Fabricio Paiva Mota-Contato linguístico na fronteira Brasil

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  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS

    FABRICIO PAIVA MOTA

    CONTATO LINGUSTICO NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: PRODUES

    TEXTUAIS DE HISPANOS APRENDIZES DE PLE

    Boa Vista

    2014

  • 2

    FABRICIO PAIVA MOTA

    CONTATO LINGUSTICO NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: PRODUES

    TEXTUAIS DE HISPANOS APRENDIZES DE PLE

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Letras da Universidade Federal

    de Roraima, como um dos pr-requisitos para

    obteno do ttulo de Mestre em Letras.

    rea de concentrao: Lngua e Cultura

    Regional. Apresentada em 20 de maro de

    2014 e avaliada pela seguinte banca

    examinadora:

    Boa Vista

    2014

  • 3

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima)

    M917c Mota, Fabricio Paiva.

    Contato lingustico na fronteira Brasil/Venezuela: produes

    textuais de hispanos aprendizes de PLE. -- Boa Vista, 2014.

    105 f. : il.

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Roraima,

    Programa de Ps-Graduao em Letras.

    1 Lngua estrangeira. 2 Produes textuais. 3

    Interferncia lingustica. 4 Brasil. 5 Venezuela. I - Ttulo. II

    Cruz, Maria Odileiz (orientadora).

    CDU 806.90

  • 4

    Para que Deus vos deu a inteligncia e a

    cincia, seno para repartir com vossos

    irmos, para os adiantar no caminho da

    alegria e da felicidade.

    Livro dos Espritos Captulo IX

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    minha orientadora Profa. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz pelos laos que nos une ao Cear.

    Fundacin Carolina pela bolsa concedida nos meses de janeiro e fevereiro de 2013 e ao

    meu orientador na Universidad de Cdiz, Prof. Dr. Manuel Rivas Zancarrn.

    Aos professores Dr. Lourival Novais Nto e Dra. Mnica Maria Guimares Savedra por suas

    contribuies na qualificao deste trabalho.

    Aos professores Dra. Aparecida Negri Isquerdo e Dr. Manoel Gomes dos Santos por

    aceitarem o convite de participarem da defesa desta dissertao.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal de

    Roraima (PPGL/UFRR) e nossa secretria Andreia.

    Aos meus companheiros da III Turma do PPGL/UFRR, em especial, Maria do Socorro Melo

    Arajo. Compartilhamos no apenas a mesma orientadora, mas tambm muitas histrias de

    vida.

    Ao Curso de Portugus para Estrangeiros da Universidade Estadual de Roraima (UERR), seus

    gestores, seus professores e, especialmente, seus alunos.

    minha famlia e, em especial, minha pequena Keona.

    Aos meus amigos e minhas amigas, dentre os quais cito Du Farias, Fabricio Ono, Miguel

    Linhares e Ricardo Souza.

    Ao meu companheiro Eliabe Procpio pela leitura, pela reviso textual e pelo apoio na

    concluso deste trabalho e pelos agradveis momentos compartilhados.

  • 6

    RESUMO

    O fenmeno de lnguas em contato no recente. Desde a Antiguidade, povos circulam pelo

    planeta estabelecendo conexes com outros povos. No contexto brasileiro, o contato entre

    falantes de lnguas diferentes um fenmeno acentuado, principalmente nas zonas

    fronteirias com os pases da Amrica do Sul. No cenrio roraimense, extremo norte do

    Brasil, foco de nossa investigao, existem duas fronteiras: ao norte com a Venezuela e ao

    leste com a Guiana. Dada localizao geogrfica, o estado de Roraima um dos poucos no

    pas com fronteiras trilngues, cujas lnguas oficiais so o Portugus, o Ingls e o Espanhol.

    Este trabalho tem por objetivo geral analisar o contato lingustico por meio de produes

    textuais de venezuelanos aprendizes de Portugus como Lngua Estrangeira (PLE); os

    objetivos especficos so discutir propostas terico-metodolgicas sobre o contato lingustico

    entre Portugus e Espanhol, definir os tipos de contato lingustico presentes nas produes

    textuais de venezuelanos aprendizes de Portugus; caracterizar sociolinguisticamente o

    venezuelano aprendiz de Portugus como Lngua Estrangeira. Para alcanarmos os objetivos

    propostos, analisamos vinte produes textuais de venezuelanos, baseando-nos nas categorias

    lingusticas: Alternncia de Cdigo, Transferncia e Interferncia lingusticas. Do ponto de

    vista lingustico, os resultados apontam para uma Alternncia de Cdigo intraoracional,

    concentrando-se no final da mesma orao; Transferncia lingustica do tipo ortogrfica, em

    que o informante transferiu estruturas ortogrficas do Espanhol para o Portugus; e

    Interferncia tambm do tipo ortogrfica, em que o aluno omitiu acento em palavras

    portuguesas e confundiu grafemas. Do ponto de vista sociolingustico, nosso informante do

    sexo feminino entre 20 e 54 anos, possui nvel superior, reside na Venezuela e estuda

    portugus h aproximadamente 04 anos para fins acadmico-profissionais. Tendo em vista um

    cenrio multilngue, como o apresentado entre Brasil/Venezuela, em que as fronteiras

    geogrficas nem sempre correspondem com as lingusticas, conclumos que a Lngua

    Portuguesa est ocupando uma posio privilegiada no extremo norte brasileiro nos ltimos

    anos, sendo a insero do curso de PLE em Pacaraima, uma prova disso. Dentre os fenmenos

    de contato lingustico relatados, a Interferncia foi a mais produtiva nas produes textuais

    dos alunos, o que mostra a proximidade entre o Portugus e o Espanhol.

    Palavras-chave: Alternncia de Cdigo. Transferncia lingustica. Interferncia lingustica.

    PLE. Fronteira.

  • 7

    ABSTRAT

    The phenomenon of language contact is not new. Since old times, people roam the planet

    establishing connections with other people. In the Brazilian context, the contact between

    speakers of different languages is a prominent phenomenon, especially in border areas with

    countries of South America. Roraimense scenario, in the extreme north of Brazil, the focus of

    our investigation, there are two boundaries: Venezuela to the north and Guyana to the east.

    Given the geographical location, the state of Roraima is one of the few in the country with a

    trilingual border, whose official languages are Portuguese, English and Spanish. This work

    aims at analyzing language contact through textual productions of Venezuelans learners of

    Portuguese as a Foreign Language (PFL), the specific objectives are the discussion of

    theoretical-methodological proposals on language contact between Portuguese and Spanish,

    defining the types of linguistic contact presented in textual productions of Venezuelans

    learners of Portuguese; characterizing sociolinguistically the Venezuelan learner of

    Portuguese as a Foreign Language. To achieve the proposed objectives, we analyzed twenty

    textual productions of Venezuelans, based on the following linguistic categories, namely:

    Code Switching, Transfer and linguistic Interference. From a linguistic point of view, the

    results point to an Interactional Code Switching, concentrated on the end of the same

    sentence; linguistic transfer of Spelling type, in which the informant transferred orthographic

    structures of Spanish to Portuguese, and also interference of spelling type, in which the

    student omitted accent in Portuguese words and confused graphemes. From the sociolinguistic

    point of view, our informants are female between 20 and 54 years old, undergraduate level,

    live in Venezuela and have studied Portuguese for nearly 04 years for academic and

    professional purposes. Considering a multilingual scenario, as presented between

    Brazil/Venezuela, where geographical boundaries do not always correspond with the

    language, we conclude that the Portuguese language is occupying a privileged position in the

    Brazilian north end in recent years, with the inclusion of PFL course in Pacaraima as

    consequence of that. Among the reported phenomena of linguistic contact, Interference was

    the most productive in the textual productions of the students, showing the proximity between

    the Portuguese and Spanish.

    Key words: Code-switching. Transfer linguistic. Interference linguistic. PLE. Border

    Brasil/Venezuela

  • 8

    RESUMEN

    El fenmeno de las lenguas en contacto no es algo reciente. Desde la Antigedad, los pueblos

    giran por el planeta estableciendo conexiones con otros pueblos. En el contexto brasileo, el

    contacto entre hablantes de lenguas distintas es un fenmeno intenso, sobre todo en las zonas

    fronterizas con los pases de Sudamrica. En el escenario roraimense, extremo norte de

    Brasil, lugar de nuestra investigacin, hay dos fronteras: al norte con Venezuela y al este con

    Guyana. Por la proximidad geogrfica, el estado Roraima es uno de los pocos en el pas con

    fronteras trilinges, cuyas lenguas oficiales son el Portugus, el Ingls y el Espaol. Este

    trabajo tiene por objetivo analizar el contacto lingstico a travs de producciones textuales de

    venezolanos aprendices de Portugus como Lengua Extranjera (PLE); los objetivos

    especficos son discutir propuestas terico-metodolgicas sobre el contacto lingstico entre

    Portugus y Espaol, definir los tipos de contacto lingstico presentes en las producciones

    textuales de venezolanos aprendices de Portugus; caracterizar sociolinguisticamente el

    venezolano aprendiz de Portugus como Lengua Extranjera. Para lograr los objetivos

    propuestos analizamos veinte producciones textuales de venezolanos, basndonos en las

    siguientes categoras lingsticas, cuales sean: Alternancia de Cdigo, Transferencia e

    Interferencia lingsticas. Desde el punto de vista lingstico, los resultados apuntan para una

    Alternancia de Cdigo intraoracional, concentrndose en el final de la misma oracin;

    Transferencia lingstica del tipo ortogrfica, en que el informante transfiri estructuras

    ortogrficas del Espaol hacia el Portugus; e Interferencia lingstica tambin del tipo

    ortogrfica, en que el alumno suprimi los acentos en palabras portuguesas y confundi

    grafemas. Desde el punto de vista sociolingstico, nuestro informante es del sexo femenino

    entre los 20 y 54 aos, posee nivel superior, vive en Venezuela y estudia portugus a unos 04

    aos para fines acadmico-profesionales. Llevando en cuenta el escenario multilinge,

    Brasil/Venezuela, en que las fronteras geogrficas ni siempre corresponden a las lingsticas,

    concluimos que la Lengua Portuguesa est ocupando una posicin de prestigio en el extremo

    norte brasileo en los ltimos aos, un ejemplo es el curso de PLE en Pacaraima. Entre los

    fenmenos del contacto lingstico presentado, la Interferencia fue la ms productiva en las

    producciones textuales de los alumnos, lo que muestra la proximidad entre el Portugus y el

    Espaol.

    Palabras clave: Alternancia de Cdigo. Transferencia lingstica. Interferencia lingstica.

    PLE. Frontera Brasil/Venezuela.

