219
Campus de Marília Faculdade de Filosofia e Ciências GISELI DONADON GERMANO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO METAFONOLÓGICA PARA CARACTERIZAÇÃO DE ESCOLARES COM DISLEXIA, TRANSTORNO E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Marilia SP

Faculdade de Filosofia e Ciências GISELI DONADON GERMANO

  • Upload
    vanminh

  • View
    229

  • Download
    3

Embed Size (px)

Citation preview

  • Campus de Marlia

    Faculdade de Filosofia e Cincias

    GISELI DONADON GERMANO

    INSTRUMENTO DE AVALIAO METAFONOLGICA PARA

    CARACTERIZAO DE ESCOLARES COM DISLEXIA, TRANSTORNO E

    DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

    Marilia SP

  • GISELI DONADON GERMANO

    INSTRUMENTO DE AVALIAO METAFONOLGICA PARA

    CARACTERIZAO DE ESCOLARES COM DISLEXIA, TRANSTORNO E

    DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao, na rea de

    Concentrao Ensino na Educao

    Brasileira, Linha Ensino, Aprendizagem

    Escolar e Desenvolvimento Humano, da

    Universidade Estadual Paulista Julio de

    Mesquita Filho, Campus Marilia SP,

    para obteno do ttulo de Doutor em

    Educao.

    Orientadora: Simone Aparecida Capellini

    Marlia SP

    2011

  • Ficha catalogrfica elaborada pelo

    Servio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESP Campus de

    Marlia

    Germano, Giseli Donadon.

    G373i Instrumento de avaliao metafonolgica para

    caracterizao de escolares com dislexia, transtorno e

    dificuldades de aprendizagem / Giseli Donadon Germano. -

    Marlia, 2011.

    217 f. ; 30 cm.

    Tese (doutorado em educao) Universidade Estadual

    Paulista, Faculdade de Filosofia e Cincias, 2011

    Bibliografia: f. 185-207

    Orientador: Simone Aparecida Capellini

    1. Avaliao metafonolgica. 2. Dislexia.

    3. Distrbios da aprendizagem. I. Autor. II. Ttulo.

    CDD 370.1523

  • GISELI DONADON GERMANO

    Perfil de escolares com dislexia, dificuldades e distrbio de aprendizagem em

    tarefas de habilidades metafonolgicas: Elaborao de instrumento avaliativo.

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade

    Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Campus Marilia SP, para obteno

    do ttulo de Doutor em Educao.

    Banca Examinadora

    __________________________________________

    Prof Dra Simone Aparecida Capellini. Presidente e Orientadora.

    Universidade Estadual Paulista. UNESP FFC/Marlia - SP

    ____________________________________________

    Prof Clara Regina Brando de vila. Examinadora.

    Universidade Federal de So Paulo. UNIFESP SP

    _____________________________________________

    Prof Eliane Giavetto Saravalli. Examinadora.

    Universidade Estadual Paulista. UNESP FFC/Marlia - SP

    _____________________________________________

    Prof Helena Bolli Mota. Examinadora.

    Universidade Federal de Santa Maria. UFSM RS.

    ______________________________________________

    Prof Tnia Moron Saes Braga. Examinadora.

    Universidade Estadual Paulista. UNESP FFC/Marlia - SP

  • A Deus e aos meus pais, Dirce e Antnio,

    que sempre estiveram do meu lado,

    incondicionalmente.

  • AGRADECIMENTOS

    ______________________________________________________________

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus, pela fora e proteo durante todo esse

    trajeto.

    Tambm agradeo a minha famlia, meus pais, irmos e sobrinhos, pelo

    apoio, encorajamento e carinho. Ao meu noivo Gabriel, que sempre compreendeu

    meus sonhos e se fez presente em todas as horas, trazendo incentivo, amor e

    conforto.

    A professora Dra Simone Aparecida Capellini, exemplo e inspirao de

    profissionalismo e vida, pela oportunidade, amizade e por ter acreditado em meu

    trabalho, dando ensinamentos que sero guardados por toda a vida.

    Ao meu amigo Fbio Henrique Pinheiro, de carter e competncia

    inquestionveis, parceiro de muitas horas de produes e de piadinhas, pelo

    verdadeiro valor da amizade.

    As amigas Vera e Cludia, pelo carinho e horas compartilhadas. Aos demais

    amigos do grupo de pesquisa Linguagem, Aprendizagem e Escolaridade.

    Ao professor Loureno Chacon Jurado Filho pelas preciosas contribuies

    que possibilitaram a realizao desse estudo.

    Aos membros examinadores das bancas de qualificao e defesa, Prof Clara

    Regina Brando de vila, Prof Eliane Giavetto Saravalli, Prof Helena Bolli Mota e

    Prof Tnia Moron Saes Braga, pelas valiosas sugestes, contribuindo ainda mais

    para esse estudo.

    A todos os pais e alunos que concordaram em participar desse estudo pela

    colaborao.

    Aos funcionrios da escola EMEF Prof Ceclia Guelpa, do Centro de

    Estudos da Educao e Sade CEES/FFC/UNESP-Marlia-SP e do Ambulatrio de

    Neurologia Infantil Desvios da Aprendizagem do Hospital das Clnicas da

    Faculdade de Medicina FM/UNESP Botucatu SP, pela ateno e colaborao.

    Enfim, a todos que tornaram meu sonho realidade, meu eterno

    agradecimento.

  • Se podemos sonhar, podemos torn-

    lo realidade. Sempre se lembre que

    tudo comeou com um sonho e um

    rato...

    Walt E. Disney

  • RESUMO

    ___________________________________________________________________

  • RESUMO

    GERMANO, G.D. Perfil de escolares com dislexia, dificuldades e distrbio de

    aprendizagem em tarefas de habilidades metafonolgicas: Elaborao de um

    instrumento avaliativo. 2011, 254 f. Tese (doutorado) Ps-graduao em

    Educao. Universidade Estadual Paulista. UNESP. FFC/ Marlia SP

    A falha no desenvolvimento de habilidades metafonolgicas prejudica a

    aprendizagem da leitura e escrita e, conseguintemente, a formao do leitor

    proficiente. Esta pesquisa apresentou-se na forma de dois estudos: Estudo 1, com o

    objetivo de elaborar um instrumento de avaliao das habilidades metafonolgicas;

    Estudo 2, com objetivos de aplicar tal instrumento em escolares do 3 ao 5 ano do

    ensino fundamental, de ambos os gneros, com idade entre 7 a 13 anos de idade,

    com dislexia do desenvolvimento (GI, n=20), transtornos de aprendizagem (GII,

    n=20), dificuldade de aprendizagem (GIII, n= 20) e com bom desempenho

    acadmico (GIV, n = 74). Os resultados analisados estatisticamente revelaram

    desempenho inferior na maioria das provas elaboradas (com exceo de sntese e

    anlise de slabas para GI e GII, evidenciando que o dficit fonolgico destes

    escolares permanece apesar do aumento da seriao escolar desses grupos;

    sntese e anlise silbica e fonmica para GIII nos 3, 4 e 5 anos, sugerindo uma

    falha na instruo acadmica quanto ao ensino da base fonolgica do sistema de

    escrita alfabtico do portugus); desempenho inferior para GIV apenas no 3 ano. GI

    diferenciou-se de GII somente pela prova de sntese e anlise fonmica, de GIII

    pelas provas de deleo e combinao de fonema e de GIV pelas provas de

    contagem de slaba e de fonema, sntese e anlise de fonema, identificao de

    slaba e de fonema,rima, aliterao, deleo de slaba e de fonema, combinao de

    slaba e de fonema. GII diferenciou-se de GIII pelas provas de sntese e anlise de

    fonema, identificao de fonema, rima, aliterao, deleo de slaba e de fonema,

    combinao de slaba e de fonema, e de GIV todas as provas, exceto sntese e

    anlise silbica. GIII diferenciou-se de GIV pelas provas de contagem de fonema,

    identificao de slaba e de fonema, rima, deleo de slaba e combinao de slaba

  • e de fonemas. Conclumos que o instrumento elaborado no estudo 1 colaborou para

    comparar e caracterizar os escolares com diferentes comprometimentos em

    aprendizagem, o que pode vir a ser um instrumento de auxlio tanto os profissionais

    da sade quanto os da educao no estabelecimento do perfil de dificuldades em

    habilidades metafonolgicas. Tambm conclumos que o presente estudo

    possibilitou caracterizar o desempenho dos escolares em relao ao seu perfil

    diagnstico e a seriao e tambm comparar o desempenho dos escolares em

    relao s provas de habilidades metafonolgicas.

    Palavras Chave: Avaliao. Aprendizagem. Dislexia. Transtornos de

    Aprendizagem.

  • ABSTRACT

    ___________________________________________________________________

  • ABSTRACT

    GERMANO, G.D. Profile of students with dyslexia, learning disabilities and

    difficulties in tasks involving phonological skills: Developing an evaluation

    instrument. 2011, 254 f. Tese (doutorado) Ps-graduao em Educao.

    Universidade Estadual Paulista. UNESP. FFC/ Marlia SP

    Failure on the development of phonological abilities affects the learning of reading

    and writing and, consequently, the education of the proficient reader. This research

    was presented in the form of two studies: Study 1, with the aim of developing an

    assessment instrument of phonological skills; Study 2, with the aim of applying such

    an instrument in students from 3rd to 5th grades of elementary school, both genders,

    aged between 7-13 years old with developmental dyslexia (GI, n = 20), learning

    disabilities (GII, n = 20), learning difficulties (GIII, n = 20) and good readers (GIV, n =

    74). The results were statistically analyzed and showed lower performance in most of

    the tests (except for analysis and synthesis of syllables for GI and GII, showing that

    the phonological deficits of these students remain despite the increased academic

    ranking of those groups; syllabic and phonemic synthesis and analysis for GIII in 3rd,

    4th and 5th grades, suggesting a failure of academic instruction in teaching the

    phonological basis of the Portuguese alphabetic writing system); and lower

    performance of GIV only for 3rd graders. GI differed from GII only in phonemic

    analysis and synthesis tests, from GIII for combination and deletion of phoneme and

    from GIV for syllable and phoneme count, synthesis and analysis of phoneme,

    identification of syllable and phoneme, rhyme, alliteration, syllable and phoneme

    deletion and combination. GII differed from GIII for synthesis and analysis of

    phoneme, phoneme identification, rhyme, alliteration, syllable and phoneme deletion,

    combination of syllable and phoneme, and from GIV in all the tests, except for

    syllable synthesis and analysis. GIII differed from GIV for phoneme counting,

    identification of syllable and phoneme, rhyme, deletion and combination of syllables

    and phonemes. We conclude that the instrument developed in Study 1 helped to

    characterize and compare the students with different impairments in learning, which

    might be a helpful instrument for both health and education professionals in

  • establishing the profile of difficulties in phonological skills. We also conclude that this

    study has enabled characterization of the performance of students in relation to their

    diagnosis and grade and also compare the performance of students in relation to the

    tests of phonological skills.

