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8/8/2019 Faces da Resistncia na Poesia de Alberto da Cunha Melo
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Cludia Cordeiro
Faces da Resistncia na
Poesia de
Alberto da Cunha Melo
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CLUDIA CORDEIRO
Faces da Resistncia
na Poesia de Alberto da Cunha Melo
Ensaio
GERAO 65
DA LITERATURA PERNAMBUCANA
Edies Bagao-2003
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Faces da Resistncia
na Poesia de Alberto da Cunha Melo
GERAO 65DA LITERTURA PERNAMBUCANA
Cludia Cordeiro
Edies Bagao 2003
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Para Alberto da Cunha Melo
pela graa de o ter na minha vida.
E para a Bagd que sangra.
(21 de maro de 2003)
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AGRADECIMENTOS:
A Csar Leal, Bruno Tolentino e Alfredo Bosi:
descobertae caminhos;
a Antnio Campos, Astier Baslio, Eugnia Menezes,
Henfil, Hildeberto Barbosa Filho, Jos Numanne
Pinto, Liliane Jamir e Silva, Lucila Nogueira, Mrio
Hlio, Mariza Loureno, Norma Godoy, Paulo Freire,
Rodrigo de Mendona e Silvana Guimares, em nome
de todos que, ontem ou hoje, comungam comigo da
profunda admirao pela arte de Alberto da CunhaMelo, que nos une;
a Ermelinda Ferreira, a Professora e Doutora em
Letras, da qual me orgulho pela convivncia nesta e
em outras frentes literrias, pelo roteiro seguro e
incentivo;
a Ftima Galindo Moury Fernandes, pelo especial
estmulo;
a todos os que fazem a FAFIRE, onde deixo
plantados, mais uma vez, meu respeito e meu
profundo reconhecimento pelo legado da minha
formao literria;
a Maria do Natal Montenegro Rosa e Silva e Lusa
Cavalcante, in memoriam, presenas inesquecveis do
bem em meu caminho;
a Mrcia e Mrcio, meus filhos, carne e sangue meus,
sem os quais eu no seria;
a Nemzinha, Emlia dos Santos, cujos cuidadossalvaram-me tantas vezes a vida, meu profundo
reconhecimento;
a meus pais, Beliza Vasconcelos Cordeiro e Manuel
Agnelo Cordeiro, in memoriam, pelo quase impossvel
amor com que me educaram;
a Divaldo Pereira Franco, o mestre-amigo, lio de
Ser e exemplo que persigo;
e a Deus, o Criador Incriado, cuja presena em mim se
reflete pelo meu amor Poesia.
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PREFCIO
guisa de apresentao, preciso que se diga que o ensaio Faces da Resistncia na
Poesia de Alberto da Cunha Melo resulta de um longo, ntimo e profundo convvio da
autora, a professora, pesquisadora e artista plstica Cludia Cordeiro, com suas duas paixes:
a poesia em geral, em cuja defesa costuma vir a pblico em aulas, palestras, artigos e nas
pginas que concebeu e mantm na Internet a Plataforma para a Poesia, onde divulga os
poemas de escritores em mbito regional e nacional, e as Trilhas Literrias, onde, em
pareceria com Mariza Loureno, promove uma discusso terica sobre a atividade potica -; e
uma poesia em particular, a do pernambucano Alberto da Cunha Melo, paixo que, neste
caso, transcendeu o texto e estendeu-se ao prprio poeta, seu marido h vinte e quatro anos.
O casamento de Cludia e Alberto uma dessas unies mgicas que ultrapassam a
mera relao entre um casal. A qumica entre eles a que se espera da conjuno ideal entre o
leitor e o poeta, consubstanciada numa compreenso do texto que resgata o esprito da prpria
criao, to feliz quanto rara no cotidiano das letras, e por isso mesmo to sonhada pelos
artistas da palavra.
Como no poderia deixar de ser, Cludia a musa de Alberto, que a ela dedica obelssimo livro Clau, apaixonado e apaixonante da primeira ltima pginas, no qual se l,
em nota, a seguinte justificativa:
Quanto ao ttulo deste livro, a ser divulgado entre minhas obras inditas, algunsbons amigos acostumados com a inconstncia amorosa dos artistas, aconselharam-me a mud-lo,por consider-lo muito personificador. Eu o mantive por acreditar que a poesia, alm de ser umansia pela verdade absoluta, a singularizao ou a personificao mxima dos seres e das coisas(deste e de outros mundos). Se a filosofia nos diz que o ser repete a espcie, possvel que falar nagrandeza de uma nica mulher referir-se grandeza de muitas outras mulheres que vivem,trabalham e amam neste planeta assustador.
Mas a relao de Cludia e Alberto distorce a clssica imagem da musa,
tradicionalmente passiva: no s a mulher que inspira o poeta; a poesia deste poeta que
inspira a mulher, tambm ela artista, e a vida de ambos caminha numa espcie de unssono
literrio-amoroso, oscilando entre comoventes oraes pelo poema e contundentes meditaes
sob os lajedos.
Em 2002, tive a oportunidade de ministrar uma disciplina no Curso de Especializao
em Literatura Brasileira da FAFIRE, que me propiciou o encontro com Cludia, como aluna,
e posteriormente como orientanda da monografia final do curso, que resultou no presenteensaio. Ao longo deste convvio, pude acompanhar com que vivacidade, talento e inteligncia
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projetou e desenvolveu o seu trabalho. Fui, por assim dizer, a primeira leitora deste texto. Por
isso que a minha apresentao deste livro, para alm de ser uma satisfao e uma honra,
tambm um depoimento agradecido Cludia, por ter-me feito chegar, com tanto empenho,
amor e conhecimento, beleza e fora da poesia de Alberto. ainda um testemunho da
certeza que tenho de que tanto o leitor que ainda no conhece, como aquele que conhece
pouco, ou mesmo aquele que j antigo freqentador da poesia em questo, s ter a lucrar
com a leitura deste ensaio.
Atravs dele, nos veremos envolvidos por uma abordagem extremamente lcida, que
desvenda, pela primeira vez, os meandros do percurso histrico do poeta, organizando a sua
produo, cronolgica e tematicamente, em trs fases. Atravs dele poderemos ouvir a voz
vibrante e entusiasta da autora levantar-se em defesa da Gerao 65, qual ele pertence,contribuindo significativamente para fazer sair da penumbra essa estupenda safra de vates
pernambucanos, cujo desconhecimento nacional, na opinio do poeta Bruno Tolentino,
simplesmente um escndalo. Acompanharemos, atravs de suas pginas, como o conceito de
Poesia-Resistncia, de Alfredo Bosi, evocado para caracterizar, com muita pertinncia, a
potica de Alberto da Cunha Melo, definindo a unidade e a coerncia de sua produo, apesar
das variaes singularizadoras de suas trs fases, que passam a ser entendidas como faces:
trs faces de uma inabalvel resistncia literria que se espelha na constante e impecvelobservao da resistncia humana, seja ela fome, dor, misria, tristeza, injustia,
humilhao, crueldade, como forma implacvel de denncia de tudo o que nos apequena e
que nos envergonha, ou no, mas que nos revela como humanos, inapelavelmente humanos.
O estudo nos oferece, ainda, uma bibliografia pormenorizada das publicaes do poeta,
tambm socilogo e jornalista, bem como um levantamento da crtica a ele referida.
Trabalho competente, coerente, abrangente, elegantemente redigido, fartamente
ilustrado e documentado, destina-se, sem dvida, a ser obra de referncia e consulta para ospesquisadores e admiradores presentes e futuros da obra deste grande poeta pernambucano.
Ermelinda Ferreira
Doutora em Letras, professora e autora de diversosensaios, entre eles, Cabeas Compostas APersonagem Feminina na Narrativa de Osman Lins. Seumais recente lanamento (2002):Dois Estudos Pessoanos,pela Editora Universitria da UFPE.
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15:28 21.03.03
Reuters
Imagens de tev mostravam a cidade de Bagd cobertapor enormes colunas de fumaa e um complexo
presidencial iraquiano em chamas.
No norte do pas, a cidade de Mosul foi atingida porataques de avies, informou a rede de televiso Al-Jazeera na sexta-feira.
Um correspondente da Reuters na regio tambmtestemunhou disparos antiareos na cidade. O ataqueaconteceu quase ao mesmo tempo em que umaautoridade norte-americana disse que uma guerraarea em larga escala estava sendo iniciada.
Ave Ano 2000
S agora sabemos, quandooutro sculo bate porta:tudo tocado pelo Homemtem o cheiro de coisa morta,
e o som do rquiem, som da nniados morteiros sobre a Chechnia,
e dos vagidos africanossobre as favelas tropicais,som de escopeta de dois canos,
anunciando-nos, com susto,que ainda impera Csar Augusto.
Alberto da Cunha Melo
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RESUMO
Este estudo se prope a abrir portas percepo de novos e antigos leitores para a poesia de Alberto da
Cunha Melo, facilitando o acesso sua esttica e sua mensagem, atravs da identificao das Faces da
Resistncia em toda extenso de sua obra, exceto o livro Yacala (2000), porque, para essa abordagem,
utilizamos como referencial terico o conceito de poesia-resistncia de Alfredo Bosi, j aplicado pelo
renomado mestre, quando da anlise desse livro. O corte terico se deu ao delimitar os caminhos da resistncia
nomeados por Alfredo Bosi, resultando na abordagem da poesia-metalinguagem, da poesia-mito, da
poesia-stira e da poesia-utopia, que se nos configuraram mais bem delineadas pelo mestre. A metodologia
adotada para esse percurso foi a da pesquisa bibliogrfica de carter especulativo. Na anlise especfica da obra,
seguimos o mtodo dedutivo uma vez que partimos de uma teoria j fundada sobre a obra do autor.
Considerando os caminhos da resistncia elegidos, nossa reflexo levou-nos a detectar modulaes da poesia-
resistncia em toda a extenso da obra do poeta, permitindo-nos estender o conceito de poesia-resistncia,nsito ao livro j mencionado, para toda a potica do autor, o que esperamos venha a facilitar o acesso do leitor
esttica e mensagem da poesia de Alberto da Cunha Melo.
PALAVRAS-CHAVES: poesia-resistncia, poesia-metalinguagem, poesia-mito, poesia-stira, potico-noemtico.
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SUMRIO
LISTA DE ILUSTRAES.............................................................................. 11
INTRODUO................................................................................................... 121.0 ALBERTO DA CUNHA MELO E A GERAO 65.................................... 171.1 O Grupo de Jaboato............................. 191.2 Primeiras Publicaes................................................................................ 221.2.1 Publicaes em Jornais ........................................................................................ 221.2.2 Publicaes em Livros ......................................................................................... 231.3 O Rtulo Histrico ..................... 251.4 As Edies Pirata e a Gerao 65 ......................... 261.5 O Contexto Histrico-Social.......... 301.6 Contexto Literrio ............................................................. 34
2.0 A OBRA POTICA: UMA GEOGRAFIA ESPACIO-TEMPORAL .......... 41
2.1 Primeira Fase: Crculo Csmico (1966), Orao pelo poema (1969),Publicao do Corpo (1974), Poemas Anteriores (1989) ................................43
2.2 Segunda Fase: Dez Poemas Polticos (1979), Noticirio (1979): Poemas aMo Livre (1979); Clau (1992) .........................................................................
