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FACULDADE MERIDIONAL – IMED
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTU SENSO EM
DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
CIDADANIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
Expressões para uma Estética de Alteridade
MAYARA PELLENZ
Passo Fundo - RS 2015
ii
COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL – IMED
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTU SENSO EM
DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
CIDADANIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
Expressões para uma Estética de Alteridade
MAYARA PELLENZ
Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em Direito, Democracia e Sustentabilidade da Faculdade Meridional – IMED, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino
Passo Fundo - RS 2015
CIP – Catalogação na Publicação
P386c Pellenz, Mayara
Cidadania e educação ambiental : expressões para uma
estética de alteridade / Mayara Pellenz. – 2015.
149 f.: il. ;30 cm.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Meridional – IMED, Passo Fundo, 2015.
Orientação: Professor Doutor Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino.
1. Cidadania. 2. Educação ambiental. 3. Direito e cidadania. I.
Aquino, Sérgio Ricardo Fernandes de, orientador. II. Título.
CDU: 34:504
Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857
Aos meus pais, pela alegria, pelo incentivo na busca
dos meus objetivos, pela compreensão das
minhas falhas humanas, e que são a tradução mais
pura e sincera daquilo que se chama Amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela oportunidade de concluir esta pesquisa e pelos momentos
de superação durante todo o Curso de Mestrado.
Aos meus pais, Erni Cesar de Oliveira Pellenz e Angelita Rosecler dos
Santos Pellenz, que não pouparam esforços na minha jornada acadêmica até
aqui. O apoio, emocional e financeiro, foi fundamental para que esta conquista
fosse possível. A meu irmão, Matheus dos Santos Pellenz, que esteve presente
em cada uma das minhas etapas acadêmicas.
Aos meus avós, pelo exemplo de força, alegria e honestidade.
Ao Prof. Dr. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino por ter compartilhado
seu profundo conhecimento sobre o conjunto da obra de Michel Maffesoli,
guiando-me em todas as dificuldades teóricas que iam surgindo no decorrer da
pesquisa. Por ter aceitado com entusiasmo orientar-me nesta e em outras
pesquisas científicas, por estar atento as minhas falhas e compreensível com
as minhas limitações, apontando o melhor caminho a ser seguido. Agradeço
pelas lições de vida, pelo convívio e pela oportunidade de termos formado uma
amizade que, a cada etapa, fica mais fortalecida. Agradeço pela sabedoria,
sensibilidade e por ter me possibilitado um novo modo de pensar as ciências
jurídicas e o Direito, por meio da fraternidade e da Solidariedade. Se o
resultado desta dissertação não expressa todo o seu empenho, certamente,
cabe a mim o demérito por não ter vencido todas as imprecisões apontadas.
Aos Professores Doutores Márcio Ricardo Staffen, Maurizio Oliviero e
Jacopo Paffarini, que acompanharam e receberam os alunos na Università
degli Studi di Perugia, na Itália, possibilitando o acesso as obras na Biblioteca e
incentivando o crescimento pessoal e acadêmico dos alunos nesta
oportunidade.
As Professoras Doutoras Salete Oro Boff e Marília Denardin Budó, pelo
apoio, parceria e amizade
A colega Ana Cristina Bacega De Bastiani por compartilhar todos os
momentos desta jornada acadêmica, na certeza de que nossos objetivos são
comuns e que nossa amizade está selada por toda uma vida.
Aos colegas de Mestrado: Daniela dos Santos, Eduardo Medina, Luana
Cavalheiro, Cristina Bohrer, Marlon Kamphorst e Mariana Martini Motta por
compartilharem das alegrias e das angústias desta jornada acadêmica.
Aos amigos, que renovam a energia e onde busco incentivo e força nos
momentos de fraqueza.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, não foram mencionados,
mas que contribuíram para que esta pesquisa pudesse ser concluída.
Agradeço ao Planeta Terra, pela grandiosidade e complexidade de sua
dinâmica natural, que nos dá água, ar, fauna, flora, tantos outros elementos,
mas especialmente, a Vida.
E ao princípio, sempre!
RESUMO
Esta dissertação está inserida na Linha de Pesquisa Fundamentos do Direito e
da Democracia. A sua composição teórica pretende descrever de que modo a
Estética de Alteridade e a Educação podem contribuir na construção de uma
Cidadania Ambiental, a partir de uma perspectiva de integração sul-americana.
Para tanto, o fundamento teórico é realizado por meio da pesquisa bibliográfica
e da análise de documento, inclusive legais, sobre o tema. Meio Ambiente,
Sustentabilidade, Educação e Cidadania estão, na Pós Modernidade,
adquirindo cada vez mais relevância, devido às transformações tecno-
cientificas dos últimos anos. Os conceitos apresentados estão interligados e
denotam uma possibilidade de integração para além dos limites territoriais de
um determinado país. A categoria Cidadania altera-se de sua concepção
tradicional a partir do fenômeno da Transnacionalidade e Globalização.
Somente a Educação, com enfoque ambiental, é capaz de esclarecer os novos
significados destas categorias no tempo presente. A Cidadania Ambiental é o
critério transversal de união entre os povos sul-americanos na construção de
uma sociedade justa, solidária, democrática e sustentável.
PALAVRAS-CHAVE: Estética de Alteridade; Educação Ambiental; Cidadania
Ambiental.
ii
ABSTRACT
This dissertation in inserted in the Research Line of Foundations of Law and
Democracy. Its theoretical composition intends to describe in what matter the
Aesthetic of Alterity and the Education can contribute in the construction of an
Environmental Citizenship, from a perspective of South-American integration,
as is the setting of UNASUL. The theoretical foundation is accomplished by
bibliographic research and document analysis, even legal ones about the topic.
Environment, Sustainability, Education and Citizenship are, in post modernity,
becoming more and more relevance, due to the techno-scientific
transformations on the last years. The concepts presented are intertwined and
denote a possibility of integration beyond geographic and territorial limits of
countries. The Citizenship category is resized from the phenomenon of
Transnationality of the Globalization, and only Education environmentally
focused is able to clear the new meaning of these categories in the present
moment. Environmental Citizenship is a criterion for the union between south-
American peoples on the construction of a righteous, solidary, democratic and
sustainable society.
KEYWORDS: Aesthetic of Alterity; Environmental Education; Environmental
Citizenship.
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
FNMA Fundo Nacional do Meio Ambiente
MEC Ministério da Educação
ONG Organizações Não-Governamentais
ONU Organizações das Nações Unidas
PIEA Programa Internacional de Educação Ambiental
PNUMA PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente
UNASUL União de Nações Sul-Americanas
UNESCO Organização para a Educação, Ciência e Cultura
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
2
ROL DE CATEGORIAS1
CIDADANIA: “[...] pode ser definida como um conjunto de direitos que podem
ser agrupados em três elementos: o civil, o político e o social, os quais não
surgiram simultaneamente, mas sim, sucessivamente, desde o século XVIII até
o século XX. O elemento civil é composto daqueles direitos relativos à
liberdade individual: o direito de ir e vir, a liberdade de imprensa e de
pensamento, o discutido direito à propriedade, em suma, o direito a justiça (que
deve ser igual para todos). O elemento político compreende o direito de exercer
o poder político, mesmo indiretamente como eleitor. O elemento social
compreende tanto o direito a um padrão mínimo de bem-estar econômico e
segurança, quanto o direito de acesso aos bens culturais e à chamada “vida
civilizada”, ou seja, é o direito não só ao bem-estar material, mas ao cultural2”.
CIDADANIA AMBIENTAL: No Brasil, significa que a promoção do equilíbrio
ambiental no planeta depende da possibilidade de cada cidadão, em qualquer
país, exercer direitos e deveres correspondentes a esse objetivo. Para tanto, é
necessário também a promoção da democracia, da justiça, da educação e do
acesso aos meios para uma vida digna, incluindo acesso a informação.
Cidadania Ambiental ou Cidadania Planetária refere-se, portanto, ao conjunto
de condições que permitem cada ser humano atuar efetivamente na defesa da
Vida nesse planeta3.
1 Quando as categorias não apresentarem a referência dos autores para a formulação de seus
conceitos operacionais, significa que se utilizou o Conceito Operacional Proposto por Composição pelo pesquisador desta Dissertação. Categoria representa “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 205.
2 BRAGA, Robert. Qualidade de vida urbana e cidadania. Território e cidadania, UNESP, Rio Claro, n.2, julho/dezembro, 2002, p. 2.
3 GUDYNAS, Eduardo. Ciudadania ambiental y meta-ciudadanias ecológicas: revision y alternativas en America Latina. In: Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente. Curitiba, n. 19, p. 53-72, jan./jun. 2009, p. 57.
3
CIDADANIA ECOLÓGICA: “[...] ecological citizenship deals in the currency of
non-contractual responsability it inhabitis the private as well as the public
sphere, it refers to the sourse rather than the nature of responsability to
determine what count as citizenship virtues, it Works whit the language of
virtue, and is explicitly non-territorial. Once again let me stress that I do not
think that ecological citizenship is any more politically worthy or important than
its environmental counterpart. From a political point of view, indeed, I regard
environmental na ecological citizenship as complementary in that, while they
organize themselves on different terrains, they can both plausibly be read as
heading in the same direction: the sustainable society”4.
CIDADANIA SUL-AMERICANA: Segundo Aquino, “representa a erosão do
conceito político de Cidadania estabelecido pelo Estado-nação e torna cada
indivíduo capaz de agir como protagonistas dessa condição civilizatória
transfronteiriça. Essa categoria, de natureza multilateral, surge como projeto
histórico de transformação e integração humana, perene, inscrita pela sua
diversidade cultural. A referida diversidade constitui a sua unidade continental
compreendida pela expressão “um em todos, todos em um. A existência
demanda uma instancia continental capaz de criar direitos os quais assegurem
regras ao seu exercício e exigibilidade. A sua previsão legal – seja nos tratados
constitutivos ou numa possível Carta de Princípios e Garantias Fundamentais –
não representa preocupação etnocêntrica de se identificar os iguais, conforme
se observa na constituição da comunidade nacional, mas para estabelecer
cenários de Fraternidade, com maior número de participantes responsáveis
pela proteção de um patrimônio comum descrito pelo diálogo do indivíduo –
sociedade – espécie e a Terra”5.
CONSUMISMO: Segundo Bauman, consumismo corresponde “[...] não tanto à
satisfação de necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar
4 DOBSON, Andrew. Citizenship and the Environment. Oxford: Oxford Univ. Press, 2003, p.
89. 5 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo à Cidadania Sul Americana: reflexões sobre
a sua viabilidade no contexto da UNASUL, a partir da Ética, Fraternidade e Sustentabilidade. Tese de Doutorado, 338 páginas. Itajaí-SC, 01 de março de 2013. Disponível em http://siaibib01.univali.br/pdf/Sergio%20Ricardo%20Fernandes%20de%20Aquino2013.pdf. Acesso em 6 de junho de 2015, p. 12.
4
implícito), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes,
o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos
destinados a satisfazê-la. Novas necessidades exigem novas mercadorias, que
por sua vez exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo
inaugura uma era de “obsolescência embutida” dos bens oferecidos no
mercado [...]”6.
CUIDADO: “Cuidado, do ponto de vista antropológico, advém dos termos cura
ou de cogitare, o que implica em mostrar interesse, ter atenção através de uma
atitude de desvelo, de preocupação e bom trato [...]”7.
DEMOCRACIA: Para Touraine, a democracia define-se não pela separação
dos poderes, mas pela natureza dos elos entre sociedade civil, sociedade
política e Estado. Se a influência se exercer de cima para baixo, não existirá
democracia; pelo contrário, chamamos democrática a sociedade em que os
atores sociais orientam seus representantes políticos que, por sua vez,
controlam o Estado8.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: Conforme Barroso, “A dignidade humana
tem seu berço secular na filosofia, onde pensadores inovadores como Cícero,
Picco della Mirandola e Immanuel Kant construíram ideias como
antropocentrismo (uma visão de mundo que reserva ao ser humano um lugar e
um papel centrais no universo), o valor intrínseco de cada pessoa e a
capacidade individual de ter acesso à razão, de fazer escolhas morais e
determinar seu próprio destino. Tendo suas raízes na ética, na filosofia moral, a
dignidade humana é, em primeiro lugar, um valor, em conceito vinculado à
moralidade, ao bem, à conduta correta e à vida boa. Ao longo do século XX,
principalmente no período após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de
6 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 43. 7 NOVAES, Maria Helena. Paradoxos contemporâneos: o cuidado numa convivência saudável.
In: Cuidado e Vulnerabilidade. PEREIRA, Tânia da Silva; Guilherme de Oliveira (coord.). São Paulo: Atlas, 2009, p. 198.
8 TOURAINE, ALAIN. O que é a democracia?. Tradução de Guilherme João de Freitas. 2. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 1996, p. 51.
5
dignidade humana foi incorporada ao discurso político das potências que
venceram o conflito e se tornou uma meta política” 9.
EDUCAÇÃO: significa “[...] formação, como processo de conhecimento, de
ensino, de aprendizagem, se tornou, ao longo da aventura no mundo dos seres
humanos uma conotação de sua natureza, gestando-se na história, como a
vocação para a humanização [...]” 10.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Entende-se por educação ambiental os processos
por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua Sustentabilidade11.
ESTÉTICA: significa o perceber, o sentir. É uma palavra oriunda da Grécia
(aisthetikós) e designa o estudo da sensação, a ciência do belo, referindo-se à
empiria do gosto subjetivo12.
ESTÉTICA DE ALTERIDADE: é o “[...] experimentar emoções, sentimentos,
paixões comuns, nos mais variados domínios da vida social”. E ainda: “[...] a
estética pós-moderna, mais ampla, não se limita às belas-artes ou às obras da
cultura, mas contamina o conjunto da vida cotidiana e torna-se uma parte nada
desconsiderável do imaginário contemporâneo”. A vivência cotidiana inspira
uma sensibilidade capaz de estruturar a necessidade de um “Estar Junto” em
prol do coletivo, e não apenas com vistas na individualidade13. Corresponde à
necessidade do Outro para a sua própria sobrevivência. Por isso, o estar junto
é merecedor de atenção: pressupõe tolerância, respeito, união, coletividade,
9 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana direito constitucional
contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 61. 10 FREIRE, Paulo. Política e educação. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 20. 11 Política Nacional de Educação Ambiental - Lei nº 9795/1999. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=321. Acesso em 17 de março de 2015.
12 JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 91.
13 MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. 3. ed. Porto Alegre, Sulina, 2006, p. 188.
6
compartilhamento e comunitariedade. As individualidades não são
desconsideradas. Compreende-se a individualidade a partir do diálogo e da
vivência com a outra pessoa e com o meio ambiente. Trata-se de uma
individualidade estendida, na qual a proporção do conviver oportuniza a união
das pessoas, e destas com o meio em que as cerca.
ÉTICA: Ação humana política destinada a averiguar quais são as condutas
consideradas razoáveis para a vida de uma Sociedade. A finalidade dessa
atitude demonstra-se pelo exercício da virtude habitual. Essa prática se
caracteriza pela busca perene da excelência moral e intelectual14.
GLOBALIZAÇÃO: Segundo Grasso, significa a expansión creciente de las
actividades de la economía, producción, circulación, cambio y consumo de
cosas, más allá de los confines territoriales y los vínculos del derechopositivo
de los Estados15.
MEIO AMBIENTE: “Conjunto das condições exteriores da vida do indivíduo ou
dos grupos, os conceitos de meio ambiente e meio-ambiente são sinônimos e
tratam do fato de que o contexto em que os seres humanos vivem não é inerte
e que o estudo da paisagem revela as relações sociais predominantes na
sociedade, especialmente as diferenças culturais e as relações de trabalho e
de propriedade”16.
MODERNIDADE: “época em que a alma se retira do mundo das coisas e
recolhe-se no mundo dos homens, bem como a época em que os homens se
acreditam suficientemente fortes e poderosos, qual um novo, qual um novo
Prometeu, se não para elevarem-se contra a divindade e se imporem aos
14 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo à Cidadania Sul Americana: reflexões sobre
a sua viabilidade no contexto da UNASUL, a partir da Ética, Fraternidade e Sustentabilidade. Tese de Doutorado, 338 páginas. Itajaí-SC, 01 de março de 2013, p. 21.
15 GRASSO, Pietro Giuseppe. El problema del Constitucionalismo después del Estado Moderno. Madrid: Marcial Pons, 2005, p. 111.
16 LEONELLI, Vera. Dicionário dos Direitos Humanos. Salvador: UNICEF, 2002, p. 55 e 56. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/veraleonelli/leonelli_abc_direitos_humanos.pdf>. Acesso em 26 de jun. de 2015.
7
deuses, ao menos para prescindirem de sua proteção e dispensarem seus
serviços” 17.
PÓS-MODERNIDADE: Segundo Bittar, “A pós modernidade é, por isso, como
um movimento intelectual, a critica da modernidade, a consciência da
necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, a consciência do
fim das filosofias da historia e da quebra de grandes metanarrativas,
demandando novos arranjos que sejam capaz de ir além dos horizontes fixados
pelos discursos da modernidade”18.
RACIONALISMO: Segundo Maffesoli, o Racionalismo exclui a ideia de que
“[...] se existe uma lei é a da coincidentia oppositorium, que faz com que as
coisas, seres, fenômenos, totalmente opostos, se combinem. Ao negligenciar
isto, o racionalismo, especialmente sob a forma moderna, empenha-se em
sufocar, excluir porções inteiras da vida, até que estas por sua vez se vinguem,
exacerbando-se e subindo aos extremos [...]”19.
RAZÃO: A Razão é, de fato, o elemento comum a todos os seres humanos e,
por isso, assume a condição de fundamento a partir do qual o mundo deve ser
organizado. É ela quem deve, a partir de agora, dar unidade e sentido a todas
as esferas que compõem a existência humana. Tudo quanto pretenda ter
legitimidade para existir necessita, pois, de submeter-se ao crivo da Razão20.
RAZÃO SENSÍVEL: proposta por Maffesoli, significa estruturar as nuances
dessa sociedade fluida a partir de uma compreensão profunda e que seja
capaz de absorver a experiência sensível que está presente no dia a dia do
Homem. O citado autor, quando analisa as complexas interações cotidianas,
chama atenção a questões sociológicas que remetem à uma experiência
17 DOMINGUES, Ivan. O grau zero do conhecimento. O problema da fundamentação das
ciências humanas. São Paulo: Edições Loyola, 1991, p. 32. 18 BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 146. 19 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 30. 20 HANSEN, Gilvan Luiz. Modernidade, utopia e trabalho. Londrina: Edições CEFIL, 1999, p.
37.
8
sensível, do “Eu” estar junto com o “Outro”, no desvelar da essência do
semelhante e também no meio em que se vive21.
RESPONSABILIDADE: A marca distintiva do ser humano, de ser o único
capaz de ter responsabilidade, significa igualmente que ele deve tê-la pelos
seus semelhantes, eles próprios, potenciais sujeitos de responsabilidade, e que
realmente ele sempre a tem, de um jeito ou de outro: a faculdade para tal é a
condição suficiente para a sua efetividade. Ser responsável efetivamente por
alguém ou por qualquer coisa em certas circunstâncias (mesmo que não
assuma e nem reconheça tal Responsabilidade) é tão inseparável da existência
do homem quanto o fato de que ele seja genericamente capaz de
Responsabilidade da mesma maneira que lhe é inalienável a sua natureza
falante, característica fundamental para a sua definição, caso deseje
empreender essa duvidosa tarefa22.
SENSIBILIDADE: significa “[...] a capacidade do ser humano de perceber como
seu semelhante sente. A sensibilidade volta-se, igualmente, para as coisas do
mundo e eleva o espírito para certo estado de sublimidade. Nenhum dos dois
caminhos (ser humano e coisas do mundo) excluem o Homem como centro de
todos os fenômenos sensíveis”23.
SOCIALIDADE: Segundo Aquino, Socialidade denota a identificação existente
no aparente banal, ao contrário das características de identidade, pois,
enquanto aquela se encontra na múltipla efervescência do cotidiano, na
vivência plural, essa significa a essência individualista24.
SOCIEDADE: A sociedade enquanto fenômeno humano decorre da
associação dos homens, da vida em comum, fundada na mesma origem, nos
mesmo usos, costumes, valores, cultura e história. Constitui-se a sociedade no
21 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível, p. 167. 22 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade: ensaio de uma ética para uma civilização
tecnológica. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2006, p. 175. 23 SILVA, Moacyr Motta da. Direito e sensibilidade. Política Jurídica e pós modernidade
DIAS, Maria da Graça dos Santos; MELO, Osvaldo Ferreira de; SILVA, Moacyr Motta da (orgs). Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 221.
24 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido. p. 47.
9
e pelo fluxo das necessidades e potencialidades da vida humana, o que implica
a experiência tanto da solidariedade, do cuidado, quanto da oposição, da
conflitividade. Organização e caos são polos complementares de um mesmo
movimento – dialético – que dá dinamismo à vida da sociedade25.
SUSTENTABILIDADE: É a compreensão acerca da capacidade de resiliência
entre os seres e o ambiente para se determinar - de modo sincrônico e/ou
diacrônico - quais são as condições favoráveis à manutenção, adaptação e
perpetuação da vida equilibrada, seja humana ou não humana, a partir de uma
matriz ecosófica que se manifesta pelos critérios biológicos, químicos, físicos,
informacionais, éticos, territoriais, culturais, jurídicos, políticos, tecnológicos,
científicos, ambientais e econômicos. Quanto à categoria Sustentabilidade, o
Prof. Dr. Orientador Sérgio Ricardo Fenandes de Aquino e eu, Mestranda
Mayara Pellenz, decidimos por elaborar o conceito por composição, ao invés
de adoção, já que nenhum dos autores se propõe a traçá-la de maneira
própria. No entanto, indicamos as obras que colaboraram para a sua
estrutura26.
TRANSACIONALIDADE: “A transnacionalização pode ser compreendida como
um fenômeno reflexivo da globalização, que se evidencia pela
desterritorialização dos relacionamentos políticos-sociais, fomentado por
sistema econômico capitalista ultravalorizado, que articula ordenamento
jurídico mundial à margem da soberania dos Estados. A transnacionalidade
insere-se no contexto da globalização e liga-se fortemente com a concepção do
transpasse estatal. Enquanto a globalização remete à ideia de conjunto, de
globo, enfim, o mundo sintetizado como único; transnacionalização está atada
25 DIAS, Maria da Graça dos Santos. Sociedade. Dicionário de filosofia política. BARRETO,
Vicente de Paulo. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2010, p. 487. 26 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. VEIGA, José Eli da. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. 2. ed. São Paulo: SENAC, 2010. BERMEJO, Roberto. La gran transición hacia la sostenibilidad: principios y estrategias de economía sostenible. Madrid: Catarata, 2005. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2012.
10
à referência de Estado permeável, mas tem na figura estatal a referência do
ente em declínio”27.
VALOR: Juízo de preferência proferido por humano que decorre “[...] não da
sua limitação, como ‘recurso’, para um animal de segunda classe, desprovido
de uma carapaça instintiva forte, mas da excelência da natureza humana,
precisamente livre, e capaz de conduzir a sua vida não por tiques inscritos no
código genético ou no genoma, mas por horizontes de possibilidades face aos
quais o Homem, senhor do seu destino, (ainda que limitado por si e pela sua
circunstância, pano de fundo do seu drama), decidirá soberanamente”28.
27 STELZER. Joana. O fenômeno da transnacionalização da dimensão jurídica. Direito e
Transnacionalidade. Paulo Márcio Cruz, Joana Stelzer (orgs). 2. reimp., Curitiba: Juruá, 2011, p. 21.
28 CUNHA, Paulo Ferreira da. O ponto de Arquimedes: natureza humana, direito natural, direitos humanos. Lisboa: Almedina, 2001, p. 55.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
1 ELOGIO AO COTIDIANO: ESPAÇO PARA UMA ESTÉTICA DE
ALTERIDADE NO SÉCULO XXI ...................................................................... 16
1.1 A necessidade de uma Razão Sensível .................................................. 20
1.2 O Estar Junto como fundamento estético da Alteridade ......................... 30
1.3 A teatralidade trágica do cotidiano .......................................................... 35
1.4 O cotidiano educa para se compreender o ritmo da vida ........................ 43
2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PRESSUPOSTO DE UMA CIDADANIA
AMBIENTAL ..................................................................................................... 52
2.1 Educar para uma Era Sustentável .......................................................... 59
2.1.1 Aspectos Históricos da Educação Ambiental ....................................... 62
2.1.2 A Educação Ambiental no Brasil .......................................................... 68
2. 2 Educação Ambiental: para que(m)? ....................................................... 72
2.3 Cidadania e a Educação Ambiental: (im)possibilidades .......................... 98
2.3.1 Metamorfoses da Cidadania: do conceito clássico ao conceito
Transnacional ............................................................................................... 98
2.3.2 A Categoria Cidadania na Constituição Federal de 1988 .................. 110
2.3.3 Um novo modelo de Cidadania: a necessidade de um
redimensionamento teórico diante da Transnacionalidade ......................... 124
3 FUNDAMENTOS PARA A CIDADANIA AMBIENTAL A PARTIR DA UNASUL
....................................................................................................................... 135
3.1.1 Caminhos para o desvelo da Cidadania Ambiental ............................ 137
3.1.2 Em busca de uma Cidadania Ambiental Transnacional ..................... 143
3.2 Cidadania Ecológica ou Ambiental? Diálogos entre Dobson e Gudynas
.................................................................................................................... 147
3.2.1 A UNASUL como espaço de exercício de uma Cidadania
Ambiental....................... ............................................................................. 159
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................ Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 175
12
INTRODUÇÃO
O objetivo institucional da presente pesquisa é a obtenção do Título de
Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito –
PPGD - do Complexo de Ensino Superior Faculdade Meridional - IMED.
O objetivo geral é determinar qual modelo de Cidadania Ambiental é
capaz de esclarecer e consolidar vínculos de inclusão entre os seres humanos,
por meio da Educação Ambiental e de uma Estética de Alteridade, a partir da
perspectiva sul-americana.
Os objetivos desta pesquisa são: a) Definir o momento presente e o
cotidiano como espaço da Estética de Alteridade; b) Reconhecer o “Estar
Junto” como fundamento Estético da Alteridade; c) Esclarecer a Educação
Ambiental como pressuposto da Cidadania Ambiental; d) Reconhecer a
necessidade de revisitação do conceito de Cidadania, a partir de uma
perspectiva Transnacional; e) Esclarecer se a Cidadania Ambiental é capaz de
desvelar vínculos de Responsabilidade e inclusão entre os seres humanos e
determinar de que forma a Educação Ambiental possui um papel determinante
na construção de uma Cidadania Ambiental na UNASUL.
O problema dessa pesquisa pode ser caracterizado pela seguinte
indagação: de que maneira a Estética da Alteridade é capaz de,
cotidianamente, influenciar e definir os alcances da Educação Ambiental para
sustentar um modelo de Cidadania Ambiental, a partir do que o Tratado da
UNASUL se propõe?
A hipótese desta pesquisa é a de que é possível revisitar o conceito29 de
Cidadania e estruturar outro, a Cidadania Ambiental, que seja capaz de
desvelar vínculos de Responsabilidade e inclusão entre os seres vivos, por
29 Sobre conceito, parte-se do princípio de que, em uma sociedade onde se reconhece que os
processos sociais são construídos historicamente, não se pode mais qualificar textos, determinar conceitos, de maneira metafísica. Eles não se bastam, tampouco se pode impor uma “definição essencial” que lhes seja pressuposta. A questão do uso que se faz das palavras não pode ser desconsiderada. Os conceitos são relacionais na medida em que se legitimam em função dos usos e significados que os diferentes partícipes das relações sociais se lhes atribuem e compartilham. ROESLER, Claudia Rosane; JESUS, Ricardo Antonio Rezende de. Uma investigação sobre os sentidos e usos das súmulas dos Tribunais Superiores no Brasil. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. v. 32.2, jul./dez. 2012, p. 58.
13
meio da Educação Ambiental e ampliada pela Estética de Alteridade, no
espaço sul-americano.
A pesquisa justifica-se à medida que o conceito de Cidadania, da forma
como hoje se encontra, é um conceito que precisa ser revisitado. O significado
dessa categoria desvela novas perspectivas e sofre transformações no tempo e
no espaço, adquirindo novos contornos em espaços onde o processo
democrático é estabelecido, a partir da Globalização e da Transnacionalidade.
Faz-se necessário esclarecimentos neste sentido, pois, além do vínculo
com o Estado, a Cidadania é um importante mecanismo de inclusão, que
necessita manter sua força para de fomentar vínculos de pertença, de
Responsabilidade, de reconhecimento e de integração entre os seres vivos.
O que se apresenta nesta pesquisa é a ampliação do conceito de
Cidadania para estruturação de um novo modelo, a Cidadania Ambiental. É
possível visualizar esta definição à medida que se observa como os cidadãos
estão inseridos em espaço único compartilhado, como é o caso da América do
Sul. O Meio Ambiente é um critério que oportuniza esta condição. É preciso,
num primeiro momento, definir o espaço para uma Estética de Alteridade no
Século XXI, segundo os fundamentos teóricos de Michel Maffessoli, para
viabilizar uma experiência de cumplicidade entre humanos e não humanos.
Esta proposta de Cidadania está atenta ao cenário transnacional da
Sociedade contemporânea. A partir da Responsabilidade, é possível elaborar
uma forma diferenciada de se relacionar com a Terra e com os habitantes dela,
em harmonia e com respeito as criaturas. Ações neste sentido são urgentes.
Os modelos de desenvolvimentos que foram colocados em práticas até aqui
demonstraram, ao longo da História, que se primou pelo mercado e pelo
consumo em detrimento do mundo natural.
O seu caráter utilitário prevaleceu e revelou a irresponsabilidade do
Homem diante da exploração daquilo que é natural. A situação ambiental do
Planeta é preocupante, mas entende-se que a Cidadania Ambiental é uma das
ações que contribuem para uma mudança de paradigma.
Muito além das fronteiras do Estado-nação, os cidadãos devem estar
cientes de suas Responsabilidades acerca da Natureza, das águas, da
biodiversidade, dos animais humanos e não humanos e dos demais elementos
14
que integram o grande lar compartilhado chamado Terra. Esse cenário também
diz respeito a Educação, sendo fundamental, desde cedo, internalizar uma
ética voltada para o respeito mútuo entre as criaturas. Desse modo, a fim de
que a crise de valores da sociedade de hoje seja minimizada, os processos
educativos possuem um papel fundamental para que, no futuro, o panorama
seja outro.
A Educação, destinada à Cidadania Ambiental, enfatiza questões como
Responsabilidade, respeito à vida, respeito ao outro, respeito à Natureza,
preservação ecológica, a importância dos valores e das ações humanas para a
transformação humana e social do nosso Planeta. A Educação Ambiental
possui o condão de estimular a formação de relações mais comprometidas e
por consequência harmonizar a conduta dos seres humanos com o lar em que
vivem. Por este motivo, é um vetor imprescindível na construção de uma
Cidadania Ambiental, a partir de práticas educacionais que enfatizem uma nova
visão acerca da manutenção do Planeta e da Humanidade, a partir do disposto
no artigo 18 do Tratado Constitutivo da UNASUL.
O método que será adotado para esta pesquisa será o método
indutivo30. Parte-se da premissa menor que é o espaço do cotidiano como
estimulador de uma Estética da Alteridade entre Homem e Natureza. Nessa
linha de pensamento, e integrada à perspectiva da Educação, consolida-se, por
meio da premissa maior, a transformação da Cidadania na qual compreenda e
preserve, mais e mais, o Mundo Natural. As técnicas utilizadas serão:
Categoria31 e o Conceito Operacional32. Pesquisa Bibliográfica33 e Documental.
O Capítulo 1 desta Dissertação de Mestrado denomina-se “Elogio ao
Cotidiano: espaço para uma Estética de Alteridade no Século XXI” e abordará a
necessidade de uma Razão Sensível, o “Estar-Junto” como fundamento
Estético da Alteridade, a teatralidade trágica do cotidiano e como este educa
30 “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar
as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 205.
31 Nas palavras de Pasold: “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. PASOLD, 2011, p. 25. Grifos originais da obra em estudo. 32 Reitera-se conforme Pasold: “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos [...]”. PASOLD, 2011, p. 37. Grifos originais da obra em estudo. 33 “[...] Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”.
PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa Jurídica. p. 207.
15
para se compreender o ritmo da vida. Como referencial teórico, utilizar-se-á
Michel Maffesoli, em diálogo com outros autores.
No segundo Capítulo, o debate será sobre a Educação Ambiental como
pressuposto de uma Cidadania Ambiental. A análise passa por
questionamentos de como educar em uma era sustentável, esclarecendo que a
Natureza não é objeto, nem patrimônio. O contraponto de ideias é possibilitado
a partir dos referenciais de Enrique Leff e Moacir Gadotti, pois ambos
discorrem a respeito da Educação Ambiental como estratégia para o
enfretamento da crise ambiental contemporânea.
O Capítulo 3 abordará a Cidadania Ambiental. Nesse ponto, serão
estudadas as metamorfoses da Cidadania, a partir de uma perspectiva
transnacional e de que forma é possível identificar e estruturar uma Cidadania
Ambiental “presenteísta” no contexto sul americano, a partir do Tratado
Constitutivo da UNASUL, especialmente a partir do diálogo entre Dobson e
Gudynas.
Nas considerações finais, confirma-se a hipótese de que é possível
viabilizar a Cidadania Ambiental, por meio da Educação e da Estética de
Alteridade, no espaço sul-americano. Essa condição é viável a partir da
revisitação do conceito de Cidadania e da estruturação uma Cidadania
Ambiental, que seja capaz de desvelar vínculos de Responsabilidade e
inclusão entre os seres humanos no momento presente.
16
CAPÍTULO 1
ELOGIO AO COTIDIANO: ESPAÇO PARA UMA ESTÉTICA DE
ALTERIDADE NO SÉCULO XXI
Ao se observar a trajetória da Humanidade nos últimos três séculos,
percebe-se inúmeras mudanças na vida do Homem e, também, na
Sociedade34. Ocorreram transformações extremamente significativas, com um
impacto considerável na Humanidade e na Natureza. As mudanças foram
impulsionadas pelos ideais surgidos à época do Iluminismo35 e alcançou seu
auge na Era Moderna. Chegou-se à contemporaneidade, com evolução
significativa nas ciências, na tecnologia e na comunicação. De fato, há poucos
anos atrás, não se imaginava as perspectivas e a realidade em que se vive
hoje, fruto de fenômenos como a Globalização36 e o capitalismo.
34 “A sociedade, enquanto fenômeno humano, decorre da associação dos homens, da vida em
comum, fundada na mesma origem, nos mesmo usos, costumes, valores, cultura e história. Constitui-se a sociedade no e pelo fluxo das necessidades e potencialidades da vida humana, o que implica a experiência tanto da solidariedade, do cuidado, quanto da oposição, da conflitividade. Organização e caos são polos complementares de um mesmo movimento – dialético – que dá dinamismo à vida da sociedade”. DIAS, Maria da Graça dos Santos. Sociedade. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia política, p. 487.
35 “Embora não constituindo o único movimento cultural da época, o Iluminismo foi a filosofia hegemônica na Europa do século XVIII. Ele consistia em um articulado movimento filosófico, pedagógico e político, que conquistou progressivamente as camadas cultas e a ativa burguesia em ascensão nos vários países da Europa [...]. Inserindo-se em tradições diversas, o Iluminismo configurou-se não tanto como um compacto sistema doutrinário, mas muito mais como um movimento em cuja base está a confiança na razão humana, cujo desenvolvimento representa o progresso da humanidade e a libertação em relação aos vínculos cegos e absurdos da tradição, da ignorância, da superstição, do mito e da opressão”. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. São Paulo: Paulos, 1990, p. 670.
36 Ao lado dos fenômenos da Globalização e da Transnacionalidade, surge outro, a Transnacionalização. Para Staffen e Nistler, este é um fenômeno “[...] que preserva características da Globalização, em especial, a preponderância do capitalismo e o transpasse de limites fronteiriços, mas que possui algumas peculiaridades, como por exemplo, o fato do Estado-nação sair do centro, do núcleo estatal e passar a ser mero espectador das relações particulares, bem como, o fato de ultrapassar suas fronteiras para resolver questões que durante muito tempo foram consideradas puramente internas”. STAFFEN, Márcio Ricardo; NISTLER, Regiane. Transnacionalidade e relações de trabalho: análise da imigração dos haitianos ao Brasil. Estamos preparados? In: Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.9, n.3, 3º quadrimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em 20 de junho de 2015, p. 1543.
17
O Homem alcançou sua autonomia a partir do movimento Iluminista
ocorrido no século XVIII. Não obstante existissem dificuldades para se compor
o progresso civilizacional, verifica-se que a liberdade e a autodeterminação do
ser humano foram conquistas iniciadas com o fim do Absolutismo e com a
separação da Igreja e do Estado.
Apesar das conquistas e do novo momento histórico, que possibilita ao
Homem a liberdade de perseguir seus objetivos e buscar a Felicidade37, novas
necessidades são apresentadas no contexto social. Este fato resultou numa
crise generalizada em todos os segmentos da Sociedade.
Por muito tempo, o Homem canalizou seus esforços e seu modo de agir
pautado na Razão38, ou, ainda, nas suas próprias necessidades: o
individualismo provocou o distanciamento entre as pessoas, interessadas
somente no seu bem-estar. Houve um impulso do capitalismo e do fenômeno
da Globalização39 nesse sentido.
37 O conceito aristotélico de felicidade “[...] requer bens exteriores, pois é impossível, ou na
melhor das hipóteses não é fácil, praticar belas ações sem os instrumentos próprios. Em muitas ações usamos amigos e riquezas e poder político com instrumentos, e há certas coisas cuja falta empana a felicidade – boa estirpe, bons filhos, beleza – pois o homem de má aparência, ou mal nascido, ou só no mundo e sem filhos, tem poucas possibilidades de ser feliz, e tê-las-á ainda menores se seus filhos e amigos forem irremediavelmente maus ou se, tendo tido bons filhos e amigos, estes tiverem morrido. Como dissemos, então, a felicidade parece requerer o complemento desta ventura, e é por isto que algumas pessoas identificam a felicidade com a boa sorte, embora outras a identificam com a excelência”. ARISTÓTELES. Ética a nicônamos. Tradução de Mário da Gama Cury. 3. Ed. Brasília: Editora da UNB, c1985, 1999, p. 26.
38 “[...] A razão não convive com as trevas e a ignorância. Separa o saber da opinião; a verdade da crença; a paixão do razoável e o místico do intelecto. A razão busca a verdade e a orienta para a visão multidisciplinar do saber. A razão pressupõe capacidade intelectual para organizar as coisas que permitem disciplina, de forma racional. Razão como fundamento da virtude moral”. SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça, virtude, moral e razão: reflexos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 73.
39 Globalização, nas palavras de Grasso, se refere à “expansión creciente de las actividades de la economía, producción, circulación, cambio y consumo de cosas, más allá de los confines territoriales y los vínculos del derechopositivo de los Estados”. GRASSO, Pietro Giuseppe. El problema del Constitucionalismo después del Estado Moderno. Madrid: Marcial Pons, 2005, p. 111. A interdependência global traduz-se na forma de intensos fluxos de capital, bens, informações e pessoas. Logo, a globalização deve ser entendida que preditas mudanças não se restringem unicamente à circulação de capital, mas repercute em outras esferas da vida social. Neste sentido, DINIZ infere que os equívocos mais correntes, situam-se a visão da globalização como um processo de natureza exclusivamente econômica, impulsionado por forças de mercado e mudanças tecnológicas autônomas. DINIZ, Eli (Org.). Globalização, Estado e desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 24 e 25. Trata-se, certamente, de uma simplificação, pois o processo de globalização é essencialmente um fenômeno multidimensional. Consenso, no entanto, é que a globalização se apresenta como um fenômeno de caráter irreversível, que não pode ser parado.
18
Os antigos referenciais de comunidade, respeito e Alteridade, do ser
humano com seus semelhantes, ficaram no passado. Estas categorias,
observadas em sociedades primitivas, por exemplo, não fazem parte do
panorama contemporâneo, ou seja: conviver e ser responsável junto ao Outro,
em coletividade, não é um objetivo social primário.
As novas regras abrem espaço ao consumismo40, ao lucro, à satisfação
pessoal, dentre outros objetivos que levam em consideração o bem-estar
individual. Os bens são conquistados para tornarem-se dispensáveis em pouco
tempo. Perde-se seu apreço à medida que outros bens são adquiridos num
ciclo vicioso de consumo41. O tempo, o espaço, os produtos e as relações entre
os indivíduos passaram a ser frágeis, voláteis e inconstantes. Os bens
almejados oportunizam realizações pessoais e adquiriram um papel
fundamental na afirmação do sujeito no ambiente. Uma mínima reflexão sobre
o tema desperta a ideia de que o consumo é um estilo de vida no qual se choca
com a Sustentabilidade.
A característica do Homem moderno, de ser e permanecer
individualista42 ainda persiste. Observa-se que os laços entre os indivíduos
estão cada vez mais fluidos e descartáveis. A rede mundial de computadores
oportunizou avanços no sentido de encurtar distâncias e possibilitar estar em
vários lugares ao mesmo tempo, no âmbito virtual. Ao indivíduo, é conferido o
poder e a liberdade de movimentação, sendo permitido adentrar e se retirar de
40 Bauman explica que consumismo corresponde “[...] não tanto à satisfação de necessidades
(como suas “versões oficiais” tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la. Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo inaugura uma era de “obsolescência embutida” dos bens oferecidos no mercado [...]”. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 43.
41 Sobre o modelo de mercado e consumo atuais, a Carta da Terra destaca que: “Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis”. Carta da Terra. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/carta-da-terra. Acesso em 1 de julho de 2015.
42 Em relação ao individualismo, Maffesoli possui outro ponto de vista, que será abordado mais a frente, neste capítulo da pesquisa.
19
recintos virtuais a qualquer momento. Na visão de Maffesoli, a Internet está
criando novas maneiras de ser43 e novas maneiras de estar junto44.
Partindo dessas premissas, indaga-se a respeito do futuro da
Humanidade. Como é possível resgatar vínculos e o sentimento de pertença
entre um ser e o outro? Como viabilizar a afetividade se o “Eu” e o “Tu”
encontram-se tão afastados? Uma possibilidade de resposta a estas
indagações é a Estética de Alteridade proposta por Maffesoli. Esta pode ser
compreendida como o experimentar emoções, sentimentos, paixões comuns,
nos mais variados domínios da vida social. Para o autor, “[...] a estética pós-
moderna, mais ampla, não se limita às belas-artes ou às obras da cultura, mas
contamina o conjunto da vida cotidiana e torna-se uma parte nada
desconsiderável do imaginário contemporâneo” 45. Desse modo, a vivência
cotidiana inspira uma Sensibilidade capaz de estruturar a necessidade de um
“Estar Junto” em prol do coletivo, em detrimento de uma vivência individual e
solitária.
A Estética46 se desvela pelo belo, pelo harmonioso e pelo agradável,
não se concretiza em espaços vazios e sem interação social. Perante as
incertezas da vida, o “Estar Junto”, no sentido de reconhecer o vínculo comum
da Humanidade, é primordial. Se o agir humano, no contexto pós-moderno, é
voltado para a busca da Felicidade, é fundamental imprimir nas relações o
vetor da comunhão, do compartilhamento e da experimentação do “Estar
Junto” com o outro e com a Natureza, em uma “estética da vida” 47.
O primeiro capítulo desta Dissertação está dividido em quatro partes. Na
primeira parte, busca-se compreender a necessidade de uma Razão Sensível,
nos moldes propostos por Michel Maffesoli, e de que forma essa perspectiva
pode alterar, de forma positiva, a percepção de mundo a qual o Homem está
condicionado a seguir.
43 MAFFESOLI, Michel. Saturação. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2010, p. 40. 44 MAFFESOLI, Michel. Saturação. p. 32. 45 MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. p. 188. 46 A estética significa o perceber, o sentir. É uma palavra oriunda da Grécia (aisthetikós) e
designa o estudo da sensação, a ciência do belo, referindo-se à empiria do gosto subjetivo. JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 91.
47 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 167.
20
No segundo ponto, parte-se da premissa de que o a Estética de
Alteridade, também proposta por Maffesoli, tem como um de seus fundamentos
o “Estar Junto” com o Outro no mundo, e de que modo o comunitarismo
contribui para os rumos da Humanidade a partir do momento presente.
O terceiro ponto trata da questão da teatralidade trágica do cotidiano, ou
seja, na ciranda da vida, tragédia e comédia se entrelaçam, por meio de
acontecimentos marcantes na vida do Homem até meras banalidades
cotidianas, de forma a compreender que na vida humana, não há roteiros.
No último ponto, debruça-se sobre a temática do cotidiano e de que
maneira o ritmo da vida pode ser esclarecido por meio de interações e
vivências genuinamente humanas e que ensejam a aproximação do Eu com o
outro.
1.1 A necessidade de uma Razão Sensível
Na Pós Modernidade, a Razão adquiriu novos significados, e pode ser
compreendida, na perspectiva filosófica, como procedimento específico de
conhecimento48. Este significado é pragmático e se choca com outras
expressões cotidianas que não consideram a Razão como paradigma
científico, como, por exemplo, a arte, a sabedoria popular e a religião.
A Razão não é única categoria que determina o agir humano. Outros
enfoques são conferidos às coisas, aos fenômenos e as situações, restando a
Razão, muitas vezes, em segundo plano. Por exclusão, o Racionalismo diz
respeito a uma dificuldade no coexistir com outros significados. O que precisa
ser esclarecido é que a Razão lógica, por si só, é insuficiente para
compreender outros saberes constituídos pelas sensações.
A Razão (lógica) imperou como único fundamento em relação ao
desenvolvimento, ao processo civilizatório e ao progresso. A Ciência, a
Tecnologia, o crescimento do comércio e da indústria, como um todo, são
48 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. p. 824.
21
vetores para que a Razão ordene a vida social49. Contudo, em uma perspectiva
mais abrangente, o dia a dia do Homem impõe sua dinâmica de modo a
considerar outras categorias que estão a ser redor. Viver é também uma
interação mística do material e do imaterial, do visível e do invisível50, onde a
Razão não tem capacidade de se impor na frente ou à frente do que se
acredita. Há uma necessidade de abertura de conceitos que possam abarcar
outros pontos de vista, e não somente a Razão.
Nessa linha de pensamento, a Razão como paradigma único alimenta
choques de ideias e opiniões, de modo a segregar as demais categorias que
compõe os sentidos humanos, como as crenças, as emoções, as necessidades
e os desejos. Essa condição de Razão como possibilidade única esvazia a
vivência e o desenvolvimento humano. Assim, a Razão deve coexistir com
outros significados, enriquecendo o ato de viver.
O cenário contemporâneo é plural e todos os fenômenos presentes no
imaginário humano também devem ser considerados. Eliminar as
representações e as manifestações socioculturais, as quais não são exauridas
pelos critérios da Razão, é negar a dignidade e o respeito. Porém, opor-se à
racionalidade não é negar sua relevância, mas assim possibilitar pontos de
vistas presentes no ir e vir da vida humana. A Razão, como único vetor de
experimentação do Homem, é elemento limitador de vivências sensíveis.
Para Maffesoli, a racionalidade e o cientificismo não reduzem a
intelecção a frivolidade e a espontaneidade do dia a dia51, tão importantes para
o dinamismo dos vínculos humanos. Os vínculos sociais que possibilitam as
emoções e as Sensibilidades presentes no cotidiano, não podem ser
sintetizados apenas pela Razão52, pois não se trata de um modelo racional,
mas de comunhão de afetos e emoções que integram o viver humano.
Para que seja possível compreender os fenômenos sociais, a
Sensibilidade deve estar presente. Não se trata de deixar as emoções
extrapolarem a Razão, pois não se admite a sobreposição de uma categoria
49 DIAS, Maria da Graça dos Santos. Direito e Pós-Modernidade. In: Política jurídica e pós-
modernidade. Dias, Maria da Graça dos Santos; MELO, Osvaldo Ferreira de; SILVA, Moacyr Motta da. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p.13.
50 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 30. 51 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 48. 52 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 34.
22
sobre a outra. Entretanto, em caráter de complementariedade, Razão e
Sensibilidade53 se unem: o cientista social não é apenas um observador
distante dos fenômenos o qual tão minuciosamente pretende descrever e
formular, mas pode experimentar as emoções impregnadas na vida de todos os
dias54.
A Razão, se considerada como instrumento para decifrar os fenômenos
sociais, não compreende a dimensão dos sentimentos e a dimensão afetiva do
Homem. É necessária a Sensibilidade para viabilizar a observação desses
fenômenos, capazes de traduzir a complexidade de uma sociedade
globalizada, transnacional e com características de “liquidez” 55.
A Razão Sensível, proposta por Maffesoli, significa estruturar as
nuances dessa sociedade fluida a partir de uma compreensão profunda e que
seja capaz de absorver a experiência sensível que está presente no dia a dia
do Homem. Para o autor, quando se analisa as complexas interações
cotidianas, há relevância nas questões sociológicas que remetem à uma
experiência sensível, do “Estar Junto” com o outro, no desvelar da essência do
semelhante e também do meio em que se vive.
Oportunizar interações sociais reais que remetam ao vínculo
antropológico (e biológico) comum da Humanidade e ao plano sensível é uma
possibilidade visualizada na Pós-Modernidade. Ainda que o período seja
caracterizado pela velocidade dos acontecimentos e pelas incertezas das
relações, o tempo presente e o espaço social contribuem no entendimento e na
compreensão de uma nova configuração social, estruturada por Maffesoli, no
sentido de resgatar a Sensibilidade para o mundo da vida.
O Racionalismo, como categoria que remete à certezas e explicações
científicas “incontestáveis” não deve ser o único viés a ser considerado,
quando da interação do ser humano com o Outro e com o meio em que vive.
53 Sensibilidade significa “[...] a capacidade do ser humano de perceber como seu semelhante
sente. A sensibilidade volta-se, igualmente, para as coisas do mundo e eleva o espírito para certo estado de sublimidade. Nenhum dos dois caminhos (ser humano e coisas do mundo) excluem o Homem como centro de todos os fenômenos sensíveis”. SILVA, Moacyr Motta da. Direito e sensibilidade. In: DIAS, Maria da Graça dos Santos; MELO, Osvaldo Ferreira de; SILVA, Moacyr Motta da. Política Jurídica e pós modernidade. p. 221.
54 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. p. 33.