    KEYWORDS: Evaluation. Learning. Dyslexia. Learning Disabilities.

  • LISTA DE FIGURAS E QUADROS

    ______________________________________________________________

  • LISTA DE FIGURAS E QUADROS

    FIGURA 1 Modelo de processamento cognitivo (PINHEIRO, 1994) 31

    FIGURA 2 Representao do continuum das habilidades metafonolgicas 34

    FIGURA 3 Modelo da primeira parte do Caderno de Questes 91

    FIGURA 4 Exemplo de um item de prova do Caderno de Respostas 92

    FIGURA 5 Representao de uma prova do Caderno de Repostas -

    verso 2.

    101

    FIGURA 6 Modelo da prova de rima da segunda verso do instrumento. 106

    FIGURA 7 Modelo da prova de rima da verso de aplicao do

    instrumento.

    106

    QUADRO 1 Relao dos instrumentos de avaliao, descrio e seus

    respectivos autores mais referidos na literatura nacional e

    internacional.

    57

    QUADRO 2 Provas de habilidades metafonolgicas que foram elaboradas

    e aplicadas nos grupos GI, GII, GIII e GIV.

    86

    QUADRO 3 Relao entre provas do instrumento e as palavras excludas

    pelo critrio de ditongo e hiato.

    96

    QUADRO 4 Relao entre provas do instrumento e palavras excludas pelo

    critrio de nasalidade.

    97

    QUADRO 5 Relao entre alvo, palavra excluda e palavra corrigida pela

    regra da tonicidade nas provas de identificao de slaba e de

    fonema

    98

    GRFICO 1 Classificao dos grupos GI, GII, GIII e GIV em desempenho

    inferior, mdio e superior distribudos em freqncia nas

    provas de habilidades metafonolgicas

    165

  • LISTA DE TABELAS

    ______________________________________________________________

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Tamanho da amostra estimado. 115

    TABELA 2 Descrio dos sujeitos dos grupos GI, GII, GIII e GIV, em relao a

    gnero, idade e seriao

    116

    TABELA 3 Distribuio da freqncia de escolares dos grupos GI, GII, GIII e

    GIV segundo gnero e escolaridade.

    124

    TABELA 4 Resultados do desempenho dos escolares do 3 ano do ensino

    fundamental dos Grupos GI, GII, GIII e GIV em relao s provas

    de habilidades metafonolgicas

    124

    TABELA 5 Resultados do desempenho dos escolares do 4 ano do ensino

    fundamental dos Grupos GI, GII, GIII e GIV em relao s provas

    de habilidades metafonolgicas.

    127

    TABELA 6 Resultados do desempenho dos escolares do 5 ano do ensino

    fundamental dos Grupos GI, GII, GIII e GIV em relao s provas

    de habilidades metafonolgicas.

    129

    TABELA 7 Comparao do desempenho entre os escolares dos grupos GI,

    GII, GIII e GIV do 3 ano do ensino fundamental em relao s

    provas de habilidades metafonolgicas.

    132

    TABELA 8 Comparao do desempenho entre os escolares dos grupos GI,

    GII, GIII e GIV do 4 ano do ensino fundamental em relao s

    provas de habilidades metafonolgicas.

    134

    TABELA 9 Comparao do desempenho entre os escolares dos grupos GI,

    GII, GIII e GIV do 5 ano do ensino fundamental em relao s

    provas de habilidades metafonolgicas.

    136

    TABELA 10 Comparao do desempenho entre os grupos GI, GII, GIII e GIV

    em relao s provas de habilidades metafonolgicas.

    138

    TABELA 11 Comparao do desempenho entre os grupos GI, GII, GIII e GIV s

    provas de habilidades metafonolgicas.

    140

    TABELA 12 Resultados da comparao entre as provas de habilidades silbicas

    e fonmicas em relao ao desempenho dos escolares de GI.

    142

    TABELA 13 Resultados da comparao entre as provas de habilidades silbicas

    e fonmicas em relao ao desempenho dos escolares de GII.

    144

  • TABELA 14 Resultados da comparao entre as provas de habilidades silbicas

    e fonmicas em relao ao desempenho dos escolares de GIII.

    145

    TABELA 15 Resultados da comparao entre as provas de habilidades silbicas

    e fonmicas em relao ao desempenho dos escolares de GIV.

    146

    TABELA 16 Correlao entre as provas de habilidades silbicas de contagem

    de slaba e o desempenho dos escolares de GI, GII, GIII e GIV.

    148

    TABELA 17 Correlao entre as provas de habilidades silbicas e o

    desempenho dos escolares de GI.

    150

    TABELA 18 Correlao entre as provas de habilidades silbicas e o

    desempenho dos escolares de GII.

    151

    TABELA 19 Correlao entre as provas de habilidades silbicas e o

    desempenho dos escolares de GIII.

    153

    TABELA 20 Correlao entre as provas de habilidades silbicas e o

    desempenho dos escolares de GIV.

    154

    TABELA 21 Classificao das correlaes entre as provas de habilidades

    silbicas dos escolares dos grupos GI, GII, GIII e GIV, conforme

    proposto por Zou, Tuncall e Silvermann (2003).

    155

    TABELA 22 Correlao entre as provas de habilidades fonmicas para o

    desempenho dos escolares dos grupos GI, GII,GIII e GIV.

    156

    TABELA 23 Correlao entre as provas de habilidades fonmicas para o

    desempenho dos escolares dos grupos GI

    158

    TABELA 24 Correlao entre as provas de habilidades fonmicas de contagem

    de fonema para o desempenho dos escolares dos grupos GII.

    159

    TABELA 25 Correlao entre as provas de habilidades fonmicas para o

    desempenho dos escolares dos grupos GIII.

    161

    TABELA 26 Correlao entre as provas de habilidades fonmicas para o

    desempenho dos escolares dos grupos GIV.

    162

    TABELA 27 Classificao das correlaes entre as provas de habilidades

    fonmicas dos escolares dos grupos GI, GII, GIII e GIV, conforme

    proposto por Zou, Tuncall e Silvermann (2003).

    163

    TABELA 28 Desempenho dos escolares de GI, GII, GIII e GIV em relao

    prova de contagem de slaba (CgS) para a classificao dos

    sujeitos.

    164

  • TABELA 29 Classificao em desempenho inferior, mdio e superior em relao

    entre as provas de habilidades metafonolgicas

    165

    TABELA 31 Desempenho dos escolares dos grupos GI, GII, GIII e GIV,

    classificados em desempenho inferior, mdio e superior em relao

    s provas de habilidades metafonolgicas

    166

    TABELA 33 Classificao em desempenho inferior, mdio e superior dos

    escolares de GI, GII, GIII e GIV em relao s provas de

    habilidades metafonolgicas ao longo do 3, 4 e 5 anos.

    169

  • SUMRIO

    ______________________________________________________________

  • SUMRIO

    1.0 Introduo 23

    2.0 Reviso da literatura 27

    2.1 Aprendizagem da leitura e da escrita no sistema alfabtico e as

    habilidades metafonolgicas

    28

    2.2 Instrumentos de avaliao das habilidades metafonolgicas e os

    problemas de aprendizagem

    54

    2.3 Dificuldades de aprendizagem 58

    2.4 Transtornos de aprendizagem 63

    2.5 Dislexia do desenvolvimento 70

    3.0 Estudo 1: elaborao de um instrumento de avaliao das

    habilidades metafonolgicas.

    81

    3.1 Objetivo 82

    3.2 Material e mtodo 82

    3.3 Estudo Piloto 102

    3.4 Resultados e Discusso 104

    3.5 Concluso 110

    4.0 Estudo 2: Aplicao das provas de avaliao de habilidades

    metafonolgicas em escolares com dislexia do desenvolvimento,

    distrbio de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem e bom

    leitor.

    111

    4.1 Objetivos 112

    4.2 Mtodo 112

    4.3 Resultados 123

    4.4 Discusses 171

    5.0 Concluso 181

    6.0 Referncias 185

    APNDICES

    ANEXOS

  • 23

    1 INTRODUO

    ______________________________________________________________

  • 24

    So inmeros os problemas de aprendizagem que podem interferir no

    desempenho escolar da criana. Na busca por um diagnstico fonoaudiolgico

    correto que possa contribuir para minimizar o impacto destes problemas no processo

    de alfabetizao do escolar, deparamo-nos com vrios obstculos como: o tipo de

    instrumento de avaliao escolhido, os diferentes mtodos de alfabetizao, as

    confuses terminolgicas que ocorrem entre os profissionais ligados ao sistema

    educacional e, principalmente, os inmeros encaminhamentos de escolares com

    queixas de aprendizagem ao sistema de sade.

    O uso de termos como distrbios, transtornos, dificuldades e problemas de

    aprendizagem tem sido empregado de forma aleatria, tanto na literatura

    especializada como na prtica clnica e educacional.

    Como base no exposto acima, neste estudo iremos considerar as dificuldades

    de aprendizagem como obstculos ou barreiras encontrados por escolares durante o

    perodo de alfabetizao referentes captao ou assimilao dos contedos

    propostos, ou seja, os escolares falham na aprendizagem da leitura e escrita devido

    a deficincia dos contedos propostos ou fatores scio-econmico-culturais.

    Tambm consideraremos que os escolares com transtornos de

    aprendizagem, tambm denominados de distrbios de aprendizagem, sero

    caracterizados como aqueles com desordens neurobiolgicas que interferem no

    processamento da informao cognitiva que acarretam alm das dificuldades

    acadmicas, dificuldades sociais e emocionais. Alm disso, estes escolares

    apresentam dificuldade em memria de trabalho resultando na dificuldade de

    coordenar processos cognitivos (percepo, memria, linguagem, ateno) com

    habilidades de linguagem (fonologia, sintaxe e semntica) para a realizao de

    atividades de leitura e de escrita.

    E, finalmente, a dislexia, de origem gentica-neurolgica, caracterizada pela

    dificuldade com a fluncia correta na leitura e na habilidade de decodificao e

    soletrao, resultantes do dficit no componente fonolgico da linguagem.

    Entretanto, todas essas definies brevemente abordadas sero detalhadas e

    aprofundadas no captulo reviso de literatura.

    Assim, em meio aos problemas de aprendizagem, acima descritos, torna-se

    difcil reconhecer e identificar quem so os escolares que apresentam desempenho

    abaixo do esperado em atividades de leitura, escrita e clculo-matemtico por serem

  • 25

    maus leitores ou por apresentarem falhas no desenvolvimento nestas atividades por

    alteraes cognitivo-lingusticas decorrentes de transtornos de aprendizagem

    especfico, como a dislexia ou transtornos de aprendizagem global como o distrbio

    de aprendizagem.