47
2.3 Terceira Fase: Carne de Terceira (1996), Yacala (1999) e Meditao sobos Lajedos (2002).................................................................................................
55
2.4 Notas Pertinentes a Outras Produes Artsticas do Autor ........................... 62
3.0 REVISO DA LITERATURA.......................................................................... 653.1 Os Caminhos da Resistncia.............. 68
4.0 FACES DA RESISTNCIA NA POESIA DE ALBERTO DA CUNHAMELO..................................................................................................................
704.1 A Resistncia no Caminho da Poesia-Metalinguagem ............................... 714.2 Nas Sendas da Poesia-Mito ............................................................................... 744.3 Poesia-Stira e Poesia-Utopia: Rumos da Resistncia ................................... 80
5.0 CONSIDERAES FINAIS ................................ 84
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS. 87
ANEXOS ............................................................................................................. 92I CARTA DO EDUCADOR PAULO FREIREII CARTA DO JORNALISTA HENFILIII DEDICATRIA DO PROF E CRTICO ALFREDO BOSI
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Capa de Gerao 65. O Livro dos Trinta Anos ................................................ 14Figura 2 Foto de lanamento coletivo das Edies Pirata, em 17.05.1980 ........................ 15Figura 3 Cpia de pgina do livro indito, manuscrito, A Noite da Longa
Aprendizagem. Notas Margem do Trabalho Potico, com foto
(20.06.1965) do autor. ......................................................................................... 16Figura 4 Cpia de pgina do livro indito, manuscrito A Noite da Longa
Aprendizagem. Notas Margem do Trabalho Potico , com foto (1963) do
autor e outros companheiros, distribuindo o jornal Dia Vir ............................ 17
Figura 5 Cpia do logotipo das Edies Pirata .................................................................. 24Figura 6 Foto do primeiro lanamento coletivo das Edies Pirata, em 04.09.1979 ......... 26Figura 7 Capa do livro do autor, Soma dos Sumos, 1983 ................................................. 38Figura 8 Capa do primeiro livro do autor, Crculo Csmico, 1966 .................................. 39Figura 9 Capa do segundo livro do autor, Orao pelo Poema, 1969 .............................. 39Figura 10 Capa do livro O Quntuplo, onde est inserido o livro do autor, Publicao
do Corpo
(1974) ..................................................................................................
39
Figura 11 Capa do livro do autor, Poemas Anteriores, (1989) .......................................... 41Figura 12 Capa do livro do autor, Dez Poemas Polticos (1979, primeiro clich) ............. 44Figura 13 Capa do livro do autor, Dez Poemas Polticos (1979, segundo clich) .............. 44Figura 14 Capa do livro do autor, Noticirio (1979) ........................................................... 45
Figura 15 Capa do livro do autor, Poemas a Mo Livre (1983) ........................................ 49Figura 16 Capa do livro do autor, Clau (1992) ................................................................... 50Figura 17 Capa do livro do autor, Carne de Terceira com Poemas a Mo Livre (1996). 51Figura 18 Capa do livro do autor, Yacala (1999) ................................................................ 52Figura 19 Capa da edio fac-similar do livro do autor, Yacala (2000) ............................. 52Figura 20 Cpia do colofon da primeira edio do livro Yacala (1999) ............................. 54Figura 21 Capa do livro do autor, Meditao sob os Lajedos (2002) ................................ 56Figura 22 Cpia de desenho do autor que ilustra o seu livro, Dez Poemas Polticos
(1979) .................................................................................................................. 58Figura 23 Cpia de desenho do autor que ilustra a capa de seu livro, Clau (1992) ........... 59Figura 24 Capa do livro, Sete Estrias sem Rei (1984), de Mrio Souto Maior, com
ilustrao de Alberto da Cunha Melo .................................................................. 60
Figura 25 Ilustrao do autor no livro, Sete Estrias sem Rei (1984), de Mrio SoutoMaior. ................................................................................................................... 60
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INTRODUO
A esperana nova se agarraentre as barreiras e as ossadasde nossos morros. E por quemorremos antes de salv-la?(MELO, 1989, p. 48)
Homens e mulheres do nosso tempo ainda lem e criam poesia como se a sentenaprovocadora de Adorno escrever poemas depois de Auschwitz um ato debarbrie merecesse esta animosa interrogao: Por que a barbrie deve prevalecer?Hoje a obra de arte e de poesia, sob o imprio de mercado, tornou-se, como pensava omesmo Hegel, e mais do que nunca, essencialmente uma pergunta, uma interpelaoque ressoa, um chamado aos nimos e aos espritos. E onde h perplexidade, hesperana, um fio de esperana, de recomeo. (BOSI, 2000, p 17).
Que formas e eventos1, na obra de Alberto da Cunha Melo, podem facilitar o acesso
do leitor sua esttica e sua mensagem? Eis a pergunta que ambicionamos responder
esperando assim contribuir para uma sensibilizao que acorde, especialmente, nossos jovens
alunos e alunas, com os quais convivemos no cotidiano espesso da sala de aula, para a regio
do afeto, da fraternidade e da beleza nsitas Arte Potica.
Quando realizvamos, nesta monografia, as ltimas correes e ajustes, mais pelas
exigncias dos prazos, que por dar por terminado este discurso de compreenso (BOSI,
1988) da obra de Alberto da Cunha Melo, fatos nacionais e internacionais positivos e outros
terrificantes passaram a interferir pesadamente nesse burilamento. Os positivos diziam
respeito ao lanamento do segundo livro de poesia do Papa Joo Paulo II: Trptico Romano
noticiado largamente na imprensa nacional e internacional (MAYRINK, 2003),dando conta
dos mais de 300 mil exemplares j vendidos na Polnia, e da prxima traduo para mais de
seis idiomas; e a eleio do professor Alfredo Bosi para a Academia Brasileira de Letras. A
primeira notcia nos animava a acreditar mais ainda na fora da poesia, enquanto instituio
social, e a segunda nos conscientizava, mais ainda, da grande responsabilidade em utilizar em
nosso percurso as bases tericas do eminente mestre. Quanto aos fatos negativos, vinham-nos1 Entende-se por evento todo acontecer vivido da existncia que motiva as operaes textuais, nelaspenetrando como temporalidade e subjetividade. (BOSI, 1988)
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das desoladoras manchetes sobre os ataques dos Estados Unidos ao Iraque. Em pleno sculo
XXI, a barbrie, o terror e o dio adquiriam supremacia anunciando-nos com susto/ que
ainda impera Csar Augusto (MELO, 2002, p. 84).
Todas essas notcias foram por ns interpretadas como fonte de mais motivao que
atendia ao nosso propsito de abrir portas percepo dos leitores para poesia de Alberto da
Cunha Melo. Convivemos com a obra do autor h mais de vinte e quatro anos e j havamos
prefaciado o seu livro Poemas Anteriores (CORDEIRO, 1983), construindo um breve ensaio
que d conta de caractersticas do Imagismo movimento esttico liderado por Ezra Pound
e Amy Lowell. Nosso projeto inicial era exatamente aprofundarmos essa vertente esttica e
propiciarmos uma interpretao dos recursos imagticos afins, modulados na personalssimapotica do autor, por considerarmos tambm importantes para atender ao objetivo de
promover a sensibilizao de seus possveis leitores.
No entanto, o acesso que temos a toda obra de Alberto da Cunha Melo e a
familiaridade com ela, alm do fato de constatarmos que, pela nossa pesquisa, nenhuma
monografia havia-na abordado, levou-nos a abandonar a especificidade do projeto inicial e
ousarmos identificar, luz da teoria de Alfredo Bosi (2000), Poesia-Resistncia, algumasFaces da Resistncia da Poesia de Alberto da Cunha Melo. Isso moveu-nos a uma busca
que d a este trabalho acadmico um carter indito, pois foi necessrio investigar os alicerces
histrico-literrios que fundamentavam a viso de mundo do autor pernambucano que desde
j buscamos identificar para bem informar o leitor. Para isso transcrevemos o registro de um
jornalista que se identifica como E. F. No Jaboato Jornal, de 01 de maro de 1981, em
matria intitulada Filho de Gato Gatinho, ele d conta de uma pesquisa e elabora notas
bem elucidativas sobre a linhagem potica familiar de Alberto da Cunha Melo:Em nossas pesquisas no Arquivo Pblico, eis o que encontramos em A Voz
de Goiana, ano I n 1, n 11, de abril de 1915: [...] Mar [...]/ Escarcus soergue.Contra cus, granitos - / A brava fera sempre, eternamente uivando./ Seu dio espumado corao maldito. Alberto Tavares. A transcrio em homenagem deste jornal aum dos seus fundadores, ento Redator-Chefe e hoje estimado colaborador e autor dassaborosas TROVAS E TROVOADAS, Benedito Tavares da Cunha Melo, que seesconde sob o pseudnimo de K. OLHO.
Acontece que ALBERTO TAVARES no outro seno o pai deBENEDITO e av do escritor Alberto Cunha Melo. Filho de gato gatinho... (grifosdo autor).
Alberto da Cunha Melo ou Jos Alberto Tavares da Cunha Melo este seu nomecompleto neto e filho de poetas. Em 37 anos de seu fazer literrio seu primeiro livro
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Crculo Csmico foi lanado em 1966 Alberto publicou doze ttulos de poesia e participou
de vinte e trs antologias, duas delas internacionais, todas inseridas na bibliografia ativa deste
trabalho monogrfico para que se ratifique mais precisamente esta nossa anotao. Ele
tambm mereceu uma boa recepo da crtica literria pernambucana e nacional, a exemplo
de nomes como Csar Leal, Fbio Lucas, Hildeberto Barbosa Filho, Bruno Tolentino e o
prefcio consagrador, especialmente para o mundo acadmico, do professor Alfredo Bosi
(2000), em seu livro Yacala (MELO, 2000), na segunda edio fac-similar da editora
EDFURN, que atravessou as fronteiras brasileiras e foi lanado na cidade de vora, em
Portugal, durante o III Seminrio Internacional de Lusografias.
A mudana de rumos do projeto inicial significou, ento, um esforo em dar ao leitordestas pginas uma viso abrangente do percurso do escritor, o que implicou em se ampliar a
abordagem horizontal traada originalmente e, ao mesmo tempo, pontuar, nesse traado
horizontal, os eventos nos quais identificamos as faces da resistncia de sua poesia, por
considerarmos de significao pertinente ao objetivo primeiro deste trabalho. Reafirmamos:
pontuar, pois as anlises especficas dos poemas configuram apenas algumas faces do
poliedro da esttica de Alberto da Cunha Melo, sendo necessria uma investigao mais funda
para que ele se revele uno em sua multiplicidade, trabalho que dever ser realizado emdissertaes e/ou teses, de quem se aventurar a percorrer os caminhos que hora traamos e se
detiver no registro desses eventos.