55 BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível em um mundo de consumidores? Tradução de Alexandre Werneck. Rio de Janeiro. Zahar, 2011. p. 133.
23
Os fenômenos sociais necessitam ser analisados sob outros horizontes, mais
sensíveis e capazes de esclarecer os significados da vida pós-moderna.
Neste momento histórico, a estetização da vida e a imposição de
padrões comportamentais sociais são uma realidade. Adquirir certos hábitos,
trabalhar para ter sua dignidade garantida, agir com valores e moralidade,
participar da vida política e de ações sociais, vestir-se de determinado modo,
apreciar certas artes e ater-se a certas ideias são exemplos de uma
padronização social que conduz ao marasmo, a incapacidade de conviver com
as diferenças e a impossibilidade de considerar o Outro na sua individualidade,
especialmente quando este se encontra aquém do padrão considerado
“normal”.
Para Maffesoli, essas experimentações não conduzem ao belo e ao
harmonioso, pois estas categorias significam agregar diante dos diferentes
modos de viver e pensar. Estar inserido num padrão de vida é internalizar
rituais cotidianos e banais que não aproximam um ser do outro. No entanto, na
ciranda da vida, tudo que é caro para uns – como comportamentos, hábitos,
corte de cabelo, modo de se vestir, objeto de estudo e trabalho, alimentação,
artes, músicas, e outros elementos deve, ainda que minimamente, ser
respeitado pelo Outro.
O vínculo social não é mais unicamente contratual, racional,
simplesmente utilitário ou funcional. Integra uma fração não racional ou não
lógica, e se exprime em efervescências de toda ordem que podem ser
ritualizadas – como arte, esporte, música, canto - ou totalmente espontâneas56.
O que se busca é a harmonia e convivência democrática na vida social, a partir
da experiência sensível de “Estar Junto” com o Outro, com suas diferenças,
sua complexidade e “humanidade”, pois estes elementos são capazes de
agregar na individualidade de cada um.
Essa linha de pensamento é a linha que aproxima as pessoas em
mundo multicultural. Neste mundo, a diversidade, a Tolerância, o respeito e a
Alteridade são capazes de aproximar os seres no Meio Ambiente em que se
vive, qual seja: o mundo natural e a realidade humana. O “Estar Junto” a que
56 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 205.
24
se propõe compreende as pessoas, mas também, o tempo e o espaço a qual
estão inseridas.
Uma compreensão de mundo ao seu redor, em relação à Natureza,
desvela o sentido sensível do Homem, diante da sua fragilidade e a sua
complexidade. É preciso ar puro para respirar, água potável para beber,
interação com animais não humanos para desenvolver afeto, alimentação
saudável para que a saúde não padeça e tantas outras necessidades que
provém de um mundo que sempre existiu, mas que o Homem ainda é
hospedeiro recente.
Essa condição é verdadeira quando se trata da evolução humana e ao
seu desenvolvimento, em relação ao tempo em que o Homem deixou de ser
pré-histórico, para ser dotado de capacidades (como a formação de grupos
sociais, do cultivo de alimentos, da utilização o fogo, do manuseio de
instrumentos, da comunicação, entre outros).
Destas capacidades, destaca-se o uso da linguagem. Ainda que os
animais possuam uma linguagem própria, a comunicação humana por meio da
linguagem transformou as relações, possibilitando uma ligação ainda maior
entre os semelhantes, e destes, com ambiente externo. Assim, desde seu
início, a comunicação e a linguagem representam, cotidianamente, o desvelo
de sentidos estéticos que são caros a um grupo social, como a arte, os
símbolos e a religião, por exemplo. Atualmente, o cotidiano é formado pela
Socialidade, que pressupõe a comunicação verbal, mas, por outro lado,
comporta também a comunicação não verbal, ou seja: o domínio do sensível57.
As ações sociais em relação ao Homem e ao Meio Ambiente estão
presentes no cotidiano e nas motivações do grupo social – ou tribo -, quando
se refere, também, à religião, à política, à cultura, e tantos outros elementos
que definem o sentimento de reconhecimento e pertença. Para Maffesoli:
Tudo serve para celebrar um estar junto cujo fundamento é menos a razão universal do que a emoção compartilhada, o sentimento de fazer parte. É assim que o corpo social se fragmenta em pequenos corpos tribais. Corpos que se teatralizam, que se tatuam, que se perfuram. As cabeleiras se eriçam ou se cobrem de xales, de quipás,
57 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 60.
25
de turbantes ou de outros acessórios, até mesmo de lenços de seda Hermès58.
Estas discrepâncias sociais não dissociam o fato de que todos vivem no
Planeta Terra, em um grande abrigo comum59, e que os diferentes modos de
pensar (e viver) devem ser respeitados e tolerados em prol da harmonia ou do
equilíbrio. Quando essa possibilidade não se concretiza, os conflitos surgem e,
como fenômenos inerentes ao contexto social, também precisam ser
enfrentados. Uma das formas de resolução de conflitos é a ciência do Direito,
como instrumento capaz de dirimi-los.
Pela Estética, pela comunicação, pela linguagem e pela Sensibilidade,
os grupos sociais estruturam seus próprios significados e seu modo de vida por
meio de interações coletivas. Os grupos sociais são chamados a desempenhar
papéis diversos, no jogo sem fim das aparências60. Os sentimentos aflorados,
cotidianamente, permitem uma identificação e a valorização do Outro nas suas
diferenças. O agir humano é dotado de Racionalidade, mas acima de tudo, de
Sensibilidade, pois a vida tem suas razões que, com muita frequência, a razão
desconhece, ou não deseja conhecer61.
A pluralidade existente nas interações sociais pós-modernas não possui
um único sentido estabelecido. O pensamento contemporâneo deve estar
atento a uma realidade social com características vastas, fomentando o
fortalecimento dos laços, tanto do ser humano com o Outro, quanto do ser
humano com o meio em que se vive. O Racionalismo e a Sensibilidade
contribuem na formação de um agir com Cuidado quando se refere ao Outro e
à Natureza.
Cabe ressaltar que as diferenças dos grupos sociais não podem ser
negligenciadas porque as construções desse coletivo é que estruturam as
interações sociais de hoje, que, quando compartilhadas em comunidade,
58 MAFFESOLI, Michel. Saturação. p.38. 59 Embora as várias tribos existentes em um contexto social possuam diferenças que as
repelem, não se pode ignorar que o vínculo comum à todos é a condição ser humano, ou seja, todos estão ligados por essa vinculação indissociável. Nesse sentido, Maffesoli esclarece que “A ligação, quer dizer o espaço, natureza e os elementos primordiais que os compõe, tornam visível a força invisível da ligação que me une aos outros. Daí a importância simbólica de um termo como “casa” que, em seu sentido principal, remete a esse abrigo comum, onde se pode ter segurança e proteção” MAFFESOLI, Michel. Saturação. p. 105.
60 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p.52. 61 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p.82.
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conferem o “ritmo da vida”. Nessa ciranda, a (re) ligação entre o Homem e a
Natureza, por exemplo, enseja Sensibilidade. O cotidiano possibilita uma nova
forma de pensar e agir, para perceber que, em toda a sua concretude, os
valores cotidianos são partilhados, com o Outro, no âmbito de um ideal
comunitário62.
Sem a pretensão de oferecer respostas últimas ao tema ou decifrar a
Sociedade contemporânea com nuances tão diversificadas, cabe disseminar a
ideia de Razão Sensível para compreender as efervescências sociais e as
formas de vida comunitária. Entretanto, analisar as interações sociais de hoje
não é tarefa fácil. O que foi destacado neste ponto da pesquisa demonstra a
complexidade social na Pós Modernidade e de que modo os acontecimentos
de cada dia vão moldando a realidade posta. Hoje, a Razão é pressuposto à
tecnologia, às ciências e tantas outras categorias, mas é a Sensibilidade que
enfatiza as interações humanas e sociais.
Maffesoli aponta para outros elementos que estão presentes no dia a dia
para afirmar a Sensibilidade, que são categorias presentes no processo
civilizatório, mas que precisam ser resgatadas, como os valores, por exemplo.
O cotidiano e a natureza humana também são compostos de Sensibilidade e a
melhor maneira de compreender as interações sociais é vivenciar, e não
apenas contemplar os fenômenos.
A percepção racional e instrumental das coisas cede espaço à
compreensão da contemporaneidade, no intuito de resgatar o vínculo comum
que conecta a Humanidade. Desse modo, o compartilhar e o sentir, de forma
uníssona, remetem à experimentação coletiva das individualidades,
impulsionado pelo ideal comunitário de sentir-se deste mundo e em casa neste
mundo63.
É esse o entendimento da categoria Estética que se pretende
disseminar. A possibilidade de se “vibrar em comum” demonstra que a vivência
e as experimentações não são um assunto individual64 e que, cotidianamente,
o agir humano deve ser com vistas no sentimento de pertença e não somente
62 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 223. 63 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 207. 64 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 270.
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de uma impressão de fazer parte de uma comunidade65. A experiência sensível
espontânea é a marca da vida cotidiana66.
Sobre a Pós Modernidade, Bauman nos apresenta uma nova visão de
mundo contemporâneo, denominada de Sociedade líquido-moderna. A
Modernidade, para o autor, é caracterizada pela liquidez do momento presente.
Esse é o elemento chave para se compreender os fenômenos sociais atuais. O
processo civilizatório trouxe a Humanidade a um estado bastante peculiar, no
qual a Sociedade, a economia, a política, a religião, os relacionamentos
interpessoais, entre outros, estão modificados substancialmente, porque se
encontram insustentáveis, diante da rapidez dos acontecimentos e da
superficialidade das relações. Para Bauman:
O “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro67.
A partir da rápida eficiência que é característica dos novos tempos, os
antigos referenciais dissolvem-se e transformam a Sociedade, a cultura e as
relações. Percebe-se como o tempo “líquido” coloca a Liberdade68 em novo
status, onde o sujeito é livre para fazer o que bem entender para a satisfação
dos seus interesses, desde que arque com a Responsabilidade dos seus atos.
Sobre o tema, Aquino explica que:
65 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 269. 66 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 304. 67 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 12. 68 Segundo Bauman, a liberdade e a segurança são duas faces da mesma moeda. A equação
pode ser simplificada da seguinte maneira: quanto mais liberdade, menos segurança; quanto menos liberdade, mais segurança. O indivíduo encontra-se aprisionado pelas suas escolhas e refém dos avanços que integram o processo civilizatório. Uma situação dessas não era anteriormente imaginada. Contudo, “quando falta a liberdade, a segurança parece escravidão ou prisão”. BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 51. Além disso, para Bauman, a liberdade “líquida” é “[...] a liberdade de dar passos certos e errados, para ter sucesso e falhar, para inventar, experimentar e testar cada vez novas variedades de experiências aprazíveis e agradáveis, para escolher e correr o risco de errar”. BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores?. p. 121.
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A Pós-Modernidade evidencia um desafio ao estilo de Sísifo: encontrar o ponto arquemediano entre Liberdade e Segurança. As incertezas que povoam a vida de todos os dias mostram a fragilidade do compromisso humano na relação com o Outro. Deseja-se, na mesma quantidade, Liberdade para expressar, projetar e buscar seu destino de felicidade e Segurança para impedir qualquer dano ou ameaça à violação desse propósito. O equilíbrio desejado não existe. Quando se enuncia que a Liberdade é condição absoluta para se desenvolver qualquer espécie de relação humana, bem como de promover o aperfeiçoamento (ilimitado) de cada Pessoa, percebe-se
o decréscimo (ou a perda) da Segurança69.
Nessa linha de pensamento, cabe “cultivar os méritos e reparar os
fracassos” 70 conforme suas próprias escolhas. Os problemas são comuns. As
pessoas se vêem, frequentemente, em crises de identificação, sem saber a
qual tribo ou grupo pertencem, não sabem a qual ideologia seguir, não são
capazes de projetar seu futuro e nem mesmo estabilizar relações. Sem
regularidades e somada à velocidade dos acontecimentos da modernidade
líquida, os sujeitos encontram-se perdidos e infelizes. Sob esta perspectiva:
As preocupações mais intensas e obstinadas que assombram este tipo de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca, não conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, ficar para trás, deixar passar as datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora indesejáveis, perder o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar o caminho de volta71.
Valores, instituições e crenças estão hoje desacreditadas e deterioradas,
visto que o indivíduo é o centralizador de tudo que está ao seu redor, porque
possui liberdade para isso, e a segurança encontra-se relativizada. Ademais,
“[...] a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza
constante, é uma sucessão de reinícios” 72. Em meio a frustrações constantes,
a modernidade líquida se caracteriza pela precariedade dos sonhos, dos
desejos, dos relacionamentos.
O hoje e o agora se tornaram tão determinantes em relação à vida das
pessoas que momento presente passou a ser quase como uma religião, onde o
sujeito vive intensamente, pois não sabe o destino nem os golpes da sorte nos
69 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Liberdade: aporia solipsista na pós-modernidade. In:
Revista Eletrônica Direito e Política. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI. Itajaí, v.8, n.2, 2º quadrimestre de 2013, p. 1406. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em 16 de junho de 2015.
70 BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. p. 30 e 31. 71 BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. p. 9. 72 BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. p. 8.
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próximos instantes. Em regresso, retoma-se a ideia do Carpe Diem não
somente por uma vontade, mas como uma necessidade de se viver o hoje.
O momento vivido faz o ser humano refletir a respeito de sua postura
perante seu desenvolvimento. Durante sua existência, buscou sempre
melhores condições. O desejo por maiores liberdades e o desenvolvimento de
novas habilidades e objetos sempre estiveram presentes na história da
civilização humana. Na busca por estas aspirações, o próprio sentido do
desenvolvimento restou desvirtuado, haja vista que, a utilização do mundo
natural, para obter um resultado mais efetivo para o mercado, produziu um
problema ambiental de dimensão planetária, diante de tamanha exploração do
mundo natural. O Homem evoluiu, mas também se tornou refém de seu
progresso, pois está atrelado às condições experimentadas por sua evolução73.
O sujeito, dotado de autonomia e liberdades para fazer suas próprias escolhas,
pode explorar o mundo natural, que “parece estar a seu dispor”.
Chama-se atenção ao pensamento de Maffesoli, no sentido de permitir a
interação dos seres humanos com seus semelhantes e com o meio em que
vive, no contexto pós-moderno, e, por vezes, limitadoras da referida autonomia
do ser. Nesta co-relação, Maffesoli define Pós-Modernidade como:
[...] fruto deum paradoxo: o arcaico reinvestido pelo moderno ou o moderno entrando em sinergia com os elementos mais arcaicos. Assim, o ponto comum entre as utopias é o retorno (reversibilidade), o renascimento ou a solidificação da “comunidade orgânica” como modelo da relação sem poder ou limitações econômicas e sociais entre o “eu” e o “tu”, reestruturando, assim, uma nova totalidade. Nessa esteira, a estruturação social segue a seguinte dinâmica: o instituinte desempenha o papel fundador que o instituído tende a esclerosar, até a ação de uma nova força instituinte vir regenerar o corpo social. Essa energia regeneradora é caracterizada pelo “nós” fusional, ou seja, a comunidade74.
O “Estar Junto” como fundamento Estético da Alteridade é uma
alternativa diante dos conflitos, em relação ao próprio Homem e à Natureza ao
seu redor. A vida humana acontece num grande lar, chamado Planeta Terra, e
73 “Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-
se imediatamente uma condição de sua existência”. ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 17.
74 MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. p. 181.
30
a dimensão comunitária da Socialidade75 deve nortear essas experimentações,
cotidianamente.
1.2 O Estar Junto como fundamento Estético da Alteridade
No mundo da vida, desvelar a Alteridade a partir do “Estar Junto” com o
Outro, no período pós-moderno não é tarefa fácil. Por esse motivo, estimular o
resgate ao vínculo comum a todos os indivíduos é a máxima expressão da
Sensibilidade, proposta por Maffesoli. Desse modo, o sensível é dirigido à
própria vida e as próprias vontades, mas, também, à vida do Outro, no tocante
a comportamentos, palavras, símbolos, música, arte e tantos outros elementos
que traduzem esta condição de proximidade.
Na Pós Modernidade, o “Estar Junto” com o outro ocorre nos centros
urbanos e rurais, nas massas, nas tribos, no seio da família, além de outras
formas de comunitarismo (como o espaço virtual), que podem expressar as
escolhas políticas, filosóficas, sexuais e religiosas, por exemplo. A comunidade
reflete diretamente os valores que são caros naquele contexto, e o viver social
traduz estas escolhas no cotidiano.
Os espaços se reinventam a medida que as histórias e os caminhos se
cruzam, transformando o viver em comunidade em uma teia social que desvela
formas de sociabilidade que vão além da individualidade. Alcançam e denotam
significados dirigidos ao Outro. As regras de convivências políticas e jurídicas,
e as criações institucionais que regulam a Sociedade, não são os únicos
elementos em que as interações sociais são estruturadas.
O compartilhar social também é capaz de formar vínculos e manter a
unidade em coesão, muitas vezes de forma mais intensa do que instituições
sociais estruturadas em diretrizes jurídicas e políticas, que conduzem ao
positivismo em excesso. Para Aquino,
A pluralidade de transformações expressas nos novos modos de viver, a velocidade das informações, o esmaecimento da rigidez na estrutura social, política, jurídica, econômica, tecnológica
75 MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de
massa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 11.
31
demanda respostas apropriadas do Direito, os quais nem sempre aparecem porque esse não acompanha, na maioria das vezes, o mundo como ser próprio e não a sua (desejável) representação. Esse hiato entre Direito e as manifestações banais, anódinas que ocorrem em diferentes lugares no cotidiano não permite a sua sincronia na preservação daquilo no qual torna audível – e visível – a manifestação estrondosa do silêncio encarnado76.
Atualmente, os fenômenos sociais significam um universo sensível,
eivado de simbologias, que dão ritmo à contemporaneidade. Uma metamorfose
silenciosa ocorre e os laços invisíveis são formados, à medida que todos estão
inseridos em uma Aldeia Global. Desse modo, não é possível compreender o
mundo pelas velhas lentes. As tendências de hoje remetem ao regate do
vínculo comum e a condição humana, por meio da Sensibilidade e de um
campo perceptivo favorável à compreensão da dinâmica da vida pós-moderna.
O belo ou o harmonioso, como fundamento estético, estão presentes
nas práticas cotidianas. Os sentidos e as Sensibilidades emergem nos
diferentes estilos de vida em interação, numa grande ciranda. A vida, portanto,
é cíclica e não linear. Essa efervescência enseja a necessidade da
compreensão e do esclarecimento dos fenômenos sociais de hoje, ao mesmo
tempo em que possibilita o tecido social sustentar-se.
Quando se trata dos fenômenos sociais e das interações do indivíduo
com o seu semelhante, e com o Meio Ambiente que o cerca, a essência do
Outro é desvelada com a aproximação. O “Estar Junto” é muito mais do que
somente aproximar vidas humanas e não humanas, mas, sim, estimular a
cumplicidade e a identificação, que favorece o belo e o harmonioso. A Estética
também pode ser percebida na esfera imaterial, ou seja, na Sensibilidade do
ser. Em movimentos cíclicos, onde não se sabe o começo e o fim, a ciranda da
vida gira em reciprocidade, reestabelecendo os laços solidários e o vínculo
comum que é próprio de todos os seres, independentemente de sua tribo77.
76 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. O Direito e a Pós Modernidade sobre fissuras e
brisas. Disponível em: http://justificando.com/2014/11/26/direito-e-pos-modernidade-sobre-fissuras-e-brisas. Acesso em 4 de junho de 2015.
77 A solidariedade tem muito a ver com a sensação do pertencer a um grupo (tribo), de tal forma que os vínculos solidários e empáticos são mais fortes quanto maior for a participação no grupo. A noção do pertencer e do identificar na transnacionalidade alimenta-se da necessidade humana de viver em esferas, de buscar a segurança originária do ventre materno. FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio.
32
Sob esta perspectiva, os comportamentos de certo grupo social revelam
as preferências e as escolhas em relação à religião, à política, à cultura, dentre
outros elementos. Em relação às criações artísticas, por exemplo, estas
traduzem as percepções em relação ao que consideram belo e ao que lhe
despertam Sensibilidade. Estas expressões traduzem singularidades e o real
sentido da beleza, naquele contexto social, além de proporcionar uma
experiência estética que identifica e sensibiliza os indivíduos. As interações e
os vínculos formados também são uma manifestação Estética e também
resultam no belo e no harmonioso. Por esse motivo, há uma ligação naquilo
que une um indivíduo ao outro e que remete ao compartilhamento de
experiências e sentimentos comuns.
A Estética, visivelmente considerada, chama atenção ao primeiro
contato que se tem com o mundo a qual está inserido. As criações, os valores,
referências da família (do coletivo ou do individual) são expressas pelo
Homem, da forma como se revela, sob o ângulo da Estética e por meio das
suas falas, seus gestos, suas preferências, suas roupas, sua arte, dentre
outras. Esse fenômeno corresponde a uma ligação interpessoal, com os
mesmos traços de formação e também numa ligação com o meio ambiente78.
No contexto visualizado na Pós Modernidade79, é dificultosa a formação
de vínculos permanentes. Observa-se a necessidade da união entre os seres,
para o desenvolvimento das potencialidades humanas individuais, porém,
nesse sempre isso é possível. A interação com coisas e com pessoas denotam
a diversidade estético-cultural que faz parte do mundo da vida, assim como as
diferenças de um para outro. É nesse momento que a dimensão do sensível é
Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 19, nº. 4 , Edição Especial 2011, p. 1460.
78 Nesse ponto, cabe destacar que, segundo Maffesoli, “O corpo não é mais um simples instrumento de produção, ou eventualmente, de reprodução, como foi o caso do paradigma moderno, mas inverteu-se em corpo amoroso, valorizado, epifanizado, como foi o caso nas sociedades pré –modernas tão próximas da natureza. Os exemplos dados pela teatralidade urbana devem fazer pensar na Natureza em seu sentido amplo e essencial. A partir do quê pode-se pensar o ser de tudo aquilo que está vivo, fundamento da vitalidade tanto individual quanto coletiva”. MAFFESOLI, Michel. Saturação. p. 87.
79 Salienta-se o que entende Cunha sobre o assunto: “[…] Talvez, neste sentido, que corresponde a uma certa forma de pensamento débil, a pós-modernidade, atravessada por tantas teorias contraditórias, encontre um lugar na História do pensamento jurídico: não como mudança de idade, mas como catalisador para que tal venha a se produzir. […] Fica a hipótese, submetida a quantos não entendam mais a pós-modernidade como um tempo […], mas como um espírito”. CUNHA, Paulo Ferreira da. Desvendar o direito: iniciação ao saber jurídico. Lisboa: Quid Juris, 2014, p. 112 e 113.
33
visualizada, à medida que as construções sociais são resultado do cotidiano,
da Estética de Alteridade e do que o “Estar Junto” pode proporcionar.
A compreensão do Outro e da Natureza é uma tarefa complexa, pois,
diariamente, convida o indivíduo a exercer a alteridade e na tolerância. Para
além da satisfação das próprias vontades e necessidades, é preciso ir além da
zona de conforto, para integrar a construção de valores próprios e de
identificação, que expressa o que é mais importante ou mais caro àquela
pessoa. Os sentidos e os significados são esclarecidos á medida que se
convive com Outro. Por esse motivo, são fundamentais as experimentações e
as vivências sociais em espaços onde as efervescências possam se
concretizar.
É no momento presente que estes espaços adquirem importância. O
viver e conviver em comunidade, a partir de uma identificação que lhe é
característica, permite que o indivíduo fortaleça seus vínculos com o Outro,
quando suas preferências são comuns e se expressam das mais variadas
formas. As interações que ocorrem na arena social, por meio da união das
pessoas em tribos ou comunidades, manifesta o compartilhamento de
preferências que “[...] serve de legitimação, de racionalização perfeita ao
prazer, ao desejo ou simplesmente à necessidade de estar junto, de viver
junto” 80, o que traduz uma vivacidade pulsante e torna a arena social uma obra
de arte presenteísta.
Segundo Aquino, ao se negar a Responsabilidade moral junto ao Outro,
está-se diante da inexistência de um exercício habitual de Alteridade na vida de
todos os dias, e estimula-se a banalização de nossa sensibilidade moral81. O
citado autor explica que essa é a trilha de uma Solidariedade comum: o desafio
de compreender o Outro na sua absoluta diferença a qual complementa o des-
velo de minha humanidade82.
80 MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 50. 81 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Tolerância Num Mundo De “Turistas” E
“Vagabundos”. In: Caderno Zygmunt Bauman. v. 4, n. 7, 2014, p. 146. Disponível em http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/bauman/article/view/2623/1099. Acesso em 02 de maio de 2015.
82AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Tolerância Num Mundo De “Turistas” E “Vagabundos”. In: Caderno Zygmunt Bauman. p. 146.
34
A Estética de Alteridade corresponde à necessidade do Outro para a sua
própria sobrevivência. Por isso, o “Estar Junto” é merecedor de atenção:
pressupõe tolerância, respeito, união, coletividade, compartilhamento e
comunitariedade. As individualidades não são desconsideradas. Compreende-
se a individualidade a partir do diálogo e da vivência com a outra pessoa e com
o Meio Ambiente. Trata-se de uma individualidade estendida, na qual a
proporção do conviver oportuniza a união das pessoas, e destas com o meio
em que as cerca.
Por este motivo, a Estética de Alteridade é um fenômeno silencioso que
se desenvolve na dimensão da Sensibilidade. Os espaços de convivência são
carregados de vida e expressivos também, porque proporcionam uma
caminhada em direção ao Outro e com o Outro. Estimulam a formação de
relações mais comprometidas à medida que estabelecem vínculos mais
próximos, responsáveis e de respeito recíproco, que oportunizarão relações
mais fraternas, tolerantes e que respeitem as divergências em espaços
democráticos.
Com este modo de pensar estruturado, é possível se referir a uma
Sociedade democrática e atenta com a inclusão de todas as pessoas. Uma
Democracia madura respeita a diversidade de seus cidadãos e preocupa-se
com os espaços que os seres humanos detêm para expressar-se83, já que este
apenas se desvela a partir de sua interação com os demais.
O sujeito está envolto por uma Sociedade composta por outros seres
humanos, com características distintas, mas que compartilham de uma mesma
Humanidade e de um vínculo que é comum. A consciência dessa situação é
relevante para que o ser humano seja capaz de internalizar que cada ser
possui um papel no conjunto democrático, e esse sentimento deve gerar de
um, perante o outro, uma Responsabilidade recíproca no amadurecimento de
um ambiente mais sadio, includente e democrático. Insiste-se: não significa que
as individualidades devem ser desconsideradas. Apenas recorda-se que a
Estética de Alteridade enseja um olhar fraterno entre as pessoas, haja vista
83 Nas interações sociais é que o Homem se desvela. Para Mafessoli, expressar-se “[...] é
fundamento do vínculo social, depende estruturalmente do estético: é essa capacidade de experimentar emoções, compartilhá-las, transformá-las em cimento de toda a sociedade” MAFFESOLI, Michel. O ritmo da vida: variações sobre o imaginário pós – moderno. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 12.
35
que essa condição oportuniza uma maior Responsabilidade humana por cada
ato individual, admitindo como parâmetro as próprias liberdades e
Responsabilidades.
Formar vínculos e responsabilizar-se pelo Outro é considerá-lo como
elementar para a afirmação da diversidade democrática e também da própria
individualidade, pois esse fenômeno reflete as necessidades de uma sociedade
pós-moderna, carente de aproximação. Refletir a respeito destas questões é
fundamental para que o ser humano possa realizar as mudanças necessárias,
a partir da conscientização de que a Responsabilidade pelo caminho trilhado é
apenas sua.
1.3 A teatralidade trágica do cotidiano
A beleza, como condição estética, manifesta-se no agir e no sentir
humano, além de possuir uma função agregadora na compreensão do estar-
junto84. Não se trata somente de expressões do belo e do harmonioso que são
visíveis a todos, como as obras de arte, as manifestações culturais, a
arquitetura, e a música, por exemplo. Para Aquino, o sentido artístico de belo
reside, também, na própria vida cotidiana, não se restringindo apenas à arte
pela arte85. A experimentação comunitária também denota a Estética, a partir
do Eu com o Outro, e possui o condão de resgatar o vínculo comum na
teatralidade do cotidiano.
Quando se refere a esta questão, é possível dizer que é no tempo
presente que as interações sociais se desenvolvem e que a possibilidade do
“Estar Junto” com o outro é uma realidade. É no cenário da vida e no cotidiano
que a experiência do sensível é proporcionada e possibilita ressignificações à
medida que uma nova forma de encarar a realidade é viabilizada. Assim,
enseja-se uma visão de mundo a partir do Outro e do meio em que se vive. A
84 MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e
socialidade. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 26. 85 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e
sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. p. 47.
36
experiência do sensível desvela os laços genuinamente humanos e as
dimensões estéticas deste fenômeno na contemporaneidade.
O racionalismo exacerbado ofusca análises sociológicas e o
entendimento dos sentimentos e das sensibilidades. Ao aproximar-se do Outro,
enfatiza-se a uma Razão Sensível, tão necessária a integrar e decifrar as
expressões humanas - e não somente compreendê-las como um racionalismo
instrumental.
Esse contexto de aproximação ocorre na arena social, composta por
atores da ciranda da vida. Estes, responsáveis pelas ações que pulsam
cotidianamente, formam “mosaicos” que formam espaços de convivência na
Sociedade pós-moderna. Buscam-se respostas a todo tempo e explicações
sobre os fenômenos da vida em excesso: não há Sensibilidade que permita
uma Razão Sensível, capaz de perceber o interior e a alma destes atores.
Em uma perspectiva de incertezas, não se sabe o que está porvir ou
como será o dia de amanhã. O enredo é presenteísta, formado no cotidiano, e
não há como prever como esta história será escrita. A ideia da teatralidade -
numa expressão de theatrum mundi - é a diferença que Maffesoli faz do drama
para a tragédia86. Somente essa última expressão representa todas as
angústias e virtudes de ser humano junto com o Outro. Afinal, ao se encenar
diferentes papéis todos os dos dias, garante-se a unidade de compreensão da
vida e de funcionamento da própria sociedade. A vida é um teatro, cujos papéis
são encenados sem, muitas vezes, se conhecer o roteiro.
Salienta Maffesoli que o indivíduo possui uma identidade única, capaz
de ser o dono da própria história, e, em contato com o Outro, integra um
enredo que pertence a todos. Contudo, a pessoa possui identificações
múltiplas no âmbito de uma teatralidade global. O indivíduo tem uma função
racional enquanto a pessoa desempenha papéis emocionais87. Na teatralidade
do mundo da vida, os acontecimentos se intercalam: ora tragédia, ora comédia.
86 “Existe um querer viver teimoso. Irreprimível. Expressando-se na duplicidade, na teatralidade
quotidiana, no sentimento trágico da existência, no fantástico vivido no dia a dia, em suma, nesse vivido, nessa proxemia ao mesmo tempo insignificante e estruturante. Quando nada é importante, tudo tem importância”. MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p 17.
87 MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. p. 160.
37
Todas estas ações, involuntariamente, proporcionam o belo, o harmonioso e a
Estética, que:
[...] não pode mais ser considerada como algo autônomo, separado da vida, mas, muito pelo contrário, que ela é a própria vida, é apenas um outro modo de dizer “a aura” que engloba, que serve de matriz à vida social88.
Proporciona-se também a formação de laços, a troca de afeto e a
identificação do indivíduo com o meio ao qual está inserido. Os cenários vão
tomando forma no mundo da vida, de modo a perpetuar-se no tempo presente,
o “instante eterno”89. Todos estes fatores ensejam o “Estar Junto”, pois os
fenômenos não fariam sentido se isolados ou não compartilhados.
O cotidiano, com as certezas e incertezas da vida, exprime teatralidade
e é uma expressão artística: diariamente os papéis são representados pelos
atores sociais em um ritual que geralmente torna-se repetido ou rotineiro.
Maffesoli esclarece que a vida social é uma teatralidade90 e que o cotidiano é
uma obra de arte barroca91. Nela, valores são experimentados, internalizados e
transmitidos por meio do agir humano nos mais diversos espaços: ambiente
acadêmico, de debate político, de convivência familiar ou com os amigos, nos
momentos de exercícios ao ar livre ou de contemplação da Natureza. A
Estética, nestas condições, confere ligação entre o “Estar Junto” e o cotidiano.
Nessa linha de pensamento, aquilo que corresponde à ligação do Eu
com o Outro desvela também um sentido artístico. Por detrás das
representações, está o cenário, ou seja, o espaço que viabiliza a Socialidade92.
Esse ambiente, que é a dimensão espacial, promove a estruturação da
88 MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 97. 89 MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente: por uma sociologia da vida cotidiana. Natal:
Argo, 2001, p. 129. 90 Segundo Maffesoli, a teatralidade é uma astúcia que assegura uma solidariedade escondida
na contradição. MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente. p. 187. 91 MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. p. 188. 92 Sobre o tema, destaca-se que “[...] na compreensão da sociedade, teve-se tendência a
negligenciar, como sendo insignificante, todos o suporte “sensível” do dado social. É isso mesmo que a socialidade se empenha por lembrar”. MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. p. 93.
38
comunidade93, onde grupos sociais e tribos são convidados à interação nos
“labirintos ordenáveis” 94.
A efervescência destas interações sociais diversificadas são a
expressão da Socialidade, que acontece na vida de todos os dias. Para
Maffesoli, a teatralidade do cotidiano estrutura o estilo barroco presenteísta,
onde a Estética se revela no roteiro imprevisível do cotidiano.
Sobre o tema, Aquino ressalta que o Barroco constitui uma metodologia
compreensiva a qual se permite vislumbrar a vida como uma obra de arte, ou
seja, ambiente, acontecimento e aparência traduzem a (re)criação da
Socialidade95. Assim, a Socialidade é o vetor para o agrupamento de pessoas
com perfis semelhantes e que, conforme o espaço temporal, predomina um tipo
de Sensibilidade, um tipo de estilo destinado a especificar as relações que
estabelecemos com o outro96.
A Socialidade remete a experiência do sensível, por perceber a
relatividade do viver, por permitir a interação com outras pessoas ou
fenômenos. Compreender essa categoria por meio do Barroco, que se revela
na encenação teatral, na consciência trágica da morte, na dimensão do viver
entre o tempo e o espaço que se enraízam, significa dinamizar as relações
interindividuais, percebidas, inclusive, nos contornos das cidades, nos mitos
que contam e recontam a vivência plural no diálogo do bem e do mal97.
O Barroco, como expressão artística caracterizada pela alternância de
luz e sombra, desperta curiosidade no jogo sem fim das aparências, de modo
que sempre há uma mensagem a ser transmitida. A sociedade contemporânea
é uma arte barroca e por esta Estética é possível (re) conhecer a Humanidade
no vai e vem trágico e teatral da vida no momento presente, que é o único
momento capaz de se vivenciar algo. Portanto, é na Pós Modernidade que se
observa uma miscigenação do arcaico com o contemporâneo.
93 MAFFESOLI. Michel. A conquista do presente. p. 26. 94 Os centros urbanos e cidades são referidos por Maffesoli como “labirintos ordenáveis”.
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. p. 197. 95 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e
sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. p. 55. 96 MAFESOLI, Michel. O tempo das tribos. p. 101. 97 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e
sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. p. 57.
39
Maffesoli afirma que a teatralidade trágica do cotidiano também
pressupõe uma regressão98. Para o autor, o termo regressão, utilizado para se
compreender a ideia do trágico, sob o ângulo de sua dinamicidade, opõe-se à
linearidade da evolução. O Barroco regressivo indica uma possível conjunção
entre o arcaísmo (eterno retorno) e o desenvolvimento tecnológico que se
mostra incorporado de modo onipotente e onipresente nos grupos sociais99.
Conforme Maffesoli, o “eterno retorno” pode configurar uma repetição teatral
onde tudo se mistura100 e que confere significado às aparências no ambiente a
que as interações adquirem vida.
Na Pós Modernidade, alguns elementos são resgatados, como utopias,
sonhos e fantasias. De forma natural, o belo e harmonioso denotam o retorno
do “Estar Junto” com o outro, como um (re) encantamento da existência.
Retorna a ideia de tribo, de dependência entre as pessoas, por meio de laços
comunitários que podem ser a música, a arte, a religião, a moda, e tantas
outras categorias que integram o contexto social. Os integrantes dos grupos,
reconhecendo-se uns nos outros, são os próprios criadores deste
reconhecimento. Nessa perspectiva, para Maffesoli, o cotidiano pós-moderno
se:
[...] caracteriza por uma forma de volta ao paganismo: ao paganus, camponês ligado a essa terra aqui, que aproveita, tanto bem quanto mal, os frutos desse mundo, que repatria o gozo aqui e agora. É fácil ver quão numerosas são as praticas quotidianas, principalmente nas jovens gerações, com fortes conotações pagãs. Um paganismo desse tipo pode ser observado, de uma forma paroxística, nos grupos musicais, nas afinidades sexuais, nas exacerbações tribais (tatuagens, piercing), mas não está menos presente, de uma forma que não pode ser mais anódina, no simples e não obstante forte hedonismo quotidiano.101
Estes grupos ou ainda, as “tribos” a que se refere Maffesoli adotam
posturas que traduzem novos modelos estéticos, seja por meio das
preferências de produtos a consumir, da tecnologia, de influência, da
98 Não é a toa que as pequenas tribos que navegam pela internet usam máscaras, nomes e
vestimentas dos cavaleiros de outrora ou das mitologias antigas. O primitivismo está no ar. Mas este só faz ressaltar a força e o vigor dessas coisas arcaicas que acreditávamos ter ultrapassado. MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p. 96.
99AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o direito na pós-modernidade.. p. 56.
100 MAFFESOLI. Michel. A conquista do presente. p. 184. 101 MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p 25.
40
linguagem, da indumentária, e daquilo que apreciam enquanto atores sociais.
O tribalismo é o produto da vontade de “Estar Junto”, ou seja, uma forma de
compartilhar um gosto específico102.
O ser humano somente encontra sentido em sua vivência se estiver
junto com o outro, como uma necessidade vital. Pouco a pouco, a
homogeneidade e o individualismo – características do contexto Moderno –
cedem lugar à conectividade e à retribalização da sociedade103. Para Maffesoli:
De um ponto de vista etnológico, a tribo, strictu sensu, era uma maneira de lutar, em conjunto, contra as várias formas de adversidade da qual a selva não era avara. O lugar, que tínhamos domesticado, era, assim, uma garantia ao mesmo tempo de sobrevida e de solidariedade. Não é algo dessa ordem que está em jogo nessas selvas de pedra que são as megalópoles pós modernas! O bairro, o conjunto habitacional, as quatro ruas são como tantos outros territórios que partilhamos com a tribo, que não dispomos a defender, às vezes mesmo violentamente, mas que são uma verdadeira matriz onde o viver junto encontra sua expressão natural [...] o ponto de ligação, a fonte de seu ritmo comunitário, permanece o lugar onde tem seu habitus, seu usos e costumes104.
Esse agrupamento social estrutura o “Estar Junto” com o Outro, por
meio do tribalismo e com um olhar voltado ao meio em que vive. O Homem
desloca sua atenção do individualismo ao pertencimento ou comunitarismo, em
interação com outros seres, formando um elo social105. Estas interações estão
ligadas ao sentimento de coletividade e de compartilhamento, capazes de
construir uma nova relação, entre o Homem, seus semelhantes e os elementos
que os rodeiam.
É curioso compreender estes fenômenos sociais quando milhões e
milhões de seres humanos possuem um “mundo próprio” e trilham seu caminho
sozinhos. Dentro de apartamentos, segregados em suas próprias escolhas e
consciências, fica alheio a tudo que lhe rodeia. Assim, o individualismo
exacerbado da Sociedade atual é uma realidade que não se pode negar, mas a
ideia é rechaçada por Maffesoli, à medida que uma nova forma de interação
102 MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p. 50. 103 LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 2. ed.
Porto Alegre: Sulinas, 2007, p. 71. 104 MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p. 49. 105 Maffesoli completa que é a partir de emoções, paixões, afetos específicos, que vamos, a
partir de então, pensar e organizar o elo social. MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p. 50.
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social emerge e está em construção. Estas constatações conduzem,
simultaneamente, a um paradoxo: de um lado, o individualismo excludente em
dimensões globais; de outro, conexões reais e virtuais que possibilitam o “Estar
Junto” e o pertencer em comunidade. Essa última perspectiva viabiliza um
espaço de cumplicidade nas diferentes comunidades.
A face oculta da Pós Modernidade é a individualidade exagerada, mas o
lado positivo deste momento histórico é a possibilidade apresentada de um
“Estar Junto” social. A tecnologia contribui para esse processo, devido à
aproximação entre as pessoas que ela possibilita. De fato, o tribalismo também
ocorre no meio virtual. A tecnologia é uma ferramenta contemporânea que
aproxima e resulta em uma Socialidade com características peculiares:
desenvolve-se pelo mundo virtual, mas faz menção às aldeias das sociedades
primitivas, configurando o “eterno retorno”, anteriormente destacado.
Sob essa ótica, os elementos vitais e naturais são (re) valorizados, e a
realidade passa a ser uma nova visão de mundo, que contemple todos os
elementos como integrantes de uma unidade comum. Não há espaços, nesta
perspectiva, para que a Natureza seja reduzida ao utilitarismo ou bem
estarismo do Homem. A efervescência a que se propõe aqui é aquela em que a
vida ocorre em conjunto, de forma sagrada, onde o que importa é o
compartilhamento de emoções em comum106, no espaço real ou virtual.
Os modernos agrupamentos sociais também são bandos ou clãs, como
era no passado. As tribos de hoje correspondem à participação, à afinidade e
às interações sociais espontâneas, que são facilitadas pela rede mundial de
computadores. A Internet é um espaço democrático por excelência. O indivíduo
pode estar unido com outras pessoas e discutir temáticas que lhe chamam
atenção, como religião, cinema, moda, música, arte, sexo, consumo e tantas
outras possibilidades. A Internet é o vetor de aproximação da Pós
Modernidade, porque possibilita interações sociais com cargas emocionais
intensas107. Essas condições podem ser compreendidas como consequência
106 LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. p. 71. 107 Para Maffesoli, o “imediatismo, o da vida de todos os dias, o da inesgotável existência
quotidiana que, para além ou aquém de todas as teorizações racionais, enfatiza o jogo das relações, o das correspondências demonstradas ou secretas, de todas essas atrações-repulsas que são o destino, desde a noite dos tempos, de toda vida social, e de que Myspace ou Facebook são apenas os avatares contemporâneos”. MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. Rio de Janeiro, Forense, 2014, p. 85.
42
da Pós Modernidade. São os novos tempos que obrigam a uma nova linha de
pensamento, na qual a Razão passa a ser dotada de Sensibilidade, emoção e
aparência. Nas interações sociais da Pós Modernidade, está absorvida aquilo
que é intrínseco e vivido no cotidiano, tanto no ambiente real quanto o no
ambiente virtual.
Sob esta perspectiva, os vínculos sociais não são vínculos contratuais,
mas sim, integram um processo de pertencimento, que considera a
Sensibilidade, as emoções, as paixões, as necessidades, e tantos outros
elementos que emanam de cada ser. É no dia a dia que isso pode ser
observado com mais clareza. As preocupações individuais, com o ambiente e
com o próximo, desvelam a Sensibilidade a que Maffesoli se refere, presentes
no cotidiano.
Se, por um lado, os espaços geográficos estão redimensionados devido
à Internet e ao encurtamento de distâncias que esta proporciona, o cotidiano é
o espaço temporal onde as interações pós-modernas se desenvolvem, a
exemplo dos códigos de pertencimento e os tribalismos, por exemplo. É o
cotidiano que proporciona essa renovação à medida que as escolhas do grupo
conferem novos sentidos e novas formas de comunicação, que remetem ao
sentimento de pertença que neste ponto de pesquisa se destacou.
O espaço tem ligação com o território e o tempo, ou seja: no momento
em que as interações sociais acontecem, o ambiente também é considerado.
Em união, as duas categorias resultam no teatro da vida, formado por
acontecimentos relevantes, mas também pelos pequenos acontecimentos, as
chamadas banalidades108 cotidianas. Estes acontecimentos diários possuem
relevância, pois o ritmo da vida só pode ser compreendido a partir de uma
análise minuciosa das interações e vivências que acontecem, a todo tempo, no
momento presente.
108 MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. p. 94.
43
1.4 O cotidiano educa para se compreender o ritmo da vida
A teatralidade trágica do cotidiano, que é a realidade da vida em
sociedade, enfatiza o “Estar Junto”, a necessidade de um reconhecimento ao
vínculo comum e de que forma o dia a dia do ser humano amplia o espectro de
reconhecimento e cumplicidade para com o Outro. Essas interações, ocorridas
cotidianamente, em acontecimentos que denotam, ora tragédia, ora comédia –
e, por vezes, banalidades -, repetem-se, de forma a sedimentar o momento
presente: o único momento capaz de algo ser vivenciado.
Sob idêntico argumento, é nas ações microscópicas do dia a dia, que
esclarecimentos sobre o “Estar Junto” com o outro ocorrem, mas não é de
forma natural que esse fenômeno acontece. O contexto da Pós Modernidade
enseja aproximação, e o cotidiano educa para que sejam internalizadas as
questões relativas ao Outro e também ao Meio Ambiente. As interações, as
experiências e as vivências diárias não são capazes de abarcar toda esta
complexidade, cabendo à Educação formal um papel imprescindível na
compreensão da Estética de Alteridade, da Razão Sensível e da necessidade
de (re) aproximação do Homem com a Natureza, para a manutenção da vida
humana na Terra.
O que foi explicitado neste primeiro Capítulo demonstram que, na
modernidade, a ciência e racionalidade surgiram como solução cabal a todos
os males da Humanidade, que por séculos sofreu os efeitos perversos das
pragas, das doenças, as guerras, e também da falta de recursos tecnológicos
que dificultavam a qualidade da vida. No decorrer do processo civilizatório, o
mundo natural foi utilizado para que os avanços há pouco tempo,
inimagináveis, pudessem acontecer.
O processo civilizatório e o progresso das ciências possuem aspectos
negativos, muitas vezes, irreversíveis, quando se trata da questão ambiental. A
ideia de que esta mesma tecnologia e ciência, aliadas à racionalidade,
poderiam contornar os momentos de crise que ela mesma deu causa, não é
sustentável, pois nem mesmo o aparato mais avançado é capaz de suportar a
crise ecológica do Planeta.
44
Hoje, há uma dificuldade em creditar os acontecimentos naturais como
exclusivamente naturais, à medida que as ações humanas também causam
destruição. É custoso distinguir o que é resultado de um fenômeno natural ou
se aquele efeito ocorre por conta da influência humana no meio. Essa relação
entre Homem e Natureza, oriunda do padrão cultural, rompeu em definitivo com
o senso de Responsabilidade e respeito.
Por esse motivo, a superação de paradigmas deve ser constante e
direcionada à tecnologia, à ciência e à racionalidade, pois não cabe à técnica
figurar como “tábua de salvação” aos problemas instaurados ou como
“remédio” para a crise. Sem a pretensão de minimizar os benefícios que os
avanços tecnológicos trouxeram à vida humana, aduz-se que o conhecimento
evoluiu consideravelmente, mas falhou na previsão dos riscos que o progresso
(desenfreado) traria à Humanidade, no que se refere à exploração do Meio
Ambiente.
O gênero humano não é uma parte isolada, mas sim, elemento
fundamental e integrante do grande lar compartilhado chamado Planeta Terra.
A Humanidade, por mais avanços que tenha conquistado, não foi capaz de
desenvolver uma forma de sobrevivência que seja desvinculada com o meio
natural. O conjunto de elementos que integram a Natureza é indispensável
também à vida humana, e por este motivo, é uma necessidade a superação
dos paradigmas utilizados até o presente momento. O que se propõe é o
reestabelcimento de vínculos109 que viabilizem o equilíbrio da relação Homem
versus Natureza, por meio de um novo modo de pensar essas interações,
baseado no sentimento de pertença do ser humano com o Meio Ambiente e
com novos conteúdos éticos que proporcionem vínculos de fraternidade entre
tudo que é vivo.
Nesta mesma linha de pensamento, Ferrer110 entende que a busca pela
harmonia entre as categorias figura como um fio condutor para o adequado
109 Segundo Maffesoli, “[...] o vínculo comunitário, o fato de estar “vinculado” e de ter confiança,
se fundamenta na sedimentação de todas essas pequenas coisas. A sedimentação, em seu sentido estrito, gera cultura”. MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. p 25.
110 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos, v. 17, n. 3, Dez. 2012. Disponível em:<http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/4202>. Acesso em: 02 abr. 2015. p. 311.
45
progresso da Humanidade, com vistas no futuro. Em relação à
Sustentabilidade, o autor explica que o princípio corresponde à harmonia em
todas as dimensões de relacionamento da vida humana, e não somente da
manutenção da espécie humana no futuro. A proposta de Ferrer guarda ligação
com a Cidadania, à medida que o sentimento de pertença e o ímpeto de
mudança da atual realidade possibilitariam uma melhora no ambiente físico, na
saúde física e mental, na qualidade de vida, no lazer e tantos outros aspectos
positivos que englobam o bem-estar do cidadão. Este novo paradigma, no
entanto, depende de um agir humano que favoreça estas transformações,
impulsionado, de forma direta, pela Educação111 com vistas na questão
ambiental.
Assim sendo, a qualidade de vida a que se pretende alcançar não
engloba somente fatores como emprego, renda, riqueza e consumo, mas
corresponde ao ideal proposto por Maffesoli, qual seja: o de que os indivíduos
necessitam estabelecer vínculos de pertença a seu grupo social e ao meio em
que vive.
Nesse ponto, em relação ao Direito, recorda-se: o Direito é um
fenômeno cultural que reflete as crenças e valores daquela Sociedade. Se o
paradigma utilizado em relação à Natureza, é de sua dominação e exploração,
as normas legais traduzirão essa posição. Contudo, diante das mudanças que
vem ocorrendo nas últimas décadas em relação aos problemas ambientais, o
Direito também é capaz de ser elemento transformador, por meio da revolução
ambiental, que não se encontra no campo tecnológico, e sim no cultural112.
Não há dúvidas de que os caminhos que trouxeram o Homem até o
momento presente são tortuosos do ponto de vista ecológico, pois os modelos
de desenvolvimento adotados colocam em risco a vida terrena. É preciso
chamar atenção para alguns destes elementos, que são indispensáveis à vida,
como o oxigênio e a água, por exemplo.