    Sendo assim, esse estudo partiu da hiptese de que o desempenho

    metafonolgico de escolares com diferentes comprometimentos de aprendizagem

    pode ser diferente. Assim, os escolares com dislexia do desenvolvimento,

    dificuldades e transtornos de aprendizagem, segundo a hiptese deste estudo,

    apresentariam desempenhos distintos. Isto , partindo-se do pressuposto que os

    escolares com dislexia e transtornos de aprendizagem apresentariam

    comprometimentos em um maior nmero de itens metafonolgicos do que os

    escolares com dificuldades de aprendizagem e escolares com bom desempenho

    acadmico.

    Com base na hiptese acima, esta pesquisa foi composta por dois estudos: o

    estudo 1 foi referente elaborao de um instrumento de avaliao das habilidades

    metafonolgicas, que tem por objetivo elaborar um instrumento de avaliao de

    habilidades metafonolgicas para escolares do 3 ao 5 ano do ensino fundamental.

    A proposta deste instrumento de avaliao era de que fosse possvel a

    aplicao do mesmo tanto para professores em sala de aula, como para outros

    profissionais da sade em clnicas ou centros de atendimentos. Ressaltamos ainda

    que este estudo optou pelo uso de figuras que representassem palavras,

    privilegiando o uso do processamento fonolgico pelo escolar. A utilizao da figura

    tem como finalidade servir de apoio ao escolar avaliado e diminuir a interferncia do

    avaliador durante a aplicao do instrumento. Alm disso, a escolha de estmulos

    com figuras deveu-se ao fato de os mesmos servirem de exemplo de pronncia dos

    fonemas e slabas do procedimento para os avaliadores.

    O estudo 2 foi referente aplicao dessas provas de avaliao de

    habilidades metafonolgicas em escolares com dislexia do desenvolvimento,

    transtornos de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem e com bom desempenho

    acadmico que tem como objetivos caracterizar o desempenho de escolares do 3

    ao 5 ano do ensino fundamental com bom desempenho acadmico, com dificuldade

    de aprendizagem, com o diagnstico de transtornos de aprendizagem e de dislexia

    do desenvolvimento na avaliao de habilidades metafonolgicas; e comparar o

  • 26

    desempenho de escolares com bom desempenho acadmico com os escolares com

    dificuldades de aprendizagem, com os escolares com transtornos de aprendizagem

    e com os escolares com dislexia do desenvolvimento, quanto avaliao de

    habilidades metafonolgicas.

    A partir da reviso da literatura que fundamentou esta pesquisa, os dois

    estudos sero apresentados, sendo cada um deles composto por objetivos, material

    e mtodo, resultados e discusso. A concluso da pesquisa apresentar os itens

    conclusivos dos dois estudos.

  • 27

    2 REVISO DA LITERATURA

    ______________________________________________________________

  • 28

    2.1 APRENDIZAGEM DA LEITURA E ESCRITA EM UM SISTEMA DE

    ESCRITA ALFABTICO E AS HABILIDADES METAFONOLGICAS.

    O tema aprendizagem vem sendo estudado h dcadas por diversas reas

    cientificas, sendo razes de controvrsias entre vrias teorias. Dentre elas, pde-se

    definir mais claramente a aprendizagem como um processo evolutivo, constante,

    que implica uma sequncia de modificaes observveis e reais no comportamento

    do indivduo, de forma global (fsico e biolgico), e do meio que o rodeia (atuante e

    atuado), onde esse processo se traduz pelo aparecimento de formas realmente

    novas compromissadas com o comportamento (POPPOVIC, 1968).

    PFromm (1987) tambm definiu a aprendizagem como uma atividade

    individual que se desenvolve dentro de um sistema nico e contnuo, operando

    sobre todos os dados recebidos e tornando-os revestidos de significado.

    Ciasca (2004) referiu que o interesse sobre a fisiologia da aprendizagem

    nasceu posteriormente a muitas dessas teorias, sugerindo a valorizao dos

    processos neurais. Para a autora, o crebro um sistema complexo que estabelece

    relaes com o mundo que o rodeia por meio de fatores significativos, como a

    especificidade das vias neuronais, que da periferia levam ao crtex informaes

    provenientes do mundo exterior; e, a especificidade dos neurnios, que permitem

    determinar reas motoras, sensoriais, auditivas, pticas, olfativas, etc,

    estabelecendo inter-relaes funcionais exatas e ricas que so de extrema

    importncia para o aprendizado.

    Assim, Rebollo (2004) ressaltou que a aprendizagem um processo que se

    cumpre no Sistema Nervoso Central (SNC), em que se produzem modificaes mais

    ou menos permanentes que se traduzem por uma modificao funcional ou

    conductual, que permite maior adaptao do indivduo ao seu meio (REBOLLO,

    2004).

    Fonseca (1995) referiu que para haver uma aprendizagem satisfatria deve

    haver uma integridade fsica e de funo do SNC. A aprendizagem envolve funes

    como recepo de informaes (sistema sensorial), processamento de informaes

    (codificao, decodificao) e processamentos psicolgicos (percepo, imagem,

    simbolizao e conceitualizao). Est tambm condicionada a vrios fatores que

  • 29

    podem afet-la, tais como fatores neurobiolgicos, scio-culturais e

    psicoemocionais. Os fatores neurobiolgicos so considerados de risco pr e

    perinatais (prematuridade, hipoxia, asfixia neonatal, infeces, baixo peso, anemia,

    etc) os quais podem desencadear leses mnimas no crebro.

    Leonard (2001) afirmou que a linguagem um produto do nosso crebro,

    sendo um comportamento especfico da espcie humana, permeado pelo

    envolvimento biolgico e pelo social.

    Nos estudos dos neurocientistas Dehaene e Cohen (2007), do centro

    Neurospin, Paris, foi descoberto que a linguagem tem representao no crebro

    para proporcionar a leitura. Em seus experimentos, a partir de estmulos visuais

    (textos verbais e no-verbais), dois grupos de pessoas foram examinados por

    ressonncia magntica, sendo um grupo de alfabetizados e o outro de no-

    alfabetizados, possibilitando o pesquisador a no hesitar em informar que o lado

    esquerdo do crebro que ativamos quando lemos, precisamente atrs da orelha, na

    regio occipito-temporal ventral esquerda. Seria, ento, essa a regio ativada no

    momento da leitura pelas as pessoas alfabetizadas, enquanto as no-alfabetizadas,

    ao serem expostas a letras, no ativam esse circuito.

    A linguagem um claro exemplo de uma funo superior do crebro, cujo

    desenvolvimento se sustenta, por um lado, em uma estrutura anatomofuncional

    geneticamente determinada e, por outro lado, por estmulos verbais de seu

    ambiente. Os sistemas funcionais da linguagem so constitudos principalmente por

    um sistema operativo, que ocupa a regio perissilviana do hemisfrio dominante,

    incluindo as reas de Broc e Wernicke e, um sistema semntico que abrange

    grandes extenses corticais de ambos os hemisfrios. Por ltimo, o sistema

    intermedirio, que serve de mediao entre os dois sistemas operacional e

    semntico e o sistema instrumental, formado pelo loop fonolgico (CASTAO,

    2003).

    Corroborando com o exposto, Mulas et al (2006) referiram que a linguagem

    resultado de uma atividade nervosa complexa, a qual inclui estruturas de input

    (processamento sensorial rgos que recebem os estmulos audio e crtex

    temporal), de desempenho (reas de processamento, relacionadas memria e ao

    crtex parietal) e de output (processamento motor ou de execuo e crtex frontal).

    Tais estruturas permitem a comunicao inter-individual (emissor e receptor) dos

  • 30

    estados psquicos atravs da materializao de signos multimodais (fono-

    articulatrio e grfico) que simbolizam estes estados psquicos de acordo com uma

    conveno prpria de uma comunidade lingstica.

    Segundo Joseph, Noble e Eden (2001), vrias pesquisas tm atribudo o

    processamento da linguagem s reas em volta da fissura silviana, conhecida como

    rea perissilviana. Uma dessas reas, o crtex temporoparietal, recebe projees de

    informaes visuais e auditivas. A rea posterior superior, giro temporal ou rea de

    Wernicke, est associada variedade de funes lingsticas, envolvendo a

    compreenso e o reconhecimento auditivo da palavra. A parte inferior do parietal

    (giro supramarginal e angular) foi associada compreenso da linguagem escrita e

    oral.

    Historicamente, os primeiros estudos sobre o sistema neurolgico da

    aprendizagem de leitura foram realizados por Dejarine em 1891, o qual indicou como

    fundamental a regio posterior do crebro (incluindo o girus angular e supramarginal

    do lbulo parietal inferior, e a parte posterior do girus temporal superior). J em

    1892, Dejarine tambm descreveu a regio occipito-temporal, a parte mais ventral,

    que tambm influenciava na leitura e na escrita (SHAYWITZ; SHAYWITZ, 2005).

    Para Dejarine, citado em estudo de Joseph, Noble e Eden (2001), o giro

    angular seria o lugar da palavra escrita. O lbulo frontal tambm participa no

    processamento da linguagem, mais notadamente na parte do giro frontal interior ou

    na rea de Broca, e no crtex dorsolateral do pr-frontal. Essas reas foram

    relacionadas organizao, manipulao e produo da linguagem, assim

    como da gramtica e da sintaxe. Tais reas apresentam uma rede de conexes

    responsveis pela total coerncia do sistema de linguagem. Apesar da importncia

    do hemisfrio esquerdo na linguagem, as estruturas anlogas do hemisfrio direito e

    do cerebelo tambm apresentam participao nesse processo.

    A leitura e a escrita so atividades complexas compostas por mltiplos

    processos interdependentes. O reconhecimento e a produo de palavras escritas,

    em um sistema alfabtico de escrita, podem ocorrer por meio de um processo visual

    direto (rota lexical) ou atravs de um processo envolvendo mediao fonolgica (rota

    fonolgica), conforme os modelos de leitura e de escrita de Dupla Rota,

    representado na Figura 1 (PINHEIRO, 1994; ELLIS, 1995).

  • 31

    Palavra Falada Palavra Escrita

    Sistema de Anlise Acstica Sistema de Anlise Visual

    Cod. Acst. Cod. Let (rota fonolgica)

    Sistema Auditivo de (rota lexical) Sistema Visual de

    Reconhecimento da Palavra Reconhecimento da Palavra

    Sistema Semntico V1

    Cdigo Semntico Sistema de

    V2 Corresp G-F

    Sistema de Produo Fonmica da Palavra

    Cdigo Fonmico Construo Fonmica

    Memria Fonmica

    Pronncia

    Figura 1. Modelo de reconhecimento visual e fonolgico de compreenso e de pronncia de palavras isoladas, sendo que a linha contnua representa o processo de reconhecimento e compreenso de palavras faladas de rota visual (V1) e rota lexical (V2), e a linha pontilhada representa a rota fonolgica (PINHEIRO, 1994, pg 23)

    De acordo com esse modelo de Pinheiro (1994), a linha contnua representa

    as ondas sonoras da fala, que so recebidas pelo ouvido e convertidas em um

    cdigo acstico pelo Sistema de Anlise Acstica. A seguir, este cdigo

    transmitido ao Sistema auditivo de Reconhecimento Auditivo de Palavras, que

    contm todas as palavras pertencentes ao vocabulrio falado e verifica se o cdigo

    auditivo recebido ativar sua unidade particular de reconhecimento, ativando, assim,

    o seu significado no Sistema Semntico.