Essa pontuao, fundamentada pela teoria Poesia-Resistncia, de Alfredo Bosi,
procura construir um discurso onde se identifiquem os caminhos assumidos pelo autor para
contradizer o sistema. Sistema esse em que As almas e os objetos foram assumidos e
guiados, no agir cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade; e o seu valor foise medindo quase automaticamente pela posio que ocupa na hierarquia de classe ou de
status (BOSI, 2000, p. 164). A isso correspondem os discursos dominantes da vulgaridade,
do chulo, do grotesco, embalados pelo discurso poderoso da propaganda alcoviteira do nosso
modo capitalista de no-viver. esse sistema que vem enxotando a poesia do discurso
corrente da sociedade, o que se d mais duramente a partir do sculo XIX, quando o estilo
capitalista e burgus de viver, pensar e dizer se expande a ponto de dominar a Terra inteira.
(BOSI, 2000, p. 164). No entanto, a poesia resistiu ao cerco, modulando-se entre os
escombros da sua funo primeira de nomear que abria o mundo ao homem e o homem a si
mesmo, diminuindo os abismos entre os seres. A Poesia-Resistncia constituda pelos
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modos pelos quais o potico sobrevive s injunes do meio hostil e surdo prtica da
fraternidade.
Os caminhos da resistncia, na modernidade, foram aqui delimitados, de acordo
com a teoria adotada. Mas abordamos os que se nos configuraram mais bem delineados pelo
mestre: poesia-metalinguagem, poesia-mito, poesia-stira, poesia-utopia (BOSI, 2000, p.
170). Portanto esperamos ser reconhecido, neste trabalho, o propsito de elaborar um discurso
onde se identifiquem ou no esses caminhos na potica de Alberto da Cunha Melo.
Acreditamos, assim, ter dado o passo inicial para que outros pesquisadores, atravs do nosso
roteiro, construam novos discursos que se incorporem ao objetivo comum de permitir o
acesso obra do poeta.
Nosso percurso pode ser mais bem vislumbrado pelos captulos aqui contidos. No
primeiro Alberto da Cunha Melo e a Gerao 65 , procuramos chegar s origens da
poesia de toda uma gerao Gerao 65 onde est incrustada a obra e o percurso scio-
literrio do autor. Ao contexto datado inserimos algumas poucas luzes e muitas interrogaes
que visam, principalmente, aguar a curiosidade de novos pesquisadores sobre essa gerao
da poesia pernambucana.
No segundo captulo A Obra Potica: uma Geografia Espacio-temporal , a
contextualizao histrico-literria acompanhada de breves perfis estticos: luzes j acesas
por alguns crticos e articulistas sobre a obra do autor, em seus 37 anos de vida literria. Foi
possvel perceber trs momentos distintos na obra de Alberto da Cunha Melo, e assim os
delimitamos, o que pode resultar num recurso didtico facilitador da compreenso da nossa
abordagem.
No terceiro captulo, procedemos Reviso da Literatura onde mais detalhadamente
procuramos descrever a teoria da Poesia-Resistncia, de Bosi, que fundamenta este
trabalho, j abordada em pargrafo anterior, nesta introduo.
No quarto captulo, nosso discurso pretende ter dado conta dos eventos nos quais nos
detivemos, a fim de identificar, na obra potica de Alberto da Cunha Melo, os poemas em que
se modulam os diversos caminhos da Poesia da Resistncia. Alcanamos, ento, os poemas
depois de recolhidas as centelhas possveis dos percursos histrico-literrios da gerao a que
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pertence o autor e da sua obra, alm do lastro terico do captulo 3. Um mtodo dedutivo que
se justifica por uma teoria j fundada por Alfredo Bosi (2000, prefcio), quando da sua
anlise do livro Yacala (MELO, 2000), ao qual se conjuga uma pesquisa bibliogrfica de
carter especulativo, de onde presumimos ter extrado os momentos mais pertinentes
proposta aqui delineada.
Ao sistematizar e aprofundar, a partir deste ensaio monogrfico, o estudo da obra de
Alberto da Cunha Melo, acreditamos realizar uma tarefa que se reveste de mltiplas
importncias, tanto para a abordagem didtica, em sala de aula, como para a divulgao e
valorizao da Arte Literria Pernambucana, tantas vezes ofuscada pelo falso brilho de obras
festejadas pelas mdias poderosas do Sul do pas, e tantas vezes resistente a esse cercosilenciador, a exemplo das obras poticas de um Joo Cabral de Melo Neto e de um Carlos
Pena Filho, entre outras.
A tudo isso se alia a nossa crena, apesar de todas as contingncias a ela adversas e
talvez por elas mesmas, no valor profundo desta instituio social que a Poesia, legado de
vida, povoando a solido de cada um com as esperanas de fraternidade e recomeo de um
mundo melhor: que o verbo aqui se faa carne,/ antes que seja muito tarde. (MELO, 2002,p. 40).
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1.0 ALBERTO DA CUNHA MELO E A GERAO 65
Enfim, o que um contexto datado quando subtrado memria e conscinciapresente que o interroga? (BOSI, 2000, p. 10).
Neste captulo, procurando tomar como guia as diretrizes de Alfredo Bosi,
comeamos a esboar uma das faces do poliedro que diz respeito ao contexto histrico-
literrio da obra de Alberto da Cunha Melo. No se trata, no entanto, de se fazer, aqui, uma
leitura historicista tentando explicar a gnesis de sua obra unicamente por fatos exteriores a
ela. Procuramos ir s origens da poesia de toda uma gerao onde esto incrustados a obra e o
percurso scio-literrio do autor, para trazer memria e conscincia, de antigos e novos
leitores da poesia de Alberto da Cunha Melo, os fatos tantas vezes subtrados dos relatos daimprensa e de outras mdias pernambucanas e nacionais. Obviamente, este percurso oferecer
subsdios que podero facilitar a compreenso das anlises especficas do captulo 4 desta
monografia Faces da Resistncia na Poesia de Alberto da Cunha Melo porque no se
pode abstrair a obra do seu contexto, mas longe estamos de uma viso determinista h muito
ultrapassada.
MELO, Alberto da Cunha (Jaboato PE, 1942 - ), poeta, editor, socilogo, jornalista. Participou da gerao 65 e foi um dos fundadores das Edies Pirata.
BIBL.: Crculo Csmico. 1966 (poes.); Orao pelo poema. 1969 (poes.); Noticirio.1979 (poes.); Yacala, 1999 (poes.); partic. antol. REF.: Quntuplo, 13. DA.(COUTINHO, 2001. v. II, p. 1045).
GERAO 65. Grupo formado em Jaboato, PE, 1964. Seus membros Alberto C.Melo, Domingos Alexandre, Jos L. A. de Melo e Jaci Bezerra se reuniam em funoda produo potica que cada um desenvolvia. Denominou-se inicialmente Grupo deJaboato, passando a ser conhecido, por sugesto do historiador Tadeu Rocha, emRecife, como Gerao 65. Fundaram o Movimento Pirata e as edies de mesmonome e mantiveram a marca, Gerao 65. Ref. De. (COUTINHO, 2001. v. I, p. 765.)
Os verbetes acima transcritos so a mais recente referncia, em livro, de que temos
conhecimento, sobre Alberto da Cunha Melo como participante da Gerao 65. A
parcialidade das informaes estimulou-nos mais ainda a levar a efeito o nosso propsito de
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esboar o perfil da Gerao a que pertence, o que, acreditamos, oferecer subsdios
importantes tambm para novos historiadores e estudiosos.
Fundamentamos a nossa investigao em registros de variada procedncia,
especialmente os constantes dos livros: A noite da Longa Aprendizagem. Notas Margem
do Trabalho Potico, cinco volumes manuscritos, compondo, em mdia, mais de 600
pginas, indito e inacabado o primeiro registro de 19 de fevereiro de 1978 ; Gerao
65. O Livro dos Trinta Anos, (BEZERRA org., 1995), resultado de palestras e depoimentos
do Seminrio Comemorativo dos Trinta Anos da Gerao 65; promovido pela Fundao
Joaquim Nabuco, em 10 de novembro de 1995; e a edio especial do Suplemento Cultural do
Dirio Oficial de Pernambuco,A Poesia de Trs Geraes, editado pelo escritor Mrio Hlio(1995a). Esperamos, assim, tambm colaborar para o esclarecimento de alguns dos numerosos
equvocos, seno da total falta de conhecimento, sobre a Gerao 65 e a relao que teve
Alberto da Cunha Melo com ela.
Figura 1. Capa do livro Gerao 65, formato 21x30cm,em preto e branco, 195p.
No discutiremos aqui o conceito de gerao, mesmo que o pai da Gerao 65, o
poeta e crtico, Csar Leal (1995), tenha fornecido os rumos da teoria existente, e o escritor
Cludio Aguiar (1995, p. 157-176) tenha to bem fundamentado sua perspectiva em relao a
esse conceito, alm do escritor Mrio Helio (1995a). Todos eles reportam-se a Jos Ortega y
Gasset, que escreveu El Tema de Nuestro Tiempo, levando Julin Maras a escrever El
Mtodo Histrico de Las Generaciones e diversos outros trabalhos muito importantes sobre
o tema (HLIO, 1995a). Mas o conceito de Gerao, principalmente no Brasil, ainda uma
teoria em discusso, no se definiu claramente e promove inmeras polmicas sempre queabordado. Por isso, preferimos, aqui, apenas lembrar que a multiplicidade de tendncias
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estticas, ps 22, principalmente, fez com que crticos e historiadores utilizassem essa diviso
em geraes como meio didtico para melhor sistematizar o estudo dos fatos literrios nos
planos histricos e/ou estticos. E passamos a tentar configurar em tpicos especficos as
bases que delineiam o perfil da Gerao, especialmente o seu comeo.
1.1 O Grupo de Jaboato
Foi o o grupo de Jaboato que ousou botar a cabea de fora, abrindo caminho paranovos intelectuais da Provncia, numa fase adversa literatura, pela absorventepreocupao com o desenvolvimento econmico e o progresso do tecnicismo.(ROCHA, 1976).
Essa afirmativa do historiador Tadeu Rocha, no Dirio de Pernambuco, dez anos
depois da estria dos poetas da Gerao, nas pginas daquele mesmo jornal, no deixadvidas e confirmada pelos numerosos depoimentos encontrados em Gerao 65. OLivro
dos Trinta Anos. O Grupo de Jaboato, do qual participavam os poetas: Alberto da Cunha
Melo, Domingos Alexandre, Jaci Bezerra e Jos Luiz de Almeida Melo, tinha, como
orientador, o pai de Alberto, Benedito Cunha Melo, professor, poeta e jornalista. Alberto
registra:
Meu pai tinha uma formao clssica e nos estimulava leitura de obras que iam at osimbolismo. Foi o meu primo Valdemir Veloso que, nos visitando, entre os anos 60 a
61, nos deu uma lista de poetas modernos que devamos ler, entre eles, Carlos PenaFilho e Joo Cabral. Encantou-me a poesia de Joo Cabral e Jaci Bezerra, a de CarlosPena. ramos muito pobres e no podamos comprar livros. Mas eu e Jaci estvamosfiliados s bibliotecas pblicas de Afogados e da Faculdade de Direito, foi nessasinstituies que atualizamos as nossas leituras. (MELO, 1979-2000, v. 3)
A foto a seguir, de 24 de abril de 1980, ilustra o engajamento do poeta Benedito
Cunha Melo s atividades literrias dos da nova gerao. Trata-se de um dos lanamentos
coletivos das Edies Pirata.
