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FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO DIREITO PRIVADO
CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
NA REPARAÇÃO DO DANO MORAL
MARCIA PATRICIA VILELA
Rio de Janeiro
Mar.., 2012
2
MARCIA PATRICIA VILELA
CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
NA REPARAÇÃO DO DANO MORAL
Monografia apresentada a Faculdade Integrada
A Vez do Mestre, campus Centro II, como
requisito parcial para obtenção do certificado de
Pós-Graduação em Direito Público.
Orientador: Profª.
Rio de Janeiro
Mar.., 2012
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MARCIA PATRICIA VILELA
CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
NA REPARAÇÃO DO DANO MORAL
____________________________________________________ Prof ª
A Vez dez Mestre
Rio de Janeiro
Mar ., 2012
4
Aos meus pais falecido Jose Vilela,
com amor.
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por estar sempre presente em minha vida, que concedeu-me a
oportunidade que muitos não tiveram, de estudar e me aperfeiçoar, tendo a chance de tornar o
caminho mais suave, menos tormentoso.
Ao meu querido pai, que me incentivou a optar pelo Direito e até aqui financiou meus
estudos, que eu possa ser, tal como ele, motivo de orgulho e exemplo de sucesso.
À minha amada mãe, minha gratidão pelo convívio, por toda força e ternura que tenho
encontrado no aconchego de seus braços, em todos os momentos.
A todos que, de uma forma ou de outra, comigo colaboraram para a realização deste
trabalho, certos de que todo o esforço não será em vão.
6
O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa
daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.
Albert Enstein
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RESUMO
O presente trabalho tem o intuito de proceder a uma análise sumária, embora objetiva
da reparação do dano moral, sobretudo, no aspecto da problemática que envolve o cálculo do
quantum indenizatório a ser arbitrado pelo magistrado na sentença. Para alcançar sua
pretensão, o estudo aborda o tema, paulatinamente, tópico a tópico e, conforme se verifique a
compreensão de um, se propõe a analisar um outro, de cujo entendimento dependa da
absorção das idéias sedimentadas naquele. E, desta forma, a pesquisa realiza a decomposição
das fases e elementos atinentes à reparação do dano moral, visto se tratar de tema dos que
mais carecem duma investigação subjetiva ante o atual cenário social, pois muitas são as
conjecturas em torno do valor da indenização fixada por esse tipo de dano. Nesse contexto,
pode-se aduzir que, a contemporaneidade dos fatos sociais e do Direito, inclusive sob o
prisma da jurisprudência e da doutrina, é o foco e o propósito desta monografia.
Palavras-chave: Dano moral – Reparação – Quantum Debeatur
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 1 CONSIDERAÇÕES INICAIS ACERCA DO DANO.......................................................... 1.1 NOÇÃO DE DANO................................................................................................................ 1.1.1 Dano patrimonial............................................................................................................... 1.1.1.1 Danos emergentes............................................................................................................. 1.1.1.2 Lucros cessantes................................................................................................................ 1.1.2 Dano extrapatrimonial...................................................................................................... 2 BREVE CONCEITO DE DANO MORAL........................................................................... 3 DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL............................................................................... 3.1 POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO POR DANOS MORAIS.................................. 3.1.1 Teoria Negativista.............................................................................................................. 3.1.2 Teoria Afirmativista.......................................................................................................... 3.2 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE................................................................................ 3.3 O FUNDAMENTO JURÍDICO DA REPARAÇÃO.............................................................. 3.4 O DÚPLICE CARÁTER DA INDENIZAÇÃO RESSARCITÓRIA..................................... 3.4.1 Função compensatória (ou satisfativa) ............................................................................ 3.4.2 Função punitiva (ou compensatória) ............................................................................... 4 A EVOLUÇÃO DO TEMA NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO............................. 4.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – ANTES E DEPOIS............................................. 4.2 EM SEDE DE LEGISLAÇÃO ESPECIAL............................................................................ 4.2.1 Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei 4.117/62.................................................. 4.2.2 Código Eleitoral – Lei 4.737/65......................................................................................... 4.2.3 Lei de Imprensa – Lei 5.250/67......................................................................................... 4.2.4 CDC – Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90............................................... 4.2.5 Lei dos Direitos Autorais – Lei 9.610/98.......................................................................... 4.2.6 ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90......................................... 4.2.7 Lei 9.140/95......................................................................................................................... 4.3 PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL ......................................................................................... 5 DA AVALIAÇÃO DO DANO MORAL................................................................................ 5.1 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO.............................................................................................. 5.1.1 Sistema tarifado.................................................................................................................. 5.1.2 Sistema aberto.................................................................................................................... 5.2 O ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO.......................................................................... 5.3 CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR...................................... 5.3.1 Gravidade da lesão (ou extensão do dano)....................................................................... 5.3.2 Intensidade de culpa do lesante........................................................................................ 5.3.3 Situação econômico-social dos envolvidos....................................................................... 5.3.4 Razoabilidade/Proporcionalidade.................................................................................... 5.3.5 Exemplaridade................................................................................................................... 5.4 TEORIA DO DESESTÍMULO E A INFLUÊNCIA DA DOUTRINA NORTE AMERICANA DO EXEMPLARY DAMAGE............................................................................... 5.5 SUPOSTA EXISTÊNCIA DA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL”................................... CONCLUSÃO............................................................................................................................. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................
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INTRODUÇÃO
O dano moral constitui, por si só, fonte de infindáveis discussões nas quais o aspecto
da quantificação do valor indenizatório tem-se revelado o mais controvertido e polêmico de
todos eles.
Não pretendemos com o presente, e sequer poderíamos, indicar os valores a serem
aplicados de modo exato e absoluto em relação às diversas hipóteses ensejadoras da
indenização por dano moral, uma vez que a fixação do quantum demanda a análise subjetiva,
de natureza sensível e cautelosa da conjugação de fatores de toda a ordem, impedido a
vinculação de qualquer metodologia precisa ou vinculativa. O que buscaremos é tão somente
interar-se do entendimento que tem sido sedimentado em sede doutrinária e jurisprudencial,
dada a diversidade das facetas assumidas pelo dano moral, sobretudo, quando da sua
reparação.
Muito já se discutiu acerca da possibilidade de reparar o dano moral com a
indenização em pecúnia, em virtude da subjetividade que lhe é própria, aduzindo, os mais
retrógrados, inúmeros argumentos repudiando o ressarcimento por essa espécie de dano, seja
porque aparentemente imoral (pois teria o condão de pagar a dor com dinheiro), seja em
virtude atribuir-lhe fator de enriquecimento ilícito, seja em várias outras premissas que se
impõem ao fato da reparabilidade. Ocorre que em 1998, com a promulgação do Texto
Constitucional, a questão foi elevada ao posto de preceito constitucional fixando seu
entendimento no sentido do cabimento da reparação, entronizada, agora, pela Lei Maior.
S Se superada está na doutrina e um entendimento unívoco encontra na jurisprudência
(se não, quase) a questão cabente à reparação, persiste a dificuldade de, diante dos casos
concretos, aplicar-lhes a melhor orientação, dada a insuficiência de critérios constantes da
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legislação que sirvam como bússola, em sentido pela qual o órgão judicante pode, e , deve
pronunciar suas decisões.
D Deste modo, imperioso que se proceda a uma análise dos critérios subjetivos que
serão considerados, por ocasião do arbítrio. na formação do juízo que estabelece o cálculo
para a aferição do montante indenizatório a que faz jus à vítima, atentando-se para o caráter
satisfativo-punitório que a esta é inerente, possibilitando, balizado por tais critérios, que a
reparação, verdadeiramente, atinja o patamar da justiça.
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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO DANO
A abordagem que se pretende fazer no presente trabalho, reclama, antes de mais nada,
um estudo prévio de questões referentes à própria essência do dano, uma vez que tem a
finalidade de investigar as nuances que se apresentam no diz respeito à sua reparação. Para
tanto, mister se faz que, primeiramente, esclareçamos o que é dano, na sua acepção mais
ampla.
1.1 NOÇÃO DE DANO
Configura-se dano a “lesão (diminuição ou destruição), que, devido a um certo
evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico,
patrimonial ou moral” (DINIZ, 2010, p.58).
Nesta esteira, constitui dano “ qualquer lesão injusta a componentes do complexo de
valores protegidos pelo Direito, incluído, pois o de caráter moral” (BITTAR, 2012, p.18-19).
Assim, toda vez que houver ofensa a um bem jurídico, teremos a ocorrência de um
dano, quer de natureza patrimonial ou não. Ressalte-se a necessidade de ter sido o dano,
causado em decorrência de ato ou fato estranho à vontade da vítima, pois a lesão produzida
por ela própria não se enquadra no conceito.
O autor argentino Jorge Mosset Iturraspe ensina:
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se parece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimos ou novas incorporações (ITURRASPE, 2012, p. 71 apud BITTAR, Op.cit. p. 24 ).
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Vejamos o posicionamento de Sérgio Cavalieri Filho:
Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral, conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se insuficiente em face do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão de sua natureza não-patrimonial. Conceitua-se, então, o dano corna sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral (2010, p.71).
Em síntese, dano pode ser considerado como toda perda ou prejuízo sofrido por
alguém, produzido por fator alheio a sua vontade, não estando este prejuízo adstrito à
patrimonialidade.
Desta feita, há de se distinguir, então, o dano patrimonial do moral.
1.1.1 Dano patrimonial
O dano patrimonial, também chamado de material, de uma forma geral, atinge os bens
materiais que integram concretamente o patrimônio do ofendido, passível de valoração em
pecúnia. O dano material “vem a ser, a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao
patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens
materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo
responsável” e neste aspecto é facilmente visualizado, pois “mede-se pela diferença entre o
valor atual do patrimônio da vítima e aquele que teria, no mesmo momento, se não houvesse a
lesão”, ao passo que “estabelece-se pelo confronto entre o patrimônio realmente existente
após o prejuízo e o que provavelmente existiria se a lesão não se tivesse produzido” (DINIZ,
Op.cit., p.61-62).