    Ainda no mesmo modelo, para o reconhecimento da palavra escrita, o

    primeiro processo envolvido, independentemente da rota usada, o de identificao

    das letras que a compem no Sistema de anlise visual, que identifica letra por letra

    (crtex visual occipital), envolvendo a anlise dos estmulos de letra e palavra a

    fim de distingui-los de outros padres visuais. Em sequncia, ocorre o

    processamento ortogrfico (regio temporal e parietal), indicando por quais so as

  • 32

    letras que formam as palavras e a ordem que ocorrem (JOSEPH; NOBLE; EDEN,

    2001).

    Em seguida, o cdigo de letras traduzido pelo Sistema de Correspondncia

    Grafema-Fonema, indicados pela linha pontilhada. As formas fonmicas formadas

    so mantidas em forma pr-articulatria na Memria Fonmica, identificadas pelo

    Sistema Auditivo de Reconhecimento de Palavras. Logo aps, o significado e a

    pronncia tornam-se disponveis. Tal processo chamado de Pr-lexical, ou seja,

    um processo em que a pronncia da palavra obtida antes de ser reconhecido pelo

    lxico e significado (PINHEIRO, 1994).

    A autora referiu que quando a palavra torna-se familiar, por meio de

    exposies repetidas, forma-se uma unidade de reconhecimento visual em Sistema

    Visual de Reconhecimento. A ativao do significado ocorre no Sistema Semntico,

    que ativar o cdigo de produo de fala no Sistema de Produo Fonmica, j

    descrito anteriormente. Supe-se que a leitura visual possa ocorrer pela rota direta

    ou lexical para o significado (representado por V1 na Figura 1) ou a informao

    fonolgica acessada pelo sistema visual (representado por V2 na Figura 1).

    A leitura pela rota fonolgica depende da utilizao do conhecimento das

    regras de converso entre grafema e fonema para que a construo da pronncia da

    palavra possa ser efetuada. criado, ento, um cdigo fonolgico, sendo este

    identificado pelo sistema de reconhecimento auditivo de palavras, liberando o

    significado da palavra. A leitura pela rota lexical depende do reconhecimento de uma

    palavra previamente adquirida e memorizada no sistema de reconhecimento visual

    de palavras e na recuperao do significado e da pronncia dessa palavra por meio

    de endereamento direto ao lxico, sendo esta pronncia obtida como um todo.

    Assim, palavras de diferentes nveis de regularidade alfabtica podem ser lidas sem

    problemas (PINHEIRO, 1994).

    Devido sua importncia na aprendizagem da leitura e da escrita, a relao

    entre a conscincia fonolgica e a leitura e escrita vem sendo documentada pela

    literatura h pelo menos 30 anos. O pressuposto de que, em sistemas alfabticos, a

    aprendizagem de habilidades como a leitura e a escrita implica uma reflexo

    deliberada da fala, a fim de que esta se torne objeto de sua ateno consciente e

    possibilite o desenvolvimento da conscincia metalingstica, tem sido um consenso

    entre diversos autores (BRADLEY; BRYANT, 1983; BARRERA; MALUF, 2003).

  • 33

    O termo fonologia, originado do grego, significando voz ou som. Assim, o

    processamento fonolgico refere-se ao uso do sistema sonoro da linguagem para

    processar informaes orais e escritas, incluindo a sensitividade aos segmentos

    sonoros da linguagem oral. So unidades de representaes mentais (SNOWLING,

    1995; ARCHIBALD, 2009).

    De acordo com Gombert (1992), h uma progresso no desenvolvimento das

    habilidades fonolgicas. Esta evoluo ocorre de um conhecimento implcito

    (habilidades epifonolgicas) para um conhecimento explcito (habilidades

    metafonolgicas). As habilidades epifonolgicas podem ser avaliadas por testes que

    exigem um conhecimento mnimo dos segmentos fonolgicos. J as habilidades

    metafonolgicas aparecem nos pr-escolares que passam a ter capacidade de

    manipular elementos fonolgicos de modo intencional e podem ser avaliadas por

    provas de identificao e produo das unidades sonoras da fala.

    Cervera-Mrida e Ygual-Fernndez (2003) tambm relataram que o

    desenvolvimento das habilidades fonolgicas ocorre em progresso, sendo dividido

    em quatro momentos e iniciando logo nos primeiros meses de vida da criana. O

    primeiro momento seria uma etapa sem fonologia, caracterizada pela fase de

    balbucio da criana em que ela realiza a discriminao de sons da lngua e de

    maturao das estruturas biolgicas de percepo e produo da fala.

    O segundo momento seria entre seis meses a um ano de idade, com a

    produo de palavras isoladas e a produo dos primeiros fonemas consonantais

    (/p/, /m/, /t/, /k/) e vogais (/a/, /i/, /u/). O terceiro momento ocorre entre os 18 e 24

    meses de idade quando ocorrem as produes de frases simples e a criana de

    desenvolvimento normal adquire emisses inteligveis pelo adulto.

    Finalmente, o quarto e ltimo momento, entre 4 e 6 anos de idade, a criana

    consegue identificar e produzir quaisquer sequncias de fonemas conhecidas ou

    no com ou sem significado. Nesta fase tambm se desenvolvem, juntamente com a

    aprendizagem da leitura e da escrita, as habilidades metafonmicas.

    Chard e Dickson (1999) tambm referiram que as habilidades

    metafonolgicas parecem se desenvolver num continuum da rima segmentao

    (FIGURA 2). Tipicamente, escolares desenvolvem a habilidade de segmentar

    palavras em onset (consoantes iniciais) e rima (vogais e consoantes finais) durante a

    pr-escola, passando segmentao de palavras em fonemas no perodo entre a

  • 34

    pr-escola e a primeira srie. Assim, a maioria dos escolares da primeira srie

    apresenta um melhor desempenho nas medidas de onset e rima, enquanto a maioria

    dos escolares da pr-escola tem um desempenho inferior nas tarefas de

    segmentao fonmica.

    Para os autores, desenvolver a conscincia fonolgica significa ter o

    conhecimento de manipular os segmentos. a percepo de que as palavras

    faladas representam sequncias de fonemas, os quais se alterados podem mudar o

    seu significado. a percepo de que frases podem ser divididas em palavras,

    palavras em slabas, fonemas, rimas ou aliterao. Assim, a conscincia fonolgica

    refere-se ateno que o indivduo faz para acessar a construo sonora de uma

    linguagem oral e pode ser notada, como por exemplo, na realizao de testes de

    deleo, adio ou subtrao de slabas/ fonemas.

    ATIVIDADES

    COMPLEXAS

    Combinao/

    segmentao de

    fonemas

    Onset/ rima e

    combinao/

    segmentao

    ATIVIDADES

    MENOS

    COMPLEXAS

    Combinao/

    segmentao

    silbica

    Segmentao de

    sentena

    Rimas

    FIGURA 2: Representao do continuum das habilidades metafonolgicas (CHARD; DICKSON,

    1999).

    As unidades de representaes mentais so categorizaes fonolgicas da

    linguagem e se iniciam na infncia quando a criana usa sua capacidade analtica

    para analisar os sinais da fala, separando-os nos seus segmentos e formando

    categorias a partir da identificao dos agrupamentos fonticos destes segmentos.

    Essa categorizao ocorre por volta do primeiro ano de vida e ser utilizada na

    aprendizagem de novas palavras nos anos seguintes de sua vida (SWINGLEY,

    2009).

  • 35

    As crianas comeam a pronunciar as primeiras palavras, sem qualquer

    instruo explcita, ao final do primeiro ano de vida e por volta dos trs anos de

    idade j desenvolveram um considervel vocabulrio. Uma das hipteses para

    explicar esse acontecimento seria que essa percepo das estruturas lingusticas do

    som foi moldada pelas propriedades fonolgicas de sua lngua nativa. Assim, elas

    comeam a identificar aspectos globais, como o ritmo e a prosdia de sua

    linguagem, antes mesmo de focar a ateno em unidades menores.

    Consequentemente, elas adquirem o repertrio de vogais e o conhecimento das

    estruturas mtricas e fonotticas (PEPERKAMP, 2003).

    Mas, para a vocalizao de uma palavra h vrios estgios antecedentes que

    a criana deve realizar. Aps a seleo de uma palavra do lxico mental, esta

    dever ser primeiramente codificada fonologicamente, o que consiste em computar

    sua silabao e sua prosdia. Isto seguido por um aumento gradual e etapas

    regulares, pela codificao fontica, que inclui a computao dos gestos

    articulatrios das slabas desta palavra em seu contexto fontico. Finalmente,

    ocorrer a execuo destes gestos pelos sistemas de msculo da laringe e

    supralarngeos, produzindo a realizao acstica da palavra falada (CHOLIN;

    SCHILLER; LEVELT; SCHILLER, 2004; 2006).

    De acordo com os mesmos autores, a primeira operao, a codificao

    fonolgica, corresponde recuperao do cdigo fonolgico da palavra do lxico

    mental, e este cdigo consiste num conjunto ordenado de segmentos fonmicos,

    cujas representaes articulatrias so selecionadas e executadas nas reas de

    Broca ou pr-motora.

    Na evoluo desta codificao fonolgica, Hayes e Slater (2008) referiram

    que a percepo que a criana tem de sua fala muda significativamente na transio

    da segunda metade para o primeiro ano de vida. A capacidade da criana em

    discriminar os sons de sua prpria lngua melhora sensivelmente num processo de

    estreitamento perceptivo, enquanto que a capacidade de discriminar sons de outras

    lnguas diminui. Assim, ela j capaz de segmentar palavra e sensvel a vrios

    contrastes fonolgicos por volta dos sete meses e meio de idade, o que tornar

    possvel que ela aos nove meses de idade atinja a capacidade de segmentar slaba

    em onset (consoantes ou vogais ou agrupamentos de sons em posio inicial da

  • 36

    slaba) e rima (uma vogal obrigatria ncleo e uma coda consoante ou

    consoantes opcionais).