  • 9

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AC Alternncia de Cdigo

    ANEP Administracin Nacional de Educacin Pblica

    BR Brasil

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CDIF Comisso Permanente para o Desenvolvimento e a Integrao da Faixa de

    Fronteira

    Celpe-Bras Certificao de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros

    DPU Dialeto Portugus do Uruguai

    EaD Educao Distncia

    GTPL Grupo de Trabalho sobre Polticas Lingusticas do MERCOSUL Educativo

    GUY Guiana

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IFPA Instituto Federal do Par

    IFRR Instituto Federal de Roraima

    INE Instituto Nacional de Estadsticas

    L Leste

    LE Lngua Estrangeira

    LM Lngua Materna

    LNM Lngua no Materna

    MC Mudana de Cdigo

    MEC Ministrio da Educao

    MERCOSUL Mercado Comum do Sul

    MERCOSUR Mercado Comn del Sur

    MS Mato Grosso do Sul

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    N Norte

    O Oeste

    PB Portugus Brasileiro

    PEIBF Projeto Escola Intercultural Bilngue de Fronteira

    PF Polcia Federal

    PIBICT Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica e Tecnolgica

    PLE Portugus como Lngua Estrangeira

    S Sul

    TI Terra Indgena

    TL Transferncia Lingustica

    UERR Universidade Estadual de Roraima

    UFRR Universidade Federal de Roraima

    UFSC Universidade Federal de Santa Catariana

    UNIVIRR Universidade Virtual de Roraima

  • 10

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Nmero de municpios em faixas de fronteira no Brasil ........................... 16

    Quadro 2 - Alguns conceitos sobre Transferncia lingustica ..................................... 35

    Quadro 3 - Formas e fatores de Interferncia em geral ............................................... 39

    Quadro 4 - Cruzamento entre Alternncia/Transferncia/Interferncia ...................... 78

    Quadro 5 - Localizao dos informantes ..................................................................... 80

    Quadro 6 - Tempo que estuda/fala Portugus .............................................................. 81

    Quadro 7 - Uso cotidiano de Portugus ... 82

    Quadro 8 - Contextos de uso da Lngua Portuguesa .................................................... 82

  • 11

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Cartaz em loja Santa Elena de Uairn/Venezuela .......................................... 26

    Figura 2 - Fachada de loja em Pacaraima/Brasil ............................................................... 30

    Figura 3 - Mapa de cidades gmeas brasileiras ................................................................. 45

    Figura 4 - Mapa Rodovirio de Roraima ........................................................................... 47

    Figura 5 - Mapa Poltico do Estado Bolvar ...................................................................... 48

    Figura 6 - Gincana Cultural PLE/UERR ........................................................................... 54

  • 12

    LISTA DE DIAGRAMAS

    Diagrama 1 - Continuum da gramaticalidade do contato lingustico ............................ 33

    Diagrama 2 - Distribuio dos dados vs. continuum gramaticalidade .......................... 77

  • 13

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Alternncia de Cdigo ............................................................................... 61

    Grfico 2 - Tipos de Transferncia .............................................................................. 64

    Grfico 3 - Tipos de Interferncia ................................................................................ 68

    Grfico 4 - Interferncias ortogrficas (grafia) ............................................................ 69

    Grfico 5 - Interferncias ortogrficas (acentuao) .................................................... 71

    Grfico 6 - Interferncia gramatical ............................................................................. 73

    Grfico 7 - Interferncia lexical ................................................................................... 75

    Grfico 8 - Tendncia entre Transferncia/Interferncia ............................................ 77

  • 14

    SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................. 15

    1 CONTATO LINGUSTICO ............................................................................. 22

    1.1 Lnguas em Contato ............................................................................................. 22

    1.2 Alternncia de Cdigo ......................................................................................... 26

    1.3 Transferncia lingustica ...................................................................................... 33

    1.4 Interferncia lingustica ....................................................................................... 38

    2 ENSINO DE PLE NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA ..................... 44

    2.1 Contexto sociogeogrfico ................................................................................... 44

    2.2 Portugus/LE e sua interface com Espanhol/LM ................................................. 49

    3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................................... 55

    3.1 Categorias lingusticas ......................................................................................... 55

    3.1.1 Alternncia de Cdigo ......................................................................................... 55

    3.1.2 Transferncia/Interferncia lingusticas ............................................................... 55

    3.2 Perfil sociolingustico dos informantes ................................................................ 55

    3.3 Instrumentos de coleta ......................................................................................... 57

    4 ANLISE DAS PRODUES TEXTUAIS DE VENEZUELANOS .......... 59

    4.1 Do ponto de vista lingustico ............................................................................... 59

    4.1.1 Alternncia de Cdigo ......................................................................................... 59

    4.1.2 Transferncia/Interferncia lingusticas ............................................................... 63

    4.1.2.1 Transferncia lingustica ...................................................................................... 64

    4.1.2.2 Interferncia lingustica ....................................................................................... 67

    4.1.2.3 Cruzamento dos dados de Alternncia, Transferncia e Interferncia ................ 76

    4.2 Do ponto de vista sociolingustico ....................................................................... 78

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................ 85

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................. 87

    APNDICE A Lista de cidades-gmeas: Brasil e pases hispanofalantes . 92

    APNDICE B Questionrio ........................................................................... 93

    ANEXO A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................... 95

    ANEXO B Textos pr-anlise ........................................................................ 97

    ANEXO C 1 coleta: Crtica do filme E a, comeu? ................................... 99

    ANEXO D 2 coleta: Simulado Celpe-Bras .................................................. 102

  • 15

    INTRODUO

    O fenmeno de lnguas em contato no recente. Desde a Antiguidade, povos

    circulam pelo planeta estabelecendo conexes com outros povos. No contexto brasileiro, o

    contato entre falantes de lnguas diferentes um fenmeno acentuado, principalmente nas

    zonas fronteirias. No cenrio roraimense, extremo norte do Brasil, foco de nossa

    investigao, existem duas fronteiras: ao norte com a Venezuela e ao leste com a Guiana.

    Dada localizao geogrfica, o estado de Roraima um dos poucos no pas com fronteiras

    trilngues, cujas lnguas oficiais so o Portugus, o Ingls e o Espanhol, alm das lnguas

    indgenas e crioulas.

    No obstante, cabe salientar que, nos ltimos vinte anos, o Brasil vem ganhando fora

    poltica e econmica, especialmente, frente aos demais pases do MERCOSUL. Desta

    maneira, nossa moeda passa a se valorizar diante das outras sul-americanas. Tal fato implica

    indiretamente as questes lingusticas, haja vista que brasileiros passam a viajar mais aos

    pases da Amrica do Sul e o setor de servios, pouco a pouco, comea a oferecer tratamento

    diferenciado aos brasileiros. Um deles seria o uso da Lngua Portuguesa por parte de

    hispanofalantes para com os turistas brasileiros seja no mbito oral seja no escrito.

    sabido que as cidades fronteirias so conhecidas por seu comrcio e produtos de

    custo mais acessvel. Observemos, por exemplo, as cidades Foz do Iguau e Ciudad del Leste,

    fronteira Brasil/Paraguai, locais onde h um intenso comrcio e trnsito de falantes de

    diversas lnguas, como, por exemplo, o Portugus, o Espanhol, o Portuol e algumas

    lnguas indgenas, dentre as quais citamos o Guarani. No diferente nas cidades de

    Pacaraima e Santa Elena de Uairn, fronteira Brasil/Venezuela, alvo de nossa investigao.

    Neste ambiente to plurilngue, surgem-nos alguns questionamentos: como se configura o

    contato entre o Portugus e o Espanhol, principais lnguas utilizadas nessas cidades; como se

    manifestam a alternncia/transferncia/interferncia de uma em relao outra. A partir dessa

    situao descrita, observamos que existe um crescente uso da Lngua Portuguesa nesses

    ambientes de contato.

    Assim, muitos hispanofalantes buscam aprender o PB para diversos fins, tais como

    comerciais, acadmicos e culturais. Nesse sentido, a UERR tem oferecido cursos de PLE no

    municpio de Pacaraima, voltados principalmente para a populao de Santa Elena. Segundo

    dados do IBGE (2010), o Brasil possui aproximadamente 570 municpios localizados em

    faixas fronteirias, que se encontram em uma faixa interna de 150 km de largura, paralela

  • 16

    linha divisria terrestre do territrio nacional. A seguir apresentamos esses municpios

    agrupados em trs regies do pas:

    Quadro 1 Nmero de municpios em faixa de fronteira no Brasil

    Regio Estado Nmero de Municpios Pases

    Norte

    Acre 22 Bolvia, Peru

    Amap 08 Guiana Francesa, Suriname

    Amazonas 21 Colmbia, Peru, Venezuela

    Par 05 Guiana, Suriname

    Roraima 15 Guiana, Venezuela

    Rondnia 27 Bolvia

    Subtotal 98

    Sul

    Paran 139 Argentina, Paraguai

    Rio Grande do Sul 182 Argentina, Uruguai

    Santa Catarina 82 Argentina

    Subtotal 403

    Centro-

    Oeste

    Mato Grosso 25 Bolvia

    Mato Grosso do Sul 44 Bolvia, Paraguai

    Subtotal 69

    Total 570 Fonte: Adaptado do IBGE (2010)

    Como podemos observar no Quadro 1, na regio Norte, dos seis estados fronteirios,

    quatro (Acre, Amazonas, Rondnia e Roraima) fazem fronteira com pases hispano-

    americanos. Para esta pesquisa, selecionamos o estado de Roraima, cuja localizao

    geogrfica favorece o contato lingustico entre o Espanhol venezuelano e o Ingls guianense,

    utilizados ao lado de lnguas indgenas e crioulas.

    Embora, por motivos de afinidade lingustica e terica, tenhamos selecionado a

    fronteira Brasil/Venezuela como campo de estudo, interessante registrar que a fronteira

    Brasil/Guiana, onde se localizam as cidades Bonfim/BR e Lethen/GUY, tambm uma zona

    de contato lingustico muito produtiva para estudos lingusticos, pois nela so claras a

    presena e a relao entre lnguas tipologicamente diferentes: Ingls, Portugus, rabe,

    Chins, dentre outras, todas elas trazidas por povos que moram ou que para l migram:

    brasileiros, guianenses, marroquinos, indianos, chineses etc.

    Com relao aos estudos sobre o contato lingustico em fronteiras, realizamos um

    levantamento bibliogrfico, no sentido de identificar pesquisas referentes temtica: Contato

    de Lnguas em regio de fronteira e como forma de verificar o que tem sido pesquisado e

    divulgado nessa rea. Na continuao, citamos alguns estudos.

  • 17

    Silva (2012) trata da construo do ethos no ambiente de fronteira entre Brasil e

    Venezuela, atravs das representaes discursivas sob a tica da Anlise do Discurso de linha

    francesa. Baseando-se nos estudos de Couto (2009 apud SILVA, 2012), Silva identifica

    quatro situaes de contato das quais utilizaremos apenas duas, quais sejam, as grandes

    navegaes no sculo XV Amrica e a delimitao dos marcos fronteirios entre os pases

    mais recentemente. Embora as questes referentes ao discurso no sejam foco de nossa

    investigao, cabe ressaltar a relao de contato entre as Lnguas Portuguesa e Espanhola

    descrita pela autora. A aproximao entre esses idiomas um dos pontos que ganha destaque

    no nosso trabalho, pois, do ponto de vista filognico, o Portugus e o Espanhol apresentam

    relativas semelhanas dada sua comum origem latina.

