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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
FABRICIO PAIVA MOTA
CONTATO LINGUSTICO NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: PRODUES
TEXTUAIS DE HISPANOS APRENDIZES DE PLE
Boa Vista
2014
2
FABRICIO PAIVA MOTA
CONTATO LINGUSTICO NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: PRODUES
TEXTUAIS DE HISPANOS APRENDIZES DE PLE
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Letras da Universidade Federal
de Roraima, como um dos pr-requisitos para
obteno do ttulo de Mestre em Letras.
rea de concentrao: Lngua e Cultura
Regional. Apresentada em 20 de maro de
2014 e avaliada pela seguinte banca
examinadora:
Boa Vista
2014
3
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima)
M917c Mota, Fabricio Paiva.
Contato lingustico na fronteira Brasil/Venezuela: produes
textuais de hispanos aprendizes de PLE. -- Boa Vista, 2014.
105 f. : il.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Roraima,
Programa de Ps-Graduao em Letras.
1 Lngua estrangeira. 2 Produes textuais. 3
Interferncia lingustica. 4 Brasil. 5 Venezuela. I - Ttulo. II
Cruz, Maria Odileiz (orientadora).
CDU 806.90
4
Para que Deus vos deu a inteligncia e a
cincia, seno para repartir com vossos
irmos, para os adiantar no caminho da
alegria e da felicidade.
Livro dos Espritos Captulo IX
5
AGRADECIMENTOS
minha orientadora Profa. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz pelos laos que nos une ao Cear.
Fundacin Carolina pela bolsa concedida nos meses de janeiro e fevereiro de 2013 e ao
meu orientador na Universidad de Cdiz, Prof. Dr. Manuel Rivas Zancarrn.
Aos professores Dr. Lourival Novais Nto e Dra. Mnica Maria Guimares Savedra por suas
contribuies na qualificao deste trabalho.
Aos professores Dra. Aparecida Negri Isquerdo e Dr. Manoel Gomes dos Santos por
aceitarem o convite de participarem da defesa desta dissertao.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal de
Roraima (PPGL/UFRR) e nossa secretria Andreia.
Aos meus companheiros da III Turma do PPGL/UFRR, em especial, Maria do Socorro Melo
Arajo. Compartilhamos no apenas a mesma orientadora, mas tambm muitas histrias de
vida.
Ao Curso de Portugus para Estrangeiros da Universidade Estadual de Roraima (UERR), seus
gestores, seus professores e, especialmente, seus alunos.
minha famlia e, em especial, minha pequena Keona.
Aos meus amigos e minhas amigas, dentre os quais cito Du Farias, Fabricio Ono, Miguel
Linhares e Ricardo Souza.
Ao meu companheiro Eliabe Procpio pela leitura, pela reviso textual e pelo apoio na
concluso deste trabalho e pelos agradveis momentos compartilhados.
6
RESUMO
O fenmeno de lnguas em contato no recente. Desde a Antiguidade, povos circulam pelo
planeta estabelecendo conexes com outros povos. No contexto brasileiro, o contato entre
falantes de lnguas diferentes um fenmeno acentuado, principalmente nas zonas
fronteirias com os pases da Amrica do Sul. No cenrio roraimense, extremo norte do
Brasil, foco de nossa investigao, existem duas fronteiras: ao norte com a Venezuela e ao
leste com a Guiana. Dada localizao geogrfica, o estado de Roraima um dos poucos no
pas com fronteiras trilngues, cujas lnguas oficiais so o Portugus, o Ingls e o Espanhol.
Este trabalho tem por objetivo geral analisar o contato lingustico por meio de produes
textuais de venezuelanos aprendizes de Portugus como Lngua Estrangeira (PLE); os
objetivos especficos so discutir propostas terico-metodolgicas sobre o contato lingustico
entre Portugus e Espanhol, definir os tipos de contato lingustico presentes nas produes
textuais de venezuelanos aprendizes de Portugus; caracterizar sociolinguisticamente o
venezuelano aprendiz de Portugus como Lngua Estrangeira. Para alcanarmos os objetivos
propostos, analisamos vinte produes textuais de venezuelanos, baseando-nos nas categorias
lingusticas: Alternncia de Cdigo, Transferncia e Interferncia lingusticas. Do ponto de
vista lingustico, os resultados apontam para uma Alternncia de Cdigo intraoracional,
concentrando-se no final da mesma orao; Transferncia lingustica do tipo ortogrfica, em
que o informante transferiu estruturas ortogrficas do Espanhol para o Portugus; e
Interferncia tambm do tipo ortogrfica, em que o aluno omitiu acento em palavras
portuguesas e confundiu grafemas. Do ponto de vista sociolingustico, nosso informante do
sexo feminino entre 20 e 54 anos, possui nvel superior, reside na Venezuela e estuda
portugus h aproximadamente 04 anos para fins acadmico-profissionais. Tendo em vista um
cenrio multilngue, como o apresentado entre Brasil/Venezuela, em que as fronteiras
geogrficas nem sempre correspondem com as lingusticas, conclumos que a Lngua
Portuguesa est ocupando uma posio privilegiada no extremo norte brasileiro nos ltimos
anos, sendo a insero do curso de PLE em Pacaraima, uma prova disso. Dentre os fenmenos
de contato lingustico relatados, a Interferncia foi a mais produtiva nas produes textuais
dos alunos, o que mostra a proximidade entre o Portugus e o Espanhol.
Palavras-chave: Alternncia de Cdigo. Transferncia lingustica. Interferncia lingustica.
PLE. Fronteira.
7
ABSTRAT
The phenomenon of language contact is not new. Since old times, people roam the planet
establishing connections with other people. In the Brazilian context, the contact between
speakers of different languages is a prominent phenomenon, especially in border areas with
countries of South America. Roraimense scenario, in the extreme north of Brazil, the focus of
our investigation, there are two boundaries: Venezuela to the north and Guyana to the east.
Given the geographical location, the state of Roraima is one of the few in the country with a
trilingual border, whose official languages are Portuguese, English and Spanish. This work
aims at analyzing language contact through textual productions of Venezuelans learners of
Portuguese as a Foreign Language (PFL), the specific objectives are the discussion of
theoretical-methodological proposals on language contact between Portuguese and Spanish,
defining the types of linguistic contact presented in textual productions of Venezuelans
learners of Portuguese; characterizing sociolinguistically the Venezuelan learner of
Portuguese as a Foreign Language. To achieve the proposed objectives, we analyzed twenty
textual productions of Venezuelans, based on the following linguistic categories, namely:
Code Switching, Transfer and linguistic Interference. From a linguistic point of view, the
results point to an Interactional Code Switching, concentrated on the end of the same
sentence; linguistic transfer of Spelling type, in which the informant transferred orthographic
structures of Spanish to Portuguese, and also interference of spelling type, in which the
student omitted accent in Portuguese words and confused graphemes. From the sociolinguistic
point of view, our informants are female between 20 and 54 years old, undergraduate level,
live in Venezuela and have studied Portuguese for nearly 04 years for academic and
professional purposes. Considering a multilingual scenario, as presented between
Brazil/Venezuela, where geographical boundaries do not always correspond with the
language, we conclude that the Portuguese language is occupying a privileged position in the
Brazilian north end in recent years, with the inclusion of PFL course in Pacaraima as
consequence of that. Among the reported phenomena of linguistic contact, Interference was
the most productive in the textual productions of the students, showing the proximity between
the Portuguese and Spanish.
Key words: Code-switching. Transfer linguistic. Interference linguistic. PLE. Border
Brasil/Venezuela
8
RESUMEN
El fenmeno de las lenguas en contacto no es algo reciente. Desde la Antigedad, los pueblos
giran por el planeta estableciendo conexiones con otros pueblos. En el contexto brasileo, el
contacto entre hablantes de lenguas distintas es un fenmeno intenso, sobre todo en las zonas
fronterizas con los pases de Sudamrica. En el escenario roraimense, extremo norte de
Brasil, lugar de nuestra investigacin, hay dos fronteras: al norte con Venezuela y al este con
Guyana. Por la proximidad geogrfica, el estado Roraima es uno de los pocos en el pas con
fronteras trilinges, cuyas lenguas oficiales son el Portugus, el Ingls y el Espaol. Este
trabajo tiene por objetivo analizar el contacto lingstico a travs de producciones textuales de
venezolanos aprendices de Portugus como Lengua Extranjera (PLE); los objetivos
especficos son discutir propuestas terico-metodolgicas sobre el contacto lingstico entre
Portugus y Espaol, definir los tipos de contacto lingstico presentes en las producciones
textuales de venezolanos aprendices de Portugus; caracterizar sociolinguisticamente el
venezolano aprendiz de Portugus como Lengua Extranjera. Para lograr los objetivos
propuestos analizamos veinte producciones textuales de venezolanos, basndonos en las
siguientes categoras lingsticas, cuales sean: Alternancia de Cdigo, Transferencia e
Interferencia lingsticas. Desde el punto de vista lingstico, los resultados apuntan para una
Alternancia de Cdigo intraoracional, concentrndose en el final de la misma oracin;
Transferencia lingstica del tipo ortogrfica, en que el informante transfiri estructuras
ortogrficas del Espaol hacia el Portugus; e Interferencia lingstica tambin del tipo
ortogrfica, en que el alumno suprimi los acentos en palabras portuguesas y confundi
grafemas. Desde el punto de vista sociolingstico, nuestro informante es del sexo femenino
entre los 20 y 54 aos, posee nivel superior, vive en Venezuela y estudia portugus a unos 04
aos para fines acadmico-profesionales. Llevando en cuenta el escenario multilinge,
Brasil/Venezuela, en que las fronteras geogrficas ni siempre corresponden a las lingsticas,
concluimos que la Lengua Portuguesa est ocupando una posicin de prestigio en el extremo
norte brasileo en los ltimos aos, un ejemplo es el curso de PLE en Pacaraima. Entre los
fenmenos del contacto lingstico presentado, la Interferencia fue la ms productiva en las
producciones textuales de los alumnos, lo que muestra la proximidad entre el Portugus y el
Espaol.
Palabras clave: Alternancia de Cdigo. Transferencia lingstica. Interferencia lingstica.
PLE. Frontera Brasil/Venezuela.