    Assim, os mesmos autores relataram que as crianas j so capazes de

    identificar uma palavra ouvindo apenas a primeira slaba por volta dos 18 meses de

    idade. Esta ateno ao incio da slaba particularmente importante e ocorre devido

    s primeiras produes de fala (balbucio) ser uma tentativa de se aproximar da

    pronncia dos adultos (ateno a sequncia e gestos articulatrios), seguidas da

    compreenso e segmentao das palavras da fala. Desta forma, os autores

    realizaram uma investigao com crianas de trs anos de idade com listas de

    palavras com e sem aliterao, utilizando um instrumento de preferncia auditiva e

    medidas de comparao da quantidade de tempo em que as crianas gastavam

    para escutar cada tipo de lista. Os achados deste estudo evidenciaram que crianas

    com trs meses de idade j so sensveis a onset de slabas.

    Puolakanaho et al (2003) afirmaram que existe uma consistente progresso

    na habilidade de prestar ateno relacionada idade e complexidade das

    unidades lingsticas (de palavras para slabas e finalmente para fonemas). Estudos

    experimentais realizados pelos autores mostraram que 39% de crianas com trs

    anos de idade j dominam a habilidade de combinao de segmentos ao nvel da

    palavra, 25% ao nvel silbico e 21% ao nvel fonmico. J crianas com quatro

    anos de idade realizaram 82%, 70% e 50%, respectivamente. Alm disso,

    ressaltaram que os resultados destes tipos de testes devem considerar a

    familiaridade das palavras e posio do alvo (slaba ou fonema) dentro da palavra.

    Conforme esse desenvolvimento de percepo e produo de fala vai

    ocorrendo, a sua capacidade de realizar julgamentos sobre pequenos segmentos

    fonolgicos aumenta. A criana que j era capaz de isolar e identificar unidades

    maiores como slabas, tambm o faz com rimas. Por definio, a rima representa

    unidades denominadas unidades intra-silbicas e, em termos de tamanho, ficariam

    entre a slaba e fonemas finais (BRYANT et al., 1990; ANTONY et al., 2005).

    Bryant e Bradley (1985), Goswami (1988), Gombert (1992) e Rappaport

    (1993) destacaram a rima como uma habilidade que est presente em crianas com

    trs anos de idade. Tanto a rima quanto a aliterao so consideradas habilidades

    fonolgicas iniciais e ambas iro colaborar para o aparecimento da conscincia

    fonmica, crucial para a aprendizagem da leitura e da escrita, pois colaboram para

  • 37

    que a criana perceba que as palavras podem compartilhar segmentos sonoros

    idnticos.

    Assim, antes mesmo de ingressar na pr-escola, as crianas j possuem

    algumas habilidades e uma noo de linguagem bsica (deteco, produo de

    rimas e aliterao) e apresentam habilidades emergentes de leitura e de escrita

    formuladas pelas diversas experincias de suas vidas. Essas experincias

    contribuem para que elas adquiram um vocabulrio receptivo, habilidades

    fonolgicas, compreenso e produo de estrias narrativas (HAYES; SLATER,

    2008; MANZ et al, 2010).

    Para verificar esta relao entre a rima e a aprendizagem da leitura, Bradley e

    Bryant (1983) investigaram crianas com idade entre 4 e 5 anos de idade em tarefas

    de identificao de rimas antes de serem alfabetizadas. Os autores dividiram os

    sujeitos em dois grupos, sendo que o grupo que obteve menor pontuao recebeu

    treinamento especfico sobre manipulao de rimas e aliteraes, enquanto o outro

    grupo recebeu um treinamento sobre classificao semntica. Os resultados

    demonstraram que o primeiro grupo passou a ter bons nveis de conscincia

    fonolgica. Os autores concluram que a conscincia fonolgica estaria relacionada

    a um bom desempenho em leitura posteriormente.

    Com isso, estudos de Bradley e Bryant (1983) e Byrne (1988) chegaram a

    importante concluso de que crianas no alfabetizadas eram incapazes de

    descobrir o princpio alfabtico sem instruo explcita das correspondncias

    grafama-fonema.

    Deste modo, tarefas que requerem a identificao de fonema (contagem de

    fonema ou deleo de fonemas) estariam relacionadas alfabetizao, sendo j

    observadas nas crianas com seis anos de idade. Por exemplo, a prova de

    contagem de fonema requer que a criana indique o nmero de fonemas de uma

    palavra pronunciada pelo avaliador e a prova de deleo de fonema requer que a

    criana fale a palavra formada aps a retirada de um fonema. Os autores referiram

    que essas tarefas seriam difceis s crianas de at cinco anos de idade (BRYANT

    et al, 1990; GRAY; McCUTCHEN, 2006).

    De forma semelhante, o aprendiz de leitura passa por vrios estgios de

    desenvolvimento. De acordo com Chappell et al (2009), esses estgios envolvem o

    reconhecimento de que sentenas so formadas por palavras, e essas podem

  • 38

    tambm ser desmembradas em slabas, onset e rima. H ainda o reconhecimento

    de que palavras podem ter o mesmo fonema no incio, meio e fim e podem ser

    segmentadas em fonemas ou ainda deletados ou combinados.

    Ao ingressar na escola, a criana se depara com um novo sistema, em que

    precisa utilizar novas regras e voltar sua ateno para elementos at ento

    imperceptveis (CAPELLINI, 2004).

    Esta habilidade de reconhecer os segmentos sonoros dentro das slabas e a

    capacidade de manipular esses fonemas, seja por segmentao ou combinao,

    conhecida como conscincia fonmica e o seu no desenvolvimento prejudica a

    realizao do reconhecimento de palavra e, por conseqncia, o da leitura (CHARD;

    DICKSON, 1999; WAGNER; TORGENSEN; RASHOTTE, 1999).

    As representaes fonmicas armazenadas ativam as formas fonolgicas das

    palavras que, por sua vez, levam ativao das representaes semnticas e

    ortogrficas correspondentes (MORAIS, 1996). O fonema o menor elemento

    constitutivo da cadeia falada que permite distines semnticas, enquanto o grafema

    a referncia grfica de um fonema.

    Alegria, Leybaert e Mousty (1997) destacaram que a tomada de conscincia

    de que a fala possui uma estrutura fonmica subjacente essencial para a aquisio

    da leitura, pois tal estrutura possibilita utilizar um sistema gerativo que converte a

    ortografia em fonologia. Este mecanismo dar condies criana para que ela leia

    qualquer palavra nova, apesar de cometer erros em palavras irregulares.

    Para os autores, apenas o procedimento fonolgico gerativo, isto , capaz

    de permitir a identificao das palavras encontradas pela primeira vez ou palavras

    para as quais no est disponvel uma representao ortogrfica na memria.

    Graas a esta propriedade de gerativismo, a rota fonolgica constitui um elemento

    essencial na aquisio da leitura. Aos poucos, este processo contribuir para a

    criao de uma representao ortogrfica das palavras lidas, as quais podero ser

    lidas diretamente pela rota lexical, isto , sem intermdio da decodificao

    fonolgica.

    Morais, Alegria e Content (1987) que formam o chamado Grupo de Bruxelas,

    referiram que a experincia da alfabetizao tem um papel fundamental na aquisio

    das habilidades fonmicas, pois esto relacionadas descoberta do princpio

    alfabtico, enquanto que a rima no depende da alfabetizao, pois se desenvolve

  • 39

    naturalmente. Atividades como rima, aliterao, sntese e anlise silbica surgem

    antes da alfabetizao formal, enquanto outras habilidades, como segmentao e

    transposio de fonemas so praticamente inexistentes no incio da alfabetizao.

    Ou seja, os escolares devem ter maior facilidade nas tarefas de sntese e anlise

    silbica, passando para manipulao silbica e fonmica (tarefas intermedirias) at

    as tarefas fonmicas.

    Consequentemente, um dos principais passos para aprender a ler em um

    sistema alfabtico o entendimento, consciente, de que as palavras faladas podem

    ser quebradas em sons separados, no apenas no nvel de unidades maiores, como

    as slabas, mas especialmente no mais refinado nvel do fonema (EHRI, 1989;

    MORAIS, 1996; 1998; GEUDENS; SANDRA; BROECK, 2004).

    Esse conhecimento de fonema no emerge espontaneamente, j que os

    fonemas so representaes abstratas dos sons e no existem como elementos

    discretos da fala rpida dos seres humanos. Logo, para realizar uma palavra como

    /pen/ (caneta), formada pelos fonemas /p/, /e/, e /n/, a criana dever encontrar um

    cdigo, ao qual dever se basear. Simultaneamente na aprendizagem da escrita, a

    conscincia fonmica se desenvolve, colaborando com o processo de dominao

    das regras de converso do grafema (smbolos usados para representar um

    conjunto de fonemas em um idioma determinado) ao fonema, desde os mais simples

    aos mais complexos (MORAIS, 1996).

    Em razo da importncia do sistema de escrita alfabtico na aprendizagem,

    muitos estudos evidenciam o benefcio do ensino da conscincia fonolgica na

    alfabetizao (UKRAINETZ et al, 2011). A instruo direta de manipulao de

    fonemas foi considerada parte essencial para tal aprendizagem, principalmente para

    escolares com risco de problemas em leitura. Os autores avaliaram pr-escolares de

    quatro a cinco anos de idade os quais foram submetidos a um programa de

    instrues de conscincia fonolgica, baseados em combinao e segmentao

    fonmica. Os resultados indicaram que houve melhora do desempenho dos pr-

    escolares aps o treino, mesmo sem o ensino de combinao e segmentao

    silbica, evidenciando a sua relao com a escrita.

    A escrita, nesse novo sistema, arbitrrio, a representao da linguagem

    falada que envolve a conscincia fonmica e o conhecimento metalingstico. Deste

    modo, a conscincia fonolgica definida como um entendimento metalingstico da

  • 40

    natureza segmental da fala (FROST et al, 2009), sendo que o conhecimento

    metalingstico se refere habilidade de refletir sobre os componentes da

    construo da linguagem (BETOURNE; FRIEL-PATTI, 2003; VILLAGRN et al,

    2010).

    Enquanto que a leitura um processo que requer tanto sistemas motores e

    sensoriais bsicos, como de componentes ortogrfico, fonolgico e semntico, os

    quais interagem conjuntamente para extrair o significado a partir da escrita. dizer

    que, a leitura requer um processamento visual da palavra escrita (identificao e

    decodificao), seguido da compreenso de que esses smbolos podem se

    fragmentar em seus elementos fonolgicos subjacentes e, posteriormente, extrair o

    significado (LOZANO; RAMREZ; OSTROSKY-SOLIS, 2003).

    Sendo assim, indivduos que no conseguirem realizar uma percepo

    fonolgica, falharo em acessar o significado do texto. Para que ocorra a

    identificao da palavra necessrio ocorrer o processamento ortogrfico

    (identificao das letras), o processamento fonolgico (identificao de partes

    fonolgicas do texto escrito) e, o processamento lxico-semntico (identificao do

    significado da palavra), conforme referido por Tuchman (1999).

    Godoy (2003) tambm ratificou que a leitura um processo cognitivo

    complexo que envolve habilidades especficas (identificao do signo escrito e

    conscincia fonolgica) e habilidades cognitivas mais gerais que tambm servem

    linguagem oral (ateno, memria, capacidade intelectual, competncia lingstica,

    conhecimento enciclopdico e de mundo).