    Amorim (2010) visa descrever e analisar um corpus oral coletado com a colaborao

    de vinte comerciantes brasileiros residentes em Pacaraima. Os nicos critrios de escolha dos

    informantes eram no ter estudado Espanhol e atuar no setor comercirio da referida cidade.

    Em sua pesquisa, a autora aponta que segue duas perspectivas: uma sociolgica e outra

    lingustica. Do ponto de vista sociolgico, os informantes eram majoritariamente homens com

    idades entre 16 e 50 anos, imigrantes das regies Norte e Nordeste do Brasil e com o Ensino

    Mdio. Do ponto de vista lingustico, a autora conclui que a AC uma estratgia utilizada

    para o comrcio; os informantes no so bilngues, pois no dominam as estruturas do

    Espanhol ou do Portugus; o fenmeno portunhol no uma interlngua, haja vista que o

    processo de aquisio do Espanhol se deu a partir do contato oral com os venezuelanos e os

    informantes apenas repetem os padres Prosdicos e Entonacionais do Espanhol.

    Na regio Sul, concentra-se o maior nmero de municpios fronteirios, como se

    observou no Quadro 1. Nesta rea, chamam a ateno as pesquisas desenvolvidas nas cidades

    de SantAna do Livramento e Rivera, fronteira entre Brasil/Uruguai. Sturza (2006) trabalha

    com o conceito de espao de enunciao, voltando-se para os estudos discursivos. Nesta

    pesquisa, a autora faz uma reviso dos estudos fronteirios do sul brasileiro e analisa,

    especialmente, a publicao de Rona (1965 apud STURZA, 2006) intitulada Dialecto

    Fronterizo en el norte de Uruguay. Cabe ressaltar que a autora descreve a situao das

    Lnguas Portuguesa e Espanhola entre os sculos XVIII a XX, por considerar o fato de que

    desde o Perodo Colonial, a regio foi lugar de disputas territoriais e cenrio para um contanto

    lingustico presente at a atualidade. Essa informao importante, pois todo o discurso

    observado gira em torno da influncia de uma lngua em outra.

    Das vrias pesquisas realizadas por Elizaincn (1979, 1987, 1992, 1996a, 1996b,

    2002), destacamos a realizada em 1992 sobre o DPU, desdobramento dos estudos de Rona.

  • 18

    Alm de utilizar dados coletados de outro estudo mais amplo por toda a zona de fronteira

    Brasil/Uruguai, o autor faz comparaes com os dados de outras fronteiras, como as de

    Portugal e Espanha.

    Elizaincn (1992) analisa um corpus oral coletado em sete cidades uruguaias com a

    colaborao de 139 informantes. Sua pesquisa apresenta uma metodologia detalhada em

    vrios passos e dois resultados distintos: o primeiro foi o mapeamento de pontos geogrficos

    em locais determinados; o segundo foi delimitar zonas geogrficas com maior ou menor

    afinidade entre os idiomas em uma escala em que a pronncia do falante tenderia mais ou

    menos para o Portugus ou o Espanhol. O autor apresenta como exemplo a pronncia da

    vogal mdia alta, fechada e no-arredondada [e], em final de slaba ([-e] ou [-i]). O primeiro

    [e] considerado pronncia espanhola e o segundo [i] portuguesa.

    No que concerne regio Centro-Oeste, citamos as seguintes pesquisas desenvolvidas

    entre os municpios de Corumb/Brasil e Puerto Surez/Bolvia. Rivas (2010) reflete sobre o

    nvel de interao lingustica no contato entre o Portugus e o Espanhol em escolas de

    Corumb. Para tal, vale-se da Sociolingustica Interacionista, tendo em vista um cenrio

    complexo tanto do ponto de vista lingustico quanto cultural. A autora conclui parcialmente

    que os dados coletados mostram que no h grande interferncia da Lngua Espanhola na

    linguagem dos estudantes, apesar de haver ocorrncias de algumas mesclas entre Portugus e

    Espanhol na relao escolar, mas ainda que no nos permitem afirmar que exista portunhol

    nessa relao lingustica (RIVAS, 2010, p. 10).

    Ferreira; Silva (2012) tambm refletem sobre o contato lingustico entre as Lnguas

    Portuguesa e Espanhola, nos municpios Corumb e Ladrio (MS/Brasil) e Arroyo

    Concepcin, Puerto Quijarro (Puerto Surez/Bolvia). Os autores caracterizam a regio como

    uma mistura de culturas e identidades. O interesse dos bolivianos por aprender o Portugus

    pode ser explicado pela frgil economia da Bolvia e as vantagens que o lado brasileiro pode

    lhes oferecer. J o desinteresse dos brasileiros em aprender o Espanhol est ligado

    proximidade entre as lnguas e ao fato de haver uma relao social assimtrica entre os dois

    povos.

    Face ao exposto, verificamos a necessidade de levar a cabo estudos sobre o contato

    lingustico na fronteira de Roraima com os pases vizinhos, pois, por exemplo, observando o

    fluxo de brasileiros em direo a Santa Elena, notamos que est aumentando o uso da Lngua

    Portuguesa por parte de comerciantes no s hispanos, mas tambm orientais na referida

    cidade, a fim de estabelecer uma melhor relao com seus clientes brasileiros; e, com base em

    um simples levantamento realizado em 2012, notamos ainda que as influncias espanholas no

  • 19

    Portugus falado por hispanos encontram-se nos nveis fontico, morfolgico e sinttico

    (MOTA, 2012).

    Com isso, selecionamos a fronteira entre Brasil e Venezuela pelos motivos j citados,

    aos quais agregamos o fato de que j existe uma linhagem de estudos sobre as relaes de

    contato entre Portugus/Espanhol, tanto na Amrica, quanto na Pennsula Ibrica. Nesse

    sentido, nossa pesquisa vem discutir pressupostos tericos sobre Lnguas em Contato,

    produzir dados sobre o contato Portugus/Espanhol e cotejar com os resultados j divulgados.

    Assim, propomo-nos estudar o contato lingustico entre o Portugus e o Espanhol na

    fronteira Brasil/Venezuela, tendo como referncias as cidades de Pacaraima e Santa Elena. A

    partir disso, estabelecemos como campo de estudo o contexto escolar, j que verificamos uma

    considervel demanda por aprender o PLE por parte dos venezuelanos.

    Alm do mais, em 2011, realizamos visitas tcnicas regio fronteiria com alunos do

    curso de Letras Espanhol e Literatura Hispnica (IFRR), durante as quais surgiu uma ideia

    de propor esta pesquisa. Outra experincia que tambm abalizou essa ideia foi um projeto de

    Iniciao Cientfica, intitulado A interlngua de nativos de espanhol na fronteira entre Brasil

    e Venezuela, aprovado pelo PIBICT/IFRR, em 2011. O referido projeto contou com a

    participao de duas bolsistas, alunas do supracitado curso superior.

    Decidido o universo da pesquisa, partimos para um objetivo geral: analisar o contato

    lingustico por meio de produes textuais de venezuelanos aprendizes de PLE. Quanto aos

    objetivos especficos, planejamos: discutir propostas terico-metodolgicas sobre o contato

    lingustico entre Portugus e Espanhol, definir os tipos de contato lingustico presentes nas

    produes textuais de venezuelanos aprendizes de Portugus; caracterizar

    sociolinguisticamente o venezuelano aprendiz de Portugus como Lngua Estrangeira e

    examinar o contato lingustico nas produes textuais de venezuelanos aprendizes de PLE

    frente ao perfil sociolingustico dos mesmos.

    Com base nos objetivos, podemos afirmar que nosso objeto de pesquisa o contato

    lingustico na regio de fronteira Brasil/Venezuela, utilizando como fonte de dados produes

    textuais de alunos do Curso PLE/UERR/Campus Pacaraima. Dentro da concepo contato

    lingustico, trabalharemos com as seguintes categorias: Alternncia de Cdigo (Code-

    switching), Transferncia e Interferncia lingusticas, que detalharemos no referencial terico.

    Com relao s categorias supracitadas, informamos que consultamos o banco de dissertaes

    e teses da CAPES1 e identificamos apenas pesquisas que se propusessem analisar a AC em

    1http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses

    http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses

  • 20

    contextos de oralidade, como Mei (2007), que trata da Alternncia entre o Portugus e o

    Chins por imigrantes chineses no Rio Grande do Sul e Breunig (2005), que trata do

    fenmeno da AC (Portugus-Alemo) em uma escola de Ensino Fundamental localizada no

    municpio de Santa Maria do Herval/Rio Grande do Sul.

    Nos meses de janeiro e fevereiro de 2013, buscamos material bibliogrfico em

    bibliotecas de algumas universidades espanholas, por meio do Programa de Mobilidade de

    Professores e Pesquisadores Brasil/Espanha, da Fundacin Carolina e mais uma vez pudemos

    verificar que a bibliografia referente ao contato lingustico concentra sua produo no contato

    oral. Quanto s questes de pesquisa, propomos as seguintes:

    1. Como se configura o contato lingustico na fronteira Brasil/Venezuela?

    2. Como se configura o contato lingustico no contexto escolar do ensino de Portugus como

    Lngua Estrangeira?

    3. Qual o perfil sociolingustico do venezuelano estudante de PLE na fronteira

    Brasil/Venezuela?

    4. Qual a relao entre contato lingustico na escrita de hispanos aprendizes de PLE e o perfil

    sociolingustico dos informantes?

    No tocante ao vis terico, optamos pelos estudos sociolingusticos, sobretudo os que

    se relacionam com Lnguas em Contato, AC, Transferncia/Interferncia lingusticas. Os

    estudos sobre contato lingustico so recentes, aproximadamente das dcadas de 50 e 60 do

    sculo passado. Por ser uma rea relativamente nova, as definies dos conceitos parecem

    flutuar bastante, o que demandou um volume de leituras, principalmente no referente

    Transferncia e Interferncia lingusticas. Com relao s tradues de citaes realizadas ao

    longo do trabalho, so de nossa responsabilidade e feitas exclusivamente para esta pesquisa.

    Tambm destacamos que este estudo piloto, pois poder levar a vrios desdobramentos.

    Este trabalho est dividido em quatro captulos. O primeiro, Contato Lingustico,

    compe-se das seguintes temticas: Lnguas em contato, no qual fazemos um breve histrico

    sobre o fenmeno das lnguas em contato no mundo, dando ateno especial a Roraima;

    Alternncia de Cdigo, Transferncia lingustica e Interferncia lingustica, em que

    conceituamos e discutimos os trs fenmenos sob a perspectiva de vrios autores. O segundo

    captulo Ensino de PLE na fronteira Brasil/Venezuela est formado por: Contexto

    sociogeogrfico, em que descrevemos os municpios fronteirios e por Portugus/LE

    interface com Espanhol/LM, no qual traamos um panorama do ensino de PLE no cenrio do

  • 21

    MERCOSUL. No terceiro captulo, Procedimentos metodolgicos, caracterizamos as

    categorias lingusticas a serem analisadas, o perfil sociolingustico de nossos informantes e os

    instrumentos de coleta.