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC Alternncia de Cdigo
ANEP Administracin Nacional de Educacin Pblica
BR Brasil
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CDIF Comisso Permanente para o Desenvolvimento e a Integrao da Faixa de
Fronteira
Celpe-Bras Certificao de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros
DPU Dialeto Portugus do Uruguai
EaD Educao Distncia
GTPL Grupo de Trabalho sobre Polticas Lingusticas do MERCOSUL Educativo
GUY Guiana
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IFPA Instituto Federal do Par
IFRR Instituto Federal de Roraima
INE Instituto Nacional de Estadsticas
L Leste
LE Lngua Estrangeira
LM Lngua Materna
LNM Lngua no Materna
MC Mudana de Cdigo
MEC Ministrio da Educao
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MERCOSUR Mercado Comn del Sur
MS Mato Grosso do Sul
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
N Norte
O Oeste
PB Portugus Brasileiro
PEIBF Projeto Escola Intercultural Bilngue de Fronteira
PF Polcia Federal
PIBICT Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica e Tecnolgica
PLE Portugus como Lngua Estrangeira
S Sul
TI Terra Indgena
TL Transferncia Lingustica
UERR Universidade Estadual de Roraima
UFRR Universidade Federal de Roraima
UFSC Universidade Federal de Santa Catariana
UNIVIRR Universidade Virtual de Roraima
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Nmero de municpios em faixas de fronteira no Brasil ........................... 16
Quadro 2 - Alguns conceitos sobre Transferncia lingustica ..................................... 35
Quadro 3 - Formas e fatores de Interferncia em geral ............................................... 39
Quadro 4 - Cruzamento entre Alternncia/Transferncia/Interferncia ...................... 78
Quadro 5 - Localizao dos informantes ..................................................................... 80
Quadro 6 - Tempo que estuda/fala Portugus .............................................................. 81
Quadro 7 - Uso cotidiano de Portugus ... 82
Quadro 8 - Contextos de uso da Lngua Portuguesa .................................................... 82
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Cartaz em loja Santa Elena de Uairn/Venezuela .......................................... 26
Figura 2 - Fachada de loja em Pacaraima/Brasil ............................................................... 30
Figura 3 - Mapa de cidades gmeas brasileiras ................................................................. 45
Figura 4 - Mapa Rodovirio de Roraima ........................................................................... 47
Figura 5 - Mapa Poltico do Estado Bolvar ...................................................................... 48
Figura 6 - Gincana Cultural PLE/UERR ........................................................................... 54
12
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 1 - Continuum da gramaticalidade do contato lingustico ............................ 33
Diagrama 2 - Distribuio dos dados vs. continuum gramaticalidade .......................... 77
13
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Alternncia de Cdigo ............................................................................... 61
Grfico 2 - Tipos de Transferncia .............................................................................. 64
Grfico 3 - Tipos de Interferncia ................................................................................ 68
Grfico 4 - Interferncias ortogrficas (grafia) ............................................................ 69
Grfico 5 - Interferncias ortogrficas (acentuao) .................................................... 71
Grfico 6 - Interferncia gramatical ............................................................................. 73
Grfico 7 - Interferncia lexical ................................................................................... 75
Grfico 8 - Tendncia entre Transferncia/Interferncia ............................................ 77
14
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................. 15
1 CONTATO LINGUSTICO ............................................................................. 22
1.1 Lnguas em Contato ............................................................................................. 22
1.2 Alternncia de Cdigo ......................................................................................... 26
1.3 Transferncia lingustica ...................................................................................... 33
1.4 Interferncia lingustica ....................................................................................... 38
2 ENSINO DE PLE NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA ..................... 44
2.1 Contexto sociogeogrfico ................................................................................... 44
2.2 Portugus/LE e sua interface com Espanhol/LM ................................................. 49
3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................................... 55
3.1 Categorias lingusticas ......................................................................................... 55
3.1.1 Alternncia de Cdigo ......................................................................................... 55
3.1.2 Transferncia/Interferncia lingusticas ............................................................... 55
3.2 Perfil sociolingustico dos informantes ................................................................ 55
3.3 Instrumentos de coleta ......................................................................................... 57
4 ANLISE DAS PRODUES TEXTUAIS DE VENEZUELANOS .......... 59
4.1 Do ponto de vista lingustico ............................................................................... 59
4.1.1 Alternncia de Cdigo ......................................................................................... 59
4.1.2 Transferncia/Interferncia lingusticas ............................................................... 63
4.1.2.1 Transferncia lingustica ...................................................................................... 64
4.1.2.2 Interferncia lingustica ....................................................................................... 67
4.1.2.3 Cruzamento dos dados de Alternncia, Transferncia e Interferncia ................ 76
4.2 Do ponto de vista sociolingustico ....................................................................... 78
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................ 85
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................. 87
APNDICE A Lista de cidades-gmeas: Brasil e pases hispanofalantes . 92
APNDICE B Questionrio ........................................................................... 93
ANEXO A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................... 95
ANEXO B Textos pr-anlise ........................................................................ 97
ANEXO C 1 coleta: Crtica do filme E a, comeu? ................................... 99
ANEXO D 2 coleta: Simulado Celpe-Bras .................................................. 102
15
INTRODUO
O fenmeno de lnguas em contato no recente. Desde a Antiguidade, povos
circulam pelo planeta estabelecendo conexes com outros povos. No contexto brasileiro, o
contato entre falantes de lnguas diferentes um fenmeno acentuado, principalmente nas
zonas fronteirias. No cenrio roraimense, extremo norte do Brasil, foco de nossa
investigao, existem duas fronteiras: ao norte com a Venezuela e ao leste com a Guiana.
Dada localizao geogrfica, o estado de Roraima um dos poucos no pas com fronteiras
trilngues, cujas lnguas oficiais so o Portugus, o Ingls e o Espanhol, alm das lnguas
indgenas e crioulas.
No obstante, cabe salientar que, nos ltimos vinte anos, o Brasil vem ganhando fora
poltica e econmica, especialmente, frente aos demais pases do MERCOSUL. Desta
maneira, nossa moeda passa a se valorizar diante das outras sul-americanas. Tal fato implica
indiretamente as questes lingusticas, haja vista que brasileiros passam a viajar mais aos
pases da Amrica do Sul e o setor de servios, pouco a pouco, comea a oferecer tratamento
diferenciado aos brasileiros. Um deles seria o uso da Lngua Portuguesa por parte de
hispanofalantes para com os turistas brasileiros seja no mbito oral seja no escrito.
sabido que as cidades fronteirias so conhecidas por seu comrcio e produtos de
custo mais acessvel. Observemos, por exemplo, as cidades Foz do Iguau e Ciudad del Leste,
fronteira Brasil/Paraguai, locais onde h um intenso comrcio e trnsito de falantes de
diversas lnguas, como, por exemplo, o Portugus, o Espanhol, o Portuol e algumas
lnguas indgenas, dentre as quais citamos o Guarani. No diferente nas cidades de
Pacaraima e Santa Elena de Uairn, fronteira Brasil/Venezuela, alvo de nossa investigao.
Neste ambiente to plurilngue, surgem-nos alguns questionamentos: como se configura o
contato entre o Portugus e o Espanhol, principais lnguas utilizadas nessas cidades; como se
manifestam a alternncia/transferncia/interferncia de uma em relao outra. A partir dessa
situao descrita, observamos que existe um crescente uso da Lngua Portuguesa nesses
ambientes de contato.
Assim, muitos hispanofalantes buscam aprender o PB para diversos fins, tais como
comerciais, acadmicos e culturais. Nesse sentido, a UERR tem oferecido cursos de PLE no
municpio de Pacaraima, voltados principalmente para a populao de Santa Elena. Segundo
dados do IBGE (2010), o Brasil possui aproximadamente 570 municpios localizados em
faixas fronteirias, que se encontram em uma faixa interna de 150 km de largura, paralela
16
linha divisria terrestre do territrio nacional. A seguir apresentamos esses municpios
agrupados em trs regies do pas:
Quadro 1 Nmero de municpios em faixa de fronteira no Brasil
Regio Estado Nmero de Municpios Pases
Norte
Acre 22 Bolvia, Peru
Amap 08 Guiana Francesa, Suriname
Amazonas 21 Colmbia, Peru, Venezuela
Par 05 Guiana, Suriname
Roraima 15 Guiana, Venezuela
Rondnia 27 Bolvia
Subtotal 98
Sul
Paran 139 Argentina, Paraguai
Rio Grande do Sul 182 Argentina, Uruguai
Santa Catarina 82 Argentina
Subtotal 403
Centro-
Oeste
Mato Grosso 25 Bolvia
Mato Grosso do Sul 44 Bolvia, Paraguai
Subtotal 69
Total 570 Fonte: Adaptado do IBGE (2010)
Como podemos observar no Quadro 1, na regio Norte, dos seis estados fronteirios,
quatro (Acre, Amazonas, Rondnia e Roraima) fazem fronteira com pases hispano-
americanos. Para esta pesquisa, selecionamos o estado de Roraima, cuja localizao
geogrfica favorece o contato lingustico entre o Espanhol venezuelano e o Ingls guianense,
utilizados ao lado de lnguas indgenas e crioulas.
Embora, por motivos de afinidade lingustica e terica, tenhamos selecionado a
fronteira Brasil/Venezuela como campo de estudo, interessante registrar que a fronteira
Brasil/Guiana, onde se localizam as cidades Bonfim/BR e Lethen/GUY, tambm uma zona
de contato lingustico muito produtiva para estudos lingusticos, pois nela so claras a
presena e a relao entre lnguas tipologicamente diferentes: Ingls, Portugus, rabe,
Chins, dentre outras, todas elas trazidas por povos que moram ou que para l migram:
brasileiros, guianenses, marroquinos, indianos, chineses etc.
Com relao aos estudos sobre o contato lingustico em fronteiras, realizamos um
levantamento bibliogrfico, no sentido de identificar pesquisas referentes temtica: Contato
de Lnguas em regio de fronteira e como forma de verificar o que tem sido pesquisado e
divulgado nessa rea. Na continuao, citamos alguns estudos.
17
Silva (2012) trata da construo do ethos no ambiente de fronteira entre Brasil e
Venezuela, atravs das representaes discursivas sob a tica da Anlise do Discurso de linha
francesa. Baseando-se nos estudos de Couto (2009 apud SILVA, 2012), Silva identifica
quatro situaes de contato das quais utilizaremos apenas duas, quais sejam, as grandes
navegaes no sculo XV Amrica e a delimitao dos marcos fronteirios entre os pases
mais recentemente. Embora as questes referentes ao discurso no sejam foco de nossa
investigao, cabe ressaltar a relao de contato entre as Lnguas Portuguesa e Espanhola
descrita pela autora. A aproximao entre esses idiomas um dos pontos que ganha destaque
no nosso trabalho, pois, do ponto de vista filognico, o Portugus e o Espanhol apresentam
relativas semelhanas dada sua comum origem latina.
