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Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Engenharia Civil DISCIPLINA DE FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA CAPITULO 1 - APRESENTAÇÃO Prof. Carlos Nunes da Costa 2006/2007

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Faculdade de Ciências e Tecnologia

Departamento de Engenharia Civil

DISCIPLINA DE FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA

CAPITULO 1 - APRESENTAÇÃO

Prof. Carlos Nunes da Costa

2006/2007

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FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA CAP. 1 - APRESENTAÇÃO

I-1

ÍNDICE

1. DOMÍNIOS DA GEOLOGIA. UMA SÍNTESE. ...................................................................2

2. GEOLOGIA E ENGENHARIA............................................................................................7 2.1 Geologia de Engenharia ...................................................................................................7 2.2 O geólogo de engenharia e o engenheiro civil geotécnico...............................................8 2.3 O engenheiro civil, a geologia e as obras de engenharia.................................................9

3. GEOLOGIA E GEOTECNIA NO PROJECTO E OBRA DE ENGENHARIA ...................10 3.1 Fase preliminar ...............................................................................................................10 3.2 Fase de projecto .............................................................................................................13 3.3 Fase de construção, manutenção e desactivação .........................................................14

FONTES DE INFORMAÇÃO E MAIS LEITURAS EM: .......................................................15

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FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA CAP. 1 - APRESENTAÇÃO

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CAPITULO 1 - APRESENTAÇÃO

SUMÁRIO

Nesta lição introdutória serão primeiramente recordados, na sequência da aprendizagem tida na

disciplina de Geologia para Engenheiros Civis, os domínios da Geologia, com realce para os de maior

interesse para a Engenharia Civil. Seguidamente serão apresentadas as inter-relações existentes

entre Geologia e Engenharia, as razões para o surgimento da Geologia de Engenharia e o tipo de

relação que deve existir entre os diversos campos profissionais da geologia e da engenharia,

nomeadamente em projecto e em obra. Finalmente apresenta-se uma visão geral, necessariamente

sumária, do que deve ser o desenvolvimento dos estudos geológicos e geotécnicos nas diversas

fases do projecto e obra de engenharia.

1. DOMÍNIOS DA GEOLOGIA. UMA SÍNTESE.

A Geologia é o campo do conhecimento científico que interpreta o presente e o passado da

superfície e da estrutura interna da Terra, o registo fóssil dos seres que a habitaram e os

respectivos ambientes. O seu objecto de análise é, por isso, muito abrangente, procurando

efectuar a descrição sistemática das rochas e dos solos que ocorrem à superfície da Terra,

e também no seu interior, e explicar a sua génese e evolução, no contexto do

desenvolvimento da vida na Terra.

A aplicação do conhecimento geológico exige o seu desdobramento em numerosas

especialidades e abrange actividades muito distintas, cobrindo desde a exploração do

petróleo, dos depósitos minerais e dos outros recursos geológicos à previsão de catástrofes

naturais, como os sismos, as erupções vulcânicas e os deslizamentos de terrenos.

O estudo da Geologia está, portanto, organizado num corpo científico muito vasto,

compostos por numerosas disciplinas que podem ser agrupadas em três grandes domínios:

a História da Terra, os Materiais Geológicos e os Processos Geológicos. Todos estes

domínios interessam, em maior ou menor grau, à engenharia civil, como se verá de seguida,

com a descrição resumida das principais disciplinas da Geologia.

Desvendar a História da Terra a partir dos dados conservados nas formações geológicas é o

escopo da Geohistória. Embora a História da Terra pareça ser de interesse limitado para a

engenharia civil, os métodos usados para a sua decifração não o são: estabelecer a

correlação temporal dos estratos através da Estratigrafia, apoiada no seu registo fóssil –

domínio da Paleontologia – ou na sua datação absoluta – domínio da Geocronologia –

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FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA CAP. 1 - APRESENTAÇÃO

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pode ser de grande importância, por exemplo na determinação de movimentos recentes nas

falhas. Aliás, esta é uma das razões que justifica a expansão de algumas disciplinas, como

é o caso da Geologia do Quaternário.