    No quarto captulo, Anlise das produes textuais de venezuelanos, observamos os

    textos dos alunos a partir das categorias de anlise apresentadas em nossa metodologia. Nas

    Consideraes finais, retomamos os objetivos estabelecidos e so feitas as consideraes

    sobre os resultados obtidos a partir da anlise dos dados e apontamos nossas preferncias

    sobre futuras investigaes no mbito do contato lingustico.

    Por fim, apresentamos as referncias bibliogrficas utilizadas; os apndices produzidos

    para esta dissertao e os anexos, o Termo de Consentimento e as produes textuais

    digitalizadas dos alunos de PLE. Ressaltamos que tais produes visam a compor um banco

    de dados escrito para pesquisas futuras, sendo, pois de vital importncia nesta dissertao.

  • 22

    1 CONTATO LINGUSTICO

    Neste captulo, trataremos das questes referentes s Lnguas em Contato, a

    Alternncia de Cdigo, a Transferncia e a Interferncia lingusticas.

    1.1 Lnguas em contato

    Como dito anteriormente, o fenmeno das lnguas em contato no algo recente.

    Desde os primrdios, o homem tenta se comunicar com o outro. Os primeiros estudos sobre

    as lnguas em contato datam dos sculos XVII e XVIII. Os resultados causaram preocupao,

    pois as palavras estrangeiras eram consideradas barbarismos e seu uso rejeitado (SALA, 1998,

    p. 12). Cruz (2008-2014) relata que a historiografia das lnguas em contato da regio

    Brasil/Venezuela data dos sculos XVI e XVII.

    Sala (1998) faz uma reviso dos estudos sobre contatos lingusticos desde os histrico-

    comparatistas at o sculo XX. Para o autor, os estudos comparativistas no levavam em

    considerao o contato entre as lnguas, pois, ao aplicar o mtodo histrico-comparativo,

    tinham de separar os elementos que serviam de emprstimo de uma lngua outra, para, desta

    forma, estabelecer critrios de parentesco entre as lnguas. Posteriormente, os estudos sobre

    mescla de lnguas ganham fora, pois no se conseguia explicar o motivo das mudanas

    dentro da prpria lngua apenas atravs de sua inovao. Alguns tericos comparativistas,

    como Schuchardt, defendiam que no h linguagem completamente sem mistura2. Neste

    sentido todas as lnguas so misturadas, crioulas por meio do contato lingustico.

    Consoante Sala (1998), a Escola Neolingustica, representada por Bartoli, Bertoni e

    Bonfante, aperfeioou a ideia de mescla de lnguas como princpio metodolgico. Atravs

    deste princpio, explicavam-se no apenas todas as mudanas na lngua, mas tambm a sua

    formao. J o Crculo Lingustico de Praga valeu-se dos conceitos de seus antecessores e

    acrescentou a noo de evoluo convergente e aproximao estrutural entre as lnguas em

    contato.

    Sem dvida foi na primeira metade do sculo XX, mais precisamente na dcada de

    1950, que houve um boom nos estudos sobre lnguas em contato, sobretudo com os trabalhos

    de Haugen (1966) e Weinreich (1974). O trabalho deste ltimo ganhou mais destaque e segue

    como orientao bsica at os dias atuais.

    2 Es gibt keine vllig ungemischte Sprache. Schuchardt (1884, p. 5 apud THOMASON; KAUFMAN, 1988)

  • 23

    Aps essa breve explanao, Sala (1998, p. 32) trata de fatores que favorecem e

    dificultam o fenmeno do contato entre lnguas. Dentre esses fatores, o autor cita duas

    categorias: os fatores extralingusticos e os lingusticos. Os primeiros esto mais propensos a

    determinar e estimular o contato lingustico. Por outro lado, os fatores lingusticos so

    secundrios. Ainda conforme Sala, o contato pode ser direto ou indireto. O direto refere-se ao

    contato no mesmo territrio atravs da mestiagem da populao ou da convivncia durante

    perodo varivel. Sobre estas questes, Weinreich e Haugen realizaram estudos descritivos e

    comparativos dos elementos formais, analisando os emprstimos como fenmeno de

    interferncia entre as lnguas.

    O contato indireto mais frequente na escrita e no depende do grau de bilinguismo

    dos falantes, mas de contextos especficos. Um dos pontos que nos chama ateno em Sala

    (1998, p. 35) a distino contato direto/contato indireto ao lado do contato oral/contato

    escrito. Para o autor, o contato direto oral, enquanto que o indireto escrito. Isso no

    impede de haver contato direto escrito e contato indireto oral. Desta maneira, uma srie de

    palavras pode entrar atravs da oralidade, no caso do contato indireto, como as palavras de

    idiomas grafos que penetraram nas lnguas europeias3. Face ao exposto, Sala (1998) lista a

    influncia da escrita de algumas lnguas para a modificao de outra: o Eslavo antigo que

    influenciou o Aspecto do Russo, a influncia do Grego sobre o Latim, o Francs na Europa do

    sculo XVIII e o Ingls nos dias atuais.

    Outro estudo citado por Sala o de Vincenz (1989 apud SALA, 1998, p. 33) sobre o

    Alemo, que serve como lngua intermediria entre o Francs e o Polons, j que a

    comunicao entre esses povos se concretizava por meio da Lngua Alem. Em seu estudo, o

    autor chama a ateno para o comportamento da lngua doadora com relao receptora. No

    caso do Alemo, lngua que doa elementos fonolgicos e lexicais, por exemplo, comporta-se

    ativamente frente ao Polons, passivo, ou seja, lngua que recebe tais elementos.

    Sobre os fatores extralingusticos, o referido autor comenta que uma das duas lnguas

    ocupar uma posio de dominao e, consequentemente, uma influncia sobre outra. Esses

    fatores estariam relacionados, por exemplo, segurana econmica, cultura ou poltica. O

    autor no entra em questes terminolgicas como lngua de prestgio ou superior ou

    dominante. Para ele, o status das lnguas est em seu valor social, isto , pela capacidade

    3 No original: [...] una serie de palabras puede penetrar por va oral en el caso de un contacto indirecto por

    ejemplo, las palabras pertenecientes a los idiomas sin escritura que penetraron en las lenguas europeas.

  • 24

    destas em ser utilizadas como meio de comunicao4 (SALA, 1998, p. 36). Dentro deste

    contexto, Sala cita seis cenrios de contato lingustico: na Sua, o schwyzerttsh, dialeto

    alemo, est em posio inferior ao Francs (WEINREICH, 1953 apud SALA, 1998); o

    Espanhol mexicano e o Ingls estadunidense e o Espanhol uruguaio e o Portugus brasileiro,

    que coexistem como lnguas de prestgio e literria (ELIZAINCN, 1981 apud SALA, 1998);

    o Espanhol da serra equatoriana e o Quchua. Neste caso, o Espanhol assume legalmente o

    status de lngua oficial, porm o falante de quchua ao usar seu idioma inibe a presena do

    Espanhol, recuperado atravs de emprstimos feitos pelos indgenas na fala (SALA, 1998).

    Na sequncia, temos o Espanhol paraguaio em contato com o Guarani (GRANDA, 1988 apud

    SALA, 1998), cujas interferncias coocorrem em ambos os idiomas. Por fim, h o movimento

    unilngue dentro de uma Espanha multilngue: o Espanhol influenciou os demais sistemas

    lingusticos do pas (BLAS ARROYO, 1991 apud SALA, 1998).

    Do ponto de vista amaznico, Aikhenvald (2002) teve como objetivo sistematizar o

    contato induzido por mudana entre duas famlias lingusticas geneticamente no relacionadas

    e tipologicamente diferentes do norte da Amaznia: Arauaco do norte e Tucano na regio de

    Vaups e distinguiu as semelhanas genticas de emprstimo. Segundo a autora, quando as

    lnguas esto em contato, ou seja, quando h muitos falantes de uma lngua tendo contato com

    outras, ambas emprestam caractersticas lingusticas em um processo cclico, por exemplo,

    pronncia, gramtica, vocabulrio.

    Sobre o contexto, estudos acerca do contato foram realizados em poucos lugares do

    mundo: a rea lingustica dos Balcs (JOSEPH, 1983 apud AIKHENVALD, 2002;

    FRIEDMAN, 1997 apud AIKHENVALD, 2002); ndia (EMENEAU, 1980 apud

    AIKHENVALD, 2002; MASICA, 1976 apud AIKHENVALD, 2002); o leste da Terra de

    Arnhem e as regies do rio Daly na Austrlia (HEATH. 1978 apud AIKHENVALD, 2002;

    DIXON, 2002 apud AIKHENVALD, 2002). No entanto, ainda no se desenvolveu um estudo

    detalhado das lnguas amaznicas.

    Aikhenvald (2002) comenta que a regio da Bacia Amaznica apresenta uma grande

    diversidade lingustica, abriga cerca de 300 grupos lingusticos distribudos em mais de 15

    famlias, afora as isoladas. Nesse estudo, a autora identifica as seis maiores famlias

    lingusticas da Bacia Amaznica, quais sejam Arauaco, Tupi, Caribe, Pano, Tucano e J; as

    menores incluem Mak, Bora-Witoto, Harakmbet, Araw, Chapacura, Nambiquara, Guahibo

    4 No original: [...] el status distinto de las lenguas est determinado por el valor social, es decir, por la

    capacidad de stas de ser utilizadas como medio de comunicacin.

  • 25

    e Yanomami. Em outras palavras, o mapa lingustico da regio amaznica parece uma colcha

    de retalhos, cujas lnguas esto em constante contato.

    Para a pesquisadora, tambm devido s migraes que o contato lingustico gera:

    emprstimo, mudana e reestruturao gramatical, reanalisando morfemas existentes e

    introduzindo novos morfemas, isto , gramaticalizao de itens lexicais. Esse cenrio

    multilngue vai de encontro ao de outras regies do mundo, criando dificuldades para

    distinguir entre similaridades relacionadas reteno gentica e quelas relacionadas

    difuso areal5 (AIKHENVALD, 2002, p. 2).

    Como destacamos, o fenmeno das lnguas em contato se torna mais marcante nas

    regies de fronteira entre pases de lnguas diferentes. Roraima e sua trplice fronteira ponto

    de chegada e partida para a Amaznia Caribenha (OLIVEIRA, 2008): ao norte a Venezuela,

    ao sul os demais estados brasileiros e ao leste a Guiana. nesse contexto que se insere

    Roraima, como local multi-, plurilngue, onde se encontram brasileiros de diversas regies,

    indgenas e estrangeiros, sobretudo venezuelanos e guianenses.