Amorim (2010) visa descrever e analisar um corpus oral coletado com a colaborao
de vinte comerciantes brasileiros residentes em Pacaraima. Os nicos critrios de escolha dos
informantes eram no ter estudado Espanhol e atuar no setor comercirio da referida cidade.
Em sua pesquisa, a autora aponta que segue duas perspectivas: uma sociolgica e outra
lingustica. Do ponto de vista sociolgico, os informantes eram majoritariamente homens com
idades entre 16 e 50 anos, imigrantes das regies Norte e Nordeste do Brasil e com o Ensino
Mdio. Do ponto de vista lingustico, a autora conclui que a AC uma estratgia utilizada
para o comrcio; os informantes no so bilngues, pois no dominam as estruturas do
Espanhol ou do Portugus; o fenmeno portunhol no uma interlngua, haja vista que o
processo de aquisio do Espanhol se deu a partir do contato oral com os venezuelanos e os
informantes apenas repetem os padres Prosdicos e Entonacionais do Espanhol.
Na regio Sul, concentra-se o maior nmero de municpios fronteirios, como se
observou no Quadro 1. Nesta rea, chamam a ateno as pesquisas desenvolvidas nas cidades
de SantAna do Livramento e Rivera, fronteira entre Brasil/Uruguai. Sturza (2006) trabalha
com o conceito de espao de enunciao, voltando-se para os estudos discursivos. Nesta
pesquisa, a autora faz uma reviso dos estudos fronteirios do sul brasileiro e analisa,
especialmente, a publicao de Rona (1965 apud STURZA, 2006) intitulada Dialecto
Fronterizo en el norte de Uruguay. Cabe ressaltar que a autora descreve a situao das
Lnguas Portuguesa e Espanhola entre os sculos XVIII a XX, por considerar o fato de que
desde o Perodo Colonial, a regio foi lugar de disputas territoriais e cenrio para um contanto
lingustico presente at a atualidade. Essa informao importante, pois todo o discurso
observado gira em torno da influncia de uma lngua em outra.
Das vrias pesquisas realizadas por Elizaincn (1979, 1987, 1992, 1996a, 1996b,
2002), destacamos a realizada em 1992 sobre o DPU, desdobramento dos estudos de Rona.
18
Alm de utilizar dados coletados de outro estudo mais amplo por toda a zona de fronteira
Brasil/Uruguai, o autor faz comparaes com os dados de outras fronteiras, como as de
Portugal e Espanha.
Elizaincn (1992) analisa um corpus oral coletado em sete cidades uruguaias com a
colaborao de 139 informantes. Sua pesquisa apresenta uma metodologia detalhada em
vrios passos e dois resultados distintos: o primeiro foi o mapeamento de pontos geogrficos
em locais determinados; o segundo foi delimitar zonas geogrficas com maior ou menor
afinidade entre os idiomas em uma escala em que a pronncia do falante tenderia mais ou
menos para o Portugus ou o Espanhol. O autor apresenta como exemplo a pronncia da
vogal mdia alta, fechada e no-arredondada [e], em final de slaba ([-e] ou [-i]). O primeiro
[e] considerado pronncia espanhola e o segundo [i] portuguesa.
No que concerne regio Centro-Oeste, citamos as seguintes pesquisas desenvolvidas
entre os municpios de Corumb/Brasil e Puerto Surez/Bolvia. Rivas (2010) reflete sobre o
nvel de interao lingustica no contato entre o Portugus e o Espanhol em escolas de
Corumb. Para tal, vale-se da Sociolingustica Interacionista, tendo em vista um cenrio
complexo tanto do ponto de vista lingustico quanto cultural. A autora conclui parcialmente
que os dados coletados mostram que no h grande interferncia da Lngua Espanhola na
linguagem dos estudantes, apesar de haver ocorrncias de algumas mesclas entre Portugus e
Espanhol na relao escolar, mas ainda que no nos permitem afirmar que exista portunhol
nessa relao lingustica (RIVAS, 2010, p. 10).
Ferreira; Silva (2012) tambm refletem sobre o contato lingustico entre as Lnguas
Portuguesa e Espanhola, nos municpios Corumb e Ladrio (MS/Brasil) e Arroyo
Concepcin, Puerto Quijarro (Puerto Surez/Bolvia). Os autores caracterizam a regio como
uma mistura de culturas e identidades. O interesse dos bolivianos por aprender o Portugus
pode ser explicado pela frgil economia da Bolvia e as vantagens que o lado brasileiro pode
lhes oferecer. J o desinteresse dos brasileiros em aprender o Espanhol est ligado
proximidade entre as lnguas e ao fato de haver uma relao social assimtrica entre os dois
povos.
Face ao exposto, verificamos a necessidade de levar a cabo estudos sobre o contato
lingustico na fronteira de Roraima com os pases vizinhos, pois, por exemplo, observando o
fluxo de brasileiros em direo a Santa Elena, notamos que est aumentando o uso da Lngua
Portuguesa por parte de comerciantes no s hispanos, mas tambm orientais na referida
cidade, a fim de estabelecer uma melhor relao com seus clientes brasileiros; e, com base em
um simples levantamento realizado em 2012, notamos ainda que as influncias espanholas no
19
Portugus falado por hispanos encontram-se nos nveis fontico, morfolgico e sinttico
(MOTA, 2012).
Com isso, selecionamos a fronteira entre Brasil e Venezuela pelos motivos j citados,
aos quais agregamos o fato de que j existe uma linhagem de estudos sobre as relaes de
contato entre Portugus/Espanhol, tanto na Amrica, quanto na Pennsula Ibrica. Nesse
sentido, nossa pesquisa vem discutir pressupostos tericos sobre Lnguas em Contato,
produzir dados sobre o contato Portugus/Espanhol e cotejar com os resultados j divulgados.
Assim, propomo-nos estudar o contato lingustico entre o Portugus e o Espanhol na
fronteira Brasil/Venezuela, tendo como referncias as cidades de Pacaraima e Santa Elena. A
partir disso, estabelecemos como campo de estudo o contexto escolar, j que verificamos uma
considervel demanda por aprender o PLE por parte dos venezuelanos.
Alm do mais, em 2011, realizamos visitas tcnicas regio fronteiria com alunos do
curso de Letras Espanhol e Literatura Hispnica (IFRR), durante as quais surgiu uma ideia
de propor esta pesquisa. Outra experincia que tambm abalizou essa ideia foi um projeto de
Iniciao Cientfica, intitulado A interlngua de nativos de espanhol na fronteira entre Brasil
e Venezuela, aprovado pelo PIBICT/IFRR, em 2011. O referido projeto contou com a
participao de duas bolsistas, alunas do supracitado curso superior.
Decidido o universo da pesquisa, partimos para um objetivo geral: analisar o contato
lingustico por meio de produes textuais de venezuelanos aprendizes de PLE. Quanto aos
objetivos especficos, planejamos: discutir propostas terico-metodolgicas sobre o contato
lingustico entre Portugus e Espanhol, definir os tipos de contato lingustico presentes nas
produes textuais de venezuelanos aprendizes de Portugus; caracterizar
sociolinguisticamente o venezuelano aprendiz de Portugus como Lngua Estrangeira e
examinar o contato lingustico nas produes textuais de venezuelanos aprendizes de PLE
frente ao perfil sociolingustico dos mesmos.
Com base nos objetivos, podemos afirmar que nosso objeto de pesquisa o contato
lingustico na regio de fronteira Brasil/Venezuela, utilizando como fonte de dados produes
textuais de alunos do Curso PLE/UERR/Campus Pacaraima. Dentro da concepo contato
lingustico, trabalharemos com as seguintes categorias: Alternncia de Cdigo (Code-
switching), Transferncia e Interferncia lingusticas, que detalharemos no referencial terico.
Com relao s categorias supracitadas, informamos que consultamos o banco de dissertaes
e teses da CAPES1 e identificamos apenas pesquisas que se propusessem analisar a AC em
1http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
20
contextos de oralidade, como Mei (2007), que trata da Alternncia entre o Portugus e o
Chins por imigrantes chineses no Rio Grande do Sul e Breunig (2005), que trata do
fenmeno da AC (Portugus-Alemo) em uma escola de Ensino Fundamental localizada no
municpio de Santa Maria do Herval/Rio Grande do Sul.
Nos meses de janeiro e fevereiro de 2013, buscamos material bibliogrfico em
bibliotecas de algumas universidades espanholas, por meio do Programa de Mobilidade de
Professores e Pesquisadores Brasil/Espanha, da Fundacin Carolina e mais uma vez pudemos
verificar que a bibliografia referente ao contato lingustico concentra sua produo no contato
oral. Quanto s questes de pesquisa, propomos as seguintes:
1. Como se configura o contato lingustico na fronteira Brasil/Venezuela?
2. Como se configura o contato lingustico no contexto escolar do ensino de Portugus como
Lngua Estrangeira?
3. Qual o perfil sociolingustico do venezuelano estudante de PLE na fronteira
Brasil/Venezuela?
4. Qual a relao entre contato lingustico na escrita de hispanos aprendizes de PLE e o perfil
sociolingustico dos informantes?
No tocante ao vis terico, optamos pelos estudos sociolingusticos, sobretudo os que
se relacionam com Lnguas em Contato, AC, Transferncia/Interferncia lingusticas. Os
estudos sobre contato lingustico so recentes, aproximadamente das dcadas de 50 e 60 do
sculo passado. Por ser uma rea relativamente nova, as definies dos conceitos parecem
flutuar bastante, o que demandou um volume de leituras, principalmente no referente
Transferncia e Interferncia lingusticas. Com relao s tradues de citaes realizadas ao
longo do trabalho, so de nossa responsabilidade e feitas exclusivamente para esta pesquisa.
Tambm destacamos que este estudo piloto, pois poder levar a vrios desdobramentos.
Este trabalho est dividido em quatro captulos. O primeiro, Contato Lingustico,
compe-se das seguintes temticas: Lnguas em contato, no qual fazemos um breve histrico
sobre o fenmeno das lnguas em contato no mundo, dando ateno especial a Roraima;
Alternncia de Cdigo, Transferncia lingustica e Interferncia lingustica, em que
conceituamos e discutimos os trs fenmenos sob a perspectiva de vrios autores. O segundo
captulo Ensino de PLE na fronteira Brasil/Venezuela est formado por: Contexto
sociogeogrfico, em que descrevemos os municpios fronteirios e por Portugus/LE
interface com Espanhol/LM, no qual traamos um panorama do ensino de PLE no cenrio do
21
MERCOSUL. No terceiro captulo, Procedimentos metodolgicos, caracterizamos as
categorias lingusticas a serem analisadas, o perfil sociolingustico de nossos informantes e os
instrumentos de coleta.