O estudo dos Materiais Geológicos, isto é, das rochas, da sua génese, da sua composição

química e mineralógica, da sua textura, etc… faz-se no âmbito da Petrologia. As

classificações convencionais para as rochas são um produto dessa disciplina, que se pode

desdobrar em Petrologia Ígnea, Petrologia Sedimentar e Petrologia Metamórfica, para

atender aos grandes grupos de rochas. Visto que as rochas são associações naturais de

minerais (em alguns casos, monominerais), a sua descrição e classificação tem de ser

apoiada na Mineralogia. Alguns grupos de minerais têm determinadas propriedades físico-

químicas, de que derivam comportamentos tão específicos (e críticos, em alguns casos,

para a engenharia civil) que justificam o surgimento de sub-disciplinas, como é o caso da

Mineralogia das Argilas.

O estudo dos depósitos e das massas minerais, da sua revelação e do seu aproveitamento

e valorização enquanto recurso, pertence ao domínio da Geologia Económica, assim como

o estudo da água subterrânea pertence ao domínio da Hidrogeologia. As massas minerais

correntemente utilizadas na produção dos materiais de construção são caracterizadas na

disciplina de Minerais Não Metálicos, ou em disciplinas derivadas, de base tecnológica,

como Rochas Ornamentais ou Tecnologia de Pedreiras. Domínios restritos como o do

petróleo e do gás natural, ou do vapor, dão origem a disciplinas específicas, mas nem por

isso menos importantes do ponto de vista económico, como é o caso da Geologia do Petróleo e da Geotermia.

A Geoquímica e a Geoestatística surgem aqui, como noutros domínios, como ferramentas

de suporte essenciais. O mesmo se passa com a Geofísica, que trata da estrutura interna

da Terra e cujos métodos são constantemente utilizados pela Geotecnia na definição

geométrica das formações do subsolo.

No que respeita aos Processos Geológicos, a disciplina básica para o estudo das formas da

superfície terrestre, dos agentes e mecanismos de alteração e de tantos outros aspectos

relevantes para a engenharia civil é a Geologia Física, designação caída em desuso, melhor

chamada de Geodinâmica Externa. Esta é integrada pela Sedimentologia, que estuda os

processos de erosão, transporte e sedimentação, e pela Geomorfologia, que se ocupa do

estudo da evolução dos modelados, a qual é secundada pela Fotogeologia, que interpreta

as formas da superfície terrestre através de métodos de Detecção Remota e que são a base

do estudo de fenómenos que interessam à engenharia civil (como seja os movimentos de

terrenos), mas também complemento do trabalho realizado para uma disciplina fundamental

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da Geologia, a Cartografia Geológica, produto obtido essencialmente a partir de toda a

informação obtida no terreno através do trabalho metódico de levantamento de campo

realizado pelo geólogo.

EXEMPLO DE APLICAÇÃO 1

“NOVA CARTOGRAFIA GEOLÓGICA PARA A AREA METROPOLITANA DE LISBOA” foi um projecto desenvolvido com base num protocolo de colaboração assinado entre a Junta Metropolitana de Lisboa, o ex-Instituto Geológico e Mineiro (actual INETI) e a Fundação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, com o objectivo de fornecer 49 cartas geológicas de alta qualidade para a Área Metropolitana de Lisboa à escala 1/25.000 (representando quase 8% do território nacional) e as correspondentes 13 cartas geológicas à escala 1/50.000 e 2 cartas geológicas à escala 1/100.000. O output é disponibilizado em formato digital para aplicações de SIG para os 19 municípios que compõem Área Metropolitana de Lisboa representando mais de ¼ da população portuguesa.