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Figura 2. Da esquerda para a direita: Tarcsio Pereira, proprietrio dalivraria Livro 7, Abrao, pintor, eu e meu pai. Foto de Josenildo Freire.(MELO, 1978-2000, v. II, registro de 17.05.1980, Rio Branco, AC)
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Eles participavam ativamente das atividades culturais do municpio. Alberto da Cunha
Melo e Jos Luiz de Almeida Melo chegaram a criar e editar o jornal Dia Vir, que
distribuam pelas ruas de Jaboato. As Figuras 3 e 4, aqui inseridas, trazem fotos que no
constam do mais completo exemplar sobre a Gerao, no registro dos seus 30 anos. Elas
fazem parte do volume IV do livro A Noite da Longa Aprendizagem. Notas Margem do
Trabalho Potico, de Alberto da Cunha Melo. Fizemos questo de deixar as marcas do
volume indito, porque, em assim o sendo, julgamos por bem trazer, aos leitores destas
pginas, a visualizao, mesmo que parcial, de suas configuraes.
Figura 4. Jaboato, 1963.
Desse registro, da Figura 4, achamos por bem destacar as observaes da legenda manuscritado poeta:
Venda, aos gritos, pela cidade, do jornal meio-anarquista Dia Vir. Da esquerdapara a direita: Raul Gadelha, Ivo Oliveira, o autor destas notas e Jos Luiz deAlmeida Melo. O jornal deixou de circular, por divergncia interna, poucos meses
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antes do golpe militar de 1964. O anarquismo ou a liderana difusa salvou osredatores do patriotismo corajoso dos torturadores militares ou para-militares.(MELO, 1978-2000, v. III, registro de 22.11.1981, Recife, PE)
Dos quatro integrantes do Grupo de Jaboato, apenas Jos Luiz de Almeida Melo, aoque tudo indica, abandonou o fazer literrio, pois temos conhecimento de um nico livro dele:
Proibies e Impedimentos, em 1981, pelas Edies Pirata. Ele dedicou-se profisso
mdica, passando tambm pela carreira poltica. Do grupo era o nico cuja famlia alcanava
o status de classe mdia. Temos, alm desse livro, um nico registro do dia 13 de junho de
1979, em A Noite da Longa Aprendizagem (MELO, 1979-2000), que d conta
simultaneamente de uma poca em que ainda produzia seus poemas e de que a convivncia
irm cujas nascentes se encontravam na cidade de Jaboato, no incio da dcada de 60,prosseguia:
Jos Luiz (de Almeida Melo), o velho Z, acaba de visitar-me. Pesado demansido, e alegre, entregou-me um poema e disse: Escrevi hoje, depois de 16 anossem escrever. Deu ao poema o ttulo Fui-me embora: Sangrei, lentamente, / at altima alma. / Depois, lentamente, / degustei / a carne ensalgada do meu corpo. / Fui-me embora.
1.2 Primeiras Publicaes
De fato, a poesia veiculada no Dirio de Pernambuco, no ano de 1966, teve uma boa
recepo, e julgamos constituir material indiscutivelmente interessante para um
aprofundamento da Esttica da Recepo, de Jauss (1976), o que no o nosso propsito
especfico. Mas deixamos, neste estudo, registros desse bom comeo, para quem quiser
prosseguir nesses estudos, porque existe farto material nos jornais locais sobre a trajetria do
Grupo de Jaboato e da conseqente Gerao 65.
1.2.1 Publicaes em Jornais
O primeiro do Grupo de Jaboato a ser publicado nas pginas do Dirio de
Pernambuco, por iniciativa de Csar Leal, foi Jaci Bezerra, em 23 de janeiro de 1966,
conforme nos esclarece Csar Leal (1995). Foi ele que assinou a carta dirigida ao ento editor
da Pgina Literria daquele jornal. O registro de um dos poetas da Gerao, Marco Polo
(1995, p.62).
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[...] Alberto Cunha Melo, Jaci Bezerra e Domingos Alexandre, que depois
ficaram conhecidos como o Grupo de Jaboato, tambm eram bem jovens e vinham
escrevendo h muito tempo e queriam publicar seus poemas no jornal.
Juntaram-se os trs e convocaram mais um quarto amigo, para redigir um
bilhete muito formal a Csar, dizendo que cultivavam as musas sem interesse na
glria, mas simplesmente querendo criar uma arte autntica etc. E perguntavam seCsar se dignaria dar uma olhada nos seus trabalhos e opinar sobre eles. O bilhete
se encerrava num tom meio seco e duro, como se o seu orgulho de poetas autnticos
precisasse ser sublinhado. Aquela velha histria do toque de arrogncia para
esconder a timidez.
Csar Leal ficou abismado com a qualidade dos versos daqueles poetas [...].
Quando conheceu o grupo e concluiu que eles realmente existiam, Csar desdobrou-
se em incentiv-los e divulg-los com a mesma generosidade que tivera comigo.
O entusiasmo de Csar Leal, mencionado por Marco Polo, fica claro com essa nota, de
seis de fevereiro de 1966, no Dirio de Pernambuco: No prximo domingo publicaremos
poemas de Jos Luiz de Almeida Melo, um dos integrantes do Grupo de Jaboato, grupo
que parte daquela cidadezinha pra conquistar rapidamente o pas inteiro. Quem duvidar,
recorte o que afirmamos aqui agora. De fato, em treze de fevereiro de 1966, alm de Dois
Sonetos, de Jos Luiz de Almeida Melo, ele publicaria o poema Influncia das Vozes, de
Alberto da Cunha Melo.
Observe-se que Marco Polo um dos primeiros a conviver com as nascentes da
Gerao 65, o Grupo de Jaboato, e importante registrar que, conforme Mrio Hlio(1995c), em 1963, ele j publicara poemas nos jornais do Recife, com a interferncia de
Ariano Suassuna, Joo Alexandre Barbosa e Csar Leal. No caso, nem o Grupo de Jaboato
nem a conseqente Gerao 65 estavam configuradas, mas obviamente importante ressaltar
que possivelmente tenha sido ele o primeiro da Gerao a ser publicado nos jornais locais, de
acordo com as fontes pesquisadas. No podemos precisar a data, mas Alberto da Cunha Melo
nos informa que tambm os poetas ngelo Monteiro e Severino Filgueira j haviam
publicado alguns poemas antes das publicaes do Grupo de Jaboato.
No entanto, a partir da publicao dos poetas do Grupo de Jaboato que se
desencadeia um processo aglutinador contnuo de convivncia literria, confluindo para ele,
numa quase cronologia, escritores como Tarcsio Meira Csar, Larcio Vasconcelos, Marco
Polo, Gladstone Vieira Belo, ngelo Monteiro, Sebastio Vila Nova, Jos Carlos Targino,
Lourdes Sarmento, Cyl Galindo, Srgio Moacir de Albuquerque, Severino Filgueira, Marcus
Accioly, Tereza Tenrio, Arnaldo Tobias, Almir Castro Barros, Marcos Cordeiro, Jos Mrio
Rodrigues, Jos Rodrigues de Paiva, Srgio Bernardo, Lucila Nogueira, Janice Japiassu, entre
outros poetas, e ainda os prosadores Cludio Aguiar, Maximiano Campos e Raimundo
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Carrero, alm do cientista social Roberto Aguiar, que faleceu, neste ano de 2003, antes de
concluir o romance a Idade do Gelo, que vinha escrevendo e do qual temos registro na
seguinte correspondncia dirigida a Alberto da Cunha Melo, por endereo eletrnico:
----- Original Message -----
From: raguiar
To:
Sent: Wednesday, August 07, 2002 4:00 PM
Subject: idade do gelo
Alberto
Este o trecho inicial de um texto que escrevo. Gostaria de conversar
com voc sobre ele. Importa sua opinio. Como est a escrita,
enquanto estrutura, linguagem e esttica? Muita coisa ireiacrescentar. No momento, preocupa-me, o que tenho de cortar.
Forte abrao
Roberto
1.2.2 Publicaes em Livros
Alberto da Cunha Melo foi o primeiro a ser lanado por mim em livro. Foi muito
elogiado por Fbio Lucas no O Estado de So Paulo. (...) Cheguei a comprar papel,
cheguei mesmo a furtar, quando da publicao do livro do Alberto Cunha Melo,
Crculo Csmico. Para dizer que o livro era editado pela Universidade, valorizando
o autor, comprei o papel da capa e falei com o senhor Joo Costa, do Dirio de
Pernambuco, pedindo-lhe para ele preparar o livro escondido e que me ajudasse a
compor tudo no jornal. Ele preparou tudo na oficina e depois eu furtei o selo da
Imprensa Universitrio, dando aos leitores a idia de uma publicao da UFPE. Foi
bom para o autor e para a Universidade. Eu fiz isso. Foi uma festa enorme. Paguei
tudo do meu bolso e achei timo ter gasto aquele dinheiro. Ainda lancei o livro no
Restaurante Torre de Londres. Depois sa pela rua e fiquei at com medo, todos eles
me acompanhando. Era um bando! (LEAL, 1995, p. 32, grifo nosso).
Essa declarao de Csar Leal pode elucidar quanto recepo do primeiro livro
publicado por ele do Grupo de Jaboato (1966). Mas no constatamos a publicao referida
no jornal O Estado de So Paulo. Nossas pesquisas, em relao ao elogio do crtico Fbio
Lucas, levaram-nos ao livro, A Face Visvel, de 1973: De Drummond a Wilma Vilela (ou
Alberto da Cunha Melo, um novo pernambucano de grande fora lrica), que amplo teclado,
que terreno fecundo, mesmo para os espritos mais insatisfeitos (LUCAS, 1973, p. 48).
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Mas a boa recepo da publicao de Crculo Csmico (MELO, 1966), pode ser
ratificada mesmo pelo entusiasmo que levou Csar Leal a novas publicaes: Romances, de
Jaci Bezerra, em 1967, e mais outro livro de Alberto da Cunha, Orao pelo Poema, em
1969. Os dois ltimos j com o aval verdadeiro da Imprensa Universitria, da UFPE.
interessante realar um fato que talvez possa interessar aos novos investigadores: o Crculo
Csmico (1966) no foi apenas o primeiro livro de Alberto da Cunha Melo publicado, mas o
primeiro livro publicado do Grupo de Jaboato, o primeiro livro publicado, portanto, de um
poeta da Gerao 65.
Retomando a rota da poesia, especificamente de Alberto da Cunha Melo, vale ressaltar
que ele publicou o seu dcimo segundo ttulo de poesia, Meditao sob os Lajedos, no anode 2002. Todos as edies de seus livros foram pequenssimas e apenas o Soma dos Sumos
teve distribuio nacional porque publicado pela editora Jos Olympio, em convnio da
Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco. No entanto, na virada do
sculo 2001 , ele foi includo nas antologias Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do
Sculo XX, organizada pelo jornalista e poeta, Jos Numanne Pinto, e editada pela Gerao
Editorial SP , e 100 Anos de Poesia. Um Panorama da Poesia Brasileira no Sculo XX,
organizada por Claufe Rodrigues e Alexandra Maia, editada pela O Verso RJ , sob opatrocnio do Ministrio da Cultura, ambas com distribuio nacional. Nesta ltima, esteve
tambm includo o poeta e crtico, Csar Leal, mas nenhum outro colega de Gerao o foi,
nem nas citadas ou em quaisquer outras editadas no pas, nesse ano de 2001.