No quarto captulo, Anlise das produes textuais de venezuelanos, observamos os
textos dos alunos a partir das categorias de anlise apresentadas em nossa metodologia. Nas
Consideraes finais, retomamos os objetivos estabelecidos e so feitas as consideraes
sobre os resultados obtidos a partir da anlise dos dados e apontamos nossas preferncias
sobre futuras investigaes no mbito do contato lingustico.
Por fim, apresentamos as referncias bibliogrficas utilizadas; os apndices produzidos
para esta dissertao e os anexos, o Termo de Consentimento e as produes textuais
digitalizadas dos alunos de PLE. Ressaltamos que tais produes visam a compor um banco
de dados escrito para pesquisas futuras, sendo, pois de vital importncia nesta dissertao.
22
1 CONTATO LINGUSTICO
Neste captulo, trataremos das questes referentes s Lnguas em Contato, a
Alternncia de Cdigo, a Transferncia e a Interferncia lingusticas.
1.1 Lnguas em contato
Como dito anteriormente, o fenmeno das lnguas em contato no algo recente.
Desde os primrdios, o homem tenta se comunicar com o outro. Os primeiros estudos sobre
as lnguas em contato datam dos sculos XVII e XVIII. Os resultados causaram preocupao,
pois as palavras estrangeiras eram consideradas barbarismos e seu uso rejeitado (SALA, 1998,
p. 12). Cruz (2008-2014) relata que a historiografia das lnguas em contato da regio
Brasil/Venezuela data dos sculos XVI e XVII.
Sala (1998) faz uma reviso dos estudos sobre contatos lingusticos desde os histrico-
comparatistas at o sculo XX. Para o autor, os estudos comparativistas no levavam em
considerao o contato entre as lnguas, pois, ao aplicar o mtodo histrico-comparativo,
tinham de separar os elementos que serviam de emprstimo de uma lngua outra, para, desta
forma, estabelecer critrios de parentesco entre as lnguas. Posteriormente, os estudos sobre
mescla de lnguas ganham fora, pois no se conseguia explicar o motivo das mudanas
dentro da prpria lngua apenas atravs de sua inovao. Alguns tericos comparativistas,
como Schuchardt, defendiam que no h linguagem completamente sem mistura2. Neste
sentido todas as lnguas so misturadas, crioulas por meio do contato lingustico.
Consoante Sala (1998), a Escola Neolingustica, representada por Bartoli, Bertoni e
Bonfante, aperfeioou a ideia de mescla de lnguas como princpio metodolgico. Atravs
deste princpio, explicavam-se no apenas todas as mudanas na lngua, mas tambm a sua
formao. J o Crculo Lingustico de Praga valeu-se dos conceitos de seus antecessores e
acrescentou a noo de evoluo convergente e aproximao estrutural entre as lnguas em
contato.
Sem dvida foi na primeira metade do sculo XX, mais precisamente na dcada de
1950, que houve um boom nos estudos sobre lnguas em contato, sobretudo com os trabalhos
de Haugen (1966) e Weinreich (1974). O trabalho deste ltimo ganhou mais destaque e segue
como orientao bsica at os dias atuais.
2 Es gibt keine vllig ungemischte Sprache. Schuchardt (1884, p. 5 apud THOMASON; KAUFMAN, 1988)
23
Aps essa breve explanao, Sala (1998, p. 32) trata de fatores que favorecem e
dificultam o fenmeno do contato entre lnguas. Dentre esses fatores, o autor cita duas
categorias: os fatores extralingusticos e os lingusticos. Os primeiros esto mais propensos a
determinar e estimular o contato lingustico. Por outro lado, os fatores lingusticos so
secundrios. Ainda conforme Sala, o contato pode ser direto ou indireto. O direto refere-se ao
contato no mesmo territrio atravs da mestiagem da populao ou da convivncia durante
perodo varivel. Sobre estas questes, Weinreich e Haugen realizaram estudos descritivos e
comparativos dos elementos formais, analisando os emprstimos como fenmeno de
interferncia entre as lnguas.
O contato indireto mais frequente na escrita e no depende do grau de bilinguismo
dos falantes, mas de contextos especficos. Um dos pontos que nos chama ateno em Sala
(1998, p. 35) a distino contato direto/contato indireto ao lado do contato oral/contato
escrito. Para o autor, o contato direto oral, enquanto que o indireto escrito. Isso no
impede de haver contato direto escrito e contato indireto oral. Desta maneira, uma srie de
palavras pode entrar atravs da oralidade, no caso do contato indireto, como as palavras de
idiomas grafos que penetraram nas lnguas europeias3. Face ao exposto, Sala (1998) lista a
influncia da escrita de algumas lnguas para a modificao de outra: o Eslavo antigo que
influenciou o Aspecto do Russo, a influncia do Grego sobre o Latim, o Francs na Europa do
sculo XVIII e o Ingls nos dias atuais.
Outro estudo citado por Sala o de Vincenz (1989 apud SALA, 1998, p. 33) sobre o
Alemo, que serve como lngua intermediria entre o Francs e o Polons, j que a
comunicao entre esses povos se concretizava por meio da Lngua Alem. Em seu estudo, o
autor chama a ateno para o comportamento da lngua doadora com relao receptora. No
caso do Alemo, lngua que doa elementos fonolgicos e lexicais, por exemplo, comporta-se
ativamente frente ao Polons, passivo, ou seja, lngua que recebe tais elementos.
Sobre os fatores extralingusticos, o referido autor comenta que uma das duas lnguas
ocupar uma posio de dominao e, consequentemente, uma influncia sobre outra. Esses
fatores estariam relacionados, por exemplo, segurana econmica, cultura ou poltica. O
autor no entra em questes terminolgicas como lngua de prestgio ou superior ou
dominante. Para ele, o status das lnguas est em seu valor social, isto , pela capacidade
3 No original: [...] una serie de palabras puede penetrar por va oral en el caso de un contacto indirecto por
ejemplo, las palabras pertenecientes a los idiomas sin escritura que penetraron en las lenguas europeas.
24
destas em ser utilizadas como meio de comunicao4 (SALA, 1998, p. 36). Dentro deste
contexto, Sala cita seis cenrios de contato lingustico: na Sua, o schwyzerttsh, dialeto
alemo, est em posio inferior ao Francs (WEINREICH, 1953 apud SALA, 1998); o
Espanhol mexicano e o Ingls estadunidense e o Espanhol uruguaio e o Portugus brasileiro,
que coexistem como lnguas de prestgio e literria (ELIZAINCN, 1981 apud SALA, 1998);
o Espanhol da serra equatoriana e o Quchua. Neste caso, o Espanhol assume legalmente o
status de lngua oficial, porm o falante de quchua ao usar seu idioma inibe a presena do
Espanhol, recuperado atravs de emprstimos feitos pelos indgenas na fala (SALA, 1998).
Na sequncia, temos o Espanhol paraguaio em contato com o Guarani (GRANDA, 1988 apud
SALA, 1998), cujas interferncias coocorrem em ambos os idiomas. Por fim, h o movimento
unilngue dentro de uma Espanha multilngue: o Espanhol influenciou os demais sistemas
lingusticos do pas (BLAS ARROYO, 1991 apud SALA, 1998).
Do ponto de vista amaznico, Aikhenvald (2002) teve como objetivo sistematizar o
contato induzido por mudana entre duas famlias lingusticas geneticamente no relacionadas
e tipologicamente diferentes do norte da Amaznia: Arauaco do norte e Tucano na regio de
Vaups e distinguiu as semelhanas genticas de emprstimo. Segundo a autora, quando as
lnguas esto em contato, ou seja, quando h muitos falantes de uma lngua tendo contato com
outras, ambas emprestam caractersticas lingusticas em um processo cclico, por exemplo,
pronncia, gramtica, vocabulrio.
Sobre o contexto, estudos acerca do contato foram realizados em poucos lugares do
mundo: a rea lingustica dos Balcs (JOSEPH, 1983 apud AIKHENVALD, 2002;
FRIEDMAN, 1997 apud AIKHENVALD, 2002); ndia (EMENEAU, 1980 apud
AIKHENVALD, 2002; MASICA, 1976 apud AIKHENVALD, 2002); o leste da Terra de
Arnhem e as regies do rio Daly na Austrlia (HEATH. 1978 apud AIKHENVALD, 2002;
DIXON, 2002 apud AIKHENVALD, 2002). No entanto, ainda no se desenvolveu um estudo
detalhado das lnguas amaznicas.
Aikhenvald (2002) comenta que a regio da Bacia Amaznica apresenta uma grande
diversidade lingustica, abriga cerca de 300 grupos lingusticos distribudos em mais de 15
famlias, afora as isoladas. Nesse estudo, a autora identifica as seis maiores famlias
lingusticas da Bacia Amaznica, quais sejam Arauaco, Tupi, Caribe, Pano, Tucano e J; as
menores incluem Mak, Bora-Witoto, Harakmbet, Araw, Chapacura, Nambiquara, Guahibo
4 No original: [...] el status distinto de las lenguas est determinado por el valor social, es decir, por la
capacidad de stas de ser utilizadas como medio de comunicacin.
25
e Yanomami. Em outras palavras, o mapa lingustico da regio amaznica parece uma colcha
de retalhos, cujas lnguas esto em constante contato.
Para a pesquisadora, tambm devido s migraes que o contato lingustico gera:
emprstimo, mudana e reestruturao gramatical, reanalisando morfemas existentes e
introduzindo novos morfemas, isto , gramaticalizao de itens lexicais. Esse cenrio
multilngue vai de encontro ao de outras regies do mundo, criando dificuldades para
distinguir entre similaridades relacionadas reteno gentica e quelas relacionadas
difuso areal5 (AIKHENVALD, 2002, p. 2).
Como destacamos, o fenmeno das lnguas em contato se torna mais marcante nas
regies de fronteira entre pases de lnguas diferentes. Roraima e sua trplice fronteira ponto
de chegada e partida para a Amaznia Caribenha (OLIVEIRA, 2008): ao norte a Venezuela,
ao sul os demais estados brasileiros e ao leste a Guiana. nesse contexto que se insere
Roraima, como local multi-, plurilngue, onde se encontram brasileiros de diversas regies,
indgenas e estrangeiros, sobretudo venezuelanos e guianenses.