Cartas geológicas já existiam para esta região na escala 1/50.000 mas a maior parte delas datavam dos anos 50 e 60 do século XX e necessitavam de revisão e actualização, encontrando-se pouco adaptadas às exigências das modernas ferramentas de planeamento regional e urbano. Para além disso, tirando vantagem dos SIG para a sobreposição de datasets espaciais, cartas temáticas poderão ser derivadas a partir das novas cartas geológicas para apoio ao planeamento do uso do território.

Figura 1 – Localização das 49 novas cartas geológicas para a Área Metropolitana de Lisboa na escala 1/25.000

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EXEMPLO DE APLICAÇÃO 1 (cont.)

A cartografia geológica pode ser uma importante ferramenta de análise na identificação de situações causadoras de constrangimentos à implantação de infra-estruturas. Por exemplo, já em fase avançada do projecto de execução da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Guia verificou-se a necessidade de melhorar o conhecimento do estado de carsificação do maciço rochoso e do comportamento sísmico da falha da Guia, descrita na bibliografia como um desligamento direito que, corresponde à expressão superficial de acidente profundo com orientação NW-SE a NNW-SSE, que atravessa toda a Margem Oeste Ibérica e que controlou a instalação dos maciços ígneos de Sintra, Sines e Monchique (Kullberg, M. C. & Kullberg, J. C., 2000).

Na Figura 2 é apresentado o contexto geológico no qual a área se insere, na forma da carta 1/25.000 onde se evidenciam as litologias aflorantes e as falhas cartografadas.

Estudos de estratigrafia e de fotogeologia (Figura 3) auxiliaram na identificação da sucessão das unidades geológicas e da respectiva coluna litológica e na verificação de lineamentos que podem ser assinalados como falhas ou fracturas prováveis.

Figura 2 – Redução da Carta Geológica de Portugal à escala 1/25 000, folha 429, Cascais (elaborada para a Área Metropolitana de Lisboa – AML, 2004), evidenciando o contexto

geológico onde se insere a área de implantação da ETAR da Guia, assinalada com rectângulo e corte estratigráfico realizado nas falésias a SE da área estudada, adaptado de Caetano, 2004

0

1

5

15

19

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Escala(m)Idade

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Unidadeslitoestratigráficas

LEGENDA

bioclastos

laminaçõesbioturbação

arenitos

margas

calcários

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Figura 3 – Excerto da interpretação fotogeológica realizada, com identificação de falhas e/ou fracturas provadas e prováveis, sobre ortofotomapa na zona de implantação da ETAR da Guia

Na Geodinâmica Interna o corpo principal de estudo integra-se na Geologia Estrutural, que se ocupa do estudo das tensões crustais e da deformação dos corpos rochosos,

assunto da maior importância para a engenharia Civil. Apoia-se em numerosas disciplinas,

como a Tectónica de Placas, que estuda os movimentos na litosfera, ou a Geofísica, já

citada. Na interface com esta e com outras disciplinas “exteriores” à Geologia – a Mecânica

das Rochas, a Geodesia e a Sismologia, por exemplo – surgem no prolongamento da

Geologia Estrutural várias disciplinas com elevado interesse para a engenharia civil (em

particular para a engenharia sísmica), como a Sismotectónica e, em particular, a

Neotectónica, que se ocupa com os eventos relacionados com as falhas activas. Por sua

vez, a Vulcanologia desenvolve o estudo dos processos vulcânicos e dos riscos

associados.

Entretanto, o surgimento da Engenharia Geológica há cerca de 20 anos reforçou o carácter

tecnológico do estudo da Geologia, sendo responsável pela introdução de novas disciplinas,

mais viradas para a Engenharia e a Tecnologia, e para uma mais fácil admissão dos novos

licenciados (engenheiros geólogos) no mercado de trabalho (de que são exemplo as

disciplinas de Planeamento e Gestão de Georrecursos, Tecnologia de Pedreiras e

Geologia Urbana) e a vulgarização da utilização de novas ferramentas no domínio da

Geomatemática e dos Sistemas de Informação Geográfica, que permitem a modelação de

fenómenos complexos, como o transporte de poluentes nas águas subterrâneas, por

exemplo.