1.3 O Rtulo Histrico
No plano de sua obra, ainda com vrios ttulos inditos que esperampublicao, Tadeu Rocha merecer das geraes mais novas o respeito e a gratidopela sua capacidade de homem de viso, por ter-se antecipado aos demais do seutempo, quando apontou para o futuro e, suspeitando que o ritmo histrico sempreimpe mudanas, registrou o aparecimento da novssima Gerao 65. (AGUIAR,1995, p. 18)
A referncia final da palestra do escritor Cludio Aguiar, - Tadeu Rocha: Viso e
Permanncia foi tecida por um longo discurso que revela a importncia desse estudiosocom vrios trabalhos j publicados poca em que argutamente percebeu a gestao de novas
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poticas, nomeando-as de Gerao 65. Cludio Aguiar (1995, p. 15-18) cita as seguintes as
obras: Caderno de Geografia do Brasil (1951), A Geografia Moderna em Pernambuco
(1954), Delmiro Gouveia: o pioneiro de Paulo Afonso (ensaio biogrfico, 1963),
Modernismo & Regionalismo (ensaio, 1964) e a publicao peridica Roteiros do Recife.
(Olinda e Guararapes), onde seria inserido, na 3 edio (1967), o artigo Geografia Potica
do Recife, registrando ento o surgimento da Gerao 65.
Logo no incio deste captulo, j demos conta, atravs do verbete de Coutinho (2001,
v. I, p. 765), que foi o historiador Tadeu Rocha quem criou o rtulo da Gerao 65. Observe-
se que a publicao de 1967, posterior, portanto, divulgao dos poetas nas pginas do
Dirio de Pernambuco, 1966, e a data, 65, no rtulo da Gerao, anterior quela publicaojornalstica. Ele tomou como base a antologia Lrica, editada por Eli Editor, em 1967, no
Recife. Interessante v-lo compartimentar a dcada de 60, em um lustro Gerao 65. Por
que no Gerao 60? Todos esses porqus podem constituir um bom material de pesquisa
para um historiador.
Constatamos, mais uma vez, que a primeira publicao em livro dos poetas do Grupo
de Jaboato foi o Crculo Csmico, de Alberto da Cunha Melo, em 1966. A Lrica de1967. Nela o Grupo de Jaboato no est completo, pois no foram includos Domingos
Alexandre e Jos Luiz de Almeida Melo. Mas o foram os poetas Galdstone Vieira Belo,
Marcos Santnder2, Tarcsio Meira Csar e ngelo Monteiro, ampliando o leque da gestao
potica pernambucana na metade da dcada de 60.
Deixemos falar-nos Tadeu Rocha (1967):
A mais nova gerao literria da metrpole do Nordeste a gerao 65 reflete na poesia as grandezas e misrias, belezas e fealdades, alegrias e dores destaenorme cidade tropical [...].
No primeiro nmero de Lrica, revista que rene um lcido grupo denovssimos Alberto Cunha Melo, Gladstone Vieira Belo, Marcos Santnder,Tarcsio Meira Csar, ngelo Monteiro e Jaci Bezerra [...]. (Grifo nosso)
Eis aqui, ento, o poder de nomear de um historiador sensvel arte literria,
atravessando 36 anos. sensibilidade do mestre Csar Leal, uniu-se a do historiador,
instaurando um novo tempo da poesia pernambucana.
2 Pseudnimo de Marco Polo, poca.
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1.4 As Edies Pirata e a Gerao 65
Em manifesto datado de agosto de 1979, o discurso Pirata assim se cristaliza: Quepelo menos a raa semi-extinta dos crticos de literatura saibam que diabo de poesia amassa no a elite dos poetas est fazendo. Esta viso pode dizer que tica, queesttica influenciam (...) o proletariado potico destas urzes. Dizia ainda pretender sistematizar a clandestinidade, a pirataria cultural. Em dezembro de 1979, continuavafincando seus marcos: O que (...) caracteriza a iniciativa o desejo interior de cadaum de seus elementos de fazer o melhor para divulgar os poetas pernambucanos,nordestinos e sei l o que.( MENEZES, 1995, p. 101)
O relato da escritora e sociloga, Eugnia Menezes, detalhado e instigante,
delimitado, conforme ela mesma, sobre as atividades da Pirata entre os anos de 1979 a 1984, e
at esse perodo foram publicados mais de 300 ttulos, entre os quais: Poesia Reunida, de
Gilberto Freyre, O Soldado Raso, de Ledo Ivo; o Livro de Versos, de Rubem Braga
(ECHEVERRA, 1995, p. 5), Pernambucnia Dois, de Mauro Mota, fato que no se pode
desconsiderar. O poeta Arnaldo Tobias, da Gerao 65, foi o primeiro a ser publicado por ela.
Pomar tambm o primeiro livro publicado do prprio poeta.
Em A Noite da Longa Aprendizagem (1978-2000, v. I), Alberto da Cunha Melo faz
um registro datado de 23 de fevereiro de 1979 realmente singular sobre o primeiro
lanamento das Edies Pirata, que ainda no tinha se configurado como tal:
Ontem fui ao lanamento do livro Pomar, de Arnaldo Tobias. Editadosigilosamente no Instituto Joaquim Nabuco. O pequeno volume com pouco mais deuma dezena de poemas recebeu um excelente tratamento grfico, tudo sob asuperviso de Jaci Bezerra e pra surpresa de Tobias, que ainda no tinha lanadonenhum livro. Foi uma festa muito ntima.
O sigilo fica esclarecido por Eugnia Menezes (1995, p 98), quando registra que O
primeiro livro editado pela Pirata, Pomar, de Arnaldo Tobias, foi rodado nas mquinas doIJNPS, s escondidas. Da nasceu o nome da editora.
Mas importante ressaltar que o elo entre a Gerao 65 e as Edies Pirata foi
caracterizado por uma interseco o desejo de fazer mas tm personalidades distintas.
Parte dos componentes da Pirata sequer era poeta ou escritor (MENEZES, 1995, p. 105). O
grupo inicial foi composto por Jaci , Alberto, Maria do Carmo de Oliveira (a que dizia estar
sempre por enquanto), Nilza Lisboa, Amarindo Martins de Oliveira, Andra Mota, VernaideWanderley, Ednaldo Gomes de Melo, por Myriam Brindeiro e por mim. (MENEZES, 1995,
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p. 101). Ou seja, das nascentes da Gerao 65, o Grupo de Jaboato, dois nomes
inauguravam o empreendimento, Alberto da Cunha Melo e Jaci Bezerra, mas as Edies
Pirata no foram uma iniciativa exclusiva da Gerao 65. Eugnia Menezes (1995, p. 100)
registra ainda:
Entendemos que dois outros ingredientes se somaram para azeitar a mquina: acapacidade de liderana de Jaci Bezerra e Alberto Cunha Melo portanto a Gerao65 e o encontro de um clima favorvel dentro do Instituto Joaquim Nabuco dePesquisas Sociais IJNPS, atual Fundao Joaquim Nabuco FUNDAJ, por ondepassaram os poetas da Gerao 65 Almir Castro Barros, Marcus Accioly e SrgioBernardo, alm de Jaci Bezerra e Alberto Cunha Melo; onde permanecem ArnaldoTobias3, Jos Rodrigues de Paiva e Sebastio Vila Nova. Por l passaram tambm osromancistas Srgio Moacir de Albuquerque, Raimundo Carrero e MaximianoCampos4, alm de nomes mais distantes da Gerao, como o poeta Mauro Mota5, ocronista Renato Carneiro Campos6.
Ao enfatizar que as Edies Pirata no foram uma empresa da Gerao 65, mas de um
grupo animado por propsitos comuns e a vontade de fazer, alm do clima favorvel
dentro do IJNPS, Eugnia Menezes queria, talvez, fazer jus ao trabalho quase annimo de
pessoas absolutamente integradas e devotadas a esse movimento editorial. Mas o fato que
no se consegue desvincular a Gerao 65 da imagem das Edies Pirata. Para isso talvez
tenha contribudo o nome da Gerao 65 inserida na logomarca da Pirata e estampada em
todos os mais dos trezentos livros editados.
Eis, assim, mais uma pista para pesquisadores que se interessem em entender a fundo
a iniciativa histrica desse grupo.
3 O poeta Arnaldo Tobias faleceu em 2001.4 Maximiano Campos teve publicado um livro pstumo de poesia: Lavrador do Tempo. Recife: EdiesBagao/IMC, 1998.5 Mauro Mota fazia parte da Gerao 45.6 Renato Carneiro Campos no fazia parte da Gerao 65.
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Figura 5, logomarca dasEdies Pirata
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Os registros feitos por Eugnia Menezes foram por ela cedidos para o livro A Noite
da Longa Aprendizagem e consta do volume IV, como documento. Em Gerao 65. O
Livro dos Trinta Anos (p. 98), ela adverte que eles seriam entregues a uma instituio
responsvel pela preservao da nossa memria cultural, como tambm seriam inseridos no
livro-dirio (indito) de Alberto Cunha Melo intitulado A noite da longa aprendizagem, (...)
onde a histria das Edies Pirata tambm est sendo contada, segundo o autor.
Na verdade, de posse dos cinco volumes, podemos constatar que, desde o primeiro,
com a nota j mencionada (23 de fevereiro de 1979) sobre o lanamento de Arnaldo Tobias,
at o quarto volume, Alberto da Cunha Melo faz um registro detalhado de toda a evoluo da
Pirata. A preocupao em definir a proposta da editora e a composio de sua equipe pareciaser bem antiga. Vejamos o registro de 2 de novembro de 1979:
Fui ao Dirio, na segunda-feira, oferecer meu Noticirio ao Gladstone Vieira Beloe ao Marcos Prado. Marcos, sempre gentil, mostrou-se bastante solcito para facilitar,a mim e a Jaci, espao suficiente, no Suplemento Literrio, para esclarecermos, devez, a origem, a composio da equipe e a natureza das Edies Pirata. Entregou-meuma poro de folhas moduladas do Dirio, com a inteno de publicar, sem cortesou alteraes tudo que escrevssemos.
J nos estendemos o suficiente para que se perceba a importncia da participao de
Alberto da Cunha Melo nas Edies Pirata, e julgamos ser a recproca verdadeira, basta
constatar a publicao, pelas Edies Pirata, dos livros: Dez Poemas Polticos (1979),
Noticirio (1979) e Poemas Mo Livre (1981).
1.5 O Contexto Histrico-social
Posso dizer que foi um paradoxo histrico. No momento em que as oligarquiasuniam-se aos militares para interromper todo um processo que visava a uma maiordistribuio de renda no Pas, no foram os filhos dessas oligarquias os contempladoscom espao nos jornais e na UFPE. Mas o paradoxo aparente. 64 no foi 68, quandoa ditadura tirou a mscara e botou o capuz. O fenmeno de surgimento desses poetas(pelas mos de Csar Leal) tem caractersticas democrticas e pode ser consideradoresduo do pr-64. Eles, oligarcas e generais, ainda estavam meios estonteados. OBrasil era muito grande para ser sufocado to rapidamente. Eles precisaram treinardurante quatro anos para sufocar, mesmo, o que havia de melhor na cultura brasileira.(MELO, 20 mar. 1995).
