriane Luisa Rodolpho*

    O presente artigo trata das repre-sentações acerca da entidade exu nouniverso da umbanda cruzada  ouquimbanda e propõe um a análise a par-tir da noção de pessoa e da discussãosobre a construção de identidades soci-ais. Essas representações caracterizamum personagem, construído de falas edescrições dos praticantes do culto,com contornos que às vezes repetem,outras não, o modelo típico do exu esua companheira, a pombagira, comobandidos, prostitu tas ou diabos.

    A noção de pessoa é um conceitoantropológico, assim percebido:

    Em todas as sociedades são confe-ridas identidades ao ser humano;mas a definição desta identidade émarcada pela noção filosófica, jurí -dica e religiosa da personna, quan-do “pessoa” significa de início a

    máscara teatral, o papel social. Nas duas casas de religião pesqui-

    sadas, ambas cruzadas,  encontramsemuitas semelhanças, mas igualmentealgumas diferenças bastante marcan-tes. Em apenas duas casas, observeivários aspectos tanto em relação aos

    ritos quanto aos mitos e narrativasreferentes aos exus e pombagiras.Entretanto, essas diferenças não são

    substanciais; referemse, antes, a gra-duações ou ênfases próprias à estru tu -ra da umbanda,  especificamente.

     Neste sentido, a quimbanda   ouumbanda cruzada pode ser referencia-da dentro do universo da umbanda,  enesta

    [...] não há uma codificação rigoro-sa nem da seqüência do ritua l nemdo conjunto de crenças, estando,tanto a dou trina quanto a práticareligiosa, muito sujeitas às prefe-rências e ao que se pode cham ar de

    estilo pessoal do chefe do terreiro,apesar da existência de várias fede-rações de Umbanda, tanto a nívelnacional, quanto regional [...] Ape-sar, portanto, da ausência de for-malização rígida, há, evidentem en-te, muito em comum entre essesvários centros religiosos, daí a

    denominação única de Umbanda. O que se pode dizer é que há certos

     posicionamentos pessoais dos che-fes que tornam a Umbanda elásti-ca e flexível a inovações e, aparen-temente, fazem com que os terrei-ros, numa abordagem superficial,

    sejam divergentes en tre si. Não há,além disso, apesar da extensa lite-ratura doutrinária, algo que seja

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    unanimemente aceito pelos chefescomo uma legislação obrigatória eque se imponha de forma decisiva.Talvez as palavras da auto ra citada

    acima possam ser um tanto exagera-das; encontrase nestas religiões umsubstrato comum o que permite quese possa falar de uma formação religio-sa específica como a quimbanda  comdiferenciações bastante interessantes,como, por exemplo, na casa da mãe-de- 

     santo que pratica a quimbanda de lado 

    candomblé  (palavras suas), onde existeclara referência à astrologia, aspectoque não identifiquei com relação aosoutros informantes.

    Os exus, além de espíritos de pes-soas que viveram, são também conce-

     bidos como “elementares da natureza”e se relacionam ao planeta Terra. Em

    relação aos orixás, cada um dos sete ori xás maiores se relaciona a um planeta,regendo determinados e específicos sig-nos do zodíaco, a saber: Oxum (Vênus)rege Touro e Libra; Xangô (Júpiter),Sagitário; Ogum (Marte), Aries eEscorpião; Odé (Mercúrio), Gêmeos e

    Virgem; Xapanã (Saturno), Peixes eCapricórnio; Iemanjá (Lua), Aquário eCâncer e Oxalá (Sol), Leão. Ainda, estaé uma das maneiras pela qual a mãe- de-santo define o santo de cabeça das pessoas, ou seja, a partir da data de nas-cimento.

    Do mesmo modo que uma pessoa

    tem um orixá que rege sua cabeça eoutro seu corpo, cada um possui, igual-mente, um exu e uma pombagira rela-

    cionados aos pés e pernas. Esta é umaconcepção generalizada entre os prati-cantes.

    A idéia corrente no templo da mãe- 

    de-santo é a de que os exus são os men-sageiros dos orixás ou, ainda, “escra-vos”, trabalhadores. A idéia geral doexu enquanto servo, mensageiro e tr a -

     balhador é compartilhada também pelo pai-de-santo da outra casa de reli-gião, que ressalta a rapidez destas enti-dades na solução dos problemas que se

    apresentam . Segundo ele, o núm ero deexus é quase infinito, e cada um tem oseu significado. Todo exu pode vir a ser“chefe de um a casa”, de um a terre ira, egeralmente seus nomes se referem aespaços que seriam seus domínios:

    Cada exu desses tem um significa-do... Um exu manda no cruzeiro,outro no canto do cruzeiro, outromanda no mato, outro no campo,outro na lomba, um manda quase

     perto da porta, outro manda na por-ta, outro depois da porta, outro nomeio do cemitério, um manda noforno, outro manda na catatumba,

    outro no buraco... beira de cruzei-ro, cruzeiro de praia, beira da pra-ia, cruzeiro de campo, de mato... eassim vai.A referência aos locais é dada por

    alguns nomes: Exu Tranca Rua, ExuSete Encruzilhadas, Exu do Lodo, ExuSete Catatumbas, Exu Sete Porteiras,

    etc. Ainda, a referência ao espaço físicoé assim explicitada por um  filho-de- 

     santo,  relacionando topografias e

    mKl?