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Finalmente deve referir-se o desenvolvimento mais recente da área da Engenharia Geoambiental, cujo domínio essencial é o estudo do triângulo de inter-relações entre o

Homem, a Geologia e o Ambiente, com particular realce para as questões que têm a ver

com os riscos geológicos naturais e provocados e com o equilíbrio dos ecossistemas. Dir-

se-á que estes problemas poderão ser convenientemente tratados pela Geologia de Engenharia, disciplina de que iremos tratar detalhadamente mais adiante. Então, a

estabelecer uma fronteira entre estas duas áreas, ela terá de ser traçada com base na

tónica, ou no enfoque privilegiado de cada uma delas: a Engenharia Geoambiental

concentrando-se nos efeitos da acção do Homem sobre os delicados balanços geo-

ecológicos. A Geologia de Engenharia focalizando a sua acção sobre o estudo e a

caracterização dos solos e das rochas (enquanto material geotécnico) e dos processos

geológicos que podem repercutir gravemente no comportamento da obra.

2. GEOLOGIA E ENGENHARIA

2.1 Geologia de Engenharia

Pode pois concluir-se, numa primeira análise, que por comparação com a Geologia, a

Geologia de Engenharia tem objectivos mais simples e de âmbito mais restrito: existe

essencialmente para servir a engenharia civil (e de minas) através da descrição da estrutura

e dos atributos dos solos e das rochas interessados pelas obras de engenharia. Elabora

cartografia especializada (a cartografia geotécnica). Identifica riscos de movimentos de

terrenos. Interpreta o movimento da água subterrânea no interior dos maciços rochosos e

terrosos e as suas consequências para a obra.

Por outro lado a Geologia de Engenharia serve frequentemente como um filtro e um

descodificador, entre a informação produzida pela Geologia e o uso dessa informação pelos

engenheiros civis.

As ferramentas da geologia tradicional são a observação dos afloramentos – trabalho

conhecido pela designação de reconhecimento geológico de superfície, mas também o

estudo hidrogeológico, geofísico e geoquímico dos terrenos, bem como a determinação das

propriedades físico-químicas dos materiais geológicos em laboratório. Com estas

ferramentas obtém-se informações preciosas acerca das formações rochosas, da sua

génese, da sua idade, da sua história, dos arranjos texturais que as caracterizam, etc. Mas,

no contexto da engenharia civil, a motivação principal não pode ser a de desvendar a origem

geológica de determinada formação mas sim a de a descrever e caracterizar com rigor, de

acordo com o fim em vista. Para o efeito, os afloramentos das formações geológicas que se

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pretende estudar podem ser artificialmente expandidos por meio de métodos mecânicos de

prospecção geotécnica: poços, valas e galerias, donde amostras de solos e rochas são

colhidas com equipamentos especialmente concebidos para o efeito e submetidas a ensaios

laboratoriais.

2.2 O geólogo de engenharia e o engenheiro civil geotécnico

O geólogo de engenharia enfrenta assim a responsabilidade de interpretar os dados

geológicos obtidos com a investigação in situ e de fornecer um modelo conceptual para o

maciço geológico (terroso e/ou rochoso) estudado. Mas, embora esses dados sejam

avaliados tendo em conta os requisitos do projecto ou da obra de engenharia a que se

destinam, são os engenheiros civis que normalmente detém a responsabilidade final;

consequentemente, farão, se o entenderem, as suas próprias avaliações para efeitos de

cálculo.

Em suma, o geólogo de engenharia apresenta os dados de natureza geológica relevantes

para o projecto e para a obra e interpreta-os para uso do engenheiro civil. Dado que a

Natureza não é conformável com os desígnios de uma ciência exacta, nem sempre é fácil

de os obter e interpretar tão rapidamente quanto seria desejável: analisados os resultados,

os parâmetros geológicos apresentam, por vezes, intervalos de variação excessivamente

largos, incompatíveis com a precisão a que o engenheiro está habituado. É então

necessário proceder a novas observações e ensaios, obrigando a reformular interpretações.