Boa Vista, capital do Estado de Roraima, por exemplo, com aproximadamente 300 mil
habitantes (IBGE, 2010), recebe com frequncia esse fluxo migratrio de brasileiros,
indgenas e estrangeiros. Em Pacaraima, foco de nossa pesquisa, extremo norte do estado, so
aproximadamente 10 mil habitantes, sendo que metade est na zona urbana e a outra, na rural.
O fluxo de brasileiros e venezuelanos intenso tanto do ponto de vista lingustico como
sociocultural. No comrcio brasileiro assim como no venezuelano, encontramos marcas deste
contato lingustico seja na fala seja na escrita. A seguir ilustramos com um exemplo no
mbito da escrita. Esta foto foi tomada em uma loja localizada em Santa Elena:
5 No original: [...] creating difficulties for distinguishing between similarities due to genetic retention and those
due to areal diffusion.
26
Figura 1 - Cartaz em loja Santa Elena de Uairn/Venezuela
Fonte: Arquivo pessoal
Como podemos observar, o cartaz est em espanhol, parte superior e direita, e em
portugus, na parte inferior esquerda. Devido ao fluxo de brasileiros, como j mencionado,
as lojas tentam se adaptar ao novo pblico e, assim, diminuir as barreiras lingusticas. Outro
exemplo que nos pareceu interessante, foi o que verificamos em um cartaz no interior de um
supermercado em Pacaraima, no qual havia o seguinte aviso Temos pollo, o sea frango.
Trata-se de um exemplo clssico de AC, pois na mesma sentena coocorrem as duas lnguas
pela sequncia de elementos em portugus/espanhol/portugus. O principal elemento
oracional, o verbo, est em portugus, enquanto os outros elementos se apresentam cada um
em lnguas diferentes.
Outra questo a ser investigada, seria o contato entre o Portugus e as lnguas
indgenas. Tal contato, por exemplo, ocorre atravs de topnimos, tais como os nomes de: rios
Uiraricoera, Tacutu e Cauam; bairros, Pricum, Paraviana e Caari, e municpios, Amajar,
Pacaraima e Mucaja; sendo esses apenas uns pouqussimos casos que podemos citar. O
cotidiano lingustico roraimense envolve muitos outros elementos indgenas ainda no
estudados pela lingustica. Citamos como exemplo Spotti (2011) que realiza um estudo
potamonmico do Rio Uiraricoera e seus principais afluentes. A autora destaca as taxonomias
de natureza fsica, tais como os fitotopnimos, os hidrotopnimos e os zootopnimos.
1.2 Alternncia de Cdigo
As pesquisas sobre Alternncia ou Mudana de Cdigo cresceram nos ltimos 20
anos, motivadas, por exemplo, pelo discurso de sujeitos bilngues. Nas dcadas de 1950 e
1960, havia poucas pesquisas na rea. J a partir da dcada de 1970, publicaes como as de
27
Poplack (1979 apud AUER 2002), na rea de sintaxe, e de Blom e Gumpertz (1972 apud
AUER 2002), na Sociolingustica, foram pioneiras e hoje so orientaes clssicas no estudo
da Alternncia de Cdigo (AC).
O fenmeno da AC podia ser observado entre adolescentes italianos da parte suo-
alem no subrbio de Zurique. Na dcada seguinte, tambm foi observado a AC em Basel e
outras cidades suas como Solothurn e Berna. Nas dcadas de 1980 e 1990, monografias e
artigos foram produzidos sobre a temtica na Europa (AUER, 2002; FRANCESCHINI,
2002).
Autores, como Williams e Hammarberg (1998), consideram a AC uma estratgia
utilizada pelo indivduo bilngue. Tal recurso parece destacar-se mais na oralidade, por conta
da imediatez de fala, o que justamente observamos em pesquisas consultadas (BLAS
ARROYO, 1993; LARANJEIRA, 2005; MENNDEZ; MENNDEZ, 2003). Embora os
tipos de AC apresentados sejam para um corpus oral, podemos adapt-los ou sugerir novas
categorias a partir dos dados que foram coletados de nosso corpus escrito, j que, do ponto de
vista funcional, oralidade e escrita so vistas como um continuum e no como categorias
dicotmicas.
Como exemplo, citamos a Espanha que alm do Espanhol falam-se outras lnguas
cooficiais, o Galego, o Catalo e o Basco. Neste contexto, revisamos Blas Arroyo (1993), o
qual realiza pesquisa no campo da Sociolingustica urbana na cidade de Valncia, capital da
Comunidade Valenciana, localizada na costa Mediterrnea, leste espanhol. Seu objetivo foi
estudar as interferncias no mbito da fala do sujeito bilngue da referida cidade, no que
concerne estrutura gramatical espanhola.
Para isso, uma srie de critrios foram estabelecidos, tais como distribuio lingustica
populacional; grau e tipo de domnio de cada uma das lnguas; grau e utilizao das mesmas;
atitudes frente a cada uma das lnguas e o seu emprego em diferentes contextos; relao destes
fatores com tais variveis independentes: idade, nvel econmico, social, cultural e
interferncias entre as duas lnguas. Tais passos sero de grande valia para nosso trabalho,
pois buscaremos encaixar analiticamente nossos dados lingusticos e os perfis
sociolingusticos de nossos informantes, por entendermos que o contato lingustico no pode
ser compreendido apenas do ponto de vista estritamente lingustico. Como observou Sala
(1998, p. 32), o fenmeno contato lingustico est ligado diretamente a fatores
extralingusticos, os quais determinam e estimulam o tipo de contato.
Poplack (1980) desenvolveu uma pesquisa em uma comunidade porto-riquenha de
East Harlem em Nova Iorque, tendo como objetivos a distribuio dos informantes no
28
cotidiano da comunidade, a anlise das atitudes de membros da comunidade em relao a
cada uma das lnguas e a anlise sociolingustica quantitativa do comportamento lingustico
selecionado.
Neste ambiente multilngue, falavam-se tanto Ingls como Espanhol, esta, mais
utilizada pelos mais velhos. Pedraza (1978 apud POPLACK, 1980, p. 582) apontava que
havia sinais de declnio de uso do Espanhol, sobretudo pelos mais jovens que nasceram e
foram criados em Nova Iorque.
A comunidade investigada parecia ser uma comunidade bilngue estvel, cuja
aquisio de uma segunda lngua poderia se deslocar para uma primeira (FISHMAN, 1971
apud POPLACK, 1980, p. 582). Isso se deu pelo fluxo migratrio durante o incio sculo XX
para os Estados Unidos. Assim, h o deslocamento da LM, o Espanhol, por exemplo, para a
LE, o Ingls, haja vista ser a lngua oficial no pas de destino.
At ento a literatura sobre AC levava em considerao funes sociais e pragmticas,
porm, no estudo de Poplack (1980) incorporam-se fatores funcionais e lingusticos em um
modelo que desse conta do comportamento da AC. Dessa maneira, dados sobre o desempenho
de MC obtidos pela prpria autora (1978) e por Pfaff (1975 apud POPLACK, 1980), cujas
pesquisas realizadas em duas comunidades bilngues separadas apontaram contraexemplos a
restries categricas, a saber: restrio de morfemas livres e restrio de equivalncia.
Na restrio de morfema livre, os cdigos podem ser alternados depois de qualquer
sintagma do discurso desde que no seja um morfema preso. O exemplo utilizado una buena
exCUSE [ehkjuws]/ uma boa desculpa pode ser pronunciado com a primeira slaba nos
padres do Espanhol caribenho, ou seja, aspirando o /s/ antes das consoantes surdas e a
segunda slaba nos padres do Ingls. No entanto, EAT iendo, cujo morfema preso do
Espanhol iendo /-indo est afixada na raiz do ingls eat/ comer, no se caracteriza como
AC.
Na restrio equivalente, a AC tende a ocorrer em pontos no discurso em que a
justaposio de elementos da L1 e da L2 no viola regras sintticas de ambas as lnguas, ou
seja, em pontos em torno dos quais as estruturas de superfcie das duas lnguas se
correspondem. O exemplo, a seguir (POPLACK, 1980, p. 586) ilustra tal restrio:
A Ingls I told him that so that he would bring it fast.
B Espanhol (Yo) le dije eso pa' que l la trajera ligero.
C AC I told him that PA' QUE LA TRAJERA LIGERO.
29
Poplack define AC como a alternncia de duas lnguas dentro de um discurso, frase
ou sintagma6. Em estudo anterior realizado pela prpria autora, a AC foi caracterizada pelo
grau de integrao dos padres fonolgico, morfolgico e sinttico de uma L1 para uma L2.
Desta maneira itens como (1), retirado de Poplack (1980, p. 583), preservam os padres
fonolgicos do Ingls, em maiscula, foram considerados exemplos de AC. Por outro lado,
itens como (2), padro Espanhol porto-riquenho, sublinhado, foram considerados casos de
discurso Espanhol monolngue.
(1) a. Leo un MAGAZINE. [mg'ziyn] / Leio uma REVISTA.
b. Me iban a LAY OFF. [ly hf] / Iam demitir-me.
(2) a. Leo un magazine. [maa'si]
b. Me iban a dar layoff, ['leof]
Desta forma, quando o falante faz a AC, ou seja, passa do Espanhol para o Ingls, ele
pronncia magazine e lay off, respectivamente 1a e 1b, com o padro do Ingls. O contrrio
observado no exemplo 2. As mesmas palavras so pronunciadas com o padro do Espanhol.
Esses dados fazem parte de um corpus oral, como se pode notar. Nossa pesquisa,
diferentemente, tratar de AC em textos escritos, nos quais traos fonolgicos podem ser
analisados como ndices de fenmenos orais.
Poplack (1980, p. 589, 597) define trs tipos de AC a saber (1) tag-switching/Etiqueta,
ou seja, a alternncia de um substantivo simples, geralmente com carga semntica
pejorativa: Venda arroz 'N SHIT/ Vendia arroz DROGA. Os tags so componentes livres
que podem ser inseridos em qualquer lugar da frase e no afetam nenhuma regra gramatical;
(2) inter-sentential switching/Alternncia Interoracional exige maior domnio de ambos os
idiomas, isto , seriam frases tomadas como de lnguas diferentes. Embora estejam em
sistemas distintos, seguem os padres gramaticais de ambas as lnguas, como em And from
there I went to live PA' MUCHOS SITIOS. Despus viv en la ciento diecisiete WITH MY
HUSBAND / E a partir da fui morar EM MUITOS LUGARES. Depois morei no 117th COM
MEU MARIDO e (3) intra-sentential switching/Alternncia Intraoracional ocorre,
principalmente, no meio de frases, exigindo do falante bilngue maior competncia
lingustica. Para Poplack, este tipo de alternncia mais complexo, pois os segmentos devem
estar de acordo com as regras sintticas de ambas as lnguas envolvidas para que se unam
gramaticalmente. Desta forma temos Why make Carol SENTARSE ATRAS PA' QUE
6 No original: [...] alternation of two languages within a single discourse, sentence or constituent.
30
everybody has to move PA' QUE SE SALGA (for her to get out)?/ Por que fazer a Carol SE
SENTAR AO FUNDO PARA QUE para que todo mundo se levante PARA QUE ELA
SAIA?.