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No que completa o mestre português Antunes Varela:
O dano patrimonial é suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado, senão diretamente - mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à 1esão, pelo menos indiretamente por meio de equivalente indenização pecuniária. (2002, p. 71.)
No entanto, o dano patrimonial pode não lesionar apenas o patrimônio atual da vítima
e pode atingir o futuro, não abrangendo somente aquilo efetivamente perdido ou deteriorado,
mas também o que razoavelmente deixou de se ganhar, o que nos remete à subdivisão do
dano material em danos emergentes e lucros cessantes, perfeitamente compreendidos nas
palavras de Cavalieri:
Convém assinalar que o dano material pode atingir não somente o patrimônio presente da vítima, como também, o futuro; pode não somente provocar a sua diminuição, a sua redução, mas também impedir o seu crescimento, o seu aumento. Por isso, o dano material se subdivide em dano emergente e lucro cessante (2010, p. 70)
A par destas considerações, merece atenção a dicotomia referente às espécies de
dano material, qual sejam, danos emergentes e lucros cessantes.
1.1.1.1 Danos emergentes
O dano emergente (também chamado de positivo), portanto, importa tão somente na
imediata redução no patrimônio concreto e atual do lesado, ou, nos termos de nosso Código
Civil, “ o que efetivamente se perdeu” :
Art. 1059: Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
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1.1.1.2 Lucros cessantes
Os lucros cessantes, por sua vez, referem-se a um bem ou interesse jurídico que ainda
não integra o patrimônio presente da vítima, mas que consistia num ganho esperável, que foi
frustrado com o advento do dano, ou, nos termos do dispositivo supracitado, “ o que
razoavelmente deixou de lucrar”.
1.1.2 Dano extrapatrimonial
Não consistindo o dano patrimonial num ponto polêmico, já que sua mensuração não
enseja maiores dificuldades, e, principalmente, por não constituir, precisamente, o objeto
deste estudo, daremos início a uma análise objetiva e suscinta da reparação do dano
extrapatrimonial, aquele que implica em lesões de bens distintos da esfera material, concreta.
De qualquer sorte, a noção de dano foi essencial para a expansão do tema, tanto porque,
corresponde ao gênero do qual o dano moral é espécie, ao lado do patrimonial.
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2 BREVE CONCEITO DE DANO MORAL
Como não poderia deixar de ser, a par das dificuldades existentes, o conceito de dano
moral não é uniforme, tampouco a questão de sua terminologia é totalmente pacífica,
preferindo alguns autores a denominação extrapatrimonial, e ainda, imaterial ou ideal, por
considerá-las mais apropriadas, conforme a utilização dos critérios delimitadores de sua
caracterização.
Sérgio Severo prefere a expressão extrapatrimonial, por considerá-la mais ampla,
sendo “o gênero do qual o dano moral é e espécie”, argumentando ainda que, “os danos de
natureza não patrimonial não mais comportam uma redução ao elemento dor” (2008, p. 36-
37).
Encontramos, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, ora conceitos de
conteúdo mais amplo, ora mais restrito, que variam em função dos elementos
caracterizadores do dano moral: “ ora se privilegia a natureza do bem jurídico lesionado, ora
o efeito da lesão” 1
Uma conceituação mais abrangente, que exemplifica e faz menção direta aos direitos
de personalidade, é a do Mestre Cavalieri, que nos ensina:
Enquanto o dano material (...) repercute sobre o patrimônio, o moral (...)
atinge os bens da personalidade, tais como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.
Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: intimidade, imagem, bom nome, privacidade, a integridade da esfera intima. Tutela-se, aí, o interesse da pessoa humana de guardar só para si, ou para estrito círculo de pessoas, os variadíssimos aspectos da sua vida privada: convicções religiosas, filosóficas, políticas, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, estado de saúde, situação econômica, financeira etc (2010, p. 71)
1
Guilherme Couto de Castro, adotando critério mais restrito, assim apresenta seu
1 [Cf. DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A proteção dos direitos da personalidade, in: Grandes Temas da Atualidade: dano moral, p.43 apud ELIAS, 2009, p. 28.
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conceito de dano moral: “ se cuida do abalo de sentimento, da angústia, da mágoa ou
sofrimento experimentado por uma pessoa” (2010, p.21)
Atentando para o fato de que a pessoa jurídica também pode ser vítima de dano moral,
Carlos Alberto Bittar assevera que “ danos morais são lesões sofridas pelas pessoas físicas ou
jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas de outrem” (2008,
p. 277).
Diante de algumas das conceituações jurídicas perfilhadas na doutrina, cujos eventuais
desencontros não assumem grande relevo, torna-se possível extrair que ao menos, a noção da
essência do dano moral é de entendimento uniforme, uma vez que reporta a um elemento
comum, qual seja, o caráter não patrimonial da lesão.
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3 DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL
Feitas as considerações preliminares acerca do dano, de modo geral, e consolidada a
idéia basilar da acepção do dano moral, imperioso se faz o estudo de sua reparação. Deve-se
entender que presumimos já estarem presentes os requisitos necessários para a configuração
do dano na esfera jurídica, que constituem pensão da matéria de Responsabilidade Civil, de
cujo gênero o dano moral é espécie. Resta-nos, pois, abordar o tema especificadamente sob o
prisma acima epigrafado, tal como faremos nesta oportunidade.
3.1 POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO POR DANOS MORAIS
Eis uma questão que durante muito tempo propolou-se entre os doutrinadores pátrios,
em torno da reparabilidade dos danos morais, especialmente antes do advento da Constituição
Federal de 1988, revelando-se penosa a teoria da admissão da ampla reparação do dano em
apreço.
3.1.1 Teoria Negativista
A relutância inicial em admitir a reparação do dano moral recai, principalmente, no
argumento de ser impossível avaliar em pecúnia um dano de foro intímo do ser humano, além
de ser imoral a atribuição de um preço a dor sofrida, no seu sentido mais amplo. A doutrina, à
época, apontava inúmeros óbices nesse sentido.
Os adeptos da teoria negativista da reparabilidade do dano moral têm seus argumentos
sob a égide de filosofias consistentes em objeções diversas, dentre as quais, expõe-se síntese
apresentada por Maria Helena Diniz, seguida de seu entendimento quanto à matéria, que é
acompanhado pela maioria da doutrina (2008, p.87-92):
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a) efemeridade do dano moral: o fato da lesão ocasionada pelo dano moral, não ter, a rigor,
efeito permanente, consiste num dos primeiros argumentos aduzidos no sentido de negar a
reparabilidade daquele dano. Trata-se de tese insustentável, pois o fato de poder o dano ser
efêmero, não impede sua ressarcibilidade.
b) escândalo da discussão em juízo, sobre sentimentos íntimos de afeição e decoro; mais
uma objeção inconsistente, pois o juízo é o órgão apto e legitimado a dirimir as contendas,
lembrando-se, ainda, do recurso das instruções em segredo de justiça, e os fatos ali acolhidos
são apreciados de forma técnica e profissional pelo judicante.
c) Incerteza de um verdadeiro direito violado e de um dano real, mas a melhor doutrina já
entendeu que o fato dos efeitos do direito violado serem imateriais não importa na
inexistência da lesão.
d) dificuldade de descobrir-se a existência do dano, porém, não é de todo difícil, nem
impossível, visto que, em alguns casos, teríamos presunção juris tantum da existência do dano
moral (caso refira-se a pessoas ligadas à vítima intimamente).
e) impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; realmente não se
pode mensurar valores dessa natureza, mas é possível que, com a reparação pecuniária a
vítima possa atenuar alguns dos prejuízos irreparáveis que sofreu. Tem a ver com a função
satisfativa-compensatória da reparação que estudaremos mais adiante.
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f) indeterminação do número de lesados; proposição que não carece de maiores dificuldades,
pois o magistrado, analisando as circunstâncias do caso em apreço, verificará as pessoas a que
se estenderá a indenização, aquelas cuja dor merece ser reparada.
g) imoralidade da compensação da dor com o dinheiro; realmente não se pode reparar a dor
com o dinheiro, mas, ainda em relação com a função compensatória da reparação, não há que
se falar em imoralidade, visto que as tristezas se neutralizam ou se compensam com a
sensação de bem-estar ou contentamento que daí pode ser alcançada. Imoral e injusto seria
não reparar o sofrimento causado à vítima provocado pelas graves conseqüências da falta do
ofensor.
h) perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial conferindo ao magistrado
poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do
prejuízo; deveras, o órgão judicante se valerá do arbítrio para aferir o montante que lhe
parecer eqüitativo e justo, mas nisso não há problemas, pois agirá, não ao seu bel-prazer, mas
com um prudente arbítrio, pautado nos caracteres pertinentes da situação em análise. Além
disso, o arbitramento está previsto legalmente como forma de fixação da indenização, como
logo poderemos verificar.
i) enriquecimento sem causa, do ofendido, pois este teria, com o ressarcimento do dano
moral, um aumento patrimonial, sem que para isso houvesse ônus de sua parte. Por isso, deve-
se usar da moderação quando da fixação do quantum, pois este não tem o condão de refazer o
patrimônio, mas de dar ao lesado uma compensação devida pelas agruras oriundas da lesão
extrapatrimonial.
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j) impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação é argumento que não encontra
fundamento, pois, tanto como o material, o bem moral também é jurídico, logo, sua violação
deve ser reparada, ainda que sua essência não se exprima em dinheiro.