    Assim, definiu-se a conscincia fonolgica, tambm denominada de

    habilidade metafonolgica, como um conjunto de habilidades que deriva da

    capacidade de o sujeito pensar e refletir, conscientemente, sobre a prpria

    linguagem (SCLIAR-CABRAL, 2003a), e Morais (1996, p. 91) a seguir:

    A conscincia fonolgica deve ser distinguida da sensibilidade fonologia. Essa sensibilidade um componente da compreenso da linguagem falada, que permite ao ouvinte reconhecer corretamente, por exemplo, os pronomes adjetivos possessivos franceses mon, ton, son. Meu filho David, quando tinha dois anos e meio e ainda no conhecia sequer uma letra, protestava vigorosamente quando nos ouvia dizer, na Sabia, que iramos visitar Monchavin: No, no ton [teu] chavin, mon [meu] chavin. Ele podia, portanto discriminar entre palavras que s diferem por uma consoante, mas para isso no tinha necessidade de representar o elemento diferente. A conscincia fonolgica, por sua vez, vai alm da discriminabilidade perceptiva, resulta de uma reflexo sobre as propriedades fonolgicas das expresses, mais exatamente ela essa reflexo. (...) Quando David reivindicava ir a son chavin, mostrava que

  • 41

    possua representaes mentais separadas para mon e ton, e que as distinguia. Nenhuma reflexo sobre a forma fonolgica est implicada nesse comportamento.

    Scliar-Cabral (2003a) ainda chamou ateno para a confuso que existe entre

    o conceito de habilidades metafonolgicas e o de sensibilidade fonolgica. O

    primeiro, como referido anteriormente, corresponde a habilidades que derivam da

    capacidade de o sujeito pensar e refletir, e o segundo se refere percepo de

    diferenas em nvel de sinal acstico, como, por exemplo, a discriminao de pares

    de palavras muito semelhantes (chato-jato), os quais se supe, de acordo com a

    autora, serem processos internalizados automaticamente durante a aquisio da

    linguagem. Assim, o conjunto de habilidades metafonolgicas pode ser

    exemplificados pelas habilidades de identificao e produo de rimas, anlise e

    sntese de palavras em nvel silbico e em nvel fonmico, habilidades de adio,

    subtrao e inverso silbica e fonmica.

    Morais (1996) tambm referiu que a leitura hbil ocorre a partir de processos

    especficos e complexos e que sua aprendizagem passa pela descoberta e a

    utilizao do princpio alfabtico de correspondncia entre letras e fonemas.

    Assim, o escolar necessita desenvolver algumas habilidades como a

    decodificao, a identificao de palavra e a compreenso. A decodificao se

    refere capacidade de utilizar as correspondncias letra-som para a leitura de

    palavras. A identificao de palavras envolve o acesso rpido da informao

    fonolgica e semntica para reconhecer palavras familiares e no familiares e, por

    fim, a compreenso da leitura ocorre a partir do conhecimento do assunto e

    competncias narrativas, adicionadas competncia de identificar e de decodificar

    palavras. Todas essas habilidades dependem do conhecimento e do uso da

    informao fonolgica pelas crianas (BETOURNE; FRIEL-PATTI, 2003).

    Somente aps adquirir essas habilidades, o leitor poder alcanar a

    compreenso da linguagem. A compreenso da linguagem vai se desenvolvendo

    conforme a criana evolui em suas diferentes vivncias e ambientes, enquanto que a

    compreenso da leitura baseia-se no conhecimento do significado das palavras, no

    processamento sinttico e nas habilidades inferenciais (VAN DER LELY;

    MARSHALL, 2010).

    Assim, para os mesmos autores, a decodificao de palavras de uma lngua

    de escrita alfabtica requer o conhecimento de fonemas e como esses esto

  • 42

    relacionados s letras, demanda o acesso estrutura fonolgica da palavra. A

    fonologia tem papel central decodificao, enquanto que outros componentes da

    linguagem, como o lxico, a morfologia e a sintaxe, so reas centrais

    compreenso. Esta ligao entre a fonologia, a linguagem e a leitura nos permite

    argumentar em favor de que quando avaliamos crianas com dficits de leitura e

    escrita e/ou riscos para transtornos de aprendizagem, ns devemos privilegiar a

    habilidade fonolgica.

    Para alcanar a compreenso da leitura, a criana adquire o conhecimento da

    significao das palavras quando a mesma se serve de uma estrutura de

    identificao dos padres ortogrficos, o qual permitir relacionar a forma fonolgica

    e ortogrfica das palavras com o seu sistema semntico. Deste modo, a

    representao fonmica como cdigo de fala acontecer no incio da alfabetizao,

    ou seja, para aprender a ler, essencial aprender o cdigo alfabtico e conseguir

    automatizar o processo de converso grafofonolgica (MORAIS, 1996; 1998, CIELO,

    2002; GODOY, 2003; PAULA; MOTA; KESKE-SOARES, 2005).

    Por meio do reconhecimento da palavra ou processamento lexical recorre-se

    ao lxico auditivo que se ligar com o sistema semntico, de onde extrair o

    significado pertinente. Esse processo conduz ao lxico fonolgico e, de novo, ao

    armazm da pronncia para traduzir a palavra escrita em fala e acessar o significado

    dessas mesmas palavras (PINHEIRO, 1994).

    O uso preferencial de uma das rotas de leitura e as possveis relaes com

    compreenso e tempo de leitura foram estudados por Salles e Parente (2002a). A

    leitura de palavras isoladas, a compreenso e o tempo de leitura textual foram

    avaliadas em 76 crianas da segunda e terceira sries do ensino fundamental de

    uma escola particular. Com base nos resultados foram formados quatro grupos,

    separados em razo das habilidades de leitura de palavras. O primeiro incluiu bons

    leitores em ambas as rotas; o segundo por maus leitores em ambas as rotas; o

    terceiro foi formado por leitores preferencialmente de rota lexical e o quarto grupo

    incluiu leitores preferencialmente de rota fonolgica. Pela comparao entre eles foi

    observado que os bons leitores que realizam a leitura por ambas as rotas foram os

    mais rpidos na leitura textual, embora no tenham diferido significativamente em

    compreenso textual, exceto na terceira srie. Tendo em vista os resultados obtidos

    no estudo, as autoras concluram que na amostra focalizada ambas as rotas foram

  • 43

    funcionais. Todavia, a rota fonolgica pareceu estar mais desenvolvida do que a rota

    lexical, ainda em expanso, o que sugere a existncia de um processo de

    desenvolvimento das habilidades de leitura e de uma seqncia de desenvolvimento

    dessas rotas, inicialmente caracterizado pelo maior uso da rota fonolgica.

    Essa seqncia de desenvolvimento das rotas de leitura tambm foi verificada

    na pesquisa desenvolvida por Salles e Parente (2002b) com 76 crianas de segunda

    e terceira sries do ensino fundamental. Ao analisarem as rotas preferencialmente

    utilizadas na leitura de palavras e sua relao com a conscincia fonolgica, as

    autoras constataram que os bons leitores em ambas as rotas tambm foram os que

    obtiveram os melhores escores em conscincia fonolgica. Ao lado disso,

    observaram que houve um predomnio de leitores que usam preferencialmente a

    rota fonolgica, seguidos dos bons leitores em ambas as rotas de leitura na segunda

    srie. Na terceira, a maioria dos estudantes se encontrava no grupo de bons leitores

    em ambas as rotas. Tais resultados sugeriram que a rota fonolgica tenha evoludo

    com a escolaridade para uma leitura lexical, pois as crianas de terceira srie

    provavelmente j haviam internalizado um extenso vocabulrio que lhes possibilitou

    uma melhor utilizao dessa rota.

    Neste processo de evoluo, Lopes (2005) tambm relatou que a leitura

    fonolgica (por via indireta, sublexical) vai sendo substituda pela leitura visual

    (direta), isto , passando da decodificao fluncia e compreenso. Um bom

    leitor tem plenamente desenvolvido ambas as vias, lexical e no lexical, j que so

    complementares. O sujeito consegue decodificar a mensagem e atribuir significado

    ao que est escrito, a partir de sua estrutura representativa e atribui significado ao

    cdigo, reconhece a palavra impressa, atribui-lhe significado e compreende a

    mensagem. preciso atribuir significado s letras, s palavras, s frases e ao texto,

    coordenar essas informaes de modo a conseguir relacionar a mensagem dentro

    de um contexto, isso coerncia.

    Dessa forma, medida que a criana avana no processo de decodificao

    das palavras, mais se aproximar da capacidade de compreenso de frases e de

    textos. Quanto maior for a rapidez e a competncia em identificar a palavra, maior

    ser a disponibilidade de memria de trabalho para ser dedicadas s operaes de

    anlise sinttica, de integrao semntica dos constituintes da frase e de integrao

    das frases na organizao textual. Ao contrrio de outras correntes existentes nos

  • 44

    mtodos de alfabetizao, a leitura feita pelo contexto, ou de modo global, seria

    utilizada por maus leitores, em virtude da sua pobre habilidade de decodificao.

    O papel do contexto diminui igualmente com a idade e a seriao, sendo que

    a capacidade de decodificar uma espcie de propulsor, cuja nica funo pr em

    rbita os processos do leitor hbil para em seguida desaparecer nos esconderijos da

    infncia (MORAIS, 1996, p. 165).

    Alguns nveis desta habilidade (como rima, aliterao e slabas) so

    necessrios na aquisio deste processo, enquanto que outros so desenvolvidos

    concomitantes escolarizao (fonemas), havendo uma relao de reciprocidade,

    com o desenvolvimento de uma habilidade e influenciando no desenvolvimento da

    outra. Dessa forma, algumas habilidades de processamento fonolgico so pr-

    requisitos para a aquisio da linguagem escrita e, ao mesmo tempo, a competncia

    em leitura e em escrita promoveria o desenvolvimento dos nveis mais refinados de

    processamento fonolgico, estes por sua vez, promovem nveis mais avanados da

    leitura, gerando uma relao de causalidade recproca (CUNHA; CAPELLINI, 2009a;

    2009b; HARN; STOOLMILLER; CHARD, 2010).

    Alm disso, existe uma correlao direta entre a memria fonolgica, acesso

    fonolgico ao lxico armazenado e a conscincia fonolgica, as quais j deveriam

    estar estabilizadas ao final da pr-escola. A memria fonolgica se define como uma

    codificao e armazenamento temporrio da informao sonora de um sistema de

    representao. O acesso fonolgico ao lxico armazenado se refere eficincia de

    recuperar um cdigo fonolgico da memria e a conscincia fonolgica

    sensibilidade ao som oral da linguagem (ANTONY et al., 2005).