    Boa Vista, capital do Estado de Roraima, por exemplo, com aproximadamente 300 mil

    habitantes (IBGE, 2010), recebe com frequncia esse fluxo migratrio de brasileiros,

    indgenas e estrangeiros. Em Pacaraima, foco de nossa pesquisa, extremo norte do estado, so

    aproximadamente 10 mil habitantes, sendo que metade est na zona urbana e a outra, na rural.

    O fluxo de brasileiros e venezuelanos intenso tanto do ponto de vista lingustico como

    sociocultural. No comrcio brasileiro assim como no venezuelano, encontramos marcas deste

    contato lingustico seja na fala seja na escrita. A seguir ilustramos com um exemplo no

    mbito da escrita. Esta foto foi tomada em uma loja localizada em Santa Elena:

    5 No original: [...] creating difficulties for distinguishing between similarities due to genetic retention and those

    due to areal diffusion.

  • 26

    Figura 1 - Cartaz em loja Santa Elena de Uairn/Venezuela

    Fonte: Arquivo pessoal

    Como podemos observar, o cartaz est em espanhol, parte superior e direita, e em

    portugus, na parte inferior esquerda. Devido ao fluxo de brasileiros, como j mencionado,

    as lojas tentam se adaptar ao novo pblico e, assim, diminuir as barreiras lingusticas. Outro

    exemplo que nos pareceu interessante, foi o que verificamos em um cartaz no interior de um

    supermercado em Pacaraima, no qual havia o seguinte aviso Temos pollo, o sea frango.

    Trata-se de um exemplo clssico de AC, pois na mesma sentena coocorrem as duas lnguas

    pela sequncia de elementos em portugus/espanhol/portugus. O principal elemento

    oracional, o verbo, est em portugus, enquanto os outros elementos se apresentam cada um

    em lnguas diferentes.

    Outra questo a ser investigada, seria o contato entre o Portugus e as lnguas

    indgenas. Tal contato, por exemplo, ocorre atravs de topnimos, tais como os nomes de: rios

    Uiraricoera, Tacutu e Cauam; bairros, Pricum, Paraviana e Caari, e municpios, Amajar,

    Pacaraima e Mucaja; sendo esses apenas uns pouqussimos casos que podemos citar. O

    cotidiano lingustico roraimense envolve muitos outros elementos indgenas ainda no

    estudados pela lingustica. Citamos como exemplo Spotti (2011) que realiza um estudo

    potamonmico do Rio Uiraricoera e seus principais afluentes. A autora destaca as taxonomias

    de natureza fsica, tais como os fitotopnimos, os hidrotopnimos e os zootopnimos.

    1.2 Alternncia de Cdigo

    As pesquisas sobre Alternncia ou Mudana de Cdigo cresceram nos ltimos 20

    anos, motivadas, por exemplo, pelo discurso de sujeitos bilngues. Nas dcadas de 1950 e

    1960, havia poucas pesquisas na rea. J a partir da dcada de 1970, publicaes como as de

  • 27

    Poplack (1979 apud AUER 2002), na rea de sintaxe, e de Blom e Gumpertz (1972 apud

    AUER 2002), na Sociolingustica, foram pioneiras e hoje so orientaes clssicas no estudo

    da Alternncia de Cdigo (AC).

    O fenmeno da AC podia ser observado entre adolescentes italianos da parte suo-

    alem no subrbio de Zurique. Na dcada seguinte, tambm foi observado a AC em Basel e

    outras cidades suas como Solothurn e Berna. Nas dcadas de 1980 e 1990, monografias e

    artigos foram produzidos sobre a temtica na Europa (AUER, 2002; FRANCESCHINI,

    2002).

    Autores, como Williams e Hammarberg (1998), consideram a AC uma estratgia

    utilizada pelo indivduo bilngue. Tal recurso parece destacar-se mais na oralidade, por conta

    da imediatez de fala, o que justamente observamos em pesquisas consultadas (BLAS

    ARROYO, 1993; LARANJEIRA, 2005; MENNDEZ; MENNDEZ, 2003). Embora os

    tipos de AC apresentados sejam para um corpus oral, podemos adapt-los ou sugerir novas

    categorias a partir dos dados que foram coletados de nosso corpus escrito, j que, do ponto de

    vista funcional, oralidade e escrita so vistas como um continuum e no como categorias

    dicotmicas.

    Como exemplo, citamos a Espanha que alm do Espanhol falam-se outras lnguas

    cooficiais, o Galego, o Catalo e o Basco. Neste contexto, revisamos Blas Arroyo (1993), o

    qual realiza pesquisa no campo da Sociolingustica urbana na cidade de Valncia, capital da

    Comunidade Valenciana, localizada na costa Mediterrnea, leste espanhol. Seu objetivo foi

    estudar as interferncias no mbito da fala do sujeito bilngue da referida cidade, no que

    concerne estrutura gramatical espanhola.

    Para isso, uma srie de critrios foram estabelecidos, tais como distribuio lingustica

    populacional; grau e tipo de domnio de cada uma das lnguas; grau e utilizao das mesmas;

    atitudes frente a cada uma das lnguas e o seu emprego em diferentes contextos; relao destes

    fatores com tais variveis independentes: idade, nvel econmico, social, cultural e

    interferncias entre as duas lnguas. Tais passos sero de grande valia para nosso trabalho,

    pois buscaremos encaixar analiticamente nossos dados lingusticos e os perfis

    sociolingusticos de nossos informantes, por entendermos que o contato lingustico no pode

    ser compreendido apenas do ponto de vista estritamente lingustico. Como observou Sala

    (1998, p. 32), o fenmeno contato lingustico est ligado diretamente a fatores

    extralingusticos, os quais determinam e estimulam o tipo de contato.

    Poplack (1980) desenvolveu uma pesquisa em uma comunidade porto-riquenha de

    East Harlem em Nova Iorque, tendo como objetivos a distribuio dos informantes no

  • 28

    cotidiano da comunidade, a anlise das atitudes de membros da comunidade em relao a

    cada uma das lnguas e a anlise sociolingustica quantitativa do comportamento lingustico

    selecionado.

    Neste ambiente multilngue, falavam-se tanto Ingls como Espanhol, esta, mais

    utilizada pelos mais velhos. Pedraza (1978 apud POPLACK, 1980, p. 582) apontava que

    havia sinais de declnio de uso do Espanhol, sobretudo pelos mais jovens que nasceram e

    foram criados em Nova Iorque.

    A comunidade investigada parecia ser uma comunidade bilngue estvel, cuja

    aquisio de uma segunda lngua poderia se deslocar para uma primeira (FISHMAN, 1971

    apud POPLACK, 1980, p. 582). Isso se deu pelo fluxo migratrio durante o incio sculo XX

    para os Estados Unidos. Assim, h o deslocamento da LM, o Espanhol, por exemplo, para a

    LE, o Ingls, haja vista ser a lngua oficial no pas de destino.

    At ento a literatura sobre AC levava em considerao funes sociais e pragmticas,

    porm, no estudo de Poplack (1980) incorporam-se fatores funcionais e lingusticos em um

    modelo que desse conta do comportamento da AC. Dessa maneira, dados sobre o desempenho

    de MC obtidos pela prpria autora (1978) e por Pfaff (1975 apud POPLACK, 1980), cujas

    pesquisas realizadas em duas comunidades bilngues separadas apontaram contraexemplos a

    restries categricas, a saber: restrio de morfemas livres e restrio de equivalncia.

    Na restrio de morfema livre, os cdigos podem ser alternados depois de qualquer

    sintagma do discurso desde que no seja um morfema preso. O exemplo utilizado una buena

    exCUSE [ehkjuws]/ uma boa desculpa pode ser pronunciado com a primeira slaba nos

    padres do Espanhol caribenho, ou seja, aspirando o /s/ antes das consoantes surdas e a

    segunda slaba nos padres do Ingls. No entanto, EAT iendo, cujo morfema preso do

    Espanhol iendo /-indo est afixada na raiz do ingls eat/ comer, no se caracteriza como

    AC.

    Na restrio equivalente, a AC tende a ocorrer em pontos no discurso em que a

    justaposio de elementos da L1 e da L2 no viola regras sintticas de ambas as lnguas, ou

    seja, em pontos em torno dos quais as estruturas de superfcie das duas lnguas se

    correspondem. O exemplo, a seguir (POPLACK, 1980, p. 586) ilustra tal restrio:

    A Ingls I told him that so that he would bring it fast.

    B Espanhol (Yo) le dije eso pa' que l la trajera ligero.

    C AC I told him that PA' QUE LA TRAJERA LIGERO.

  • 29

    Poplack define AC como a alternncia de duas lnguas dentro de um discurso, frase

    ou sintagma6. Em estudo anterior realizado pela prpria autora, a AC foi caracterizada pelo

    grau de integrao dos padres fonolgico, morfolgico e sinttico de uma L1 para uma L2.

    Desta maneira itens como (1), retirado de Poplack (1980, p. 583), preservam os padres

    fonolgicos do Ingls, em maiscula, foram considerados exemplos de AC. Por outro lado,

    itens como (2), padro Espanhol porto-riquenho, sublinhado, foram considerados casos de

    discurso Espanhol monolngue.

    (1) a. Leo un MAGAZINE. [mg'ziyn] / Leio uma REVISTA.

    b. Me iban a LAY OFF. [ly hf] / Iam demitir-me.

    (2) a. Leo un magazine. [maa'si]

    b. Me iban a dar layoff, ['leof]

    Desta forma, quando o falante faz a AC, ou seja, passa do Espanhol para o Ingls, ele

    pronncia magazine e lay off, respectivamente 1a e 1b, com o padro do Ingls. O contrrio

    observado no exemplo 2. As mesmas palavras so pronunciadas com o padro do Espanhol.

    Esses dados fazem parte de um corpus oral, como se pode notar. Nossa pesquisa,

    diferentemente, tratar de AC em textos escritos, nos quais traos fonolgicos podem ser

    analisados como ndices de fenmenos orais.

    Poplack (1980, p. 589, 597) define trs tipos de AC a saber (1) tag-switching/Etiqueta,

    ou seja, a alternncia de um substantivo simples, geralmente com carga semntica

    pejorativa: Venda arroz 'N SHIT/ Vendia arroz DROGA. Os tags so componentes livres

    que podem ser inseridos em qualquer lugar da frase e no afetam nenhuma regra gramatical;

    (2) inter-sentential switching/Alternncia Interoracional exige maior domnio de ambos os

    idiomas, isto , seriam frases tomadas como de lnguas diferentes. Embora estejam em

    sistemas distintos, seguem os padres gramaticais de ambas as lnguas, como em And from

    there I went to live PA' MUCHOS SITIOS. Despus viv en la ciento diecisiete WITH MY

    HUSBAND / E a partir da fui morar EM MUITOS LUGARES. Depois morei no 117th COM

    MEU MARIDO e (3) intra-sentential switching/Alternncia Intraoracional ocorre,

    principalmente, no meio de frases, exigindo do falante bilngue maior competncia

    lingustica. Para Poplack, este tipo de alternncia mais complexo, pois os segmentos devem

    estar de acordo com as regras sintticas de ambas as lnguas envolvidas para que se unam

    gramaticalmente. Desta forma temos Why make Carol SENTARSE ATRAS PA' QUE

    6 No original: [...] alternation of two languages within a single discourse, sentence or constituent.

  • 30

    everybody has to move PA' QUE SE SALGA (for her to get out)?/ Por que fazer a Carol SE

    SENTAR AO FUNDO PARA QUE para que todo mundo se levante PARA QUE ELA

    SAIA?.