Vê-se que, diante da inconsistência jurídica dessas contestações, prevalece o
entendimento da melhor doutrina, no sentido de admitir-se a reparabilidade do dano moral,
ainda que este não careça de repercussão econômica.
Reconhece-se que estamos cuidando de matéria de natureza moral:
o dano moral, em virtude de seu caráter subjetivo, sofre embustes quando da tentativa de sua conversão em pecúnia, por razões até mesmo epistemológicas: trata-se de assuntos de natureza diversa, que não transitam pela mesma esfera. Dor moral e dinheiro são diferentes da realidade humana (CARNEIRO, p.57-58).
Diante de todas essas ponderações e ante a evolução doutrinária e controvérsias acerca
da reparabilidade ou não do dano em estudo, o fato de tratar-se de direito de natureza
subjetiva, moral, não justifica que tais razões impeçam a tutela dos direitos violados, “não
podendo conformar-se a ordem jurídica que sejam impunemente atingidos” (PEREIRA,
2010, p.54).
Temos, então, que, restando evidente o interesse moral para justificar a indenização, e
“se a ordem jurídica sanciona o dever moral de não prejudicar ninguém, como poderia ela
ficar indiferente ao ato que prejudique a alma, se defende a integridade corporal, intelectual e
física? ” (DINIZ, 2009, p.92)
Assim, impõe-se abraçar a teoria a favor da ressarcibilidade do dano moral, cuja
maturação ocorreu gradualmente no processo evolutório da reparação daquele.
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3.1.2 Teoria Afirmativista
É incontestável a relevância prática de se analisar a evolução da aceitação da teoria da
reparação do dano moral, pois até atingirmos o ponto de ampla aceitação, muito se discutiu,
como vimos no tópico anterior,a propósito de sua possibilidade. E muitos eram os argumentos
com que vislubravam a impossibilidade da indenização por este tipo de dano.
Se antes da promulgação do Texto Constitucional, prevalecia a polêmica quanto à
admissibilidade da reparação, após o advento da nova ordem constitucional, percebe-se, como
logo veremos neste trabalho, um abrandamento quase que total acerca dessa polêmica, com
gradativa aceitação e reconhecimento da reparabilidade do dano moral.
E é no decorrer do processo no qual se desenvolveram os fundamentos jurídicos da
indenizabilidade do dano moral, que os direitos da personalidade assumem especial destaque,
como analisaremos agora.
3.2 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE
Para o avanço da admissibilidade da reparação do dano moral, contribuiu, de maneira
expressiva, o desenvolvimento da teoria da proteção dos direitos da personalidade.
Os direitos da personalidade se amoldam à categoria de direitos absolutos - na qual o
dever jurídico correspondente incide erga omnes, sendo conceituados como aqueles "
reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade,
previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos do homem,
como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos".
(BITTAR, 2008, p.11)
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Frente a algum questionamento que porventura possa surgir no que se refere a estes
direitos, importante observação há que se fazer diante de hipóteses de configuração de dano
moral como as decorrentes da perda de ente querido e da lesão a bem patrimonial com
distintivo valor de afeição:
Não obstante se tratar de interessante observação, parece ser possível
enquadrar tais hipóteses na seara do direitos da personalidade, mais especificamente no denominado direito à integridade psíquica. (...). Entretanto, nada obsta, (...) que sob tal denominação seja tutelada também a esfera emocional da pessoa, a fim que a integridade psíquica corresponda à idéia de equilíbrio intelectivo e emocional do ser humano (ELIAS, 2008, p. 43-44)
Demonstrado, portanto, que, a par da evolução da idéia de proteção dos direitos de
personalidade, aperfeiçoou-se o processo de reconhecimento da reparabilidade do dano moral,
podemos analisar o fundamento jurídico pelo qual a mesma é admitida atualmente em nosso
Direito.
3.3 O FUNDAMENTO JURÍDICO DA REPARAÇÃO
Uma vez constatado o dano moral e admitidos os pressupostos de sua reparação, o
Direito não poderia eximir-se de considerar, suscitar e aplicar efetivamente a reparação civil
do dano moral, eis que a ele compete a manutenção do equilíbrio na sociedade e a preservação
da integridade do patrimônio material, bem como o moral, dos membros da coletividade.
Esclarece o professor Caio Mário da Silva Pereira:
O fundamento da reparabilidade do dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos (2006, p.54).
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Doutrina e jurisprudência fincaram seu entendimento afirmando a reparabilidade,
pois, também, de outra forma não poderia sê-lo, haja vista o advento da previsão
constitucional:
A jurisprudência de nossos tribunais consolidou, durante décadas, uma
idéia dogmática sedimentada na impossibilidade de indenização dos danos morais (RF 138/452), sem que tivesse ocorrido qualquer prejuízo material à vítima, postura esta que foi, posteriormente, superada com a lenta e gradual construção doutrinária e jurisprudencial e, particularmente, se consolidou de forma definitiva com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao admitir precisa e objetivamente a indenização por danos imateriais (art.5., V e X, da CF/88) (REIS p.9, apud ELIAS, p.45).
Vejamos a previsão constitucional na Carta Magna, em seu art.5º:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização pelo dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Hodiernamente, em face da expressa previsão constitucional, está consagrada a
questão da reparabilidade do dano moral, de modo que vem contribuindo para o
desenvolvimento das relações humanas no âmbito social à medida que evolui gradativamente,
no plano concreto, para a realização da justiça.
3.4 O DÚPLICE CARÁTER DA INDENIZAÇÃO RESSARCITÓRIA
A idéia hoje predominante é a de que, embora a dor não seja mensurável em pecúnia,
os danos morais são plenamente reparáveis. A indenização que se pleiteia quando da
ocorrência de dano moral, não pretende a restituição absoluta do statu quo ante da vítima, não
visa à recomposição total dos sentimentos negativos por ela suportados. O seu escopo é o
abrandamento desses sentimentos desagradáveis vivenciados pelo lesado, não sob uma
24
perspectiva de equivalência ao estado anterior à lesão, mas de correspondência ou
proporcionalidade tão-somente. Não se trata de pagar a dor com dinheiro, mas de admitir que
o percebimento pecuniário, “ ao trazer benesse para quem padeceu sentimentalmente,
implique numa compensação justa” (CASTRO, 2008, p. 25-26).
3.4.1 Função compensatória (ou satisfativa)
De acordo com os ensinamentos de Sérgio Cavaliere Filho, o ressarcimento do dano
moral exerce função satisfatória, na medida em que se procura recompensar de certa feita, o
sofrimento ou a humilhação sofrida, não tendo a restitutio in integrum do dano. (2010,
p.75/76).
Ainda sob os ensinamentos do jurista, “a condenação em dinheiro não é um lenitivo
para a dor (reparação), mas uma satisfação”. (2010, p. 75)
O objetivo do ressarcimento através da quantia paga em espécie, não visa à reposição
de um desfalque patrimonial, mas se direciona no sentido de representar para a vítima uma
satisfação igualmente moral ou, que seja, psicologicamente capaz de neutralizar ou anestesiar
em parte o sofrimento impingido.
Sobre a matéria, Maria Helena Diniz comenta com precisão:
A reparação do dano moral, em regra, é pecuniária, visando neutralizar os sentimentos negativos compensando-os com alegria. O dinheiro seria apenas um lenitivo, que facilitaria a aquisição de tudo aquilo que possa concorrer para trazer ao lesado uma compensação por seus sofrimentos (2009, p.89)
Temos assim, que a função satisfatória engaja um conceito de compensação, pois é
uma forma de compensar o lesado pelos sofrimentos ocasionados pelo agente causador do
dano, atenuando de maneira indireta, as conseqüências de sofrimento, diante da
25
impossibilidade, no plano real, de aquilatar o prejuízo que decorre da dor, esta sim,
imensurável e irreparável.
Segundo Teresa Ancona Lopes de Magalhães:
A ofensa derivada de lesão a um direito da personalidade não pode ficar impune e, dentro do campo da responsabilidade civil, a sua reparação tem que ser a mais integral possível para que, caso não possam as coisas voltar ao estado em que se encontravam antes, tenha a vítima do dano, pelo menos alguma satisfação ou compensação e, dessa forma, possa ver minorado o seu padecimento. (MAGALHÃES, 1980, p. 23)
Para que a mácula decorrente do dano moral seja amenizada e aplacar o estado de
melancolia e desânimo dela oriundo, tenciona-se proporcionar meios adequados para a
recuperação da vítima. Não está pagando a dor nem se lhe atribuindo um preço e sim
abrandando o sofrimento padecido pela vítima, no intuito de superar a crise que lhe adveio
com a lesão de seu direito.
No tocante à função satisfativa da reparação do dano moral, não deparamo-nos com
obstáculos ao seu reconhecimento, sendo assente doutrina e jurisprudência neste quesito.
No entanto, no que diz respeito ao caráter sancionatório, encontramos, dentre os
doutrinadores, ligeiras oscilações entre os que aceitam ou desaprovam a função punitiva da
reparação.
3.4.2 Função punitiva (ou sancionatória)
A função punitiva busca uma reparação penal, e, ao mesmo tempo, pedagógica para o
lesante, a fim de que ele não reitere na conduta ofensiva.