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    cores:O meu exu é o Exu Tiriri. Ele é umexu do cruzeiro. Pra ele se matagalo vermelho e preto [...] Porexemplo, o exu que é o chefe domeu exu, o chefe do Tiriri, que é oexu da madrinha [sua mãe de santo], que é o Exu Sete Calunga, queé da calunga, ele é um exu que res- ponde no cemitério, prá ele já semata galo preto. P ra minha pombagira é galinha preta. Tem casas que

    matam pra pomba gira galinha ver-melha [...] Então, o que difere aí dacor do bicho é aonde que eles res- pondem, uns respondem no cemi-tério, outros respondem no cruzei-ro, então o cemitério é o Povo dePreto, e do cruzeiro a gente chamado Povo Vermelho e Preto [...] Temaquele povo que só responde noPreto, que é o Povo de Cemitério.Basicamente, os exus e as giras são

    tidos como o  Povo da Rua,  e vemosaqui uma clara referência ao aspectodo trabalho: o exu é o trabalhador, ele éo Senhor dos Caminhos. O  pai-de- 

    santo nos explica da seguinte forma:Por exemplo, Xangô não pode fazertudo sozinho. Eu preciso de algo e peço para Xangô, e ele vai me a ten-der. Só que se sai este monte de san-to, quem vai cuidar da casa? Então,saem os exus para a rua. Eles tr a -

     balham para o santo.

    Aqui, observase um ponto conver-gente entre o batuque e a umbanda cruzada: os exus trabalham para os orixás

    {batuque)  e para os caboclos (umbanda ). Outra informante, filhadesanto,relata de igual maneira esta hierarquiana umbanda cruzada que pratica: “por  que um caboclo vai fazer algo se pode mandar o exu fazer o serviço?”.  Aomesmo tempo, ela se refere à “necessi-dade” destas entidades e relembra afrase de um ponto cantado: “Vou man-dar chamar meu povo, lá nas seteencruzilhadas, vou mandar chamarmeu povo, sem exu não se faz nada”

    (grifo meu). Este ponto é também can-tado nas duas casas de religião pesqui-sadas.

    Esta “necessidade” a que a filha de  santo se referia pode ser entendida nãosó pelo aspecto da solicitação a rapi-dez e a perícia do exu em resolver os problemas como igualmente pela pró-

     pria visão que as pessoas de religiãotêm com relação à entidade. Neste sen-tido, todos os informantes são unâni-mes em afirmar que os exus foram pes-soas que viveram e devem “purgar”seu carma, num certo sentido. Existeum a clara referência à noção kardecis- 

    ta  de evolução e desenvolvimento dosespíritos, de “aprimoramento de sua luz”. D esta forma, no espiritismo,

    a noção de carma afirma quenenhum fato moralmente signifi-cativo se perde ao longo das encar-nações. [...] A encarnação ou, emoutros termos, a vida humana e

    social, surge assim como o lugaronde se sofre e se modifica o carma,onde “ganhamse ou perdemse

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     pontos”, no exercício do livrearbítrio relativo que define ohomem.O  pai-de-santo  especifica melhor

    este tema, quando se refere à hierar-quia entre os exus. Segundo ele, enti-dades como a Pombagira Maria Padilha, por exemplo, já pagaram suasmazelas há muito tempo. No caso deum trabalho a ser realizado, ela desig-naria outros exus para a resolução detal ou qual demanda. Já a filhade

    santo completa esta noção, afirmandoque os exus são “entidades de luz”, por-que, de outra maneira, não poderiamvir para trabalhar. Seria nesta tarefa o trabalho que os exus “desenvolveri-am seus espíritos”, “adquirindo mais e mais luz ” e evoluindo.

    Outra informante, também mãe- de-santo,  complementa a afirmaçãodaquela filha-de-santo. Segundo ela, seo exu chega para trabalhar, é porquetem luz ou está à procura desta (sinalde que sabe que precisa se desenvolver,doutrinarse e trabalhar). Nessescasos, mesmo que seja uma sessão de

    umbanda “branca”, onde a hegemoniado culto é de caboclos e pretos velhos, eonde geralmente o exu não é bemvisto, ele não deve ser convidado a re ti-rarse: os dirigentes devem permitirque ele fique, para que possa ser “doutrinado”.

    Exu: elemental da natureza 

    ouegum?

    Uma questão referida anterior-

    mente diz respeito à noção de os exusserem concebidos como “elementaresda natureza”, além de terem sido pes-soas que viveram. Das mais variadas

    fontes de informações das quais dispus(entrevistas com dirigentes de casas dereligião, as quais freqüentei durantetodo o desenvolvimento da pesquisa;“povo da religião”,  filhos  e  pais de 

     santo  de casas visitadas ou não; diri-gentes de federações de umbanda),sempre é feita alguma referência aos

    exus e às forças elementares da natu-reza. Prossigamos por partes.

    A primeira referência que obtivesobre o assunto foi dada por um a mãe de santo. Segundo ela, os exus são rela-tivos ao planeta Terra (“o exu é Terra- Terra”).  Esta afirmação referiase aofato de os exus serem as entidadesmais próximas “da matéria”, domundo dos humanos, por assim dizer.Os exus teriam humores, vontades,seriam irascíveis ou dóceis como osseres humanos. Como todos os orixás,seriam relativos a um planeta, no caso,o mais próximo de nós, mortais: a Ter-

    ra. Por este motivo, para os exus não sesacrificariam aves que voam, como a pomba, por exemplo, segundo estamãe-de-santo. Estas seriam exclusivasdos orixás é o símbolo de Oxalá queestão “nas alturas” (e que são conside-rados como hierarquicamente superio-res aos exus).

    Uma mãe-de-santo  nos forneceuma concepção bastante interessante,no mesmo sentido:

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    Exu é plano Terra, no caso a Terra,né? Sem tu poderes adubar a Ter-ra, que no caso seria adubar pra 

     Exu,  tu não poderias chegar até o

    Bará, porque ele já está centraliza-do na Terra. O exu é um plano na Terra.  Por que ele faz o bem e omal? Porque ele tem sempre planos, ele faz parte da Terra. O Bará já foium exu, ele adquiriu a sua luz,então ele já está centralizado naTerra, ele já é o dono da Terra.