A relação do Homem com a Natureza deve, em sua essência, ser bela e
harmoniosa, na perspectiva de Estética de Alteridade proposta por Maffesoli.
111 Para Maffesoli, a educação é capaz de integrar. MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna:
formas elementares da pós-modernidade. p. 85. 112 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos, p. 312-314.
46
Na mesma linha de pensamento, Gleiser113 esclarece que a Vida e a Terra são
uma só e este sentimento de pertença deve ser fomentado. Para tanto,
questiona-se quais os valores estão sendo propostos para isso, visto que a
exploração da Natureza ainda é uma realidade.
A Alteridade desvela ao Homem a necessidade em assumir sua
Responsabilidade mediante a crise instaurada, de modo a não justificar, a todo
tempo, os equívocos ocorridos neste âmbito, mas sim, dar legitimidade a uma
nova forma de pensamento: não utilitarista, e que suprime, em definitivo, a
ideia de progresso às custas do mundo natural. O padrão estabelecido até
pouco tempo era de que a racionalidade científica vigorasse, e por esse motivo,
admitia-se a relação de exploração com a finalidade de dominar o ambiente
natural e, consequentemente, subjugá-lo aos interesses e necessidades
humanas114.
A crise hoje a ser enfrentada – humanística, da ciência, da natureza, das
técnicas – apresenta-se como uma faceta do modelo de desenvolvimento
adotado ate aqui. Beck salienta que as promessas da Modernidade não são
coerentes com a estrutura de seus setores produtivos, sua noção de
crescimento econômico, sua compreensão da ciência e da técnica e suas
formas de democracia115. Na mesma linha de pensamento, Ferrer116 explica
que o grande paradigma da humanidade é a Sustentabilidade117, ou seja, a
113 GLEISER, Marcelo. Criação Imperfeita: cosmo, vida e o código oculto da natureza. 3. ed.
Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 223. 114 É no contexto de crise que o movimento social torna-se um rico objeto de análise. Em meio
a saturação da questão ecológica, Maffesoli pontua que “[...] quando uma civilização já deu o melhor de si mesma, ela sente a necessidade de retornar a sua origem”. MAFFESOLI, Michel. Saturação. p. 21.
115 Ulrich Beck é o principal pesquisador contemporâneo da Sociedade de Risco. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Ibérica, 1998, p. 304.
116 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 319.
117 Nesse ponto, cabe destacar que “as provas científicas de que se é uma espécie basicamente empática trazem consequências sociais profundas e de grande alcance, que podem determinar nossa sorte como espécie, assim como resignificar as dimensões sociais do poder, estabelecendo novos paradigmas, tais como: os paradigmas da sustentabilidade e da solidariedade. No sopro da morte e na celebração da vida na empatia, nos mostramos solidários com nossa compaixão, não apenas entre si, mas para com as nossas criaturas semelhantes, as quais têm uma e apenas uma vida neste pequeno planeta. Empatizar é civilizar, civilizar é empatizar”. FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p. 1442.
47
vontade de construir uma nova sociedade capaz de se perpetuar no tempo, e
em condições dignas em relação ao social e, também, ao ambiental.
Não é somente a crise da Razão, da Ciência e da Tecnologia que
enseja novas formas de ser e pensar. De uma maneira geral, a grande parte da
população mundial vive em condições muito ruins, que compreendem
fenômenos como aquecimento global, desmatamento, poluição de ar, escassez
da água e tantos outros problemas relacionados à questão ambiental, como a
miséria, a fome, as desigualdades de renda, a exclusão social, as injustiças, a
opressão, a violência, o preconceito e o individualismo, dentre outros. Da
mesma forma, a escravidão e a dominação cultural e econômica traduzem,
com clareza, as condições insustentáveis que estão afetam não apenas o Meio
Ambiente, mas a própria Humanidade.
Por esse motivo, um dos caminhos propostos à superação das crises118,
está em um conceito mais amplo e global, um conceito que favoreça a
integração e a (re) ligação entre pessoas e as estimule a participar das
decisões globais com Responsabilidade. O elemento chave para um novo
tempo diz respeito a esta (re) ligação. A proposta segundo Maffesoli aduz que:
[...] para além da ideologia progressista própria à modernidade, não se pode esquecer a herança dos séculos a da tradição, que enfatiza as conexões, as harmonias de bases próprias a toda vida em sociedade. Trata-se aí de um tesouro herdado do passado, que, no presente, prefigura o futuro. Em resumo, “estar com” é a antiga e
obsessiva preocupação com a relação: estar religado ao outro119.
No cotidiano, por meio da Razão Sensível e da Alteridade, esse cenário
pode ser concretizado, desde que haja consciência de que todos pertencem a
um único lar, chamado Planeta Terra, e que compartilhem suas
Responsabilidades para a manutenção de todas as formas de vida120.
118 Ressalta-se: “[...] as crises são uma precondição necessária para a emergência de novas
teorias e para a gênese de novos paradigmas. A crise do paradigma dominante seria o resultado interativo de uma pluralidade de condições sociais e teóricas, como retrato de uma família intelectual numerosa e instável, que se despiu com alguma dor dos lugares conceituais, teóricos e epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e securizantes. FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p. 1440.
119 MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. p. 81. 120 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
48
Em referência à Democracia, mencionada anteriormente por Beck, cabe
destacar que os benefícios do progresso atingem apenas uma parcela da
população, ou seja, este acesso é seletivo. Porém, os riscos da exploração da
Natureza são socializados a todos, e, por certo, a parcela da população que
mais sofre neste cenário são os miseráveis e excluídos.
Como os prejuízos são de ordem mundial e não possuem fronteiras,
atingem todas as classes, sendo que as mais baixas sofrem com mais
intensidade os efeitos perversos do desenvolvimento, que sacrifica o mundo
natural. Sobre essa afirmação, comunga-se da seguinte ideia: as
miniracionalidades pós-modernas estão, pois, conscientes dessa
irracionalidade global, mas, estão, também, conscientes que só a podem
combater localmente. Quanto mais global for o problema, mais locais e mais
multiplamente locais devem ser as soluções121.
A forma com que ocorre a interação Homem versus Natureza precisa ser
repensada, porque enseja o sentimento de pertença em relação às outras
pessoas. O movimento, nesse sentido, deve ser com o próximo, é bem
verdade, mas também com o Planeta, para que surja de maneira mais
expressiva uma nova consciência a respeito da Natureza122, numa abordagem
de Desenvolvimento Sustentável e com o agir humano com vistas à
preservação.
Em medida emergencial, o saber científico e o gerenciamento dos riscos
ambientais não devem ser as únicas alternativas para minimização da crise.
Embora o esgotamento dos elementos naturais e a complexidade que envolve
o bioma do Planeta Terra sejam questões a serem resolvidas
emergencialmente, abre-se possibilidade à adoção de outros modelos de
desenvolvimento, como sustentável123, por exemplo.
121 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice – O social e o político na pós
modernidade. Campinas: Cortez, 1996, p. 110 e 111. 122 Essa nova mentalidade se torna hierarquizada e mais participativa. Nesse sentido, na nova
geração, começa ganhar corpo e a se caracterizar um novo espírito empático, que agora está mais preocupado com a realização do sonho da qualidade de vida. FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p. 1443.
123 O desenvolvimento sustentável foi conceituado como sendo "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades". COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 46.
49
Para tanto, assumir a Responsabilidade pelo atual estado deste mundo
também é uma necessidade. A crise enfrentada é gravíssima e começa a
impactar a vida humana de forma bastante intensa e global. Por este motivo, as
preocupações dos especialistas estão às voltas de temas como escassez de
água, a poluição do ar, a extinção de animais, alteração em biomas e no clima,
e tantos outros elementos que foram alterados devido à ação humana. Nesse
sentido, a Carta da Terra preconiza:
Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade considerando em relação ao lugar que ocupa o ser humano na natureza124.
Como não se rompeu, em definitivo, a linha de pensamento que coloca a
Natureza em posição desfavorável e a serviço do Homem, o progresso a
qualquer custo integra o momento presente. Reconhece-se que Ciência possui
um alcance magnífico, mas, por vezes, não é capaz de mensurar os efeitos das
ações humanas no Planeta. De fato, a intervenção negativa do Homem na
Natureza é uma realidade e um ciclo que não se rompe: acontecimentos
naturais catastróficos somam-se a ação humana e, por esse motivo, a situação
é preocupante.
Por outro lado, a mudança de consciência a respeito destas questões é
uma realidade. Iniciou-se o processo do rompimento de paradigmas - como
aquele que denota a Natureza como bem ou à serviço do homem, conforme a
linha de pensamento de Descartes125 - porque Homem e Natureza possuem
uma ligação direta. A forma de encarar a realidade, partindo da premissa de
que, por acontecimento natural ou vontade divina, o Homem é herdeiro do
124 Carta da Terra. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/agenda-21/carta-da-terra. Acesso em 5 de julho de 2015. 125 A famosa expressão de Descartes é, segundo Maffesoli, “[...] a pretensão moderna: um
sujeito senhor e possuidor da natureza, ator da sua própria historia e da historia do mundo”. Essa afirmação denota um paradigma que precisa, com urgência, ser superado em definitivo. MAFFESOLI, Michel. O ritmo da vida: variações sobre o imaginário pós – moderno. p. 106.
50
Planeta, não merece prosperar, mesmo que estas sejam as orientações de
várias civilizações e de algumas religiões (especialmente a cristã e hebraica).
Esse pensamento acirra ainda mais a relação Homem versus Natureza e é alvo
de crítica de Boff, que aduz:
O antropocentrismo é ilusório porque o ser humano foi um dos últimos seres a aparecer no cenário da evolução. Quando a Terra estava pronta em 99,98% de sua realidade, surgiu a espécie homo, com a capacidade singular de ser consciente e inteligente, mas isso não lhe confere o direito de dominar os demais seres. Ao contrário, o mesmo Gênesis coloca o ser humano no Jardim do Éden para cuidar e guardar esta herança que Deus lhes deixou (Gn, 2,15). Esta visão é ecológica e deve ser resgatada e não a outra. O que agrava o antropocentrismo é o fato de colocar o ser humano fora da natureza, como se ele não fosse parte dela e não dependesse dela. A natureza pode continuar sem o ser humano. Este não pode sequer pensar em sua sobrevivência sem a natureza. Além do mais, ele se colocou acima da natureza, numa posição de mando, quando, na verdade, ele é um elo da corrente da vida. Tanto ele quanto os demais seres são criaturas da Terra e junto com os seres vivos nós formamos, como insiste a Carta da Terra, a comunidade de vida126.
O ponto de vista trazido pelo autor derruba, em definitivo, os discursos
de cunho religioso para legitimar a prática de exploração à Natureza. O Homem
depende do Planeta para promover sua subsistência e desenvolvimento. A
ação humana no sentido de explorar o mundo natural de forma irresponsável
tem demonstrado ser prejudicial à harmonia da vida humana com a Natureza.
A informação hoje está mais acessível e assim, as dimensões dos problemas
ambientais são disseminadas. A degradação ao Meio Ambiente, que ocorreu
de forma mais intensa na Revolução Industrial, foi questionada porque os
primeiros sinais de uma Natureza esgotada começavam a aparecer.
A consciência da finitude dos elementos naturais contribuiu para o fim da
seguinte ideia: a Natureza é um objeto a serviço de um ser pensante, dotado
de racionalidade, que domina os recursos com a tecnologia e a ciência,
buscando o progresso, a qualquer custo. Abandona-se esta ideia e retoma-se o
pensamento das sociedades tradicionais, qual seja: a ligação do Homem com a
Natureza e a participação do sujeito em um lar comum.
A ideia correspondia à sinergia com o Meio Ambiente, e o Planeta
crescia de forma natural, sem a intervenção humana de forma tão intensa. O
126 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é e o que não é. Petrópolis: Editora Vozes, 2012,
p. 69.
51
utilitarismo era limitado à subsistência das tribos ou das famílias. A Natureza
era domesticada e dominada sem maiores prejuízos, sem manobras de
manipulação. Porém, por muito tempo, a chamada “metástase do ego”127
fomentou a visualização dos próprios interesses, indo ao encontro do
progresso desenfreado que seduziu a Humanidade. Nesse aspecto, cabe
destacar:
Ha aportado los lados más sombríos del individualismo: el egocentrismo, la autojustificación (que suscita la incomprensión del otro) y el afán de lucro [...] Ha destruido la solidaridad tradicional sin crear otra que la sustituya y, como resultado, se han multiplicado las soledades individuales. Al desarraigar y crear guetos, se plantan las semillas de la criminalidad128.
Numa perspectiva diferenciada, pretende-se disseminar a ideia de que a
Natureza é uma parceira obrigatória à manutenção da vida humana na Terra.
Não se trata de contrastar a Humanidade com os demais seres, mas sim, de
fomentar vínculos de Responsabilidade e principalmente de pertença, que
absorvam a ideia de lar comum129, no cotidiano. Uma mudança de pensamento
neste sentido não é tarefa fácil, e, por este motivo, a Educação é
imprescindível, já que rupturas e transformações são processos longos e
lentos. A Sustentabilidade é um conceito moderno que precisa ser ensinado,
incorporado e vivenciado no dia a dia das pessoas. Um desafio tão complexo,
que é superar o individualismo em prol de uma compreensão sistêmica da
Sustentabilidade, enseja uma “[...] tomada de consciência de pertencimento a
uma mesma terra-pátria” 130.
Morin salienta que sem uma reflexão e uma nova consciência sobre o
mundo globalizado e os modelos de sociedades, dificilmente se conseguirá
enfrentar as crises atuais. Para ele, diante da Globalização, a cultura do
capitalismo dissemina pelo mundo sua forma, e, juntamente com o
consumismo desenfreado, o lucro a qualquer custo, aliados aos interesses dos
blocos econômicos, o mundo encontra-se em múltiplas crises (energética,
127 MORIN, Edgar. La vía para el futuro de la humanidad. Tradução de Núria Petit Fontseré.
Barcelona: Paidós, 2011, p. 55. 128 MORIN, Edgar. La vía para el futuro de la humanidad. p. 26. 129 Não se pode dizer a melhor sensibilidade ecológica: a preocupação com a moradia (oikos)
comum. MAFFESOLI, Michel. Saturação. p. 82. 130 MORIN, Edgar. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 166 e 167.
52
econômica, ecológica, social e humanística), o que vem impedindo a formação
de uma consciência comunitária compartilhada131.
Esta condição vai de encontro com as lições de Maffesoli. Segundo o
autor, a “tribalização” da Sociedade é fruto de agregações resultantes de
vínculos afetivos compartilhados132, conforme a análise realizada no ponto
anterior desta pesquisa. Novas perspectivas, contudo, só serão possíveis pelo
exercício da Alteridade, apta a desenvolver uma nova Razão, que seja capaz
de contemplar as necessidades e os interesses do Outro. Essa nova
perspectiva, que possui ligação com o senso de Responsabilidade, é oriunda
do vínculo antropológico e biológico comum, ou seja: o imperativo de existência
da humanidade.
Chama-se atenção à necessidade de respeitar o funcionamento e a
dinâmica vital da Natureza. O seu funcionamento é complexo e macroscópico.
O Planeta corresponde à “teia da vida”, ou seja, é um organismo vivo133 e
pulsante, que não pode ser concebido à disposição do Homem. Muito mais do
que objeto de observação às ciências ou de elemento a ser explorado, a
Natureza é indispensável à manutenção da vida humana na Terra. A Estética
de Alteridade e a Razão Sensível, já elaboradas nesta pesquisa, estão ligadas
a estas questões. Da mesma forma, o Direito surge como elemento essencial
para coibir a degradação ambiental, ao lado da Educação e da Cidadania.
A esse respeito, salienta-se que o exercício da Cidadania é fator que
merece maior esclarecimento134, pois esta significa uma condição de existência
com Dignidade135 e que vai além das condições vitais básicas do ser humano.
131 MORIN, Edgar. La vía para el futuro de la humanidad. p. 20 e 22. 132 MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. p. 42. 133 Além do Planeta, em sua composição natural do qual faz parte a química, a física, a
bioquímica e tantos outros elementos, cabe mencionar, que, do mesmo modo, segundo Maffesoli, o corpo social é um metabolismo vivo. MAFFESOLI, Michel. O ritmo da vida: variações sobre o imaginário pós – moderno. p. 105.
134 O tema será abordado com maior profundidade no Capítulo 3 desta pesquisa. 135 “A dignitas é um atributo que se confere ao indivíduo desde fora e desde dentro. A
dignidade tem a ver com o que se confere ao outro (experiência desde fora), bem como com o que se confere a si mesmo (experiência desde dentro). A primeira tem a ver com o que se faz, o que se confere, o que s eoferta [...] para que a pessoa seja dignificada. A segunda tem a ver com o que se percebe como sendo a dignidade pessoal, com uma certa auto-aceitação ou valorização-de-si, com um desejo de expansão de si, para que as potencialidade de sua personalidade despontem, floresçam, emergindo em direção à superfície. Mas, independentemente do conceito de dignidade própria que cada um possua (dignidade desde dentro), todo indivíduo é, germinalmente, dela merecedor, bem como agente qualificado para demandá-lo do Estado e do outro (dignidade desde fora), pelo simples fato de ser pessoa, independente de condicionamentos sociais, políticos, étnicos, raciais etc. [...] Só há
53
Ao exercer a Cidadania, de forma plena, o Homem acaba por influenciar no
meio em que vive e contribuir na superação dos obstáculos da Pós
Modernidade.
Para Ferrer, a Sustentabilidade, para além de números que medem o
desenvolvimento ou os índices econômicos, significa adentrar em questões
subjetivas que envolvem o bem-estar e a qualidade de vida do Homem136.
Este, como cidadão, é capaz de rever seus padrões de consumo e modo de
vida. Nesta senda, o Direito137 é elemento-chave neste movimento, pois trata-
se de um vetor para as transformações que se almejam alcançar138.
Como medida de superação de crise, ressalta-se a existência de
documentos importantes para a proteção do Meio Ambiente. Cagliari e Santos
explicam que estas preocupações sobre as condições ambientais
“intensificaram-se a partir das décadas de 70 e 80, período em que o homem
despertou para os problemas ambientais, surgindo a partir daí legislações
preocupadas com a temática, que até então não existiam139”.
Dentre as datas importantes que visam a proteção ambiental, está a
Declaração do Meio Ambiente gerada pela Conferência da Organização das
Nações Unidas, ocorrida em 1972 em Estocolmo140; as Constituições de
dignidade, portanto, quando a própria condição humana é entendida, compreendida e respeitada, em suas diversas dimensões, o que impõe, necessariamente, a expansão da consciência ética como pratica diuturna de respeito à pessoa humana”. BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. p. 301 e 302.
136 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 312.
137 Para Ferrer, no que diz respeito ao tema Direito e Meio ambiente, seria necessário uma mudança brusca no Direito Ambiental. Essa mudança implicaria na retirada do Homem como centro do Direito, para que o próprio Meio Ambiente seja sujeito de direito. A Natureza seria protagonista nesse movimento, e não mais o Homem. A superação do paradigma antropológico seria revolucionária. O Direito é fenômeno cultural e se conferisse à Natureza essa nova condição, de sujeito de Direito, acarretaria em uma transformação jurídica, tecnológica, científica e cultural. Contudo, esse avanço não está perto de acontecer. FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 313.
138 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 313.
139 CAGLIARI, Claudia Taís Siqueira; SANTOS, Marcelo Loeblein dos. A ecocidadania na busca pela sustentabilidade planetária. In: Constituição, meio ambiente & políticas públicas. BALDO, Iumar Junior; CUSTÓDIO, André Viana. (Org). Curitiba: Multideia, 2011, p. 28.
140 Como marco inicial do Direito Internacional Ambiental, o primeiro princípio desta declaração elevou o meio ambiente de qualidade ao status de direito fundamental do ser humano e inspirou várias Constituições de vários países, inclusive o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988. CAGLIARI, Claudia Taís Siqueira; SANTOS, Marcelo Loeblein dos. A ecocidadania na busca pela sustentabilidade planetária. In: Constituição, meio ambiente & políticas públicas. p. 28.
54
Equador e Bolívia, a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, A Lei
boliviana dos Direitos da Mãe Terra, o Protocolo de Quioto, a Lei brasileira
6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente; a ECO 92; os
princípios da Agenda 21, o Código Florestal, a própria Constituição Federal
Brasileira de 1988, dentre outros documentos.
Cagliari e Santos141 expressam que “[…] outro fator importante que
ajudou na emergência do movimento ambiental ligado ao desenvolvimento
socioeconômico foi a aceitação do conceito de Desenvolvimento Sustentável,
expresso no Relatório de Brundtland” que foi produzido pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987. Popularmente conhecido
como o “Nosso Futuro Comum”, designou o conceito de Desenvolvimento
Sustentável, a partir de uma ideia de desenvolvimento que atenda as
necessidades do presente, sem degradar os recursos necessários para as
gerações futuras. Assim, o:
[…] desenvolvimento sustentável se refere principalmente às consequências dessa relação na qualidade de vida e no bem-estar da sociedade, tanto presente como futura. Atividade econômica, meio ambiente e bem-estar da sociedade formam um tripé básico, na qual se apoia a ideia de desenvolvimento sustentável142.
A Organização das Nações Unidas também demonstra especial atenção
com o desenvolvimento humano. Uma de suas ações foi o estabelecimento,
em 2000, dos Oito Objetivos do Milênio143, como meta a ser atingida por todos
os países do mundo até o presente ano. No Brasil, estes oito objetivos são
conhecidos como os “Oito Jeitos de mudar o Mundo” e, dentre estes, destaca-
se o objetivo “sete”, que se refere a qualidade de vida e respeito ao Meio
Ambiente. Trata-se de uma das metas de maior dificuldade de realização, pois
141 CAGLIARI, Claudia Taís Siqueira; SANTOS, Marcelo Loeblein dos. A ecocidadania na
busca pela sustentabilidade planetária. In: Constituição, meio ambiente & políticas públicas. p. 28.
142 CAGLIARI, Claudia Taís Siqueira; SANTOS, Marcelo Loeblein dos. A ecocidadania na busca pela sustentabilidade planetária. In: Constituição, meio ambiente & políticas públicas, p. 29.
143 Os oito objetivos são: 1 – Acabar com a fome e a miséria; 2 – Educação básica de qualidade para todos; 3 – Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4 – Reduzir a mortalidade infantil; 5 – Melhorar a saúde das gestantes; - Combater a AIDS, a malária e outras doenças; 7 – Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8 – Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.
55
exige empenho para com as medidas a serem adotadas pelos países, na
recomposição de um horizonte sustentável a todos.
Ao lado dessa iniciativa, destaca-se a Conferências das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente, que ocorreram em 1972, 1992, 2002 e 2012 –
popularmente conhecida como as “Quatro Ondas”, que possibilitaram grandes
avanços científicos e jurídicos, bem como a proliferação de legislações
ambientais pelo mundo. Foram tomadas posturas frente às agressões ao
Planeta e se estabeleceram limites ao crescimento econômico e a
constitucionalização do Direito Ambiental144, demonstrando sua essencialidade
jurídica. A conotação jurídica da questão ambiental transcende o Direito, pois
diz respeito a vitalidade do ser humana, e, por esta razão, ao alcance jurídico
do direito ao Meio Ambiente sadio e equilibrado, direcionado para todas as
formas de vida. Para tanto, o Direito Ambiental se justifica porque corresponde
ao instrumento legal capaz de dignificar e qualificar a vida humana, como um
direito difuso, ou seja, com relevância a uma comunidade ilimitada, para além
de limites geográficos e esferas individuais.
Além da Declaração do Rio, em 1992, adotou-se a Agenda XXI e
aprovou-se o Convênio sobre a Diversidade Biológica e o Convênio Marco
sobre mudança climática. Mas os debates foram além, e destacaram a
necessidade do desenvolvimento e da erradicação da pobreza, a questão da
titularidade dos elementos naturais e o controle da ciência e da tecnologia. Não
há como negar que muito se avançou com esta agenda internacional, porém, o
caminho para se alcançar a Sustentabilidade está muito aquém do esperado,
144 A despeito do Direito Ambiental, cabe mencionar que “Com o crescente impacto do
modelo de crescimento econômico adotado no mundo contemporâneo, o Direito Ambiental passa a assumir também importância para além do Estado-nação territorial, no que respeita a governança e a regulação transnacional e, consequentemente, em novas políticas públicas estatais e transnacionais. Questiona-se, então, como o direito ambiental pode ser um instrumento adequado para enfrentar os desafios de sustentabilidade e de governança, num momento permeado por questões políticas, sociais, econômicas, culturais, e marcado por categorias complexas como exclusão social, desenvolvimento econômico, racismo, entre outras. Deve-se considerar que, nas últimas décadas, o Direito Ambiental vem assumindo um caráter aberto e interdisciplinar. Este novo Direito Ambiental vê-se defrontado com um dilema sem precedentes: de um lado o avanço da ciência e da tecnologia, de outro os tradicionais valores racionais e positivos do direito”. FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p. 1447.
56
seja por razões econômicas, sociais ou por interesses que vão além das
necessidades globais e humanas145.
Ainda no que concerne a proteção expressa ao Meio Ambiente,
especificamente no Brasil, importa chamar a atenção à Constituição Brasileira
de 1988, especialmente seu artigo 225, caput146 e ao artigo 3°.
O artigo 225 traz um Direito Fundamental ao Meio Ambiente equilibrado,
essencial à sadia qualidade de vida das pessoas. O artigo 3° trata dos objetivos
do Estado Brasileiro. Dentre eles, encontra-se a Solidariedade147, que visa uma
sociedade mais fraterna e consciente de que suas ações refletem na vida de
seus semelhantes, em ligação direta com os pensamentos trazidos por
Maffesoli sobre Socialidade e de Razão Sensível, abordados no início deste
Capítulo.
Ressalta-se que artigo 3° não retrata expressamente sobre um direito a
um Meio Ambiente equilibrado, como aparece no artigo 225 da Constituição
Federal. Contudo percebe-se que este objetivo está relacionado às questões
ambientais, já que, a partir da Solidariedade e da Educação, é possível
adentrar em uma nova via para o Desenvolvimento Sustentável. Os objetivos
constitucionais constituem o estabelecimento de uma sociedade sustentável, a
partir do dever do Estado e do dever social na tutela do Meio Ambiente.
Para além de um bem-estar individual e coletivo, como possa parecer,
busca-se a concretização dos Direitos Fundamentais a partir da tutela dos
Direitos Ambientais, indispensáveis à vida humana. Ainda que em uma
perspectiva difusa, o desenvolvimento humano, em todas as suas dimensões,
145 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 314-319. 146 Art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações” BRASIL, Constituição Federal, 1988.
147 A categoria Solidariedade não pode ser compreendida em um único conceito. Afirma Moraes que a solidariedade apresenta diversas facetas, representada “[...] como um fato social do qual não podemos nos desprender, pois é parte intrínseca do nosso ser no mundo; como virtude ética de um reconhecer-se no outro (que “faz do outro um outro eu próprio”) ainda mais amplo do que a justa conduta exigiria (dar ao outro o que é seu); como resultado de uma consciência moral e de boa-fé ou, ao contrário, de uma associação para delinquir; como comportamento pragmático para evitar perdas pessoais e/ou institucionais. Fato social, virtude, vício, pragmatismo e norma jurídica são os diferentes significados do termo”. MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da Solidariedade. Disponível em <http://www.idcivil.com.br/pdf/biblioteca9.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2015, p. 07.
57
pode ser conquistado a partir da proteção do mundo natural, independente dos
limites geográficos do Estado-nação, como forma de efetivação do novo
paradigma da Sustentabilidade. Cabe, talvez, uma caracterização do Direito
Ambiental por meio do antropocentrismo alargado, próprio de nossa
Constituição.
O tema é relevante porque na Sociedade pós-moderna – com suas
características e seus reflexos globais -, a crise não se limita a um determinado
grupo ou território. A crise é geral e socializada por todos, pois todos são parte
integrante de um lar compartilhado chamado Planeta Terra. Por essa razão,
negligenciar as Responsabilidades não é uma opção. Os Estados Nacionais e
a Sociedade Civil devem canalizar esforços nesta empreitada porque não há
fronteiras para a questão ambiental.
A crise possui uma dimensão global porque os riscos e as ameaças
também o são. As Responsabilidades são de todos, acerca dos problemas
naturais e o acesso democrático aos benefícios do desenvolvimento também
deveria o ser. São necessárias ações com vistas no sentimento de
Solidariedade e de sobrevivência conjunta148. A defesa ambiental, a partir de
uma perspectiva solidária, é um passo importante na superação da crise e um
reflexo de que o Homem não mais é mais detentor da Natureza, mas sim, parte
integrante dela149.
Ferrer150 afirma que, para que se busque uma sociedade sustentável,
primeiramente, precisa-se de cidadãos globais. Conscientes a respeito dos
desafios contemporâneos, é necessário que reconheçam a si e os demais
como sujeitos dignos, em qualquer canto do Planeta. A Cidadania Ambiental
está atenta às Responsabilidades, é sabedora de quais direitos exigir, é
tolerante em relação às diferenças culturais e é crítica em relação ao padrão de
consumo e modelo de desenvolvimento atual. Essa condição implica na defesa
148 GUIMARÃES, Bérgson Cardoso. Fundamentos ético-filosóficos para a preservação dos
bens culturais. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre: Magister, 2013, p. 93-109, p. 98.
149 Segundo Maffesoli, a atitude hermenêutica, identificando e interpretando os sinais próprios de uma cultura, só pode ficar atenta à expressão dos sentimentos. Eles são “simbólicos”, e isso no sentido forte do termo: processo de reconhecimento do outro, isto é, “nascer” em si a partir da alteridade. MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. p. 248.
154 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
58
de todas as formas de vida e no respeito, tanto de comportamento, de gênero,
de identidade e de culturas como fonte de enriquecimento humano.
Além disso, a Cidadania Global deve ser difundida. O imperativo desta
nova categoria é a existência de cidadãos comprometidos, capazes de agir no
âmbito local e no âmbito global, numa Cidadania ativa e coletiva151, que será
melhor esclarecida no Capítulo 3 desta pesquisa. Esse cidadão é atento ao
papel que o processo educativo possui neste movimento de conscientização e
de transformação de pensamento, pois diante de problemas coletivos, as
soluções devem ser coletivas também.
O que se propõe é uma Educação e um aprendizado para convivência
bela e harmoniosa do Homem com a Natureza, como parceiros, a partir de uma
abordagem humana, sustentável, includente e democrática. Em sinergia, se
remete à ideia de Sensibilidade. Racionalizar a vida social também auxilia
neste processo, onde o cotidiano educa para se compreender o ritmo da vida.
As interações discorridas no primeiro ponto deste Capítulo destacam o “Estar
Junto” no cotidiano, não somente com o Outro, mas, também, com a Natureza,
por meio do processo educativo e do exercício pleno da Cidadania, que
atualmente possui características transnacionais.
151 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
59
CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PRESSUPOSTO DE UMA
CIDADANIA AMBIENTAL
Diante do desafio global para superação da crise ambiental, todos os
cidadãos devem ser conhecedores das suas próprias Responsabilidades.
Como parte integrante da Natureza, não somente expectador, o Homem possui
um papel fundamental na busca de uma sociedade sustentável. O agir humano
se direciona para a defesa de todas as formas de vida. Muito mais do que
preservar o mundo natural para o futuro, é no cotidiano que a Sensibilidade
sobre o tema se desvela.
A Cidadania Ambiental, com características transnacionais, é
pressuposto para que um novo comportamento seja internalizado. Um dos
vetores para que esse fenômeno seja possível é a Educação. O exercício da
Cidadania voltada às questões ambientais, aliadas a práticas educativas para
se compreender o ritmo da vida, no contexto pós-moderno, é capaz de
transformar realidade hoje posta e caminhar rumo a uma Era Sustentável.
O primeiro ponto deste Capítulo irá retomar a historicidade da categoria
Educação Ambiental, seu surgimento e sua evolução no tempo, bem como a
importância do “educar” para uma Era Sustentável. Após esta abordagem,
analisar-se-á para quê e para quem a Educação Ambiental é destinada na
sociedade no tempo da Pós-Modernidade. O último ponto deste Capítulo é
destinado há correlacionar Educação Ambiental e Cidadania, com as
características transnacionais, e quais são as (im) possibilidades deste desafio
contemporâneo.
2.1 Educar para uma Era Sustentável
No futuro, o que se pretende alcançar é uma sociedade sustentável,
justa e harmônica, na qual os seres humanos e não humanos convivam em
60
sintonia e de maneira equilibrada. O desafio é da superação de crises no
momento presente, mas os resultados dos esforços de hoje vão ser
percebidos, de forma mais clara no decorrer do tempo. Leff ressalta que:
[...] a crise ambiental leva a repensar a realidade, a entender suas vias de complexificação, o entrelaçamento da complexidade do ser e do pensamento, da razão e da paixão, da sensibilidade e da inteligibilidade, para a partir daí abrir novos caminhos do saber e novos sentidos existenciais para a reconstrução do mundo [...]152 .
Diante dos objetivos que se pretende alcançar, os impactos ambientais
precisam ser reduzidos a patamares mínimos desde já. Essa redução implica
na elaboração de mecanismos políticos e jurídicos, além de uma nova forma de
pensar e agir, como foi abordado no Capítulo 1 dessa pesquisa.
O papel que a Educação possui nesse contexto é relevante. Mas poucos
são os teóricos que se preocupam com a dimensão histórico-cultural,
epistemológica e transformadora da Educação153. A Educação, nesses moldes,
é capaz de transformar presente e futuro154, à medida que seus impactos são
consideráveis tanto na vida da criança quanto na vida do adulto. Para Garcia,
trata-se de um “[...] processo contínuo de informação e de formação física e
psíquica do ser humano para uma existência e coexistência: o individual que,
152 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. São Paulo: Cortez, 2010, p.184. 153 MOURA, Mara Aguida Porfirio. Epistemologia ambiental na formação da gestão ambiental.
In: Revista Innovare, Ponta Grossa, v. 11, p. 60 -81, 2011, p.70. 154 A proposta de Educação a que este Capítulo se destina vai de encontro ao que Foucault
preconiza sobre o tema, como crítico do modelo educativo vigente no decorrer da história. Para o mencionado autor, a Educação possui um viés de poder, à medida que “o hospital, primeiro, depois a escola, mais tarde a oficina [...] foram aparelhos e instrumentos de sujeição. Foi a partir desse laço, próprio dos sistemas tecnológicos, que se puderam formar no elemento disciplinar a medicina clínica, a psiquiatria, a psicologia da criança, a psicopedagogia, a racionalização do trabalho. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 196. Nesta obra, Foucault explica que a escola, juntamente com o quartel, a prisão, o manicômio e a fábrica são instituições disciplinares que tem como objetivo a formação (ou formatação) física e mental do sujeito, enquadrando-o nas normas e valores da sociedade em que está inserido, de modo a torná-lo obediente ao sistema vigente. O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano que visa “[...] à formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna mais obediente quanto é mais útil, e inversamente”. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 133. Esse cenário, trazido por Foucault, é o paradigma que se deseja superar. Para além de uma Educação sancionadora, busca-se uma Educação de caráter emancipatório, e, portanto, libertador. Rechaça-se a ideia de que a escola é “[...] uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operação do ensino [...] comparação perpétua de cada um com todos, que permite ao mesmo tempo medir e sancionar. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2003, p. 155.
61
ao mesmo tempo, é social” 155. Na mesma linha de pensamento, Educação
Ambiental visa esclarecimento para todos, jovens e adultos, devido a
importância dessa parceria para a manutenção da vida no seu sentido mais
amplo.
A Educação Ambiental, por vezes, é compreendida equivocadamente,
pois sua conceituação é objeto de confusão. Seu significado precisa ser
esclarecido para que seja possível compreender sua relevância e seu alcance.
Cabe delimitar, no início deste Capítulo, qual o ponto de vista que a Educação
Ambiental deve ser considerada156. Para tanto, é necessário contextualizá-la,
para além de uma compreensão rasa ou errônea do termo.
Comumente, o tema Educação Ambiental remete à ideia de reunião de
duas categorias: a Educação, como modelo pedagógico, e a problemática do
Meio Ambiente, que é eminente e com desafios reais a serem enfrentados na
atualidade.
Para Reigota157, o conceito de Educação Ambiental não se refere
apenas ao ensino da Ecologia ou Meio Ambiente, e nem se caracteriza como
Ciência capaz de modificar os comportamentos ambientais nocivos, da forma
como vem se apresentando nos últimos séculos. O autor explica que a
Educação Ambiental está vinculada ao ambiente e a forma como este é
percebido. É nessa perspectiva que as interações sociais da Pós Modernidade,
desenvolvidas no Capítulo 1 desta pesquisa, são fundamentais para que o
cidadão se sensibilize para a questão ambiental.
Contudo, não se admite que a Educação Ambiental seja compreendida
apenas como um dos ramos da problemática do Meio Ambiente. Os
desdobramentos do tema, como estudo de licenciamentos, procedimentos,
mecanismos jurídicos, legislação, ações populares, Sustentabilidade, e tantos
outros elementos que tornam a dimensão ambiental um eixo de pesquisa
155 GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: Revista dos
Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 23, p. 57. 156 O processo pedagógico de educação ambiental como educação política enfatiza a
necessidade de se dialogar sobre e como as mais diversas definições existentes, para que o próprio grupo (alunos e alunas e professores e professoras) possam construir juntos uma definição que seja a mais adequada para se abordar a problemática que se quer conhecer e, se possível resolver. REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2009, p.37.
157 REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995, p. 13.
62
vasto, não podem ser sinônimos de Educação Ambiental. Essa perspectiva é
importante, mas rasa.
A Educação Ambiental assume uma importância protagonista na Pós-
Modernidade. É elemento-chave quando se trata a questão do Meio Ambiente.
É fundamental que a categoria seja esclarecida porque possui uma faceta
transdisciplinar, a qual gravita em torno de outras áreas e que pode contribuir
de maneira direta para a preservação e manutenção das formas de vida, no
presente e no futuro. Afirma-se, neste ponto, a relevância da Educação como
pressuposto para o esclarecimento e enfrentamento dos desafios ambientais
atuais. É desse modo que a Educação Ambiental deve ser considerada nessa
pesquisa.
2.1.1 Aspectos Históricos da Educação Ambiental
Desde 1946, existem relatos sobre a Educação Ambiental. Pouco a
pouco, o tema começava a chamar a atenção158, mas, foi na década de 1970,
que a Educação Ambiental passou a ser discutida de forma mais intensa.
Na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, na
cidade de Estocolmo, em 1972, as categorias Educação e Meio Ambiente
conjugaram-se em âmbito global. Barbieri e Silva referem-se à Conferência
como um marco, fundamental à questão da Educação Ambiental. Segundo os
autores, nesta ocasião, foram criados alguns instrumentos para tratar de
problemas sociais e ambientais planetários, como a Declaração sobre o
Ambiente Humano159. Para Pérez-Luño:
158 Segundo Leff, terminada a década de 1960 surge da crise ecológica colocando os limites ao
crescimento econômico e demográfico, o desequilíbrio ecológico do planeta e a destruição da base de recursos da humanidade. A crise ambiental revela o “mito do desenvolvimento” e mostra o lado oculto da racionalidade econômica dominante. Assim, colocaram-se os problemas globais da humanidade, o surgimento de efeitos sinérgicos negativos e acumulativos provenientes da interconexão de um conjunto de processos ecológicos, tecnológicos e econômicos impulsionados pelos princípios da racionalidade moderna. LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura: a territorialização da racionalidade ambiental. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2009, p. 289.
159 Neste documento são elencados 26 princípios considerados essenciais para o bem-estar humano, no cotejo entre Direitos Fundamentais e meio ambiente. No rol de princípios, destaca-se a Educação Ambiental, voltada à jovens e adultos, como elemento indispensável à referida harmonização. Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano.
63
A nivel de las organizaciones internacionales la primera iniciativa relevante tuvo lugar em 1972 en Estocolmo, donde se celebro la Conferencia de la ONU sobre el Medio Humano. Em dicha reunión, pese a las notables diferencias que separaban los planteamientos de los países desarrollados y los tercermundistas160.
Ao mesmo tempo, a UNESCO e o PNUMA estabeleceram o Programa
Internacional de Educação Ambiental (PIEA), órgão criado para divulgar os
boletins informativos aos países e encarregado de organizar encontros locais,
regionais e internacionais sobre a temática.
Devido aos eventos citados, o tema Educação Ambiental adquiriu
importância internacional e foi objeto da realização, em 1975, do I Seminário
Internacional de Educação Ambiental, em Belgrado. As discussões neste
encontro gravitaram em torno da necessidade de uma nova Ética global e
ecológica, diante da crise161 que já se instalava naquele tempo, além, de um
novo modelo de desenvolvimento, mais ético e equilibrado. Além disso, a
erradicação da fome, miséria, analfabetismo, poluição, a diminuição da
degradação da Natureza e da exploração humana, foram alguns dos temas
debatidos nesta oportunidade.
A Conferência de Tbilisi162 (URSS), em 1977, é considerada o marco
principal da Educação Ambiental. Esta definiu a importância do conteúdo e
prática da Educação, orientada para a resolução dos problemas concretos da
questão ambiental, por meio de enfoques interdisciplinares163 do ensino formal
Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html> Acesso em 9 de junho de 2015.
160 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución. Novena Edición. Madrid: Tecnos, 2005, p. 493.
161 Para Leff, é a crise da razão que se reflete na degradação ambiental e na perda de sentidos existenciais dos seres humanos que habitam o planeta Terra. LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p. 174.
162 A Conferência Intergovernamental de Tbilisi, na Antiga União Soviética, é considerada um dos principais eventos sobre Educação Ambiental do Planeta. Esta conferência foi organizada a partir de uma parceria entre a UNESCO e o Programa de Meio Ambiente da ONU - PNUMA e, deste encontro, saíram às definições, os objetivos, os princípios e as estratégias para a Educação Ambiental no mundo. Nesta Conferência estabeleceu-se finalidades, objetivos e princípios à respeito da Educação Ambiental [...] No Brasil, a influência de Tbilisi se fez presente na Lei n. 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, suas finalidades e mecanismos de formulação e execução. A lei se refere, em um de seus princípios, à educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, a fim de capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio ambiente. Conferência de Tbilisi. Disponível em: <http://www.portaleducacao.com.br/biologia/artigos/27425/conferencia-de-tbilisi-1977#ixzz3cUcVukb8> Acesso em 8 de junho de 2015.
163 Japiassú distingue a interdisciplinaridade de outros níveis de relação e cooperação entre as disciplinas nos seguintes termos: “gama de disciplinas que propomos simultaneamente, mas
64
e não formal, bem como de participação ativa e responsável de cada indivíduo
e da coletividade164. Cabe transcrever o que a Declaração de Tbilisi afirma:
A Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, organizada pela Unesco em cooperação com o Pnuma e realizada na cidade de Tbilisi, tendo em vista a harmonia e o consenso que nela prevaleceram, aprova solenemente a seguinte Declaração: [...] Conforme proclamado na Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolomo, a defesa e a melhoria do meio ambiente para as gerações presentes e futuras constituem um objetivo urgente da humanidade. Para o sucesso desse empreendimento, novas estratégias precisam ser adotadas com urgência e incorporadas ao progresso, o que representa, especialmente nos países em desenvolvimento, requisito prévio para todo avanço nessa direção. A solidariedade e a igualdade nas relações entre as nações devem constituir a base da nova ordem internacional, contribuindo para que se reúnam, o quanto antes, todos os recursos existentes. Mediante a utilização dos descobrimentos da ciência e da tecnologia, a educação deve desempenhar uma função capital com vistas a despertar a consciência e o melhor entendimento dos problemas que afetam o meio ambiente. Essa educação deverá fomentar a formação de comportamentos positivos em relação ao meio ambiente, bem como a utilização dos recursos existentes pelas nações. A educação ambiental deve abranger pessoas de todas a idades e de todos os níveis, no âmbito do ensino formal e não-formal. [...] Ao adotar um enfoque global, fundamentado numa ampla base interdisciplinar, a educação ambiental torna a criar uma perspectiva geral, dentro da qual se reconhece existir uma profunda interdependência entre o meio natural e o meio artificial. Essa educação contribui para que se exija a continuidade permanente que vincula os atos do presente às conseqüências do futuro; além disso, demonstra a interdependência entre as comunidades nacionais e a necessária solidariedade entre todo o gênero humano. A educação ambiental deve ser dirigida à comunidade despertando o interesse do indivíduo em participar de um processo ativo no sentido de resolver os problemas dentro de um contexto de realidades específicas, estimulando a iniciativa, o senso de responsabilidade e o esforço para construir um futuro melhor [...]165.
O que a Declaração de Tbilisi expõe são os objetivos da Educação
Ambiental, com finalidade de nortear as ações educativas no mundo. Trata-se
sem fazer aparecer as relações que podem existir entre elas”; a pluridisciplinaridade: “justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas”; e a transdisciplinaridade: “coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino inovado, sobre a base de uma axiomática geral. JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p.73-74.
164 Disponível em <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/decltbilisi.pdf>. Acesso em 8 de junho de 2015.
165 Grifos nossos. Disponível em <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/decltbilisi.pdf> Acesso em 8 de junho de 2015.
65
de uma iniciativa positiva que influenciou o mundo todo e que é fundamental a
esta pesquisa. Nesta Conferência foi instituída que:
A Educação Ambiental é uma dimensão do conhecimento que pretende preparar o cidadão para desenvolver a sua consciência individual e assim possa realizar uma leitura crítica de mundo levando-o a desenvolver valores, habilidades, experiências, conhecimentos e motivações que lhe permita identificar, compreender e resolver coletivamente os problemas reais do meio ambiente [...] A Educação Ambiental é uma prática social que estimula o reflexo crítico para a busca de soluções e ações racional sobre os problemas socioambientais em nosso meio166.
Na mesma linha de pensamento, Talomani e Sampaio afirmam que a
Educação Ambiental corresponde a “apropriação/transmissão crítica e
transformadora da totalidade histórica e concreta da vida dos homens no
ambiente”167, fundamental para o enfrentamento dos problemas ambientais que
se agravam ao longo do tempo. Não se trata de um processo pedagógico
mecânico e ultrapassado, mas sim um processo de (re) construção da relação
humana com o ambiente. Trata-se de uma atividade intencional da prática
social, que imprime ao desenvolvimento individual um caráter emancipatório
em sua relação com a Natureza e com os outros seres humanos, com o
objetivo de potencializar essa atividade humana, tornando-a mais plena de
prática social e de ética ambiental168.
A Conferência realizada em Tbilisi reafirmou as diretrizes fixadas em
outros encontros, mas, também, identificou a Educação Ambiental como o
caminho para se articular os aspectos ambientais junto com os aspectos
sociais. Nesse ponto, na Conferência, a problematização da realidade e a
busca pela solução da crise socioambiental deram a tônica das discussões e
as recomendações do evento foram no sentido de implantação de políticas
públicas para consolidação e universalização da Educação Ambiental.
166 Disponível em <http://www.portalconscienciapolitica.com.br/ci%C3%AAncia-
politica/politicas-publicas/meio-ambiente/educa%C3%A7%C3%A3o-ambiental/> Acesso em 1de junho de 2015.
167 TALAMONI, Jandira Líria Biscalquini; e SAMPAIO, Aloísio Costa. Educação Ambiental: da prática pedagógica à cidadania. São Paulo: Escrituras Editora, 2008, p.12.
168 TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Pesquisa em educação ambiental na universidade. In: TALAMONI, Jandira Líria Biscalquini; SAMPAIO, Aloísio Costa (org). Educação ambiental: da prática pedagógica à cidadania. São Paulo: Escrituras Editora, 2003, p.12.
66
A categoria, com o passar dos tempos, se tornou cada vez mais
relevante. Articular Meio Ambiente e Educação passaram a ser uma realidade
e o que se pretendia, já naquele tempo, era uma Educação voltada à
participação permanente das pessoas, de forma interdisciplinar. Para Moura:
A educação ambiental originou-se frente a um novo foco de abordagem do conhecimento fomentado pela crise ambiental problematizando pelos paradigmas estabelecidos do conhecimento e demandando novas metodologias capazes de orientar um processo de reconstrução do saber que permita realizar uma análise integrada
da realidade169.
Na agenda de eventos, na qual a Educação Ambiental é pauta principal,
destacam-se outros encontros de acentuada relevância para a consolidação da
Educação Ambiental, a citar: o Seminário Educação Ambiental para América
Latina, realizado na Costa Rica, em 1979, e o Seminário Latino-Americano de
Educação Ambiental, ocorrido na Argentina, em 1988170.
Em relação à documentos, destaca-se o Tratado de Educação Ambiental
para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que, segundo
Loureiro, “[...] expressa o que os educadores de países de todos os continentes
pensam em relação à Educação Ambiental e estabelece um conjunto de
compromissos coletivos para a sociedade civil planetária”171. O Tratado é
resultado os debates ocorridos no Fórum Global das Organizações Não-
Governamentais que foi realizado simultaneamente à reunião de chefes de
Estado ocorrida na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992172. O parágrafo de apresentação
do Tratado possui o seguinte conteúdo:
169 MOURA, Mara Aguida Porfirio. Epistemologia ambiental na formação da gestão ambiental.
In: Revista Innovare. p. 70. 170 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Trajetória e Fundamentos da Educação
Ambiental. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2012, p. 81-82. 171 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Trajetória e Fundamentos da Educação
Ambiental. p. 82. 172 Na conferência do Rio 92 (1992), são proclamados 27 princípios por meio da Declaração
do Rio sobre o Meio Ambiente, os quais contemplam os seguintes conteúdos: Direito ao um meio ambiente sadio (01); Direitos de acesso: informação, participação e justiça (10); Implementação nacional do desenvolvimento sustentável (3, 4, 8, 20 e 21); Dever de cooperar (5, 6, 7, 9, 12, 18 e 19) – Responsabilidades comuns, porém diferenciadas; Dever de evitar o dano ambiental (2, 14, 17, 24); Dever de reparar o dano ambiental (10 e 13); Dever de adotar legislações ambientais (11); Princípio do contaminador – pagador (16); Reconhecimento do direito das minorias (22 e 23); Princípio (enfoque) da precaução (15) e da
67
Este tratado, assim como a educação, é um processo dinâmico em permanente construção. Deve, portanto, propiciar a reflexão, o debate e a sua própria modificação. Nós signatários, pessoas de todas as partes do mundo, comprometidos com a proteção da vida na terra, reconhecemos o papel central da educação na formação de valores e na ação social. Nos comprometemos com o processo educativo transformador através de envolvimento pessoal, de nossas comunidades e nações para criar sociedades sustentáveis e equitativas. Assim, tentamos trazer novas esperanças e vida para nosso pequeno, tumultuado, mas ainda assim belo planeta173.