À propósito, Miguel Reale reconhece os dois fins, “o indenizatório e o penal, do
arbitramento do valor da indenização por dano moral” (2009, apud ELIAS, p.106). Ao mesmo
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passo que Teresa Ancona Lopes também acata a “dupla função: a de pena ou expiação, em
relação ao culpado, e a de satisfação, em relação à vítima” (2009, apud ELIAS, p.107)
Yussef Said Cahali não rejeita a função sancionatória do ressarcimento do dano moral,
ao sustentar que:
O fundamento ontológico da reparação dos danos morais não difere substancialmente, quando muito em grau, do fundamento jurídico do ressarcimento dos danos patrimoniais, permanecendo ínsito em ambos, os caracteres sancionatório e aflitivo, estilizados pelo direito moderno. (CAHALI, 2005, p.58)
E acrescenta:
A sanção do dano moral não se revolve numa indenização propriamente, já que a indenização significa eliminação do prejuízo e das conseqüências, o que não é possível quando se trata do dano extra patrimonial, a sua reparação se faz através de pagamento de uma certa quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo em que agrava o patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfatória. (CAHALI, 2005, p. 42)
Por sua vez, Humberto Theodoro Junior não nega o caráter punitivo da reparação, mas
o admite com moderação, ressalvando que este deve ser estabelecido não como principal
critério, mas de ordem secundária e subsidiária, na subsunção ao caso concreto que demande
a reparação do dano moral:
Fala-se, freqüentemente, em doutrina e jurisprudência, num certo caráter
punitivo que a reparação do dano moral teria, de tal sorte que ao condenar o ofensor a indeniza-lo a ordem jurídica teria em mente não só o ressarcimento do prejuízo acarretado ao psiquismo do ofendido, mas também estaria atuando uma sanção contra o culpado tendente a inibir ou desestimular a repetição de situações se semelhantes.
Há, nisso, razão de ordem ética, que, todavia, deve ser acolhida com adequação e moderação rio campo da responsabilidade civil, que é geneticamente de direito privado, e não de direito público, como se da com o direito penal. A este, e não ao direito privado, compete reprimir as condutas que, ria ordem geral, se tornam nocivas ao interesse coletivo. Urge, pois, respeitar-se a esfera de atuação de cada segmento do direito positivo, sob pena de sujeitar-se o indivíduo a sofrer sanções repetidas e cumuladas por urna única infração. Um dos princípios fundamentos da repressão pública aos delitos é justamente o que repele o bis in idem, isto é, a imposição de duas condenações, em processos, diferentes, pela mesma conduta ilícita.
Daí que o caráter repressivo da indenização por dano moral deve ser levado em conta pelo juiz cum grano salis. A ele se deve recorrer apenas a título de
27
critério secundário ou subsidiário, e nunca como dado principal ou determinante do cálculo do arbitramento, sob pena de desvirtuar-se a responsabilidade civil e de impregna-la de um cunho repressivo exorbitante e incompatível com sua natureza privada e reparativa apenas da lesão individual (2006, p. 33-34)
É nesta linha que Clayton Reis parece alinhar seu entendimento, assinalando que “a
função punitiva dos danos morais não poderá ser considerada como elemento fundamental na
fixação da indenização”, não devendo o magistrado “se deter no sentido de reprimir o desvio
de conduta do agente, senão do dano por ele produzido”, objetivando-se alcançar o verdadeiro
sentido da indenização dos danos morais. (REYS, p. 68 apud ELIAS, p.110-111)
A despeito de ser não ser considerada uma terceira função, o ressarcimento do dano
moral exerce um papel pedagógico-social, mas que produzido em virtude do reflexo direto da
função punitiva, pois ao passo que esta atua como inibidor na prática de novas ofensas, este
fato gera repercussão, acarretando efeitos no cenário social.
Nesse ínterim, conclui-se pelo caráter compensatório-punitivo da reparação,
observando que, em se tratando de danos morais, o percebimento em pecúnia não representa
paradigma de equivalência, como o é nos danos materiais. O dinheiro obtido com
indenização, de certo, não fará com que o mesmo bem, objeto do agravo, retorne à esfera da
vítima, mas poderá permitir-lhe refazer, na medida do possível, mediante algum tipo de
compensação, sua integridade física, psicológica e emocional, ao mesmo tempo que age como
freio de futuras condutas ofensivas.
Registre-se que o dúplice caráter assumido pelo ressarcimento por dano moral,
consubstanciado no binômio compensação-punição, é a esteira seguida pelo Projeto de Lei nº
6.960/2002, que pretende acrescentar ao texto do art. 944 do Código Civil: “a reparação do
dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.
28
Compreendidas as faces inerentes à função reparativa, cabe destaque analisar como o
dano moral e a sua respectiva reparação evoluiu, sob o prisma do ordenamento jurídico
brasileiro, que consiste no objeto do Capítulo seguinte.
29
4 A EVOLUÇÃO DO TEMA NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
É de relevante importância passar por mais este ponto antes de adentrarmos
efetivamente no foco deste trabalho, para que seja perfeitamente compreendida a
problemática de toda a conjectura que o tema traz à tona.
No Brasil, o avanço histórico do dano moral no direito positivo, primeiramente,
reponta ao estudo de sua composição sob o enfoque de dois ângulos, pautados pelo marco da
promulgação da Constituição Federal de 1988, quais sejam, antes e depois deste advento.
4.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – ANTES E DEPOIS
Vimos que, outrora, precisamente antes do novo Texto Constitucional, prevaleceu,
entre muitos, a teoria negativista da reparabilidade do dano moral, apregoada sob os mais
diversos argumentos (como ficou demonstrado no vasto rol de Maria Helena Diniz,
apresentado no presente às fls.19 e 20), concorrendo ainda mais para o acirramento da
polêmica discussão gerada em torno do assunto.
Contudo, a Constituição Federal, promulgada em 1988, veio conter a polêmica travada
entre os doutrinadores, dispondo de forma inequívoca, no art.5º, em seus incisos V e X, a
2reparação por danos morais, anteriormente trazidos à colação neste estudo (fls 23.)
Fácil é de se notar que, com a promulgação da Constituição Federal, em 1998, todas as
discussões em torno da ressarcibilidade perderam o sentido, tendo em vista que o
Mandamento Constitucional consubstancia-se no que há de mais avançado em relação à
reparação dos danos morais, “ posto que elevou à categoria de bens legítimos e que devem ser
resguardados, todos aqueles que são de expressão imaterial do sujeito, seu patrimônio
subjetivo, como a dor, a intimidade a vida privada a honra e imagem que, se agredidas,
sofrem lesão ou dano, que exige reparação”. (STOCO, 2006, p.458.)
30
Desta feita, nos parece defitinivamente superada a resistência inicial ao ressarcimento
do dano moral e vencidos todos e quaisquer argumentos oponentes a essa possibilidade,
eliminando, ao menos teoricamente, as controvérsias doutrinárias geradas acerca do assunto.
4.2 EM SEDE DE LEGISLAÇÃO ESPECIAL
A par da previsão contida na Lei Suprema e até mesmo antes de sua inauguração,
detectamos a existência de diplomas infraconstitucionais prevendo a reparação do dano moral,
cujo estudo passaremos agora, sem, no entanto, nos aprofundarmos nas minúcias de cada um.
Por ora, com base nas informações compiladas na obra da juíza Helena Elias (2009, p.47), far-
se-á a exposição dos referidos diplomas, focando determinados dispositivos que apenas
trazem menção à reparação do dano moral. Quando passarmos ao estudo dos critérios para a
fixação do valor da indenização, veremos que a aplicação de alguns deles, como recurso
analógico a ser utilizado nessa tarefa, ainda é recomendada por parte da doutrina, que defende
a utilização dos parâmetros neles preconizados no que concerne à quantificação da
indenização por dano moral.
4.2.1 Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei 4.117/62
Encontramos no diploma legal em apreço a utilização pela primeira vez no direito
positivo brasileiro da expressão dano moral, que tratou da matéria em seus arts. 81 e
seguintes, ao prever expressamente o cabimento de indenização por dano moral, assinalando,
em síntese, que, “independente da ação penal, o ofendido pela calúnia, difamação ou injúria
cometida por meio de radiodifusão” poderia demandar “no Juízo Cível a reparação do dano
moral (...)”.
31
O Código em questão indicava os critérios a serem seguidos na apuração do montante
indenizatório, estabelecendo no seu art.84 e parágrafos os limites para a fixação do quantum
debeatur, dispondo que seria estipulada no mínimo de 5 (cinco) e no máximo 100 (cem) vezes
o maior salário vigente no país, sendo elevado ao dobro quando se confirmasse reincidência
do ofensor no ato ilícito praticado.
Ressalte-se o fato que em virtude do Decreto-lei nº 236/67, encontra-se. parcialmente
revogado o Código Brasileiro de Telecomunicações, incluindo-se os dispositivos informados.
4.2.2 Código Eleitoral – Lei 4.737/65
O Código Eleitoral menciona a indenizabilidade do dano moral, especificamente, no
art. 243, cujo §1º , em outras palavras, se expressa no sentido de que a reparação por dano
moral proveniente de calúnia, difamação ou injúria será suportada pelo causador da ofensa e,
de forma solidária, pelo partido político do mesmo, e por todo aquele que, de qualquer forma,
se favorecendo do ato ilícito, tenha contribuído para sua caracterização.
Fácil entender que a indenização por dano moral prevista no Código Eleitoral, se
realize no Título III deste diploma, que cuida da propaganda partidária, já que esta, na lição de
Pinto Ferreira, por representar uma técnica de apresentação de argumentos e opiniões
dirigidas ao público, “ de tal modo organizada e estruturada para induzir conclusões ou pontos
de vista favoráveis aos seus anunciantes”, configura-se num “ poderoso instrumento para
conquistar a adesão de outras pessoas, sugerindo-lhes idéias que são semelhantes àquelas
expostas pelos propagandistas” (2008, p.289, apud ELIAS, p.52).
Demonstrada a importância da propaganda eleitoral no regime democrático, justifica-
se a previsão constante no dispositivo, relativa à indenização por dano moral.