    O exu, neste sentido, estaria mais difuso...

    “Exato, ele ainda não conseguiu seequilibrar, canalizar ali, se firmar.”  E os orixás não seriam só do 

     plano da Terra ?

    “Não, eles já estão num outro p la-

    no, eles já atingiram todinha anatureza, não só a Terra.”Temos aqui um a referência à terr i-

    torialidade do Bará, que, enquanto ori-xá, já está “centrado”, delimitado, defi-nido. Diferentemente dele, o exu apre-senta o caráter difuso dos planos m ate-riais, o que igualmente explica seu cará-

    ter: o bem e o mal são planos que, difu-sos, podem se sobrepor ou se alternar.O exu não “se canaliza”, “se firm a” ou“se equilibra”. O Bará enquanto orixáé hierarquicamente superior em “luz”, o seu plano é outro, ele está “centralizado”.

    Para um outro  pai-de-santo,  énecessário que nos detenhamos nanoção de “axé”,  este seria o princípiovital, algo como a essência das forças

    da natureza, os elementais componen-tes de tudo e do todo: ar, água, fogo eterra. Os vários reinos animal, vege-tal e mineral seriam compostos des-

    tes elementais, e, neste sentido, oassentamento das entidades (sejam ori-xás ou exus) darseia pela condensa-ção desta energia primeva num acutá ou imagem e pela canalização destaenergia, via eguns,  no fenômeno dotranse possessivo. O transe seria, por-tanto, a manifestação desta energia na

    matéria.Uma concepção bastante seme-

    lhante é fornecida por um dirigente defederação umbandista. Segundo, ele,

     para os africanistas, o que “se recebe” na realidade são eguns. Longe dos este-reótipos mais simplistas que conferem

    aos eguns um caráter maléfico, trans-tornado, de espírito sem luz dos quaisdevemos nos afastar, o egum é concebi-do aqui como um canal, como a viabili-zação da manifestação destas forças danatureza compreendidas por nós como“entidades”. Neste sentido, o exu agi-ria na faixa vibratória do Bará, o orixá

     possibilitador de toda comunicaçãoentre o mundo sagrado e o profano.Agindo nesta “faixa”, o exu fariadesencadear o processo de incorpora-ção destas forças, estando o egum  “en-costado” numa determinada pessoa, àqual ele transmitiria a energia (dealgum orixá ou caboclo).

    Ainda, o exu seria o responsável pelo trabalho no nível mais baixo do“as tral”, no nível mais renegado do cos

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    mos: “o restolho do universo, onde  ficam os espíritos sem luz, os quium- bas, os avarentos, os m aus”.  O exuseria a única entidade que lá poderiachegar e trabalhar ao contrário doscaboclos e pretos velhos, por exemplo.O exu teria a capacidade de “disfarçar  a sua luz”, atingindo a faixa vibratóriados espíritos sem luz; a luz em dema-sia, ainda segundo este informante,cegaria estes espíritos conturbados, enão se poderia atingilos. Como a orixá

    Iansã, que se transforma em animal, baixando sua energia vibratória para poder comandar os eguns, os exus ter i-am esta mesma capacidade, a de podertrabalhar neste campo de “baixoastral”, ajudando estes a se desenvol-verem.

    O que temos em comum nestas

    representações é a idéia de exu- elemental, noção esta bastante peculi-ar encontrada nos níveis mais oficiaise/ou eruditos, mas que, igualmente,aparece nas representações dos prati-cantes cotidianos da religião. Nestesentido, pareceme que isto representaum a noção mais aproximada à filosofiaafricana.

    Retomando a questão da concep-ção do exu enquanto “alguém que viveu”,  é uma noção generalizadaentre os informantes. Os exus,enquanto seres que já viveram neste planeta, encontramse bastante próxi-

    mos da realidade terrena. Não apenasisto; os exus são tra tados como “gente”(num sentido muito próximo, quase

    que íntimo); eles "entram",  “ saem”,“vão ao cruzeiro, à lomba”, “comem pri

    meiro”,  entre tantas outras referênci-as correntes entre as pessoas da reli

     gião. A sua “imortalidade” é muito pró-xima da nossa mortalidade, e Heráclitomesmo já se referia aos Deuses comomortais imortais, e aos Homens comoimortais mortais...

    As narrativas dos informantes arespeito das “vidas” que as entidadestiveram são muito interessantes, vari-

    ando, porém, bastante; existe ainda a possibilidade de a entidade fazer o fielsaber sobre ela através de sonhos, sina-is ou se manifestando no filho-de-santo e contando suas passagens (ou eventosvivenciados pelo espírito). Entretanto ,a questão das mortes trágicas é recor-rente em todos os relatos, e, neste sen-

    tido, o aspecto da “purgação” de vidas passadas é objetivada no trabalho queestas entidades desenvolvem. Este t ra - balho, espiritual, de ajuda e caridade, éa via de desenvolvimento tanto da en ti-dade (que vem à terra “trabalhar” naresolução dos problemas dos mortais)quanto do filhodesanto (que empres-ta seu corpo à entidade, que é assíduoàs sessões semanais, que “trabalha” nareligião).