Esse pequeno fragmento da entrevista concedida por Alberto da Cunha Melo ao escritor
e jornalista Mrio Hlio, nas pginas do Jornal do Commercio, no ano de 1995, quando ento
a Gerao 65 completava trinta anos, alm de esclarecer as nascentes da Gerao, quanto ao
contexto poltico poca do seu surgimento, pode tambm esboar o socilogo lcido e
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atuante que ele , uma atuao que marca a sua poesia de reflexes densas, em que sentimento
e razo se fundem em perfeita harmonia.
Mas enriquecemos estas notas inserindo depoimentos dos cientistas sociais Roberto
Aguiar (1995) e Sebastio Vila Nova (1995), que aprofundam a viso histrico-sociolgica da
Gerao 65. s suas vozes unimos a de ngelo Monteiro, poeta e professor de Filosofia.
Aguiar concedendo-nos uma contextualizao histrico-social mais funda, filosfica, Vila
Nova, uma viso scio-econmica mais especfica sobre os seus componentes, e Monteiro
acrescendo anlises e informaes afins.7
[...] Ns somos filhos da Guerra ou do imediato ps-guerra. Fomos educados naGuerra Fria. Fomos rebelados contra a autoridade, libertados dos confessionrios e
escravizados pelas psicoterapias. Indignados com as injustias sociais e vacilantesentre o capital, o fascnio de Che Guevara e as Encclicas de Joo XXIII.Apaixonados pelo romantismo dos Beatles e atrados pela Chinesa de Godard ou,mais ainda, pela Chinesa de Mo Tse Tung. ramos pluralistas, embora quase queortodoxos na nossa crena de democracia. A democracia surgia naquele tempo menoscomo uma prtica das liberdades individuais e mais como uma doutrina que necessitaser imposta, porque no apresentvamos os versos de Cames no Estado, asfixiandoa liberdade de falar.
Vivemos esse clima de ser do contra e, portanto, de esquerda, [...] Alguns naadolescncia, viveram a experincia de 1964, no fervor entra a luta contra o golpe [.. .]
Vrias vezes, portanto, a gente fazia profisso na Livro 7, usvamos o deboche, acrtica, o sarcasmo para tambm mostrar o nosso desagrado e tambm para contestar asituao. (AGUIAR, 1995, p. 152-153).
Roberto Aguiar d-nos uma viso scio-poltico-cultural correta do que era a Gerao
65 nos anos 70, mais especificamente a partir do ano de 1972. A maioria do Grupo de
Jaboato j tinha diploma universitrio e estava investida em cargos pblicos Alberto da
Cunha Melo e Jaci Bezerra na Fundao Joaquim Nabuco. Ele mesmo data e localiza o
encontro com a Gerao.
A Gerao 65 os meninos de Jaboato que comearam a ser publicados por CsarLeal e que foram rotulados por Tadeu Rocha marcou o incio de um processoaglutinador de vrias pessoas. Eu j peguei o trem andando na Livro 7 pequenininha.[...]. Foi Tarcsio quem me apresentou ao Alberto, em 1971 ou 1972. Eu s oconhecia das publicaes em jornais. (AGUIAR, 1995, p. 153).
Achamos por bem ilustrar o registro com a foto a seguir, que se configura, para ns,
como a mais elucidativa desse tempo e a mais completa em relao ao grupo de artistas que se
inseria s rotas dos jovens, ento j adultos, do Grupo de Jaboato. A imagem nos vem do
7No temos notcias de publicaes literrias, poticas ou ficcionais, de Roberto Aguiar, mas Sebastio Vila Novapublicou o livro de poesia Teoria Completa dos Dias e das Noites e continuou produzindo, conforme Alberto daCunha Melo (depoimento, 2003), uma excelente poesia que foi sufocada pela sua atuao na rea cientfica. Ambos,Vila Nova e Aguiar , tm vrias obras cientficas publicadas.
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livro A Noite da Longa Aprendizagem (MELO, 1978-2000, v. II), em registro do dia 04 de
setembro de 1979. Destacamos a legenda detalhada, escrita por Alberto da Cunha Melo:
Dia 17 de agosto, na Livraria Livro 7, por ocasio do lanamento dos sete livros
iniciais das Edies Pirata. Da esquerda para a direita, em p: Alberto, MarcosCordeiro, Daniel Santiago (s parte do rosto), Jos Mrio Rodrigues, Celina deHolanda, Roberto Aguiar (por trs de Celina), Luis Pessoa, Tarcsio Pereira, JosAlbino Aguiar, Jaci Bezerra, Almir Castro Barros. Sentados, da esquerda para adireita: Josemir Camilo, Montez Magno, Srgio Bernardo, Domingos Alexandre .
Arnaldo Tobias no pde comparecer. Estava restabelecendo-se de um acidente detrnsito.
Do Grupo de Jaboato, a ausncia de Jos Luis de Almeida Melo, que, conforme j
informamos, seguiu a carreira mdica, distanciando-se da convivncia ativa com os demais.
O fato que, para chegarem at esse momento, os jovens do Grupo de Jaboato
tiveram que cumprir um roteiro pesado de dificuldades lucidamente analisado por Vila Nova,
cuja convivncia com a Gerao 65 se deu bem antes e com mais intensidade do que comRoberto Aguiar:
At que numa noite de maro de 1968, atravs do pintor Delano, fui apresentadopessoalmente ao Jaci Bezerra, na antiga Faculdade de Filosofia da UniversidadeFederal de Pernambuco, para onde framos assistir a aula inaugural do curso deCincias Sociais, no qual estvamos, os trs matriculados. [...] Comea a um longodilogo; dilogo que se estenderia a Alberto Cunha Melo, tambm nosso colega nocurso de Cincias Sociais, a Arnaldo Tobias e ngelo Monteiro. (VILA NOVA,1995, p. 52).
Assim, justifica-se o depoimento distinto do clima quase de euforia de Roberto Aguiar:
ramos rapazes pobres de subrbio e tentvamos sabe Deus a que custo romper o
cotidiano cinzento da nossa adolescncia atravs da arte: da literatura, da msica e do
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Figura 6. Foto do primeiro lanamento coletivo das Edies Pirata(MELO, 1978/2000, v. II)
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cinema. (VILA NOVA, 1995, p. 53, grifo nosso). A frase, to comovente quanto
verdadeira, pode contextualizar vrios poemas de Alberto da Cunha Melo. Vila Nova localiza
o tempo anterior referindo-se ao registro de Marco Polo Guimares poeta, msico e
jornalista em seu livro Memorial (1995):
Me lembro de quando Tarcsio Meira Csar, Larcio Vasconcelos, Gladstone VieiraBelo, Jaci Bezerra, ngelo Monteiro, Domingos Alexandre, Alberto Cunha Melo eMarcos Santnder eram todos poetas, pobres e amigos, que costumavam sentar noSavoy, noite, para beber e discutir literatura.8
Nesse estgio, j se amplia a convivncia do Grupo de Jaboato, ento Gerao 65,
aps a publicao da antologia Lrica (1967). Mas o ponto de convergncia continua o
mesmo: as discusses estticas sobre a produo literria dos seus componentes. ngelo
Monteiro (1995, p. 74) d-nos a exata importncia dessa convivncia.
A minha Gerao foi meu ponto de insero no mundo, para usar umaexpresso de Teilhard de Chardin: por ela aprimorei meu dilogo com as foras lricase tambm trgicas do mundo. A fraternidade no convvio, que no acontecia semalgumas discrepncias; a troca de informaes e experincias, nem semprecompreendida em seu justo valor e em seu inevitvel, mas necessrio tumulto, - tudoisso fazia parte de uma certa maneira de viver, que no mais se repetiu. E issosignifica dizer que no era uma convivncia sem sobressaltos e inquietaes. Masquem sabe se, como resultado da profundidade desses encontros, no me adveio umcerto horror por convivncias aleatrias e sem compromisso com as coisas e com asidias.
Portanto, temos a viso de duas fases distintas, a retratada por Roberto Aguiar, a partir
de 1972, quando o Grupo de Jaboato j se amalgamara aos roteiros culturais da convivncia
com muitos intelectuais e artistas de diversas reas, e tinha como principais pontos de
encontro a Fundao Joaquim Nabuco e a livraria Livro 7, e a anterior, retratada por
Sebastio Vila Nova, a partir do ano de 1968, quando os principais pontos de encontro eram o
Bar Savoy e a Universidade Federal de Pernambuco e o grupo era reduzido, apesar de j ter
recebido o rtulo de Gerao 65, e ainda estava a caminho da formao de legtima onda
cultural. O depoimento de Roberto Aguiar (1995, p. 151-155) versava sobre o tema: Gerao
65: Poltica e Ideologia e sua anlise definitiva:
[...] enquanto trabalhadores intelectuais, ramos crentes, em primeiro lugar, em queconcepes ideolgicas, religiosas, polticas eram bem vindas, eram respeitadas emesmo desejadas, mas eram secundrias beleza e verdade. Este grupo nodistinguiu credo poltico desde que a beleza e a verdade fossem os valores cultivados.Ento, esse trao talvez a principal razo do pluralismo poltico ideolgico stricto-sensu de todos que integram a Gerao.
ngelo Monteiro (1995, p. 75), ratifica exemplarmente essa afirmativa:
8 No h indicao de pgina.
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[...] a nossa gerao comeou num compromisso com a lngua e com a linguagem,para alm das disputas de gosto esttico e das posturas filosficas perante a realidade.Mas se as nossas vises de mundo nem sempre foram conciliveis, isso constituiuantes um enriquecimento que uma perda para todos ns.
Vila Nova trilha os planos mais detalhados e imediatos da realidade dos componentes
da Gerao em sua anlise sociolgica sobre a origem plebia, a infncia pobre e, na
adolescncia, a luta pela sobrevivncia daqueles jovens com os quais convivia identificado
pelas mesmas dificuldades. Todos pontos fundamentais para a anlise da poesia de Alberto
da Cunha Melo, pois se revelam atravs de numerosos poemas em toda a extenso de sua
obra. Aqui, fazemos apenas a transcrio de dois fragmentos, entremedeando o segundo e o
terceiro depoimentos uma vez que o primeiro j est inserido na citao , no a ttulo de
anlise, mas de mera exemplificao dessa nossa afirmativa, sem que isso constitua uma
adeso ao historicismo, nem uma viso mimtica da arte, que horroriza os tericos modernos,
mas uma tentativa de abrir mais portas percepo da obra de Alberto da Cunha Melo.