32
O Código Eleitoral, a seu turno, prevê, na reparação do dano moral2, a aplicação, no
que couber, dos arts. 81 a 88 do Código Brasileiro de Telecomunicações, que, diga-se
novamente, foram revogados pelo Dec-Lei nº 236/67. No mais, a lei em apreciação não
apresenta parâmetros quantitativos próprios para o cálculo da indenização ressarcitória.
4.2.3 Lei de Imprensa – Lei 5.250/67
A Lei de Imprensa, ao regular a liberdade de manifestação do pensamento e da
informação, cuidou, ainda, da reparação por dano moral, reportando-se expressamente ao
dano aqui enfocado:
Art. 46: No exercício da liberdade de manifestação de pensamento e da informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar os danos morais e materiais.
Encontramos, ainda, na referida lei a indicação de critérios quantitativos que balizam o
procedimento da aferição do valor, ao fixar a indenização a ser arbitrada para o jornalista
profissional que concorre para o dano, limitando-a, em cada escrito, transmissão ou notícia,
nos seguintes termos:
Art. 51: I - a dois salários mínimos as região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado; II - a cinco salários mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decoro de alguém; III - a 10 salários mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém; IV - a 20 salários mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção a verdade.
2 Previsão constante do art. 243, § 2º da Lei 4..737/65.
33
A liberdade de imprensa constitui-se num tema que suscita aparente conflito, pois, se
temos a Lei Maior, que garante a liberdade de informação dos veículos de comunicação, a
teor dos arts. 5º, IX e 220, § 1º e 2º da Constituição Federal, ao mesmo passo tem-se a lei
especial, que disciplina a responsabilidade da empresa jornalística e do profissional que
elabora a reportagem.
Analisemos a dicção na Carta Magna do dispositivo supracitado:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independente de censura ou licença. Art.229:
§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (...).
§ 2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística.
Diante da conjectura que se forma, tomamos a indagação de Sérgio Cavalieri:
Até que ponto, entretanto, escudada nessa liberdade de informação, pode uma empresa de jornalismo invadir a intimidade alheia, divulgando fatos da vida privada, ou mesmo pública, ofensivos ou injuriosos? Até que ponto pode se valer da imagem de outrem para dela tirar proveito econômico? Tenho como certo que o limite é encontrado no próprio Texto Constitucional (2010, p.106)
Não abordaremos aqui a diferença entre a crítica jornalística e a ofensa que dará ensejo
ao dever de indenizar, bem como outras questões atinentes a este tópico especificamente. Não
se propõe este trabalho a aprofundar-se nestas questões, mas, antes de tudo, de elucidar os
pontos correlativos cujo entendimento se faz necessário para a compreensão geral do tema.
Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou seu entendimento em sentido
desfavorável à aplicação tarifada prevista na Lei de Imprensa, concluindo que a mesma “não
foi recepcionada pela Constituição de 1988, não se podendo admitir, no tema, a interpretação
da lei conforme a Constituição”3, ademais, “admitir a existência da limitação tarifada
3 REsp 85.019/RJ. Acórdão da lavra do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, apud ELIAS, Op.cit, p. 62.
34
corresponderia a aceitarmos ou admitirmos a existência de uma interpretação da Constituição,
conforme a lei ordinária que lhe é anterior (...), tal interpretação pode gerar mesmo uma
interpretação inconstitucional, o que seria um absurdo”4.
4.2.4 CDC – Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90
O Código de defesa do Consumidor, diferentemente dos diplomas até aqui
mencionados, tem o mérito de ter sido editado sob a égide da nova Ordem Constitucional,
consagrando, categoricamente, a reparabilidade do dano moral em seu art.6º, incisos VI e VII,
alargando com isso o leque de abrangência do conceito, pois muitas são as relações jurídicas
estabelecidas atualmente na sociedade, enquadradas no feixe das relações de consumo, que
demandarão a reparação por esse tipo de dano.
Art.6º: São direitos básicos do consumidor: VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica ao necessitados.
Isto posto, dúvida não há a respeito da importância e necessidade de tutela específica
que ampare a reparação do dano moral no âmbito consumeirista, tendo em vista que a
sociedade moderna atual caracteriza-se pela, digamos, “enxurrada” crescente do número de
produtos e serviços, dando ao assunto ora em pauta – a defesa do consumidor – status de tema
dos mais atuais do Direito.
4 REsp 103.307/SP.Voto proferido pelo Min. Carlos Alberto Menezes Direito apud ELIAS, Op.cit, p. 61.
35
4.2.5 Lei dos Direitos Autorais – Lei 9.610/98
Também editada após a Carta Magna, a Lei 9.610/98 encontra assento constitucional5
e protege, amplamente, os direitos autorais de natureza moral, expressando-se claramente
neste sentido, a que tomamos como por exemplo:
Art.22: Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. Art.27: Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
Tópico merecedor de destaque é o alusivo ao direito autoral, ramo moderno do direito,
que remonta sua autonomia legislativa ao advento da Lei 5.988/73 (revogada pela Lei
9.610/981, com exceção do art. 17 e seus 1º e 2º ). Oportuno esclarecer que, anteriormente, o
Código Civil de 1916 já regulamentava a matéria sob o título “A propriedade Literária,
Científica e Artística”6 .
Cumpre ressaltar que a Lei de Direitos Autorais prevê os casos que poderão ensejar
reparação por dano moral, porém é omissa quanto aos critérios a serem apurados nessa
reparação.
4.2.6 ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90
Ao dispor sobre a proteção integral da criança e do adolescente, o ECA, como é
conhecida a Lei 8.069/90, assim estabelece:
Art.15 : A criança e o adolescente tem direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
5 Diz o inciso XXVII do art.5º da CF/88: Aos autores pertencem o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar. 6 Arts. 649 e 673 do CC/1916
36
O ECA impõe a consideração da inviolabilidade da integridade física, psíquica e
moral da criança e do adolescente,7que, indubitavelemente, consistem em direitos morais,
mas vê-se que quase nada mais acrescenta nesse quesito, pois apenas reafirma os preceitos
constitucionais de dignidade da pessoa humana, não contribuindo com o oferecimento de
caracteres que busquem, efetivamente, uma reparação ao dano causado.
4.2.7 Lei 9.140/95
A Lei 9.140 busca amainar “a mácula cinzenta deixada na sociedade brasileira pelos
anos obscuros de ditadura militar”. Não se refere expressamente ao dano moral, mas
estabelece que a reparação se dará a “título reparatório”, nos casos em que se reconheçam
como mortas “as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação,
em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que,
por este motivo tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, desde então,
desaparecidas, sem que delas haja notícia”8.
A Lei, fixa, ainda uma quantia a ser paga como indenização consistente num valor
único “igual a R$ 3.000,00 (três mil reais) multiplicado pelo número de anos correspondente à
expectativa de sobrevivência do desaparecido (...)”, asseverando que “em nenhuma hipótese o
valor da indenização será inferior a R$ 100.000,000 (cem mil reais).
Vê-se, claramente, nesta lei, o atendimento ao caráter compensatório da reparação ao
se estabelecer um patamar mínimo do quantum debeatur, que inclusive poderá servir de
conveniente critério nos casos de homicídio de um modo geral, aqueles que, obviamente,
demandem a reparabilidade por dano moral.
7 Nos termos do art.17 do ECA: O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridades física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. 8 Redação dada pela Lei 10.536/2002.
37
4.3 PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Primeiramente, enfatize-se que o Diploma Civil de 1916 não fez uso da denominação
dano moral, ou nenhuma outra semelhante, valendo-se, simplesmente, do vocábulo dano.
Art. 159: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
Destarte, mediante regras e princípios da hermenêutica jurídica, faz-se imperiosa a
interpretação teleológica e sistemática do dispositivo em questão, buscando a real finalidade
social almejada pelo Direito. O entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o
legislador, ao valer-se da expressão, pura e simples dano, o fez sem restringi-lo, sendo
perfeitamente possível aduzir daí que neste estejam compreendidos o material e o
extrapatrimonial, conforme o interesse tutelado atingido, seja este de caráter econômico ou
moral9.
A propósito, em defesa de uma interpretação mais atenta ao conteúdo social
embutido na lei, merece transcrição o comentário de Caio Mário da Silva Pereira:
A meu ver, a aceitação da doutrina que defende a indenização por da no moral repousa numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio art.159 do Código Civil que, ao aludir à violação de um direito, não está limitando a reparação ao caso de dano material apenas. Não importa que os redatores do Código não hajam assim pensado. A lei, uma vez elaborada, desprende-se da pessoa dos que a redigiram. A idéia de interpretação histórica está cada vez menos autorizada. O que prevalece é o conteúdo social da lei, cuja hermenêutica acompanha a evolução da sociedade e de suas injunções (2008, p.57).
9 De acordo com o art. 76 do antigo diploma: Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou mora.l
38
O Novo Código Civil – Lei 10.406/02, por sua vez, incorporou o dano
extrapatrimonial ao direito positivo no nível infraconstitucional, trazendo consigo expressa
referência ao dano moral:
Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Grifo nosso.
De um modo geral, em termos de reparação, encontramos em ambos os Códigos
matéria específica para certas hipóteses10 que, não obstante a importância de cada uma delas,
acrescentada de respectivo respaldamento doutrinário e legal, não caberiam no corpo do
presente trabalho monográfico.
Conforme se verificou no decorrer deste Capítulo, a reparação do dano moral no
direito positivo brasileiro encontra disciplina em dispositivos esparsos, que se aplicam, via de
regra, àquelas relações jurídicas específicas, no âmbito de incidência da legislação especial.
Nas demais hipóteses por esta não abarcadas, buscar-se-á no Código Civil assento jurídico
que resguarde a reparabilidade do dano moral.