     Neste sentido, a categoria traba-lho tem um valor bastan te positivo naconcepção deste grupo, até porque eleestá estreitam ente ligado a uma noção

    evolutiva, de desenvolvimento e dou-trinação, noções estas comuns aoutras matrizes ideológicas presentes

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    na sociedade brasileira e elaboradasde maneira especial por este segmentovinculado às religiões afrobrasileiras.O exu trabalhador é como todos nóssomos: humanamente divino ou divi-

    namente humano... A Terra, enquan-to espaço físico e simbólico, é o planocomum a todos nós, que sofremos,rimos, cantamos, tem os vícios, enfim,trabalhamos e nos divertimos numinterregno sagrado/profano de muitaproximidade.

    O diabo, o malandro, a prostituta

    As representações sobre os exusencontradas na litera tura são bastan teinteressantes: enquanto alguns auto-res realçam a noção “trikster” de exu,outros chamam a atenção para asrepresentações do exu malandro,

    beberrão ou ainda para a vinculação doexu ao diabo cristão. Detenhamosnospor instantes nestes aspectos ressalta-dos pelos mais diversos autores.

    Roger Bastide, analisando a figurado exu no âmbito do candomblé,  res-salta o fato de que, segundo a mitolo-

    gia, Exu seria irmão de Xangô, Ogum eOxóssi, sendo, portanto, um orixá. Amitologia nagô apresentada por JuanaElbein dos Santos igualmente acentuao aspecto divino de Exu, ressaltando ocaráter especial deste orixá em relaçãonão apenas ao panteão nagô, como emrelação a toda a e stru tura cosmológica

    do candomblé.Entretanto, é importante salien-

    tar, antes de prosseguir, que, no caso

    específico das religiões afrobrasileirasno Rio Grande do Sul, o panorama quese apresen ta é bastante diferenciado. Amanifestação religiosa mais aproxima-da ao candomblé, neste Estado, seria o

    chamado batuque  ou nação.  Só pode-mos falar em termos de “aproximação”entre muitas aspas. A semelhança tal-vez se restrinja ao fato de que emambas candomblé  e batuque -  são cul-tuadas as divindades orixás.

    O batuque  no Rio Grande do Sul

    apresenta um a especificidade bastantemarcante com relação seja ao candomblé,  seja ao tambor de mina  ou ao

     xangô do recife. A própria constituiçãodo panteão se faz a pa rtir de orixás dife-rentes: no batuque são homenageados

     basicamente doze, de Bará a Oxalá tBa-rá, Ogum, Iansã ou Oiá, Xangô, Obá,

    Odé, Otim, Ossanha, Xapanã, Oxum,Iemanjá e Oxalá). Em outros momen-tos nos referimos à relação existenteentre os exus e o Bará e Ogum. Demomento, é importante ressaltar queno batuque “puro” os exus, não fazem

     parte do panteon. O orixá Bará é o res-

     ponsável por várias representaçõescomuns aos exus, como, por exemplo, odomínio sobre os caminhos (é o Senhordas Chaves), abrindoos ou fechandoos. E a entidade do movimento, doacontecer, e nenhuma cerimônia é ini-ciada sem que sejam rendidas as devi-das homenagens ao Bará. E o primeiro

    dos orixás, e a ele é consagrada a casi-nha vermelha típica defronte das casasde religião. Junto com Ogum, garante

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    a segurança da casa. Por estes poucosaspectos, podemse perceber as corre-lações existentes entre os barás e osexus: enquanto estes inexistem no

    batuque, algumas de suas proprieda-des, entretanto, são atribuídas àque-les. Talvez por isso mesmo, nas casasque realizam o batuque  e a umbanda exista a correlação exubará e baráexu.

    A noção de Bará, no batuque, é emalguns aspectos semelhantes ao exu do

    candomblé,  entendido enquanto umorixá. Este pode ser outro aspecto queauxilie n a estre ita correlação existenteentre estas denominações: sejaenquanto entidade da umbanda ouorixá no batuque, a entidade é a

     propuls ionadora do acontecer, doinício, dos caminhos. Com relação aobatuque,  podemos resumir nestesaspectos as representações comuns,uma vez que o caráter malandro oudiabólico que o exu possa vir a ter naumbanda  ou na quimbanda  inexisteno batuque com relação ao Bará.

    Refirome aqui à representação do

    exu enquanto liminar. Nesta acepção,o exu é visto como o ambíguo“p e r ig o so não queira cair nas “más 

     graças”  de um exu; se algo lhe é prometido, deve serlhe dado, sob orisco de o exu vir “cobrar”  numcruzeiro, seu domínio. Este caráterliminar   também é responsável pela

    relação de identidade, frágil, que seestabelece en tre os exus e os filhos-de- 

     santo: os exus não são “donos da

    cabeça”,  a eles geralmente não sedesigna como “p a i”,  como ocorre nobatuque. Neste sentido:

    Isto é, a relação com o exu não

    d e m a r c a u m t e r r i t ó r i o d eidentidade. Tratase de um laçofluido, relação nômade, que podese romper a qualquer momento.Daí por que todos os cuidados comos exus nunca são poucos.Estas características liminares dos

    exus são observadas em um a das casas

     pesquisadas e entre os relatos dosdemais informantes: os exus bebem,alguns dizem palavras obscenas,enfim, comportamse antes como“compadres”, íntimos. E importantesalientar que nesta casa de religião,

     bem como nos depoimentos sobre ascasas dos demais informantes ,

    encontramos uma ênfase nos rituaisde batuque.  Todas as casas possuemrituais diferenciados de batuque ounação.