O fenmeno da AC mais intenso em zonas fronteirias, sobretudo no mbito da fala,
como j foi exposto. A AC requer do falante, do ponto de vista lingustico, uma manipulao
de no mnimo dois cdigos. Silva-Valdivia (1994, p. 161) define AC como a presena de duas
lnguas em um mesmo enunciado ou ato comunicativo. O autor complementa que o indivduo,
ao se expressar, f-lo sem nenhuma dificuldade, combinando elementos das duas lnguas.
Nesse sentido, um fato que nos chama a ateno e que pode ilustrar o que foi dito
anteriormente acontece nas lojas do centro de Santa Elena. Nos estabelecimentos, os
brasileiros perguntam em Portugus e os vendedores alternam entre o Portugus e o Espanhol.
Tal estratgia comunicativa bastante utilizada nas atividades comerciais da cidade. De igual
maneira ocorre em Pacaraima seja na oralidade seja na escrita. A seguir verificamos tal
situao, ilustrada com a fachada de uma loja, localizada na Rua Suapi, centro comercirio do
lado brasileiro.
Figura 2 Fachada de loja em Pacaraima/Brasil
Fonte: Arquivo pessoal
Como percebemos na Figura 2, as lnguas Portuguesa e Espanhola tambm dividem
espao nas fachadas do comrcio. Assim como ocorre do lado venezuelano, observamos que
os brasileiros tambm alternam em sua prtica comunicativa entre o Portugus e o Espanhol.
Conforme Silva-Valdivia (1994, p. 161), estabelecer onde comea uma lngua e onde termina
a outra nem sempre uma tarefa fcil, pois os falantes bilngues fazem uso de ambas as
lnguas de modo consciente. Para o autor, os estudos sobre AC se intensificaram nos ltimos
anos, uns mais voltados s questes lingusticas e outros, s extralingusticas.
31
Com relao s pesquisas lingusticas, por exemplo, aponta-se que a concorrncia de
duas lnguas tende a acontecer quando no h justaposio na estrutura sinttica em uma das
lnguas, ou seja, a Alternncia ocorre entre os elementos de uma frase, obedecendo s regras
gramaticais das lnguas envolvidas. o chamado Princpio da Equivalncia definido por
Poplack (1980). Silva-Valdivia (1994) adota uma perspectiva mais social voltada para o
extralingustico, dando nfase para o contato galego-espanhol, objeto de sua pesquisa.
Laranjeira (2005) parte de um estudo de caso, em que ela se inclui como sujeito
participante. Trata-se da AC em contexto familiar, no qual se alternam as Lnguas Inglesa e
Espanhola, sendo que a primeira predomina. Para a autora, o termo AC polissmico sendo
utilizado como MC ou Transferncia, j que ambos os conceitos podem ser utilizados como
sinnimos. Na introduo, comentamos sobre a dificuldade de encontrar pesquisas sobre AC
escrito. Tambm destacamos que utilizaramos categorias relacionadas fala e/ou novas
categorias que se ajustassem aos nossos dados.
Para a autora, Alternncia o uso de uma ou mais lnguas no ato de fala e tambm a
mudana de uma variedade lingustica para outra quando necessrio. Para fins de sua
investigao, Laranjeira entende MC como o uso alternado de duas ou mais lnguas pelo
mesmo falante durante o ato de fala ou conversao. Assim, temos: (1) Mam, tu pap
cuando eras pequea era mdico, how come he is not tired? / Mame, seu pai quando voc
era pequena era mdico, como ele no est aposentado? e (2) No van a bring it up in the
meeting? / No vo selecionar o assunto na reunio? (LARANJEIRA, 2005, p. 11).
Podemos observar que a AC exige do falante um nvel alto de Competncia
Comunicativa, no caso citado, de duas lnguas, ocorrendo naturalmente, sem esforo. O
falante precisa manipular bem os cdigos envolvidos e estabelecer uma srie de relaes entre
as lnguas, por exemplo, restries gramaticais, funcionais e pragmticas (LARANJEIRA,
2005, p. 27). Do ponto de vista da restrio gramatical, no se podem quebrar as regras das
lnguas, isto , duas lnguas se combinam de forma harmnica, de modo que a segunda seja a
continuao da primeira. Assim, essa combinao acontece, por exemplo, entre artigo e nome,
conjuno e orao subordinada. Com relao restrio do tipo funo, a autora destaca a
situao comunicativa, ou seja, o grau de formalidade/informalidade. No que se refere
restrio pragmtica, destacam-se os aspectos estilsticos, interacionais e discursivos.
Com base em Poplack (1980), Laranjeira (2005, p. 28-29) tambm prope trs tipos de
AC, a saber, etiqueta, interoracional e intraoracional. Com relao etiqueta, temos as
interjeies, os marcadores discursivos, as frmulas sociais e as exclamaes, como
oye/olha, em Lngua Espanhola. A autora tambm inclui expresses de incio, meio e fim
32
em uma conversao. Esses elementos movem-se dentro do discurso sem alterar a estrutura
sinttica da frase. Outro termo utilizado Alternncia Emblemtica, pois seu carter primeiro
est no discurso monolngue, por exemplo, do Ingls you know/voc sabe.
No que concerne Alternncia Interoracional, o falante alterna oraes de uma lngua
para outra, como em I started going to like this. Y luego deca. Look at the smoke.../Comecei
a gostar disso. E depois dizia. Olhe para o cigarro...; Its been a long time since we last met.
Cmo ests?/Faz muito tempo desde a ltima vez que nos vimos. Como vai voc?. Para a
autora, do ponto de vista funcional, esta mudana pode ser motivada, por exemplo, porque: a
mensagem dirige-se para vrios interlocutores; inserem-se textos; houve uma mudana no
discurso ou o falante se sente mais competente em uma das lnguas. Esta Alternncia requer
do falante maior domnio gramatical sobretudo no uso de oraes complexas de uma lngua
para outra.
Por ltimo, temos a Alternncia Intraoracional que diz respeito Alternncia dentro da
mesma orao ou mescla de cdigos (Code-mixing). Assim, tem-se: I started acting real
curiosa/Comecei a atuar muito curiosa; Oye, mira, t tmatelo como take it easy/Ei, olha,
pega com calma; I visit mi abuelo at the weekends/Visito meu av nos finais de semana.
Esta mudana exige do falante domnio e conhecimento gramaticais de ambas as lnguas,
levando em considerao que as palavras se encaixam no discurso.
Neste sentido, identificamos em nossa pr-anlise7 vrios exemplos de Alternncia
Intraoracional no mbito escrito, tais como Se tem que ter presente em um mundo to
multifusional como este as pessoas tem que se capacitar em na medida das exigencias de sua
profisso e manter esse conhecimento em busca de um melhor porvenir (I02B8), ou Mais
para alcanar tudo isso, precisamos de professores capacitados, com amor a sua profisso e
com o valor de motivar aos outros a fazer da excelencia sua razn de ser: no pessoal, no
profissional, no espiritual (I12B). Durante o processo de escrita, o informante alternou a
palavra que seria em Portugus por uma em Espanhol seja por desconhecimento da mesma
seja por estar envolvido com o processo de escrita. No caso de excelencia, por exemplo,
poderia passar despercebida, entendendo-a como homnima, porm nem a grafia nem a
pronncia so portuguesas. Do ponto de vista grfico, diferenciam-se pela presena do acento
circunflexo que em Lngua Portuguesa indica o fechamento da vogal mdia [e], sendo
desnecessria sua presena em Espanhol, j que todas suas vogais so fechadas.
7 Detalharemos o termo pr-anlise na nossa metodologia. 8 Agruparemos os exemplos da seguinte forma, por exemplo, I02B, ou seja, Informante 02, Anexo B. Tambm
detalharemos na metodologia.
33
Considerando que nosso corpus escrito, acreditamos que alguns tipos e subtipos de
Alternncia, Transferncia e Interferncia podem aparecer em maior ou menor medida em
nossa anlise. Por exemplo, a Alternncia do tipo Etiqueta, caracteristicamente oral, parece
se manifestar mais em resultados de pesquisa que envolvem corpora orais, como o caso de
Poplack (1980) e Laranjeira (2005), cujos resultados indicam o uso de marcadores discursos
na fala de seus informantes.
1.3 Transferncia lingustica
Nos ltimos anos, os termos Transferncia e Interferncia Lingusticas entram em
conflito entre si. Weinreich (1974, p. 17), por exemplo, define Interferncia como desvios da
norma de algumas lnguas que concorriam na fala dos bilngues9. Seja qual for o termo
utilizado, o fato que tanto Transferncia como Interferncia implicam influncia de uma
lngua A sobre uma lngua B, gerando estruturas agramaticais que no se enquadram em
ambas as lnguas.
A essa discusso, Lpez Morales (2004, p. 219) acrescenta o termo Convergncia
porque, segundo ele, o referido conceito tambm estabelece relao entre uma lngua A para
B, apresentando resultados diferentes, pois a lngua B se aproxima da lngua A.
Como anteriormente tocamos nas chamadas estruturas agramaticais, notamos que
Lpez Morales (1992, p. 155-171) discute os conceitos de Transferncia e Convergncia por
meio de uma gramaticalidade gradiente, que vai do mais gramatical para o menos gramatical,
j que todas elas podem ou no violar uma ou mais regras gramaticais. Essa gradincia pode
ser sistematizada da seguinte maneira:
Diagrama 1 Continuum da gramaticalidade do contato lingustico
+ +/- -
Transferncia Convergncia Interferncia
Por meio desse continuum o autor neutraliza a discusso acerca da Transferncia
positiva e negativa, j que nisso entram critrios subjetivos por meio do qual o pesquisador
parece julgar seus dados. O termo TL surgiu na dcada de 1960 quando se acreditava que a
9 No original: [...] desviacin con respecto a las normas de cualquiera de las dos lenguas que ocurren en el
habla de los individuos bilinge [].
34
L110 interferiria no processo de aprendizagem do aluno na L211. Atravs da viso
behaviorista, as prticas da L1 transfeririam para a L2, podendo ser a transferncia positiva,
formas semelhantes entre as lnguas, ou negativa, chamada de Interferncia, uma forma da L1
utilizada para preencher lacunas na L2.