Porém, o ponto central para o qual convergem as maiores dificuldades reside no fato
que, diante da ausência de critérios previamente fixados em lei e de necessariamente ter que
se estabelecer o quantum indenizatório para a reparação, o magistrado, na busca de critérios
para a aferição desse montante, deverá ingressar num terreno altamente subjetivo, qual seja, o
da avaliação do dano moral.
10 No CC/1916: arts.1537 a 1553, onde estão indicados critérios para liquidação de obrigações resultantes de homicídio, ferimento ou outra ofensa à saúde, usurpação e esbulho, injúria, calúnia, ofensas à honra feminina, ao pudor e à liberdade sexual e pessoal. No CC/2002: os dispositivos correspondentes encontram-se inscritos nos arts. 948 a 954.
39
5 DA AVALIAÇÃO DO DANO MORAL
Deparamo-nos, ao decorrer do processo de pesquisa para elaboração do presente, a
utilização de várias denominações pelas quais se busca expressar o conteúdo da decisão que
determina o valor cabido a título de indenização nas reparações por dano moral.
Diante das matizes que denota o assunto, não é tarefa das mais fáceis a avaliação do
dano que ora se analisa. Por isso, teremos que considerar as ponderações de Maria Francisco
Carneiro acerca dos vocábulos quantificação, mensuração e aferição, quando se cuida de
reparação do dano moral, no sentido de que estas, tomadas em strictu sensu, parecem
encerrar a idéia em termos de quantidade, propriamente dita, sendo então, preferível “o
vocábulo avaliação, que comporta métodos plurais de apreciação e remonta à idéia de valor”
(2008, p.14 apud ELIAS, p.122, grifo nosso).
5.1 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO
Adotaremos, conforme indicação em doutrina e jurisprudência11, a classificação dos
sistemas de avaliação do dano moral, em tarifado e aberto, conforme se verifique as
condições da existência ou não de critérios predeterminados em lei que norteiem a
estipulação do quantum devido pelo ressarcimento.
5.1.1 Sistema tarifado
Entende-se como sistema tarifado aquele pelo qual os valores são previamente
estabelecidos em legislação especial. Já constatamos que fora adotado em poucas hipóteses e
11 Helena Elias e Carlos Alberto Bittar são alguns dentre os doutrinadores que adotam tais denominações.
40
mesmo assim para as situações específicas nela estabelecidas (Lei de Imprensa, Código
Brasileiro de Telecomunicações e Código Eleitoral, vide Capítulo 4, seções 4.2.1 a 4.2.3).
Mediante o sistema tarifado, aplica-se, por analogia, os critérios fixados nessas leis
para que sirvam de parâmetro na determinação do valor cabível a título indenizatório, mas é
sistema que encontra divergência na doutrina. O jurista Miguel Reale adverte que em caso de
não haver “correspondência entre os pressupostos fatuais e valorativos, o emprego da
analogia pode levar a erros graves”(2008, p.26 apud ELIAS, p.125).
Por sua vez, pondera Guilherme Couto de Castro que é de boa conduta que sejam
“adotadas como ponto de partida, normas legais que estabeleçam algum critério”, e considera
válido e mesmo “ recomendável o recurso analógico à Lei de Imprensa ou ao já revogado
Código Brasileiro de Telecomunicações, que trabalham com piso e teto para fixar, apuradas
as circunstâncias, o dano moral em casos específicos de lesão à honra” (2010, p.26-27).
No entendimento jurisprudencial:
Na linha da jurisprudência deste Tribunal, no entanto, a responsabilidade tarifada prevista na Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, de sorte que o valor da indenização por danos morais não está sujeita aos limites nela previstos (STJ, 4ª Turma, REsp 513.057-SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira)
A jurisprudência dominante do STJ, como é possível perceber, tem firmado seu
posicionamento no sentido de refutar a aplicação do sistema tarifado nos casos de aplicação
analógica e até mesmo nas hipóteses específicas abarcadas naquelas leis, visto que são todas
anteriores a 1988, e, portanto, promulgadas antes do advento da Constituição Federal12.
12 ELIAS, Helena. O dano moral na jurisprudência do STJ. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, p. 125.
41
5.1.2 Sistema aberto
Quando referimo-nos ao sistema aberto, queremos destacar a opção, legislativa ou
jurisprudencial, de se atribuir discricionariedade ao Magistrado para fixar, segundo os
elementos da situação concreta, o quantum entendido justo para fins de reparação.
Cuida-se de tarefa que requer investigação minuciosa, posto que estamos falando de
dano moral, teoricamente impossível de ser aferido pecuniariamente, mas que, a todo custo,
precisa sê-lo, na medida que pretende uma quantificação pelo ressarcimento dano acometido.
Em comparando-se os dois sistemas, não no aspecto da melhor opção a ser tomada
como parâmetro, mas naquilo que parece ser o critério mais usual, o sistema aberto “é, sem
sombra de dúvida, o critério preferido pela doutrina e jurisprudência, especialmente do STJ. O
Ministro Eduardo Ribeiro assevera que ‘a fixação de critérios objetivos, conducentes a uma
importância preestabelecida, não propicia bons resultados’, tal a variedade de ofensas que
podem ser objeto de apreciação judicial”13.
Postas estas considerações, conclui-se que, por ora, “ a matéria está entregue ao
prudente arbítrio do juiz”(BITTAR, 2009, p.10).
E é justamente nesse campo que nos lançaremos agora, passando, finalmente ao foco
central do estudo desta monografia, que é o arbitramento pelo juiz da fixação do quantum
indenizatório em matéria de dano moral, bem como os critérios pelos quais se pautam os
Magistrados quando da aferição do montante.
13 Dano Moral, RDR, nº 7, p.10 apud Op.cit, p.126.
42
5.2 O ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO
Compreende-se por arbitramento o procedimento que se promove no sentido de
apreciar-se o valor de certos fatos ou coisas, de que não se têm elementos pré-determinados
para a avaliação.
A respeito do arbítrio exercido pelo juiz na fixação do quantum indenizatório, Rubens
Limongi França comenta:
A boa doutrina pondera que inexistam caminhos exatos para se chegar à quantificação do dano moral, levando-se em conta a ponderação e a responsabilidade do juiz, a fim de que alcance o equilíbrio na fixação do quantum da indenização. (FRANÇA, 2000, p.631/34-36)
De acordo com Christino Almeida do Valle
Prevalece o livre arbítrio do magistrado, conforme a doutrina e a jurisprudência. Ele fixa a pena, com o seu critério subjetivo quando se trata de direito penal, como de resto, estabelece a quantum indenizatório na condenação dos danos ressarcitórios de ordem patrimonial. Aí é importante e vasto o critério do magistrado, porque ele leva em conta a eqüidade e as circunstâncias que rodeiam cada caso e quantia a ser fixada deve corresponder à lesão, mas não equivalente por ser isso impossível. (VALLE,1996, p. 141).
Nos casos de configuração de dano moral não contemplado em lei, e, como vimos, até
mesmo diante de prévia contemplação, a reparação correspectiva ficará ao arbitramento do
magistrado judicante.
No que tange ao assunto, aproveitamos para anotar os seguintes dispositivo do nosso
Código de Processo Civil:
Art.606: Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:
43
I - determinado pela sentença ou convencionado pelas partes II - o exigir a natureza do objeto da liquidação Art.1533: Nos casos não previstos neste Capítulo, se fixará por arbitramento a indenização.
Por se tratar de arbitramento fundado exclusivamente no bom senso e na eqüidade,
ninguém, além do próprio juiz está credenciado a realizar a operação de fixação do quantum
com que se repara a dor moral.
Está solidamente estabelecida na doutrina que, não apenas o poder de decidir sobre a
existência e configuração do dano moral, mas também, e, sobretudo, a sua quantificação,
correspondem a temas que somente podem ser confiados ao prudente arbítrio do julgador.
Clayton Reis citando Aguiar Dias esclarece:
A condição de impossibilidade matematicamente exata da avaliação só pode ser tomada em beneficio da vítima e não em seu prejuízo. Não é razão suficiente para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer equivalente estado, porque, em matéria de dano moral, o arbítrio é da existência das coisas (DIAS, 1995, apud REIS, 2002, p.141).
Vale destacar a lição de Maria Helena Diniz, que, atenta ao caráter compensatório-
punitivo da indenização, sustenta que, ante a ausência de critérios consolidados para a
aferição do quantum debeatur do dano moral, competirá ao juiz determinar, ou melhor,
arbitrar um valor (prudente) para a compensação do dano e punição do lesante (2003, p. 93).
Reconhece-se a dificuldade em se determinar um quantum indenizatório em virtude
da própria natureza do dano moral, do caractere que lhe é peculiar, que uma vez lesionado,
impossível a restitutio in integrum, em face das diversas questões que o arbitramento nos
conduz a indagar, e, nesse contexto, não poderíamos deixar de inscrever as palavras da
doutrinadora:
Como chegar a uma reparação justa do dano moral? Como apurar o
quantum indenizatório, se o padrão moral varia de pessoa para pessoa e se tanto o
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próprio nível social, econômico, cultural e intelectual como o meio em que vivem os interessados repercutem no seu comportamento? Se a reparação do dano moral não tem correspondência pecuniária, ante a impossibilidade material de equivalência de valores, como poderá ser absoluta e precisa? (DINIZ, 2009, p.93)
Decerto, ao magistrado é conferido o poder de realizar a justiça na sua concepção
mais ampla possível e, no exercício desse poder de arbítrio deverá valer-se da técnica
jurídica, adequando o montante à realidade social. A ele compete o cumprimento das normas
legais de forma a estabelecer o verdadeiro sentido entre o direito e a justiça.