    A pobre aquisio destas habilidades resultar no fraco acesso fonolgico

    estrutura das palavras e na sobrecarga da memria de trabalho. Como

    conseqncia, a leitura de um texto se tornar lentificada, sendo esse um problema

    recorrente dos escolares de diferentes seriaes. Como a ateno do leitor voltada

    apenas para a decodificao, restar pouco recurso de memria para o

    processamento das informaes textuais o que torna a compreenso do texto

    prejudicada (MILLER; KEENAN, 2009).

    Assim, para que haja a aprendizagem da leitura e da escrita em um sistema

    de escrita alfabtico, necessrio que a criana faa a associao de um

    componente auditivo fonmico a um componente visual grfico. Para a

  • 45

    compreenso deste princpio alfabtico so necessrios trs fatores: segmentar a

    lngua falada em unidades distintas, entender que essas mesmas unidades repetem-

    se em diferentes palavras faladas e conhecer as regras de correspondncia entre

    grafemas e fonemas. Os dois primeiros fatores fazem parte do processamento

    fonolgico, e isto o coloca como um dos processos primordiais no desenvolvimento

    da leitura e da escrita (VEUILLET et al, 2007; CAPELLINI; CONRADO, 2009).

    O sistema de escrita do portugus caracteriza-se pela transparncia

    ortogrfica, ou seja, pela regularidade, sendo cada fonema correspondente a um e

    somente a um grafema e vice-versa e, pela opacidade ortogrfica, ou seja, pela

    irregularidade, com grafemas que correspondem a mais de um fonema e com

    fonemas que correspondem a vrios grafemas (MEIRELES; CORREA, 2006;

    MOUSINHO; CORREA, 2009).

    O princpio alfabtico definido como a capacidade de perceber que os sons

    so representados por letras e que quando um fonema particular ocorre em uma

    determinada palavra, em uma dada posio, este pode ser representado por uma ou

    por mais de uma letra (BYRNE, 1998; BYRNE; FIELDING-BARNSLEY, 1989;

    GINDRI, KESKE-SOARES; MOTA, 2007; DEUSCHLE; CECHELLA, 2009).

    Torgesen e Bryant (1993) referiram que a habilidade de identificar fonemas

    favorece o entendimento do alfabeto, pois as letras representam de algum modo os

    fonemas. Uma evidncia disso seria a pobre associao entre a conscincia

    fonmica e a aprendizagem do alfabeto em outras lnguas. Em lnguas logogrficas,

    como o chins e o japons, em que ocorre a aprendizagem da escrita logogrfica

    com a silbica, os indivduos apresentem dificuldades em identificar ou manipular os

    constituintes fonmicos da palavra.

    Os autores argumentaram ainda ser capaz de nomear s letras significa

    aprendizagem da discriminao grfica visual (b, p, d, q ou m, n, w, u), podendo,

    assim, contribuir para a formao do sistema de anlise visual.

    Embora, a aquisio de leitura dependa de um amplo conjunto de habilidades

    de linguagem e, como outros aspectos do desenvolvimento, devam ser

    considerados em um contexto de causao mltipla, as evidncias empricas

    apontam que habilidades de conscincia fonolgica se encontram entre seus mais

    importantes determinantes (BERNARDINO JUNIOR et al., 2006; VLOEDGRAVEN;

    VERHOEVEN, 2009; VAESSEN; BLOMERT, 2010).

  • 46

    Portanto, o no desenvolvimento da conscincia fonolgica prejudica a

    aprendizagem de novas palavras, a compreenso da leitura e, conseguintemente, a

    formao do leitor proficiente. A dificuldade para desenvolver a percepo da

    relao letra-som ocasiona uma leitura lenta e menos automtica, comprometendo a

    compreenso. Por esses motivos, devemos destacar que tanto escolares com

    transtornos de aprendizagem como os bons leitores se beneficiam do treino da

    conscincia fonolgica (WAGNER; TORGESEN, 1987; JENKINS; BOWEN, 1994;

    BADDELEY, 1996; CIELO, 2002; BARRERA; MALUF, 2003; GUIMARES, 2001;

    2003; GERMANO; CAPELLINI, 2008; GERMANO; PINHEIRO; CAPELLINI, 2009).

    Em 1987, Wagner e Torgesen usaram o termo processamento fonolgico,

    referindo-se ao tipo de operaes mentais em que o indivduo faz uso da estrutura

    fonolgica ou de sons de uma dada lngua ao nvel oral para aprender agora a

    decodificar a lngua no plano escrito.

    Os mesmos identificaram, pelo menos, trs tipos de processos fonolgicos

    que estaro positivamente relacionados com o grau de aquisio das competncias

    iniciais da leitura, que so a conscincia fonolgica, a recodificao fonolgica no

    acesso ao lxico (a recodificao de smbolos escritos num sistema representacional

    baseado em sons para, a partir da palavra escrita, chegar ao seu referente lexical) e

    a recodificao fontica na memria de trabalho (a recodificao de smbolos

    escritos num sistema representacional baseado em sons para mant-los

    eficientemente na memria de trabalho).

    J a memria fonolgica faz referncia codificao da informao fonolgica

    para o armazenamento na memria de trabalho ou memria de curta durao. E,

    finalmente, a nomeao rpida foi definida como a capacidade de recuperar a

    informao fonolgica codificada na memria de longa durao, por tarefas como

    nomear letras, nmeros, cores ou objetos (WAGNER; TORGENSEN; RASHOTTE,

    1999).

    O processamento fonolgico ocorre na regio perissilviana do crebro e

    especifica os sons da palavra e ordena os fonemas que fazem a pronncia da

    palavra. Alm disso, outras habilidades fonolgicas como o julgamento de rima,

    deciso lexical e nomeao so ativadas nessa mesma regio. J o sistema

    sublexical fonolgico se refere ao processamento dos fonemas. Destaca-se que os

    fonemas isolados no so relacionados a informaes semnticas, como ocorre com

  • 47

    o sistema ortogrfico e o fonolgico. No entanto, eles podem ser avaliados e

    manipulados separadamente das palavras, por meio de leitura de pseudopalavras,

    combinao e deleo de fonemas (JOSEPH; NOBLE; EDEN, 2001).

    Tais processos fonolgicos citados anteriormente apresentam fundamental

    importncia para identificar escolares com problemas de aprendizagem e parecem

    influenciar significantemente as primeiras sries de ensino. A conscincia fonolgica

    refere-se a uma das habilidades em detectar ou manipular os sons da linguagem

    oral. Ela inclui a conscincia fonmica e julgamento de rimas, que correspondem

    capacidade de manipular sons individuais (fonemas) e capacidade de julgar se duas

    palavras rimam, respectivamente. J a memria fonolgica relaciona-se

    codificao da informao em um sistema de representao sonora armazenado

    temporariamente na memria. Este tipo de memria pode ser avaliado com provas

    auditivas, como dgito span e memria de nomeo rpida (ANTONY et al, 2007).

    Quando as crianas no leitoras da pr-escola realizam tarefas de

    processamento fonolgico, tal como combinao de segmentos da fala

    apresentados isoladamente, o desempenho nas tarefas fortemente preditiva de

    como ela ir ler anos mais tarde. O mais interessante acerca desta relao que, ao

    contrrio da leitura, muitas das tarefas do processamento fonolgico no envolvem

    letras ou smbolos visuais de qualquer espcie, mas apenas alguma manipulao de

    segmentos da fala apresentados oralmente (WAGNER; TORGENSEN, 1987;

    WAGNER; TORGENSEN; RASHOTTE, 1999).

    O processamento fonolgico fundamental para a aquisio da leitura, j que

    ele serve para identificar o escolar com possvel dficit fonolgico e para

    prognosticar a capacidade da criana pequena desenvolver a leitura em idade

    escolar, reforando a importncia de o escolar receber uma instruo explcita de

    conscincia fonolgica (FROST et al, 2009; VILLAGRN et al, 2010).

    As habilidades fonolgicas, tais como percepo de sons, identificao de

    rimas, combinao de slabas e segmentao de palavras so a base para a leitura

    e para escrita. A segmentao silbica uma das habilidades que no depende de

    instruo explicita, tanto para pr-escolares como iletrados conseguem faz-la.

    Evidncias indicam que quanto mais sensvel a criana for aos componentes dos

    sons (slabas, rimas, fonemas), melhor leitor ela ser, independentemente da

  • 48

    inteligncia, recepo de vocabulrio, habilidades de memria e classe social

    (OTAIBA et al., 2009).

    Muito embora os estudos desenvolvidos venham sugerindo que as

    habilidades de processamento fonolgico possam estar relacionadas com a

    aquisio normal das competncias iniciais de leitura, sendo que as relaes

    causais especficas e os mecanismos que podem operar ainda so pouco

    conhecidas (WAGNER; TORGENSEN, 1987; 1999).

    A leitura considerada uma atividade que exige no s a anlise fonolgica

    das palavras, mas tambm uma minuciosa anlise visual dos detalhes, das formas e

    das seqncias das letras que formam uma palavra. Desta forma, a leitura requer

    um rpido e preciso processamento de estmulos visuais, letras, auditivos e fonemas

    (SPARKS, 2006; SPARKS, LOVETT, 2009).

    Existe um consenso entre os pesquisadores de que a habilidade fonolgica

    importante para a aquisio da leitura e que a maioria dos indivduos com atraso em

    aquisio de leitura ou dislexia manifestam alteraes nessa habilidade. A hiptese

    do dficit fonolgico tem sido sustentada por inmeros trabalhos os quais tm

    identificado escolares com baixo desempenho em leitura a partir de provas que

    avaliam a sensibilidade a rima, a aliterao e a segmentao fonmica (WOLF et al.,

    2002; SAVAGE et al., 2005; SWANSON, HOWARD E SAEZ, 2006; VULKOVIC,

    SIEGEL, 2006; CHEREAU; GASKELL; DUMAY, 2007; HOGAN, 2010).

    Penalazzi et al (2010) reafirmou a j citada evidncia do dficit fonolgico,

    descrita como dficit da representao e/ou manipulao dos menores sons da fala

    (fonemas) nos indivduos com problema de aprendizagem. Um nmero considervel

    de estudos de neuroimagens apontou para a existncia de alteraes corticais,

    distribudos especialmente no hemisfrio esquerdo, desde alteraes no

    processamento fonolgico. As regies envolvidas neste processo seriam a regio

    perissilviana e reas temporo-parieto-occipitais.

    Como j mencionado anteriormente, a conscincia fonolgica tambm est

    correlacionada ao reconhecimento do alfabeto. No entanto, pesquisas

    demonstraram que escolares com dificuldade em leitura e escrita so incapazes de

    realizar tarefas como segmentao de palavras em segmentos menores (slabas).

    Por isso, esses escolares no conseguem realizar a correspondncia entre letra e

  • 49

    som (soletrao) e/ou no conseguem generalizar sobre a decodificao de novas

    palavras. (MORRIS et al, 2010; PIASTA; WAGNER, 2010).