    O fenmeno da AC mais intenso em zonas fronteirias, sobretudo no mbito da fala,

    como j foi exposto. A AC requer do falante, do ponto de vista lingustico, uma manipulao

    de no mnimo dois cdigos. Silva-Valdivia (1994, p. 161) define AC como a presena de duas

    lnguas em um mesmo enunciado ou ato comunicativo. O autor complementa que o indivduo,

    ao se expressar, f-lo sem nenhuma dificuldade, combinando elementos das duas lnguas.

    Nesse sentido, um fato que nos chama a ateno e que pode ilustrar o que foi dito

    anteriormente acontece nas lojas do centro de Santa Elena. Nos estabelecimentos, os

    brasileiros perguntam em Portugus e os vendedores alternam entre o Portugus e o Espanhol.

    Tal estratgia comunicativa bastante utilizada nas atividades comerciais da cidade. De igual

    maneira ocorre em Pacaraima seja na oralidade seja na escrita. A seguir verificamos tal

    situao, ilustrada com a fachada de uma loja, localizada na Rua Suapi, centro comercirio do

    lado brasileiro.

    Figura 2 Fachada de loja em Pacaraima/Brasil

    Fonte: Arquivo pessoal

    Como percebemos na Figura 2, as lnguas Portuguesa e Espanhola tambm dividem

    espao nas fachadas do comrcio. Assim como ocorre do lado venezuelano, observamos que

    os brasileiros tambm alternam em sua prtica comunicativa entre o Portugus e o Espanhol.

    Conforme Silva-Valdivia (1994, p. 161), estabelecer onde comea uma lngua e onde termina

    a outra nem sempre uma tarefa fcil, pois os falantes bilngues fazem uso de ambas as

    lnguas de modo consciente. Para o autor, os estudos sobre AC se intensificaram nos ltimos

    anos, uns mais voltados s questes lingusticas e outros, s extralingusticas.

  • 31

    Com relao s pesquisas lingusticas, por exemplo, aponta-se que a concorrncia de

    duas lnguas tende a acontecer quando no h justaposio na estrutura sinttica em uma das

    lnguas, ou seja, a Alternncia ocorre entre os elementos de uma frase, obedecendo s regras

    gramaticais das lnguas envolvidas. o chamado Princpio da Equivalncia definido por

    Poplack (1980). Silva-Valdivia (1994) adota uma perspectiva mais social voltada para o

    extralingustico, dando nfase para o contato galego-espanhol, objeto de sua pesquisa.

    Laranjeira (2005) parte de um estudo de caso, em que ela se inclui como sujeito

    participante. Trata-se da AC em contexto familiar, no qual se alternam as Lnguas Inglesa e

    Espanhola, sendo que a primeira predomina. Para a autora, o termo AC polissmico sendo

    utilizado como MC ou Transferncia, j que ambos os conceitos podem ser utilizados como

    sinnimos. Na introduo, comentamos sobre a dificuldade de encontrar pesquisas sobre AC

    escrito. Tambm destacamos que utilizaramos categorias relacionadas fala e/ou novas

    categorias que se ajustassem aos nossos dados.

    Para a autora, Alternncia o uso de uma ou mais lnguas no ato de fala e tambm a

    mudana de uma variedade lingustica para outra quando necessrio. Para fins de sua

    investigao, Laranjeira entende MC como o uso alternado de duas ou mais lnguas pelo

    mesmo falante durante o ato de fala ou conversao. Assim, temos: (1) Mam, tu pap

    cuando eras pequea era mdico, how come he is not tired? / Mame, seu pai quando voc

    era pequena era mdico, como ele no est aposentado? e (2) No van a bring it up in the

    meeting? / No vo selecionar o assunto na reunio? (LARANJEIRA, 2005, p. 11).

    Podemos observar que a AC exige do falante um nvel alto de Competncia

    Comunicativa, no caso citado, de duas lnguas, ocorrendo naturalmente, sem esforo. O

    falante precisa manipular bem os cdigos envolvidos e estabelecer uma srie de relaes entre

    as lnguas, por exemplo, restries gramaticais, funcionais e pragmticas (LARANJEIRA,

    2005, p. 27). Do ponto de vista da restrio gramatical, no se podem quebrar as regras das

    lnguas, isto , duas lnguas se combinam de forma harmnica, de modo que a segunda seja a

    continuao da primeira. Assim, essa combinao acontece, por exemplo, entre artigo e nome,

    conjuno e orao subordinada. Com relao restrio do tipo funo, a autora destaca a

    situao comunicativa, ou seja, o grau de formalidade/informalidade. No que se refere

    restrio pragmtica, destacam-se os aspectos estilsticos, interacionais e discursivos.

    Com base em Poplack (1980), Laranjeira (2005, p. 28-29) tambm prope trs tipos de

    AC, a saber, etiqueta, interoracional e intraoracional. Com relao etiqueta, temos as

    interjeies, os marcadores discursivos, as frmulas sociais e as exclamaes, como

    oye/olha, em Lngua Espanhola. A autora tambm inclui expresses de incio, meio e fim

  • 32

    em uma conversao. Esses elementos movem-se dentro do discurso sem alterar a estrutura

    sinttica da frase. Outro termo utilizado Alternncia Emblemtica, pois seu carter primeiro

    est no discurso monolngue, por exemplo, do Ingls you know/voc sabe.

    No que concerne Alternncia Interoracional, o falante alterna oraes de uma lngua

    para outra, como em I started going to like this. Y luego deca. Look at the smoke.../Comecei

    a gostar disso. E depois dizia. Olhe para o cigarro...; Its been a long time since we last met.

    Cmo ests?/Faz muito tempo desde a ltima vez que nos vimos. Como vai voc?. Para a

    autora, do ponto de vista funcional, esta mudana pode ser motivada, por exemplo, porque: a

    mensagem dirige-se para vrios interlocutores; inserem-se textos; houve uma mudana no

    discurso ou o falante se sente mais competente em uma das lnguas. Esta Alternncia requer

    do falante maior domnio gramatical sobretudo no uso de oraes complexas de uma lngua

    para outra.

    Por ltimo, temos a Alternncia Intraoracional que diz respeito Alternncia dentro da

    mesma orao ou mescla de cdigos (Code-mixing). Assim, tem-se: I started acting real

    curiosa/Comecei a atuar muito curiosa; Oye, mira, t tmatelo como take it easy/Ei, olha,

    pega com calma; I visit mi abuelo at the weekends/Visito meu av nos finais de semana.

    Esta mudana exige do falante domnio e conhecimento gramaticais de ambas as lnguas,

    levando em considerao que as palavras se encaixam no discurso.

    Neste sentido, identificamos em nossa pr-anlise7 vrios exemplos de Alternncia

    Intraoracional no mbito escrito, tais como Se tem que ter presente em um mundo to

    multifusional como este as pessoas tem que se capacitar em na medida das exigencias de sua

    profisso e manter esse conhecimento em busca de um melhor porvenir (I02B8), ou Mais

    para alcanar tudo isso, precisamos de professores capacitados, com amor a sua profisso e

    com o valor de motivar aos outros a fazer da excelencia sua razn de ser: no pessoal, no

    profissional, no espiritual (I12B). Durante o processo de escrita, o informante alternou a

    palavra que seria em Portugus por uma em Espanhol seja por desconhecimento da mesma

    seja por estar envolvido com o processo de escrita. No caso de excelencia, por exemplo,

    poderia passar despercebida, entendendo-a como homnima, porm nem a grafia nem a

    pronncia so portuguesas. Do ponto de vista grfico, diferenciam-se pela presena do acento

    circunflexo que em Lngua Portuguesa indica o fechamento da vogal mdia [e], sendo

    desnecessria sua presena em Espanhol, j que todas suas vogais so fechadas.

    7 Detalharemos o termo pr-anlise na nossa metodologia. 8 Agruparemos os exemplos da seguinte forma, por exemplo, I02B, ou seja, Informante 02, Anexo B. Tambm

    detalharemos na metodologia.

  • 33

    Considerando que nosso corpus escrito, acreditamos que alguns tipos e subtipos de

    Alternncia, Transferncia e Interferncia podem aparecer em maior ou menor medida em

    nossa anlise. Por exemplo, a Alternncia do tipo Etiqueta, caracteristicamente oral, parece

    se manifestar mais em resultados de pesquisa que envolvem corpora orais, como o caso de

    Poplack (1980) e Laranjeira (2005), cujos resultados indicam o uso de marcadores discursos

    na fala de seus informantes.

    1.3 Transferncia lingustica

    Nos ltimos anos, os termos Transferncia e Interferncia Lingusticas entram em

    conflito entre si. Weinreich (1974, p. 17), por exemplo, define Interferncia como desvios da

    norma de algumas lnguas que concorriam na fala dos bilngues9. Seja qual for o termo

    utilizado, o fato que tanto Transferncia como Interferncia implicam influncia de uma

    lngua A sobre uma lngua B, gerando estruturas agramaticais que no se enquadram em

    ambas as lnguas.

    A essa discusso, Lpez Morales (2004, p. 219) acrescenta o termo Convergncia

    porque, segundo ele, o referido conceito tambm estabelece relao entre uma lngua A para

    B, apresentando resultados diferentes, pois a lngua B se aproxima da lngua A.

    Como anteriormente tocamos nas chamadas estruturas agramaticais, notamos que

    Lpez Morales (1992, p. 155-171) discute os conceitos de Transferncia e Convergncia por

    meio de uma gramaticalidade gradiente, que vai do mais gramatical para o menos gramatical,

    j que todas elas podem ou no violar uma ou mais regras gramaticais. Essa gradincia pode

    ser sistematizada da seguinte maneira:

    Diagrama 1 Continuum da gramaticalidade do contato lingustico

    + +/- -

    Transferncia Convergncia Interferncia

    Por meio desse continuum o autor neutraliza a discusso acerca da Transferncia

    positiva e negativa, j que nisso entram critrios subjetivos por meio do qual o pesquisador

    parece julgar seus dados. O termo TL surgiu na dcada de 1960 quando se acreditava que a

    9 No original: [...] desviacin con respecto a las normas de cualquiera de las dos lenguas que ocurren en el

    habla de los individuos bilinge [].