A propósito, vejamos o entendimento de Carlos Alberto Bittar:
Deve-se, pois, confiar à sensibilidade do magistrado a determinação da
quantia certa (...). O contato com a realidade processual e com a realidade fática permite-lhe aferir o valor adequado à situação concreta. (1999, p. 63)
Nestes moldes, o juiz, perspicaz e atento aos mecanismos do direito e da dignidade da
pessoa humana, avaliará as circunstancias do caso e arbitrará os valores compatíveis com
cada situação. Para tanto, deve ser considerada uma gama de elementos, buscando-se, para o
caso sub judice, o estabelecimento de critérios que sirvam de parâmetros para a quantificação
da reparação.
5.3 CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR
Para nortear o arbitramento da fixação do quantum debeatur devido pela reparação do
dano moral, o órgão judicante recorre à análise de alguns parâmetros que lhe sirvam de
baliza, dos quais apontaremos os mais considerados nessa operação.
A partir das pesquisas realizadas em sede doutrinária, foi possível unir, num único rol
os critérios mais usuais, aos quais procederemos à decomposição de suas principais idéias.
5.3.1 Gravidade da lesão (ou extensão do dano)
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A gravidade da lesão, ou, em outra expressão, a extensão do dano, é critério por
excelência na indenização ressarcitória e encontra referência no Código Civil vigente:
Art.944: a indenização mede-se pela extensão do dano Parágrafo Único: se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Na verdade, o dispositivo informado conjuga três fatores, quais sejam, a extensão do
dano, a gravidade da culpa, e a proporcionalidade, que deverão ser resguardados na ocasião
do arbitramento.
Neste sentido:
Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável (DINIZ, 2008, p. 93).
Helena Elias entende que a lesão mais grave, teoricamente, parece ser aquela que
atinge a vida, “sendo o evento morte correspondente ao dano de maior magnitude e, portanto,
ensejador de indenizações mais elevadas” (2008, p.135).
5.3.2 Intensidade da culpa do lesante14
Eis outro fator a ser considerado na mensuração do quantum indenizatório.
O fator culpa, conquanto essencial para que se configure o dever de indenizar, desempenha
papel secundário em termos de avaliação do dano moral, causando de dissenso na doutrina.
14 Toma-se a culpa no seu sentido amplo, compreendendo o dolo e a culpa strictu sensu.
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Em se tratando de dano proveniente de ato ilícito, tem-se como certa a
obrigatoriedade de reparação, aplicando-lhe as facetas compensatória e punitiva na ocasião
da avaliação.
Entretanto, em sendo conduta lícita a causadora da lesão, há divergências entre os
doutrinadores quanto à configuração ou não do dano moral, e em assim sendo, não há que se
falar em indenização.
No sentido do descabimento da indenização:
(...) havendo regular exercício do direito, a indenização não o compreenderá, em regra. O dano moral é composto, em nosso direito, de uma face compensatória e outra punitiva. Inviável falar-se em punição, havendo liceidade de comportamento e, quanto à outra face, se a própria lei estabelece que a conduta deve ser admitida, não dará ela ensejo ao dano moral. (CASTRO, 2000, p.313)
Em posicionamento contrário, no sentido da configuração do dever de indenizar
independente de culpa:
(...) inquestionável a reparação pelo dano moral sofrido em decorrência daquelas atividades cuja verificação prescinde de averiguação de culpa. (...) exatamente por esse motivo (...) seu arbitramento não deve raiar ao excessivo, desmesurado, mas comportar-se nos limites da razoabilidade, sendo proporcional ao gravame, usualmente experimentado (ROLDÃO, 2000, p.105 apud ELIAS, 2008, p.142).
A despeito do entendimento diverso exposto nas inscrições acima, extrai-se um ponto
unânime: de que se o ato causador do dano moral não reveste-se de ilicitude, em caso de
acolhimento da reparação, esta não atentará para a função sancionatória (posta a isenção da
culpa), devendo o arbitramento orientar-se somente pela função compensatória, pois “nada
obsta a reparabilidade calculada exclusivamente neste particular” (MONTEIRO FILHO,
2008, p.153 apud ELIAS, Op.cit., p. 141).
5.3.3 Situação econômico-social dos envolvidos
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Importante critério a ser observado pelo órgão judicante na apreciação da reparação
do dano é a situação econômica, bem como a político-social das partes envolvidas – a do
ofensor e a do ofendido. Não deve ser considerado fator preponderante, mas sim de ordem
complementar.
É pela aplicação deste critério que se pretende evitar que, ao se corrigir um
desequilíbrio, criado pela lesão perpetrada, esteja gerando outro ainda mais grave, oriundo de
condenação inócua, seja pela insignificância ou pela impossibilidade econômica de ser
suportada pelo ofensor 15.
Assim, o montante fixado na condenação, não poderá ser irrisório, ou seja, que não
traduza para a vítima o caráter de satisfação; nem tão vultosa para o lesante a ponto de tornar-
se impraticável economicamente.
Trazemos à inscrição Acórdão do TJ/RJ16, que considera a situação econômica das
partes, a fim de mostrar-se justo:
O critério de fixação do valor indenizatório do dano moral levará em conta tanto a qualidade do atingido como a capacidade financeira do ofensor, de molde a inibi-lo a futuras reincidências, ensejando-lhe expressivo, mas suportável gravame patrimonial.
Embora de caráter complementar, o critério que considera o porte econômico das
partes, carece de cuidadosa aplicação, para que, assegurando o princípio da igualdade, não
incorra no risco de atribuir tratamento privilegiado aos mais favorecidos:
Procedendo-se assim se atende não somente a razões mais objetivas, como
também de justiça, já que como todos são iguais perante a lei, não há que se falar em reparação maior para o mais rico e menor para o mais pobre, em tema de dano moral17.
15 ELIAS, Op.cit, p.146.
16 3º Grupo de Câmaras, 10/09/1995, RJTJRS 176/250, apud CAHALI, 1999, p.34
17 MONTEIRO FILHO, 2000, p.15 apud ELIAS, 2004, p. 58.
48
5.3.4 Razoabilidade/Proporcionalidade
O critério da proporcionalidade (ou razoabilidade) guarda estreita relação com o
princípio da vedação em excesso, tendo sido há muito preconizado no Direito
Administrativo.
Trata-se de um paradigma inerente a toda e qualquer função pública, alcançando, de
igual modo, o magistrado no exercício da função jurisdicional.
(...) a proporcionalidade (...) é parâmetro de controle da atuação daqueles
que exercem função pública de qualquer espécie, especialmente no campo das atividades discricionárias, em que a lei confere margem de opção ao agente público18.
Evita-se, ao nortear-se pelo critério da proporcionalidade a fixação de valores
aleatórios, despreocupados com a justiça da causa. “Como ensina Venosa, ‘somente quando o
caso concreto for de dificílima solução, fugindo até mesmo dos padrões utilizados pela
doutrina e jurisprudência, deverá ser admitido um critério exclusivamente subjetivo do juiz,
mas que sempre deverá agir com prudência e pautado na razoabilidade19 ”.
5.3.5 Exemplaridade
Entende-se como exemplaridade a qualidade daquilo que pode servir como exemplo.
O critério a que ele remonta, por sua vez, tem a ver com o caráter punitivo da reparação, com
um diferencial vantajoso: “se amoldar com maior grau de adequação e aceitabilidade, ao
18 ELIAS, Op.cit, p.150. 19 VENOSA, apud REIS, 2009, p. 70.
49
ordenamento jurídico pátrio, sem o inconveniente, apontado por Humberto Theodoro Júnior,
de ensejar uma pena sem prévia cominação legal20.
Em síntese, ao pautar-se pela exemplaridade, na reparação do dano moral, o juiz
estará fixando um valor que, se não impeça, ao menos diminua, a possibilidade de retorno
do ofensor a futuras práticas lesivas, servindo de modelo não só para este, mas como para
toda a sociedade, de modo geral.
5.4 TEORIA DO DESESTÍMULO E A INFLUÊNCIA DA DOUTRINA NORTE
AMERICANA DO EXEMPLARY DAMAGE
Como vimos no decorrer do presente, a reparação do dano moral deverá compreender
a função compensatória e sancionatória, entendimento que resta consolidado atualmente por
nossa doutrina e jurisprudência.
O sistema do exemplary damage (punição exemplar) privilegia a fixação do quantum
indenizatório focado predominantemente no caráter punitivo da reparação dos danos morais e
tem origem nas esferas jurídicas da Inglaterra e dos Estados Unidos da América do Norte,
onde indenizações milionárias enriquecem as vítimas de ofensas morais.
Segundo Humberto Theodoro Júnior, é inadequado, no cenário pátrio, o sistema do
exemplary damage, sobretudo, pelo próprio contexto econômico-social do país, e assinala
que o enriquecimento sem causa é repudiado por todos os tipos de ordenamentos jurídicos e,
mais do que simples regra positiva, ostenta a natureza de princípio geral do direito. Vejamos
sua lição:
Se no direito norte-americano pode acontecer o emprego da indenização do dano moral como meio primitivo, duas observações, no entanto, se impõem: a) não são todas as indenizações da espécie que assumem proporções de maior vulto; apenas em casos de grande repercussão social, o júri delibera transformar a indenização ressarcitória em indenização punitiva. No comum dos casos, as cortes se limitam a pequenas reparações; b) o direito americano está assentado em bases institucionais e sistemáticas muito diferentes das vigorantes no direito nacional.