Considerando a fluidez do contato lingustico, analis-lo por meio de uma dicotomia
ou tricotomia tentar engessar um processo que dinmico por sua natureza. Ademais, a
anlise em continuum se aproxima muito mais dos estudos sociolingusticos e funcionalistas,
pois se preocupa mais em explicar o fenmeno do que propor categorias hermticas.
Como foi dito, tanto a Transferncia como a Interferncia so a influncia de uma
lngua A sobre uma B. No caso da Interferncia produzem-se estruturas agramaticais, ou seja,
no se relacionam s lnguas envolvidas. Por outro lado, a Convergncia a aproximao da
lngua B em direo a lngua A.
Segundo Alvarez (2002), a TL pode ser positiva ou negativa. Na primeira, a influncia
da L1 sobre a L2 ajudaria no processo de aprendizagem da LE. J na segunda, tambm
denominada de Interferncia, a influncia produz erros, o que no seria benfico para o
aprendiz, pois o aluno, por exemplo, internaliza estruturas agramaticais, haja vista que a
Transferncia tem vrios fatores que interatuam entre si. Desta forma, a autora define o
fenmeno como um processo que ocorre quando o aprendiz de uma L2 utiliza os
conhecimentos lingusticos e as habilidades comunicativas (seja da L1 ou de qualquer outra
lngua adquirida previamente) na hora de produzir e processar mensagens na L2.
Nos 20 pases em que o Espanhol oficial ou cooficial, 94% da populao fala o
idioma, segundo Lpez Morales (2004, p. 217-219). Neste suposto contexto monolngue,
observam-se outras lnguas, sobretudo as amerndias. O autor, ao apresentar um quadro com a
porcentagem de hispanofalantes, destaca em seus comentrios trs pases: Paraguai,
Guatemala e Panam, em que o Espanhol divide espao com as lnguas indgenas da regio.
Desta maneira, frente s diversas influncias entre as lnguas em contato, obtm-se vrios
resultados, tais como Transferncias e Convergncias entre lnguas, fenmenos que ocorrem
no mbito lxico-sinttico; AC; pidgin e crioulo, ou seja, lnguas que do origem a outra; e a
mortandade lingustica.
Weinreich (1974) prope uma dicotomia lngua versus fala em manifestaes externas
produzidas por um falante em situao especfica. Desta maneira, a lngua pertence norma
10 Neste trabalho, o termo L1 sinnimo de Lngua Primeira ou Primeira Lngua ou Lngua Materna. 11 Neste trabalho, o termo L2 sinnimo de Lngua Segunda ou Segunda Lngua ou Lngua Estrangeira. L2
refere-se ao ensino da lngua estrangeira no pas onde ela falada como lngua materna. Lngua estrangeira diz
respeito ao ensino da lngua estrangeira em pases onde essa lngua no materna.
35
da comunidade e a fala o resultado momentneo dessa lngua. O fenmeno da TL
classificado em dois tipos: o lxico e a gramtica. Com relao ao lxico, a influncia do
contato ocorre nas Transferncias lxicas de uma lngua a outra. No entanto, tais
Transferncias possuem variados tipos e graus, bem como as atitudes que provocam na
comunidade receptora. Ainda para o autor, esses emprstimos acontecem atravs do contato
direto das lnguas ou do contato diferido, por exemplo, leituras, meios de comunicao, dentre
outros.
A Transferncia lxica, segundo Lpez Morales (2004, p. 221), divide-se em
Emprstimos lxicos e Traduo direta. No que se refere aos Emprstimos, observam-se
cpias idnticas ou com algumas modificaes das formas e dos contedos semnticos da
palavra estrangeira, como em parking, part-time, OK, screen. Ao contrrio, do ponto de vista
semntico, acrescenta-se ao Emprstimo um segundo significado, por exemplo, assistente
(Espanhol)/assistant (Ingls), ayudante (Espanhol)/ajudante incorporado ao Espanhol como
que assiste; aplicacin (Espanhol)/application (Ingls), solicitud (Espanhol)/solicitao,
incorporado ao Espanhol como diligncia, instncia cuidadosa. Por ltimo, existem os que
adotam o sentido da palavra estrangeira, excluindo o sentido primeiro da palavra do outro
idioma como em ganga (Espanhol)/gang (Ingls), pandilla juvenil (Espanhol)/grupo de
jovens delinquentes; promotor (Espanhol)/promoter (Ingls), el que lanza y maneja a
artistas y deportistas/aquele que organiza e promove eventos, festas.
Por outro lado, existem os emprstimos hbridos, por exemplo, full
equipado/equipamento completo, full de todo/cheio de tudo, como bem dizem os
venezuelanos. Ainda sobre emprstimos, existe o parcial, cuja base o Ingls e um elemento
em Espanhol, por exemplo, printear (Espanhol)/to print (Ingls), imprimir/imprimir e
clipear (Espanhol)/to clip (Ingls), grapar, presillar (Espanhol)/grampear. Os dados
apresentados podem ocorrer tanto na fala como na escrita.
sabido da proximidade entre o Portugus e o Espanhol. No entanto, o que poderia
ser um facilitador passa a ser uma dificuldade, sobretudo com as palavras heterotnicas,
heterogrficas e heterogenricas, isto , tonicidade, grafia e significado diferentes,
respectivamente. Alvarez (2002) esclarece que no incio a semelhana entre as lnguas citadas
deixa o aluno mais confiante, mas ao longo dos anos de estudo, o nvel de complexidade
aumenta.
Sob a viso da autora, estudos sobre Transferncia apontam que falantes de lnguas
semelhantes quando percebem tal aproximao tendem a transferir elementos entre os
36
idiomas. o que ocorre, por exemplo, entre o Portugus e o Espanhol. Na sequncia, Quadro
2, sumarizamos uma srie de classificaes sobre Transferncia:
Quadro 2 - Alguns conceitos de Transferncia lingustica
Autor Conceitos
Selinker
(1985)
Considera a transferncia como um processo organizador integrado a outros para o insumo
lingustico frente ao sistema lingustico que o aprendente j possui.
Corder
(1992)
Existem dois tipos de transferncia: os emprstimos funcionam quando as lnguas esto muito
prximas e as transferncias estruturais que fazem parte da aprendizagem de uma lngua como
parte da competncia lingustica.
Gonzalez
(1994)
A transferncia de fato existe e os fenmenos gramaticais que ela provoca no so meramente
frutos de olhar hiper-corretivo do professor, sendo um processo que vai alm da incorporao de
emprstimos da L1 na interlngua.
Fonte: Adaptado de Alvarez (2002)
Observamos que o conceito de Transferncia passa tambm pela questo do
Emprstimo. Caso essas incorporaes se fixem na L2 do aprendiz temos a fossilizao, uma
estrutura da L1 que foi consolidada na L2 de maneira errnea. Alvarez (2002) conclui que a
proximidade entre o Portugus e o Espanhol propicia o fenmeno da TL, mas que o aprendiz
deve estar atento para vencer tais obstculos de modo que no internalize estruturas da L1 na
L2.
Freitas (2008) trata do fenmeno da TL em escolas que ofertam Portugus como
segunda lngua em Cabo Verde. A autora se fundamenta a partir dos conceitos estabelecidos
por Andrade (1997), que prope uma viso diferenciada sobre a Transferncia em dois
aspectos: a lingustico-comunicativa e a aquisicional. O primeiro se subdivide em fontico-
fonolgica, gramatical, lexical ou emprstimo, comunicativa e evitamento. O segundo se
refere s questes de conscincia, controle e ateno e no foram descartadas por Freitas.
Retomando a Transferncia fontico-fonolgica, Freitas (2008, p. 72-73) comenta que
os traos da LM so transferidos para a LNM, especialmente na pronncia. A autora diz que
esse processo inconsciente e o falante no se d conta, ao menos que grave sua fala para
comparar as diferenas entre ambas as lnguas. Do ponto de vista fonolgico, a Transferncia
pode acontecer devido ortografia das duas lnguas estudadas. No caso de sua pesquisa, os
cabo-verdianos conhecem apenas o sistema ortogrfico portugus. Assim, ao redigir algo em
lngua crioula, utilizam a ortografia portuguesa.
No que se refere Transferncia gramatical, Freitas (2008, p. 73) define-a como a
influncia da LM no funcionamento morfossinttico da LNM, tais como flexo de gnero e
nmero, concordncia e sintaxe. Os alunos ao longo do curso vo desenvolvendo e
aprimorando sua competncia lingustico-comunicativa.
37
No contexto fronteirio Brasil/Venezuela, exemplificamos com a frase [...] Na
atualidade devemos ser autodidatas, conformar equipes efetivos de trabalho [...] (I12B).
Equipe em Portugus um substantivo feminino, enquanto que em Espanhol equipos,
masculino. O aluno escreve em Portugus, equipes efetivos, porm faz a concordncia de
gnero em Espanhol efetivos.
No que diz respeito Transferncia lexical, Freitas (2008, p. 75) apresenta a definio
de Andrade (1997) segundo a qual a Transferncia acontece de unidades lexicais de uma
lngua a outra atravs da traduo literal, na estrangeirizao de palavras e criao de novas
palavras.
Seguindo a mesma autora, a Transferncia comunicativa acontece quando o aluno
alcana um nvel prximo a de um nativo. Desta maneira, metforas, sentimentos e emoes,
por exemplo, so mais difceis de abstrair. Por fim, o evitamento descrito pela autora (p. 77-
78) como uma forma de evadir-se de uma suposta estrutura incorreta, isto , o estudante evita
transferir estruturas da sua LM na LNM. Autores citados, como Bertrand (1987, apud
FREITAS, 2008), definem esse fenmeno como uma Transferncia Negativa.
A pesquisa que mais se aproxima da nossa, haja vista tambm tratar do fenmeno da
Alternncia lingustica em textos escritos, o de Watts (2009) que analisa 34 edies de trs
jornais hispanos da Carolina do Norte/Estados Unidos, totalizando 102 edies, restringindo-
se capa e a matria principal de cada jornal. Encerrada a pesquisa, a concluso foi que a
maioria das TL do Ingls para o Espanhol ocorre no plano lxico/semntico, seguido do plano
sinttico e da Alternncia de Cdigo.
