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FALEIROS, V. P. Saber institucional e poder institucional. São Paulo: Cortez, 5ª ed., 1997. INTRODUÇÃO “A presente publicação reúne textos elaborados entre 1979 e 1984 e cujo tema central é a análise d poder institucional e do saber profissional.” (p. 7) “Na perspectiva de análise aqui presente considera-se que saber profissional e poder institucional são formas históricas da relação entre classes e forças sociais e da relação entre Estado e sociedade. A produção e a organização do saber profissional são processos de domínio e de legitimação de classe, de controle e de direcionamento da dinâmica social. O saber é uma forma de enfrentar desafios da natureza como de contornar ou estimular conflitos, de justificar ou criticar a ordem social, de articular a continuidade ou transformação da sociedade e se coloca no processo da luta de classes e da correlação de forças sociais. O saber é práxis, concepção de mundo em conflito, relativo às relações de classes e forças sociais.” (p. 07-08) “A construção de uma força social implica a descoberta de interesses comuns, o estabelecimento de relações entre os atores, a formulação de estratégias e táticas, e a mobilização de recursos na conjuntura. Uma força se constitui na dialética da identidade e da oposição, na descoberta de interesses próprios em conflito com o adversário, no enfrentamento por defender ou conquistar posições. Para ganhar posições é preciso a consciência da posição que se tem, da força do adversário e do processo global das condições de manobra, isto é, de avanços e recuos imediatos e de longo alcance e das mediações necessárias para isto, articulando-se organização, mobilização e saber.” (p. 09) “As instituições representam, contraditoriamente, a expansão da gestão do capital sobre a vida cotidiana e das formas organizativas e de mobilização de recursos das classes dominantes em relação aos conflitos e ameaças à ordem social e à expansão das conquistas populares, de formas de organização das categorias atendidas pelas instituições e de mobilização por reivindicações que se tornam expressam justamente pela feição institucional que assumem. A gestão estatal é uma gestão capitalista que articula os conflitos e ameaças ao processo geral de acumulação de capital. Esta articulação, no entanto, não é mecânica e automática. Ela se processa na dinâmica dos enfrentamentos de forças que dividem o próprio bloco de poder e as propostas internas das instituições.” (p. 09) “Saber analisar estas forças em cada conjuntura para nelas inscrever estrategicamente a atuação (saber fazer) profissional são processos dialéticos fundamentais para superar o tecnocratismo e o tecnicismo. O primeiro se caracteriza pelo predomínio da ideologia da racionalidade arbitrária, que se coloca acima da sociedade com a lógica da otimização de recursos e o segundo pelo pragmatismo em isolar e trata cada problema fora da correlação de forças.” (p. 10) “(...) o saber resolver problemas é resultado da correlação de forças dos enfrentamentos e da luta pelo poder. Saber e poder são meio e fim que se articulam em cada conjuntura: saber para poder e poder para saber.” (p. 10) “Estas propostas não são argumentações isoladas, mas formam um paradigma de análise institucional e profissional. As críticas a elas e em especial às minhas formulações, podem ser agrupadas em três tipos: a crítica ao trabalho

FALEIROS. Saber Profissional e Poder Institucional

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Parte 1

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FALEIROS, V. P. Saber institucional e poder institucional. So Paulo: Cortez, 5 ed., 1997.INTRODUO

A presente publicao rene textos elaborados entre 1979 e 1984 e cujo tema central a anlise d poder institucional e do saber profissional. (p. 7)

Na perspectiva de anlise aqui presente considera-se que saber profissional e poder institucional so formas histricas da relao entre classes e foras sociais e da relao entre Estado e sociedade. A produo e a organizao do saber profissional so processos de domnio e de legitimao de classe, de controle e de direcionamento da dinmica social. O saber uma forma de enfrentar desafios da natureza como de contornar ou estimular conflitos, de justificar ou criticar a ordem social, de articular a continuidade ou transformao da sociedade e se coloca no processo da luta de classes e da correlao de foras sociais. O saber prxis, concepo de mundo em conflito, relativo s relaes de classes e foras sociais. (p. 07-08)

A construo de uma fora social implica a descoberta de interesses comuns, o estabelecimento de relaes entre os atores, a formulao de estratgias e tticas, e a mobilizao de recursos na conjuntura. Uma fora se constitui na dialtica da identidade e da oposio, na descoberta de interesses prprios em conflito com o adversrio, no enfrentamento por defender ou conquistar posies. Para ganhar posies preciso a conscincia da posio que se tem, da fora do adversrio e do processo global das condies de manobra, isto , de avanos e recuos imediatos e de longo alcance e das mediaes necessrias para isto, articulando-se organizao, mobilizao e saber. (p. 09)