Esta aparente contradição entre a dificuldade em obter e fornecer, em tempo útil, a

informação geológica isenta de imprecisões e o rigor e a rapidez de resposta exigidos pelo

engenheiro civil é razão mais do que suficiente para que exista uma estreita colaboração e

um permanente diálogo entre estes profissionais, baseados numa compreensão e respeito

mútuos pelas diferenças intrínsecas aos seus respectivos métodos de trabalho e objectivos.

Avaliar a resistência e deformabilidade das rochas e dos solos e as suas implicações para a

obra é tarefa do engenheiro civil geotécnico, nomeadamente para o especialista em

Mecânica dos Solos e/ou em Mecânica das Rochas – que, juntamente com a Geologia de

Engenharia, como veremos adiante, constituem as três especialidades em que se divide a

Geotecnia. O engenheiro geotécnico determina a adequabilidade de diferentes solos e

rochas para a constituição das várias zonas em que se compõe um aterro, ou para a

composição de betões, de misturas asfálticas, etc… Projecta órgãos de drenagem para o

controlo da percolação da água subterrânea, usando os dados que lhe são fornecidos por

hidrólogos e hidrogeólogos.

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2.3 O engenheiro civil, a geologia e as obras de engenharia

O engenheiro civil, como profissional que é do ramo de engenharia que trata do projecto e

da construção de estruturas e infra-estruturas, as mais diversas, seja para o transporte, o

fornecimento de energia eléctrica, o abastecimento de água, o controlo de cheias, a

protecção ambiental, o saneamento básico, o desenvolvimento industrial e urbano, etc…

tem obrigatoriamente de lidar com muitas outras disciplinas de engenharia e não só: da

saúde pública, das finanças, da gestão, do planeamento, etc…

É de tal forma abrangente a sua actividade que faz juz à descrição de John Stephens (in

Goodman, 1993) quando diz que o engenheiro civil tanto é levado em certas ocasiões em

altos voos de pura ciência como noutras em botas de borracha através da mais empírica

argila pegajosa!

Por exemplo, no campo dos transportes o engenheiro civil constrói e mantém, canais,

estradas, ferrovias e condutas. Cria terminais e infra-estruturas aeroportuárias. Obras

de desenvolvimento linear em zonas montanhosas obrigam a escavações a céu aberto e

túneis. Atravessamentos de linhas de água e outras depressões exigem pontes e obras de

arte. Frequentemente os novos empreendimentos interferem com obras anteriores, exigindo

novas e constantes adaptações.

Associada aos projectos e obras acima referidos surge a necessidade de explorar pedreiras

para o uso de agregados em betão, em camadas granulares do pavimento, ou em misturas

asfálticas, e manchas de empréstimo de solos para a construção de aterros. Estas

operações envolvem o geólogo de engenharia e o engenheiro civil geotécnico, não só nos

aspectos respeitantes à qualidade e quantidades requeridas na produção dos inertes, como

ainda nas operações de controlo de ruído, das poeiras e das vibrações provocadas pelo

desmonte de explosivos, ou da interferência nos níveis freáticos provocada pelos

rebaixamentos produzidos pelas escavações. As pedreiras, assim como as escavações a

céu aberto, variam em complexidade, desde as que são executadas quase sem

acompanhamento pelos operadores do equipamento de desmonte, com escassa ou nula

planificação, até às que envolvem projecto detalhado, estruturas de suporte e

instrumentação, podendo representar, só por si, significativos investimentos.

Também as escavações subterrâneas vêm sendo cada vez mais usuais, nomeadamente

em infra-estruturas rodoviárias, à medida que os custos e a incerteza que caracterizam a

sua execução têm vindo a diminuir. Em maciços constituídos por rocha sã reduções de

custo significativas e outras vantagens podem ser obtidas com a execução de obras

subterrâneas quando comparadas com alternativas a céu aberto (e.g. túnel da Gardunha).