A origem:
[...] ramos rapazes pobres de subrbio. Pobres, magros e tmidos, como acontececom quase todos os rapazes pobres de subrbio. No nos vanglorivamos do nomedas nossas famlias; no tinham fazendas nem engenhos os nossos pais; no nos
preocupavam as questes de genealogia; mal sabemos quem foram nossos bisavs,no fomos meninos de engenho; nossas famlias no tinham brases armoriais.Enfim, no tivemos nome nem bero, como se usa dizer; no aprendemos a tomarch em criana; ramos, como costumam dizer os pseudo-aristocratas deste Pas, debaixa extrao. No estvamos entre aqueles que ainda classificam os seres humanosem nobres e plebeus, prtica e modo de pensar to persistente neste Brasil tooligrquico e pr-iluminista, principalmente entre os nordestinos ciosos de nomes defamlia. De todos ns, apenas Alberto da Cunha Melo um Tavares da CunhaMelo poderia ostentar alguma veleidade aristocrtica. E, no entanto, era omais combativamente anti-aristocrtico do grupo. Era e ainda , como revela asua grande poesia: Dizem que o meu povo/ alegre e pacfico. Eu digo que meupovo/ uma grande fora insultada./ Dizem que meu povo/ aprendeu com as argilas eos bons senhores de engenho/ a conhecer seu lugar./ Eu digo que meu povo/ deve ser
respeitado/ como qualquer nsia desconhecida da natureza (...)E por isto, por sermos do povo, que, na nossa arte, o povo nunca foi visto nemtratado como algo extico, pitoresco e engraado. S os artistas que no so do povo,que no sofreram as dores e aflies do pobre, os que se orgulham de serem bemnascidos, s estes vem o povo como algo extico, pitoresco, engraado. No onosso caso. [...] (VILA NOVA, 1995, p. 52, grifo nosso).
A infncia pobre:
Foi entre os mais pobres, os mais explorados, que vivemos a nossa infncia. E,ainda hoje, nos perguntamos que motivo pode ter algum de proclamar a si mesmobem nascido, menino de engenho, de orgulhar-se de nascer entre os exploradores
do povo, em pleno sculo XX, s vsperas do sculo XXI. A propsito ningumcaracterizou melhor do que o poeta Alberto Cunha Melo, em prefcio ao Livrodas Incandescncias, de Jaci Bezerra, o que foi a nossa infncia: Existem algumaspessoas de classe mdia e alta que, por falta de informao ou por mera hipocrisia, o
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que mais constante, chegam a dizer que a infncia dos pobres mais pitoresca, maisfeliz. Alegam que, pelo fato de no estarem as crianas pobres reclusas entre os altosmuros das manses, ou nos apartamentos de cobertura, tm a liberdade de sair por a,caando lagartixas, correndo nas ruas, etc. A verdade outra. As crianas pobres soos seres mais amedrontados e desprotegidos da Terra, mais frgeis e ameaados a
cada esquina do mundo. Sua felicidade, se existe, advm possivelmente de suainocncia, de sua falsa conscincia9. (VILA NOVA, 1995, p. 53, grifo nosso).
Exemplificao:
ZONA DA MATA// Os guardas do canavial/ ainda me apontam os rifles/ e as balasde acar penetram/ quentes, no peito da infncia.// Infncia doce, infncia dura,/infncia de cana 3X,/ a marca pobre que apodrece/ a dentadura das crianas.// Talvezno me escutem porque/ falo de uma rea j morta/ ou porque o sol d um aspecto/festivo ao infortnio daqui.// S com as botas-de-sete-lguas/ chutaria a bola pesada/e cheia de ventos malignos,/ fugiria deste lugar. //J que no posso consegui-las,/sairei do canavial,/ antes que os guardas me farejem/ dentro das canas, como os lobos.
A luta pela sobrevivncia na juventude:
ramos rapazes pobres e tmidos de subrbio. Amanuenses, biscateiros, funcionriospblicos subalternos, operrios, modestos comerciantes de arrabalde, foram nossospais. Ns prprios tivemos que enfrentar o batente muito cedo para ajudar nooramento domstico: fomos comercirios, bancrios, vendedores de todo tipo decoisa. Eu prprio vendi cestas de natal de porta em porta, entre os quatorze edezesseis anos, fui ator de novela de rdio; fui office boy; depois passei alguns anosatrs de um balco da Companhia Editora Nacional; j na universidade, ensinei violoa domiclio.(VILA NOVA, 1995, p. 55).
Exemplificao:
ESCRITRIO DA MESBLA// Quando muito, nos permitiam/ ouvir um assovio defora,/ mas no podamos voltar/ para um lado nossas cabeas.//Na grande sala nohavia/ um s momento em que tivssemos/dolorosa oportunidade/ de comparar osnossos rostos.// Um de ns ocultava sempre/ um livro escuro na gaveta,/ e oconsultava nos instantes/ em que devia descansar.// Outro, numa mesa afastada,/(menos erudito e mais triste)/ colecionava no intervalo/ selos de pases distantes.// Noescritrio, s raramente,/ amos contemplar na parede/ o gado manso que partia/ napaisagem do calendrio. (MELO, 1989, p. 28)
Vila Nova faz essa anlise para justificar seu depoimento especfico sobre o tema de
sua palestra:As instituies de pesquisa e Cultura e a Gerao 65 (1995, p. 47). Concluir,
assim, o quanto foi inestimvel o papel do ento Instituto Joaquim Nabuco e da
Universidade Federal de Pernambuco, acolhendo, seres sempre to perigosos e suspeitos
como so os poetas e artistas em geral, como os seus funcionrios. Embora, de incio, fossem
os recibados, aqueles que no tinham contrato algum, mas recebiam mensalmente um
salrio mediante assinatura de recibo..9 MELO, Alberto Cunha. Incandescncia Lrica. In: BEZERRA, Jaci. Livro das Incandescncias. Recife.Edies Pirata/Alternativa cultural, 1995, p. 10.
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Acordamos com a perspectiva histrica de Roberto Aguiar (1995, p. 154) que justifica
a nossa perspectiva do processo aglutinador impulsionado pelo Grupo de Jaboato, nascente
da Gerao 65, em face, principalmente, do seu pluralismo ideolgico. Esse processo de
convivncia ir justificar a falta de exatido quanto aos seus participantes e as reas artsticas
que abrangia a Gerao. Trata-se, portanto, de uma anlise a ser feita por um trabalho mais
aprofundado e conseqentemente mais extenso. importante observar, no entanto, que a
origem se d com o Grupo de Jaboato surgindo nas pginas do Dirio de Pernambuco e, a
seguir, somando-se a um grupo de intelectuais de diversas reas que j promovia intensa
atividade cultural na cidade do Recife.
Para esta monografia, especificamente, ratificamos nosso objetivo primeiro, ao fazer
esta abordagem, de contextualizar historicamente a obra de Alberto da Cunha Melo, e
reafirmar a sua presena na Gerao 65, desde o primeiro momento do Grupo de Jaboato
(anterior a 1966), depois sob a revelao do grupo imprensa (1966), atravs da sensibilidade
do poeta, crtico e mestre, Csar Leal; a seguir, na publicao de sua poesia na antologia
Lrica (1967), ponto chave da rotulao histrica de Tadeu Rocha (1967), at o pice da
aglutinao contnua de artistas e intelectuais de procedncia variada que foi o movimentoeditorial dasEdies Pirata (1979 a 1984).
Alm disso, ratificar as palavras de Eugnia Menezes, na apresentao do livro Soma
dos Sumos, (1983, p. xii), quando sugere que A grandeza de sua poesia nasce ainda do
ofcio de viver dignamente, solidrio e fraterno, marco de sua presena onde anda e atua.
Referncia essa a que se somam, neste tpico, as palavras de Vila Nova, em citaes
anteriores, ressaltando, principalmente, o carter de resistncia dos jovens do Grupo deJaboato, que a ironia do socilogo (apud BEZERRA, 1995, p. 194) to bem define: uma
gerao proveniente da gentinha da periferia do Recife [que] conseguiu romper o crculo
fechado das oligarquias intelectuais desta cidade, ao lado de um Jaci Bezerra, um Alberto da
Cunha Melo e um ngelo Monteiro, entre outros.. Essa frase deixa clara a resistncia a
contingncias sociais adversas, ao preconceito de classe e origem, sobretudo atravs do fazer
literrio urdido na trama de um cotidiano grotesco e avesso ao sonho, como bem justifica
ngelo Monteiro, (1995, p. 74):
[...] mesmo porque as nossas agruras econmicas no permitiam maiores investidasno campo das atividades que no fossem estritamente lricas... pobres, porm
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sonhadores, a poesia nos alimentava o tempo todo, e com isso crivamos uma outraespcie de realidade, e foi esta que realmente nos construiu, nos completou.
1.6 Contexto Literrio
O Concretismo, a Poesia-prxis, o Poema-processo das novas vanguardas que durante
quase duas dcadas (60-70) se fizeram ecoar no Sul do Pas s muito tenuamente se refletiram
na poesia da Gerao 65. O nico poeta da Gerao a incursionar sistematicamente em
propostas desses tipos e public-las foi Arnaldo Tobias. O depoimento de Csar Leal (1995,
p. 31) nos d a medida da recepo que os demais da Gerao atribuam esttica desses
movimentos:Arnaldo Tobias, com suas vlidas experincias no mbito da poesia visual. [...]Quando ele comeou a publicar, todo mundo ficava contra ele. Diziam que ele eraconcretista. Mas a poesia visual tambm poesia. preciso que os nossos poetascompreendam que a poesia precisa de renovao. A poesia no pode ficar somentenos padres de uma tradio afortunada.
O poeta ngelo Monteiro (1995, p. 73) analisa:
Se h uma caracterstica que pode ser apontada como uma constante em nossagerao, esta vem a ser antes a diversidade de pressupostos estticos que ahomogeneidade de princpios que comumente costumam diferenciar uma gerao de
outra. Diversidade e no disperso; diversidade de trajetrias existenciais e artsticas,que fez de nossa gerao a menos acadmica e formal das ltimas dcadas. Mas, aoadotarmos formas expressionais mais ou menos opostas, tivemos sempre em comumo zelo pela palavra, e alguns, dentre ns, a preferncia por certas combinaesmtricas como a redondilha maior, o decasslabo, o octosslabo e o eneasslabo. Eisso, apesar de uma aparente s aparente similitude, sem que os mestres fossem dagerao de 45, porm os das geraes anteriores, com excluso de dois da primeira,que tanto influenciaram alguns de nossos companheiros, como Joo Cabral,pernambucano, e Carlos Pena Filho, nascido em Portugal e radicado, desde menino,no Recife, onde morreu precocemente.
A pertinncia dessa declarao de ngelo Monteiro nos leva a analisar um pouco maisalguns aspectos que abordou, em consonncia com as informaes e registros que temos sobre
a obra de Alberto da Cunha Melo, motivo desta monografia.
Os caminhos estticos divergentes tomados pelos poetas da Gerao 65 tinham uma
base comum: o zelo pela palavra. Alberto da Cunha Melo (1978-2000, v. I), em registro do
dia 26 de fevereiro de 1978, ratifica essa base: No acredito em artista que no tenha
controle sobre os seus materiais de trabalho. Isso tanto verdadeiro para a pintura, quantopara a poesia etc..
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Csar Leal (1995, p. 25) fez inmeras vezes, algumas com destaque, o registro quanto
ao uso do verso octosslabo, na poesia de Alberto. O que segue exemplar:
Alberto da Cunha Melo domina como poucos o octosslabo. Cabral ainda no outilizava, a no ser ocasionalmente, e Alberto da Cunha Melo j o cultivava como sefosse um hbito, sua maneira de fazer poesia. Alberto da Cunha Melo tinha cempoemas quando me mostrou seu primeiro livro. Era tanto poema que eu resolviescolher vinte. Todos em octosslabos. Creio que em 1966. (Grifo do autor).