    Acredito que este aspecto possa sere v o c a d o n u m m o v i m e n t o d erealocação simbólica que encontramos

    na casa da mãe-de-santo  com relaçãoàs demais casas. Aqui, as pessoasdirigemse ao Exu Tiriri enquanto“p a i”,  este exu nunca é tido como“m au ” ou “perigoso”, pelo contrário, aentidade é vista como “ju sta ”.  Nestesentido, o poder da entidade éreconhecido como capaz de “destruir a 

    vida de a lguém ”,  mas nunca comoum a atitude gratuita: “como justiça, o exu pode fazer dano”, diz um filho-de-

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    santo.  O carisma desta entidadetambém foi observado nas expressõesda assistência, inúmeras vezes, ao vero “Seu Tiriri chegar na Terra”.  Oespaço simbólico destinado ao ExuTiriri nesta casa de religião ésignificativo: é esta entidade quecoordena o ciclo ritual observado, alémde ser responsável pelas “consultas”durante as tardes de segundafeira edurante as sessões rituais realizadas ànoite. Este aspecto é mais significativo

    ainda quando lembro que a “entidade chefe da Casa”  é o Caboclo ArrancaToco, e que nunca presenciamos,durante todo o decorrer da pesquisa,nenhuma manifestação do Oxalá,orixá da mãedesanto, pelo lado danação.

     Neste sentido, acredito que, nas

    casas onde o batuque encontrase maisreferenciado, os exus ocupam umapostu ra l iminar,   com todos osatributos que digam respeito a estacaracterística. Por outro lado, na casada mãe-de-santo  os exus não figuramcomo liminares,  mas apresentam,

    antes, uma posição bastante peculiar,como referido mais acima. Estedeslocamento, obviamente, ocasionarátantos outros, como os atributoscaracterísticos dos exus em ambas ascasas e suas posições mais centrais ouliminares.

    E neste sentido que acredito

    ocorrer esta realocação simbólica deelementos na casa da mãe-de-santo, uma vez que a estrutura religiosa se

    mantém. Nas religiões afrobrasileirasobservamos que a estrutura édinâmica o suficiente para umar e a l o c a ç ã o s i m b ó l i c a q u e ,efe t ivamente , dá conta destasdiferenças.

    Retornando a Bastide (1961), esteexplicita a paulatina associaçãorealizada entre o exu e o diabo cristão.Esta relação, que ocorre com o orixá nocandomblé, encontrase igualmente naquimbanda.  As imagens de exus

    encontradas em casas de religiãofreqüentemente apresentam a corvermelha, o aspecto demoníaco doschifres, o ar de malícia e as patas de

     bode. Outras imagens, representandooutros exus e giras, podem apresentaroutras característ icas: os seiosdesnudos e as pernas à mostra

    (identificando a prostituta) ou ainda osemblante de uma caveira junto a umcaixão. A mãe-de-santo  referese àexistência dos chifres nas imagensenquanto símbolo de força: “Como os cabritos, pega-se pelos chifres para  imobilizá-lo, é lá que reside a força do 

    animal”. Bastide chama igualmente aatenção para o fato de que os chifresnão são senão símbolos do poder eda fecundidade [...]. Na Bahia,todavia, ninguém se lembrou deq u e t a m b é m M o i s é s érepresentado com chifres, só se

     pensou no diabo dos referidos

    cromos católicos.O caráter de associação com o

    diabo cristão também é atestado por 

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    Liana Sálvia Trindade:A identificação do Exu com o diabono s is tema umbandis ta t razimplícita a invocação das práticas

    mágicas da divindade africana,re fe r idas t an to ao passadohistórico quanto ao presente.Sobre esta associação, assim se

    refere um pai-de-santo:“As pessoas dizem que o exu é odiabo. Não é...Mas as imagens reproduzem as

    guampas, a cor vermelha...“Mas quem te garan te que o diaboé assim? O diabo é um homem,muito bonito. O número dele é666, e o nome dele é Roberto. Porincrível que pareça... Ele é ohomem mais lindo, ele seduzqualquer mulher... ”Esta identificação dos exus e do

    diabo cristão é datada historicamente:o branco que via os negros rendendohomenagens às suas ent idadesacreditava que, uma vez que eles nãorezavam para deus, só poderiam estarr e z a n d o p a r a o d i a b o . E s t e

    maniqueísmo simplista e eivado de preconceitos levou, num certo sentido,a que os negros incorporassem estarepresentação, mantendoa enquantoelemento de poder e resistência frenteàqueles que, se não os respeitavam,entretanto os temiam. Contudo, comoveremos mais adiante, estes fatores

    apenas não são suficientes parac o m p r e e n d e r o s e n t i d o d a srepresentações das imagens dos exus.

    Podemos nos deter agora as repre -sentações acerca das pombagiras,caracterizadas, geralmente, como pros-titutas. Sua bebida preferida é a cham-

     panha (ou a sidra de maçã...), sua refe-rência é a volúpia, os olhares malicio-sos, o levantar de saias, a gargalhada.Os simbolismos referemse a umamulher que, basicamente, vê nos prazeres da vida a maneira de ser e agir.

     Na maioria dos casos, sofreu por amo-res, teve um a vida difícil e morte trági-

    ca. E um a mulher que optou por viveràs margens de um modelo convencio-nal: da moral, da vida regrada, da famí-lia. E ntretan to, sua tarefa é fazer a cari-dade, agora num outro plano. Esta

     pom bagira é entendida enquanto liminar, como referido mais acima, e, nestesentido,

    uma característica importante do“tipo” pombagira é a forma comoesta exerce a sua condição de “mu-lher da rua”. As pombagiras, nessee em outros terreiros, costumam seapresentar de forma tal que se dáinteiro destaque à sua condição de

    “mulheres oferecidas” são quasesempre “abusadas”, mantendocom o público uma permanente a ti-tude de voracidade: pedem cigar-ros, cachaça e sempre frisam quequalquer beneficio que elas podem

     propiciar a seus clientes só será con-cedido mediante pagamento.