20 Op.cit, p.145.
50
Aqui, entre nós, o uso da sentença civil para transformar a indenização do prejuízo individual em pena, sem que lei alguma o autorize, ofende a garantia constitucional do nulla poena sine lege (CF, art.5º, XXXIX) 21
Mas a doutrina norte-americana também encontra adeptos no Brasil, dentre os quais
destacamos Carlos Alberto Bittar, ao observar que a fixação do valor serve como desestímulo
a novas agressões; Daí a teoria do desestímulo, cuja idéia é que o ofensor sinta em seu
patrimônio a reprimenda, como uma pena, e que a indenização seja fixada quantia
significante em termos econômicos haja vista as potencialidades do patrimônio do lesante. E
conclui:
A exacerbação da sanção pecuniária é fórmula que atende às graves conseqüências que de atentados à moralidade individual ou social podem advir. Mister se faz que imperem o respeito humano e a consideração social como elementos necessários para a vida em comunidade (2008, p.220, grifo nosso).
Sergio Cavalieri, ao seu ver, parece não concordar com o que apregoa a chamada
teoria do desestímulo, ao expor sua concepção acerca das indenizações de grande vulto:
Recordo-me dos primeiros julgados concedendo reparação pelo dano moral. Falavam de uma compensação pela dor, pelo sofrimento, algo que pudesse substituir a tristeza pela alegria, como uma televisão, um aparelho de som (entre as classes mais humildes), uma viagem de férias (para pessoas mais abastadas). Hoje, tenho me surpreendido com sentenças que concedem quantias astronômicas, às vezes milhares de salários mínimos, a título de dano moral, sem qualquer critério científico, nem jurídico (2010, p.81).
Infelizmente, diante da inexistência de fatores exatos previamente fixados para se
chegar à quantificação do valor a ser percebido a título de dano moral, deparamo-nos, não
raro, com o confronto de julgados que, ainda que versem sobre o mesmo objeto e guardem
peculiaridades semelhantes no caso em apreço, denotam extrema disparidade quanto ao valor
arbitrado da indenização ressarcitória.
A despeito de existirem julgadores sem preparo, que não recorrem a nenhum tipo de
critério na aferição do quantum, fixando-o aleatoriamente, as decisões sempre poderão ser
21 Op. Cit., p.65.
51
reapreciadas por nossos Tribunais, que parece, com base na jurisprudência abordada sobre o
tema, se encontrarem bem instruídos para proceder-se àquela operação.
5.5 SUPOSTA EXISTÊNCIA DA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL”
Fala-se, atualmente, na existência de uma certa “ indústria do dano moral”. Em
verdade, tem-se conhecimento que algumas pessoas resolvem provocar e inflacionar o Poder
Judiciário com a propositura de ações indenizatórias em virtude de terem ocorrido apenas
meros aborrecimentos, dissabores comuns no cotidiano, que não configuram atentado ao
direito que corresponda a dano moral.
O assunto merece destaque especial principalmente se analisamos decisões de juízes
brasileiros que, na esteira da jurisprudência norte-americana, na qual predomina,
excessivamente da doutrina do exemplary damage), quando estabelecem valores altamente
dezarrazoados, de somas milionárias, para as indenizações por danos morais.
Equivale a dizer que, a par das decisões que arbitram a indenização em quantias
astronômicas, contribuindo para os comentários acerca da existência da “indústria do dano
moral" ou ainda, de "loterias indenizatórias", estas acabam por se encaixar na doutrina do
direito alienígena do exemplary damage, estabelecendo, com a fixação de vultosa quantia, a
aplicação fundamentada no caráter punitivo da reparação.
Ao aspecto que o tema remonta, podemos exemplificar com um caso no qual o
magistrado, no Estado do Maranhão, ainda no ano de 1997, arbitrou a sentença que condenou
o Banco do Brasil ao pagamento na quantia estipulada em R$ 255.500.000,00 (duzentos e
cinqüenta e cinco milhões e quinhentos mil reais) a um empresário em razão de devolução
indevida de cheque, por reparação de danos materiais e morais, montante que, inclusive,
52
distanciava-se completamente dos cálculos elaborados pelo do perito, conforme apurado dos
autos do respectivo processo22.
Os olhos da Justiça, atentos, afastaram as pretensões nos casos abaixo:
DANO MORAL - Responsabilidade civil - Compra e venda - Entrega de faqueiro acondicionado em caixa de papelão em vez de estojo de madeira, em desacordo com o que fora adquirido - Posterior entrega desse produto como presente de casamento - Inocorrência de dano moral - Caracterização como aborrecimento do dia-a-dia que não dá ensejo à referida indenização, pois se insere nos transtornos que normalmente ocorrem na vida de qualquer pessoa, insuficientes para acarretar ofensa a bens personalíssimos - Indenizatória improcedente - Recurso improviso23 (Grifo nosso). CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. INDENIZAÇÃO: DANO MORAL. I – O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem de mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável. II – Agravo não provido.24 (Grifo nosso).
Na ação de ressarcimento por dano moral, o pedido genérico feito na exordial é mais
um argumento que incentivaria a alegada indústria, justamente por diminuir o risco da
sucumbência para o autor, o que facilita ainda mais o ajuizamento das ações temerárias,
verdadeiras aventuras judiciais, motivadas pelos fatos mais banais e inconsistentes,
explicitando o real propósito de obter-se enriquecimento com a importância arbitrada na
sentença.
Tendo como existente a determinada “indústria”, crê-se que o sistemático processo de
não acolhimento de postulações dessa índole, aos poucos desestimulará os aventureiros e
acarretará, paulatinamente, na diminuição do volume que essas demandas são ajuizadas.
Por fim, à jurisprudência também cabe, fixando a indenização em valores razoáveis e
proporcionais ao dano, a incumbência de frustrar todo e qualquer intuito de obtenção de
enriquecimento ilícito pretendido com a propositura de ações ressarcitórias deste tipo.
22 AITH, Marcio. Maranhão tem indústria de indenização. Folha de S. Paulo, 8 de maio de 1997, 2º Caderno. 23 1º TAC/SP, PROCESSO: 1114302-1, AC.. 24 STF, RE 387014, AgR/SP.
53
CONCLUSÃO
A teor das pesquisas realizadas, no campo doutrinário e jurisprudencial, para a feitura
do trabalho que aqui se finda, extrai-se a conclusão, que, não obstante as opiniões mais
retrógradas, hoje, da maneira como se configura o assunto, indubitável é o fato da
ressarcibilidade do dano moral, ante mesmo sua consagração constitucional.
Como é sabido, ao ser humano lhes são assegurados uma vastidão de direitos, quais
sejam, os direitos de personalidade, tais como o direito à moral, à honra, à imagem, dentre
outros, cuja violação exige uma cominação de um tipo de sanção, ou seja, uma indenização
pelo dano causado à lesionado. A seu turno, a indenização fixada poderá ser revestida no
intuito de punir o ofensor ou de satisfazer a dor experimentada pelo ofendido,
compensando-o ao propiciar-lhe, com a indenização, alguns prazeres que poderão amainar
o dano outrora sofrido.
Verdade é que a doutrina e a jurisprudência ainda não pacificaram seus pareceres
no que diz respeito ao caráter, compensatório e punitivo, mais prevalecente na operação do
arbitramento do quantum, mas têm se esforçado no sentido de unificarem seus
entendimentos acerca do assunto. Entretanto, restou demonstrado que, até que haja, e se
houver, uma prefixação do valor indenizatório a ser aplicado a cada caso, fica a critério do
magistrado, fixar o quantum debeatur, considerando, de antemão, a eqüidade, ao guiar-se
sob a ponderação, mensuração, ou qualquer outro critério, desde que torne justa a
reparação do dano cometido, o que consiste no denominado sistema aberto de avaliação do
dano moral, que é feito pela operação de arbitramento.
Vimos também que o ressarcimento por dano moral encontra guarida em diplomas
de nível infraconstitucional, agasalhado, inclusive pelo Código Civil vigente.
54
Apesar de reconhecer-se que houve um considerável avanço, o tema ainda carece de
maior aprofundamento, já que, como visto, nem todas as questões a ele alusivas estão
consolidadas a ponto de ensejar unívoco entendimento.
Não se tem, todavia, como impeditivo à indenização por danos morais, esse fato, o da
doutrina e da jurisprudência ainda não terem pacificado seus entendimentos acerca do caráter
satisfativo ou punitivo do ressarcimento, nem muito menos a sistemática a ser adotada para a
determinação valor indenizatório.
Tem-se como verdadeira, a premissa de que o dano moral é sempre indenizável, desde
que proveniente de ato ilícito e que provoque lesão ao direito subjetivo de outrem. Se a
indenização terá o caráter de punir o ofensor ou satisfazer a dor experimentada pela vítima
ficará ao arbítrio do órgãojudicante.
Reitere-se que a finalidade a qual o trabalho monográfico se propôs não foi a de
criticar os sistemática de valoração atualmente adotada por nossos Tribunais, mas sim
demonstrar que a subjetividade do magistrado persiste mesmo quando se apresenta as
hipóteses previstas nos sistema tarifado, elevando o arbitramento como técnica mais sensata
para a fixação do cálculo do valor ressarcitório.
Por derradeiro, diante dos apontamentos realizados ao longo da pesquisa que aqui se
finda, pode-se concluir pela reparação por dano moral com base num sistema legal de
valoração para que seja possível o alcance da justiça, sendo indispensável ao julgamento do
caso concreto os parâmetros pautados na prudência, razoabilidade e proporcionalidade, e,
sobretudo, na eqüidade, que é a razão pela qual as demais se realizam. O arbitramento
fundado em tais parâmetros, inclinam-se a ensejar numa valiosa oportunidade concedida ao
Magistrado para que este, não adstrito aos ditames pré-fabricados em lei, descortine as mui
55
subjetivas facetas da reparação do dano moral, as que ainda encontram-se encobertas pelo
nosso Direito.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 7 vol., 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
ELIAS, Helena. O dano moral na jurisprudência do STJ. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.
REIS, Clayton. Avaliação do dano moral.Rio de Janeiro, Forense: 2008.
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