Dentre outros marcos, ressalta-se a Conferência do Meio Ambiente e
Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade. Esta
Conferência foi sediada em Thessaloniki, Grécia, em 1997, e objetivou a
“formação de professores, a produção de materiais didáticos e a realização de
encontros de menor porte para a troca de experiências entre educadores”174.
Os eventos mencionados possuem relevância não somente ao que se
refere à Educação Ambiental, mas, também, ao papel que a Ética175 e a
Cidadania desempenham, nos momentos de crise em relação à Natureza. Ao
redor do mundo, a pauta também se referia a estas categorias, especialmente
quanto à necessidade de uma mudança de pensamento e de um agir176
humano em prol da questão ambiental.
Ainda que as declarações e as orientações destes eventos estipulassem
diretrizes genéricas e direcionadas aos países, debruçando-se pouco sobre as
especificidades locais e regionais, tratou-se de um avanço que caminhou ao
Indissolubilidade da paz, do desenvolvimento e da proteção ambiental (25 e 26). FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p. 1448.
173 Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Disponível em <http://www.meioambiente.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=73> Acesso em 9 de junho de 2015.
174 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. p. 82.
175 Acredita-se na “[...] formulação de uma nova Ética, voltada para os temas ambientais: como avançar sem destruir e preservar os recursos naturais, considerando a finitude do Homem e o cuidado com a Natureza, sendo esta uma premissa para sua própria existência”. PELLENZ, Mayara; BASTIANI, Ana Cristina Bacega de. Sustentabilidade e consciência ambiental: uma nova postura humana frente ao desenvolvimento. In: Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.9, n.3, 3º quadrimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791, p. 1719.
176 Segundo Giroux, questionar práticas ideológicas e sociais de poder e dominação na vida cotidiana para situar-se na leitura seletiva das tradições históricas críticas, na valentia política, e não na doutrina de inevitabilidade histórica. GIROUX, Henry. La Escuela y la Lucha por la Ciudadanía. México, Siglo XXI, 1993, p. 70, grifos nossos.
68
lado de outras discussões, como Sustentabilidade, legislação ambiental,
Desenvolvimento Sustentável, dentre outras.
2.1.2 A Educação Ambiental no Brasil
O Brasil é país que está atento à questão da Educação Ambiental,
sendo signatário dos Tratados anteriormente citados e sediando, no Rio de
Janeiro, em 1992177, a Conferência sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, com apoio da ONU, que teve com um dos seus eixos de
discussão o Desenvolvimento Sustentável178. A Conferência Cúpula da Terra,
denominada de “segunda onda” dos movimentos ambientalistas, oportunizou
177 A Conferência ocorrida em 1992 fez menção, no seu encerramento, ao compromisso de
reunir-se, 20 anos depois, para discutir sobre a renovação do compromisso político com o Desenvolvimento Sustentável. Assim, em 2012, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável foi realizada e ficou popularmente conhecida como Rio+20. A ONU organizou o encontro e reuniu chefes de Estado de mais de 190 países para que as questões sobre o meio ambiente fossem debatidas. O produto da Conferência Rio+20 foi um documento intitulado “O Futuro que Nós Queremos”, que não define os conceitos das categorias Desenvolvimento Sustentável e Sustentabilidade, mas “[...] direciona-se no sentido de que o desenvolvimento sustentável se torna meio e a sustentabilidade, objetivo”. Nesse sentido, a expressão de vontade “promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável” representa uma distinção em relação ao Desenvolvimento Sustentável. Assim, pode-se considerar como resultado da Conferência Rio+20 que os países renovaram os compromissos assumidos nas conferências anteriores, prometendo um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para o nosso planeta, portanto, para as gerações do presente e do futuro (dimensão ética intergeracional), igualmente, os países reafirmaram os princípios enunciados na Cúpula da Terra de 1992 e em diversas conferências subsequentes sobre desenvolvimento sustentável. FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p.1452 e 1453.
178 Sobre o evento internacional ocorrido em terras brasileiras, Levi destaca que: “Il Vertice della Terra sull’ambiente e lo sviluppo, che nel 1992 riunì a Rio de Janeiro quella che fino a quella data fu considerata più grande conferenza diplomatica della storia in quanto vi parteciparono i rappresentanti di quase tutti governi del pianeta, fu la prima manifestazione di questa dinamica. In parallelo a la conferenza dei governi si reunì um controvertice di associozoni ambientaliste, che a sua volta varò la Carta della Terra, che aveva l’ambizione di contrapporre alle soluzioni proposte dai governi quella de movimenti ambientalisti. L’esplosione delle organizzazioni non governative (ONG) risale a quell’epoca. I movimenti che anno determinato ir falimento del Millenium Round di Seattle nem dicembre 1999 sono l’espressione più recente di questa tendeza. Essi sono parte di uma causa comune. Condividono l’idea che i vari problemi globali di cui si interessano (pace, sviluppo, ambiente, diretti umani) nascono dal processo di globalizzazione, che determina la concentrazione del potere e della ricchezza in um numero sempre più restretto di mani. Por questa ragione, prescindindo dall’esplosione di violenza che pure ha caratterizzado lo stile di azione di almeno uma parte di questo movimento, esso esprime l’esigenza della parte più ativa e cosciente della popolazione mondiale di riappropriarsi del proprio destino rivendicando il direito di participare ala soluzione dei problemi globali”. LEVI, Lucio. Crisi dello Stato e Governo del Mondo. G.Giappichelli Editore: Torino, 2005. p. 304.
69
um novo momento, pois estabeleceu o princípio de que todos os seres
humanos têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a
Natureza. Cabe destacar que:
No contexto da Conferência Rio 92, afirmou-se que a noção de desenvolvimento sustentável implica quatro áreas: 1) A sustentabilidade ambiental requer que o desenvolvimento agrícola e industrial se atenha dentro das capacidades das comunidades bióticas do local e da região; 2) A sustentabilidade ambiental requer que o desenvolvimento seja decidido por cidadãos devidamente informados e que participem organicamente dos governos, sobretudo, nos processos de decisão, orientados a melhora de seus níveis de vida; 3) A sustentabilidade ambiental cultural se entende como aquela em que os membros da comunidade, região ou nação, tenham acesso igual aos canais de superação, oportunidades de educação e aprendizagem dos valores congruentes com o mundo crescentemente multicultural, e de uma noção de respeito e tolerância às diferenças (políticas e direitos alheios); e, 4) Finalmente, a sustentabilidade econômica requer que os custos correspondentes ao uso e ao disfrute de condições e recursos ambientais na produção de bens e serviços quantifiquem-se e incluam os custos de produção; e nos preços ao consumidor. Mas, principalmente, a sustentabilidade econômica requer uma mais justa distribuição das riquezas179.
Em relação à Educação Ambiental em terras brasileiras, a primeira
iniciativa governamental nesse sentido, foi criação da Secretaria Especial do
Meio Ambiente (SEMA) no âmbito do Ministério do Interior, que, dentre outras
atividades, incorporou a Educação Ambiental, em 1973. Em 1977, a referida
secretaria estruturou um grupo de trabalho para a elaboração de documentos
sobre a Educação Ambiental, definindo o seu papel no contexto brasileiro. Para
que essa condição fosse possível, realizaram-se inúmeros seminários,
encontros e debates, que fizeram parte do amadurecimento do Brasil para
participação na Conferência ocorrida em Tbilisi, neste mesmo ano. Merece
destaque a iniciativa que originou a Secretaria de Educação do Rio Grande do
Sul que desenvolveu o Projeto Natureza, de 1978 a 1985, com cursos voltados
às questões ambientais para várias universidades brasileiras.
Em 1984, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) expediu
uma resolução, estabelecendo diretrizes para a Educação Ambiental, e em
1987 o Ministério da Educação (MEC) aprovou o Parecer nº 226/87, que
determina inclusão da Educação Ambiental nos currículos escolares de 1º e 2º
179 FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade:
um novo paradigma para o Direito. In: Revista Novos Estudos Jurídicos. p. 1450.
70
graus. O avanço foi significativo, mas a Educação Ambiental somente
conquistou um patamar de exigibilidade constitucional em 1988, com o advento
da Constituição Brasileira.
O artigo 225, inciso VI afirma a “[...] necessidade de promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente”180. O artigo 205 da Constituição também
preconiza que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”181. Um ano depois, em 1989, foi criado o
órgão IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis. Este órgão unificou diversos outros órgãos e centralizou a
chamada Divisão de Educação Ambiental. O Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA) também foi criado nessa nova estruturação, e Ministério do
Meio Ambiente passou a incentivar, de forma mais intensa, projetos de
Educação Ambiental.
O Ministério da Educação, em 1991, expediu a Portaria nº. 678
determinando que todos os níveis de ensino deveriam contemplar conteúdos
de Educação Ambiental. Essa iniciativa foi completada com a criação, em
1993, dos Centros de Educação Ambiental do MEC, com o objetivo de criar e
difundir metodologias em Educação Ambiental. No mesmo sentido, em 1996,
foram criados os novos parâmetros curriculares do MEC os quais incluem a
Educação Ambiental como tema transversal do currículo182.
Chama-se atenção à Lei de Diretrizes Básicas da Educação, que não é
direcionada à Educação Ambiental, mas é instrumento legal que orienta os 180 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 05 de abril de 2015.
181 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 05 de abril de 2015.
182 Trata-se da Lei 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Sobre Educação Básica, o artigo 26 dispõe que os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. O § 7o do artigo 26 preconiza que os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios. BRASIL. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em 6 de junho de 2015.
71
educadores na transmissão do conhecimento, tanto no Ensino Médio quanto no
Fundamental. O artigo 1º, caput, da Lei 9.394 de 1996 preconiza que:
A Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais183.
O art. 2º da mesma lei dispõe:
A Educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho184.
A Educação Ambiental, adstrita como disciplina obrigatória em todos os
níveis de ensino no Brasil, somente ocorreu com o advento da Lei nº 9.795/99.
Essa Lei dispõe sobre a Educação Ambiental no Brasil, institui a Politica
Nacional de Educação Ambiental e traz outras providências. No seu artigo 1º, a
Lei preconiza que Educação Ambiental corresponde aos
[...] processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade185.
O artigo 10 da mesma Lei estabelece que a Educação Ambiental será
desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente
em todos os níveis e modalidades do ensino formal, e deve estar presente
também no currículo de formação de professores.
Em síntese, no Brasil, a Educação Ambiental é oriunda, primeiramente,
da gestão ambiental dos órgãos e das diretrizes legais para essa função.
Somente em 1999, a Educação Ambiental conquistou destaque, ao ser inserida
no currículo de ensino, como resultado das articulações de gestores,
183 BRASIL. Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 03 de maio de 2015. 184 BRASIL. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 03 de maio de 2015. 185 BRASIL. LEI No 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L9795.htm>. Acesso em 10 de junho de 2015.
72
ambientalistas e educadores, ainda que o artigo 225 da Constituição Federal já
trouxesse determinações neste sentido.
Ressalta-se que as leis estaduais e municipais são leis de âmbito
regional e local, respectivamente, e que devem estar em consonância com o
disposto em Constituição Federal. Sob igual critério, o apoio à Educação
Ambiental é possibilitado pelas ações de ONGs e demais instituições atuantes
na questão ambiental, tanto no âmbito formal de ensino quanto no informal.
Neste viés, o direito à Educação é o direito de ser e de saber; de aprender a
aprender; de pensar, discernir, questionar e propor; é o treinamento para
chegar a ser autores de nossa própria existência, sujeitos autônomos, seres
humanos livres186.
2. 2 Educação Ambiental: para que(m)?
A Educação Ambiental é um desafio contemporâneo. Conforme
mencionado anteriormente, a agenda internacional acerca do tema culminou
em ações políticas e jurídicas, que possuem caráter de exigibilidade há pouco
tempo. É necessário esclarecer para que(m) a Educação Ambiental se destina,
quais são seus significados e seu alcance.
Ainda que estes avanços tenham ocorrido desde a década de 1970, os
objetivos da Educação Ambiental não se concretizam por si, no momento de
sua definição. É fundamental que as políticas púbicas venham ao encontro do
que a Educação Ambiental se propõe a realizar, pois esse é o vetor capaz de
modificar positivamente o panorama encontrado nos dias de hoje - uma
Educação mecânica e ultrapassada -, e influenciar, de forma decisiva, os
rumos do Planeta a partir do momento presente.
Para Chauí, existem razões para se temer a destruição de nosso
Planeta, mas não se conseguirá detê-la pelo medo ou pela submissão187. É
fundamental desenvolver um senso crítico reflexivo que permita esclarecer
186 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p. 179. 187 CHAUÍ, Marilena. Política em Espinosa. São Paulo: Companhia da Letras, 2003, p. 279.
73
como se chegou até aqui e para onde se deseja ir. Sob semelhante argumento,
Medina salienta que:
Uma educação crítica e prospectiva, onde sejamos capazes de realizar criticamente a tensão entre projeto e realidade; uma educação compromissada, que implique na esperança de transformar o homem de hoje no homem mais pleno de amanhã; uma educação com consciência dos riscos e das limitações, com um planejamento realista, como instrumento188.
Nessa perspectiva, a Educação Ambiental que auxilia e fomenta a
Cidadania, desde a formação básica até a vida adulta, é um compromisso o
qual deve ser assumido por todos, retomando a ideia de agir localmente e
pensar globalmente189. Este compromisso é capaz de trazer condições práticas
e reflexivas numa dimensão global. Para Beck, a globalidade:
[...] denomina o fato de que, daqui para a frente, nada que venha acontecer em nosso planeta será um fenômeno especialmente delimitado, mas o inverso: que todas às descobertas, triunfos e catástrofes afetam a todo planeta, e que devemos redirecionar e reorganizar nossa vida e nossas ações em torno do eixo “global-local190.
Por esse motivo, o conhecimento aliado à participação do cidadão é
capaz de transformar a realidade. Entretanto, cabe ressaltar que a Educação
Ambiental é um campo do saber que não está restrito aos limites de uma
unidade de ensino básico. Deve, obrigatoriamente, ser direcionada à
comunidade, responsável direta por ações cotidianas que englobem a questão
ambiental. Assim, reconhece-se que a Educação Ambiental possui um viés
formal e um viés não formal. O viés formal se refere ao conhecimento dentro
dos limites da instituição educadora, ao passo que o viés informal se encontra
188 MEDINA, Naná Mininni. Breve histórico da Educação Ambiental. In: Educação Ambiental:
caminhos trilhados no Brasil. PADUA, S. M.; TABANEZ, M. F. (Orgs.). Brasília: IPE, 1997, p. 39.
189 Em relação a esta expressão, conhecida em todo mundo, Leff possui um outro ponto de vista, qual seja: “ [...] o slogan “pensar globalmente e agir localmente” promovido, tao tenazmente pelo discurso do desenvolvimento sustentável, na realidade foi uma artimanha para gerar um pensamento único sobre “o nosso futuro comum”; diante dos desafios do desenvolvimento sustentável alternativo, induz nas culturas locais um pensamento global que nada mais é do que o discurso economista do crescimento sustentável, quando o desafio da sustentabilidade é pensar as singularidades locais e construir uma racionalidade capaz de integrar diferenças, assumindo sua mensurabilidade, sua relatividade e incerteza”. LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura. p. 275.
190 BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 31.
74
disseminado nas interações e nas experimentações coletivas no momento
presente. O cotidiano desvela a aproximação entre o local e global, a partir do
exercício da Cidadania.
O viés formal e o viés informal da Educação Ambiental possuem igual
importância. Enquanto nas escolas o conhecimento é direcionado aqueles que
estão em plena formação, a Educação Ambiental informal é direcionada à
comunidade, que inclui a todos, indiscriminadamente. Nessa linha de
pensamento e conforme determinação legal, a escola é o espaço adequado
para a implementação da Educação Ambiental, mas a comunidade também o
é.
Práticas educacionais, neste sentido, são capazes de transformar a
sociedade191, de desenvolver uma Ética ambiental e fomentar uma mudança de
consciência, conforme os apontamentos feitos no Capítulo 1 desta pesquisa.
Por esse motivo, essa deve ser considerada uma disciplina que transcende o
espaço escolar, ou seja, para além de discursos e lições, é preciso reflexão
acerca dos valores192 caros a sociedade, bem como ações em prol da
harmonização193 entre todas as formas de vida diante de um contexto de
crise194. Corrêa, a partir dessa afirmação destaca:
A história da ação humana sobre a superfície da terra pode ser vista como sendo a historia da criação de um cada vez mais complexo meio ambiente, como uma rica variedade de formas espaciais articuladas entre si, e no qual a natureza primitiva parece estar
191 Phillippi Junior afirma que a educação é a transformação do sujeito que ao transformar-se,
transforma o seu entorno. PHILLIPPI JR, Arlindo. Uma introdução à questão ambiental. In: Curso de Gestão Ambiental. PHILIPPI JR, Arlindo, ROMÉRO, Marcelo de Andrade; BRUNA, Gilda Collet (Orgs.). Barueri Manole, 2004, p. 16.
192 O preâmbulo da Constituição Federal explicita quais são os valores cuja realização serviram de objetivo à instituição do Estado Democrático de Direito (liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça). O art. 3º da mesma Carta menciona os objetivos a serem alcançados pela República Federativa do Brasil.
193 O tema Felicidade ganhou destaque na mídia com o Happy Planet Index, que elege os lugares mais felizes do mundo. Seus indicadores básicos são: esperança de vida ao nascer, bem-estar humano e nível de danos ambientais causado pelo país. Paradoxalmente, o país que obteve maior média é uma ilha do Pacífico Sul, com 209 mil habitantes, a maioria pescadores, agricultores, um local ameaçado de desaparecimento pela elevação do nível dos oceanos em conseqüência do efeito estufa para o qual sua contribuição é zero. NOVAES, Whasington. O índice de felicidade e o mundo a seu redor. O Estado de São Paulo. Disponível em <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,dificil-mas-nao-ha-outro-caminho-imp-,860526>, Acesso em 2 de junho de 2015.
194 Para Gutiérrez, a crise da sociedade contemporânea é “[...] uma crise de valores e de destino” GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 13.
75
ausente, dado que na produção do ambiente, matérias-primas industrialmente produzidas são crescentemente utilizadas195.
Para que a situação se modifique, o processo educativo, com enfoque
no Meio Ambiente, deve reforçar a ideia de que o indivíduo se insere numa
ampla comunidade viva. A formação do cidadão não deve ser no sentido da
competividade, individualismo, ganância e egoísmo. A metodologia e o
direcionamento do conhecimento precisam transformar esta linha de
pensamento. É necessário esclarecer que a Natureza não é objeto nem
patrimônio, mas, sim, parceira indispensável à manutenção da vida humana na
Terra e que todos possuem um vínculo comum, que desvela o sentimento de
coletividade e de pertença, em dimensões globais.
As decisões políticas e sociais que envolvem a questão ambiental são
decisões que, neste contexto multicultural e globalizado, atinge todos os seres
vivos. Por esse motivo, é necessária uma Educação com foco em
comportamentos transformadores, que liberte o pensamento, que gere
capacidade para as autossuficiências dos povos, que não seja um mecanismo
de adaptação às razões de força maior do mercado e de suas favelas de
sobrevivência196.
O agir político viabiliza um processo educacional coletivo e relevante
para a efetivação de transformações. Esse processo, com vistas na Educação
Ambiental, deve atingir a Sociedade, os mais diversos espaços, sejam formais
ou não formais. Essa característica possibilita o conhecimento aliado ao mundo
da vida, que possa considerar o contexto da Pós-Modernidade, com a
diversidade das culturas, com os acontecimentos cada vez mais rápidos, com o
encurtamento das distâncias, com o avanço científico e tecnológico, dentre
outros.
O Homem, ciente das condições da vida contemporânea, é capaz de
modificar o cenário socioambiental a partir de uma nova compreensão de
mundo. Ocorre que esse é um processo que muitas vezes, não se faz sozinho.
A Educação Ambiental, nos moldes a que se propõe, é crítica197 e não possui
195 CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005,
p. 153. 196 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p 176. 197 Para Morin, na educação ambiental crítica, o conhecimento para ser pertinente não deriva
de saberes desunidos e compartimentalizados, mas da apreensão da realidade a partir de
76
caráter individualizado, mas denota um “educar” que é comunitário. Para tanto,
retoma-se a ideia de Estética de Alteridade e Sensibilidade abordadas no
Capítulo anterior desta pesquisa porque esses elementos denotam resultados
positivos para uma Educação Ambiental, cujos significados ampliam a
convivência humana e não humana.
A Educação Ambiental enseja sentimento de pertença, de comunidade,
de respeito recíproco e, principalmente, de “Estar Junto” com o outro. Sem
estas características, a Educação Ambiental será infrutífera no cumprimento de
suas funções socioambientais. Nessa mesma perspectiva, Oliveira conceitua
Educação Ambiental como:
[...] um processo voltado para a apreciação da questão ambiental sob sua perspectiva histórica, antropológica, econômica, social, cultural e ecológica, enfim, como educação política, na medida em que são decisões políticas todas as que, em qualquer nível, dão lugar as ações que afetam o meio ambiente198.
Não se pode deixar de mencionar que o processo educativo possui
algumas características distintas. Educar é uma tarefa lenta, gradual e
constante. Ao longo de toda uma vida, aprendem-se coisas novas a todo o
tempo. O volume de informações que são difundidas diariamente, pela Internet
e pelos meios de comunicação, aumenta, em quantidade e em qualidade,
aquilo que se aprende no dia a dia. Entretanto, a Educação Ambiental possui
um caráter interdisciplinar, que gravita em torno de outros temas porque Meio
Ambiente está inserido nas áreas humanas.
Chama-se atenção para uma Educação voltada à formação
transformadora e emancipatória, e não à mera transmissão de conhecimento.
O senso crítico e a Sensibilidade são capazes de conferir um novo olhar à
questão ambiental, possibilitando um agir humano transformador e não
destruidor do Meio Ambiente.
Para Gadotti, as categorias utopia e imaginário são elementos de uma
“nova sociedade e da nova educação”, em que se recusa “[...] uma ordem
fundada na racionalidade instrumental que menospreza o desejo, a paixão, o
olhar, a escuta, que denotam a Sensibilidade presentes no acontecer da vida
algumas categorias conceituais indissociáveis ao processo pedagógico. MORIN, Edgar. Complexidade e transdisciplinaridade. p. 36.
198 OLIVEIRA, Elísio Márcio de. Educação ambiental. p.30.
77
cotidiana” 199. Sob semelhante argumento, Gutiérrez explica que uma nova
forma de pensar resulta em atitudes básicas de abertura, interação
solidariedade, subjetividade coletiva, equilíbrio energético e formas de
sensibilidade, afetividade e espiritualidade200.
A questão dos conteúdos ministrados e da transmissão do
conhecimento, na Educação Ambiental, dentro de sala de aula é muito
importante, porém, as interações sociais com o outro e com o Meio Ambiente
que o cerca também merecem atenção, pois traduzem a realidade do
educando201, que, muitas vezes, somente pode ser visualizada nas
experimentações, e não somente ao estudo de aspectos teóricos. Leff destaca
que:
A educação ambiental incorpora os princípios básicos da ecológica e do pensamento complexo; mas não é tão somente um meio de capacitação em novas técnicas e instrumentos para preservar o ambiente e para valorizar os bens e serviços ambientais; não se limita a nos preparar para nos adaptar às mudanças climáticas e ao aquecimento global; a sobreviver na sociedade do risco, para além das precárias seguranças que a ciência e o mercado poderiam oferecer202.
É por esse motivo que a Educação não deve ser pragmática em
excesso. É necessária uma Educação atenta à realidade dos educandos, que
conjugue prática e teoria, de forma motivadora e com qualidade. Ademais, a
integração com a realidade possibilita o processo educativo em um ambiente
informal, rechaçando a ideia ultrapassada de educandos tolhidos de
experimentações humanas e sensíveis. É preciso capacitar e transmitir o
conhecimento com Sensibilidade, além da “[...] capacidade de chegar ao outro,
de abrir-se ao meio, de percorrer caminhos de compreensão e expressão, de
promover processos e de facilitar aprendizagens abertas”203.
Estas condições remetem a ideia de Cuidado. O Cuidado humano
representa uma maneira de ser e de se relacionar e se caracteriza por
199 GADOTTI, Moacir. In: Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el
siglo XXI. p. 84.. 200 GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 39/40. 201 Segundo Capra, o educador deve estar preparado para fazer as conexões e articular os
processos cognitivos com os contextos da vida. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Cultrix, 2003, p. 94.
202 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis, p.180. 203GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 67.
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envolvimento o qual, por sua vez, inclui Responsabilidade204. Boff explica que o
Cuidado é uma atitude, vale dizer, uma relação amorosa, suave, amigável,
harmoniosa e protetora para com a realidade: pessoal, social e ambiental205.
Para o autor:
O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais do que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver a sua volta. Por isso, o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana206.
Por esta razão, o Cuidado está ligado a questões vitais que podem
significar a destruição do futuro humano na Terra ou a manutenção da vida
neste pequeno e belo planeta207. Sua importância se justifica porque a
categoria inclui todas as ações humanas para manter, levar adiante e proteger
o nosso mundo de tal modo que se possa viver no melhor mundo possível208.
Para o citado autor:
Cresce a consciência de que temos somente o Planeta Terra como pátria comum, na qual podemos viver. Tanto ele quanto o sistema da vida estão ameaçados pelo princípio da autodestruição. Garantir o futuro da Terra e da humanidade constitui a grande centralidade. Sem elas, nenhum dos valores acima apontados se sustenta. Por isso, é imperativa uma ética do cuidado a ser vivida em todas as instâncias. Ela impõe uma re-educação da humanidade, para que possa ao mesmo tempo satisfazer suas necessidades com a exuberância da Terra e chegar a uma convivência pacífica com ela209.
O Cuidado é parte integral da vida humana: nenhum tipo de vida
subsiste sem cuidado, pois trata-se de um processo eminentemente interativo,
204 WALDOW, Vera Regina. O cuidado na saúde: as relações entre o eu, o outro e o cosmos.
Petrópolis: Vozes, 2004, p. 37. 205 BOFF, Leonardo. A grande transformação. p. 117. 206 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2003, p. 34. 207 BOFF, Leonardo. A grande transformação. p. 118. 208 RODOTÀ, Stefano. La vita e le regole: tra dititto e non diritto. Milano: Feltrinelli, 2006, p.
223. 209 BOFF, Leonardo. Ética da vida: a nova centralidade. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 58.
79
dinâmico e criativo, que reflete interesse e solidariedade210. A categoria é
formada, esclarecida e exercida por meio das práticas educacionais, no
momento presente, pois significa um “modo-de-ser-essencial”211.
Os atos educativos, dentro e fora da escola, devem ser direcionados a
crianças, jovens e adultos, cientes do seu papel no mundo, de sua
Responsabilidade e comprometimento. O desenvolvimento do ser depende do
processo educacional e de sua relação com os objetos de aprendizagem, pois
isso reflete diretamente nas ações humanas na fase adulta além da
possibilidade de transmitir, a “[...] todos os povos a um novo sentido de
interdependência global e responsabilidade partilhada”212.
Articular teoria e prática demandam reflexões acerca da importância do
mundo natural. É fundamental revisar conceitos e encontrar alternativas diante
da crise instaurada. Esse contexto exige também um trabalho de
conscientização, em relação aos desafios contemporâneos em âmbito local,
regional e global. Para Freire, a Educação é essencialmente um ato político
que visa possibilitar ao/à educando/ a compreensão de seu papel no mundo e
de sua inserção na história213.
Conforme visto no Capítulo 1 desta pesquisa, o mundo ocidental foi
marcado pela Razão e pela Racionalidade. Admitiu-se, por muito tempo, a
Ciência como única forma válida de conhecimento, a divisão da matéria e
espírito; no universo como um sistema mecânico; na vida em sociedade como
uma luta competitiva pela existência e na crença no progresso material
ilimitado, a ser alcançado por meio do crescimento econômico e tecnológico214.
O pensamento vigorou por muitos anos, mas, atualmente, esta situação
está redimensionada. Aduz Carvalho que a Educação Ambiental tem o grande
desafio de garantir a construção de uma sociedade sustentável, em que se
promovam valores éticos de cooperação, Solidariedade, generosidade,
210 PEREIRA, Tânia da Silva. O cuidado como valor jurídico. In: Por uma ética do cuidado.
Marisa Schargel Maia (org.). Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 115. 211 BOFF, Leonardo. Saber cuidar. p. 34. 212 GADOTTI, Moacir. A Carta da Terra na Educação. São Paulo: Editora e Livraria Instituto
Paulo Freire, 2010, p. 07. 213 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 39. 214 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Trad.
Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 28.
80
Tolerância e dignidade na relação entre o Planeta e seus recursos215. Afirma
ainda que a Educação Ambiental é conteúdo e aprendizado, é motivo e
motivação, é parâmetro e norma216.
Além desses argumentos, percebe-se que o “educar” guarda relação
com o resgate de valores, com a superação de limites, com o encontro de
novas alternativas e por meio de atitudes que fazem sentido somente quando e
se compartilhadas. Nessa perspectiva, Freire salienta que “ninguém educa
ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam em comunhão
[...]”217.
Ainda que cada pessoa seja protagonista da própria história e que o
caminho trilhado seja apenas seu, o “Estar Junto” com o outro denota
experimentações e vivências mais humanas e mais completas. Em suma, a
dinâmica da vida social, coletiva, complexa e diferenciada é sempre uma
vivência mais rica. Gadamer ressalta que:
[...] talvez nós venhamos a sobreviver como humanidade se nós formos capazes de aprender que nós não podemos simplesmente explorar nossos meios de poder e possibilidades efetivas, mas precisamos aprender a parar e respeitar o outro como um outro, seja esse outro a Natureza ou as crescentes culturas dos povos e nações; e assim sermos capazes de aprender a experienciar o outro e os outros, como outro de nós mesmos, para participar um com o outro. A Educação Ambiental constitui para mim meramente um dos vários modos de abordar as conseqüências políticas da vida contemporânea. O respeito pela outridade da natureza, implícito nesse processo, pode nos levar ao reconhecimento de novas formas de solidariedade e respeito pela outridade do Outro218.
Contudo, concretizar a Educação Ambiental é uma tarefa trabalhosa.
Para Hartmann e Zimmermann, é fundamental educar os cidadãos, não apenas
para a aquisição de conhecimento, mas para o seu uso ético e responsável219.
Essa condição exige comprometimento e energia porque o processo educativo
215 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito
ecológico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006, p. 17. 216 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito
ecológico. p. 17. 217 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. p. 39. 218 GRÜN, Mauro. Em busca da dimensão ética da educação ambiental. Campinas, SP:
Papirus, 2007, p. 165. 219 HARTMANN, Angela Maria; ZIMMERMANN, Erica. A sustentabilidade como proposta
interdisciplinar para o ensino médio. In: Questões epistemológicas contemporâneas: o debate modernidade e pós-modernidade. IV Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental, Rio Claro. São Paulo, 2007, p. 3.
81
encontra resistências mesmo com a existência de documentos jurídicos que
visam a concretização de uma Educação Ambiental, como a Lei nº 9.795/99,
por exemplo. Ainda que com dificuldades, a Educação Ambiental não pode
perder seu objeto. Para Moura:
[...] a educação ambiental não se constitui em mais uma ciência, mas em áreas do conhecimento que busca organizar, coordenar, direcionar e articular saberes capazes de minimizar os problemas ambientais atuais e fomentar uma nova forma de cultura do pensamento ambiental sobre o uso dos recursos naturais e sociais em consonância com um processo de sustentabilidade220.
Trata-se de uma categoria complexa, é bem verdade, mas os resultados
de um trabalho iniciado no agora irão repercutir de forma significativa no futuro
pois irão garantir o equilíbrio entre Homem e Natureza que se busca alcançar.
As diretrizes e os decretos, nesse ponto, auxiliam a concretização dos
objetivos da Educação Ambiental, mas não são as únicas formas de realizá-la.
O consumo exacerbado por exemplo, se diminuído, provocaria uma mudança
considerável no ecossistema hoje. Exigem-se mudanças de hábitos e a
participação de cada cidadão, já que, segundo Alves:
O homem “moderno” já nasce com um passivo ambiental de fazer inveja a uma criança do século XIX. Antes mesmo de nascer o consumo já se concretiza com a preparação de um enxoval – necessário mais para satisfazer a vaidade dos pais, que as necessidades do bebê – que inclui berço dos mais simples aos mais sofisticados, protetor de berço feito de tecidos e plásticos, cortinados, roupinhas, algumas não usadas e outras usadas uma única vez, sapatinhos, mamadeiras, banheiras, carrinhos de passeio, brinquedos, chiqueirinho, andajá, enfim uma parafernália de tecidos e plásticos que ao final de alguns meses não tem mais serventia. Um verdadeiro “batismo” para o consumismo. A criança cresce e o consumo cresce junto. São roupas, sapatos, brinquedos, tudo da grife da moda. Tanto consumo que para satisfação dos pais a parafernália de brinquedos e roupas não cabe nas dependências em que as crianças dormem. Tão logo as crianças dominem a linguagem escrita começa o consumo de eletrônicos. São celulares seguidos de celulares, notebooks, netbooks, tabletes, videogames, TV LCD, outros. Mais o consumo de cosméticos, pois as crianças de hoje são diferentes, necessitam maquiar suas belezas ingênuas, pela imitação da garota propaganda da televisão. Na escola a criança manifesta seu “poder econômico” pelo celular ou netbook que exibe, pela mochila de seu “herói” preferido, pela maquiagem, pela lancheira e pelo lanche que consome, pelo modelo e ano do carro do papai que o leva para a escola. Os livros que antes eram reutilizáveis, hoje só servem para um ano. A mochila que a criança carrega é estufada por
220 MOURA, Mara Aguida Porfirio. Epistemologia ambiental na formação da gestão ambiental.
In: Revista Innovare. p. 71.
82
tantos livros e material que chega a prejudicar sua coluna vertebral. Há exigência de uniformes para as aulas normais e uniformes para aulas de atividade físicas. A lista de materiais “didáticos” é interminável e não se sabe em que atividades as crianças consomem
tanto material221.
Esse é um motivo consistente para que a Educação Ambiental seja
internalizada na Sociedade e passe a definir novos comportamentos. Instituiu-
se na Conferência de Tbilisi, citada no ponto 1 deste Capítulo, que Educação
Ambiental representa “[...] a dimensão dada ao conteúdo e à prática da
Educação, orientada para a resolução de problemas concretos do ambiente,
através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e
responsável de cada indivíduo e da coletividade”222. Essa diretriz institui que
cabe ao educador transmitir o conhecimento em sala de aula, respeitando as
peculiaridades de cada região do país. A prática pedagógica possui uma
função especial, pois viabiliza a interdisciplinaridade do tema no contexto
escolar, em caráter de Educação primária, considerando as características
locais.
Contudo, chama-se atenção ao fato de que a Educação Ambiental, no
modelo que se pretende alcançar, deve ir além dos conteúdos ministrados em
sala de aula ou vivenciados no contexto escolar. Esse modelo é importante,
isso não se nega. Mas é necessário que a Educação Ambiental seja vivenciada
no dia a dia das pessoas, para que estas sejam capazes de tecer críticas e
buscar alternativas à crise vivida, como agente potencializador da Cidadania
Ambiental. Para Talamoni e Sampaio, a educação ambiental é mediadora da
apropriação, pelos sujeitos, das qualidades e capacidades necessárias à ação
transformadora responsável diante do meio em que vive223.
No mesmo sentido, para Loureiro, a Educação Ambiental pode não ser
suficiente para se entender o que se pretende com a prática educativa
221 ALVEX, Raimundo Nonato Brabo. O consumo desenfreado é incompatível com a
sustentabilidade. Disponível em <http://www.ecodebate.com.br/2013/09/06/o-consumo-desenfreado-e-incompativel-com-a-sustentabilidade-artigo-de-raimundo-nonato-brabo-alves/>. Acesso em 20 de maio de 2015.
222UNESCO. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/pronea3.pdf>. Acesso em 28 de maio de 2015.
226 TALAMONI, Jandira Líria Biscalquini; SAMPAIO, Aloísio Costa. Educação Ambiental. p. 12.
83
ambiental224. Nessa linha de pensamento, busca-se uma Educação que
também seja política, no sentido de conceder a todos a possibilidade de agir
em prol da harmonização da relação Homem versus Natureza. A Educação é
fundamental para que o panorama atual seja alterado de forma positiva. Para
Rousseau:
Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo, precisamos de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando
grandes nos é dado pela educação225.
Para a transformação social, a Educação possui um papel a ser
desempenhado, especialmente no tocante à formação de cidadãos conscientes
de suas capacidades e suas ações. Por esse motivo, cabe também à
Educação fomentar uma Cidadania Ambiental e um processo que estimule as
pessoas atuarem com Responsabilidade e compromisso, perante Meio
Ambiente e também a outras formas de vida.
Cotidianamente, em âmbito local e global, as interações sociais devem
ser no sentido de internalizar as propostas de aprendizagem e resgatar valores.
A Educação Ambiental precisa ser vivenciada por meio da preservação do
Meio Ambiente, do cuidado com água226, do respeito aos animais e às demais
formas de vida, do fomento ao Desenvolvimento Sustentável, na possibilidade
de fazer denúncias, dentre outros meios.
A Educação Ambiental pode ser compreendida como o processo
educativo amplo, formal ou não, abarcando as dimensões políticas, culturais e
sociais, capaz de gerar novos valores, atitudes e habilidade compatíveis com a
Sustentabilidade de vida no Planeta227. A Educação Ambiental influencia o
desenvolvimento da pessoa e transforma o educando em um ator social capaz
224 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; COSSÍO, Mauricio F. Blanco. Um olhar sobre a
educação ambiental nas escolas: considerações iniciais sobre os resultados do projeto. In: Mello, Soraia.; Trajber, Raquel (Org.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental. Brasília: Ministério da Educação, Coordenação Geral de Educação Ambiental: Ministério do Meio Ambiente, Departamento de Educação Ambiental: UNESCO, 2007, p. 66.
225 ROUSSEAU, Jean-Jaques. Emílio ou da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 8. 226 BOFF explica que as atitudes humanas adequadas para a vida são o cuidado, o respeito, a
veneração e ternura. São as atitudes que derivam da experiência do sagrado e da descoberta do Mistério do universo e do próprio coração. BOFF, Leonardo. Ética da vida. p. 75/76.
227 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Trajetória e fundamentos da educação ambiental. p. 70.
84
de estruturar uma nova consciência, em prol do mundo natural, que tanto é
necessária na sociedade sustentável que se almeja alcançar228.
É certo que a escola possui um papel fundamental na formação do ser
humano. As relações interpessoais ali estabelecidas e o conhecimento
transmitido são lições que constituem a identidade do ser. Os valores sociais
também são desenvolvidos no convívio escolar, e o que se propõe é que a
Educação Ambiental seja cada vez mais ativa e mais prática, capaz de atingir o
equilíbrio entre Meio Ambiente e Humanidade.
Mas a crise ambiental é bastante grave. Diz respeito ao mundo natural e
seus elementos, a degradação do Planeta, a escassez da água, a extinção dos
animais e uma série de outros problemas ecológicos. Porém, a sociedade está
vivendo uma crise bem mais profunda: a crise dos valores. Esta desertificação
daquilo que é caro à Sociedade interfere diretamente no agir humano e na
forma com que este se relaciona com o meio em que vive.
Nessa linha de pensamento, a Educação Ambiental é responsável pela
formação de cidadãos atentos, participativos e engajados na questão
ambiental, para muito além de lições teóricas. A Educação é meio de
transformação social, mas somente o agir humano que efetivamente fará
diferença no tempo presente. Enfatiza Leff que:
[...] a educação ambiental e os educadores ambientais devem assumir o desfaio de abrir os caminhos para esse provir, para essa mudança cultural comprometida com a desobjetivação e descodificação do mundo. Para além dos valores fundamentais e fundamentalistas nos quais a sociedade atual busca abrigo e defesa, devemos aventurar-nos a renovar os sentidos da existência humana e abrir as comportas para uma ressignificação do mundo e da natureza229:
O que se pretende é a vivência efetiva desta Educação, tanto pelos
pequenos quanto pelos adultos. Ademais, são estes últimos os responsáveis
diretos pela mudança de consciência que se pretende alcançar no momento
228 Para Forti, “coscienza ambientale e educazione” são elementos que “imprime um significato
alto alle idde di “legalittà” e di “ambiente”; sollecita, soprattutto, uma riflessione sul senso congiunto di tali idee e sul “modo di pensare” (ossia sulla cifra antropologica e a culturale) che a questo senso si connette”. FORTI, Gabrio. In: Revista Italiana de Direito e Procedura Penal, p. 1353.
229 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p.183.
85
presente. Vislumbra-se um novo panorama no mundo da vida, desde já, com
vistas nas futuras gerações.
Quando se questiona para que(m) a Educação Ambiental é direcionada,
a resposta é categórica: a Educação Ambiental é direcionada para crianças,
jovens e adultos. A transmissão do conhecimento curricular, ocorre, via de
regra, na instituição de ensino. Contudo, em relação à Educação Ambiental,
não se trata de um educar como processo que ocorre somente dentro da
escola, ou seja, não é possível limitar o processo educativo à estrutura escolar.
A Educação Ambiental a que se propõe possui um aspecto informal de
aprendizado, com as interações e as sinergias próprias do ser humano, as
quais se manifestam no território presenteísta do cotidiano.
Sob similar argumento, como o Meio Ambiente gravita em torno da vida
humana, a Educação deve ocorrer nas esferas sociais, políticas, ecológicas,
dentre outras. Insiste-se: é no cotidiano230 que se desvela a Educação
Ambiental crítica e reflexiva diante da crise contemporânea. Delizoicov explica
que os processos educativos ambientais “[...] buscam relacionar ensino e
pesquisa para consubstanciar e promover avanços teórico-práticos em suas
proposições e diretrizes pedagógicas, abordando temáticas ambientais de
forma crítica, contextualizada e interdisciplinar”231.
Por esse motivo, é relevante que a Educação Ambiental se direcione
também aos jovens e adultos. Não obstante estes já possuam experiência e
tenham sua formação intelectual iniciada, são estes os atores, que, no
momento presente, são capazes de transformar a realidade, por meio da
vontade, da apropriação do conhecimento, do engajamento, da vontade
política, mas, principalmente, por meio do exercício da Cidadania,
especialmente a Ambiental. Para Freire, estes elementos convergem para:
[...] a ação politicamente comprometida com o “outro”, em que não existe a dicotomia entre Homem e Mundo, mas sim a inquebrantável solidariedade que, criticamente, analisa e intervém, captando o futuro (o ser mais), o devir da realidade, temporalizando o espaço, indo para
230 Na mesma linha de pensamento de Maffesoli, Gutiérrez aduz que a vida cotidiana acontece
a partir das necessidades e interesses das pessoas. GUTIÉRREZ, Francisco. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 24.
231 DELIZOICOV, Demetrio; ANGOTTI, José Angotti. Ensino de Ciência: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002, p.161.
86
além do presente normatizado e estratificado que caracteriza o pensamento ingênuo232.
A Educação Ambiental é uma proposta na qual todos estão envolvidos:
escola, família, sociedade, gestores e Poder Público. O aprendizado deve ser
um processo constante, sem interrupções, e estar disseminado no corpo social,
por meio de iniciativas populares, dos meios de comunicação ou da rede
virtual. A partir desta perspectiva, Moura conceitua a Educação Ambiental
como:
uma pesquisa interdisciplinar fomentada pela epistemologia ambiental com o propósito de socializar uma compreensão e conhecimentos socioambientais, buscando minimizar a cegueira e a miopia da especialização, a qual procura reformular o pensamento cultural educativo, e preencher as lacunas do pensamento científico mutiladas por ideologias individuais ou isoladas, almejando um desenvolvimento do pensamento complexo, originando um novo princípio da reorganização das disciplinas científicas e da
reformulação da estrutura pedagógica do ensino233.
Se for possível conjugar o saber científico com o cotidiano das pessoas,
que é o tempo capaz de desvelar tantos significados já mencionados no
Capítulo 1 desta pesquisa, o objetivo da Educação Ambiental estará
concretizado e ainda servirá de instrumento capaz de efetivar a
Sustentabilidade em todas as suas dimensões234. Para Gutiérrez, se a
pedagogia é um fazer, os caminhos que a ela conduzem são construídos e
percorridos nesse fazer cotidiano e permanente235.
É no dia a dia que a mudança de paradigma em relação à Natureza será
concretizada. O ritmo da vida é responsável por fazer o cidadão sentir, refletir,
ponderar, reconsiderar, questionar e praticar os conhecimentos adquiridos. Sob
esta perspectiva, Gutiérrez explica que “somos essencialmente nossa vida
232 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. p. 108-110. 233 MOURA, Mara Aguida Porfirio. Epistemologia ambiental na formação da gestão ambiental.
In: Revista Innovare. p. 71. 234 Para Leff, o saber ambiental não é o conhecimento da biologia, e da ecologia; não é apenas
o saber sobre os processos do entorno, sobre as externalidades das formações teóricas centradas em seus objetos de conhecimento, mas a construção de sentidos coletivos e identidades compartilhadas que constituem significações culturais diversas na perspectiva de uma complexidade emergente e de um futuro sustentável. LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p. 205.
235 GUTIÉRREZ, Francisco. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 65
87
cotidiana [...] e a vida cotidiana é o lugar do sentido e das práticas de
aprendizagem produtiva”236.
Esses espaços são necessários para desenvolver a Educação
Ambiental, no viés formal e informal, pois nela encontra-se o princípio da
Sustentabilidade. Sem dúvida, suas orientações e conteúdos dependem “[...]
das estratégias de poder implícitas nos discursos de sustentabilidade e no
campo do conhecimento”237. A partir desta premissa, admite-se que a
Educação é elemento nuclear para solucionar o caos ambiental dos dias atuais.
Na mesma linha de pensamento, Chalita afirma que a Educação Ambiental
pode ser uma poderosa ferramenta de intervenção no mundo para construção
de novos pensamentos e consequente mudança de hábitos, além de ser
importante instrumento de construção de conhecimento238.
Embora os ensinamentos recebidos no ambiente escolar possuam um
reflexo para toda a vida, a formação do ser ocorre cotidianamente, ou seja,
sempre é tempo de aprender, de mudar, de reconsiderar e evoluir. Pouco a
pouco, as convicções são formadas. Esse pensamento constitui um objetivo da
Educação Ambiental, instrumento pelo qual a Cidadania vai se desvelando. A
possível construção de um futuro sustentável terá de ocorrer na arena politica,
mas a escola pode ser o melhor laboratório, o melhor espaço de
experimentação e de formação para esta mudança civilizatória. Por isso é
necessário dar carta de cidadania à educação ambiental239.
Com isso, formam-se cidadãos comprometidos, capazes de agir em
conformidade com os conhecimentos adquiridos. Essa é a importância de se
direcionar a Educação Ambiental para todas as pessoas, de todas as idades e
em todos estes espaços. Ademais, a Educação Ambiental é uma categoria que
está em plena construção e precisa ter seu alcance ampliado, conforme o
momento histórico vivido. A categoria vislumbra estruturar novos
conhecimentos, além de desenvolver o senso crítico e resgatar valores sociais
esquecidos.
236 GUTIÉRREZ, Francisco. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 64. 237 LEFF, Enrique. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: Verde cotidiano: o
meio ambiente em discussão. REIGOTA, Marcos (org.). Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 123. 238 CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2002, p. 34. 239 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p.184.
88
Sob esse significado, Reigota salienta que a Educação Ambiental deve
ser baseada no diálogo entre gerações e culturas, na busca da Cidadania local,
continental e planetária, bem como na perspectiva de uma sociedade mais
justa240. A exploração do Meio Ambiente compromete a qualidade de vida
desta e das vindouras gerações, pois a qualidade de vida não se sustenta sem
a qualidade ambiental. Há necessidade de se pensar globalmente, pois a partir
do agir humano de hoje depende o equilíbrio ambiental de todo o Planeta no
futuro. Para tanto, gestores, ambientalistas, pesquisadores, educadores e
sociedade civil unem-se para que a Educação seja um vetor na busca de
soluções à questão ambiental.
No passado, não havia preocupações desta natureza. O modelo
industrial moderno correspondia a um ritmo de produção intenso e nocivo, que
resultou em problemas contemporâneos de dimensões globais. O movimento
contra a destruição que iniciou nos países mais desenvolvidos revelava a
incompatibilidade entre progresso desenfreado e Meio Ambiente. A crise
ambiental que se instaurou é a crise do conhecimento e um esvaziamento dos
sentidos existenciais que dão suporte a vida humana241.
Por este motivo, na década de 1970, novos posicionamentos foram
demandados e uma agenda política internacional surgiu com vistas nestas
questões. A reunião dos países era no sentido de encontrar soluções
compatíveis para a utilização e proteção do Meio Ambiente, simultaneamente.
A Educação Ambiental proporciona a compreensão sobre a importância do
mundo natural desde aquele momento histórico e assegura sua preservação
pela participação política e social.
No Brasil, a Educação Ambiental é juridicamente apresentada como
parte integrante do processo educativo em todos os níveis escolares. O caráter
interdisciplinar242 da temática permite que as abordagens não estejam
presentes em somente em disciplinas como Biologia, Ciência ou Ecologia.
240 REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. p. 87. 241 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p.181. 242 A interdisciplinaridade da Educação Ambiental é recomendada em na Declaração de Tbilisi.
LAYRARGUES, Philippe Pomier. Educação para a Gestão Ambiental: a cidadania no enfrentamento político dos conflitos socioambientais. In: LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo et al (orgs.). Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 184.
89
O sistema educativo não deve ser mecânico e linear. Há desafios a
serem superados neste sentido243. Aquilo que é ensinado, no âmbito formal,
pela escola, precisa ser atual, dinâmico, de modo a acompanhar a evolução
humana e as necessidades do desenvolvimento. Para a completa formação do
cidadão, numa condição emancipatória, os professores também precisam estar
preparados e isso enseja a reformulação do sistema educativo como um todo,
quando se trata da questão da Educação em terras brasileiras.