     Na casa da mãe-de-santo,  comoreferido acima, tanto exus quantogiras não apresentam este caráter de

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    “extroversão” típico das representa-ções liminares  destas entidades. Pelocontrário, os exus e giras recebemcigarros da cambona,  dirigemse ao

    público de maneira discreta, quandoestes, individualmente, solicitam “confortos”  ou “c o n s u l t a s Geralmenteexus e giras ficam emitindo grunhidos,torcendo as mãos ou soltando algumaspoucas gargalhadas.

    Falando com algumas pombagirasdurante um ritual, elas nos relatam

    sua trajetória de vida: geralmenteeram mulheres que, prostitutas, emvida eram boas e solidárias. Aliás,encontrei esta mesma representaçãoentre um grupo de prostitutas: a ênfa-se do discurso apontava para o aspectode que a atividade profissional à qual

    haviam se dedicado poderia não ser,por assim dizer, “correta ”, mas isto nãodeveria querer dizer que eram “mulheres sem coração”.  Uma delas afirmanos: "Nós  somos a mãe brasileira", quando a rede de solidariedade atua,pagando refeições para os meninos derua, ajudandose mutuamente em

    casos de necessidade.Os exus e giras observados nas

    duas casas, como referido mais acima,variam bastante. Enquanto em umadas casas os exus e giras bebem,fumam, lançam olhares maliciosos,dizem palavras obscenas e todo o res-tante do estereótipo mais liminar   egeneralizado atribuído a estas entida-des, na outra casa pesquisada as enti-dades não bebem durante as sessões

    semanais, fumam, são mais contidas, eos exus apresentam mais geralmente oaspecto dos grunhidos e das mãos cris-

     padas (isto também se encontra na pri-

    meira casa).Observase, portanto, paralela-mente uma diferenciação que resume

     bem o panorama das casas de umbanda cruzada em Porto Alegre: o "tom" édado pelo dirigente da casa. Para asegunda casa, a mãe-de-santo é enfáti-ca: “Lugar de exu beber é no cruzeiro”. 

    A ênfase aqui é na doutrinação das en ti-dades que farão parte de sua casa; os

     filhos  desenvolvendo suas entidadessegundo orientações do pai ou mãe-de- 

     santo ao qual estão vinculados duranteo processo de “feitura de seu santo” ou“apronte de seu exu”.  Desta forma,

    nesta casa, os exus e giras que sedesenvolvem não apresentam o referi-do caráter liminar.

    Já em outra casa que apenas visita-mos, observamos uma prática nãocomum às outras duas casas. Após rece-

     ber sua gira, a mãe-de-santo  solicitouaos presentes que trouxessem “as suas 

    c o i s a s roupas, brincos, sapatos,maquiagens etc. Após isto, vestiuse, esó então começaram as consultas e ores tan te da sessão.

    Desta forma, encontramos algumasdiferenças entre as casas, variando deacordo com suas orientações próprias.Entretanto, é importante salientar queas diferenças apresentadas (como asanteriormente citadas: fazer ou não o"chão", aproximarse mais ou menos de

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    outras formas de esoterismo, comoastrologia, por exemplo) são decorren-tes do caráter mais fluido, menos orto-doxo da umbanda cruzada.  Este cará-

    ter, contudo, não deixa de revelar umaunidade intrínseca a esta religião,sendo estas diferenças encontradasnum nível mais superficial e nãocomprometedor da unidade do culto.

    A análise antropológica procura,assim, contribuir com o estudo das reli-giões a par tir de um olhar que chama a

    atenção para o aspecto simbólico dasconstruções humanas. No âmbito daetnografia, podemos perceber a cons-trução de espaços e tempos simbólicos,marcados por rituais e representaçõesacerca da realidade cotidiana e sua liga-ção com o cosmos. Como Geertz, pode-ríamos falar em ethos e visão de mun -do. As identidades são assim, vivenciadas e definidas pelos membros destesgrupos religiosos de forma singular,numa dinâmica que escapa aos padrões mais essencialistas. A noçãode pessoa assim construída e vivenciada aponta para um sujeito ativo, que

    age a partir de seu saber religioso nomundo.A noção de pessoa aqui é, ao

    mesmo tempo, múltipla e singular,um a vez que a lógica de identidade e dediferença é adm inistrada de uma m ane-ira especial e específica neste grupo reli-gioso. Ora, nos rituais de iniciação o

    filhodesanto desenvolve seus orixás esuas entidades, e estes vão ajudálo adesenvolverse enquanto ser humano

    e social. Tratase de um desenvolvi-mento tanto material quanto espiritu-al, ou seja, a pessoa é “múltipla”, poisse desenvolve tanto como João da Silva

    quanto como João do Xangô, por exem- plo. Entretanto , esta multiplicidadeguarda em si uma singularidade, umavez que o orixá ou entidade desenvolvi-do pelo filho de santo é única, é o seuXangô (caboclo ou orixá), é o seu Tiriri(exu) que ele vai apresentar duran te otranse de possessão.

    A lógica da identidade, do sujeitoem si mesmo, racional e indivisível,desaparece aqui, onde o sujeito parti-lha seu corpo e seu ser com divindadese entidades. Este sujeito racional e indi-visível talvez não exista senão numafantasmagoria ocidental, mas utilizome desta representação, sobretudocomo contraponto à pessoa nas reli-giões afrobrasileiras. A lógica da nãocontradição, herança aristotélica, éaqui compreendida de uma maneiraespecial e específica. Esta noção de pes-soa, para além das diferenças de formae de rituais en tre as várias casas de reli-

    gião, aparece como uma constante: a pessoa conjuntamente com a entidadeou divindade com as quais ela estabele-ce laços de pertencimento e identida-des.