Em rochas homogéneas e compactas os túneis podem ser escavados mais

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economicamente com máquinas ditas de secção total conhecidas por tuneleiras, permitindo

o avanço contínuo. Ao contrário, em rochas brandas, ou em formações geológicas

complexas, a execução de obras subterrâneas pode levar a contratempos, implicando

custos adicionais substancialmente elevados e atrasos no cumprimento dos prazos (e.g.

túnel do Rossio).

3. GEOLOGIA E GEOTECNIA NO PROJECTO E OBRA DE ENGENHARIA

3.1 Fase preliminar

Em termos muito gerais pode dizer-se que um projecto é desenvolvido a partir do estudo

prévio e tem como objectivo ser posto a concurso. Assim que a empreitada é adjudicada

entra-se em fase de obra, e após a sua conclusão, na de manutenção. A Geologia e

Geotecnia intervêm em cada uma destas fases, ainda que com diferentes graus de

importância.

Em consequência da metodologia aplicável os estudos geológicos e geotécnicos efectuados

para o projecto de engenharia desenvolvem-se por fases, à medida que a informação é

obtida e o caminho em direcção à fase de obra é percorrido.

Na fase de planeamento de uma obra (que se pode dividir em várias fases: estudos

preliminares, estudos de viabilidade técnico-económica) o propósito principal é obter uma

lista ordenada de alternativas a partir da qual se vai seleccionar a solução-base. Para tal é

necessário reunir informação suficiente, de forma a obter uma estimativa de custos para

cada uma das alternativas. Preparar uma estimativa de custos razoavelmente rigorosa

implica ter um conhecimento tão detalhado quanto possível do terreno onde será implantado

o empreendimento. Esse conhecimento do terreno não dispensa um estudo geológico e

geotécnico: os dados geológicos requeridos, normalmente em termos de descrição de solos

e das rochas interessados pela obra exigem suficiente rigor, ainda que, nesta fase, sejam

pouco numerosos. Com efeito, a necessidade de se empreender o estudo simultâneo de

várias alternativas não se compadece com o interesse, no plano teórico, de realizar estudos

aprofundados em cada um dos locais, visto que, à excepção de um, todos serão

abandonados na fase seguinte.

Note-se que, para determinadas obras de engenharia – as mais importantes – a própria

definição de alternativas é um requisito formal do procedimento de avaliação de impacte ambiental a que estão sujeitas por lei.

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Normalmente os estudos geológicos e geotécnicos nesta fase são dirigidos para a selecção

de alternativas que evitem riscos geológicos, como seja movimentos de terrenos, falhas

activas, zonas mal drenadas, fenómenos de subsidência ou assentamento de terrenos,

etc…, e que apresentem aptidão à exploração de materiais de construção para aterros,

agregados para betões, para filtros, etc…, se não no próprio local, pelo menos num raio

considerado compatível com o fornecimento da obra.

EXEMPLO DE APLICAÇÃO 2

A análise do impacte ambiental provocado pela construção da “Ligação ferroviária de Alta Velocidade entre Lisboa e Porto obriga à consideração de um conjunto de descritores ambientais afectados pelo projecto, entre os quais os natureza hidrogeológica. Para a elaboração deste descritor foi utilizada a informação relativa ao traçado dos eixos e às unidades hidrogeológicas (formato shape – software ArcGIS e fichas “Sistemas Aquíferos de Portugal Continental” com a descrição das principais características dos sistemas aquíferos da região em estudo – Instituto da Água).

Na figura 2 apresenta-se um extracto das alternativas consideradas no troço Alenquer (Ota) – Pombal com os sistemas aquíferos intersectados pelos eixos respeitante à Orla Ocidental Detrítica.