    Otaiba et al (2009) tambm referiram que as habilidades fonolgicas, tais

    como percepo de sons, identificao de rimas, combinao de slabas e

    segmentao de palavras so a base para a leitura e a escrita. Assim, quanto mais

    sensvel a criana for aos componentes dos sons (slabas, rimas, fonemas), melhor

    leitor ela ser, independentemente da inteligncia, recepo de vocabulrio,

    habilidades de memria e classe social.

    Para demonstrar que a conscincia fonmica no depende da maturao e

    sim do processo de alfabetizao, Morais et al (1979) investigou iletrados,

    verificando que eles no podiam adicionar ou subtrair a consoante inicial de uma

    palavra falada. Quando seu desempenho em tarefas dessa natureza foi comparado

    com a capacidade dos ex-iletrados em fazer tais manipulaes ficou evidente que os

    iletrados cometiam muito mais erros que os ex-iletrados, o desempenho dos

    iletrados era to baixo quanto o desempenho de crianas de seis anos de idade,

    enquanto o dos ex-iletrados assemelhava-se ao de crianas com sete anos.

    Desse modo, os autores concluram que os resultados destas investigaes

    mostram que a alfabetizao tem efeitos limitados ao domnio da linguagem,

    especificamente quanto s capacidades metalingusticas e a certas estratgias de

    tratamento da linguagem falada. Os processos de percepo da fala, assim como os

    processos de percepo visual, no so influenciados nem pela literacia nem pela

    escolaridade. No entanto, a escolaridade influencia as capacidade de anlise

    explcita de material visual, de memria a curto prazo e de raciocnio lgico, assim

    como, obviamente, o contedo do conhecimento semntico.

    Godoy (2003) tambm referiu haver relao entre a conscincia fonmica

    antes e aps a alfabetizao. Foi observado que em crianas que apresentavam

    bom desempenho em conscincia fonmica nas primeiras sries, passaram a

    apresentar ao final da mesma srie melhor exatido e destreza na leitura. No

    entanto, aqueles que apresentavam fraco desempenho em conscincia fonmica

    tiveram grande dificuldade na aprendizagem da leitura e da escrita. Assim, a autora

    concluiu que os nveis de conscincia fonmica estavam relacionados aos nveis de

    leitura desenvolvidos durante a escolarizao.

  • 50

    Outro aspecto envolvido no processo de aprendizagem da leitura e da escrita

    a memria. A memria um aspecto cognitivo extremamente importante para a

    aprendizagem da leitura e da escrita. Ela que permite ao indivduo remeter-se a

    experincias impressivas, auxiliando na comparao com as experincias atuais e

    futuras (ABREU; MATTOS, 2010).

    Os autores referiram que a memria comporta processos complexos como os

    de codificao (processamento da informao que ser armazenada), armazenagem

    ou reteno ou conservao (envolve o fortalecimento das representaes enquanto

    esto sendo registradas) e, finalmente, a recuperao (processo de lembrana da

    informao anteriormente armazenada, podendo ser realizada por associaes

    dependentes do contexto, ativao por semelhana ou necessidade).

    Para a aprendizagem do vocabulrio faz-se importante o reconhecimento e o

    uso da memria de informao fonolgica. Evidncias indicam que o loop

    fonolgico, componente da memria de trabalho consiste em um ensaio sub-vocal e

    de um armazenamento fonolgico e desempenha um importante papel para a

    formao de um novo vocabulrio (VEROUDE et al, 2010).

    O modelo de memria mais utilizado e destacado pela literatura o de

    Baddeley (1990; 1996) o qual referiu que a memria de trabalho inclui o

    processamento de informao e o armazenamento temporrio. A memria de

    trabalho um sistema submetido capacidade de armazenar e manipular a

    informao por um curto perodo de tempo, dentro de um particular domnio de

    informaes (ALLOWAY; GATHERCOLE; ELLIOT, 2009).

    O modelo de Baddeley (1990, 1996) consistiu em trs componentes: o centro

    executivo, o loop fonolgico e o registro visuo-espacial. A maioria das atividades

    cognitivas est relacionada ao executivo central, situado predominantemente na

    regio frontal, vem sendo classificada em duas categorias: controle da memria de

    trabalho e armazenamento e processamento da informao. A primeira refere-se ao

    controle da ateno e da regulao do fluxo de informao quando se realizam duas

    ou mais atividades simultaneamente e, ainda a recuperao da informao da

    memria de longa durao. A segunda categoria alude-se ao armazenamento da

    informao quando o sistema est sobrecarregado. Criana que tem problema no

    executivo central tem dificuldade de lembrar o que leu e realizar tarefas de

    decodificao (KIBBY et al 2004).

  • 51

    O sistema visuo-espacial foi definido por Baddeley (1990, 1996, 2000) como

    sendo a etapa de armazenamento e de manipulao da informao visuo-espacial e

    sinestsico, incluindo execuo de testes espaciais, de manuteno espacial e

    direcionando o movimento atravs do espao. Crianas que apresentam dificuldade

    em ler mapas ou copiar itens da lousa apresentam alterao nesse sistema.

    J o loop fonolgico especializado em manter a informao verbal

    codificada, sendo composto de duas partes: o estoque fonolgico e o centro de

    controle articulatrio. O estoque fonolgico detm as representaes fonolgicas por

    um tempo, o qual vai diminuindo progressivamente com o passar do tempo e o

    controle articulatrio retoma o trao na memria a partir de um ensaio subvocal.

    Uma criana com transtornos de aprendizagem apresenta diminuio do estoque

    fonolgico, manifestando assim, dificuldade em manter muita informao verbal na

    memria de curta durao (BADDELEY, 1990).

    Baddeley (2000) ainda referiu que o loop fonolgico, localizado na rea de

    Wernicke, inclui um armazenamento temporal das informaes fonolgicas,

    enquanto a informao dos traos da memria auditiva vai diminuindo com o passar

    de segundos, a no ser que seja recuperada pelo ensaio articulatrio. O loop se

    desenvolve juntamente aos processos envolvidos na percepo da fala

    (armazenamento fonolgico) e de produo (armazenamento articulatrio).

    particularmente adequado para a reteno da informao seqencial e suas funes

    refletem principalmente os testes de memria, onde uma sequncia de dgitos deve

    ser repetida conforme foi apresentada. Este modelo da conta dos seguintes

    fenmenos: do efeito da similaridade, do efeito do comprimento da palavra; do efeito

    da supresso articulatria; transferncia da informao entre cdigos e a evidncia

    neuropsicolgica. Tais efeitos sero abordados a seguir, de acordo ainda com o

    mesmo autor.

    O efeito da similaridade dado, j que itens como letras ou palavras que so

    similares so mais difceis de serem lembradas (por exemplo, a sequncia g, c,

    h, t, v, e p mais difcil que f, w, k, s, y e q), as quais a similaridade

    visual e semntica tm efeito, recorrendo ao cdigo fonolgico. O efeito do

    comprimento da palavra refere-se ao fato de que os sujeitos acham mais fcil

    recuperar na memria uma sequncia de palavras curtas que sequncia de palavras

    longas, devido ao fato de ter que ocorrer um ensaio subvocal de maior durao de

  • 52

    tempo para palavras polisslabas, e depois produzi-las oralmente. Isso favorece o

    detrimento da memria de trabalho, devido necessidade de maior tempo.

    O efeito da supresso articulatria refere-se ao fato de que os sujeitos so

    impedidos de realizar um ensaio dos itens a serem lembrados, pela repetio

    contnua de uma palavra. Para ele, o loop fonolgico d conta de uma razovel

    quantidade de variados dados, mas h algumas excees. Primeiramente, deve-se

    considerar o efeito da supresso articulatria, a qual o sujeito fica pronunciando uma

    palavra irrelevante como que, enquanto tenta se lembrar e repetir uma sequncia

    de nmeros apresentada visualmente. A supresso, neste modelo, previne o registro

    do material visual no loop fonolgico, impactando a subseqente recuperao.

    Assim, em testes de memria auditiva de dgitos, h uma queda do nmero de

    dgitos armazenados de sete para cinco.

    O efeito da transferncia de informaes entre cdigos se refere eficincia

    do armazenamento fonolgico em uma srie de recuperao. Adultos tipicamente

    optam por nomear e subvocalizar visualmente os itens apresentados, assim

    transferem a informao do cdigo visual para o auditivo. E, finalmente, para

    Baddeley (2000) os pacientes com dficit fonolgico apresentam o ensaio

    subarticulatrio tambm defeituoso.

    Assim, Baddeley (2000) reformulou seu modelo de memria acrescentando

    um quarto item, o buffer episdico, o qual definido com sendo uma capacidade

    limitada e temporria que capaz de integrar informaes de vrias fontes. Ele

    controlado pelo executivo central o qual capaz de recuperar informaes do

    estoque de forma consciente e realizar uma anlise sobre tais informaes. tido

    como episdico, pois mantm a informao armazenada por um tempo, onde pode

    ser integrada com outros aspectos, e se necessrio, ser estendido por mais tempo.

    O centro executivo pode completar as informaes recuperando tanto da prpria

    memria de trabalho como da memria de longa durao, facilitando a resoluo de

    problemas.

    Dessa forma, o nmero de estmulos verbais que podem ser armazenados na

    memria de trabalho e recuperados na execuo de uma tarefa varia de acordo com

    comprimento, similaridade fonolgica e conhecimento lexical e semntico. Adultos

    normais e crianas apresentam uma memria de trabalho significativamente melhor

  • 53

    para a recuperao de palavras monossilbicas que para a recuperao de no

    palavras (MAJERUS et al, 2004).

    Os escolares tm que frequentemente utilizar a memria de trabalho nas

    atividades de sala de aula, como por exemplo, lembrar as instrues passadas pelo

    professor at processar as informaes mais complexas (ALLOWAY et al, 2009).

    A memria de trabalho tambm influencia na identificao entre bons e maus

    leitores. A memria de trabalho a habilidade de manter e analisar as informaes

    lingsticas ou manipular as informaes lingsticas por um curto perodo de tempo.

    Tal memria facilita o desenvolvimento das habilidades metafonolgicas,

    necessrias para a manipulao dos fonemas. Pesquisas mostraram que tanto os

    escolares com prejuzos de linguagem ou maus leitores tem dficits da codificao

    fonolgica, tornando a anlise das palavras dificultada. Escolares com danos da

    memria de trabalho tero dificuldades em decodificar palavras sem o apoio do

    contexto e, em relao aos escolares com transtornos de aprendizagem, haver

    maior necessidade de tempo na execuo de tarefas de sequenciamento e de

    segmentao fonmica devido a suas representaes fonolgicas estarem mal

    sedimentadas na memria (BETOURNE; FRIEL-PATTI, 2003).

    Alm disso, os mesmos autores referiram que conscincia fonolgica e a

    memria de trabalho esto correlacionadas com a idade. Na segunda srie, os

    autores i