Krasilchik explica que "as transformações que temos tentado são
superficiais e limitadas [...] substituímos conteúdos por outros mais atuais [...],
mas a observação sistemática nas salas de aula revela que a maioria dos
docentes ainda se limita a transmitir informações” 244. A Educação Ambiental
depara-se com o imperativo de dar prioridade á Educação tradicional ou de se
converter em uma “educação para o desenvolvimento sustentável”, dentro de
uma visão instrumental e dentro da lógica e da racionalidade da ordem
estabelecida245. Por este motivo, a Educação precisa traduzir as participações
do “mundo da vida”. Leff complementa enfatizando que:
[...] não obstante os novos espaços de reflexão e atuação abertos pela educação ambiental nas ultimas três décadas, tomadores de decisões, funcionários públicos e educadores continuam concentrando seus esforços em satisfazer em primeiro lugar às necessidades básicas do sistema educacional, antes de lançar em campanhas inovadoras para criar uma nova pedagogia ambiental, e incursionar por novos temas que parecem secundários diante do mais urgente246.
A escola possui um papel fundamental na formação do sujeito, e a
Educação Ambiental pode ser implementada como elemento de uma
transformação que impulsiona, que forma, que ensina e que transmite, não
apenas conhecimento, mas também valores fundamentais à formação do ser.
243 Loureiro salienta: “as dificuldades da comunidade escolar no entendimento da complexidade
da EA expressa nas finalidades apresentadas em diferentes políticas públicas federais e em outros materiais historicamente produzidos e apropriados na e dentro da área”. KAPLAN, Leonardo; LOUREIRO, Carlos Francisco Bernardo. Análise crítica do discurso do Programa Nacional de Formação de Educadoras (es) Ambientais - ProFEA: pela não desescolarização da educação ambiental. In: Educação em Revista, 2010, p. 02.
247 KRASILCHIK, Myriam. Inovação no ensino de ciências. In: GARCIA. Walter E. (org.). Inovação educacional no Brasil: problema as e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1980, p. 179.
245 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p.180. 246 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p. 179.
90
Nesse ponto, a Educação Ambiental requer um ensino que transcenda aos
limites disciplinares e conceituais do conhecimento247.
A Educação Ambiental, formal ou informal, precisa abranger conteúdos
atuais que, há anos atrás, não eram imprescindíveis. O cidadão precisa hoje ter
conhecimento248 sobre legislação, Sustentabilidade, Desenvolvimento
Sustentável, Responsabilidade tantas outras categorias que completam esse
contexto. Precisa estar atento à função social de propriedade e de empresas,
que possuem reflexos na questão ambiental. Precisa ter domínio acerca dos
mecanismos de proteção do Meio Ambiente, como denúncias a órgão
competente, por exemplo. Precisa aprender qual o modelo de desenvolvimento
que foi adotado até aqui e como será o modelo do futuro. Isso implica no
conhecimento a respeito do papel que a Sociedade de consumo, globalizada e
transnacional teve no processo da destruição e da exploração do mundo
natural.
O que se percebe é que o estudo da relação que envolve Homem,
Natureza e Sociedade precisa ser aprofundado. O conhecimento, em relação à
dimensão social da problemática, deve ser transmitido, para que sua
compreensão de mundo seja facilitada e ampliada. A Educação deve estar
voltada, também, para o agir construtivo do ser, e não destrutivo como
aconteceu nas últimas décadas. Lipovetsky ressalta que:
Não devemos, portanto, assumir a educação ambiental como imposição de determinados princípios, inculcação de certos valores, pois estes processos propiciam a submissão, a atuação irreflexiva na qual os educandos não tomam consciência de sua condição humana, de suas responsabilidades como sujeitos sociais. Educar em valores, eticamente, significa promover nos sujeitos a elaboração e o desenvolvimento de uma racionalidade moral substantiva, de modo autônomo e comprometido, para que tomem decisões pessoais, através do exercício de sua liberdade responsável249.
247 ANJOS, Maylta Brandão dos. Educação Ambiental e Interdisciplinaridade: reflexões
contemporâneas. São Paulo: Libra Três, 2008, p. 137. 248 A despeito do conhecimento, Forti esclarece que “[...] educazione, tutela ambientale e
legalità” são “[...] tre idee come elementi de um “circuito”, come parti di um único “sistema” e, al contempo, pone le promesse perché queste ter idee siane credibili, ossia abbiano qualche chance di transformasi in realità”. FORTI, Gabrio. In: Revista Italiana de Direito e Procedura Penal, p.1355.
249 GAUDIANO, Edgar González; KATRA, Lyle Figueroa. Valores e educação ambiental: aproximações teóricas em um campo em contínua construção. In: Educação e Realidade.
91
Para que não se torne um processo educativo deficiente, a Educação
Ambiental precisa ser repensada, para abarcar todas estas questões e superar
as dificuldades identificadas. Da mesma forma, o processo de ensino no Brasil,
como um todo, também precisa ser reavaliado.
O educando deve, durante sua vida escolar, compreender a dinâmica da
Sociedade, a existência de organismos internacionais de proteção e controle,
os objetivos das agendas políticas até o momento presente, o significado na
Natureza como organismo vivo e qual a importância da sua manutenção para
vida humana na Terra. O caráter antropocêntrico precisa ser mitigado e o
Homem precisa assumir seu papel como ator social capaz de modificar a crise
ambiental, pois é parte integrante250 da Natureza, além de ser dotado de
Racionalidade e de recursos tecnocientíficos que possam garantir uma relação
de interdependência harmônica e equilibrada.
Não se pode desconsiderar que a Educação está contida na Educação
Ambiental e a Educação Ambiental está contida na Educação. Trata-se de
categorias indissociáveis e que apresentam falhas e desafios. Uma delas diz
respeito ao atraso do aprendizado, à conteúdos ultrapassados e ao processo
educativo estruturado “[...] no princípio da competitividade, da seleção e da
classificação”251.
Políticas públicas podem ser uma maneira eficiente de sanar eventuais
falhas no processo educativo. O tema possui relevância considerável, pois
tanto o Homem quanto a Educação são agentes transformadores da realidade.
Para cumprir suas finalidades, a Educação Ambiental precisa ter um alcance,
uma efetividade, uma dinâmica que seja capaz de produzir resultados já no
momento presente e “[...] que não seja resultado de leis de mercado, mas da
mudança de valores” 252.
O que irá sustentar as mudanças aqui propostas é aliar teoria à prática.
Não obstante haja prevalência do ambiente escolar, essa dinâmica pode ser
Volume 34. Numero 3. 2009, p. 16. Disponível em
http://www.seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/9081/6707. Acesso em 18 de maio de 2015.
250 Para Moscovici, somos parte da natureza e por razões não só, mas também biológicas, transformamo-la e isso faz parte do nosso processo histórico-cultural. MOSCOVICI, Serge. A Sociedade contra a natureza. Petrópolis, (RJ): Vozes, 1987, p. 142.
251 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2000, p. 87. 252 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. p. 158.
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realizada em outro contexto. Durante este processo, abrem-se novos
caminhos, que dizem respeito a uma pedagogia democrática e de
compreensão, ou seja, uma pedagogía para la vida cotidiana253. A Educação
Ambiental está institucionalizada, mas também é presente na vida das
pessoas, no cotidiano de crianças, jovens e adultos, indiscriminadamente. São
necessárias estratégias no processo educativo que deve “[...] voltar-se
majoritariamente à busca de um alcance maior da educação ambiental, onde a
proposta central reside na transformação da realidade”254.
Com o surgimento do lado perverso e obscuro do progresso econômico,
a Educação Ambiental surgiu como uma estratégia (ou proposta) para o
enfrentamento do conflito recém-instaurado. Entretanto, a questão ambiental
hoje está modificada porque a crise está agravada. São necessários novos
referenciais, novas demandas internacionais, ou ainda, compromissos
solidários com as gerações presentes e futuras. Não se pode desconsiderar
que o espaço para vivências e para as interações sociais é o Meio Ambiente,
uma fonte de vida por excelência. Essas relações implicam em processos de
criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação
do meio natural e construído255.
A Educação Ambiental pode ser compreendida, metaforicamente, como
um grande guarda-chuva, ao qual a categoria transita em todas as disciplinas.
Com as lentes da Ecologia, a Educação é desvelada no ambiente formal ou
informal de ensino. O saber educativo e reflexivo que a Educação Ambiental se
propõe efetivar exige um pensamento crítico, pois não há uma reflexão
uníssona e fechada sobre o tema. O caráter interdisciplinar da categoria
contribui para a existência de entendimentos e formas de abordagem
diferenciadas, voltados para o agir humano ético, responsável e harmonioso
(Estética de Alteridade) além de contemplar as questões emergenciais que se
vivem hoje em relação a atual crise ambiental.
253 ANTUNES, Angela e Gaddoti, Moacir. La ecopedagogía como la pedagogía indicada para el
proceso de la Carta de la Tierra. In: La Carta de la Tierra em acción. Disponível em: http://www2.minedu.gob.pe/digesutp/formacioninicial/?p=823. Acesso em 5 de julho de 2015
254 LAYRARGUES, Philippe Pomier. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema- gerador ou uma atividade-fim da Educação ambiental? In: REIGOTA, Marcos. (org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999, p.131-148, p. 141.
255 REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social. p. 14.
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A categoria também é responsável pelo estudo da relação Homem
versus Natureza e é capaz de proporcionar um ambiente de identificação e de
análise crítica256 dos problemas ambientais. Para Leff, já no momento presente,
a comunidade educativa está recuperando a visão critica da Educação de
Paulo Freire como um processo de emancipação, como o caminho para
“chegar a ser o que queremos ser”257. Esta condição desperta um agir ético e
político voltado para a superação da crise que hoje se enfrenta. O caminho de
transformação a que se deseja trilhar, rumo à “harmonia ambiental” 258, é um
caminho de Sensibilidade.
Estas novas possibilidades que a Educação traz são, em verdade,
convites. Todos são convidados a racionalizar de forma sensível e a participar
de um movimento efetivo para mudanças. Nesse ponto, a Declaração de
Estocolmo enfatiza que:
[...] é indispensável um trabalho de educação em questões ambientais, visando tanto as gerações jovens como adultos, dispensando a devida atenção ao setor das populações menos privilegiadas, para assentar as bases de um a opinião publica bem informada e de uma conduta responsável dos indivíduos, das empresas e das comunidades, inspirada no sentido de sua responsabilidade, relativamente a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda a sua dimensão humana259.
Esse novo panorama, no entanto, somente pode ser desvelado por meio
da Educação Ambiental. Esta, muito mais do que mera contribuição, é
elemento-chave para a mudança do mundo em que se vive possibilitando à
sociedade em que vivemos qualidades desejáveis260.
Os processos de aprendizagem que envolvem a questão ambiental
acabam por direcionar o educando à uma relação com a Natureza que denote
Estética e Sensibilidade. A intervenção do ser humano no meio, com auxílio
256 Carvalho reforça a ideia de uma educação ambiental crítica. CARVALHO, Isabel Cristina de
Moura. Educação Ambiental. p. 36. 257 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p. 179. 258 A harmonia ambiental supõe tolerância, respeito, igualdade social, cultural, de gênero e
aceitação da biodiversidade. GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 32.
259 Declaração de Estocolmo. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Declaracao%20de%20Estocolmo%201972.pdf>. Acesso em 28 de maio de 2015.
260 YURÉN CAMARENA, María Teresa. Eticidad, Valores Sociales y Educación. México, Universidad Pedagógica Nacional, 1995, p. 193.
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destas categorias, é capaz de proporcionar a vivência harmônica e equilibrada,
entre ser humano e Natureza, ou seja, uma vivência no qual o belo se desvela.
A estratégia política-jurídica do Buen Vivir261 vai de encontro à Educação
Ambiental que se almeja no Brasil. O processo educativo que se propõe é o
oposto da Educação individualista e antropocêntrica que ocorreu nos últimos
séculos. Busca-se a transmissão do conhecimento a partir de uma cosmovisão
andina.
Todos podem apropriar-se de uma Educação que fomenta deveres de
Responsabilidade, permanentemente, sem cessar. Assim, a partir do Buen
Vivir, as práticas educativas devem ocorrer nos mais diversos locais, não se
restringindo aos limites das instituições de ensino. Numa perspectiva de troca,
uns aprendem com os outros, em comunidade, desvelando a Sensibilidade que
é inerente às relações humanas.
A avaliação do ensino, nos mesmos moldes, acontece em comunidade
pois o equilíbrio do Buen Vivir depende do equilíbrio e da reponsabilidade de
cada ator social, ou seja, cada educando. Na Educação proposta pelo Buen
Vivir, a cosmovisão andina é defendida pela linguagem, que deve ser bilíngue,
em valorização a cultura das sociedades tradicionais. O método de ensino é
também voltado ao intangível e ao invisível, em comunhão com o racionalismo.
A percepção do mundo da vida é voltada as questões que envolvem o
ciclo da vida, por meio de uma “pedagogia comunitária” que permita o
261 Para o povo Aymara-Quechua da Bolívia, o Vivir Bien corresponde à plenitude do Homem
em relação à Natureza e a convivência pacifica de todas as formas de existência. Viver em plenitude, harmonia e equilíbrio são os pressupostos para que o Vivir Bien concretize-se. A integração e as necessidades comunitárias permitem o compartilhamento e as experimentações harmônicas e equilibradas entre seres vivos. O termo Vivir Bien, no entanto, não é o termo que define, em toda a sua complexidade, o significado completo do que o idioma aymara cunhou. Não se trata de viver melhor pois isso pressupõe que um grupo de pessoas está vivendo pior.A proposta é o construtivismo social a partir da integração com a Mãe-Terra, e da complementariedade, em espaços de troca, onde tudo está vivo e interligado. O Plano Nacional do Buen Viver pode ser compreendido como “La satisfacción de las necesidades, la consecución de una calidad de vida y muerte digna, el amar y ser amado, el florecimiento saludable de todos y todas, en paz y armonía con la naturaleza y la prolongación indefinida de las culturas humanas. El Buen Vivir supone tener tiempo libre para la contemplación y la emancipación, y que las libertades, oportunidades, capacidades y potencialidades reales de los individuos se amplíen y florezcan de modo que permitan lograr simultáneamente aquello que la sociedad, los territorios, las diversas identidades colectivas y cada uno -visto como un ser humano universal y particular a la vez- valora como objetivo de vida deseable (tanto material como subjetivamente y sin producir ningún tipo de dominación a un otro)”. Disponível em: http://educacion.gob.ec/que-es-el-buen-vivir/. Acesso em 1 de junho de 2015.
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desenvolvimento de habilidades e capacidades naturais de cada ser, em busca
da plenitude. Nesta perspectiva:
La educación y el Buen Vivir interactúan de dos modos. Por una parte, el derecho a la educación es un componente esencial del Buen Vivir, ya que permite el desarrollo de las potencialidades humanas, y como tal, garantiza la igualdad de oportunidades para todas las personas. Por otra parte, el Buen Vivir es un eje esencial de la educación, en la medida en que el proceso educativo debe contemplar la preparación de futuros ciudadanos, con valores y conocimientos para fomentar el desarrollo del país262.
No mesmo propósito educativo, Gadotti defende a chamada
Ecopedagogia, termo cunhado no início dos anos 90. Para o autor, a Educação
Ambiental “[...] muitas vezes limitou-se ao ambiente externo sem se confrontar
com os valores sociais, com os outros, com a Solidariedade, não pondo em
questão a politicidade da educação e do conhecimento” 263. Assim, ela “[...]
não se opõe à Educação Ambiental. Ao contrário, para a Ecopedagogia, a
Educação Ambiental é um pressuposto” 264. A Ecopedagogia incorpora-a e
oferece estratégias, propostas e meios para a sua realização concreta265. Nota-
se que seus autores a compreendem como sendo mais ampla que a Educação
Ambiental por se preocupar com o sentido mais profundo do que fazemos com
nossa existência a partir da vida cotidiana266. Segundo o autor:
A Ecopedagogia pretende desenvolver um novo olhar para a educação, um olhar global, uma nova maneira de ser estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida cotidiana, que busca sentido em cada momento, em cada ato, que pensa a prática (Paulo Freire) em cada instante de nossas vidas, evitando a burocratização do olhar e do pensamento267.
Em síntese, a categoria Ecopedagogia pode ser compreendida como a
“[...] aprendizagem por meio do sentido das coisas a partir da vida cotidiana”
[...] “é, por isso, uma pedagogia democrática e solidária” 268. Nesta perspectiva,
a Educação aproxima-se do mundo da vida, fomentando vínculos de
Responsabilidade e de pertença capazes de direcionar a Humanidade na
262 Disponível em http://educacion.gob.ec/que-es-el-buen-vivir/. Acesso em 1 de junho de 2015. 263 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. p. 88. 264 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. p. 88 265 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. p. 96. 266 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. p. 97. 267 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. p. 82. 268 GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 24.
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construção de uma sociedade ecologicamente sustentável. Para o autor,
pedagogia é abrir caminhos novos, dinâmicos, inéditos, irrepetíveis, sentidos e
espirituais269. Essa proposta vai de encontro ao que preconiza a Carta da
Terra. Para Antunes e Gadotti, do cotejo entre o documento e a Educação que
se almeja, esclarece-se que:
La ecopedagogía es una pedagogía apta para estos tiempos de reconstrucción paradigmática, apta para una cultura de sostenibilidad y paz y, por lo tanto, apropiada para el proceso de la Carta de la Tierra. Ha estado creciendo gradualmente, beneficiándose de la cantidad de insumos que se han originado en décadas recientes, principalmente dentro del movimiento ecológico. Está basado em un paradigma filosófico apoyado por Paulo Freire, Fritjof Capra, Leonardo Boff, Sebastiao Salgado, Boaventura de Sousa Santos y Milton Santos, que surge de la educación y que ofrece un conjunto de conocimientos y valores interdependientes. Entre éstos, nos gustaría mencionar los siguientes: educar para pensar en forma global; educar los sentimientos; enseñar sobre la identidad de la Tierra como esencial para la condición humana; moldear la consciência planetaria; educar para el entendimiento y educar para la simplicidad, el cuidado y la paz. En medio de todo esto, consideramos que la Carta de la Tierra no sólo constituye un código de ética planetaria: es también un llamado a la acción270.
A Educação direcionada ao fortalecimento do vínculo dos humanos com
todos os seres do Planeta, de forma a compreender seus significados e sua
importância na biosfera, deve ser um objetivo não somente a ser buscado, mas
sim, concretizado. Apropriar-se do conhecimento é vivenciar e experimentar, no
cotidiano, as lições aprendidas e (re) significar o sentido da vida, perante o
Outro271 e o Meio Ambiente. Nesta linha de pensamento, no Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade
Global272 ficou instituído que:
269 GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 66. 270 ANTUNES, Angela; GADDOTI, Moacir. La ecopedagogía como la pedagogía indicada para
el proceso de la Carta de la Tierra. In: La Carta de la Tierra em acción. Disponível em: http://www2.minedu.gob.pe/digesutp/formacioninicial/?p=823. Acesso em 05 de julho de 2015.
271 Cortina ressalta que a sociedade civil que necessitamos não é, pois, a que se move por interesses particulares, mas a que a partir da família, da vizinhança, da amizade, dos movimentos, dos movimentos sociais, dos grupos religiosos, das associações movidas por interesses universais, é capaz de gerar energias de solidariedade e justiça que quebrem os receios de um mundo egoísta e na defensiva. CORTINA, Adela. Alianza y Contrato. In: Política, Ética y Religión. Madrid, Trotta, 2001, p. 157.
275 O Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global é um dos documentos gerados durante a Eco 92. Foi elaborado por cientistas e educadores ambientais das mais diversas nacionalidades, de várias regiões do mundo. Foi publicado em diversos idiomas e tornou-se referência para a Educação Ambiental. A cientista
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A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade; a educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações; a educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar; a educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas; a educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas das sociedades sustentáveis; a educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos273.
A construção de uma Educação nesses moldes significa o exercício da
Cidadania e de valores que o espaço democrático pretende oportunizar, pois
Educação deve transformar-se e recriar-se radicalmente a partir dos princípios
ambientais para formar uma Cidadania capaz de conduzir os destinos da
Humanidade para um futuro sustentável274. Para Gaudino, o Educar para uma
Cidadania Ambiental:
[...] implica una pedagogia social, que se propone desarrollar competencias para vivir de un modo que implica la capacidad deliberada de saber elegir entre varias opciones, a partir de consideraciones éticas e intereses comunitarios, esto es, políticos. Ello sienta las bases para la construcción de una vida pública con base en formas sociales sustentadas en un ejercicio crítico de la ciudadanía, dentro del marco de una política ambiental y cultural, sobre todo ante los reta frente al consumismo e individualismo que preconiza el estilo de desarrollo neoliberal globalizante en que nos encontramos inmersos275.
social, Moema Viezzer, que ajudou a articular os movimentos que originaram o Tratado, fala sobre a importância desse documento que ainda se mantém como prática inspiradora (Disponível em <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/educacao/conteudo_293882.shtml>. Acesso em 11 de junho de 2015).
276 A íntegra do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global está disponível no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/tratado.pdf. Acesso em 10 de junho de 2015.
274 LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. p.180. 275 GAUDIANO, Edgar González. Educación para la ciudadanía ambiental. In: Interciencia.
Outubro, 2003, volume 28, número 10, p. 614. Disponível em http://www.interciencia.org/v28_10/gaudiano.pdf. Acesso em 2 de junho de 2015.
98
Assim, a Educação Ambiental é direcionada a todos os cidadãos,
desenvolvendo uma consciência acerca de suas Responsabilidades. A
Educação precisa ter um alcance alargado capaz de direcionar o cidadão à
transformação da Sociedade e adequar o mundo para torná-lo mais
harmonioso. A Cidadania Ambiental, como categoria possível a partir da
Educação e da formação do cidadão, em seu sentido mais amplo, será
realizada de modo a contribuir com a melhora da qualidade de vida no Planeta.
2.3 Cidadania e a Educação Ambiental: (im)possibilidades
Neste ponto da pesquisa, é preciso estabelecer algumas co-relações
entre Cidadania e Educação Ambiental. Os dois conceitos aproximam-se a
medida o exercício da Cidadania plena e ativa, com viés ambiental, só
conquistada por meio de uma Educação emancipatória, e que não apenas
reproduza os velhos conceitos adotados até então.
Essa possibilidade de aproximação, no entanto, perpassa pela
revisitação do conceito de Cidadania, diante dos fenômenos contemporâneos
da Globalização e da Transnacionalidade. Novas perspectivas são possíveis
quando a referida aproximação passa a ser realidade.
2.3.1 Metamorfoses da Cidadania: do Conceito Clássico ao
Conceito Transnacional
Sob o viés histórico, a Cidadania, no seu conceito clássico, origina-se do
latim civitas276. A categoria remete à ideia de polis, de núcleo, de agrupamento
de pessoas que vivem em sociedade. A participação política era restrita aos
homens: não eram considerados cidadãos mulheres, crianças, estrangeiros e
276 Para Pérez-Luño, a Cidadania decorre deste termo. A categoria confere ao indivíduo o
status de cidadão, titular de direitos e deveres, desde que considerados livres na República. PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa. Cuadernos de Filosofia del Derecho. Alicante, n. 25, 2002, p. 183.
99
escravos. A condição de cidadão e o gozo de direitos eram direcionada
àqueles.
Os romanos, na era clássica, consideravam cidadão aquele que detinha
direitos e que era potencialmente apto a exercer estes direitos com liberdade. A
situação política em Roma também mantinha um caráter limitador, pois o
cidadão era aquele que tinha pertencia a uma classe social mais privilegiada277.
Avançando na história da civilização, uma nova forma de organização
social foi estruturada com base na hierarquia entre as classes sociais. A
participação política dos indivíduos foi suprimida, pois “as questões relativas à
política, cederam lugar e espaço à preocupação com outras questões, como
por exemplo, o plano religioso”278.
O exercício da Cidadania era suprimido à medida que não
compatibilizava com a configuração social, econômica, religiosa e cultural do
período. Havia desigualdade, pobreza, miséria, doenças, e a divisão da
sociedade em classes acirrava estas diferenças. A racionalidade ficou em
segundo plano, para prevalecimentos de concepções religiosas. Não havia
Democracia, participação e muito menos, o exercício de direitos.
Durante o período medieval, a política voltou-se à figura religiosa. A
instituição da Igreja, como autoridade legítima, rechaçou a possibilidade do
exercício de direitos, à medida que ser cidadão implicava diretamente em ser
cristão, desde que tivesse poder e riqueza. Estas pessoas pertenciam ao clero
e a nobreza, sendo que o restante da comunidade, submetia-se aos desígnios
divinos.
À época, o que se pregava era a igualdade entre as pessoas. Todos são
iguais perante Deus e este, representava o poder supremo, não havendo
possibilidade de o Homem governar ou impor-se ao próprio Homem. O
pensamento, no entanto, não correspondia à realidade. Não havia igualdade e
os privilégios políticos eram direcionados a determinada classe social. Em
277 Dallai exlica que: “[...] os romanos livres tinham cidadania ; eram, portanto, cidadãos, mas
nem todos podiam ocupar os cargos políticos, como o de senador ou o de magistrado, nem os mais altos cargos administrativos. Fazia-se uma distinção entre cidadania e cidadania ativa. Só os cidadãos ativos tinham direito de participar das atividades politicas e de ocupar os mais altos postos da Administração Pública. DALLARI, Dalmo de Abreu. A cidadania e sua história. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/historia.htm>. Acesso em 01 de junho de 2015.
278 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. p. 43.
100
relação à Cidadania, esta se resumia da seguinte forma: o homem livre era
considerado cidadão, mas não exercia a sua Cidadania.
Pouco a pouco, as comunidades medievais transformaram-se em burgos
e os aglomerados sociais deram início as cidades modernas. Praticava-se o
comércio de forma de mais intensa, a população aumentou, houve autonomia
para a mobilidade humana. As descobertas nas áreas da ciência, como
química, física, biologia e medicina, impulsionaram a qualidade da vida. A
Educação foi fomentada com o surgimento das primeiras universidades e o
conhecimento passou a ser disseminado.
O enfraquecimento do poder supremo, a Igreja, causou uma
transformação social definitiva. No contexto de rupturas, a ideia de Cidadania
aflorou-se novamente, em uma sociedade agora reconfigurada. O indivíduo
clamava por ideais de liberdade, igualdade e autonomia, ao passo que a
Democracia e a liberdade eram condições necessárias para conter o abuso dos
monarcas. Movimentos como o Liberalismo, o Iluminismo e o capitalismo, como
novo modelo de produção, estimularam uma nova visão de mundo.
Esse novo momento possibilitou a luta pelo reconhecimento de direitos e
não somente de deveres do indivíduo. Como o estado de natureza é um
modelo insustentável à Humanidade, Hobbes279 explica que o cidadão, nesse
momento, é aquele que se submete ao soberano, exercício limitado da vontade
e da liberdade, subordina-se em troca de proteção.
Contudo, foi nos séculos XVII e XVIII na Europa que as revoluções
burguesas280 mudaram o destino da Humanidade para sempre.
Das revoluções liberais, iniciadas pelo poder econômico da burguesia, a
Revolução Francesa foi a mais importante. A tríade Liberdade, Igualdade e
Fraternidade possibilitou a ascensão dos direitos por meio da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1798). A partir desse momento281, o homem
não era somente um indivíduo, mas sim, sujeito de direitos, em patamar de
igualdade positivados na Declaração. Conforme Dallari:
279 HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 32. 280 Principais revoluções: Inglesa (final do século XVII), Americana e Francesa (ambas no
século XVIII). 281 Desejava-se um modo de viver que brotasse de dentro de cada indivíduo e não como algo
imposto a eles de fora. MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 62.
101
[...] esse movimento foi muito importante porque influiu para que grande parte do mundo adotasse o novo modelo de sociedade, criado em consequência da Revolução. Foi nesse momento e nesse ambiente que nasceu a moderna concepção de cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação de privilégios, mas que, pouco depois, foi utilizada exatamente para garantir a superioridade de novos privilegiados282.
Para Marshall, foi nesse momento que houve “um interesse crescente
pela igualdade como um princípio de justiça social e uma consciência do fato
que o reconhecimento formal de uma capacidade igual no que diz respeito aos
direitos” 283. E ressalta afirmando que “cidadania é um status concebido
àqueles membros integrais de uma comunidade” 284.
As drásticas transformações politicas, sociais e culturais da época
culminaram na Declaração, que se redimensionou o conceito de cidadão,
sendo este aquele capaz de atuar no espaço público, na Democracia,
participando dos rumos políticos por meio da representatividade, da
elegibilidade e dos demais direitos políticos. Cabe salientar que:
No ano de 1791 os líderes da Revolução Francesa, reunidos em assembleia, aprovaram a primeira Constituição francesa e aí estabeleceram regras que deformavam totalmente a ideia de cidadania. Recuperando a antiga diferenciação romana entre cidadania e cidadania ativa, os membros da assembleia e os legisladores que vieram depois estabeleceram que para ter participação na vida política, votando e recebendo mandato e ocupando cargos elevados na administração pública, não bastava ser cidadão. E dispuseram que para ter cidadania ativa eram necessários certos requisitos285.
Percebe-se que a Cidadania, nesse contexto histórico, era formalmente
admitida, mas materialmente não se sustentava, devido ao tratamento
conferido as mulheres, estrangeiros, pobres e escravos286. Era, em verdade,
um status que garantia direito político para indivíduos determinados, e estava
ligada a nacionalidade para gozo destas condições.
282 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 2004, p.
19. 283 MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. p. 83. 284 MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. p. 62. 285 DALLARI, Dalmo de Abreu. A cidadania e sua história. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/historia.htm. Acesso em 01 de junho de 2015. 286 Somente no Século XVIII, as mulheres passaram a ser titulares de direitos políticos, bem
como aqueles que não tinham uma situação financeira abastada.
102
Todavia, destaca-se que, em 1793, o artigo 4º da Constituição Jacobina
instituiu que todo estrangeiro adulto, residente há um ano na França, possui o
direito de ali permanecer e de gozar da Cidadania ativa. Era a primeira
manifestação que definia estrangeiros e população nativa com direitos e
deveres iguais287.
A Revolução Industrial e o capitalismo foram responsáveis por uma nova
forma de vida humana. A categoria de cidadão adquiriu uma nova perspectiva,
liberal e igualitária, sendo que a participação do Homem nos rumos políticos
era apenas uma das facetas da condição de ser cidadão. Nesse ponto, cabe
destacar que:
A partir da Constituição Francesa de 1791 foi introduzida uma diferenciação entre “cidadania” e “cidadania ativa”, também de origem romana, que acabou dando à cidadania um conteúdo de classe, claramente discriminatório. Um dado muito expressivo, suficiente para comprovar a possibilidade de manipulação da cidadania, é a constatação de que o direito de participar da vida política, elegendo e sendo eleito, ficou reservado apenas aos cidadãos. E as condições de cidadão, por sua vez, foi reservada às pessoas do sexo masculino que tivessem uma renda mínima anual288.
Com estímulo do movimento iluminista, no outro lado do oceano, ainda
em 1776, a Revolução Americana, com a América independente, traduziu a
ideia de Cidadania vinculada a um rol de direitos individuais, como vida,
liberdade, igualdade, dentre outros.
Com o advento das Constituições Modernas é que a Cidadania adquiriu
uma nova condição. Um novo modelo de organização social foi possível, com a
Revolução Industrial e com a ascensão econômica de cidadãos por meio do
trabalho. Esse processo, liderado pela burguesia, resultou na reivindicação
destes em participar de forma ativa nas decisões politicas, e não somente o
direito ao sufrágio universal.
As consequências destes fatos históricos foi a promulgação das
Constituições Modernas, já no final do século XIX, voltadas para tutela dos
direitos dos cidadãos. Os Estados Nacionais promulgam Constituições que
287 HABERMAS, Jurgen. Cidadania e identidade nacional (1990). In: Direito e Democracia:
entre facticidade e validade. Tradução de Flávio B. Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. V. II, p. 299-305, p. 298.
288 DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado de Direito e cidadania. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Wiliis Santiago. Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 198.
103
tutelam os direitos civis políticos e sociais, como a Constituição Mexicana e a
Alemã, por exemplo.
Vieira destaca que “[...] a Cidadania foi concedida a restritos grupos de
elite – homens ricos de Atenas e barões ingleses do século XIII – e
posteriormente estendida a uma grande porção dos residentes de um país” 289.
Percebe-se que a qualidade de cidadão não era dotada a todos, de forma
indiscriminada. Havia particularidades que diferenciavam umas pessoas de
outra, geralmente ligada ao poderio econômico e social. Contudo, essa
concepção se modificou. O mesmo autor destaca que:
A República Moderna não inventou o conceito de cidadania, que, na verdade, se origina na República Antiga. A cidadania em Roma, por exemplo, é um estatuto unitário pelo qual todos os cidadãos são iguais em direitos. Direitos de estado civil, de residência, de sufrágio, de matrimônio, de herança, de acesso à justiça, enfim, todos os direitos individuais que permitem acesso ao direito civil. Ser cidadão é, portanto, ser membro de pleno direito da cidade, seus direitos civis são plenamente direitos individuais. Mas ser cidadão é também ter acesso à decisão política, ser um possível governante, um homem político. Esse tem direito não apenas a eleger representantes, mas a participar diretamente na condução dos negócios da cidade290.
Assim, a Cidadania civil corresponde ao conjunto das liberdades
individuais, em patamar de igualdade jurídica e compreende o direito a
liberdade desde as revoluções burguesas no século XVIII. A Cidadania política
representa o exercício do poder e o direito de participação no exercício do
poder político, traduzido pela expressão “votar e ser votado”. A Cidadania
social guarda ligação com os Direitos Fundamentais pois corresponde ao
conjunto de garantias mínimas de bem-estar econômico e social, traduzindo as
novas exigências e os novos valores instituídos no século XX. Por esta razão,
ser cidadão enseja a realização das mais variadas dimensões de direito. Nesta
perspectiva, conforme Pinsky:
Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar do destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao
289 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio de
Janeiro: Record, 2001, p. 34/35. 290 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 27.
104
salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais291.
Observa-se que conceito moderno de Cidadania se originou a partir das
lutas e conquistas burguesas, com a queda do absolutismo e com o advento do
Estado de Direito. Direitos civis também surgiram neste contexto de ruptura, e,
com o passar do tempo, adquiriram status de Direitos Humanos Fundamentais.
A atuação e participação política ativa do cidadão nas decisões políticas
do Estado guardam relação com os Direitos Humanos Fundamentais porque as
categorias caminham lado a lado, ou seja, possuem como pressuposto a
condição de ser humano. Por este motivo, Cidadania e Direitos Humanos
Fundamentais necessitam uma apreciação conjunta para o desvelo de seus
significados.
O Homem, por possuir direitos inerentes à sua natureza, de caráter
irrevogável, imprescritível, inalienável e universal, necessita de um “mínimo
existencial” que está ligado à Cidadania. Araújo esclarece que “o homem,
liberto do jugo do Poder Público, reclama agora uma nova forma de proteção
de suas dignidades, como seja, a satisfação das necessidades mínimas para
que se tenha dignidade” 292. Entretanto, como o cidadão irá exercer suas
liberdades e direitos políticos se lhe falta o básico para viver? É o Estado
Democrático de Direito o responsável por garantir uma vida digna a todos os
cidadãos, desempenhando um papel fundamental no que diz respeito à
realização de direitos como educação, trabalho, moradia, saúde, dentre outros.
Para Barreto:
A cidadania está intimamente vinculada ao processo em devir dos Direitos Humanos que consolidou a sociedade na modernidade. O conceito de cidadania surgiu ligado a um ente estatal no século XVIII; seu exercício e realização se fizeram sob a tutela do Estado nacional. Porém, considerando a atual forma de sociedade, a cidadania afirma-se pelo envolvimento do cidadão nos movimentos sociais, nos mais diversos, no âmbito da emergente sociedade civil e esfera pública
transnacional que se vai construindo no mundo globalizado293.
291 PINSKY, Jaime; PINKY, Carla B. (orgs.). História da Cidadania. 3.ed . São Paulo:
Contexto, 2005, p. 9. 292 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9
ed. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 115. 293 BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia política. p. 96.
105
O ambiente democrático é capaz de fornecer uma estrutura na qual a
realização da soberania popular seja efetiva. Os Direitos Humanos
Fundamentais confrontam os abusos na relação entre cidadão e Estado. Por
este motivo, enfatiza-se que a Cidadania é o vetor para o exercício dos Direitos
Humanos Fundamentais. Por outro lado, a Cidadania é um conceito passível
de ampliação devido à passagem do tempo e também aos acontecimentos
históricos decorrentes do processo civilizatório. A partir da ampliação do
conceito da categoria e sua relação com os Direitos Humanos Fundamentais,
restrições não vingam. A ideia de Cidadania é uma ideia que se refere aos
Direitos Humanos, uma vez que sua história e se confunde com a história de
lutas e de libertação do Homem. Sobre o tema, salienta-se:
Esse caráter pluralista da construção de um novo conceito de cidadania, pautado na efetivação dos direitos humanos, encontra na sociedade contemporânea, mormente na brasileira, quiçá por seu caráter semiperiférico, materialização através de inúmeras formas de organizações, mobilização e luta política294.
As conquistas das lutas burguesas, que originaram a Declaração dos
Direitos do Homem, na França, Inglaterra e Estados Unidos, estabeleceram o
conceito de Cidadania, na modernidade. Se anteriormente, o princípio da
legitimidade baseava-se nos deveres dos súditos, a partir desses
acontecimentos, passava a basear-se nos direitos do cidadão295.
O exercício da Cidadania é um conceito de construção permanente, pois
representa uma das conquistas do processo civilizatório humano e por isso, vai
modificando sua conceituação296 e seu alcance com o passar o tempo e com o
desenvolvimento da história, a citar a Segunda Guerra Mundial, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948) e o surgimento do Estado de Bem-
Estar Social, como expressão máxima dos direitos sociais e de parâmetros
principio-lógicos mais coletivos e igualitários.
294 CÉSAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EDUFMT, 2002, p. 45. 295 BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 3. 296 A esse respeito, Bolognino destaca que “La cittadinanza, e la tenzione al suo acquisto, non
può, dunque, resolversi in uma mera rivendicazione di diritti. La cittadinanza deve, invece, portare all’integrazione e alle responsabilità comuni. Questo obietto piò esse perseguito com l’amazione di um processo continuo di integrazione, ache attraverso esperienze partecipative, che consenta di sviluppare sai la dimensione personale dei diretti, sai la dimensione solidale e responsabile dei doveri”. BOLOGNINO, Daniel. Le nuove fronteire della cittadinanza sociale. In: Democrazia Partecipativa e Nuove Pospettive della Cittadinanza. MARTIN, Gian Candido de, e BOLOGNINO, Daniela. CEDAM: Milano, 2010, p. 95.
106
Segundo orientação generalizada desde o início do século XIX, só é cidadão aquele que preenche os requisitos fixados em lei para garantir tal categoria, e os próprios direitos de cidadania forma estritamente indicados em lei [...] Deve-se continuar falando em cidadania, porque é um conceito útil, ligado às ideias de liberdade e igualdade dos seres humanos e de plenitude na aquisição e no gozo dos direitos, sobretudo daqueles que interessam à coletividade; mas sem perder de vista que enquanto houver pessoas excluídas da cidadania não poderá existir sociedade democrática. Defenda-se a pessoa humana, e o cidadão estará sendo defendido297.
Por este motivo, a categoria Cidadania não se articula no campo da
pessoalidade, mas sim, só pode ter seus significados desvelados se for
vivenciada em Sociedade, cotidianamente, pois Cidadania pressupõe o Outro.
Nesse ponto, não se trata de considerar a Cidadania como categoria imutável.
Ela na verdade representa o resultado de transformações, evolução de direitos
e deveres, em cada época. Isso se perpetua no tempo. Para Bobbio:
[...] ainda que fossem necessários, os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o processo da capacidade do homem de dominar a natureza e outros homem – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder298.
Conforme estas linhas, o conceito de Cidadania, inicialmente, teve um
caráter de vinculação a um Estado. Entretanto, com as mudanças sociais, a
Globalização e a Transnacionalidade a Cidadania passa a ser encarada com
características mais vastas. Sob esse argumento, Braga explica que a
Cidadania:
[...] pode ser definida como um conjunto de direitos que podem ser agrupados em três elementos: o civil, o político e o social, os quais não surgiram simultaneamente, mas sim, sucessivamente, desde o século XVIII até o século XX. O elemento civil é composto daqueles direitos relativos à liberdade individual: o direito de ir e vir, a liberdade de imprensa e de pensamento, o discutido direito à propriedade, em suma, o direito a justiça (que deve ser igual para todos). O elemento político compreende o direito de exercer o poder político, mesmo indiretamente como eleitor. O elemento social compreende tanto o direito a um padrão mínimo de bem-estar econômico e segurança, quanto o direito de acesso aos bens culturais e à chamada “vida
297 DALLARI, Dalmo de Abreu. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Wiliis Santiago.
Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. p. 198/199. 298 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 26.
107
civilizada”, ou seja, é o direito não só ao bem-estar material, mas ao cultural299.
Na revisão histórica desta pesquisa sobre Cidadania, observa-se que
conceito moderno da categoria se originou a partir das lutas e conquistas
burguesas, com a queda do absolutismo e com o advento do Estado de Direito.
Para Ruiz Miguel:
[...] frente a la ciudadanía como identificación de unas personas que exige la exclusión de otras, los derechos sólo se vienen proclamando como universales (digo ‘proclamando’, no necesariamente respetando) desde las revoluciones liberales300.
Cidadania é a condição de um indivíduo que vive em sociedade livre.
Para que essa seja efetivada, é necessária a existência prévia de uma ordem
política democrática, capaz de garantir o exercício destas liberdades301. Por
esse motivo é necessária uma aproximação entre Diretos Humanos
Fundamentais e a Cidadania. Ambas são elementos sociais imprescindíveis e
que se completam, à medida que: os Direitos Humanos Fundamentais
oportunizam o exercício da Cidadania e, no contexto contemporâneo, Direitos
Humanos Fundamentais e Cidadania dependem diretamente uma da outra
para sua concretização.
Na atualidade, enfrenta-se um novo cenário em relação ao exercício da
Cidadania. As características da Cidadania de hoje representam uma
possibilidade de exercício mais abrangente. É status social que se expressa na
capacidade do Homem em participar plenamente da vida política, econômica e
cultural. Contudo, diante de uma Sociedade transnacional e globalizada, o
alcance da categoria passa a ser global.
Admite-se hoje, de forma pacífica, uma Cidadania voltada para a Ética e
para a Responsabilidade em relação aos desafios ambientais deste momento.
Essa condição enseja a realização de direitos individuais e coletivos, mas
299 BRAGA, Roberto. Qualidade de vida urbana e cidadania. Território e cidadania, UNESP,
Rio Claro, n.2, julho/dezembro, 2002, p. 2. 300 RUIZ MIGUEL, Alfonso. Ciudadanía y derechos. In: ÁLVAREZ GÁLVEZ, Iñigo et al. Teoría
de la justicia y derechos fundamentales. Estudios en homenaje al profesor Gregorio Peces-Barba. Madrid: Dykinson, 2008. v. III, p. 1121-1140, p. 1121.
301 PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa. Cuadernos de Filosofia del Derecho. p. 162.
108
também requere a Responsabilidade pelos deveres individuais e coletivos que
a demanda ambiental impõe.
Como a Cidadania extrapolou o vínculo do Estado-nação e não está
adstrita, somente, aos direitos de personalidade, uma nova configuração pode
ser visualizada, pois não se considera somente a individualidade do ser, mas,
sim, um conjunto social que enseja o vínculo de pertença e de reconhecimento,
uns com os outros. A categoria passou de uma relação verticalizada (indivíduo
e Estado-nação) para uma perspectiva horizontal, que compreende a relação
do indivíduo com o meio em que ele vive. Por este motivo, o conteúdo jurídico
da Cidadania está redimensionado e em constante construção.
Se, no passado, a Cidadania correspondia somente ao vínculo de
pertencimento entre indivíduo e Estado-nação, hoje esta condição está
alargada, frente aos desafios do cotidiano e aos novos estilos de vida
contemporâneos. A retomada histórica é importante para que se compreendam
os caminhos que foram galgados para que status de cidadão possa, hoje, ser
redimensionado. Em uma perspectiva pós-moderna, não se pode conceber um
“direito de olhos fechados” 302.
Como o exercício de direitos e deveres são permanentemente
maturados, assim como os Direitos Fundamentais, os novos cenários ensejam
novas abordagens legais e jurídicas a respeito da Cidadania. Como o
paradigma moderno é a Sustentabilidade, é certo que a Cidadania precisa
encontrar seu alcance nesse sentido. Assim, no cotejo entre Sustentabilidade e
Cidadania, a questão ambiental é o pilar de sustentação contemporaneidade.
Não se exclui os contornos sociais, políticos e jurídicos da Cidadania, mas
reconhece-se que esta adquire novos contornos em razão da realidade global
que hoje se apresenta.
Nesta configuração de mundo, o cidadão é fundamental na construção
de uma sociedade sustentável. É o ator social responsável pelo seu próprio
desenvolvimento, pela sua evolução, pelos rumos, pelo destino de sua espécie.
Para Comparato:
302 CUNHA, Paulo Ferreira. Constituição viva: cidadania e direitos humanos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 61.
109
A nova cidadania comporta, pois, duas dimensões: uma universal e a outra nacional. Todo homem é, doravante, protegido em seus direitos naturais, independentemente de sua nacionalidade; mas somente os nacionais são titulares de direitos políticos [...] o passo seguinte na constituição dessa cidadania universal, consiste, sem duvida, no reconhecimento da legitimidade ativa de pessoas privadas para a defesa dos direitos humanos de terceira geração, isto é, os que tem por objeto bens ou interesses de natureza transnacional. Esse direcionamento tem-se feito sentir, sobretudo, em matéria de proteção ao meio ambiente. Na Conferência das Nações Unidas sobre Ecologia, realizada neste ano de 1992 no Rio de Janeiro, a presença maciça de organizações não governamentais de dezenas de países muito contribui para fazer chegar às delegações oficiais o clamor da opinião publica mundial, sobre a necessidade e urgência de proteção do patrimônio ecológico de toda a humanidade303.
O alcance alargado do conceito de Cidadania, garante sua titularidade e
o seu exercício, mas não apenas em um espaço geográfico determinado, e
sim, em uma dimensão planetária. Sustentar uma Cidadania universal, nesse
ponto, não se trata de uma utopia, mas de uma realidade já experimentada
pela formação de blocos políticos, sociais e econômicos ao redor do mundo.
Em integração, coesão e unidade, estas perspectivas possibilitam um viés da
Cidadania ampliada, com enfoque ecológico, que não se limita ao Estado-
nação, mas sim, ao conjunto de países que se unem pelos mesmos objetivos.
A dimensão de Cidadania, voltada á questão ambiental, é uma categoria
político-jurídica que abarca direitos e deveres direcionados a todos os
cidadãos, em uma condição global. O modelo tradicional de Cidadania não
possui um alcance ecológico de forma específica. O que se propõe é uma nova
perspectiva de justiça, como pressuposto para preservação de todas as formas
de vida. Trata-se de um compromisso que compreende a Sustentabilidade em
todas as suas dimensões e requer a participação política de indivíduos
redirecionados em relação às suas Responsabilidades globais, que são
urgentes.
303 COMPARATO, Fábio Konder. A nova cidadania. In: Lua Nova: Revista de Cultura e
Política. São Paulo: Abril, nº 28-29, 199. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451993000100005&script=sci_arttext>. Acesso em 01 de junho de 2015.
110
2.3.2 A Categoria Cidadania na Constituição Federal de 1988
Considera-se a relação jurídica entre o indivíduo e o Estado, bem como
a existência de direitos e dever, como uma via de mão dupla capaz de
assegurar os direitos e garantias dos cidadãos desde que estes também
cumpram com seu dever de Cidadania. Sob esse argumento, a Constituição
Federal de 1988 consagra, em vários de seus dispositivos, os elementos
Cidadania e cidadão304, e no seu artigo 1º preconiza:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania, III - a dignidade da pessoa humana, IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição305.
Essas categorias são entendidas como a consciência de participação
dos indivíduos na vida da Sociedade e do Estado. Devem participar, em
igualdade de direitos e obrigações, da construção da convivência coletiva, com
base num sentimento ético comum capaz de torná-los partícipes no processo
do poder e garantir-lhes o acesso ao espaço público.
Em relação à Cidadania, como já mencionado no ponto anterior deste
Capítulo, afirma-se que esta possui uma conceituação que não é taxativa, à
medida que se transforma para tutelar outros direitos e conferir outros deveres
cívicos estabelecidos pelo Estado, com a passagem do tempo e as
transformações sociais.
Estes direitos e garantias foram implementados em 1988, período
marcado pela democratização do país e pela promulgação da Constituição
Federal. Essa nova perspectiva em relação aos direitos dos cidadãos resultou
308 Considera-se ultrapassado o conceito de cidadão de Quintana, que o define como morador
da cidade, o natural e habitante das cidades antigas ou Estados modernos, que é sujeito de direitos políticos e que, ao exerce-los, intervém no governo do país. QUINTANA, Juan Blasco. Dicionário de ciência social. Rio de Janeiro: FGV, 1986, p. 177.
309 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 3 de maio de 2015.
111
em uma nova concepção de Cidadania, Democracia e exercício dos direitos,
diante de uma emancipação humana no exercício das ações participativas da
vida privada e, também, da comunidade. As relações entre o indivíduo e o
Estado são reguladas pelas normas jurídicas e o papel exercido pelo Direito
merece destaque. Permite que as “regras do jogo” sejam delimitadas, no
tocante aos direitos e aos deveres do cidadão, viabilizando a participação
democrática nas esferas de poder.
O conceito de cidadania, configurado no âmbito do saber jurídico-constitucional dominante no Brasil, freqüentemente peca pela limitação, posto estar calcado em concepções nitidamente liberais, embevecidas na idéia de democracia formal representativa, que o vinculam à nacionalidade, restringindo o seu exercício ao direito de votar e ser votado e à faculdade de ocupar cargos públicos. No entanto, a práxis da cidadania não se limita ao instante periódico do voto, ela está profundamente vinculada à concretização dos direitos fundamentais e ao exercício democrático306.
Na Constituição Federal, adotam-se dois modelos de Cidadania
principais. Um deles diz respeito à titularidade de direitos políticos ativos, ou
seja, a participação do indivíduo nos rumos políticos307 do país. Conforme
explica Bulos, os direitos políticos do cidadão, na perspectiva constitucional:
[...] se desdobram e várias espécies, as quais buscam assegurar a participação do povo no processo político eleitoral. Tais espécies são as seguintes: direito de voto nas eleições, nos plebiscitos e referendos; direito de iniciativa popular; direito de ajuizar ação popular, direito de organizar partidos políticos308.