O plano semntico refere-se ao Emprstimo, ou seja, palavras ou frases de uma lngua
para outra, e Traduo direta, isto , quando uma lngua incorpora um significado de outra
lngua, agregando o significado a uma palavra existente ou a uma palavra criada pelas regras
da lngua receptora. Nesse plano, os nomes (lonchera do ingls lunch pail/comer fora de
casa) foram os que mais sofreram Transferncia, seguidos dos verbos (aplicar significa em
Espanhol empregar, administrar ou colocar em prtica um conhecimento, medida ou princpio
com a finalidade de obter um determinado efeito ou rendimento em algo ou algum12. No
entanto, esta uma Traduo direta do Ingls do verbo apply que significa em Espanhol
padro solicitar), das grias (migra de inmigracin ou migracin) e dos adjetivos
12 Extrado da pgina do Dicionrio da Real Academia Espanhola. No original: Emplear, administrar o poner en
prctica un conocimiento, medida o principio, a fin de obtener un determinado efecto o rendimiento en alguien o
algo.
38
(fatal significa inevitable, desgraciado, infeliz. Em Ingls existe a mesma palavra, porm
com significado diferente, qual seja mortal).
No plano sinttico, a Transferncia acontece nas mudanas de grafia, tais como
ausncia do acento agudo (se incendio no lugar de se incendi/incendiou), ortografia
(retrazado ao invs de retrasado/atrasado) e de funo gramatical (ausncia da
preposio a deportando [a] gente/deportando pessoas).
O terceiro tipo diz respeito AC, ou seja, a substituio de uma palavra ou frase de
uma lngua por outra. As Alternncias mais frequentes foram as abreviaturas, seguidas das
palavras e das frases. Por exemplo, quanto s abreviaturas, o plural ocorre com a duplicao
da letra abreviada. Assim, Estados Unidos registrou-se como EU no lugar de EEUU.
1.4 Interferncia lingustica
Menndez; Mendndez (2003, p. 67-68) comentam que o termo Interferncia fora
cunhado por Sandfeld (1938 apud MENNDEZ; MENDNDEZ, 2003), porm foi Weinreich
(1974) que estabeleceu as causas e as formas do referido fenmeno. Os dois primeiros autores
definem Interferncia como processo e resultado que ocasionam a presena de unidades de
um dado sistema lingustico, bem como estruturas de outro sistema, reconfigurando estruturas
nos nveis fonolgico, morfolgico e sinttico. E mais, devemos compreender tal fenmeno
desde o ponto de vista da situao de contato de lnguas. No mbito da fala, tem-se fatores de
percepo da outra lngua e do emprstimo; no da lngua, fixa-se na integrao fnica,
gramatical, semntica e estilstica dos elementos do outro idioma.
Consoante Menndez; Menndez (2003, p. 69), os fatores externos influenciariam no
desenvolvimento da lngua desde o ponto de vista da lingustica estrutural. Esse dado
relevante, haja vista que para a descrio de uma situao de contato lingustico, devemos
considerar tambm fatores extralingusticos.
De acordo com Weinreich (1974), para cada tipo de Interferncia existe um tipo de
interao tanto de fatores lingusticos (estruturais) como de no lingusticos (psicolgicos e
socioculturais), como pode ser observado na tabela seguinte:
39
Quadro 3 - Formas e fatores da Interferncia em geral
Formas de
Interferncia
Fatores lingusticos Fatores no lingusticos
Estmulos
Fatores de resistncia
Estmulos
Fatores de resistncia
Toda
Interferncia
Qualquer ponto
de diferena
entre L1 e L2:
economia
Estabilidade dos
sistemas; requisitos
de instabilidade
Valor social de L1;
interlocutores
bilngues, etc
Valor social de L2;
atitudes puristas frente a
L2; fidelidade a LM;
interlocutores
monolngues, etc.
Fonte: Menndez; Menndez (2003)
Para Silva-Valdivia (1994, p. 165), utiliza-se o termo Interferncia em diferentes reas
do conhecimento, por exemplo, Fsica, Psicologia, Antropologia Cultural, Pedagogia e
Sociolingustica. O autor define o fenmeno como a mudana lingustica produzida em uma
lngua condicionada por outra lngua, excluindo-se Interferncias de uma mesma lngua. Para
Payrat (1985, apud SILVA-VALDIVIA, 1994), Interferncia a mudana lingustica que
acontece em determinada lngua A, motivada diretamente por uma lngua B. Assim, a
Interferncia leva em conta trs fatores: psicolgicos, sociolingusticos e sociocomunicaticos.
Sob o vis psicolgico, Silva-Valdivia volta-se para os problemas de aprendizagem de
uma L2, enfatizando os processos de aquisio de segunda lngua nos anos 1950 e 1960. J a
Psicologia evolutiva busca explicar o fenmeno a partir de como interatuam duas lnguas no
processo de aprendizagem bilngue.
No que tange sociolingustica, busca-se relacionar a situao social em que se produz
a Interferncia com a atitude dos falantes diante das mesmas. O autor enfatiza os aspectos
socioculturais, tendo em vista o contexto complexo em que se insere a Lngua Galega, objeto
de sua pesquisa. Como sabido, o Galego uma das lnguas minoritrias da Espanha e na
ditadura espanhola foi proibida de ser falada e ensinada.
Os fatores sociocomunicativos esto ligados tanto Interferncia como situao
comunicativa, que envolvem registro, grau de formalidade, contexto comunicativo, relao
entre os interlocutores, por exemplo. Para Silva-Valdivia (1994, p. 169) tais informaes so
importantes, sobretudo no contexto galego, em que aparecem espanholismos lxicos e
fonticos em situao familiar e mais informal, tais como ra, cervexa, beirrara e culler/rua,
cerveja, calada e colher, respectivamente.
Para Weinreich (1974, p. 29), toda teoria estruturalista ao distinguir lngua e fala supe
que todo acontecimento da fala pertence a uma lngua definida. Desta forma, possvel
admitir um enunciado com elementos de uma lngua diferente. Um falante ou um estudioso de
lnguas consegue perceber que os elementos proferidos podem ser separados como elementos
40
tomados de emprstimo ou transferidos. Em outras palavras, esta uma das manifestaes
da Interferncia lingustica.
Outro tipo de Interferncia, citada pelo autor, no implica uma Transferncia de
nenhum tipo de elemento, afetando tanto a expresso (fonemas) como o contedo
(semantema), haja vista que expresso e contedo so definidos atravs de oposies dentro
de uma mesma lngua. O autor traa uma srie de exemplos entre as Lnguas Russa e Inglesa.
Do ponto de vista fontico, Weinreich elenca o fonema /p/. Em Russo, ele definido por seu
trao distintivo de falta de palatalizao; j em ingls, no existe tal distino.
No que concerne sintaxe, o autor toma como exemplo a ordem dos elementos frasais
(sujeito + verbo + objeto) em oraes inglesas e russas. Para um indivduo bilngue, essa
ordem poderia ser denotativa em Ingls e em Russo, estilstica. No que se refere ao
semantema, parte da palavra que contm um significado de carter lexical como substncia,
qualidade, processo, modalidade da ao ou da qualidade, Weinreich toma como exemplo os
semantemas do Ingls foot (p) e leg (perna). No entanto, em Russo o mesmo contedo se
divide em trs: nka (p/perna de mvel), nog (toda a pata de um animal) e fut (medida de
12 polegadas). Observa-se que os semantemas so diferentes em ambas as lnguas. Para o
autor, em uma situao de contato lingustico, os semantemas foot e nog podem direcionar o
indivduo bilngue a uma identificao interlingustica dos dois idiomas.
Weinreich (1974, p. 39) diferencia claramente a questo da interferncia na fala e na
lngua. Nesta, o que interessa a integrao fonolgica, gramatical, semntica e estilstica
dos elementos estrangeiros13. Naquela, os fatores de percepo do outro idioma e a
motivao do emprstimo so de suma importncia14.
Ainda conforme o autor, os mtodos utilizados no estudo das Interferncias no so
iguais. No que tange aos Emprstimos, recuperam-se os elementos emprestados atravs de
entrevistas repetidas com o informante. Outra forma com textos escritos. Em nossa
investigao, o uso de textos escritos pode auxiliar-nos, por exemplo, a identificar se
determinadas estruturas escritas pelo informante [venezuelano] foram ou no tomadas de
emprstimos.
Do ponto de vista fontico, Weinreich (1974, p. 50-53) define quatro tipos de
interferncia, a saber: (1) subdiferenciao dos fonemas, ou seja, ocorre quando dois sons do
sistema secundrio (L2) se confundem e seus correspondentes no se diferenciam no sistema
13No original: [] lo que interesa es la integracin fonolgica, gramatical, semntica y estilstica de los
elementos extranjeros. 14No original: [...] los factores de percepcin del otro idioma y la motivacin del prstamo son de primera
importancia.
41
primrio (L1); (2) superdiferenciao dos fonemas, isto , diferenas fonolgicas do sistema
primrio sobre os sons do secundrio sem necessidade; (3) reinterpretao das distines, quer
dizer, acontece quando o bilngue diferencia fonemas do sistema secundrio atravs de traos
que so redundantes nesse sistema, porm so totalmente relevantes no sistema primrio e (4)
situao dos sons, em outras palavras, so fonemas definidos como idnticos, mas a pronncia
diferente.
Para Weinreich, os tipos (2) e (3) podem no ser chamados de Interferncia. Um dos
motivos devido realizao de fonemas da lngua secundria, inclusive alguns traos
redundantes podem ser interpretados como relevantes pelo falante. Ainda consoante o autor,
poder-se-iam haver dois grupos: um formado com os trs primeiros tipos de Interferncia e o
quarto, isolado. Este se refere mudana no sistema fonolgico e aqueles, relacionam-se aos
traos de uma ou ambas as lnguas.
Do ponto de vista gramatical, Weinreich (1974, p. 71) define trs tipos de
Interferncia, seja de A para B ou vice-versa, a saber: (1) o uso de morfemas A ao falar ou
escrever a lngua B, por exemplo, /nit er bt ix/ / no ele, mas eu em yiddish norte-
americano. Para o autor, algumas classes so mais suscetveis a transferncias que outras; (2)
a aplicao da relao gramatical da lngua A aos morfemas B na fala B ou o descuido de uma
relao de B que no tem prottipo em A, como em he comes tomorrow home/ retorne
amanh. O padro utilizado de lngua alem er kommt morgen nach Hause em morfemas
ingleses e (3) mediante a identificao de um morfema B especfico com um morfema A
especfico. Existe uma mudana das funes do morfema B baseado no modelo gramatical da
lngua A.
Siguan (2001, p. 176) enumera cinco tipos de Interferncias com nfase no Catalo-
Espanhol, a saber: fonticas e prosdicas, ortogrfic