  • 34

    L110 interferiria no processo de aprendizagem do aluno na L211. Atravs da viso

    behaviorista, as prticas da L1 transfeririam para a L2, podendo ser a transferncia positiva,

    formas semelhantes entre as lnguas, ou negativa, chamada de Interferncia, uma forma da L1

    utilizada para preencher lacunas na L2.

    Considerando a fluidez do contato lingustico, analis-lo por meio de uma dicotomia

    ou tricotomia tentar engessar um processo que dinmico por sua natureza. Ademais, a

    anlise em continuum se aproxima muito mais dos estudos sociolingusticos e funcionalistas,

    pois se preocupa mais em explicar o fenmeno do que propor categorias hermticas.

    Como foi dito, tanto a Transferncia como a Interferncia so a influncia de uma

    lngua A sobre uma B. No caso da Interferncia produzem-se estruturas agramaticais, ou seja,

    no se relacionam s lnguas envolvidas. Por outro lado, a Convergncia a aproximao da

    lngua B em direo a lngua A.

    Segundo Alvarez (2002), a TL pode ser positiva ou negativa. Na primeira, a influncia

    da L1 sobre a L2 ajudaria no processo de aprendizagem da LE. J na segunda, tambm

    denominada de Interferncia, a influncia produz erros, o que no seria benfico para o

    aprendiz, pois o aluno, por exemplo, internaliza estruturas agramaticais, haja vista que a

    Transferncia tem vrios fatores que interatuam entre si. Desta forma, a autora define o

    fenmeno como um processo que ocorre quando o aprendiz de uma L2 utiliza os

    conhecimentos lingusticos e as habilidades comunicativas (seja da L1 ou de qualquer outra

    lngua adquirida previamente) na hora de produzir e processar mensagens na L2.

    Nos 20 pases em que o Espanhol oficial ou cooficial, 94% da populao fala o

    idioma, segundo Lpez Morales (2004, p. 217-219). Neste suposto contexto monolngue,

    observam-se outras lnguas, sobretudo as amerndias. O autor, ao apresentar um quadro com a

    porcentagem de hispanofalantes, destaca em seus comentrios trs pases: Paraguai,

    Guatemala e Panam, em que o Espanhol divide espao com as lnguas indgenas da regio.

    Desta maneira, frente s diversas influncias entre as lnguas em contato, obtm-se vrios

    resultados, tais como Transferncias e Convergncias entre lnguas, fenmenos que ocorrem

    no mbito lxico-sinttico; AC; pidgin e crioulo, ou seja, lnguas que do origem a outra; e a

    mortandade lingustica.

    Weinreich (1974) prope uma dicotomia lngua versus fala em manifestaes externas

    produzidas por um falante em situao especfica. Desta maneira, a lngua pertence norma

    10 Neste trabalho, o termo L1 sinnimo de Lngua Primeira ou Primeira Lngua ou Lngua Materna. 11 Neste trabalho, o termo L2 sinnimo de Lngua Segunda ou Segunda Lngua ou Lngua Estrangeira. L2

    refere-se ao ensino da lngua estrangeira no pas onde ela falada como lngua materna. Lngua estrangeira diz

    respeito ao ensino da lngua estrangeira em pases onde essa lngua no materna.

  • 35

    da comunidade e a fala o resultado momentneo dessa lngua. O fenmeno da TL

    classificado em dois tipos: o lxico e a gramtica. Com relao ao lxico, a influncia do

    contato ocorre nas Transferncias lxicas de uma lngua a outra. No entanto, tais

    Transferncias possuem variados tipos e graus, bem como as atitudes que provocam na

    comunidade receptora. Ainda para o autor, esses emprstimos acontecem atravs do contato

    direto das lnguas ou do contato diferido, por exemplo, leituras, meios de comunicao, dentre

    outros.

    A Transferncia lxica, segundo Lpez Morales (2004, p. 221), divide-se em

    Emprstimos lxicos e Traduo direta. No que se refere aos Emprstimos, observam-se

    cpias idnticas ou com algumas modificaes das formas e dos contedos semnticos da

    palavra estrangeira, como em parking, part-time, OK, screen. Ao contrrio, do ponto de vista

    semntico, acrescenta-se ao Emprstimo um segundo significado, por exemplo, assistente

    (Espanhol)/assistant (Ingls), ayudante (Espanhol)/ajudante incorporado ao Espanhol como

    que assiste; aplicacin (Espanhol)/application (Ingls), solicitud (Espanhol)/solicitao,

    incorporado ao Espanhol como diligncia, instncia cuidadosa. Por ltimo, existem os que

    adotam o sentido da palavra estrangeira, excluindo o sentido primeiro da palavra do outro

    idioma como em ganga (Espanhol)/gang (Ingls), pandilla juvenil (Espanhol)/grupo de

    jovens delinquentes; promotor (Espanhol)/promoter (Ingls), el que lanza y maneja a

    artistas y deportistas/aquele que organiza e promove eventos, festas.

    Por outro lado, existem os emprstimos hbridos, por exemplo, full

    equipado/equipamento completo, full de todo/cheio de tudo, como bem dizem os

    venezuelanos. Ainda sobre emprstimos, existe o parcial, cuja base o Ingls e um elemento

    em Espanhol, por exemplo, printear (Espanhol)/to print (Ingls), imprimir/imprimir e

    clipear (Espanhol)/to clip (Ingls), grapar, presillar (Espanhol)/grampear. Os dados

    apresentados podem ocorrer tanto na fala como na escrita.

    sabido da proximidade entre o Portugus e o Espanhol. No entanto, o que poderia

    ser um facilitador passa a ser uma dificuldade, sobretudo com as palavras heterotnicas,

    heterogrficas e heterogenricas, isto , tonicidade, grafia e significado diferentes,

    respectivamente. Alvarez (2002) esclarece que no incio a semelhana entre as lnguas citadas

    deixa o aluno mais confiante, mas ao longo dos anos de estudo, o nvel de complexidade

    aumenta.

    Sob a viso da autora, estudos sobre Transferncia apontam que falantes de lnguas

    semelhantes quando percebem tal aproximao tendem a transferir elementos entre os

  • 36

    idiomas. o que ocorre, por exemplo, entre o Portugus e o Espanhol. Na sequncia, Quadro

    2, sumarizamos uma srie de classificaes sobre Transferncia:

    Quadro 2 - Alguns conceitos de Transferncia lingustica

    Autor Conceitos

    Selinker

    (1985)

    Considera a transferncia como um processo organizador integrado a outros para o insumo

    lingustico frente ao sistema lingustico que o aprendente j possui.

    Corder

    (1992)

    Existem dois tipos de transferncia: os emprstimos funcionam quando as lnguas esto muito

    prximas e as transferncias estruturais que fazem parte da aprendizagem de uma lngua como

    parte da competncia lingustica.

    Gonzalez

    (1994)

    A transferncia de fato existe e os fenmenos gramaticais que ela provoca no so meramente

    frutos de olhar hiper-corretivo do professor, sendo um processo que vai alm da incorporao de

    emprstimos da L1 na interlngua.

    Fonte: Adaptado de Alvarez (2002)

    Observamos que o conceito de Transferncia passa tambm pela questo do

    Emprstimo. Caso essas incorporaes se fixem na L2 do aprendiz temos a fossilizao, uma

    estrutura da L1 que foi consolidada na L2 de maneira errnea. Alvarez (2002) conclui que a

    proximidade entre o Portugus e o Espanhol propicia o fenmeno da TL, mas que o aprendiz

    deve estar atento para vencer tais obstculos de modo que no internalize estruturas da L1 na

    L2.

    Freitas (2008) trata do fenmeno da TL em escolas que ofertam Portugus como

    segunda lngua em Cabo Verde. A autora se fundamenta a partir dos conceitos estabelecidos

    por Andrade (1997), que prope uma viso diferenciada sobre a Transferncia em dois

    aspectos: a lingustico-comunicativa e a aquisicional. O primeiro se subdivide em fontico-

    fonolgica, gramatical, lexical ou emprstimo, comunicativa e evitamento. O segundo se

    refere s questes de conscincia, controle e ateno e no foram descartadas por Freitas.

    Retomando a Transferncia fontico-fonolgica, Freitas (2008, p. 72-73) comenta que

    os traos da LM so transferidos para a LNM, especialmente na pronncia. A autora diz que

    esse processo inconsciente e o falante no se d conta, ao menos que grave sua fala para

    comparar as diferenas entre ambas as lnguas. Do ponto de vista fonolgico, a Transferncia

    pode acontecer devido ortografia das duas lnguas estudadas. No caso de sua pesquisa, os

    cabo-verdianos conhecem apenas o sistema ortogrfico portugus. Assim, ao redigir algo em

    lngua crioula, utilizam a ortografia portuguesa.

    No que se refere Transferncia gramatical, Freitas (2008, p. 73) define-a como a

    influncia da LM no funcionamento morfossinttico da LNM, tais como flexo de gnero e

    nmero, concordncia e sintaxe. Os alunos ao longo do curso vo desenvolvendo e

    aprimorando sua competncia lingustico-comunicativa.

  • 37

    No contexto fronteirio Brasil/Venezuela, exemplificamos com a frase [...] Na

    atualidade devemos ser autodidatas, conformar equipes efetivos de trabalho [...] (I12B).

    Equipe em Portugus um substantivo feminino, enquanto que em Espanhol equipos,

    masculino. O aluno escreve em Portugus, equipes efetivos, porm faz a concordncia de

    gnero em Espanhol efetivos.

    No que diz respeito Transferncia lexical, Freitas (2008, p. 75) apresenta a definio

    de Andrade (1997) segundo a qual a Transferncia acontece de unidades lexicais de uma

    lngua a outra atravs da traduo literal, na estrangeirizao de palavras e criao de novas

    palavras.

    Seguindo a mesma autora, a Transferncia comunicativa acontece quando o aluno

    alcana um nvel prximo a de um nativo. Desta maneira, metforas, sentimentos e emoes,

    por exemplo, so mais difceis de abstrair. Por fim, o evitamento descrito pela autora (p. 77-

    78) como uma forma de evadir-se de uma suposta estrutura incorreta, isto , o estudante evita

    transferir estruturas da sua LM na LNM. Autores citados, como Bertrand (1987, apud

    FREITAS, 2008), definem esse fenmeno como uma Transferncia Negativa.

    A pesquisa que mais se aproxima da nossa, haja vista tambm tratar do fenmeno da

    Alternncia lingustica em textos escritos, o de Watts (2009) que analisa 34 edies de trs

    jornais hispanos da Carolina do Norte/Estados Unidos, totalizando 102 edies, restringindo-

    se capa e a matria principal de cada jornal. Encerrada a pesquisa, a concluso foi que a

    maioria das TL do Ingls para o Espanhol ocorre no plano lxico/semntico, seguido do plano

    sinttico e da Alternncia de Cdigo.