No difcil encontrar registros sobre a influncia de Joo Cabral de Melo Neto na
poesia de Alberto, porque, ao largo de todos esses 37 anos do seu fazer literrio, ele vem
reafirmando essa influncia. Nas quatro grandes reportagens que saram nos jornais Dirio de
Pernambuco, Jornal do Commercio e Jornal da Paraba, em dezembro de 200210
. A exemplo:Na ltima quarta-feira, um dos maiores poetas vivos em lngua portuguesa, j posto pelo
crtico Alfredo Bosi no mesmo patamar de Jorge de Lima, Joo Cabral de Melo Neto e
Augusto dos Anjos, o pernambucano Alberto da Cunha Melo lanou seu 15 livro [...].
(SENA, 14 dez. 2002).
Para este tpico especfico julgamos de extrema importncia anlise que faz, a
seguir, ngelo Monteiro (1995, p. 71), porque d a justa medida do quanto ter que serpesquisado sobre a Gerao 65, em relao poesia produzida no Brasil e no mundo, poca
em que seus escritores iniciaram sua caminhada at os nossos dias. Evitando-se analisar o fato
de a Gerao 65, como um todo, no ter em definitivo rompido as barreiras regionais e
internacionais.
A poesia escrita entre ns por um Jos Carlos Targino, um Alberto da Cunha Melo,um Jaci Bezerra, um Marcus Accioly, entre outros, no se distingue, em linhas gerais,da poesia que se faz hoje em Portugal, na Espanha, na Grcia, na Frana e naAlemanha, alm dos Estados Unidos, inclusive pelo tnus existencial de carter tantasvezes trgico, que parece marcar todos esses poetas. [...]Mas ns da Gerao 65 fomos condenados ao Nordeste, [...] Com certeza duascaractersticas podem ser assinaladas como radicais na formao da nossa feiopotica: a nica regio em que a poesia artstica o gnero mais cultivado, dentro
10 SENA, Andr. A Fora da Poesia de Alberto da Cunha Melo. Jornal da Paraba. Campina Grande, 14. dez.2002, Caderno Vida Geral, p. 3, entrevista.HLIO, Mrio, Poesia filosfica de Alberto Cunha Melo. Dirio de Pernambuco. Recife, 10 dez. 2002,caderno Viver, p. D8.CARPEGGIANI, Schneider. Reflexes kafkianas do poeta Alberto da Cunha Melo. Jornal do Commercio.Recife, 11 dez. 2002, caderno C, Literatura, p. 6.FERREIRA, Ermelinda. Meditao sobre os Lajedos. Jornal do Commercio. Recife, 10 dez. 2002, Opinio, p.11.
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da melhor e mais rigorosa tradio, inclusive da modernidade, e tambm o nicoreduto vivo da poesia oral, eternizada pelos seus repentistas e cantadores.Evidentemente a circunstncia de aqui vivermos e escrevermos nos isolou numaespcie de Grcia mtica, fechada em si mesma, dentro do continente brasileiro;isolamento agravado, alm das disparidades regionais e da poltica cultural
hegemnica do eixo Rio-So Paulo.
No difcil avaliar o quanto os escritores da Gerao 65 tiveram contra a divulgao
da sua obra. Contingncias histricas aliadas a um programa esttico conscientemente
arraigado tradio e ao zelo pela palavra decerto no eram favorveis a uma recepo do
trabalho desses escritores, quando na dcada de 60 vigoravam os movimentos neo-
vanguardistas, e, na de 70, mais experimentalismo, a recuperao da oralidade, a preocupao
ideolgica e a irreverncia, ao modo dos modernistas de 22, em nova roupagem. Tudo aliado,
obviamente, ao circuito cultural fechado do eixo Rio-So Paulo, para onde convergiam todas
as atenes da imprensa brasileira. Um cerco at hoje comentado e debatido, que vem se
arrefecendo graas internacionalizao da informao atravs do poder da WEB.
O evento da Bossa Nova, ao qual se seguiram os festivais da dcada de 60 aliados
profunda revoluo da comunicao, no Brasil, que foi a televiso, permitiu que a Msica
Popular Brasileira alcanasse nveis de recepo invejveis a qualquer poeta que veiculava
sua obra atravs do livro. Fenmeno da comunicao que teve um desdobramento cujo saldopode ser claramente observado nos livros didticos do Ensino Mdio, levando-nos a encontrar
observaes como esta:
Nos dias atuais, cresce o interesse dos poetas pela msica popular, em razo de suapenetrao mais eficaz junto ao grande pblico.Waly Salomo, Capinam, Cacaso, porexemplo, so co-autores de composies que fizeram sucesso no rdio e na tev. Ecompositores como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, FernandoBrandt, Beto Guedes, Djavan apresentam nas letras de suas canes certa sofisticaoque as aproxima do literrio. (CEREJA, 1999, p. 399).
ngelo Monteiro (1995, p. 71) atribuiu aos concretistas o passo inicial que permitiu o
agravamento da recluso imposta pelas contingncias da poca, no s poesia da Gerao
pernambucana a qual pertencia, mas poesia brasileira como um todo:
[...] a partir do trabalho e da influncia dos concretistas, - quando, estrategicamente,aproveitando o surgimento da Bossa-Nova, com grande aparato publicitrio da mdia,a pretexto de dirigir um ataque gerao 45, operaram a substituio de toda poesia(que passou a ser apodada, indiscriminadamente, de poesia discursiva), pelas letras daindstria discogrfica, contribuindo para que muitos leitores, inclusive nos meiosuniversitrios, voltassem as costas para toda poesia latino-americana e europia e daobra de muitos professores de literatura de nvel mdio que levaram para o interior de
seus livros didticos a entronizao de tais letras, antes divulgadas pelas revistas dordio e da televiso, com a excluso sistemtica da poesia que, at ento, erapropagada e ensinada desde o curso primrio.
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E acrescenta argumentao uma apreciao digna de anlises mais fundas:
Tal fenmeno se tornou tpico curiosamente no Brasil contemporneo, no assim noresto da Amrica Latina, nem na Europa; pois na Grcia h poetas que compem paramsicos; na Frana, Baudelaire e Rimbaud no foram desbancados por Edith Piaf e na
Inglaterra Shakespeare exerce o primado, apesar dos Beatles...
Portanto, no s as ms condies de classe social constituram a forte correnteza
contra a qual a Gerao 65 teve que nadar para construir sua obra, mas tambm todo um
contexto histrico-cultural impediu que ela merecesse as atenes necessrias para o seu
surgimento e anlises srias sobre ela, porque, a despeito de tudo, ela foi construda com a
persistncia que pode ser ilustrada por este poema de Alberto da Cunha Melo (1999, p. 30):
Estao Terminal
O cu parece revestidode uma camada de cimento:deixo as marquises porque seique esta chuva no passar.
Se esperasse um tempo de paz,nem meu tmulo construiria.Comeo e recomeo a casade papelo em pleno inverno.
Um plano, um programa de ao
debaixo de uma rvore em prantos,e voltar primeira pginabranca e ferida pela pressa.
A poesia j no seduza quem mais forte ultrapassou-a,libertando um pouco de vidae luz, da corrente de estrelas.
Toda renncia nos convidaa recomear outra busca,porque algo a inocncia perdeuno cho, para arrastar-se assim.
Reportamo-nos mais uma vez ao esclarecedor depoimento de ngelo Monteiro (1995,
p. 72):
Todas essas consideraes podem servir, de certa forma, como pano de fundohistrico, para a nossa experincia dos chamados anos hericos. Os nossos anoshericos foram determinados fundamentalmente pela busca e pela prtica poticas,pela pesquisa nas diversas fontes e, sobretudo, pelo exerccio do rigor. Nosso espritocrtico mantinha-se sempre aceso: no aplicvamos panos mornos em nossasdiscusses sobre o fenmeno potico, pois a palavra de ordem era a depurao daescrita de tudo que fosse acessrio, e o apelo, com uma certa freqncia, tesoura es cestas de lixo quando os poemas formalmente mal realizados pretendiamdesdenhar do nosso permanente senso de rigor.
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Reflexo talvez seja a palavra-chave que norteava a produo potica da Gerao
65. Reflexo dinmica, porque se soma ao fazer literrio um constante questionamento sobre
o alcance da obra que produziam, alm do esforo de produo do livro, que as Edies Pirata
to bem exemplificam. Talvez seja essa a mais verdadeira prxis potica: se no h caminho,
o caminhante o abre caminhando, a lio do poeta Antnio Machado (BOSI, 2000, p. 167)
que parece ter sido o roteiro seguido pela maioria dos escritores da Gerao 65: fazer o
caminho que no h. Alberto da Cunha Melo (1979-2000, v. I) faz um registro tanto
comovedor quanto esclarecedor que ratifica essa perspectiva:
Quando observo as expectativas e esforos de minha gerao, fico muitasvezes desolado. Tantos encontros e discusses sobre poesia. Tanto trabalho emescrever, selecionar e bater mquina o que foi escrito. As decepes de no seracreditado, o conforto nem sempre convincente da generosidade crtica de algunsamigos. A variedade de caminhos e a incerteza de ter tomado o melhor. Asdesigualdades de fortuna, de instruo e de acesso ao pblico. O desencanto de saberque esse pblico apenas pouco mais do que os prprios artistas. As dvidas,resultantes da pouca ateno que dada situao financeira. As insnias. O medo.
E se todos estiverem equivocados? E se, em nossa gerao, no existir um sque ultrapasse a barreira do tempo? [...]
Na ltima edio do stio virtual, Trilhas Literrias, Alberto da Cunha Melo (2003)
publicou um artigo intitulado Poesia na Internet: banalizao ou resistncia?, onde declara:
Una em sua essncia e mltipla em sua existncia, para utilizar, aqui, uma
terminologia metafsica do grande Huberto Rohden, a poesia est na tribo, nametrpole, na caverna e na carlinga do foguete. E, como no poderia deixar de ser,agora ela comea a minar como gua virtual a Internet. Veio, talvez, salvar a poesiade sua guetizao, do desprezo a que vem sendo relegada por editores burros ediretores de redao de peridicos tambm burros, e cada vez mais comprometidoscom o passageiro, com o ftuo, com o vento. Acredito que, atravs da Internet, apoesia vai polinizar boa parte deste mundo to poludo pelo kitsch, infeccionar atecnocracia denunciada por Kafka, empestar a hipocrisia de pastores, padres epolticos. Como uma espcie casamata para a poesia de qualidade, ela pode significarum poderoso instrumento de resistncia. E se banalizao da poesia quiser dizertorn-la algo corriqueiro na vida das pessoas, que ela se banalize, compensando, emparte, a corrupo, a extorso bancria e a violncia que, aqui no Brasil, tornaram-seto banais, e at legais, no caso das aes dos banqueiros, os mais protegidos dosextorsionrios da Terra.
Caso esse novo advento da comunicao que a WEB tivesse ocorrido em dcadas
anteriores, talvez a poesia resistente da Gerao 65 tivesse alcanado mais altos vos em
termos de divulgao, mas ser que isso no teria interferido negativamente nesse processo
guardio da poesia que se quer poder de nomear, delegado ao homem biblicamente h
milnios? (BOSI, 2000, p. 163)