Essa condição, presente na Constituição desde 1824, diz respeito ainda
ao direito ao voto como mecanismo de participação e à capacidade eleitoral,
conforme o seguinte artigo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
306 MELO, Milena Petters. Cidadania e direitos humanos: uma nova praxis a partir da
ordem constitucional de 1988. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: junho, 1999, p. 78.
307 Para romanos e franceses, esta participação correspondia à cidadania ativa. 308 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 490.
112
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.309
Nota-se que a definição denota a condição de cidadão àqueles capazes
de exercer os direitos políticos, por meio da Ação Popular310 e demais
mecanismos de participação, sendo excluídos da categoria os que não
possuem essa condição. Nesta perspectiva, o conceito de Cidadania é
reduzido ao exercício dos direitos políticos dos indivíduos. Ocorre que a
Cidadania não está condicionada apenas a essa situação, como ator principal
na promoção da justiça social por meio da tomada de decisão acerca dos
rumos políticos do país. Esse é apenas um dos enfoques da categoria
Cidadania.
Embora este seja o pensamento de muitos autores311, há outra forma de
contemplar a Cidadania na Constituição de 1988: pelo viés da Dignidade da
Pessoa Humana, ou seja, diz respeito aos direitos humanos fundamentais. Isso
quer dizer que, ainda que o indivíduo não preencha os requisitos formais de
exigibilidade para capacidade eleitoral ativa ou passiva, são considerados
cidadãos. Por isso, esta espécie de Cidadania que está presente na
Constituição, denota um alcance considerável, à medida que não faz distinção
entre as pessoas. Isso significa que qualquer indivíduo312 que esteja no Brasil,
309 Grifos nossos. 314 Segundo o artigo 1º da Lei nº 4717 de 1965, qualquer cidadão será parte legítima para
pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. BRASIL, Lei de Ação Popular. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L4717.htm>. Acesso em: 02 de jun. de 2015.
315 Á citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que conceitua a cidadania como um estágio acrescido de direitos políticos, ou seja, o poder de participar do processo governamental, sobretudo pelo voto. Tomando como base esse conceito, entende-se que a cidadania tem por conteúdo a nacionalidade, somada ao gozo dos direitos políticos. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: 1983, p. 105.
316 Isso inclui domiciliados ou não, homem, mulher, criança, adolescente, nacional ou estrangeiro.
113
é digno de receber um tratamento em consonância com os direitos humanos
fundamentais. Essa condição traduz a expressão democrática, contida no
Estado de Direito Brasileiro.
Por este motivo, os direitos humanos fundamentais possuem alcance
universal e todos os seres humanos são considerados cidadãos pelo simples
fato de seres humanos. Não importa, nesta ótica, qual o gênero, a cor, a
religião, a nacionalidade313, a raça, dentre outros. Ou seja: o cidadão é titular
da Cidadania na perspectiva nacional, por força constitucional, e também
universal, por força da ratificação de Declarações Universais neste sentido. Já
a Cidadania é a qualidade de ser eleitor, sem sentido estrito e, em sentido
amplo, é a inserção da pessoa na sociedade a que pertence, incluindo o
vínculo de direitos e deveres com o Estado314. Não se pode restringir a
Cidadania ao exercício somente aos direitos políticos, e à capacidade de votar
e ser votado, pois cidadão e eleitor são elementos distintos.
Por certo, as definições jurídicas trazidas nestas linhas são relevantes
em relação à eficácia e a normatividade dos preceitos constitucionais, mas o
que percebe, concomitantemente às estas definições é que, na atualidade, a
Cidadania extrapola conceitos limitados. A Cidadania é uma categoria
multifacetada, que diz respeito à direitos e deveres perante os outros cidadãos
e perante o meio em que se vive. Esse novo entendimento jurídico só é
possível diante da postura do Brasil em ser signatário de documentos
internacionais que viabilizam essa condição. Além disso, o fenômeno da
Globalização315 e da Transnacionalidade316 contribuíram para essa redefinição.
317 A criação de um status político, jurídico e social direcionado para um grupo de pessoas, aos
poucos, perde seu significado diante dos movimentos sociais os quais reivindicam maior grau de proximidade entre todos. A nacionalidade determina segregação e, muitas vezes, a incapacidade de reconhecer o Outro como semelhante. Privilegia-se, por meio da Cidadania e nacionalidade, uma postura exagerada do ego coletivo. Cria-se uma atitude fundamentada no egocentrismo. FARIAS, Dóris Ghilardi; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino. O Devir da Cidadania Mundial e sua Engenharia Social no Século XXI: Reflexões. In: Cadernos Zygmunt Bauman. Vol. 3. Num.5. 2013, p. 19. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/bauman/article/view/1696/1348>. Acesso em 02/06/2015.
314 ALMEIDA, Guilherme Assis de; APOLINÁRIO, Silvia Menicucci de Oliveira Selmi. Direitos humanos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 72.
315 Para Levi, “[...] la globalizzazione è um processo storico contraddittorio che, considerato sotto il profilo dell’evoluzione del modo di produrre, coincide com la direzione di marcia della storia. È um processo che deve essere governato dalla politica, la quale può sottorpolo ala programmazione umana, indirizzandolo verso la construzione di nuove iù elevate forme di convivenza politica”. LEVI, Lucio. Crisi dello Stato e Governo del Mondo. G.Giappichelli Editore: Torino, 2005. p. 303.
114
Ao considerar o conceito de Cidadania a partir da realidade brasileira,
percebe-se que se trata de um elemento político que está presente na
Constituição Federal de 1988 que sofreu, durante o processo civilizatório,
alterações no tocante à sua conceituação. A categoria está ligada à liberdade,
à conquista do voto, à participação no processo democrático e no jogo político
do Estado, além do reconhecimento de um ser humano no outro, à vivência
digna dos sujeitos no mesmo tempo e espaço. O significado do conceito de
Cidadania, bem como seu exercício, envolve um contexto amplo que precisa
ser considerado para seu entendimento, esclarecimento e efetivação.
Atualmente, o significado de Cidadania vai além da máxima “o direito a
ter direitos” – como Arendt já advertiu317 -, pois os cidadãos não possuem
apenas direitos, mas, também, deveres. O exercício da Cidadania enseja
Responsabilidade, participação efetiva, consciência de voto, cumprimento das
disposições legais, controle da atividade governamental, interesse pelos rumos
sociais e exercício da Democracia318. Nessa linha de pensamento, a Cidadania
também “[...] refere-se à virtude cívica, que a sociedade civil pode fomentar na
esfera pública, para evitar os abusos estatais e do mercado e exercer o papel
de indivíduo atuante nesta esfera319”.
A partir destas reflexões, ser cidadão não constitui unicamente o
pertencimento do indivíduo ao Estado-nação ativa e passivamente, mas
316 Para Cruz, a Transnacionalidade é “[...] “um mundo novo”, uma espécie de continente não
investigado que se abre a uma terra de ninguém Transnacional, a um espaço intermediário entre o nacional e o local”. CRUZ, Paulo Márcio. Da Soberania à Transnacionalidade: democracia, direito e Estado no século XXI. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2011, p. 148.
317 Além de Arendt, Bolognino esclarece que o “[...] concetto di cittadinanza tradizionalmente è “diritto ad avere diritti”, ha subito delle transformazioni”. BOLOGNINO, Daniel. Le nuove fronteire della cittadinanza sociale. In: Democrazia Partecipativa e Nuove Pospettive della Cittadinanza. MARTIN, Gian Candido de, e BOLOGNINO, Daniela. CEDAM: Milano, 2010, p. 75.
322 “A Democracia é uma expressão oriunda do grego demos, "povo", e kratos, "autoridade". Significa, de maneira bastante clara, o governo do povo, para o povo, pelo povo. A partir de seu surgimento em Atenas, a Democracia passou por três grandes momentos históricos do pensamento político, concernentes às Teorias Clássica, Medieval e Moderna. Segundo Bobbio, “de acordo com a Teoria Clássica, a democracia é a forma de governo pela qual o poder é exercido por todos os cidadãos juridicamente assim considerados, contrapondo a monarquia e a aristocracia, regimes nos quais o governo incumbe, respectivamente, a um só e a poucos. A Teoria Medieval, de origem romana, acrescenta o elemento soberania ao poder do povo, que se torna representativo ou é derivado do poder do príncipe. Por fim, a Teoria Moderna, ou Teoria de Maquiavel, distingue as formas básicas de governo: a monarquia e a república, equiparando essa última à democracia”. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política.12. ed. Brasília: UnB, 2004. p.319.
323 LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010, p. 38.
115
estabelece especialmente obrigações e direitos concernentes à relação entre
cidadãos e Estado. Sob esta perspectiva, “os direitos e as obrigações de
Cidadania existem, portanto, quando o Estado valida as normas de Cidadania e
adota medidas para implementá-las” 320.
Percebe-se que há um ponto de intersecção entre Cidadania e
Sociedade Civil. Essa relação configura-se pela Responsabilidade assumida
por cada indivíduo de ser um ator social, capaz de modificar seu destino desde
que assuma seu papel importante de participação na vida pública defendendo
seus direitos e exercendo seus deveres. O ser humano como um ser ativo que
impulsiona as modificações da Sociedade a qual pertence é responsável por
assumir as características da Cidadania, que, assim como a sociedade,
também se renova.
Outro elemento que diz respeito tanto à Cidadania quanto à Constituição
Federal é o artigo 205 da Carta Maior, inserido no Capítulo que trata da Ordem
Social, ou seja, Educação, cultura e desporto. O dispositivo constitucional
possui os seguintes termos:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho321.
Percebe-se que ao referir-se ao exercício da Cidadania, o artigo também
define seu alcance a partir de uma perspectiva educacional. Representa o elo
de ligação entre a Educação e a Cidadania. Verifica-se que Educação
deficiente ou que falhar no processo de formação do ser humano, refletirá no
exercício da Cidadania e no contexto social sustentável, solidário e justo que se
almeja alcançar. Não se pode admitir a omissão da Educação nos processos
educativos formais e não-formais quando se trata das estratégias de ensino e
de esclarecimento da Cidadania. No cotejo entre Educação e Cidadania,
Ferreira expõe:
324 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 36. 321 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 3 de maio de 2015.
116
a) cidadão não é somente a pessoa maior de idade. A criança e o adolescente já se consideram como tal, a ponto de merecerem a proteção da lei e, também, a educação obrigatória; b) a educação que prepara para o exercício da cidadania é a ministrada pelo Estado, bem aquela oferecida pela família, com a colaboração da sociedade; c) a educação do Estado, como preparo ao exercício da cidadania, não se limita às crianças ou aos jovens, atingindo, também, os adultos que não tiveram acesso na idade própria; e, envolve todas as fases de ensino, englobando a Universidade, com especial atenção aquela responsável pela formação de novos educadores; d) a cidadania deve abranger a efetivação dos direitos civis, sociais e políticos; e) a educação não constitui cidadania, mas oferece elementos básicos para o seu exercício; f) a educação, a transmitir-se, não se resume ao simples modelo tradicional de ensinar, constituindo-se, de maneira especial, na transmissão de valores; g) cidadania requer prática de reinvindicação, com a ciência de que o interessado pode ser o agente destes direitos; h) o exercício da cidadania requer o conhecimento dos direitos e também dos deveres; i) cidadania implica sentimento comunitário, em processo de inclusão; j) a prática da cidadania apresenta-se como instrumento indispensável para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária322.
As considerações feitas até este ponto revelam que a Cidadania pode
ser entendida como um processo, haja vista que ela se realiza continuamente.
Nesse processo, ao cidadão implica uma continuidade no exercício de deveres
perante os demais e perante o Estado. Insiste-se: é necessário viabilizar a
plenitude da realização destes direitos. A plenitude do Homem somente é
possível se esta Cidadania encontrar espaço para seu exercício efetivo, de
forma direta ou ainda por meio da participação deste em associações, partidos
políticos, sindicatos, ONGs, movimentos sociais, entre outras.
Historicamente, a Cidadania fora entendida como a capacidade de cada
indivíduo em exercer seus direitos e deveres dentro dos limites territoriais de
um Estado-nação. Implicava em uma condição de pertença323 àquele Estado.
Porém, ficou evidenciado que o alcance da Cidadania não se exaure pela
participação social e política nos rumos políticos do país. Denota ligação com
os direitos de liberdade, de manifestação, de religião, e extrapola o conceito
fechado e imutável em que interesses públicos (e de bem-estar geral e de vida
e coletividade) e privados (autonomia do indivíduo) convergem.
O Estado-nação tende ao declínio de sua delimitação clássica,
transitando por um novo espaço de Cidadania, que vai além dos contornos do 326 FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o professor:
reflexos na sua formação e atuação. São Paulo: Cortez, 2008 , p. 100 e 101. 327 Por pertença a um Estado-nação entende-se o estabelecimento de uma personalidade em
um território geográfico. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 34.
117
Estado-nação. Trata-se de um espaço global em que “[...] a consagração
universal dos direitos humanos sublinha a transição da Cidadania vinculada
aos direitos individuais para Cidadania devida à pessoa universal” 324. O novo
conceito de Cidadania está interligado a estas mudanças325, bem como aos
direitos adquiridos historicamente pelo Homem, especialmente a Dignidade da
Pessoa, que é um vetor para o exercício da Cidadania.
Desde o surgimento de sua concepção universal, no Século XX, novos
valores são irradiados a partir desta, e, por este viés, o conteúdo jurídico da
condição de Cidadão adquire uma nova característica. Embora estes
esclarecimentos sejam fundamentais, no tempo presente, é preciso recordar
que tantos os direitos humanos fundamentais, tanto a Cidadania, são
elementos que estão em constante evolução e sendo permanentemente
construídos. Incorpora-se, em suas definições, os processos históricos e os
valores que são caros à sociedade.
Por esta razão, a Cidadania, nos dias de hoje, possui alcances muitos
mais vastos. Em consonância com os direitos de terceira326 e quarta dimensão,
a categoria necessita acompanhar a evolução de mundo para que seu
conteúdo jurídico não reste esvaziado e ultrapassado.
Para Comparato, uma medida importante para a constituição de uma
Cidadania universal consistiria no reconhecimento da legitimidade ativa de
pessoas privadas, na defesa dos direitos humanos da terceira geração, isto é,
aqueles que têm por objeto bens ou interesses de natureza transnacional,
como a manutenção do equilíbrio ecológico327. Nessa linha de pensamento,
Bobbio afirma que:
328 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 47. 325 Para Bolognino, “La cittadinanza tende, oggi, a configurarsi quale forma giuridica di uma
relacione sostanziale tra la persona e la comunitá: la cittadinzanda è una condizione sociale prima che giuridica”. BOLOGNINO, Daniel. Le nuove fronteire della cittadinanza sociale. In: Democrazia Partecipativa e Nuove Pospettive della Cittadinanza. MARTIN, Gian Candido de, e BOLOGNINO, Daniela. CEDAM: Milano, 2010, p. 94.
330 Para Bonavides, os direitos de terceira geração assentam-se sobre a fraternidade, e são dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, não se destinando especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado, mas tendo primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 523.
331 COMPARATO, Fábio Konder. A nova cidadania In: Lua Nova. p. 199.
118
[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas328.
Essa condição possibilita, a todo tempo, o surgimento de novos direitos
devido ao momento histórico vivido pela Sociedade, cujos Direitos
Fundamentais não são um catálogo taxativo e fechado, mas, sim, passível de
alteração e ampliação à medida das necessidades dos novos tempos329.
Fenômeno semelhante ocorre com o conceito de Cidadania. A alteração das
características da sociedade e do próprio Estado ensejam uma readaptação do
conceito, que, assim como os próprios direitos do Homem, também pode
renovar-se.
Com a inserção ecológica na matéria de Direitos Fundamentais, chama-
se atenção ao desenvolvimento de um modelo de Estado Socioambiental, a
medida que as ideologias sociais e a proteção ambiental já figuram como
elementos a somar no rol de direitos e garantias individuais do cidadão. Pela
condição humana e pelo princípio da Dignidade, há escopo para a formulação
de um constitucionalismo socioambiental na busca do bem-estar da
coletividade e da efetivação dos direitos humanos fundamentais que se
mesclam com a matéria ambiental. Ressalta-se:
[...] os direitos humanos e o meio ambiente estão inseparavelmente interligados. Sem direitos humanos, a proteção ambiental não poderia ter um cumprimento eficaz. Da mesma forma, sem a inclusão do meio ambiente, os direitos humanos correriam o perigo de perder a sua
332 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. p. 25. 329 Para Locchi, esse fenômeno fica evidenciado pela promulgação das Constituições
Democráticas do pós-guerra, que passaram a contemplar novos temas, incluindo o ambiental, diante da nova realidade social. Para a autora, “the movement “State towards society” has been deeply marked by two extraordinary events occurred in the 20th century.The first one is the adoption of democratic Constitutions after the Second World War. While liberal constitutions (in particular, the part dedicated to the Bill of Rights) were inspired by an individualistic conception, with an abstract individual as the unitary subject in the state of nature, the new constitutions reflect the (economic, social, cultural, religious) pluralism of states in the second half of the 20th century. Therefore, in addition to the protection of citizens against arbitrary power, democratic constitutions now deal with both persons and “intermediate communities” and recognize principles and rules on education, religion, economics, health, environment, work and property”. LOCCHI, Maria Chiara. Brief reflections on legal pluralism as a key paradigm of contemporary law in highly differentiated western societies. In: Revista Brasileira de Direito IMED, vol. 10. n.2. p. 74-84, 2014. ISSN 2238-0604, p. 81.
119
função central, qual seja a proteção da vida humana, do seu bem-estar e da sua integridade330.
A partir da perspectiva de direitos humanos interligados com a matéria
ecológica, Arnaud explica que a Sociedade é composta por cidadãos que se
distinguem de um grupo para outro, de uma cultura para outra, transcendem as
fronteiras dos países e fomentam uma “vizinhança global” 331. No mesmo
sentido, Cassese defende a ideia de uma ordem jurídica global, a partir de uma
condição transnacional332. Garcia, nos mesmos termos, utiliza-se de
Habermas, para explicar que, segundo este autor, faz-se necessária:
[...] a construção de novos espaços a partir da perspectiva de ampliação da esfera da influência da experiência das sociedades democráticas para além das fronteiras nacionais. [...]pelos caminhos de uma política interna voltada para o mundo em geral, ou seja, aberta a uma ordem jurídica cosmopolita, capaz de funcionar sem a estrutura de um governo mundial333.
A partir dessas transformações contemporâneas, fomenta-se uma
Cidadania em um âmbito que vai além do local, atingindo mais de um território
ou Estado. Estas são as características de um mundo de hoje e que não é
possível ignorar. A ressignificação da Cidadania enseja, na atualidade, um viés
global e planetário, fundamentado na ideia de direitos humanos em todas as
suas dimensões. Por ocasião destes fenômenos, demanda-se a revisitação de
alguns conceitos jurídicos, políticos, e sociais, como a Cidadania334. Nessa
linha de pensamento Pérez-Luño, leciona que:
330 BOLSSELMANN, Klaus; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos Humanos, Meio Ambiente
e Sustentabilidade. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 91.
334 ARNAUD, André-Jean. Governar Sem Fronteiras. Entre globalização e pós globalização. Crítica da Razão Jurídica. V. 2. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2007, p. 235.
332 Sobre a possibilidade de uma ordem jurídica global, Cassese explica que “La prima condizione della sua stessa esistenza e del suo funzionamento, è il tranznazionalismo. L’ordine giuridico globale, mente viene descrito normalmente come construito lungo linee vertical – dal livello nazionale a quello globale – è, invecce, di fato, construito innanzitutto da linee orizzontali, trà autorità nazionali e agenzie globali e tra agenzie globali. In altre parole, è um ordinamento fondato largamente sulla coperazione sai al livello interstatale, sia al livello globale in senso stretto”. CASSESE, Sabino. Oltre lo Stato. Bari/Roma: Laterza, 2006, p. 11.
333 GARCIA, Marcos Leite. Direitos fundamentais e transnacionalidade: um estudo preliminar. In: Direito e transnacionalidade. CRUZ, Paulo Márcio. STELZER, Joana. Curitiba: Juruá, 2011, p. 173.
334 Em verdade, para Aquino, é necessário também “[...] reorganizar os preceitos fundamentais de Estado, Direito e Política para se perceber os novos enlaces – teóricos e práticos – os quais permitem uma aproximação cultural maior”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Estado de Direito e Estado Constitucional: qual o devir de sua função social contemporânea
120
Las nuevas condiciones de ejercicio de los derechos humanos han determinados uma nueva forma de ser ciudadano em el Estado de Derecho de las sociedades tecnológicas, del mismo modo que el tránsito desde el Estado liberal al Estado social de Derecho configuro también formas diferentes de ejercitar la ciudadanía335.
Percebe-se que o autor aposta no surgimento de um novo Estado de
Direito, com novas formas de exercer a Cidadania e que caracterizará as
relações entre Estado e Cidadão no Século XXI, o que aos poucos já vem se
configurando. Os direitos de Cidadania devem ser universais, garantidos por lei
e estendidos a todos que afirmem igualdade e equilíbrio direitos e deveres,
dentro de determinados limites. A renovação do conceito de Cidadania ocorre,
pois hoje os cidadãos do mundo todo estão mais próximos. A ideia de
Cidadania ainda está adstrita a exercer direitos e deveres dentro de limites
territoriais, mas é certo que isso tende, cada vez mais, a relativizar-se, tanto
pelos fenômenos contemporâneos, quanto pela característica da categoria em
ser um processo em constante construção336.
A Cidadania precisa ser entendida como uma maneira de incorporar
indivíduos e grupos ao contexto social e não mais apenas como um conjunto
de direitos formais, em que seu exercício se limita ao Estado-nação. Por esta
razão, a Cidadania está redimensionada, pois suas características
modificaram-se. Com o advento da Globalização e da Transnacionalidade, o
próprio conceito de Estado e seu funcionamento demandam uma
redefinição337.
diante da globalização econômica? In: PASOLD, Cesar Luiz (org). Primeiros Ensaios de Teoria do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2010, p. 124/125.
338 PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. La tercera generación de los Derechos Humanos. Cizur Menor: Aranzadi, 2006, p. 35.
336 Para Mazzuoli, “a cidadania é um processo em constante construção, que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII – chamado Século das Luzes –, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval na busca da participação na sociedade. A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a ruptura com o ancien régime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de “cidadão”, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, a liberdade e a igualdade, contra qualquer atuação arbitrária do então Estado-coator. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação: do pós-segunda guerra à nova concepção introduzida pela Constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico, Salvador, Centro de atualização Jurídica, v. I, nº. 4, julho, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-VALERIO-MAZZUOLI.pdf>. Acesso em 11 de junho de 2015.
340 O Estado é uma forma de organização política que, na sociedade contemporânea, tem se encontrado exposto a fortes crises que estão afetando suas bases. O modelo de Estado
121
Para além das perspectivas de Cidadania preconizadas na Constituição
Federal, destaca-se as possibilidades daquela em relação à questão ambiental.
O exercício de uma Cidadania Ambiental desvela seus significados a partir das
ações individuais, mas só possui um alcance alargado quando se torna um
objetivo da coletividade.
Em comunidade, especialmente em nível local, é possível a definição de
estratégias para o futuro, o debate nas tomadas de decisões sobre a questão
ambiental, a eleição de representantes, a escolha das prioridades e de metas,
a reflexão sobre os modelos de consumo, a organização de uma agenda
ecológica, a promoção ao acesso as informações e a mecanismos de
atividades, dentre outros.
O processo civilizatório, estruturado pelo capitalismo, pela lucratividade,
pelo consumo desenfreado, pelo individualismo e pelo egoísmo tem causado
um efetivo nocivo e devastador, que resulta em danos ambientais graves nos
dias de hoje, e, que, diante do esgotamento do mundo natural, enseja debate,
reflexão e ação por parte dos cidadãos, pois a realidade é o “desenvolvimento
insustentável”.
Contudo, esta proposta vai além dos conceitos de Cidadania, modificada
pela história ou preconizados na Constituição. Diz respeito a uma Cidadania
surge ao final do feudalismo, na Europa ocidental. Todas as entidades políticas foram levadas à difundirem-se ao modelo estatal, que passou a ser a figura necessária da organização política. A adoção desta forma passou a ser, principalmente a partir do século XVIII, passaporte necessário para que se pudesse entrar na vida internacional. O Estado é elevado a sujeito de direito internacional e progressivamente se globalizou. Estes efeitos tendem a afetar o modelo de Estado tradicional, tornando obsoleta a concepção de soberania, redefinindo as funções do Estado. A ordem transnacional é criada por acordos entre Estados soberanos que tendem a se organizar num sistema mais amplo e que, de certa forma, restringem sua liberdade de ação. A ordem nacional clássica estava fundada sob a concepção de soberania, mas esta ordem então é colocada sob questionamentos, já que é reforçado o vínculo de interdependência entre os Estados, além do fim do monopólio estatal sobre as relações internacionais, pois as próprias sociedades hoje estão presentes na ordem internacional. Esta posição coloca os Estados sob o signo da complexidade e impõe aos Estados obrigações de diferentes naturezas, sendo que ainda precisam fazer acordos com atores que escapam a sua autoridade, tais como empresas internacionais, organizações não governamentais e redes transnacionais, por exemplo. Com a globalização e a ampliação das relações internacionais a pertinência do Estado como unidade política vem sendo colocada mais diretamente sob questionamentos. Está ocorrendo uma ampliação dos limites dos espaços nacionais e de regulação. Diante disso a regionalização tem aparecido como prolongamento lógico. Estes vínculos de interdependência é o que caracterizam este Estado pós-moderno. Esta característica não priva os Estados de suas margens de manobras, no entanto, modificam profundamente a concepção tradicional de Estado que era baseada na soberania. E este desmoronamento da soberania vem redefinindo as funções e a lógica da ação estatal. CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 23.
122
atuante, como pressuposto para a sociedade sustentável que se almeja
conquistar. Ações nesse sentido demandam um posicionamento ético que
inicia no plano individual e transcende para o coletivo. A legitimidade, nestes
termos, é do cidadão, na tarefa de, juntamente com o Poder Público,
concretizar o disposto no artigo 225 da Constituição, qual seja, o novo
paradigma da Sustentabilidade, que atue sobre o ambiente, no sentido de
colocá-lo como medida e fim de suas decisões338.
Nestes termos, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA) destaca o cidadão ambiental como o cidadão crítico e consciente que
compreende, se interessa, reclama e exige seus direitos ambientais e que, por
sua vez, está disposto a exercer sua própria Responsabilidade ambiental. Esta
perspectiva incentivada pelo organismo internacional exige em primeiro lugar,
um espaço de atuação democrático e, em segundo lugar, a liberdade, a
autonomia e a Solidariedade339 como pressupostos para o exercício pleno do
cidadão ambiental, consciente do seu papel no mundo.
A Natureza é bem comum de todos e, para que seja preservada, é
necessária uma Responsabilidade ética que seja capaz de unir e não de
segregar as pessoas. O fator de integração, neste desafio, eleva o nível de
comprometimento dos envolvidos, efetivando um caráter intercomunitário e
intergeracional, nos moldes que a Sustentabilidade se propõe, ou seja, uma
nova ordem mundial340.
341 CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito
Constitucional Ambiental Brasileiro 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 5. 339 Rodotà discorre a respeito das categorias Solidariedade e Cidadania. O autor italiano
explica que “[...] si può cogliere uma ulteriore e generale valenza del principio di solidarietà – l’essere riferimento fondativo del nuovo concetto di cittadinanza, intensa come l’insieme dei diritti che accompagnano la persona quale che dia il luogo dove essa si troca e ir cui riconoscimento è funzione appunto de uma logica solidale, che generalizza l’inclusione dell’altro raforzando lo stesso riferimento al principio di eguaglianza. Tema, questo, que emerge com chiarezza nella dimensione europea, non solo perché nel preambolo della Carta dei diritti fondamentali si afferma che l’Unione pone la persona al centro della sua azione, ma soprattutto perché vengono riconosciuti diritti anche a persone che non siano cittadini di uno dei paesi membri. Questa separazione tra cittadinanza e nazionalità impone di reprenderei l cammino verso “l’universalità della cittadinanza”, dalla cui realizzazione dipende la possibilità stessa di costruire um’Europa dei cittadini, e non solo di mercati, di non avere come unico riferimento il “Market citizen”, ma um citadino pienamente inserito in um flusso di relazioni solidali”. RODOTÀ, Stefano. Solidarità: un’utopia necessaria. Prima edizione. Editori Laterza. Bari-Italy. 2014. pág. 33.
343 No mundo atual globalizado e transnacional, questiona-se o momento vivido como o ideal de Democracia que, desde muito tempo, assim como nos dias atuais, deverá despertar a consciência de que a configuração da “Nova Ordem Mundial”, momento em que esta deverá desempenhar um papel importante diante dos problemas econômico, ambiental e, social,
123
A Cidadania Ambiental, proposta nesta pesquisa, insiste na ideia de que
as ações em relação à questão ambiental devem ser individuais e coletivas. É
no compartilhamento de Responsabilidades que se desvelam experiências
pautadas no sentimento de pertença, no respeito e na Sociabilidade. Em
Sociedade, a Cidadania Ambiental é um projeto direcionado a menores e
maiores, que conjugam ações políticas, sociais e pedagógicas voltadas a
Sustentabilidade.
No Brasil, a realidade ambiental é bastante diversificada. Há muitas
espécies de fauna e flora, de animais não humanos, de espécies raras e de
peculiaridades locais e regionais que demandam uma preocupação social. A
Cidadania Ambiental, como dever, representa um compromisso humano e não
somente inciativas dos agentes estatais com esta finalidade.
Por este motivo, a Cidadania Ambiental se traduz em ações articuladas,
e não em omissão ou passividade. Em conjunto, enfrenta-se a questão
ambiental que é grave e urgente por impulsos podem partir de ações
governamentais e políticas públicas, mas que se concretizam também a partir
de agentes sociais disseminados, preocupados com a questão do Meio
Ambiente. Essa consciência só pode ser conquistada por meio da Educação,
referida no Capítulo 2 desta pesquisa. O conhecimento adquirido resulta em
ações conjuntas que refletem no mundo todo. Ainda que as ações sejam em
âmbito local, a Cidadania ambiental possui uma dimensão planetária341.
As práticas educativas devem ser disseminadas considerando a
realidade aqui mencionada, e não se ater somente ao currículo formal, que, em
geral, dissemina o conhecimento acerca de questões pontuais, como animais
em extinção, a questão do lixo e dos demais resíduos sólidos, poluição e uso
incluindo-se os direitos fundamentais que, revela-se ora em desenvolvimento, ora em retrocesso, dependendo do contexto e momento que é analisado. NASCIMENTO, Eliana Maria de Senna; GONÇALVES, Sérgio Luiz. Democracia e transnacionalidade: a democracia como paradigma de garantia dos direitos fundamentais através da solidariedade no século XXI. In: Revista de Direito Brasileiro IMED. Vol. 10. Num. 2. 2014, p. 86.
341 Antunes e Gaddoti explicam que: “La cultura de la sostenibilidad supone que la pedagogía de la sostenibilidad puede manejar la gran tarea de educar a los ciudadanos del planeta. Este es un proceso continuo. La educación de la ciudadanía planetaria está echando raíces gracias a numerosas experiencias. Aunque muchas de estas experiencias son locales, logran educarnos a no sólo sentir que somos miembros de la Tierra, sino más que eso: a vivir como ciudadanos cósmicos. ANTUNES, Angela; Gaddoti, Moacir. La ecopedagogía como la pedagogía indicada para el proceso de la Carta de la Tierra. In: La Carta de la Tierra em acción. Disponível em: http://www2.minedu.gob.pe/digesutp/formacioninicial/?p=823. Acesso em 5 de julho de 2015.
124
racional da água. O alcance da Cidadania Ambiental possui uma perspectiva
muito mais vasta.
2.3.3 Um novo modelo de Cidadania: à necessidade de um
redimensionamento teórico diante da Transnacionalidade
A Cidadania é um conceito que diz respeito ao acesso a direitos
garantidos por instituições locais, nacionais ou transnacionais342. A mobilidade
humana343, por exemplo, é uma realidade e ocorre em larga escala, com
342 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 48. 343 Para melhor entendimento sobre o tema, faz-se necessário a conceituação desse
fenômeno. Para Santos pode ser definida como o “movimento da população pelo espaço” SANTOS, Regina Bega. Migração no Brasil. São Paulo: Scipione, 1994, p. 6. As motivações e seus significados variam tanto no tempo como no espaço, devido às transformações econômicas, sociais e políticas. Assim, migração é um fenômeno histórico e social, pois o que leva as pessoas a migrarem são as condições de cada momento histórico. No Brasil os vetores migratórios vêm se manifestando desde o período colonial, mas teve sua intensificação no inicio do século XX, foram as grandes metrópoles (São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas) os principais vetores das migrações internas, principalmente com o declínio econômico do Nordeste e a industrialização da economia cafeeira da região Sudeste. Porém o que se observa segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é que esse vetor começou a diminuir a partir da década de 1980: “[...] o número de pessoas saindo do Nordeste rumo ao Sudeste foi, pela primeira vez, menor do que o do sentido contrário. Essa tendência repetiu-se anualmente até 2008. Essa transformação explica-se pelo fato de o Nordeste vir apresentando novos índices de recuperação econômica e de industrialização. Além disso, a oferta de empregos no setor industrial do Sudeste vem diminuindo graças à migração de indústrias para o interior do território brasileiro (desconcentração industrial) e pelo fato de o setor secundário oferecer menos empregos em razão do crescente processo de implementação de novas tecnologias no campo produtivo”. PENA, Rodolfo F. Alves. Migrações Internas no Brasil. Disponível em: http://www.mundoeducacao.com/geografia/migracoes-internas-no-brasil.htm. Acesso em 5 de dezembro de 2014. As razões que levam as pessoas a migrarem são as mais variadas, mas a principal delas é econômica – a busca por melhores condições de vida e trabalho, porém as pessoas migram também para escapar de perseguição religiosa ou política, guerras ou de calamidades naturais, como terremotos, secas e epidemias. Contudo, “tais processos de deslocamentos humanos trouxeram consequências graves, como o êxodo rural, o aumento dos trabalhadores urbanos, a urbanização da população brasileira e algumas concentrações populacionais principalmente no sudeste o que causou o processo de metropolização em São Paulo e no Rio de Janeiro. Esse processo de metropolização também ocasionou a favelização de algumas regiões, devido à falta de políticas públicas que impedissem as pessoas de se instalarem naqueles locais e o despreparo na promoção do direito a moradia, que hoje se encontra previsto como direito fundamental social no artigo 6º. da Constituição Federal. Além disso, os impactos também são percebidos nas relações de trabalho, que muitas vezes devido às fragilidades e as vulnerabilidades dessas pessoas, são submetidas à informalidade ficando desprovidos de seus direitos trabalhistas bem como previdenciários, resultando na exploração da mão de obra barata e até escravista, afrontando assim o princípio da dignidade da pessoa humana”. SANTOS, Regina Bega. Migração no Brasil. São Paulo: Scipione, 1994, p. 7.
125
processos de migração potencializados, pela pobreza, desemprego, desastres
ambientais, entre outros.
Sobre o tema, cabe salientar que a questão da migração deve ser objeto
de atenção na Sociedade transnacional, visto que ocorre com cada vez mais
frequência. Para muito além de circulação de pessoas entre países ou blocos
econômicos, os fluxos já ocorrem de um continente para outro, por razões
diversificadas. O indivíduo, nestes casos, precisa ser contextualizado como
cidadão, passível de direitos e deveres para não ser alvo de discriminação e
exclusão344. Para tanto, o conceito de Cidadania é redimensionado e
transforma-se em uma categoria mais abrangente, que exige, para sua
realização, muito mais do que respeito aos direitos formais limitados ao Estado-
nação345.
Outro fator que influencia de forma direta na transformação do conceito
de Cidadania é a evolução do desenvolvimento técnico-científico da Sociedade.
A partir da aproximação gerada pelo ciberespaço, o indivíduo possui acesso à
informação, à mecanismos de participação política e social, à organismos e
organizações transnacionais, dentro e fora de seu país, por meio da Internet. A
Globalização gera tal complexidade346, e o Direito, como instrumento de
regulação social, deve absorver estas novas situações.
Diante deste cenário, a Cidadania, para além do vínculo entre Estado e
cidadão, e dos direitos políticos, é um fundamento que precisa ser revistado,
considerando seu caráter transnacional e que ultrapassa os limites fronteiriços.
344 O processo civilizatório permitiu que mulheres e analfabetos, por exemplo, passassem à
exercer a Cidadania, alargando seu conceito, com a possibilidade de ampliado votar e serem votados como representantes eleitos. Essa transformação do processo democrático e da importância concedida ao poder soberano do povo, abrangendo todos os cidadãos, não era observada na polis grega e na Revolução Francesa, por exemplo.
345 Quando se analisa o conceito de Cidadania, no contexto da Idade Moderna e, mais precisamente em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, destaca-se que o homem é protegido amplamente, no tocante aos direitos naturais, seja qual for sua nacionalidade. Contudo, há uma limitação no respeito à nacionalidade, pois os direitos políticos são reservados exclusivamente aos nacionais. Um novo conceito de Cidadania, porém, abrange o aspecto nacional, mas também o universal do homem.
346 A globalização que o mundo vive não é um fenômeno novo. Mas é ao longo dos anos noventa que este processo de internacionalização obteve uma nova dimensão. As fronteiras físicas e simbólicas que delimitavam o espaço de dominação e influência dos Estados tornaram-se porosas e estes já não são mais capazes de controlar tudo o que controlava antes. A globalização ainda é reforçada por meios da sociedade da informação que traz uma realidade de proximidade planetária. Esta globalização traz muitos benefícios, mas também apresenta um desafio redobrado aos Estados e ao Direito, que deve avaliar questões como as que tratam da soberania, por exemplo.
126
Insiste-se no espaço ao cidadão, para que este viabilize o jogo democrático e
possa continuar a participar nos rumos de seu Estado-nação, mas, para além
de um direito e de um dever, a categoria Cidadania deve, em sua perspectiva
transnacional, fomentar vínculos de responsabilidade347 com seus
semelhantes, sendo eles considerados cidadãos ou não.
São os direitos civis e políticos, como garantias de participação no
processo democrático, as premissas que caracterizam a clássica noção liberal
de Cidadania. O que se chama atenção nesta pesquisa é a necessidade de
uma reflexão acerca de modelos de Cidadania que vão além do conceito
tradicional e que denotem uma configuração a partir da Globalização e da
Transnacionalidade.
Observa-se como a Cidadania de caráter transnacional, agrega novas
possibilidades e figura como o modelo mais coerente na atualidade, diante dos
desafios do século XXI. Esse é o ponto fulcral desta pesquisa, a medida que se
redimensiona o conceito de Cidadania para uma perspectiva mais alargada. Os
Direitos Humanos Fundamentais são respeitados, seja qual for a origem do
sujeito, pois os critérios passam a ser a condição de ser humano, e não a
vinculação política ao Estado-nação de origem. Além dessas condições,
fomenta-se ao reconhecimento do “Eu com o Outro” entre aqueles que
partilham das mesmas vivências, experiências ou aspirações em relação ao
futuro da Sociedade, e dos que não partilham também, mas que devem ser
considerados como cidadãos.
Houve um avanço na transição do Estado Social para o Estado
Democrático de Direito, na tentativa de superar as desigualdades sociais e a
efetivar um patamar mínimo de igualdade e de condições dignas de vida, com
caráter normativo e coercitivo que atinja a todos, de forma impessoal. Neste
momento, a tradicional forma de ligação do indivíduo com o Estado passou a
ser determinada pela nacionalidade, ou seja, a Cidadania.
No período pós-moderno, novos contornos são adquiridos e revisitar o
conceito liberal de Cidadania não é enfraquecer seu significado, mas, sim,
reconhecer a necessidade de vínculos que se ampliam, para além das
347 Queremos o espírito de responsabilidade, não o dever incondicionado. LIPOVETSKY,
Gilles. El Crepúsculo del Deber. Barcelona, Anagrama, 1998, p. 46.
127
fronteiras entre os países e para além do disposto em categorias clássicas,
como a Cidadania. Neste momento, esta categoria não remonta apenas aos
direitos políticos. Em verdade, continua a garantir a participação dos populares
nos desígnios do Estado, concretizando a Democracia num ambiente plural348
e multicultural, mas também figura como critério de união entre os seres
humanos independente de sua nacionalidade, a partir da perspectiva
ambiental, que é tema emergente, de interesse global e que não possui
limitação transfronteiriça.
Esse redimensionamento enseja participação dos sujeitos nos processos
jurídicos e políticos, pois as definições no tocante ao Meio Ambiente dizem
respeito á manutenção da vida humana neste Planeta. Por este motivo, não é
possível conceber vínculos estreitos e limitados apenas entre Estado e
indivíduo. Atualmente, a dinâmica social engloba todos os países, e o
fenômeno da Transnacionalidade349 exige novas vivências e novos conceitos,
no sentido da integração e do exercício da Cidadania.
Os benefícios adquiridos a partir do avanço tecnológico estão refletidos
nas comunicações, nas relações virtuais, nos negócios, nos transportes e no
fenômeno da mobilidade humana. Os sujeitos estabelecem prioridades
pessoais, e as vontades e necessidades vão, muitas vezes, além das fronteiras
do Estado-nação. A partir desta constatação, indaga-se: a Cidadania é
348 Numa sociedade pluralista, a constituição expressa um consenso formal. Os cidadãos
querem regular a sua convivência de acordo com os princípios que podem encontrar o assentimento fundamentado de todos [...] Cada homem e cada mulher deve ser alvo de um tríplice reconhecimento, ou seja, devem encontrar igual proteção e igual respeito em sua integridade: enquanto indivíduos insubstituíveis, enquanto membros de um grupo étnico ou cultural e enquanto cidadãos, ou membros de uma comunidade política HABERMAS, Jurgen. Cidadania e identidade nacional. In: Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio B. Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1997. v. II, pag 284 e 285.
349 Sobre o tema, cabe destacar que Transnacionalidade não é sinônimo de Transnacionalização, pois esta é um fenômeno reflexivo à globalização. Para Oliviero e Cruz: “Diversamente da expressão inter, a qual sugere a ideia de uma relação de diferença ou apropriação de significados relacionados, o prefixo trans denota a emergência de um novo significado construído reflexivamente a partir da transferência e da transformação dos espaços e dos modelos nacionais. É como Ulrich Beck manifesta-se, ao escrever que a transnacionalização é uma conexão forte entre os espaços nacionais, inclusive de modo que não seja pensado internacionalmente, e sim no surgimento de algo novo, de um espaço “transpassante” que já não se encaixa mais nas velhas categorias modernas”. OLIVIERO, Maurizio e CRUZ, Paulo Márcio. Reflexões sobre o Direito Transnacional. In: Novos Estudos Jurídicos. Itajaí. Vol. 17, n. 1, p. 18-28, 2012. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3635>. Acesso em: 11 de julho de 2015, p. 23.
128
restringida nestes casos? Se a resposta for positiva, a Democracia350 e os
Direitos Fundamentais não poderiam ser vivenciados.
Até o presente momento, discorreu-se a respeito da Cidadania, que tem
por escopo, em sua concepção liberal, a participação política ativa do cidadão
em um Estado Democrático de Direito que respeita, tutela e corrobora os
Direitos Fundamentais. Essa definição clássica e liberal da Cidadania é uma
realidade, mas, para além destes contornos, chama-se atenção à um modelo
de Cidadania alargada e transnacional.
Para Pérez-Luño351, a Cidadania pode ser vista a partir de dois
aspectos: o pressuposto ideológico se fundamenta pela a tradição nacionalista
herderiana e o ideal político do conceito está formulado pelo pensamento
liberal, que tem como antecedente o humanismo cosmopolita kantiano. Os dois
modelos são contrapostos: enquanto um denota autonomia, dignidade e a não
instrumentalização dos homens livres, o outro, de tradição nacionalista, denota
a nação ou povo como entidade coletiva natural, dotada de espírito próprio que
é “[...] cifrado em esencias irracionales que transcienden los derechos de seus
componentes” 352. Para o autor, a partir dos conceitos de Thomas Marshall, a
Cidadania pode ser considerada “[...] o conjunto de todos os direitos
fundamentais, que vai além dos civis e políticos, mas que engloba também os
direitos econômicos, sociais e culturais” 353. Em uma premissa comunitária,
considera ainda que:
En estas versiones, de inequívoca impronta cosmopolita ligadas al proyecto humanista de la modernidad, se proyecta un modelo de ciudadanía que haga posible una universales civitatis en la que se consagre plenamente el auspiciado status mundiales hominis354.
350 Para Rosenfield, a fragilidade das instituições democráticas reside na necessidade de uma
unidade entre a ação e a palavra que deve ser constantemente reposta. ROSENFIELD, Denis L. O que é democracia. 5. ed. Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 54.
351 PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho. p. 179.
352 PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho. p. 179.
353 PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho. p. 179..
354 PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho. p. 179.
129
Nesse ponto, Pérez-Luño posiciona-se como defensor da definição de
Cidadania no plano jurídico transnacional. A Cidadania adquire um caráter
público, e vai além da participação do indivíduo na busca de um futuro comum
e nos rumos políticos do Estado, mas sim, converge em direitos e deveres que
atingem toda a coletividade, nos mais variados espaços sociais. Trata-se de
uma dimensão política e jurídica diferenciada que é bastante evidente na
questão do Meio Ambiente, por exemplo. É necessário esclarecer um conceito
de Cidadania que vá além do modelo liberal pré-estabelecido, de caráter
unicamente político-nacional, nos contornos do pacto social.
Diante disso, há necessidade de uma revisão do conceito de Cidadania.
No cotejo entre Estado Liberal e Estado Nacional, o cidadão nacional, no
primeiro modelo, é sujeito de direitos e essa condição denota liberdade,
autonomia e participação nos rumos políticos do Estado. Para Pérez-Luño, é
preciso esclarecer que:
[...] a união entre cidadania e nacionalidade não se deu de modo pacífico: Estado liberal e Estado-nacional possuem conceitos distintos e contrapostos de nação. O nacionalismo leva a uma exaltação de características específicas identitárias nacionais, postuladas como uma ideologia ou cosmovisão política, o que é
incompatível com o liberalismo355.
No Estado liberal, a premissa maior é a de que os direitos civis e
políticos são o ponto de partida, ao lado dos direitos sociais. Estes concretizam
os ideais democráticos e são reconhecidos na relação entre o Estado e o
cidadão. Isso é possível a partir da transformação do Estado Liberal em Estado
de Direito, capaz de promover o bem-estar dos cidadãos e de concretizar o
princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Dessa forma, o cidadão tem o
direito de participar das tomadas de decisões e escolhas sobre os rumos
políticos, corroborando o ideal democrático presente na Constituição.
Nesse ponto, a reflexão atual diz respeito às falhas ocorridas neste
modelo de organização política e social, pois o Estado não consegue atender
as necessidades vitais de todos os seus cidadãos. No Brasil, embora o Estado
seja o garantidor da igualdade material dos cidadãos, por força constitucional,
esta não é concretizada. O bem-estar social passou a ser discurso e não
355 PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa – Cuadernos de
Filosofia del Derecho. p. 195.
130
compromisso, resultando em uma crise estatal nas esferas sociais, políticas e
jurídicas.
Com as transformações que contribuíram para a formação do panorama
social atual, o papel do cidadão também se modificou. Embora as atribuições
do cidadão estejam ligadas a seu vínculo com o Estado, e em relação aos
direitos políticos, novas perspectivas precisam ser consideradas. A partir da
acessibilidade, da tecnologia, da Internet e da ampliação dos espaços de
atuação, é preciso chamar a atenção para uma Cidadania que vá além dos
limites territoriais do Estado-Nação356. Nesse ponto, em relação ao critério
ambiental que o foco esta pesquisa, é preciso articular novas condições para
que este novo modelo de Cidadania se configure, considerando elementos
como pertencimento, inclusão do Outro, dentro outros357.
O cidadão é parte integrante de um lar compartilhado entre seres
humanos e Natureza, chamado Planeta Terra. A metamorfose que ocorre a
nível mundial diz respeito à retomada de um vínculo humanitário estendido
para além daqueles com quem se formou aços próximos. O ideal de vida
comunitária e global enseja reconhecimento moral diante da multiculturalidade,
de forma a alargar os espaços para diálogos e viabilizar identificações que se
concretizam a partir das diferentes culturas.
Em relação a Cidadania, acredita-se que “[...] somente uma cidadania
democrática que não se fecha num sentido particularista, pode preparar o
356 Para Pérez-Luño, el reconocimiento del desdobramento político y jurídico del Estado a
través de los fenómenos de ‘supraestatalidad’ (supeditación del Estado a organizaciones internacionales) y de ‘infraestatalidad’ (asunción de competencias jurídico-políticas por entes menores que el Estado), invita a admitir esse uso lingüístico multilateral de la idea de ciudadania. PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa. Cuadernos de Filosofia del Derecho. p. 181.
357 Nesse sentido, explica-se: “Nos dias de hoje, a humanidade parece estar realmente cientificando-se de que, embora sua ânsia de viver o individualismo é preciso criar um sentimento de pertencimento a uma coletividade. O agir fraterno é o caminho para o exercício da cidadania. O homem, a partir da consciência destas concepções e ciente da crise atual pode então modificar o rumo de seu desenvolvimento, buscando ações mais conscientes do destino comum compartilhado por todos. Este sim é um espaço de cidadania sustentável, em que as decisões são tomadas com consciência fraterna, influenciando as ações, sabendo-se da responsabilidade reflexa destas ações nos demais cidadãos do espaço global”. PELLENZ, Mayara; DANTOS, Daniela dos. A responsabilidade da pessoa humana pela preservação ambiental e melhoria da vida: reflexões constitucionais. In: Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.1, edição especial de 2015. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791, p. 310.
131
caminho para um status de cidadão do mundo” 358 e com características
multilaterais359. Assim, os valores cívicos são ampliados e convergem para
patamares mínimos comuns para a convivência, de forma a viabilizar
estratégias políticas e jurídicas a nível global, e não somente nos contornos
Estado-nação.
Esse novo papel a ser desempenhado pelo cidadão do mundo amplia os
valores cívicos a serem concretizados e oportuniza a participação no cenário
plural, à medida que contribui para a formação da identidade individual do
sujeito. O direito a participar dos destinos da sociedade, naquilo que Bobbio
denomina de direito à democracia360 é mantido, mas quando se trata de uma
perspectiva global, é preciso a capacidade de tolerar, respeitar e integrar as
diferentes culturas, proporcionando a inclusão dos membros da sociedade e
não elemento que acirra o que é diferenciado.