Figura 4 – Sistemas aquíferos da Orla Ocidental Detrítica (extracto do troço Alenquer (OTA) – Pombal)

Para cada local os estudos geológicos-geotécnicos devem esclarecer qual tipo de

formações geológicas atravessadas, quais os seus atributos e as suas relações espaciais,

nomeadamente os contactos entre diferentes formações, o seu desenvolvimento em

profundidade, etc… Para o efeito, os estudos, que normalmente se iniciam com a análise

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dos elementos disponíveis de carácter bibliográfico, cartográfico e fotográfico, baseiam-se

na interpretação geológica da fotografia aérea e num reconhecimento geológico de

superfície. Estes estudos preliminares podem e devem ser acompanhados de trabalhos de

prospecção geotécnica que forneçam estimativas razoáveis sobre as profundidades a que

ocorrerá a rocha sã, sobre as quantidades de solos de cobertura eventualmente a remover

numa escavação, ou mesmo sobre a existência de superfícies potenciais de rotura

(identificação de cicatrizes de antigos escorregamentos, por exemplo).

Os trabalhos de prospecção geotécnica podem consistir em métodos de observação

directa (mecânicos) ou indirecta (geofísicos) e serem mais ou menos sofisticados. Nas fases

mais precoces é corrente o uso de métodos expeditos e pouco onerosos, como seja a

abertura de valas com recurso a uma retroescavadora que, para além de fornecer a

exposição do maciço à observação visual, permite ainda a colheita de amostras de ensaios

laboratoriais, que nesta fase se devem restringir ao essencial, com a identificação das

principais famílias de solos e de rochas.

Figura 5 – Abertura de poços de prospecção

Figura 6 – Recolha de amostra de solo. Divisão e homogeneização das

amostras de solo

Também o conhecimento das características hidrogeológicas do maciço pode ser relevante

para o sucesso do empreendimento. A exacta localização dos níveis freáticos, a correcta

avaliação dos parâmetros hidrogeológicos fundamentais (como sejam a porosidade e a

permeabilidade) e ainda, se possível, o estabelecimento de um modelo aproximado da rede

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de percolação das águas subterrâneas podem, em conjunto com os restantes trabalhos,

contribuir para a optimização da escolha da solução-base. Ao contrário, se os trabalhos de

prospecção forem incompletos ou mal conduzidos, a alternativa escolhida pode não ser a

melhor e o projecto pode levar a uma solução de maior risco, ou escusadamente mais

onerosa.

Estribados no conhecimento geológico e na experiência em situações semelhantes, será

então possível antecipar problemas de natureza geológica e geotécnica que poderão ocorrer

durante a construção e incorporar no projecto medidas preventivas apropriadas.

3.2 Fase de projecto

Na fase de projecto procura-se, através da execução de cálculos rigorosos, de desenhos de

pormenor e de especificações, preparar os elementos necessários para colocar a obra a

concurso.

Em regra começa-se por confirmar as principais conclusões das fases anteriores através de

trabalhos de prospecção e de ensaios laboratoriais e in situ mais detalhados. O recurso a

sondagens mecânicas (Fig. 5), designadamente de furação (à percussão e à rotação) tem,

geralmente, carácter sistemático, procurando não só identificar aspectos individualizáveis da

estrutura do maciço (litologia, ocorrência de falhas, posição do nível freático, etc..) como

assumir significado estatístico. É também na fase de projecto que se executam os ensaios laboratoriais e ensaios in situ mais complexos, morosos e, consequentemente, mais

onerosos.

Figura 7 – Ilustração dos procedimentos de prospecção e amostragem de águas. A) Furação

com trado oco; B) Instalação do tubo piezométrico; C) Recolha de amostras de água

Toda a informação geológica é então reunida com vista a fornecer um modelo conceptual

para o maciço rochoso ou terroso estudado e, dentro dele, para cada uma das unidades

homogéneas em que se divide, designadas por zonas geotécnicas.

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È na fase de projecto que engenheiro geotécnico e geólogo de engenharia trabalham mais

intimamente, designadamente com vista a estabelecer os parâmetros de resistência,

deformabilidade e permeabilidade dos solos e das rochas em análise.