    Lidando desta maneira com a ques-tão da diferença, o ethos deste grupoapresentase enquanto nômade, dis-

     posto a trilh ar outras lógicas. A pessoa,múltipla e singular, não estabeleceum a relação de identidade rigidamen

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    te definida, precisa era sua unicidade.Pelo contrário, é na situacional idadedo sagrado, não dicotomizado, mas,antes, gradualizado em tempo e espaço

    “mais” ou “menos” sagrados, que a pes-soa pode “existir mais ou menos”. Ou,como nos coloca Márcio Goldman:

    [...] uma escala de existências degraus do Ser.  Existese mais oumenos. É esta em verdade a con-cepção central do candomblé', entreo  Não-Ser   do homem (não

    iniciado) e o ser pleno dos orixás,um a continuidade poderia ser ima-ginada e construída, continuidadeque seria percorrida por aquelesque, ingressando no culto, passam

     por todos os rituais e aceitam todasas obrigações e todos os tabus. Ocaminho entre o Ser  e o Não-Ser é  então um a estrada aberta, cheia deidas e vindas, de perigos, que seacentuam ao longo da caminhada.

    Notas e referências bibliográficas

    * Bolsista do Programa de Absorção deJovens Doutores da Fundação de Coorde-nação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Prodoc CAPES) atuandojunto à Escola Superior de Teologia da Igre-ja Evangélica de Confissão Luterana noBrasil (EST).1 Os dados etnográficos retomamRODOLPHO, A.L. 1994. Entre a hóstia e o 

    almoço: Um estudo sobre o sacrifício na Quimbanda.  Porto Alegre: UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (Dissertaçãode Mestrado), e RODOLPHO, A.L. 1998.

     Le sacrifice des animaux et la notion de per

     sonne: étude cas au sud du Brésil.  Paris:Ecole des Hautes Etudes en Sciences Soci-ales (Mémoire Diplôme d’Etudes Appro-fondies, spécialité Anthropologie Socialeet Ethnologie).2 LABURTHETHOLRA, Philippe;WARNIER, JeanPierre.  Ethnologie  

     Anthropologie. Paris: Presses Universitai-res de France, 1994. p. 261.3 As casas de religião “cruzadas” são aque-las que praticam as três modalidades reli-giosas; v. nota 4.4 No Rio Grande do Sul, as chamadas reli-

    giões afrobrasileiras consistem no Batu-que ou Nação, forma de culto relacionada,

     basicamente, aos orixás e na Umbanda,onde a categoria dos pretos velhos e doscaboclos é central. Na esfera da Umbandaencontrase a Umbanda Cruzada ou Quim-

     banda, cujo culto é centrado nas entidadeschamadas exus e pombagiras. O universodas religiões afrobrasileiras possui o tra n-

    se possessivo como elemento comum: a pos-sessão é uma categoria de transe, onde asmanifestações corporais do indivíduo sub-metido a este processo não são as habitual-mente expressas pelo mesmo no cotidiano.RODOLPHO, Adriane Luisa. “Aproxima-ções ao universo das religiões afro

     brasileiras: o batuque, a umbanda e aquimbanda no sul do Brasil”. In Federação

    Luterana Mundial/Ed. Sinodal, São Leo- poldo, 2004, v. 01/04, p. 3542.5 BARRETO, M. A. P 1989. Cultos afro

     brasileiros: o problema da clientela. InSinais dos Tempos. Tradições Religiosas no Brasil.  Cadernos ISER (22), Rio deJaneiro, pp. 87106, p. 98.6 “As religiões afrobrasileiras organizamo parentesco de santo, ou seja, a partir dos

    rituais de iniciação o neófito ingressanuma família (espiritual). Os dirigentesreligiosos são chamados de pai e mãe de

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     santo, ou ainda, babalorixá ouyalorixá (de-nominações em língua ioruba)”. InRodolpho, 2004:417 Nas religiões afrobrasileiras existem

     basicamente duas categorias de persona-

    gens denominados exus: como orixá nobatuque,  exu é o primeiro do panteon;como entidade espírito de alguém queviveu os exus existem na umbanda e sãocultuados majoritariamente na umbanda cruzada ou quimbanda.8 Neste sentido, confere com PORDEUS,1990, quando este se refere ao segundomomento do imaginário relativo aos exus;

    o primeiro seria a vinculação do exu aomalandro.9 Exu é um princípio. Pertence e participade todos os domínios da existência cósmi-ca. Ele representa e transporta o “àse” (for-ça mágica sagrada) que designa, em nagô,a força vital que assegura a existência dinâ-mica permitindo o acontecer e o devir. InTRINDADE, L. S. 1985.  Exu: Símbolo e 

     Função. Coleção Religião e Sociedade Bra-sileira. Vol. 2. São Paulo: FFLCH/USPCER, p. 74. Para esta questão, ver aindaSANTOS, J. E. Os Nagô e a Morte. Petró

     polis: Vozes. 1993.10 Lembro de uma sessão de umbanda  aque assisti em uma das casas de religião:como era umbanda, a entidade que a mãe- de-santo  recebeu foi o caboclo Arranca

    Toco. A sessão transcorria normalmenteaté à hora em que virou.  Pelo toque dostambores, iniciaramse pontos  que cruzaram a sessão para quimbanda, e a entida-de que a mãe-de-santo recebeu, então, foi oExu Tiriri. A expressão de surpresa e ale-gria das pessoas da platéia demonstra ocarisma desta entidade, aliada à fala dealguns que disseram “ Eu não sabia que o 

    Seu Tiriri vinha hoje, que bom!”llEsta é uma apropriação particular deHeráclito. Na realidade, o texto diz:

    “Imortais mortais, mortais imortais, quevivem a sua morte, e morrem a sua vida”.Heráclito, fragmento 62 in KIRK, G. &RAVEN, J. Os Filósofos Pré-Socráticos. Lis-

     boa: Calouste Goulbekian 1984.