Estas condições são condições favoráveis à construção de uma
sociedade sustentável. Ao lado da Cidadania, insiste-se nos processos
educativos como vetores para reflexão, crítica e conhecimento a respeito da
questão ambiental, com vistas na formação de um cidadão preparado e
consciente de suas responsabilidades.
Dentro ou fora do ambiente escolar, a Cidadania deve ser vivenciada,
pois o papel da escola perpassa por esta condição361. A prática educativa deve
compreender a transmissão do conhecimento, o incentivo às atitudes
sustentáveis, o resgate de valores para superar a crise ambiental e também o
358 HABERMAS, Jurgen. Cidadania e identidade nacional. In: Direito e democracia: entre
facticidade e validade. Tradução de Flávio B. Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. II, p. 304.
359 Se por muito tempo o uso linguístico do termo cidadania fazia referencia a um vínculo único e exclusivo entre o indivíduo e o Estado, nas circunstâncias atuais é possível admitir uma pluralidade de cidadania. Em outros termos, substituir a cidadania unilateral por uma cidadania multilateral. CADERMATORI, Daniela Mesquita Leutchuk. Limites e Possibilidades de uma Cidadania Transnacional: uma apreensão histórico-conceitual. In: Direito e Transnacionalidade. Cruz, Marcio Paulo; STELZER, Joana (org.). Curitiba: Juruá, 2011, p. 143.
360 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz e Terra, 1986, p. 18.
361 Para Pires, a Educação é responsável pela construção da autonomia do ser humana. Uma das ações que permitem o desenrolar desse processo de educação para a autonomia diz respeito á fortalecer o interesse pelas relações e situações extraescolares, por exemplo, a vida da comunidade seja na dimensão política, religiosa, ética, estética ou econômica, tendo em vista que a cidadania está sendo preparada não só no cotidiano escolar, mas na perspectiva mais ampla da sociedade civil. PIRES, Cecília. O Protagonismo do Educador e o Processo Comunitário de Educação. In: Desafio da Educação para os novos tempos. NEUMANN, Laurício (org). Porto Alegre: Evangraf, 2014, p.47.
132
estímulo ao exercício da Cidadania com características mais vastas. Neste
ponto, Loureiro ressalta que:
A educação é um dos meios humanos que garantem aos sujeitos, por maior que seja o estado de miséria material e espiritual e os limites de opções dados pelas condições de vida, o sentido de realização ao
atuar na História modificando‐a e sendo modificado no processo de
construção de alternativas ao modo como nos organizamos e vivemos em sociedade362.
A Educação Ambiental é o mecanismo mais plausível a ser utilizado
para a estruturação de Cidadania Ambiental. Este modelo de Cidadania deve
ser crítico e sensível aos problemas ambientais, para incentivar ações que
tanto são necessárias para que se estabeleça uma nova maneira de pensar a
relação Homem versus Natureza.
Para tanto, a Educação Ambiental não precisa ser setorizada e
concentrada no ambiente escolar. A teoria e prática devem realizar-se
concomitantemente ao exercício da Cidadania plena, ou seja, discurso
ambiental deve ser no sentido de que as ações humanas adquiram um
significado de dimensões planetárias363.
Estes novos significados só serão possíveis à medida que o cidadão
fortaleça vínculos de pertença em relação a seus semelhantes e em relação à
Natureza ao seu redor. No cotejo entre a Cidadania e a questão ambiental, a
Educação é a pedra de toque. O enfoque crítico à sociedade contemporânea,
especialmente em relação ao consumo e à exploração das riquezas naturais,
possibilita a Razão Sensível também neste contexto. Sobre o tema, Antonelli
esclarece que:
A queste possibili declinazione dell’educazione ala cittadinanza bisogna associare l’educazione ala “cittadinanza ativa”, che se da um lato fornisce contenuti e metodi ala più generale educazione ala
362 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Complexidade e dialética: contribuições à práxis
política e emancipatória em educação ambiental. In: Educação e Sociedade. Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1473-1494, set/dez, 2005, p. 149.
363 Para Gutiérrez, a dimensão planetária, assim entendida, fundamenta-se numa premissa básica que exige que os equilíbrios dinâmicos e interdependentes da natureza se dêem harmonicamente integrados ao desenvolvimento humano. GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 41.
133
cittadinanza, dall’altro può constituire l’oggeto di specifi intervneti formativi364.
O conhecimento e a Alteridade, quando se trata de Meio Ambiente, são
elementos que se conjugam em prol de uma Cidadania Ambiental. Para tanto,
o sujeito e a Sociedade, como um todo, devem convergir esforços, em sinergia,
para a (re) estruturação da relação Homem versus Natureza. Nesta relação,
práticas sociais educativas impulsionam o agir coletivo e a tomada de
consciência necessárias à estruturação de laços de Sociabilidade entre os
envolvidos, além do desenvolvimento do ser humano e da garantia da
qualidade de vida e da plenitude da existência humana.
Propostas pedagógicas possuem uma importância sociocultural, pois
incentivam o exercício da Cidadania, a partir dos novos contornos adquiridos, e
uma Educação permanente, sensível e democrática. Comprometer-se com a
Educação e com a Cidadania, no entanto, enseja Responsabilidade. Embora
muito avanços a respeito do tema tenham sido conquistados, a Educação
Ambiental enfrenta desafios que somente são superados na vivência cotidiana.
É no momento presente que os significados se desvelam e que a estruturação
de uma Cidadania Ambiental será possível, para a concretização da
Sustentabilidade em sua perspectiva intergeracional.
A atribuição de significados sobre estas categorias, na
contemporaneidade, é possível se houver um processo de aprendizagem,
dentro e fora do ambiente escolar. A Cidadania Ambiental deve compreender o
diálogo e a relação convergente de todos os seres que integram a comunidade
planetária, e considerar os seres humanos como membros deste lar comum, de
forma a provocar uma profunda mudança de valores, relações e significações
como parte do todo global365. Para Gutiérrez, a dimensão planetária reflete e
requer uma profunda consciência ambiental, que é, em definitivo, a formação
da consciência espiritual como único requisito no qual podemos e devemos
364 ANTONELLI, Vicenzo. Cittadini si diventa: la formazione ala democracia participativa. In:
Democrazia Partecipativa e Nuove Pospettive della Cittadinanza. MARTIN, Gian Candido de, e BOLOGNINO, Daniela. CEDAM: Milano, 2010, p. 97.
365 Segundo Boff, a mudança a que esta pesquisa se refere está ligada à “[...] novos modos de ser, de sentir, de pensar, de valorizar, de agir, de rezar [...] novos valores, novos sonhos, e novos comportamentos assumidos por um número cada vez maior de pessoas e de comunidades”. BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1996, p. 30.
134
fundamentar o caminho que nos conduz ao novo paradigma366. A Educação
Ambiental é, portanto:
[...] uma forma de educação política e do exercício da cidadania. Seu conhecimento possibilita o diálogo entre os atores e instituições envolvidos com sua implementação e a mobilização pela ampliação de recursos, fortalecimento dos programas e, consequentemente, ampliação de sua efetividade367.
A formação de cidadãos mais engajados e participativos é possível a
partir da revisitação do conceito de Cidadania aliado à Educação Ambiental
que estimule e oriente ações humanas sustentáveis. A abordagem da
Pedagogia direcionada à Educação Ambiental é sistêmica e capaz de abordar
a questão ambiental em todas as suas dimensões: econômica, social,
ecológica, dentre outras. A partir de um cenário transnacional e globalizado, a
Cidadania Ambiental parte de uma premissa local e atinge características
planetárias. Nestes termos, enfatiza-se a necessidade de assumir valores, com
processos de diálogo anteriores que possibilitem levar a consensos, práticas e
dinamização dos processos educativos368. Todas estas considerações integram
um sistema complexo que precisa ser considerado quando a Sensibilidade,
diante da Natureza, é uma necessidade dos novos tempos.
366 GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. p. 38. 367 LAYRARGUES, Philippe Pomier; LIPAI, Eneida Maekawa e PEDRO, Viviane Vazzi. A
Educação Ambiental e a escola: tá na lei. In: MELLO, Soraia; Trajber, Raquel. (Org.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental. p. 32.
368 BOBBIO, Norberto. El Problema de las Guerras y las Vías de Paz. España, Gedisa, 2000, p. 132.
135
CAPÍTULO 3
FUNDAMENTOS PARA UMA CIDADANIA AMBIENTAL A PARTIR DA
UNASUL
Cada vez mais os conceitos do Direito são repensados e oportunizam
novos debates em virtude das transformações que ocorrem na Sociedade e no
mundo. O desenvolvimento tecno-científico, a aproximação entre as pessoas -
sejam temporais, geográficas ou culturais-, e a rede mundial de computadores,
foram alguns dos fatores que permitiram essa nova condição de mundo.
Diante desta nova realidade, o conceito de Cidadania se amplia, de forma
a acompanhar a evolução social. A Cidadania, por excelência, refere-se aos
direitos369 e deveres de cada ser humano perante o Estado-nação. A
participação política ativa de um indivíduo desvela sua capacidade de
transformar o espaço público, desenhado nos limites do Estado-nação e das
normas constitucionais. Essa possibilidade é alargada diante da
Transnacionalidade.
A inserção da matéria Meio Ambiente, no mundo jurídico, denominada
de Direito Ambiental, possui uma característica internacional, cuja finalidade é
a satisfação das necessidades atuais preservando os recursos para as futuras
gerações. Esta preservação diz respeito à manutenção da vida humana neste
Planeta, e por esta razão, o interesse é difuso e global. Esta conotação jurídica
internacional é fundamental para qualquer modelo social, diante da
essencialidade do direito à vida.
Ser cidadão, contudo, é respeitar e ver respeitado muito mais do que
apenas os direitos positivados. É possuir a consciência de seus deveres e de
seu espaço de atuação, que hoje, encontra-se relativizado. A partir desta ideia,
a categoria Cidadania que, por muito tempo, esteve ligada com a questão da
369 Em relação aos direitos, Leff ressalta que a questão ambiental contribuiu para ampliar o
quadro dos direitos civis, políticos, econômicos e culturais. Os sitemas jurídicos vem incorporando diversos aspectos relacionados com o manejo dos “bens comuns”. Desse modo, dentro dos novos direitos de solidariedade, incluiu-se o direito de todos os homens a beneficiarem-se do patrimônio comum da humanidade. LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura. p. 173.
136
nacionalidade e com os direitos políticos, na contemporaneidade, não deve
referir-se apenas à inserção e reconhecimento do indivíduo no (e pelo) Estado-
nação, mas sim, abranger novas possibilidades a partir das características
transnacionais da contemporaneidade.
Como já mencionado no Capítulo anterior desta pesquisa, o conceito de
Cidadania, à nível de Brasil, não comporta, única e exclusivamente, vínculos de
nacionalidade ou direitos políticos (reduzidos à expressão: votar e ser votado).
Não se exclui essa delimitação devido à sua importância e força constitucional,
mas propõe-se um alargamento de seu conceito para uma abrangência mais
vasta. Dessa forma, a Cidadania representa o exercício e a concretização dos
demais direitos e garantias individuais, além de figurar como critério de união
com outros seres humanos, a partir da perspectiva ambiental, a que esta
pesquisa se propõe.
A categoria Cidadania ampliou-se para além dos vínculos nacionais370, a
partir da característica universal da pessoa humana e o novo contexto social,
que é transnacional. Para tanto, nesta pesquisa, delimita-se o meio social
global como espaço de integração além do cidadão inserido na Sociedade,
como o agente transformador da problemática ambiental. Partindo-se de uma
premissa solidarista e comunitária, a preservação da base ecológica é uma
matéria que interessa a todos, em dimensão mundial, pois não há barreiras
capazes de proteger o Meio Ambiente dos atos humanos irracionais. A partir
dessa ideia, o Direito deve estar atento a este processo e ser capaz de
incorporar o sentido das transformações dos novos tempos.
Neste ponto da pesquisa, parte-se do novo momento histórico vivido e
da necessidade da Estética de Alteridade como vetor à formação de vínculos
de pertença e de Responsabilidade, nesta nova configuração de mundo, a
partir de uma perspectiva ambiental. Enfatiza-se a Educação Ambiental como
370 Ferrajoli exlica que: “[...] As idéias de ‘nação’ e de ‘nacionalidade’, não menos do que a
noção de ‘Estado’, são também uma invenção ocidental: nascidas da Revolução Francesa, serviram para fornecer, no século XIX, um embasamento ‘natural’ aos Estados europeus e para legitimar sua soberania como ‘nacional e/ou ‘popular’. Hoje, essas mesmas idéias estão se voltando contra os Estados: concebidos e legitimados como instrumentos de pacificação interna e de unificação nacional, eles, enfim, revelam ser não apenas as principais ameaças à paz externa, como também fontes de perigo para a paz interna e os fatores permanentes de desagregação e conflito”. FERRAJOLI, Luigi. A soberania do mundo moderno: nascimento e crise do Estado Nacional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 50.
137
fundamental neste contexto, pois esta esclarece os sentidos e os alcances do
agir humano em defesa da Natureza. É por meio da Cidadania Ambiental que
uma nova realidade pode ser conquistada, cujos destinatários não são apenas
os humanos, mas o desenvolvimento e o respeito dos ciclos regenerativos de
todos os seres vivos.
Para tanto, a característica transnacional conferida à Cidadania, com
enfoque ambiental, é elemento-chave na busca da sociedade sustentável que
se almeja alcançar. Condições para esse exercício livre e pleno são conferidas
a partir da formação de blocos geopolíticos, como a UNASUL, que propõe ao
cidadão o exercício dos seus direitos e deveres numa perspectiva
transfronteiriça, capaz de garantir a sobrevivência e convivência de todos os
seres na Terra.
3.1.1 Caminhos para o desvelo da Cidadania Ambiental
Os vínculos entre os indivíduos estão cada vez mais fluidos, mais frágeis
e descartáveis, num contexto pós-moderno essencialmente conflitivo. O
momento presente desvela novos desafios sociais num período caracterizado
por transformações cada vez mais velozes que interferem diretamente no corpo
social. A relação entre os indivíduos está fragilizada e enfraquecida, assim
como a relação existente entre seres humanos e meio em que vive.
Chama-se atenção à necessidade de deixar os interesses privados à
margem, em prol de um pensamento coletivo e menos individualista,
especialmente quando se trata da questão ambiental. São emergenciais ações
humanas neste sentido, pois a erosão dos vínculos fraternos e solidários
podem conduzir a Humanidade a cenários cada vez mais catastróficos.
Para que estas situações sejam enfrentadas no cotidiano, os valores
civilizatórios - que refletem diretamente os ideais democráticos presentes nas
sociedades modernas - precisam ser resgatados. Por este motivo, insiste-se na
Estética de Alteridade, como forma de configurar uma nova dinâmica social,
sob pena de a Humanidade sucumbir diante da excessiva eliminação do Outro.
138
Como a Democracia não conseguiu educar para uma convivência
progressiva, fraterna, é necessário que esse processo seja iniciado em outra
esfera. Como um direito assegurado pela Constituição371, a Educação interfere
de forma direta e positiva no futuro da Sociedade. Por meio dela, estimula-se a
formação de relações genuinamente humanas e, por consequência,
harmoniza-se a conduta dos seres humanos em relação ao meio em que
vivem.
A Educação direcionada ao reconhecimento e importância da Natureza
(re) dimensiona a Responsabilidade e confere a importância dos valores e das
ações para a transformação humana e social do Planeta. Estimula, ainda, a
formação de relações mais comprometidas à medida que estabelece vínculos
de respeito recíproco, os quais oportunizarão relações mais fraternas e
tolerantes, próprias de um ambiente democrático. No contexto multicultural e
plural das Sociedades modernas, exige-se novas posturas capazes de
concretizar uma Cidadania transnacional e multilateral.
Em relação à Cidadania, destacou-se nesta pesquisa que a força
normativa constitucional determina sua conceituação, todavia, seu alcance
deontológico é determinado pelos valores372 que são caros aos cidadãos em
determinado contexto social. Nesse sentido, para Aquino, a Cidadania assume
feição comunitária373, ou seja, a categoria não possui apenas uma qualidade
individualista. No mesmo sentido, para Pérez-Luño:
Propugnó decididamente esta versión de la ciudadania Thomas Marshal, em su conocida obra: Ciudadanía y classe social, em la que considera necesario no reducir la ciudadania al ámbito estricto de la individualidad, sino ampliarla al conjunto de exigencias y necesidades de la persona em el desarollo de su existencia como miembro de la colectividad. Marshall aboga por uma “ciudadanía social” como
371 BRASIL. Artigo 20 da Constituição Federal de 1988: A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
372 Para Ferrer, em uma perspectiva de cidadania global, os valores são: Responsabilidad - Compromiso - Solidaridad - Equidad – Honestidad. FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
373 AQUINO, Sérgio Ricardo. Fernandes. Rumo a Cidadania Sul-Americana: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. p. 282.
139
alternativa y ampliación del concepto de “ciudadanía individual”,
forjada por la tradición del liberalismo conservador374.
Essa concepção possibilita a unidade social por meio da Cidadania, em
detrimento do vínculo limitador e exclusivo com o Estado-nação, estreitando as
relações humanas de uma perspectiva dialogal, entre as dimensões local e
planetária. Essa perspectiva é o desvelo do panorama histórico atual, que, na
contemporaneidade, demanda um significado de Cidadania global375.
Importante destacar que em cada tipo de regime estatal, o conceito de
Cidadania pode preconizar direitos e obrigações de forma diferenciada. Para o
liberalismo, “[...] a relação entre direitos e obrigações é essencialmente
contratual, trazendo em si uma forte carga de reciprocidade: a cada direito
corresponde em geral uma obrigação” 376. A Cidadania, nestes moldes, não se
relaciona com características que determinam sua identidade, mas sim, de que
forma o indivíduo deve ter respaldo para o exercício de suas liberdades. Por
esta razão, também é responsável pela concretização de seus direitos.
Numa linha de pensamento comunitarista377 (e solidarista), no que tange
à Cidadania, as obrigações são priorizadas em face ao exercício de direitos, ou
seja: direitos são conferidos à medida que uma série de obrigações é
cumprida. Em ambos, liberalismo e comunitarismo, a cidadania possui um
papel normativo, mas com características que diferem. Explica-se: na visão
liberal, a Cidadania é um acessório, não um valor em si mesmo. Na visão
comunitarista, os indivíduos são membros de unidades maiores do que si
mesmos, e uma delas é a comunidade política378.
Há também uma terceira via, que estrutura a teoria social-democrata.
Para Vieira, esta teoria “preconiza a expansão de direitos individuais ou
coletivos a sujeitos historicamente discriminados, notadamente por sua classe,
374 PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. Ciudadanía y deficiones. In: Doxa - Cuadernos de
Filosofia del Derecho. p. 180. 375 Desse modo, nosso compromisso, enquanto cidadão nesta sociedade globalizada é o de
uma visão mais clara e ampla com a qualidade ambiental para um presente e futuro próximo, onde o homem terá oportunidade a sua vez e voz, tendo como vista não o espaço próximo de ação, mas também o horizonte planetário. FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação. p. 66.
376 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 37/38. 377 Para Vieira, o “[...] comunitarismo prioriza a comunidade, sociedade ou nação, invocando a
solidariedade e o senso de um destino comum como pedra de toque da coesão social. É a ideia oposta ao liberalismo ao objetivar uma sociedade com valores e identidades comuns”. VIEIRA, Listz. Os argonautas da cidadania. p. 39.
378 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 40.
140
gênero ou etnia. A teoria democrata expansiva reivindica o aumento da
participação coletiva nas decisões e uma maior interação entre o cidadão e as
instituições” 379.
A participação é muito importante nesta perspectiva. Prima-se pelo
equilíbrio entre direitos coletivos, individuais e obrigações. Mas estas três
teorias apresentadas por Vieira, geram um conflito a respeito dos direitos e das
obrigações relativas à Cidadania, pois na teoria liberal, direitos tem prioridade
sobre deveres; na teoria comunitarista, obrigações são priorizadas em
detrimento de direitos, enquanto que para a Democracia social, direitos e
obrigações devem encontrar um equilíbrio.
Por outro lado, na perspectiva nacionalista, a Cidadania relaciona-se à
formação de uma consciência nacional, proporcionando seja, vinculação a um
Estado-nação. Nesse ponto, a reflexão trazida nesta pesquisa propõe uma
Cidadania remodelada, tendo em vista a realidade global, que tem acelerado a
erosão da homogeneidade de uma Cidadania caracterizada nos limites do
Estado-nação. A Cidadania preserva a identidade de cada indivíduo com sua
própria cultura, no respeito às diferenças e buscando realizar a inclusão de
grupos minoritários ao corpo social.
Embora esse novo modelo encontre barreiras para concretização, é
preciso viabilizar essa nova forma de pensamento, com a perspectiva de incluir
e reconhecer as pluralidades e as minorias, como expressão máxima da não
discriminação e Democracia380. Todavia, a modificação do vínculo do cidadão e
do Estado de unilateral para multilateral, enseja a participação dos “cidadãos
do mundo” 381, se houverem condições como liberdade e igualdade para tal
aspiração. Além desse argumento, verifica-se como a formação de blocos
internacionais são elementos que somam no sentido de ampliar e viabilizar o
engajamento destes cidadãos para enfrentar os desafios presenteístas. Para
Ferrer:
379 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 41-42. 380 Forti explica que a questão ambiental é, em verdade, uma questão de democracia. Para o
autor italiano é necessário “una politica del diritto inspirata a uma visione della democrazia come ideale etico”. FORTI, Gabrio. In: Revista Italiana de Direito e Procedura Penal, p.1355.
381 CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo (SP): Loyola, 2005, p. 19.
141
En su concepción tradicional, la ciudadanía está ligada a la nacionalidad y consiste en el conjunto de competencias, derechos y obligaciones que permiten a un sujeto la participación activa en la vida político-social de una comunidad. Sin embargo, “las exigencias cívicas y sociales que caracterizan el mundo actual hacen que el concepto tradicional de “ciudadanía”, ligado básicamente al de “nacionalidad”, resulte claramente restrictivo e insuficiente. El fenómeno de la globalización, la progresiva multiculturalidad y las desigualdades entre Norte y Sur, entre otros factores, nos obligan a avanzar hacia un concepto de ciudadanía más amplio y global. Un concepto que favorezca la integración e inclusión de las personas en la sociedad actual y que estimule la participación ciudadana desde los principios de democracia y corresponsabilidad. En definitiva, una ciudadanía “global”, crítica e intercultural, activa y responsable” [...] La ciudadanía “nacional” normalmente no se escoge, sino que viene dada, la global es fruto de una opción. Es fruto de la decisión consciente de convertirse en sujeto activo y protagonista de este proceso civilizatorio. De la determinación de compartir solidariamente esfuerzos y esperanzas con millones de personas que, a lo largo y ancho del mundo, se van sumando a la tarea, olvidando las diferencias que interesadamente nos decían nos separaban y destacando nuestra absoluta y esencial identidade382.
As interações sociais em espaços democráticos e transnacionais,
exigem respeito mútuo, Tolerância e Alteridade. É, portanto, um desafio, pois
estas condições direcionam-se também à questão ambiental. Hoje, a Natureza
objeto de discussão em uma agenda internacional, devido à crise enfrentada
pelo seu esgotamento, gerado pela interferência humana excessiva. Trata-se
de visualizar o mundo natural não como objeto ou patrimônio, mas como um
espacio de vida383.
Para não perecer, cabe ao Homem vivenciar laços fraternos e assumir
compromissos – afetivos, políticos, sociais, ambientais e jurídicos – objetivando
perpetuar as raízes que o identificam e o ligam a seu Estado, à sua cultura, aos
demais cidadãos e ao Meio Ambiente em que ele habita. Em primeiro lugar, é
preciso respeitar essa identidade – por meio do imaginário coletivo, e também
compreender estas significações, sob pena de ter seu referencial perdido.
Todas estas dimensões são, também, características de uma Sociedade
globalizada e transnacional. Entretanto, chama-se atenção para que as
sociedades plurais sejam inseridas em contexto globalizado, de maneira a
reformular significados e revisitar conceitos para que cidadão, Estado-nação,
382 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324. 383 QUINTERO, Rafael. Las Innovaciones conceptuales de la constitución de 2008 y el Sumak
Kawsay. In: El Buen Vivir: una vía para el desarrollo. ACOSTA, Alberto; MARTÍNEZ, Esperanza (org.). Quito: Ediciones Abya-Yala, 2009, p. 83.
142
cultura e povo se perpetuem e não padeçam. Diante deste novo panorama, é
preciso questionar as próprias certezas, reconstituir os espaços de
reconhecimentos e não perder as raízes que caracterizam a identidade. Neste
processo, os diálogos são fundamentais. Conviver numa Sociedade plural é
desafio dos tempos modernos, e caminhar no sentido da integração também o
é.
Sob essa perspectiva, destaca-se a categoria Cidadania Ambiental. O
termo possui essa amplitude mundial à medida que expande seu significado
para Responsabilidades do cidadão além do Estado-nação. Ultrapassam-se as
fronteiras de um espaço pré-determinado, pois o Cuidado acerca do Meio
Ambiente não pertence tão somente às funções legislativas e administrativas
nacionais, mas trata-se de um patrimônio social e, portanto, de proximidade
humana. Para Forti:
La tutela dell’ambiente, il vero ”sviluppo sostenible”, può allora nascere soltanto da um modo di pensare “pubblico”, capace di salvarre uma risorsa preziosa e seriamente minacciata di estionzione: i cittadini. È sulla preservazione di que “giacamento” non rigenerabili di soggetti portatori di “specioalizzazione sociale”, di “prossimità umana”, che si gioca il futuro dell’ambiente che ci circonda, proprio perché um tale “patrimonio sociale” è già parte integrante dell’eco-sistema che vogliamo tutelare384.
Entretanto, observa-se como são necessárias ações efetivas que
permitam uma vivência (global) da Cidadania Ambiental. Nesse momento,
indaga-se: Como essa condição seria possível? A hipótese mais plausível é por
meio da Educação, já analisada no Capítulo 2 desta pesquisa. Por meio dos
processos educativos, é possível internalizar elementos como
Responsabilidade, respeito à Natureza e ao Outro, preservação ecológica, a
importância dos valores e das ações humanas para a transformação humana e
social do Planeta.
A Cidadania Ambiental é um importante mecanismo de inclusão, que
precisa manter sua força para fomentar vínculos de pertença, de
Responsabilidade, de reconhecimento e de integração entre as pessoas. Muito
além das fronteiras do Estado-nação, os cidadãos devem estar cientes de suas
Responsabilidades acerca da Natureza, das águas, da biodiversidade, dos
384 FORTI, Gabri. In: Revista Italiana de Direito e Procedura Penal. p.1355.
143
animais humanos e não humanos, bem como dos demais elementos que
integram o grande lar compartilhado chamado Planeta Terra.
Esse cenário também envolve as práticas educacionais direcionadas ao
respeito mútuo entre as pessoas e, essencialmente, destas com o ambiente em
que vivem. Desse modo, a fim de que a crise de valores da sociedade de hoje
seja minimizada, a Educação possui um papel fundamental para que no futuro
o panorama seja diferente do que é visualizado hoje385.
3.1.2 Em busca de uma Cidadania Ambiental Transnacional
O exercício de direitos e deveres, a partir de uma perspectiva ambiental,
é uma temática global. O enfrentamento da crise ecológica que está
disseminada no mundo exige a conjugação dos seguintes elementos:
Racionalismo386, Sensibilidade, Educação e Cidadania. O Racionalismo
possibilita a adoção de medidas técnicas e estratégicas, ao passo que a
Sensibilidade denota a forma (subjetiva) com que o tema deve ser tratado. A
Educação permite decodificar o conhecimento voltado á questão ambiental e a
Cidadania possibilita a participação do indivíduo no enfrentamento da questão,
com vistas na Sustentabilidade.
A movimentação global e coletiva, na busca por um padrão ambiental de
equilíbrio e harmonia, entre Homem e Natureza387, corresponde ao
385 Nesta linha de pensamento, Ferrer destaca a necessidade de: “Ciudadanos y ciudadanas
empáticos que exijan a todos los poderes, políticos o económicos, la introducción de los cambios necesarios para conseguir la sociedad que queremos. Que exijan y que se comprometan, que ejerzan derechos y asuman obligaciones, que piensen y actúen”. FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro? In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
386 No mesmo sentido do que foi abordado no Capítulo 1 desta dissertação, Hartke explica que tudo é classificado pela Razão. Essa condição,é, na verdade, uma quimera, pois o ser humano, não segue uma prévia classificação em relação a sua realidade, afinal, o ser humano que vive é dotado não só da Razão, mas também de sentimentos e emoções. HARTKE, Suzete Habitzreuter. Teoria do Direito na Pós-Modernidade: reflexões a partir da sustentabilidade à sensibilidade. In: Desafios para o Direito Empresarial. NONES, Nelson (org). Blumenau: Legere Editora, 20142, p. 255.
387 Wolkmer afirma que “[...] na vida tudo está “interconectado e interdependente”, reafirmando a harmonia e integração do homem com a natureza”. WOLKMER, Antonio Carlos. Ética da sustentabilidade e direitos da natureza no constitucionalismo latino-americano. In: Perspectivas e Desafios para a Proteção a Biodiversidade no Brasil E na Costa Rica. José Rubens Morato Leite; Carlos E. Peralta (orgs), 2004. p. 70.
144
fortalecimento de valores388 cívicos, individuais e coletivos. A Educação
Ambiental constitui um dos elementos para que a Cidadania Ambiental seja
concretizada. Esse contexto possibilita novos formatos de interação entre
Humanidade e Meio Ambiente, à medida que, no cotidiano, esses valores são
experimentados e esclarecidos.
A Educação com vistas na participação cidadã é capaz de motivar as
pessoas e sensibilizá-las à importância e à reflexão sobre a Sustentabilidade
ambiental. Educadores comprometidos com a formação do cidadão precisam
resgatar valores éticos individuais e coletivos, fomentando novos sentidos e
novas perspectivas a respeito da questão ambiental.
Sob semelhante argumento, Jacobi explica que: “[...] quando nos
referimos à educação ambiental, a situamos num contexto mais amplo, o da
educação para a cidadania, configurando-se como elemento determinante para
a consolidação de sujeitos cidadãos” 389. Desse modo, a consolidação de
práticas educacionais, conjugadas ao exercício da Cidadania, ambas com viés
ambiental, possibilita a transformação da realidade no momento presente.
A qualidade do Meio Ambiente só pode ser conquistada se as condições
ao exercício da Cidadania forem ampliadas por meio de processos educativos
que esclareçam o novo paradigma da Sustentabilidade e viabilizem um novo
caminho de “[...] desenvolvimento, menos interessado no material, e mais
centrado no bem-estar das pessoas e na qualidade do meio ambiente” 390. Para
completar esse processo, o agir humano é um desafio político que depende de
motivação, cooperação social e Sensibilidade. Nessa linha de pensamento, Leff
destaca:
[...] o processo educativo deve ser capaz de formar um pensamento crítico, criativo e sintonizado com a necessidade de propor respostas
388 Ferrer, nesse ponto reforça que “Compartir ciudadanía supone una mínima coincidencia en
cuanto a los valores éticos y morales por los que riges tu existencia. En el caso de ciudadanos “nacionales” la coincidencia habitualmente es fácil, ya que el entorno cultural básico es idéntico: la comunidad nacional. En cambio, en el caso de la global las posibilidades de divergencia son mayores”. FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro?. In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
389JACOBI, Pedro Roberto. Educação ambiental e cidadania. In: Educação, meio ambiente e cidadania. JACOBI, Pedro; CASCINO, Fábio; OLIVEIRA, José Flávio. (Org.). São Paulo: SMA/CEAM, 1998, p. 13.
390 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. Derechos de la Naturaleza y políticas ambientales en la nueva constitución. Quito: Abya Yala, 2009, p.115.
145
para o futuro, capaz de analisar as complexas relações entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente em uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais391.
Como já destacado anteriormente, a Cidadania é uma categoria que
está em evolução e em construção, no cotidiano. Do mesmo modo, em relação
ao momento presente, a Cidadania Ambiental revela sua característica de
ultrapassar limites geopolíticos, em uma perspectiva transnacional e
transfronteiriça. Para Ferrer:
La única posibilidad que tenemos para construir un futuro digno para nuestros hijos, una sociedad sostenible, es difundir la ciudadanía global y profundizar en su contenido. Debemos crear sujetos activos conscientes de su papel protagónico tanto en el plano local como en el global, comprometidos en la construcción de una sociedad más justas y sostenible392.
Os processos de exploração nociva da Natureza precisam ser
superados e o exercício da Cidadania Ambiental, no cotidiano, é o mecanismo
político, social e jurídico que oportuniza o cidadão a agir. Pouco a pouco, é
possível compreender o mundo em toda a sua complexidade por meio de uma
nova consciência e de uma Ética que se desvela no momento presente.
A partir desse contexto, novos rumos de vida podem ser avistados
desde que haja uma Responsabilidade ambiental compartilhada por todos.
Para que uma nova estruturação social seja possível393, com um novo olhar à
Natureza, é fundamental, além de uma Razão Sensível, a Sociabilidade, a
Educação e a participação por meio da Cidadania. Os cenários pedagógicos,
amplos e plurais, viabilizam a construção dos significados das categorias
mencionadas, no cotidiano.
O cidadão global, segundo Ferrer, possui um olhar atento ao seu
entorno, acentuando a Alteridade. Essa postura requer um pensamento crítico
na Educação Ambiental, e, portanto, a definição de um posicionamento ético-
político, “[...] situando o ambiente conceitual e político onde a educação
391 LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. p. 256. 392 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro?. In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324. 393 Afirma Silva-Sanchez que a construção de uma cidadania ambiental faz parte de um
processo mais amplo de reconstrução da sociedade civil brasileira, a partir da emergência de setores organizados, capazes de intervir e participar dos rumos e processos de decisão política. SILVA-SANCHEZ, Solange. Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2000, p. 95.
146
ambiental pode buscar sua fundamentação enquanto projeto educativo que
pretende transformar a sociedade”394. Dessa forma, os cidadãos
intelectualmente amadurecidos são formados, permanentemente, por um
processo educativo coeso, formal e não-formal. Essa condição é possível
dentro e forma do ambiente escolar. O caráter interdisciplinar permite a
elaboração completa dos saberes e com isso, uma formação com vistas à
Sustentabilidade, em nível global. A reestruturação ambiental da sociedade é
um objetivo a ser perseguido por meio da apropriação e disseminação do
conhecimento.
A atuação cidadã voltada para a Sustentabilidade constitui um processo
político-pedagógico, e, de certa forma, sensível. Nesse ponto, Ferrer reforça a
necessidade do fortalecimento dos vínculos que unem todos os seres vivos.
Para o autor, para ser efetivada a Cidadania, em todas as suas dimensões, é
necessária a conjugação de valores, mas também de:
[...] sentimiento necesario para una cabal ciudadanía es la sensación de pertenencia al grupo social en el que se está incorporado. Se trata de una sensación de identidad, de compartir destino e intereses. En la ciudadanía global el grupo social es la Humanidad395.
A partir da Educação, que possibilita uma leitura crítica da realidade, e
da Cidadania, como mecanismo de participação social, concretiza-se a tutela
de direitos e deveres em relação ao Outro e a Natureza. Consolida-se, por
meio dessas condições, uma convivência harmoniosa entre os seres vivos
deste mundo.
A Cidadania acompanha o processo civilizatório e os desafios dos novos
tempos. O seu conceito, revisitado, adquire novos conteúdos jurídicos no
cenário internacional, em uma perspectiva de inclusão396. A categoria, em
âmbito global, é redimensionada em blocos de integração, como a UNASUL, e
cumpre seu papel, em relação aos Direitos Humanos Fundamentais.
394 CARVALHO, Isabel. Educação ambiental crítica: nomes e endereçamentos da educação. In:
Identidades da educação ambiental brasileira. MMA/ Secretaria Executiva/ Diretoria de Educação Ambiental (Org.). Brasília: MMA, 2004, p. 18.
395 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro?. In: Novos Estudos Jurídicos. p. 324.
396 Ou seja, uma perspectiva capaz de eliminar novos mecanismos de exclusão da cidadania. SANTOS, Boaventura de Souza. Pelas mãos de Alice p. 276.
147
3.2 Cidadania Ecológica ou Ambiental? Diálogos entre Dobson397 e
Gudynas398
A Cidadania Ambiental é um tema atual e emergente. Repensar a
relação entre Humanidade e Meio Ambiente é uma tarefa de dimensão global.
Por referir-se a direitos, como vida, equilíbrio natural, meio ambiente saudável,
Desenvolvimento Sustentável399, dentre outros, a Cidadania desvela sua faceta
de Direito Humano Fundamental.
Por outro lado, os deveres do cidadão, nesse sentido, invocam a
participação democrática e a Educação Ambiental, como mecanismos que
possibilitem um posicionamento efetivo, qual seja, a possibilidade do cidadão
agir responsavelmente na defesa do patrimônio natural e de todas as formas
de vida.
Estas características implicam numa Cidadania de caráter difuso, e sua
principal característica é a Transnacionalidade. Esta perspectiva
transfronteiriça se refere aos direitos, aos deveres, ao conhecimento e à
atuação política que não permanecem exclusivamente nos domínios do
Estado-nação. A partir de uma atuação alargada, o cidadão estabelece uma
nova forma de organização social, para além dos limites locais.
Movimentos ecológicos e ONGs são elementos que estão presentes
nesse contexto. No entanto, para além do caráter privado da Cidadania, a
categoria amplia-se para o espaço público. Como a vida movimenta-se em
ciclos, na grande Aldeia Global, os direitos e deveres adquirem contornos
multilaterais que não comportam apenas um país, mas uma rede de
cooperação transnacional.
397 Andrew Dobson é britânico, leciona na Open Universit e é expoente em políticas ambientais.
O autor utiliza o termo Cidadania Ecológica. 398 Gudynas utiliza o termo (Meta) Cidadania Ecológica e Cidadania Ambiental. 399 Forti defende uma tutela ambiental “[...] atenta a uno sviluppo che sai “sostenible”, prima
ancora che per le risorse naturali del paese, per la sua cittadinanza. Potremmo anzi dire che la qualità di persone e “cittaddini” degli individui che compongono il corpo sociale dovrebbe ritenersi parte integrante dell’ecosistema da proteggere. La tutela giuridica dell’ambiente dovrebbe dunque passare atraverso la tutela giuridica del tassuto dele relazioni civili e social da cui gli individui traggono questa loro qualità, quella che è stata detta la loro “specializzazione sociale”, che consiste poi in uma ragionevole immunizzazione dal credo universale della scambiabilittà e consumittà del tutto”. FORTI, Gabrio. In: Revista Italiana de Direito e Procedura Penal, p. 1364, grifos nossos.
148
Diante destas novas possibilidades, os esforços em torno da
Sustentabilidade são elemento-chave para se alcançar o equilíbrio ambiental.
O equilíbrio que se almeja é conquistado se o cidadão utilizar as ferramentas
que detêm ou os meios que lhe garantam uma efetivação plena da Cidadania
Ambiental. O compromisso, nesse momento, é de acordo social em prol da
Natureza, de modo a preencher os conteúdos das categorias jurídicas e não
esvaziar os seus significados.
Nessa linha de pensamento, Dobson utiliza a expressão Cidadania
Ecológica ao dissertar sobre o movimento ambiental400. Saliente que esta
possui características ligadas ao modelo tradicional, mas contempla outros
direitos, os direitos ambientais, cujo exercício limita-se à esfera pública, que
fora modelado pelo Estado-nação.
Segundo o mesmo autor, a Cidadania Ecológica guarda ligação com
Sustentabilidade, e estrutura-se na virtude cívica e no interesse da
coletividade401. A principal característica dessa dimensão de Cidadania é
caracterizada pela “desterritorialização”. Essa condição se justifica porque, não
há barreiras estatais quando se refere a questão ambiental. Para o autor, a
Cidadania Ecológica, estaria fundamentada mais em deveres do que em
direitos, a exigir uma postura ativa do cidadão402. O caráter global da Cidadania
Ecológica defendida por Dobson se traduz no seguinte trecho:
I shall reserve the term ‘ecologic citizenship’, on the other hand, for the specifically ecological form of post-cosmopolitan citizenship [...] At first blush, then, ecological citizenship deals in the currency of non-contractual responsability it inhabitis the private as well as the public sphere, it refers to the sourse rather than the nature of responsability to determine what count as citizenship virtues, it Works whit the
400 Dobson a este respeito menciona que deveríamos situar o início do movimento a partir de
1970, já que as ideias anteriores a este período “que guardavam afinidade com o ecologismo estavam ‘verdes’, porém não eram ainda verdes”. Por essa razão, muitos situam o surgimento do movimento ecológico na celebração do primeiro Dia da Terra (22 de abril de 1970), do qual participaram mais de 20 milhões de pessoas. Este ato foi convocado por Gaylord, que se tornou senador pelo Estado de Wisconsin, EUA. Neste ano também se criou a Agência de Proteção Ambiental no mesmo país. DOBSON, Andrew. Pensamiento Político Verde: una nueva ideología para el siglo XXI. Barcelona, Paidós Ibérica, 1997, p. 59.
401 Para a Sustentabilidade ser viabilizada a partir da Natureza e da ação humana, é necessária uma Cidadania Ambiental, na qual o Homem seja capaz de agir ao considerar os interesses e bem-estar da coletividade. PELLENZ, Mayara; BASTIANI, Ana Cristina Bacega de. Sustentabilidade e consciência ambiental: uma nova postura humana frente ao desenvolvimento. In: Revista Eletrônica Direito e Política. p. 1714.
402 DOBSON, Andrew. Ciudadanía ecológica: ¿una influencia desestabilizadora? In: Isegoría: Revista de filosofía moral y política, n. 24, 2001. p. 61.
149
language of virtue, and is explicitly non-territorial. Once again, let me stress that I do not think that ecological citizenship is any more politically worthy or important than its environmental counterpart. From a political point of view, indeed, I regard environmental an ecological citizenship as complementary in that, while they organize themselves on different terrains, they can both plausibly be read as heading in the same direction: the sustainable society403.
A Cidadania Ecológica, proposta por Dobson, é formada por um vínculo
de Responsabilidade entre os seres que não é contratual, mas possui
reciprocidade na busca de uma sociedade sustentável. A esfera pública é o
espaço adequado para que isso seja vivenciado pois a categoria possui uma
relevância e uma particularidade que vai além de territórios pré-determinados.
Fortalece-se o conceito de Cidadania Ambiental à medida que seu alcance é
visualizado em dimensão pós-cosmopolita.
Dobson esclarece que a Cidadania Ecológica e a Cidadania Ambiental
são conceitos distintos e complementares, do ponto de vista político404. Explica-
se: as duas possuem o mesmo direcionamento, qual seja, a sociedade
sustentável, porém, a Cidadania Ecológica pressupõe a responsabilização
cívica com alcances transfronteiriços. Para tanto, o cidadão ecológico, nas
palavras desse autor, possui um papel frente à questão ambiental que
compreende a responsabilidade e o exercício da Razão Sensível para estes
fins405.
A obrigação política do cidadão se refere a conquista da justiça
ambiental porque os danos causados pelo Homem são transnacionais. O
403 DOBSON, Andrew. Citizenship and the Environment. Oxford: Oxford Univ. Press, 2003, p.
89. 404 Gudynas esclarece que: “Una propuesta de meta-ciudadanía ecológica destacada es
presentada por el británico Andrew Dobson. Partiendo de una critica a varios atributos de la ciudadanía basada en derechos y obligaciones, presenta una alternativa que otorga un mayor énfasis a los vínculos y obligaciones. Esta no parte de un arreglo contractual con el Estado-nación, sino que se originan en reconocer un aprovechamiento desigual del ambiente. En otras palabras, los individuos no deben hacer cosas, o dejar de hacerlas, como deberes frente al Estado, sino como fruto de obligaciones frente a las demás personas a partir de consideraciones ambientales. Dobson nombra a su postura alternativa como “ciudadanía ecológica”, y restringe el término “ciudadanía ambiental” para la visión convencional que promueve derechos, pero deja en claro que no son opuestas sino complementarias”. GUDYNAS, Eduardo. Cidadania ambiental e metacidadanias ecológicas: revisão e alternativas na América Latina. In: Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. Paraná, v. 19, jan./jun. 2009. Disponível em <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/made/article/view/13954>. Acesso em: 18 de março de 2015, p. 63.
405 Para Dobson, a responsabilidade cívica “[...] estimula a reflexão sobre a natureza”. DOBSON, Andrew. Citizenship and the Environment. p. 177.
150
mercado globalizado é a “[...] cadeia de causa-efeito que provoca obrigações
imediatas da justiça, ao invés de criar simpatia, piedade ou beneficência406”.
Dobson chama atenção ao comportamento pós-moderno quando alerta:
Estamos familiarizados, através de apelos à caridade, com a afirmação de que está nas nossas mãos salvar a vida de muitos ou de que, se não fizermos nada, deixamos que essas pessoas morram. Estamos, no entanto, menos familiarizados com a afirmação aqui analisada de uma responsabilidade mais pesada: que a maioria de nós não somente deixa as pessoas morrer à fome, mas também
contribui para que haja fome407.
A crítica do autor, nesse ponto, se refere ao modelo de desenvolvimento
adotado atualmente408. Ainda que uma nova consciência tenha surgido a partir
da década de 1970, os comportamentos políticos vão de encontro aos
interesses pessoais. Desvirtuam-se as questões realmente pertinentes a
Humanidade, à medida que somente alguns determinam o que será objeto de
atenção, conforme seus interesses, e que, por certo, não correspondem ao
interesse da maioria. Para Dobson:
O ‘global’ no discurso dominante é o espaço político no qual um local particular e dominante procura o controlo global e se liberta de constrangimentos locais, nacionais e internacionais. O global não representa o interesse humano universal; representa um determinado interesse local limitado que foi globalizado através do seu âmbito de alcance. Os sete países mais poderosos, o G7, decretam quais os assuntos globais prioritários, mas os interesses que os orientam permanecem restritos, locais e limitados409.
Sob essa linha de pensamento, fica evidente que as determinações a
respeito dos interesses globais pertencem a determinado grupo com poderio
econômico, político e social. Para exemplificar, as diferenças e a divisão entre
Norte e Sul, no globo terrestre, expressa “[...] um processo assimétrico, no qual
406 DOBSON, Andrew. Thick Cosmopolitanism. In: Political Studies. vol.54, 2006, p.165-184,
p. 178. 407 DOBSON, Andrew. In: Political Studies. p. 184. 408 Em relação ao modelo de desenvolvimento adotado até o Século XXI, destaca-se a
necessidade de uma “[...] ruptura analítica e operativa, com um modelo linear de crescimento e acumulação, que, em última análise, contribui para deteriorar ou suprimir os suportes de vida do planeta. REDCLIFF, Michael. Sustainable Development. In: Exploring the contradictions, Londres.1989: Routledge, p. 4.
409 DOBSON, Andrew. Globalization, cosmopolitanism and the Environment. In: International Relations, vol.19, 2005, p. 261.
151
não só os seus proveitos são divididos de forma desigual, como também a
própria possibilidade de ‘ser global’ está desequilibrada”410.
A divisão social, contudo, revela a face oculta mais cruel nesse
processo, pois se “não és 'global', [...] as paredes construídas pelos controlos
de imigração, leis de residência e de ‘ruas limpas’ e ‘tolerância zero’ crescem
mais alto” 411. Este cenário acirra as diferenças entre países desenvolvidos e
países subdesenvolvidos.
A forma com que estas relações estão sendo pautadas é nociva à
questão ambiental, pois as ações de quem detêm o poderio econômico, político
e social, buscam a limitação de informações, de acesso aos bens, de
mobilidade humana, temendo que determinados locais sejam “contaminados”
412. Esta dinâmica enseja reflexão, pois, segundo Leff:
A construção da sustentabilidade coloca três desafios fundamentais ao processo de globalização econômica: a) conservar a biodiversidade e os equilíbrios ecológicos do planeta e aumentar seu potencial produtivo; b) reconhecer e legitimar a democracia, a participação social, as diversidade cultural e a politica da diferença na tomada de decisão e nos processos de apropriação social da natureza; c) repensar o conhecimento, o saber, a educação, a capacitação e a informação da cidadania na perspectiva de uma racionalidade ambiental413.
Para tanto, não deve haver limitações políticas, econômicas ou sociais
para que o novo paradigma da Sustentabilidade seja estruturado. O cenário
mais coerente é a ação em conjunto, considerando as consequências
transfronteirças de danos e irresponsabilidade ambientais. No entanto, devido
às diferenças entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, aqueles que
atuam globalmente impõe seus interesses, como sendo os interesses de
todos414. Em relação a Cidadania Ecológica proposta por Dobson, no Brasil:
[...] a Constituição estabeleceu as bases de um direito moderno – o direito socioambiental, que se caracteriza por um novo paradigma de direitos da cidadania, passando pelos direitos individuais e indo muito além. Não se trata da soma linear dos direitos sociais e ambientais previstos no ordenamento jurídico do País, mas de um outro conjunto resultante da leitura integrada desses direitos, pautada pela tolerância
410 DOBSON, Andrew. In: International Relations. p. 262. 411 DOBSON, Andrew. In: International Relations. p. 263. 412 DOBSON, Andrew. In: International Relations. p. 263. 413 LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura, p. 289. 414 DOBSON, Andrew. In: International Relations. p. 264.
152
entre os povos e pela busca do desenvolvimento comum e sustentável415.
Para o autor, a Cidadania Ecológica, em perspectiva global, deve ser
repensada, porque os locais possuem particularidades que devem ser
reconhecidas como elementos fundamentais neste processo. O espaço
ecológico é constituído pelo critério da Sustentabilidade, mas não significa que,
a todo tempo, a dimensão ambiental seja posta como sujeito, mas algo a ser
sempre dimensionada "para humanos".
Indaga-se: qual seria o enfoque de uma Cidadania Ecológica e
transnacional, e da Educação Ambiental, se a Natureza é tão somente objeto?
Para responder a este questionamento é que a leitura de Gudynas é essencial,
pois a postura adotada pelo autor é biocêntrica416, ao passo que o enfoque de
Dobson destina-se, tão somente, aos humanos, numa perspectiva
antropocêntrica417.