    O plano semntico refere-se ao Emprstimo, ou seja, palavras ou frases de uma lngua

    para outra, e Traduo direta, isto , quando uma lngua incorpora um significado de outra

    lngua, agregando o significado a uma palavra existente ou a uma palavra criada pelas regras

    da lngua receptora. Nesse plano, os nomes (lonchera do ingls lunch pail/comer fora de

    casa) foram os que mais sofreram Transferncia, seguidos dos verbos (aplicar significa em

    Espanhol empregar, administrar ou colocar em prtica um conhecimento, medida ou princpio

    com a finalidade de obter um determinado efeito ou rendimento em algo ou algum12. No

    entanto, esta uma Traduo direta do Ingls do verbo apply que significa em Espanhol

    padro solicitar), das grias (migra de inmigracin ou migracin) e dos adjetivos

    12 Extrado da pgina do Dicionrio da Real Academia Espanhola. No original: Emplear, administrar o poner en

    prctica un conocimiento, medida o principio, a fin de obtener un determinado efecto o rendimiento en alguien o

    algo.

  • 38

    (fatal significa inevitable, desgraciado, infeliz. Em Ingls existe a mesma palavra, porm

    com significado diferente, qual seja mortal).

    No plano sinttico, a Transferncia acontece nas mudanas de grafia, tais como

    ausncia do acento agudo (se incendio no lugar de se incendi/incendiou), ortografia

    (retrazado ao invs de retrasado/atrasado) e de funo gramatical (ausncia da

    preposio a deportando [a] gente/deportando pessoas).

    O terceiro tipo diz respeito AC, ou seja, a substituio de uma palavra ou frase de

    uma lngua por outra. As Alternncias mais frequentes foram as abreviaturas, seguidas das

    palavras e das frases. Por exemplo, quanto s abreviaturas, o plural ocorre com a duplicao

    da letra abreviada. Assim, Estados Unidos registrou-se como EU no lugar de EEUU.

    1.4 Interferncia lingustica

    Menndez; Mendndez (2003, p. 67-68) comentam que o termo Interferncia fora

    cunhado por Sandfeld (1938 apud MENNDEZ; MENDNDEZ, 2003), porm foi Weinreich

    (1974) que estabeleceu as causas e as formas do referido fenmeno. Os dois primeiros autores

    definem Interferncia como processo e resultado que ocasionam a presena de unidades de

    um dado sistema lingustico, bem como estruturas de outro sistema, reconfigurando estruturas

    nos nveis fonolgico, morfolgico e sinttico. E mais, devemos compreender tal fenmeno

    desde o ponto de vista da situao de contato de lnguas. No mbito da fala, tem-se fatores de

    percepo da outra lngua e do emprstimo; no da lngua, fixa-se na integrao fnica,

    gramatical, semntica e estilstica dos elementos do outro idioma.

    Consoante Menndez; Menndez (2003, p. 69), os fatores externos influenciariam no

    desenvolvimento da lngua desde o ponto de vista da lingustica estrutural. Esse dado

    relevante, haja vista que para a descrio de uma situao de contato lingustico, devemos

    considerar tambm fatores extralingusticos.

    De acordo com Weinreich (1974), para cada tipo de Interferncia existe um tipo de

    interao tanto de fatores lingusticos (estruturais) como de no lingusticos (psicolgicos e

    socioculturais), como pode ser observado na tabela seguinte:

  • 39

    Quadro 3 - Formas e fatores da Interferncia em geral

    Formas de

    Interferncia

    Fatores lingusticos Fatores no lingusticos

    Estmulos

    Fatores de resistncia

    Estmulos

    Fatores de resistncia

    Toda

    Interferncia

    Qualquer ponto

    de diferena

    entre L1 e L2:

    economia

    Estabilidade dos

    sistemas; requisitos

    de instabilidade

    Valor social de L1;

    interlocutores

    bilngues, etc

    Valor social de L2;

    atitudes puristas frente a

    L2; fidelidade a LM;

    interlocutores

    monolngues, etc.

    Fonte: Menndez; Menndez (2003)

    Para Silva-Valdivia (1994, p. 165), utiliza-se o termo Interferncia em diferentes reas

    do conhecimento, por exemplo, Fsica, Psicologia, Antropologia Cultural, Pedagogia e

    Sociolingustica. O autor define o fenmeno como a mudana lingustica produzida em uma

    lngua condicionada por outra lngua, excluindo-se Interferncias de uma mesma lngua. Para

    Payrat (1985, apud SILVA-VALDIVIA, 1994), Interferncia a mudana lingustica que

    acontece em determinada lngua A, motivada diretamente por uma lngua B. Assim, a

    Interferncia leva em conta trs fatores: psicolgicos, sociolingusticos e sociocomunicaticos.

    Sob o vis psicolgico, Silva-Valdivia volta-se para os problemas de aprendizagem de

    uma L2, enfatizando os processos de aquisio de segunda lngua nos anos 1950 e 1960. J a

    Psicologia evolutiva busca explicar o fenmeno a partir de como interatuam duas lnguas no

    processo de aprendizagem bilngue.

    No que tange sociolingustica, busca-se relacionar a situao social em que se produz

    a Interferncia com a atitude dos falantes diante das mesmas. O autor enfatiza os aspectos

    socioculturais, tendo em vista o contexto complexo em que se insere a Lngua Galega, objeto

    de sua pesquisa. Como sabido, o Galego uma das lnguas minoritrias da Espanha e na

    ditadura espanhola foi proibida de ser falada e ensinada.

    Os fatores sociocomunicativos esto ligados tanto Interferncia como situao

    comunicativa, que envolvem registro, grau de formalidade, contexto comunicativo, relao

    entre os interlocutores, por exemplo. Para Silva-Valdivia (1994, p. 169) tais informaes so

    importantes, sobretudo no contexto galego, em que aparecem espanholismos lxicos e

    fonticos em situao familiar e mais informal, tais como ra, cervexa, beirrara e culler/rua,

    cerveja, calada e colher, respectivamente.

    Para Weinreich (1974, p. 29), toda teoria estruturalista ao distinguir lngua e fala supe

    que todo acontecimento da fala pertence a uma lngua definida. Desta forma, possvel

    admitir um enunciado com elementos de uma lngua diferente. Um falante ou um estudioso de

    lnguas consegue perceber que os elementos proferidos podem ser separados como elementos

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    tomados de emprstimo ou transferidos. Em outras palavras, esta uma das manifestaes

    da Interferncia lingustica.

    Outro tipo de Interferncia, citada pelo autor, no implica uma Transferncia de

    nenhum tipo de elemento, afetando tanto a expresso (fonemas) como o contedo

    (semantema), haja vista que expresso e contedo so definidos atravs de oposies dentro

    de uma mesma lngua. O autor traa uma srie de exemplos entre as Lnguas Russa e Inglesa.

    Do ponto de vista fontico, Weinreich elenca o fonema /p/. Em Russo, ele definido por seu

    trao distintivo de falta de palatalizao; j em ingls, no existe tal distino.

    No que concerne sintaxe, o autor toma como exemplo a ordem dos elementos frasais

    (sujeito + verbo + objeto) em oraes inglesas e russas. Para um indivduo bilngue, essa

    ordem poderia ser denotativa em Ingls e em Russo, estilstica. No que se refere ao

    semantema, parte da palavra que contm um significado de carter lexical como substncia,

    qualidade, processo, modalidade da ao ou da qualidade, Weinreich toma como exemplo os

    semantemas do Ingls foot (p) e leg (perna). No entanto, em Russo o mesmo contedo se

    divide em trs: nka (p/perna de mvel), nog (toda a pata de um animal) e fut (medida de

    12 polegadas). Observa-se que os semantemas so diferentes em ambas as lnguas. Para o

    autor, em uma situao de contato lingustico, os semantemas foot e nog podem direcionar o

    indivduo bilngue a uma identificao interlingustica dos dois idiomas.

    Weinreich (1974, p. 39) diferencia claramente a questo da interferncia na fala e na

    lngua. Nesta, o que interessa a integrao fonolgica, gramatical, semntica e estilstica

    dos elementos estrangeiros13. Naquela, os fatores de percepo do outro idioma e a

    motivao do emprstimo so de suma importncia14.

    Ainda conforme o autor, os mtodos utilizados no estudo das Interferncias no so

    iguais. No que tange aos Emprstimos, recuperam-se os elementos emprestados atravs de

    entrevistas repetidas com o informante. Outra forma com textos escritos. Em nossa

    investigao, o uso de textos escritos pode auxiliar-nos, por exemplo, a identificar se

    determinadas estruturas escritas pelo informante [venezuelano] foram ou no tomadas de

    emprstimos.

    Do ponto de vista fontico, Weinreich (1974, p. 50-53) define quatro tipos de

    interferncia, a saber: (1) subdiferenciao dos fonemas, ou seja, ocorre quando dois sons do

    sistema secundrio (L2) se confundem e seus correspondentes no se diferenciam no sistema

    13No original: [] lo que interesa es la integracin fonolgica, gramatical, semntica y estilstica de los

    elementos extranjeros. 14No original: [...] los factores de percepcin del otro idioma y la motivacin del prstamo son de primera

    importancia.

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    primrio (L1); (2) superdiferenciao dos fonemas, isto , diferenas fonolgicas do sistema

    primrio sobre os sons do secundrio sem necessidade; (3) reinterpretao das distines, quer

    dizer, acontece quando o bilngue diferencia fonemas do sistema secundrio atravs de traos

    que so redundantes nesse sistema, porm so totalmente relevantes no sistema primrio e (4)

    situao dos sons, em outras palavras, so fonemas definidos como idnticos, mas a pronncia

    diferente.

    Para Weinreich, os tipos (2) e (3) podem no ser chamados de Interferncia. Um dos

    motivos devido realizao de fonemas da lngua secundria, inclusive alguns traos

    redundantes podem ser interpretados como relevantes pelo falante. Ainda consoante o autor,

    poder-se-iam haver dois grupos: um formado com os trs primeiros tipos de Interferncia e o

    quarto, isolado. Este se refere mudana no sistema fonolgico e aqueles, relacionam-se aos

    traos de uma ou ambas as lnguas.

    Do ponto de vista gramatical, Weinreich (1974, p. 71) define trs tipos de

    Interferncia, seja de A para B ou vice-versa, a saber: (1) o uso de morfemas A ao falar ou

    escrever a lngua B, por exemplo, /nit er bt ix/ / no ele, mas eu em yiddish norte-

    americano. Para o autor, algumas classes so mais suscetveis a transferncias que outras; (2)

    a aplicao da relao gramatical da lngua A aos morfemas B na fala B ou o descuido de uma

    relao de B que no tem prottipo em A, como em he comes tomorrow home/ retorne

    amanh. O padro utilizado de lngua alem er kommt morgen nach Hause em morfemas

    ingleses e (3) mediante a identificao de um morfema B especfico com um morfema A

    especfico. Existe uma mudana das funes do morfema B baseado no modelo gramatical da

    lngua A.

    Siguan (2001, p. 176) enumera cinco tipos de Interferncias com nfase no Catalo-

    Espanhol, a saber: fonticas e prosdicas, ortogrfic