Uma vez que modificações (ou variantes) a introduzir durante a construção podem ser

bastante dispendiosas é prudente prever a possibilidade de reclassificação das formações

ou revisão da interpretação geológica e geotécnica, durante a construção e,

consequentemente, trabalhar com o engenheiro projectista no sentido de estabelecer

contingências ou desenhos alternativos. Trata-se de uma prática cada vez mais corrente,

especialmente em projecto de túneis, já que os imprevistos e as consequentes alterações ao projecto surgem naturalmente, levando à reapreciação in loco, num processo quase

iterativo.

3.3 Fase de construção, manutenção e desactivação

Durante a construção o geólogo de engenharia é chamado a identificar os materiais

realmente encontrados, e classificá-los relativamente às diferentes categorias com base nos

métodos construtivos (ou destrutivos) estabelecidos no caderno de encargos e nos

respectivos preços (por exemplo, se se tratar de uma escavação é necessário classificar os

materiais em escavável, ripável e desmontável a fogo).

Em muitas obras justifica-se o registo da ocorrência dos tipos de solos e de rochas

atravessada a través da elaboração de cartografia geológica adequada – cartografia geotécnica – consistindo no mapeamento das frentes de escavação, dos hasteais dos

túneis e galerias, etc…

A intervenção do geotécnico pode também ser solicitada para a instrumentação do maciço

durante a obra, tendo em vista a análise do seu comportamento e a prevenção ou correcção

de fenómenos de deformação, quer à superfície (observação de marcas topográficas), quer

em profundidade (observação de piezómetros, de inclinómetros…), quer ainda no interior do

maciço (medições de convergência nas paredes dos túneis, por exemplo).

Embora menos corrente, a intervenção do especialista em geotecnia em operações de

manutenção e desactivação de empreendimentos pode justificar-se para resolver problemas

de comportamento deficiente do maciço (por exemplo escorregamento de taludes,

necessidade de reforço da drenagem, etc…). Em face destes problemas pode ser

necessário promover campanhas de observação do maciço através da colocação de

instrumentação adequada, a exigir acompanhamento durante um período mais ou menos

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FUNDAMENTOS DE GEOTECNIA CAP. 1 - APRESENTAÇÃO

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prolongado, ou mesmo durante a vida útil da obra e, em certos casos, mesmo após o seu

encerramento.

Finalmente pareceres geológicos e geotécnicos podem ser solicitados, nomeadamente

na avaliação de queixas decorrentes de acidentes com obras ou eventuais modificações das

condições geológicas e geotécnicas dos maciços.

FONTES DE INFORMAÇÃO E MAIS LEITURAS EM:

Blyth, FGH & Freitas, MH (l984) A Geology for Engineers. Arnold International

Students’ Edition, London, 325p.

Goodman, Richard E. (1993) Engineering Geology: Rock in Engineering Construction. John

Wiley & Sons, London, 432 p.

McLean, Adam C.; Gribble, Colin D. (1992) Geology for Civil Engineers, Second Edition.

E & FN Spon, London, 314 p..

a) Sobre o exemplo de aplicação 1. Saber mais em:

http://www.igm.ineti.pt/edicoes_online/diversos/cartas/indice.htm

http://www.aml.pt/actividades/CartaGeologica.php

Kullberg, M. C. & Kullberg, J. C. (2000) – Tectónica da região de Sintra. In Tectónica das

regiões de Sintra e Arrábida, Mem. Geociências, Museu Nac. Hist. Nat. Univ. Lisboa, nº 2, 1-

34.

Caetano, P. S. (2004) – Mineralogia e geoquímica de sequências sedimentares do

Jurássico-Cretácico da Bacia Lusitaniana. Tese Doutoramento, Univ. Nova Lisboa, 312p.

b) Sobre o exemplo de aplicação 2. Saber mais em:

http://snirh.inag.pt/