    12 BASTIDE, R. O Candomblé na Bahia (Rito Nagô). São Paulo: Companhia Edito-ra Nacional. Coleção Brasiliana. Vol. 313,1961.13 SANTOS, 1993.14 CORRÊA, N. Os Vivos, Os Mortos e os 

     Deuses. Um estudo Antropológico do Batuque  no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:UFRGS. (Dissertação de Mestrado), 1988

    e ORO, Ari Pedro. “Difusão das religiõesafrobrasileiras do Rio Grande do Sul paraos países do Prata”. In ORO, Ari Pedro(org.) As Religiões Afro-brasileiras do Rio Grande do Sul.  Porto Alegre: Editora daUFRGS, 1994, pp. 4851.15A expressão “batuque puro”  é aquiusada no sentido de prática isolada, ouseja, em casas de religião que realizam ape-

    nas o batuque sem que a casa seja “cruzada” (quando igualmente cederia espaço àumbanda). O número de casas que realizaapenas o batuque nos é desconhecido, masacreditamos que não seja muito elevado( pa r a ma io r es de t a lhes , conf i r aPÓLVORA, J. B. A Sagração do Cotidiano: 

     Estudo de sociabilidade em um grupo de batuqueiros de Porto Alegre/RS. Porto Ale-

    gre: UFRGS (Dissertação de Mestrado),1994).

    16 Lembro o que VAN GENNEP (Os Ritos de Passagem.  Petrópolis: Vozes, 1978.)caracteriza como ritos liminares:  a situa-ção de margem, a liminaridade entre osestados iniciais do rito e os finais. Ainda,segundo TURNER: “[...] Os atributos deliminaridade, ou de personae (pessoas)

    liminares são necessariamente ambíguos, uma vez que esta condição e estas pessoasfurtamse ou escapam à rede de classifica

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    ções que normalmente determinam a loca-lização de estados e posições num espaçocultural. As entidades liminares não se 

     situam nem aqui nem lá; estão no meio e entre  as posições atribuídas e ordenadas

     pela lei, pelos costumes, convenções e ceri-monial. Seus atributos ambíguos e inde-terminados exprimemse por uma ricavariedade de símbolos. [...] Assim, a liminaridade frequentemente é comparada àmorte, ao útero, à invisibilidade, à escuri-dão, à bissexualidade, às regiões selvagense a um eclipse do sol ou da lua.”[...](TURNER, O Processo Ritual. Estrutura e 

     Anti-Estrutura.  Vozes: Petrópolis, 1974:117). (Grifos meus).17 ANJOS, J.C.G. dos. O Território da 

     Linha Cruzada - Rua Mirim versus Aveni

    da Nilo Peçanha.  Porto Alegre: UFRGS(Dissertação de Mestrado), 1993, p. 12.18 BASTIDE, 1961:210.19 TRINDADE, 1985:130.

    20 BIRMAN, P O que é Umbanda . São Pau-

    lo: Brasiliense, 1985:1819.2 10 termo cambona referese a uma auxi-liar, iniciada na religião, mas que geral-mente não experencia o transe possessivo.Auxilia as entidades fornecendolhescigarros acesos (visto que os exus não

     podem “acender” nada, nem velas nemcigarros) durante o ritual, além de acom-

     panhar a entidade nas consultas, “tradu-

    zindo” as expressões mais peculiares paraos clientes.

    22 Tratase de um a pesquisa multidisciplinar envolvendo vários grupos que convi-vem durante todo o ano na Praça da Alfân-dega de Porto Alegre: prostitutas, aposen-tados, artesãos, meninos de rua. Este con-vívio é alterado durante a Feira do Livro,evento que ocupa o mesmo espaço na refe-

    rida praça. A pesquisa resultou em umamostra fotográfica na forma de Museu deRua, e ocorreu durante a XXXIX Feira doLivro de Porto Alegre, na Praça da Alfân-dega, em 1993.

    23 “A visão de mundo que esse povo tem éo quadro que elabora das coisas como elassão na simples realidade, seu conceito danatureza, de si mesmo, da sociedade. Essequadro contém suas idéias mais abrangen-tes sobre a ordem. [...] O ethos de um povoé o tom, o caráter e a qualidade de sua vida,seu estilo moral e estético e sua disposição,é a atitude subjacente em relação a ele

    mesmo e ao seu mundo que a vida reflete”.GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara KooganAS, 1989:143144. (grifo meu).24 A noção de pessoa é aqui entendida nosentido maussiano: a “pessoa” é algo alémde um fato de organização, mais do que onome ou o direito reconhecido a um perso-nagem e mais do que uma máscara ritual:

    é um fato fundamental do direito.MAUSS, M. “O Tema: A Pessoa”. In Sociologia e Antropologia,  vol. I. São Paulo:EPU/EDUSP 1974: 227. Desta forma, uti-lizome várias vezes do referencial à noçãode individualismo das sociedades moder-nas (onde o indivíduo aparece como unida-de de construção social) como contrapontoà de pessoa (entendida no sentido de

     papéis sociais hierarquizados).25 Este aspecto foi desenvolvido porANJOS, 1993.26 GOLDMAN, M. “A Construção Ritualda Pessoa: a Possessão no Candomblé”. InMOURA, C.E.M. (Org.) Candomblé: Desvendando Identidades (Novos Escritos 

     sobre a Religião dos Orixás).  São Paulo:EMW Editores, pp. 87119,1987:115.