Gudynas defende um posicionamento radical neste ponto, pois o
processo de transformação só poderá ser completado a partir da superação,
em definitivo da visão antropocêntrica da Sociedade. Essa condição
possibilitaria uma perspectiva de futuro ampliada, com a (re) organização
social, política, econômica e ambiental, estruturada na pluralidade, no
multiculturalismo e na Sustentabilidade. Para o autor:
Essas mudanças estão baseadas na cosmovisão andina, que compõe o paradigma comunitário orientado para o Bem Viver. A visão andina visa uma concepção da comunidade em harmonia, respeito e equilíbrio com todas as formas de vida. Tendo como referente o viver em plenitude, esses povos religam as noções disjuntivas do projeto
415 INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Almanaque Brasil Socioambiental São Paulo, 2004. p.
190. 416 La postura biocéntrica también sirve como fuente de obligaciones y responsabilidades,
tanto frente al resto de la sociedad, como también ante la Naturaleza, y desde allí abordar nuevas estrategias de justicia ambiental. GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 66.
417 “La posición materialista de Dobson considera que las dimensiones éticas y morales son idealistas y pre-políticas. Por lo tanto, una ciudadanía basada, por ejemplo, en una postura biocéntrica sería insostenible a su juuicio, lo que a su vez choca con diversos casos en América Latina, en especial entre comunidades indígenas”. GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 63.
153
da modernidade, na medida em que entendem que na vida tudo está interconectado e é interdependente418.
Alguns países já vivem esta realidade. Na Constituição equatoriana de
2008, o artigo 71, tem como especificidade a afirmação dos direitos da
Natureza, que são próprios e independentes de sua utilidade para o
ser humano419, superando o paradigma antropocêntrico em definitivo.
Em diálogo, Dobson e Gudynas possuem o mesmo pensamento em
relação a categoria Cidadania, em seu conceito liberal, como conceito centrado
na esfera pública. Entretanto, a Meta-Cidadania-Ecológica, cunhada por
Gudynas, exige uma readequação, pois hoje se compreende que as ações
privadas possuem consequências a todos, e por isso, a categoria deve ser
repensada de modo a operar tanto no espaço público, quanto no privado.
Salienta-se que o espaço público se refere às questões de participação
política420, de mecanismos para a busca e manutenção de um Meio Ambiente
ecologicamente equilibrado e de ações coletivas para tal finalidade. O espaço
privado se refere aos processos de internalização de uma nova consciência e
de novos valores em relação à Natureza, sendo que a Educação Ambiental é
um dos caminhos para que esse objetivo possa ser concretizado.
Para Gudynas, a Meta-Cidadania-Ecológica, quando praticada no
espaço privado, pode ser o motivo e o exemplo para que outras pessoas
repensem seu modo de vida e adotem ações sustentáveis no seu dia a dia. Em
verdade, o que se propõe é um desafio para a mudança de comportamento
que, nesse sentido, reflete de modo direto na comunidade. O cidadão ecológico
é capaz de alterar a configuração política, econômica, social e ambiental de
onde vive, ao provocar mudanças significativas com vistas na Sustentabilidade.
418 WOLKMER, Antonio Carlos; AUGUSTIN, Sergio; WOLKMER, Maria de Fátima S. O "novo"
direito à água no constitucionalismo da América Latina. In: Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, SC, v. 9, n. 1, 2012, p. 12.
419 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Derechos de la naturaleza y políticas ambientales en la nueeva Constitución. p. 14.
420 La ciudadanía sería más que la participación política o el intercambio en el mercado, es también la presencia en diferentes espacios colectivos, donde la persona se convierte en un sujeto que responsablemente aporta en la construcción de las estrategias de desarrollo. La ciudadanía implica recuperar esa capacidad de protagonismo para poder tomar decisiones, y no quedar reducidos a meros objetivos pasivos. Cuando estos aspectos no se cumplen, y aún bajo regímenes democráticos que permiten el voto, el ejercicio ciudadano es incompleto. GUDYNAS, Eduardo. Ecología, Economía y Etica del Desarrollo Sostenible. Uruguay: CLAES, 2004, p.233.
154
Por esse motivo, a Meta-Cidadania-Ecológica possui uma linha bastante
tênue entre o público e o privado. A categoria corresponde a duas faces da
mesma moeda, pois, o cidadão possui a função modificar seu espaço privado,
no cotidiano, com ações pessoais e sustentáveis que, ao mesmo tempo,
interferem, de forma direta, no espaço público, por meio do exemplo, da
democracia participativa, da busca e da manutenção de um Meio Ambiente
ecologicamente equilibrado, fomentando ações que passam a ser coletivas, em
interação social.
A posição legítima do cidadão ambiental é de se opor ao modelo de
desenvolvimento adotado até aqui. Para que haja uma sociedade sustentável,
a Educação, como já mencionada anteriormente, pode ser uma alternativa para
esclarecimentos sobre o tema, mas não pode ser instituída como a solução de
todos os problemas.
Segundo Gudynas, a Educação Ambiental é um caminho, mas não é a
solução para todos os problemas ambientais, porque, muitas vezes, as
experiências vividas no mundo da vida são mais significativas do que é
transmitido no ambiente formal de ensino. Por esta razão, insiste-se na
Educação Ambiental direcionada a toda a Sociedade, tanto em ambientes
curriculares como extracurriculares também. Em relação à terminologia, o
mencionado autor explica que:
Se han desarrollado un conjunto de propuestas que intentan superar las limitaciones de la idea clásica de ciudadanía para incorporar de una manera más profundas los aspectos ambientales. En esta revisión se agrupan esas propuestas bajo el concepto genérico de “meta-ciudadanías ecológicas”. Con ese término se desea subrayar que esas propuestas están más allá de las posturas convencionales de ciudadanía clásica, pero que además incluyen un abordaje alternativo de aspectos ambientales. En contraste, el concepto de “ciudadanía ambiental” se mantendrá restringido a la perspectiva clásica de ciudadanía enfocada en los derechos de tercera generación421.
Na Meta-Cidadania-Ecológica, é possível internalizar questões como
Responsabilidade, respeito à vida, respeito ao outro, respeito à Natureza,
preservação ecológica, a importância dos valores e das ações humanas para a
transformação humana e social do nosso Planeta.
421 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio
Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 62.
155
Cabe à Educação Ambiental instruir e estimular a formação de relações
fortalecidas e que denotem harmonia e Estética na conduta dos seres humanos
em relação ao Planeta Terra, fomentando a Meta-Cidadania-Ecológica, de
Gudynas, que é imprescindível na sociedade transnacional. Percebe-se que a
Meta-Cidadania-Ecológica é a criação teórica da Cidadania Ambiental, cujo
matriz de seu conhecimento e prática abriga a biodiversidade terrena em todos
os lugares, sem que os destinatários desse aperfeiçoamento à vida sejam
exclusivamente os seres humanos. Por esse motivo, Gudynas expressa a sua
preocupação na citação anterior ao afirmar que a Cidadania Ambiental não
pode se referir tão somente ao Homem na Terra.
A Meta-Cidadania-Ecológica é considerada elemento-chave na
concretização da Sustentabilidade por meio da Cidadania Ambiental, pois
refere-se a questões que não se circunscrevem tão somente no círculo
antropocêntrico, mas sim, consideram o mundo natural em toda sua
importância e integralidade junto com os seres humanos. Esse parece ser o
termo que possui mais afinidade com esta pesquisa.
Sob esta mesma perspectiva, a Educação tem um papel determinante
na formação dos “cidadãos do mundo”. Trata-se de uma categoria capaz
recompor os horizontes comuns no que tange ao futuro do Planeta e da
Humanidade, a partir do modelo de Cidadania Ambiental proposto pela
UNASUL422, como espaço para exercício cidadão transfronteiriço.
Em relação à América do Sul, algumas particularidades são observadas.
A UNASUL é um bloco formado visando – dentre outros objetivos - a
integração cultural, que é muito semelhante em todo o território. Há um
sentimento de irmandade bastante presente e também uma consciência sul
422 Segundo as informações que constam no site do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil, o Tratado Constitutivo da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) foi assinado em Brasília, em 23 de maio de 2008. O bloco é formado pelos doze países da América do Sul e com sua criação, o continente passou a articular-se em torno de áreas estruturantes e tem como objetivo construir um espaço de integração das sociedades sul-americanas. Hoje, a região passa por um importante momento de estabilidade democrática e de avanços sociais. Isso acontece devido à convergência, entre os governos da região, para a promoção do desenvolvimento econômico com inclusão social, o que se beneficia da coordenação política entre os países. A UNASUL tem demonstrado que é possível fortalecer a integração e identificar consensos, respeitando a pluralidade. Prioriza o diálogo e visa a estimular a paz e a segurança, diminuir a desigualdade socioeconômica e alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecendo a democracia e reduzindo as assimetrias na América do Sul. (Disponível em <http://diplomaciapublica.itamaraty.gov.br/20-unasul/80-seis-anos-do-tratado-constitutivo-da-unasul> Acesso em 18 de março de 2015).
156
americana no sentido da valorização dos vínculos históricos que lhe são
comuns. Esta situação é tão evidente que os países que integram o bloco já
somam esforços para estruturar um conceito de Cidadania sul-americana423.
As formas similares de cultura que estão presentes no ambiente latino-
americano, contribuem para a internalização de valores e para a união dos
países e dos seus cidadãos, respeitando o passado, mas que considera
possíveis transformações em relação ao futuro, como a Cidadania Ambiental,
por exemplo. Esse fenômeno ocorre porque os próprios Estados-Nação
modificaram a visão que preponderava sobre a Natureza, e na superação de
paradigmas, os reconhecimentos conferidos à seres humanos agora passam a
ser destinados também à Natureza. Sobre o tema, explica Gudynas:
Este es un terreno de enorme efervescencia. Por ejemplo, en los países andinos se observa un nuevo protagonismo campesino e indígena en los países andinos. Entretanto, en Ecuador se aprobó una nueva constitución con varias novedades, y entre ellas se reconocieron derechos propios en la Naturaleza. Ese nuevo texto contiene tanto normas basadas en los derechos clásicos como esa nueva postura biocéntrica que expresa un cambio radical donde la Naturaleza (o Pachamama) pasa a tener un reconocimiento igual al
otorgado a los seres humanos424.
A cultura, bem como a Cidadania, não é categoria imutável. Tanto a
cultura quanto a Cidadania integram o imaginário pessoal e coletivo, e
transformam-se à medida que a sociedade também evolui. A partir daquilo que
é tradicionalmente posto, como o conceito tradicional de Cidadania, busca-se
concretizar uma Cidadania Ambiental, tal e qual os modelos de integração
propostos pela UNASUL, de modo a dimensioná-los para fronteiras globais.
Nesse ponto, cabe mencionar que:
423 O site noticia que “O secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL),
Ernesto Samper, disse que o conceito de “cidadania sul-americana” foi adotado para promover a livre circulação na região.” Segundo Samper, “qualquer americano pode optar por visto de residência para o trabalho, possam exercer o seu direito de aprovar os títulos direito à proteção consular, o direito dos migrantes a ter uma proteção eficaz”. Ele ainda acrescentou nas suas palavras que o direito ao passaporte sul-americana poderia ser o registro mais importante foi alcançado. Falando durante a Oitava Reunião do Conselho Presidencial da UNASUL explicou que a solidariedade é necessária para fechar as lacunas que caracterizam uma imagem absolutamente misto na região. A proposta de Ernesto Samper é criar uma cidadania comum para 400 milhões de sul-americanos a ser complementado pelos ideais de integração regional que professa a UNASUL. Disponível em < http://lainfo.es/pt/2014/12/11/unasul-conceito-cidadania-sul-americana-aprovada/> Acesso em 18 de março de 2018.
424 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 63.
157
Pero su no-territorialidad también genera dificultades, y en especial desde una perspectiva latinoamericana. Es una propuesta que termina delimitando un conjunto de individuos que pueden estar en cualquier sitio, que no interaccionan entre ellos, y cuya composición no interesa (es una ciudadanía de “extraños”). Sin embargo, la experiencia latinoamericana muestra que la territorialidad, y los fuertes vínculos con los ambientes locales, son aspectos sustanciales en el debate ciudadano.425
Entre todos os elementos que fazem parte desta tarefa, a Educação
Ambiental parece ser o ponto de intersecção entre eles. Numa primeira
análise, somente é possível estruturar um novo modelo de Cidadania, a
Cidadania Ambiental, por meio da Educação Ambiental, instrumento capaz de
proporcionar uma nova visão acerca da manutenção do planeta e da
Humanidade. Para Gudynas:
Esta propuesta alternativa tiene elementos positivos, aunque otros que son discutibles. Se destaca su apuesta por generar vínculos de responsabilidad y obligaciones, no sólo entre los que conocemos, o con los que compartimos una comunidad política, sino que frente a otras personas que integran otras comunidades426.
Faz-se necessário esclarecimentos neste sentido, pois, além do vínculo
com o Estado, se trata de um importante mecanismo de inclusão de cidadãos,
que precisa manter sua força para de fomentar vínculos de pertença, de
Responsabilidade, de reconhecimento e de integração entre as pessoas.
Nesse ponto, para Gudynas:
A su vez, una meta-ciudadanía construye no solo una comunidad social y política, sino que también un ambiente. Volviendo al caso ya comentado de los siringueiros de Brasil, éstos han generado una comunidad, que no sólo es política, sino que cubre otros aspectos culturales, convergiendo en una identidad compartida427.
Muito além das fronteiras do Estado-nação, os cidadãos devem estar
cientes de suas Responsabilidades acerca da Natureza, das águas, da
biodiversidade, dos animais humanos e não humanos e dos demais elementos
que integram o grande lar compartilhado chamado Planeta Terra. Isto também
425 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio
Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 63. 426 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio
Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 63. 427 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio
Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 66.
158
significa internalizar uma Ética voltada para o respeito mútuo entre as pessoas
e, essencialmente, desta com o ambiente em que elas vivem. Desse modo, a
fim de que a crise de valores da Sociedade de hoje seja minimizada, tanto a
Educação quanto a Cidadania possuem um papel fundamental para que no
futuro o panorama seja diferente do que é visualizado hoje. Ressalta-se:
Por lo tanto es válido fortalecer una ciudadanía ambiental, pero es indispensable que esa tarea en lugar de anular las meta-ciudadanías, brinde oportunidades para que éstas se expresen, puedan ser ensayadas, y aplicadas donde sea posible. En otras palabras, no puede plantearse una oposición entre ciudadanía ambiental y meta-ciudadanías ecológicas, sino que las primeras deben generar condiciones para las segundas. Esto se debe no sólo a la necesidad de explorar y aplicar otras formas de construcción de los sujetos políticos, sino también en dar amparo a otras ontologías defendidas desde otras tradiciones.Esto es posible, y el caso de la nueva constitución de Ecuador lo demuestra. Esa constitución muestra una propuesta mixta tal como se defiende en esta revisión, en tanto allí se presentan los derechos clásicos de tercera generación referidos al ambiente, mientras que aparecen elementos de una meta-ciudadanía, tales como Pachamama en lugar de Naturaleza, el reconocimiento de sus derechos propios desde una postura biocéntrica, y su vinculación con el buen vivir. Ese tipo de superposiciones e hibridaciones es más común de lo que puede suponerse, ya que aparece en muchas prácticas de resistencia o en conflictos ambientales, en los cuales articulan sus reclamos grupos campesinos, indígenas y ONGs ambientalistas de base urbana y capacidad técnica. Cada uno de ellos pueden interaccionar y coordinar demandas que parten desde sus muy diferentes ontologias428.
Essas condições são viabilizadas pela UNASUL, que, no artigo 18 de
seu Tratado Constitutivo, institui a Cidadania Ambiental no contexto da América
do Sul. Para além de uma Cidadania nacional, os vínculos que unem Homem e
Meio Ambiente devem ser interpretados à luz da proximidade geográfica e do
multiculturalismo presente no espaço latino-americano, semelhante em muitos
aspectos devido a colonização no século XIX. A experiência da Cidadania
nestes moldes, precisa estar atrelada aos des-velos da vida de todos os dias.
Esta conexão possibilita uma nova forma de estruturação sócio-política,
e a Cidadania, com vistas na Sustentabilidade, adquire uma nova formatação
que inclui direitos e deveres cívicos, para além do Estado-nação, possibilitando
cenários ambientalmente equilibrados a partir do que a UNASUL objetiva.
428 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Revista Desenvolvimento e Meio
Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 68.
159
Para tanto, chama-se atenção ao que o novo constitucionalismo latino-
americano e ao que o Tratado Constitutivo da UNASUL preconizam a respeito
da Natureza. Ao comparar a Teoria proposta por Dobson (Cidadania Ecológica)
e a Teoria proposta por Gudynas (Cidadania Ambiental) a segunda está mais
próxima ao que se propõe esta pesquisa. A Cidadania Ambiental possui um
alcance maior em relação a Cidadania Ecológica, pois a primeira denota uma
postura biocêntrica, em detrimento do antropocentrismo que vigorou nos
últimos séculos.
Esse posicionamento compreende a Natureza como um todo, o Planeta
como organismo vivo, em que todos os seres são parte integrante deste lar
comum. Por este motivo, novas formas de pensar a relação do Homem com a
Natureza estão redimensionadas em uma perspectiva legal, por meio dos
documentos internacionais sobre o tema, e uma perspectiva social, a despeito
das ações humanas em prol do Meio Ambiente. Essa possibilidade vai de
encontro aos objetivos da UNASUL.
3.2.1 A UNASUL como espaço de exercício de uma Cidadania
Ambiental
Destacou-se anteriormente que a Educação Ambiental possui um papel
determinante na construção da Cidadania Ambiental. Trata-se de uma
Educação Ambiental, capaz de proporcionar uma nova visão a respeito do
futuro do Planeta e da Humanidade, a partir do modelo de Cidadania proposto
pela UNASUL429, como espaço para exercício de uma Cidadania Ambiental
plena, a nível global.
429 Segundo as informações que constam no site do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil, o Tratado Constitutivo da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) foi assinado em Brasília, em 23 de maio de 2008. O bloco é formado pelos doze países da América do Sul e com sua criação, o continente passou a articular-se em torno de áreas estruturantes e tem como objetivo construir um espaço de integração das sociedades sul-americanas. Hoje, a região passa por um importante momento de estabilidade democrática e de avanços sociais. Isso acontece devido à convergência, entre os governos da região, para a promoção do desenvolvimento econômico com inclusão social, o que se beneficia da coordenação política entre os países. A UNASUL tem demonstrado que é possível fortalecer a integração e identificar consensos, respeitando a pluralidade. Prioriza o diálogo e visa a estimular a paz e a segurança, diminuir a desigualdade socioeconômica e alcançar a inclusão social e a
160
As formas similares de cultura que estão presentes no ambiente sul-
americano, contribuem para a internalização de valores e para a união dos
países e dos seus cidadãos, respeitando o passado, mas que considera
possíveis transformações em relação ao futuro, como a Cidadania Ambiental,
por exemplo. Esse fenômeno ocorre porque os próprios Estados-nação
modificaram a visão que preponderava sobre a Natureza, e na superação de
paradigmas, os reconhecimentos conferidos à seres humanos agora passam a
ser destinados também à Natureza. Sobre o tema, Gudynas destaca que:
Por un lado está claro que es necesario explorar posturas alternativas a la perspectiva clásica de ciudadanía, pero por otro lado debe admitirse que en la situación actual de América Latina no puede obviarse la postura convencional de ciudadanía. Esto se debe a que esa idea, y en especial su expresión como derechos sobre el ambiente, ha sido incorporada al andamiaje legal e institucional de casi todos los países, se encuentra profundamente arraigada en muchas expresiones y demandas ciudadanas, y cuenta com un cierto respaldo en la gobernanza internacional430.
A UNASUL, criada em 2008, surgiu em decorrência da necessidade da
América do Sul destacar-se, em união de Estados, para competir nos aspectos
econômicos e políticos com blocos formados em outros continentes e também
com organismos transnacionais, cada vez mais numerosos e atuantes. A
soberania dos países signatários é respeitada, bem como os direitos e as
liberdades de seus cidadãos. O artigo 2º do Tratado Constitutivo dispõe que:
A União de Nações Sul-americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados431.
participação cidadã, fortalecendo a democracia e reduzindo as assimetrias na América do Sul. UNASUL. Disponível em <http://diplomaciapublica.itamaraty.gov.br/20-unasul/80-seis-anos-do-tratado-constitutivo-da-unasul> Acesso em 18 de março de 2015.
430 GUDYNAS, Eduardo. In: Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente Da Universidade Federal do Paraná. p. 68.
431 UNASUR. Tratado Constitutivo de la Unión de las Naciones Suramericanas. Disponível em: http://www.comunidadandina.org/unasur/tratado_constitutivo.htm. Acesso em 25 de fevereiro de 2015.
161
Semelhante característica é visualizada nos Estados que aderiram ao
Tratado é a situação política, econômica e social. Na América do Sul, estas
condições são compartilhadas em nível de igualdade, pois, ainda que um dos
países possa ter mais destaque na economia, por exemplo, o aspecto social
ainda é bastante grave.
A integração proposta pela UNASUL pretende estreitar laços nesse
sentido, ou seja, colaborar para que os direitos básicos dos latino-americanos
possam ser efetivados a partir de políticas públicas regionais com esta
finalidade. Com reconhecimento da identidade dos latino-americanos, tanto na
questão da língua, quando na questão de história de colonização e de cultura,
fica evidente que o bloco almeja o fortalecimento de vínculos de Cidadania e
Direitos Humanos Fundamentais. Para Garcia fica:
[...] evidenciada a questão da sustentabilidade que mescla duas questões transcendentais e transnacionais: a questão do desenvolvimento dos povos e da proteção do meio ambiente; questão estas fundamentais para a sobrevivência da espécie humana432.
A política externa regional buscou a formação de um bloco, a somar nos
já existentes, para que seja possível uma nova perspectiva econômico-social
aos sul-americanos. Trata-se de uma integração direcionada aos cidadãos, de
modo a fortalecer os vínculos de pertença por meio de vivências interculturais
que efetivem uma Cidadania nos moldes a que Gudynas propõe. Cabe
transcrever o que os objetivos específicos do Tratado preconizam no artigo 3º:
[...] c) a erradicação do analfabetismo, o acesso universal a uma educação de qualidade e o reconhecimento regional de estudos e títulos; d) a integração energética para o aproveitamento integral, sustentável e solidário dos recursos da região; e) o desenvolvimento de uma infraestrutura para a interconexão da região e de nossos povos de acordo com critérios de desenvolvimento social e econômico sustentáveis; [...] g) a proteção da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos ecossistemas, assim como a cooperação na prevenção das catástrofes e na luta contra as causas e os efeitos da mudança climática; [...] i) a consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado Membro residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana; [...] o) a promoção da diversidade cultural e das expressões da memória e dos conhecimentos e saberes dos povos
432 GARCIA, Marcos Leite. UNASUL e Novo Constitucionalismo Latino-Americano. In: UNASUL
e o novo constitucionalismo latino-americano. Organizadoras: Raquel Coelho de Freitas, Ana Cecília Bezerra de Aguiar, Tainah Simões Sales. 1 ed. Curitiba, PR: CRV, 2013, p. 105.
162
da região, para o fortalecimento de suas identidades; [...] p) a participação cidadã, por meio de mecanismos de interação e diálogo entre a UNASUL e os diversos atores sociais na formulação de políticas de integração sul-americana;
Percebe-se que os objetivos gravitam em torno da integração entre os
Estados e da melhoria de vida dos cidadãos, por meio do diálogo, o respeito à
diversidade cultural e ao patrimônio, em todas as suas dimensões. O
fortalecimento da Democracia433 é pressuposto para a integração que se
almeja no contexto latino-americano.
Os compromissos firmados no Tratado também se referem à questão
ambiental, precisamente no item “g” do artigo destacado. Com isso, integram-
se as finalidades e os propósitos á uma perspectiva de Cidadania Ambiental.
Em relação à Cidadania, chama-se atenção ao artigo 18 do Tratado, qual seja:
Será promovida a participação plena da cidadania no processo de integração e união sul-americanas, por meio do diálogo e da interação ampla, democrática, transparente, pluralista, diversa e independente com os diversos atores sociais, estabelecendo canais efetivos de informação, consulta e seguimento nas diferentes instâncias da Os Estados Membros e os órgãos da UNASUL gerarão mecanismos e espaços inovadores que incentivem a discussão dos diferentes temas, garantindo que as propostas que tenham sido apresentadas pela cidadania recebam adequada consideração e resposta434.
A Cidadania Ambiental, objeto desta pesquisa, pode ser observada de
forma concreta com o disposto do artigo 18 do Tratado Constitutivo da
UNASUL. Trata-se de uma participação cidadã, com objetivo de integrar os
cidadãos por meio de espaços que viabilizem a discussão acerca de temas
relevantes. Coloca-se em destaque a questão do Meio Ambiente.
Uma Cidadania Sul-Americana com vistas na Sustentabilidade é uma
realidade que possui expectativas globais, com vistas no futuro, ainda que o
Tratado denote essa possibilidade apenas no contexto latino-americano.
Percebe-se o embrião daquilo que pode vir a ser uma cidadania global, que
433 A democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes
são reconhecidos alguns Direitos Fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra por alternativa, somente quando existirem cidadãos, não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p.01.
434 UNASUR. Tratado Constitutivo de la Unión de las Naciones Suramericanas. Disponível em: http://www.comunidadandina.org/unasur/tratado_constitutivo.htm. Acesso em 25 de fevereiro de 2015.
163
contemple as mais variadas dimensões. Na mesma perspectiva, Gudynas
explica que:
La nueva política para el desarrollo sustentable en América Latina requiere poner en primer plano a las personas como ciudadanos. Las metas de la sustentabilidad implican cambios profundas tanto a nivel social, como en las relaciones de la sociedad con el ambiente. En todos esos casos, se requiere de una activa participación, tanto a la hora de gestar los cambios como en llevarlos a la práctica. Por esas razones es necesario atender al concepto de ciudadano como actor y protagonista de la política435.
O paradigma estatal contemporâneo é capaz de ampliar o alcance da
Cidadania para fronteiras além do Estado. Essa possibilidade traduz um ideal
de cooperação e, por esse motivo, argumenta-se, fortemente a favor de
Cidadania estruturada em dimensões globais. O cidadão contemporâneo é
inserido cotidianamente em um contexto de internacionalidade436. O valor
universal Dignidade da Pessoa Humana sustenta os demais direitos
individuais, possibilitando a tutela de direitos, aglutinados em princípios de
liberdade, justiça, igualdade e Solidariedade.
Na UNASUL, evidencia-se a necessidade do paradigma da
Sustentabilidade, em todas as suas dimensões, a nível regional. Percebe-se o
caráter de Transnacionalidade, como elemento à Cidadania proposta no artigo
18 do Tratado Constitutivo, pois desde 2008, sinaliza-se para uma Cidadania
Sul-Americana.
O foco da Transnacionalidade, nos dias hoje, é visualizado com
facilidade nas questões ambientais. Na UNASUL, esta preocupação está
presente, à medida que a política de integração regional pode suprir esta
demanda em razão dos objetivos que permeiam o bloco. Evidencia-se um
processo biocêntrico437 iniciado no contexto latino-americano, com a
possibilidade de alargamento destas condições para uma dimensão planetária.
435 GUDYNAS, Eduardo. Ecología, Economía y Etica del Desarrollo Sostenible. p. 233. 436 Para Beck, a experiência cotidiana da ação sem fronteiras está presente nas dimensões da
economia, da informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade. O cotidiano da humanidade transformado, obriga as pessoas a se acomodarem e a fornecer respostas ao novo momento. BECK, Ulrich. O que é globalização? p. 47.
437 Adverte Gudynas que a postura biocêntrica não rechaça o protagonismo do ser humano em atribuir esses valores. GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Derechos de la Naturaleza y políticas ambientales en la nueva constitución. p. 43.
164
Em relação ao biocentrismo, enfatiza-se que o chamado novo
constitucionalismo latino-americano vai de encontro a essa possibilidade.
Chama-se atenção à Constituição do Equador, de 2008, que propõe inovações
nesse sentido, qual seja a admissão da Natureza como sujeito de direitos
(Direitos da Natureza). Legitimou-se a Pachamama como sujeito de direitos, ou
seja, que recursos naturais podem ser partes na relação jurídica processual438.
No mesmo diploma legal, houve destaque ao direito humano água, bem como
a possibilidade do Buen Vivir a partir de uma perspectiva ambiental bastante
avançada. O preâmbulo da Constituição do Equador preconiza que:
RECONOCIENDO nuestras raíces milenarias, forjadas por mujeres y hombres de distintos pueblos, CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, INVOCANDO el nombre de Dios y reconociendo nuestras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, APELANDO a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, COMO HEREDEROS de las luchas sociales de liberación frente a todas las formas de dominación y colonialismo, Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro, Decidimos construir Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir […] .
A partir do que os povos indígenas e andinos propõem, o Equador
demonstrou a viabilidade política-jurídica dos direitos da Natureza, enfatizando,
no mundo da vida e na Constituição, a Pachamama, da qual todos fazem parte
e que é vital para a existência humana. Na mesma perspectiva, a Bolívia é “[...]
país que está em el centro de mapamundi, tiene expresas manifestaciones a
este fenómeno em su texto constitucional del 2008, como quando em su
capítulo séptimo reconece los derechos de la naturaleza” 439.
Dessa forma, o princípio jurídico ordenador do Direito passa a ser a
sabedoria ancestral, qual seja, o Buen Vivir, centrado na preservação do Meio
Ambiente em todas as suas dimensões440. Gudynas reforça esse pensamento
438 FREITAS, Vladimir P. A natureza pode se tornar sujeito dos direitos? In: Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, SP. Coluna Segunda Leitura. Disponível em http://www.conjur.com.br/2008-nov-09/natureza_tornar_sujeito_direitos. Acesso em 01 de junho de 2015.
439 GRADOS, Guido Aguila. Guido Cesar Avila Grados, Kleber Cazzaro, Marcio Ricardo Staffen (orgs.). ¿Hacia um (neo) neoconstitucionalismo? In: Constitucionalismo em mutação: reflexões sobre as influências do neoconstitucionalismo e da globalização jurídica. Blumenau: Nova letra, 2013, p. 40.
440 MAMANI, Fernando Huanacuni. Buen vivir/vivir bien: filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas. Perú: CAOI. 2010, p. 12.
165
e adverte que não pode haver Buen Vivir sem uma natureza protegida e
conservada441. No cenário sul-americano, observa-se a “[...] priorità ala ricerca
del buon viviere; com rispetto del pluralismo economico, sociale, giuridico,
politico, culturale e linguístico [...]” 442.
Esta configuração visualizada no ambiente latino-americano possibilita
uma integração entre as culturas443 e as nacionalidades, devido ao
posicionamento geográfico e do pertencimento que une os sul-americanos.
Para Gudynas, essa tendência representa uma mudança radical em
comparação aos demais regimes constitucionais na América Latina444.
A Cidadania Ambiental, proposta pela UNASUL compatibiliza-se com o
que preconizam as novas Constituições sul-americanas445. Embora o agir
humano seja fundamental nesta caminhada rumo à sociedade sustentável, não
se pode deixar de mencionar que este não é mais o único detentor de direitos
subjetivos. O cidadão representa presente e futuro, na construção de novas
perspectivas de vida em relação aos recursos nacionais. Todavia, valores
foram deslocados para que o antropocentrismo fosse superado, em prol da
cosmovisão das sociedades tradicionais que resistem ao tempo no espaço sul
americano.
Nesse ponto, busca-se um posicionamento que rompe com as lógicas
antropocêntricas do capitalista enquanto civilização dominante e também dos
diversos socialismos realmente existentes até agora446. Estas iniciativas
revelam que o sonho de integração latino-americana sobrevive. A convergência
441 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Derechos de la Naturaleza y políticas
ambientales en la nueva constitución. p. 46. 442 ACUNÃ, Eduardo Rozo. Il Constitucionalismo in vigore nei paesi dell’ america latina. G.
Giappichelli Editore: Torino, 2012, p. 343. 443 Em relação à Colômbia, por exemplo, Acunã ressalta que a importância de um princípio
fundamental que possibilite o “[...] riconoscimento della diversità etnica e culturale della nazione colombiana, dalla qualle scaturisce l’obbligo dello Stato di riconescere non solo le diverse lingue , tradizioni e constumi, ma addirittura uma giurisdizione speciale por le popolazione indigene”. ACUNÃ, Eduardo Rozo. Il Constitucionalismo in vigore nei paesi dell’ america latina, p. 340.
444 GUDYNAS, Eduardo. El Mandato Ecológico. In: Derechos de la Naturaleza y políticas ambientales en la nueva constitución. p. 37.
445 Sobre estas, cabe ressaltar que, para Acunã, “È di grandi interesse constatare che il constituzionalismo ei paesi della Comunità Andina segue uma dele tendenza più importante del diritto pubblico latinoamericano di dare ai temi dell’istruzione, dell’università e della cultura rango e supremazia constitucionale”. ACUNÃ, Eduardo Rozo. Il Constitucionalismo in vigore nei paesi dell’ america latina. p. 505.
446 ACOSTA, Alberto. Riesgos y amenazas para el buen vivir. In: Ecuador Debate 84. Quito: 2011, p. 51-56, p. 56.
166
dos interesses dos Estados-membros, a concepção do que é verdadeiramente
um processo de integração e sua importância estratégica regional, a firmeza
dos propósitos de integração e a manutenção dos objetivos inicialmente
estabelecidos são os fatores que determinarão o futuro do bloco: seu sucesso
ou fracasso.
O objetivo da UNASUL é mais ambicioso que os tradicionais processos
de integração e procurar suplantar as assimetrias e fraquezas que afastam os
países da América do Sul, no longo caminho na busca da integração. A
construção de mecanismos que suplantem o mercado é fundamental na
superação do constructo integracionista com balizas prioritárias na questão
ambiental e ecocêntrica447. O processo de integração que Menezes menciona é
objetivo a ser conquistado, na América Latina, a partir da integração dos
diferentes povos. Embora a descendência dos latino-americanos seja comum a
todos os países, destaca-se que o debate multicultural permeia o Tratado
Constitutivo da UNASUL. Trata-se de um debate cultural448 que também é
pressuposto para a Cidadania Ambiental, à medida que cada povo possui uma
interação com o Meio Ambiente que lhe caracteriza.
O que precisa ser respeitado, na “arte de conviver com as diferenças”449,
são as experimentações e os significados peculiares aquela sociedade em um
espaço comum, a América do Sul. Ressalta-se o respeito e a Tolerância devem
estar presentes em diálogos que possibilitem a interação do Homem com a
Natureza a partir de suas heranças culturais, como elemento da Cidadania
Ambiental. O diálogo intercultural é dever da sociedade, pois mantêm a riqueza
humana dos cidadãos naquele espaço determinado.
O projeto político e jurídico da UNASUL possibilita que a Cidadania
Ambiental seja construída não a partir de determinações legais ou
institucionais, mas pela Sensibilidade e pelo exercício de valores cívicos
447 MENEZES, Wagner. Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). In: MERCADANTE, Araminta
de Azevedo. CELLI JUNIOR, Umberto. ARAÚJO, Leonardo Rocha de (coordenadores). Blocos econômicos e integração na América Latina, África e Ásia. Curitiba: Juruá, 2008. p. 158.
448 Para Cortina, cultura significa o conjunto de modelos de pensamento e de conduta que dirigem e organizam as atividades e produções materiais e mentais de um povo, em sua tentativa de adaptar o meio em que vive a suas necessidades, e que pode diferenciá-lo de qualquer outro. CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo. p. 148.
449 BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.183.
167
comuns que denotam o vínculo antropológico que une os latino-americanos.
Estes valores, quando experimentados, ampliam-se e convergem-se para
patamares mínimos comuns para a convivência de todos.
Em verdade, a UNASUL possibilita novos caminhos e desvela a
diversidade cultural e a qualidade de vida dos povos em uma política do ser,
uma política do devir e da transformação, que denota a antiga utopia da
América do Sul em seu protagonista do seu próprio futuro. Os cenários
culturais, no decorrer do tempo, denotam novos sentidos existenciais de
integração, possível, a partir da perspectiva preconizada no Tratado
Constitutivo da UNASUL.
Não é apenas a reivindicação dos direitos culturais, que incluem a
preservação dos usos e costumes de suas línguas nativas e de suas praticas
tradicionais, mas uma política cultural para reconstrução de identidades, para
projetar seus seres coletivos, transcendendo um futuro prefixado e excludente;
é resistência à hegemonia homogeneizante da Globalização econômica e
afirmação da diversidade criativa da vida, construída a partir da heterogênese
cultural-ecológica450.
A UNASUL representa um projeto compartilhado de integração e
convivência, capaz de viabilizar a Cidadania Ambiental onde os mínimos
comuns, se alcançados e experimentados, são responsáveis pelo novo cenário
latino-americano que se pretende conquistar, a partir do critério da união na
questão ambiental. A Cidadania Ambiental, nestes moldes, concretiza a ideia
de pertencimento, do “Estar Junto” com o outro, a partir de uma tarefa conjunta
e livre, assumida pelos cidadãos que buscam a realização de uma sociedade
sustentável, a partir dos objetivos do Tratado Constitutivo da UNASUL.
O compromisso social, político e jurídico que a UNASUL exige, para sua
concretização a Responsabilidade dos cidadãos por meio do respeito
recíproco, do Homem com todos os seres vivos. A força integradora do bloco
diz respeito a consciência humana de que faz parte da Natureza e, por esse
motivo, há necessidade de superação do antropocentrismo pela compreensão
de que depende do Meio Ambiente equilibrado e saudável para sobreviver. O
450 LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura. p. 275.
168
Homem, quando compreende o cosmos e seu destino pessoal451, constrói uma
nova Ética, e assim, o exercício da Cidadania Ambiental, viabilizada a partir do
artigo 18 do Tratado Constitutivo da UNASUL, é possibilitado no espaço sul
americano.
Recorda-se que a Ética ambiental que se pretende alcançar só será
possível por meio da Educação. Esta é responsável por fomentar processos de
autorreflexão e de reflexão coletiva capazes de garantir o direito e o dever a um
Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, como forma de efetivar o Direito
Humano Fundamental da Dignidade.
Pelo Tratado Constitutivo da UNASUL estruturar-se na
Transnacionalidade, essa condição permite que os países signatários
enfrentem o paradigma ambiental em repúdio ao antropocentrismo que vigorou
nos últimos séculos. Juridicamente, à nível de direito positivo interno, os países
vêm demonstrando sua preocupação com a questão ambiental, como o já
citado caso do Equador.
Por esse motivo, a UNASUL e o Constitucionalismo Latino-Americano,
na contemporaneidade, possuem características semelhantes. Quando as
normas jurídicas visam a proteção do Meio Ambiente e o novo paradigma da
Sustentabilidade, percebe-se que um tratamento diferenciado está sendo
conferido a questão ambiental.
A busca de uma sociedade sustentável, por meio de princípios como
liberdade, cooperação e Solidariedade, desvela-se o que pode ser, para além
de uma tendência, uma realidade nos próximos anos. As atenções conferidas à
temática, tanto no Tratado quanto nas normas constitucionais, refletem o
caráter biocêntrico que se almeja452, pois, a Natureza passa a ser sujeito de
Direitos, afirmando que não se trata nem de objeto e nem de patrimônio. O
bem comum, nessa perspectiva, é mencionado no preâmbulo do Tratado
Constitutivo da UNASUL e refletido nas Constituições recentes, como medida
de integração da comunidade latino-americana.
451 MEDEIROS, Fernanda F.; PETTERLE, Selma R. Biodiversidade: uso inclusivo e sustentável
do ambiente. In: Revista de Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre: Magister, 2005, v. 48, p. 10.
452 Capra propõe a ideia de valores biocêntricos, onde a Terra é o centro, e, por este motivo, reconhece-se o valor das vidas dos animais não humanos e da flora. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. p. 26.
169
A questão ambiental é pano de fundo para a consolidação dos objetivos
da UNASUL. Não se pode almejar objetivos comuns que não estejam atento a
esta problemática. Dessa forma, todos os povos, desde os tradicionais aos
mais contemporâneos, podem unir-se em torno de um “orizzonte comune”453,
efetivado pela Cidadania Ambiental que depende da Sensibilidade e da Razão
Sensível para se concretizar.
453 FORTI, Gabrio. In: Revista Italiana de Direito e Procedura Penal. p. 1356.
170
CONCLUSÃO
Os fundamentos teóricos apresentados nesta Dissertação objetivam a
análise e a estruturação um modelo de Cidadania Ambiental, capaz de
desvelar vínculos de Responsabilidade e integração entre os seres humanos e
Meio Ambiente, por meio da Educação Ambiental e de uma Estética de
Alteridade, na perspectiva sul-americana.
A investigação desenvolveu-se na Linha de Pesquisa Fundamentos do
Direito e da Democracia.
No desenvolver da pesquisa, o trabalho foi fracionado em três capítulos,
com a finalidade de organizar a pesquisa e para que o conteúdo pudesse ser
transmitido da forma mais clara possível.
A pesquisa justificou-se a partir do esmaecimento das necessidades dos
novos tempos, que perpassam de uma perspectiva individual para uma
perspectiva comunitária. Constatou-se que a Estética de Alteridade, proposta
por Maffesoli, é capaz de transformar as relações do Homem com o Homem e
do Homem com o Meio Ambiente, pois o “Estar Junto”, no cotidiano, denota
Sensibilidade e Socialidade, tão necessárias à individualidade egoísta na
Sociedade contemporânea.
Por meio da Educação, estes processos são desvelados, com objetivo
de disseminar o conhecimento e o ideal comunitário a partir da ideia do ser
humano como parte integrante do Planeta Terra. Para tanto, fomenta-se a
Educação Ambiental, dentro e fora do ambiente formal de ensino, direcionadas
a toda coletividade. A Educação Ambiental deve ser vivenciada nas
experimentações cotidianas de todos os seres humanos e se desvela como um
critério de Transnacionalidade na medida em que o theatrum mundi da vida de
todos os dias estimula o reconhecimento – e importância – do Outro. Em
relação à Natureza, para se ter uma convivência mais harmoniosa, é
necessário conhecimento, para que sejam desenvolvidas práticas cidadãs, as
quais se ampliam para além dos horizontes nacionais.
Seguiu-se a revisitação de alguns conceitos jurídicos que demandam
ressignificação, em especial, a Cidadania. Diante dos fenômenos sociais
171
ocorridos em todo mundo, a categoria precisa de um alcance jurídico maior,
devido suas transformações no tempo e no espaço, e a partir dos novos
contornos delimitados pelos fenômenos da Globalização, pela
Transnacionalidade e pelos pilares do Direito, da Democracia e da
Sustentabilidade.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, observou-se uma estreita
ligação entre o Homem e a Natureza. Essa ligação se refere à necessidade de
reconhecer como o mundo natural é indispensável ao desenvolvimento da vida.
Entretanto, a relação Homem versus Natureza atualmente, passa por uma crise
sem precedentes na História da Humanidade. A crise instaurada se justifica por
diversos motivos.
Primou-se, durante o processo civilizatório pelo desenvolvimento
desenfreado, pelo individualismo, pelo excesso do consumo e de acúmulo de
riquezas, dentre outros. Este cenário atendeu aos anseios progressistas e ao
bem-estar do Homem, mas, por outro lado, tornou-se um desvio civilizatório na
jornada humana e transformou o consumo em um ciclo vicioso. Para atingir o
desenvolvimento almejado, o Homem utilizou o mundo natural com voracidade
durante séculos. Esta exploração resultou na crise vivida nos dias de hoje, com
da velocidade máxima dos acontecimentos atuais. Diante da finitude dos
elementos naturais, a vida terrena tornou-se insustentável.
Como possibilidade de superação desta crise, esta pesquisa trouxe, em
seu primeiro Capítulo, a Estética de Alteridade como exercício de
reconhecimento interespécies, capaz de fomentar o “Estar Junto” com o Outro
e com o Meio Ambiente, em uma perspectiva global e comunitária. Retoma-se
a ideia das sociedades tradicionais no sentido da reaproximação, do
fortalecimento dos vínculos e do des-velo do belo e do harmonioso, diante da
teatralidade trágica do cotidiano na Pós Modernidade.
Feita estas considerações, buscou-se discorrer a respeito da Educação
Ambiental, como forma de efetivar a uma Cidadania com este viés. A retomada
histórica de documentos internacionais sobre o tema Educação Ambiental,
estruturam o processo educativo que se deseja, pautado em valores éticos,
fraternos e morais, nos mais diferentes segmentos da Sociedade.
172
Desta forma, a Educação dentro e fora da escola deve ser uma
realidade, direcionada tanto aqueles que estão em formação quando à
coletividade, em idade adulta ou infantil. A Educação que se almeja conquistar
será possível se vivenciada e experimentada no cotidiano, como processo
educativo permanente e coletivo. Possibilidades neste sentido viabilizam a
informação e esclarecimento da questão ambiental no Brasil e na América do
Sul, numa perspectiva solidária.
Ressaltou-se o valor da vida como Direito Fundamental e elemento de
sustentação a todo ordenamento jurídico. Em relação a este, o Estado é capaz
de tutelar, por instrumentos legais, o Meio Ambiente, a exemplo do artigo 225
da Constituição Federal do Brasil. Como o ser humano depende da Natureza
para manutenção e perpetuação de sua espécie, o aparato jurídico foi instituído
no sentido de proteger o mundo natural e garantir uma vivência digna aos
seres humanos.
Institui-se uma nova forma de relacionar Natureza e Humanidade, por
meio do paradigma da Sustentabilidade. Este princípio norteador das ações
humanas concretiza a manutenção de um ecossistema saudável e equilibrado,
com vistas nas gerações que ainda estão por vir, em processos de inter-
reciprocidade. A Sustentabilidade, quando vivenciada pelo Homem, pode ser
um caminho viável para diminuir o risco da finitude da vida humana na Terra,
além de ser fenômeno garantidor de um Desenvolvimento Sustentável.
Com vistas no futuro, busca-se mitigar às irracionalidades humanas e o
Direito auxilia neste processo. A legislação brasileira acatou as determinações
internacionais neste sentido. Desde a década de 1970, discussões a cerca do
tema espalharam-se pelo mundo, e o Brasil acompanhou estas iniciativas
internacionais, porém, uma legislação moderna não substitui o agir humano em
prol da questão ambiental. Por esse motivo, a Sociedade precisa reinventar-se
e repensar seu modelo de desenvolvimento. A Educação é um dos caminhos
para que essa condição se viabilize.
Além da Educação, os Direitos Fundamentais possuem uma função de
destaque nesta nova etapa do processo civilizatório. A aproximação entre
direitos individuais e direitos difusos, como o direito ao Meio Ambiente
173
equilibrado, fazem parte de uma construção social direcionada ao
desenvolvimento humano com vistas à Sustentabilidade.
O Poder Público e a Sociedade, conjugados, podem garantir um futuro
sustentável na questão ambiental, pois o paradigma que agora se propõe é
capaz de proporcionar efeitos transnacionais e acessíveis aos seres humanos.
O cenário ecológico mundial, que, desde 1970, é discutido de forma mais
intensa, permite perspectivas de superação de crise, a partir da adoção de
documentos e da agenda internacional acerca do tema.
Não se pode deixar de mencionar que o receptador de tudo que ocorre
no mundo é o Homem. As etapas ocultas do progresso e do desenvolvimento
desenfreado, referem-se à destruição e ao caos ambiental, não devem ser
repetidas. É motivo de preocupação o aumento dos problemas ambientais nos
últimos anos, com danos irreversíveis e sem limites territoriais. Dessa forma, a
órbita transnacional contemporânea está atenta a questão ambiental, que
atualmente, encontra-se insustentável.
É necessária uma nova forma de atuar no plano terrestre. Ao lado da
norma constitucional, do Direito Ambiental, da Educação e da Estética de
Alteridade, a situação do mundo natural pode, a partir do momento presente,
estar diante de uma nova configuração para o futuro.
A consciência cívica que reflete, de forma direta, no Meio Ambiente,
deve ser pautada nos pilares do Direito, da Democracia e da Sustentabilidade.
Diante da crise, e do aparato legal que ameniza, mas não soluciona por
completo o problema ambiental, faz-se necessário um novo modelo de
organização político, jurídico e social que não esvazie os significados do
Direito, da Democracia e da Sustentabilidade, mas que possa auxiliar o
Homem, em toda sua complexidade, no decorrer da História.
É por esta razão que os Direitos Fundamentais, em relação ao Meio
Ambiente, são difusos e transnacionais, e, por este motivo, guardam ligação
com a Cidadania. Para além do vínculo do sujeito com o Estado-nação e, para
além do exercício dos direitos políticos, estrutura-se uma nova Cidadania, cujo
critério de união é a ecologia. A Cidadania Ambiental possui caráter
transnacional e desvela novos significados que permitem o exercício de uma
Cidadania com foco na Sustentabilidade.
174
Esta perspectiva já é uma realidade no ambiente sul-americano. O
Tratado Constitutivo da UNASUL institui, no seu artigo 18, a possibilidade de
uma Cidadania nestes moldes, como estratégia geopolítica de integração. A
UNASUL expressa um projeto comum de integração e convivência, capaz de
viabilizar a Cidadania Ambiental em prol de um novo cenário latino-americano,
a partir do enfoque ambiental.
A Cidadania Ambiental efetiva a condição de “Estar Junto” com o outro,
demonstrada no primeiro Capítulo desta pesquisa, a partir de um compromisso
assumido pelos cidadãos, por meio da Estética de Alteridade, que almejam a
realização de uma sociedade sustentável, em uma condição “presenteísta” e a
partir dos objetivos do Tratado Constitutivo da UNASUL.
O compromisso social, político e jurídico que a UNASUL, representa
uma nova consciência e a Responsabilidade dos “cidadãos do mundo”, no
cenário da América do Sul. A partir desta abordagem, o Meio Ambiente é
objeto de um novo olhar pela Humanidade, com Ética e o Cuidado devidos,
limitando os efeitos perversos do desenvolvimento ocorrido até aqui.
A hipótese desta pesquisa foi confirmada, ou seja, é possível revisitar o
conceito de Cidadania e estruturar uma Cidadania Ambiental, que seja capaz
de desvelar vínculos de Responsabilidade e inclusão entre os seres humanos,
por meio da Educação Ambiental e de uma Estética de Alteridade, vivenciadas
no momento presente.
Ressalta-se, porém, que a o Meio Ambiente, como critério de união dos
seres que habitam esse Planeta é capaz de transnacionalizar os direitos, desde
que haja um núcleo social preparado para as mudanças que estão por vir.
Dessa forma, concretiza-se uma Cidadania Ambiental, que seja capaz de
desvelar vínculos de Responsabilidade e inclusão entre os seres,
cotidianamente, por meio da Educação Ambiental e de uma Estética de
Alteridade, de modo a apresentar respostas concretas à crise ecológica
contemporânea, em prol do bem comum mundial.
175
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