As instituies representam, contraditoriamente, a expanso da gesto do capital sobre a vida cotidiana e das formas organizativas e de mobilizao de recursos das classes dominantes em relao aos conflitos e ameaas ordem social e expanso das conquistas populares, de formas de organizao das categorias atendidas pelas instituies e de mobilizao por reivindicaes que se tornam expressam justamente pela feio institucional que assumem. A gesto estatal uma gesto capitalista que articula os conflitos e ameaas ao processo geral de acumulao de capital. Esta articulao, no entanto, no mecnica e automtica. Ela se processa na dinmica dos enfrentamentos de foras que dividem o prprio bloco de poder e as propostas internas das instituies. (p. 09)Saber analisar estas foras em cada conjuntura para nelas inscrever estrategicamente a atuao (saber fazer) profissional so processos dialticos fundamentais para superar o tecnocratismo e o tecnicismo. O primeiro se caracteriza pelo predomnio da ideologia da racionalidade arbitrria, que se coloca acima da sociedade com a lgica da otimizao de recursos e o segundo pelo pragmatismo em isolar e trata cada problema fora da correlao de foras. (p. 10)

(...) o saber resolver problemas resultado da correlao de foras dos enfrentamentos e da luta pelo poder. Saber e poder so meio e fim que se articulam em cada conjuntura: saber para poder e poder para saber. (p. 10)Estas propostas no so argumentaes isoladas, mas formam um paradigma de anlise institucional e profissional. As crticas a elas e em especial s minhas formulaes, podem ser agrupadas em trs tipos: a crtica ao trabalho poltico, a crtica ao espao institucional e a crtica anlise histrico-estrutural. (p. 10)A primeira crtica considera que a relao entre ao profissional e ao poltica dogmatiza e radicaliza o papel do trabalhador social, esquecendo o trabalho institucional. (...) os atores institucionais rejeitaram o referencial da anlise e a crtica neutralidade de sua ao. A acomodao, a defesa do sistema, da hegemonia burguesa e do empreguismo passam pela ideologia do profissionalismo, que coloca o ator institucional como mediador no conflito de foras ou como solucionador de problemas do ser em situao, na busca da verdade. (p. 10-11)

A segunda crtica provem de uma viso esquerdista das instituies, pois no Novo Mundo, no modo de produo do Homem Novo (...) no haver muito espao para o Servio Social, na profisso para este mundo de Capital-Trabalho. E na sada? uma aliana de subordinao necessria da profisso ao trabalho, aos trabalhadores. (p. 11)Nesta perspectiva de subordinao do profissional no h realmente espao para uma aliana, ficando esdrxula a expresso aliana de subordinao. (p. 11)Em terceiro lugar vou referir-me posio que acha que na relao vivencial de produo que vo ocorrendo explicaes e, ao mesmo tempo, alteraes no processo, pois, o concreto se constitui do conhecimento sobre o real, ou seja, a ao explica a ideia (p. 70), isto , as relaes concretas vividas pelo assistente social no momento histrico em que elas predominaram (p. 72). Esta orientao recusa a perspectiva da totalidade por considera-la um quadro pr-elaborado da realidade. (p. 11-12)A relao profissional-cliente no uma vivncia isolada e seria um absurdo afirmar que o vivido explica o pensado. atravs de mediaes que o pensamento penetra na complexidade da realidade histrica, pois a descoberta das relaes sociais mais profundas no se d na imediatez do vivido, embora nele estejam presentes. (p. 12)(...), enfatizo a articulao entre as condies polticas subjetivas, a formao da vontade coletiva no cotidiano, no vivido, com as condies da produo que se tornam conscientes e objeto de ao. A transformao dessas condies em objeto de ao, em ponto de partida de uma estratgia complexa de mediaes tericas e prticas, constitui o trabalho metodolgico do saber do trabalhador profissional. (p. 12)

(...) a prxis da poltica mais vantajosa para as classes populares deriva da troca de saberes entre profissionais e populao, isto , da anlise dos pontos de vista em presena e de seus fundamentos na complexidade conjuntural/estrutural. Nesta complexidade inscreve-se a prpria instituio, atravessada por lutas e formas de organizao que mudam constantemente com a formao de blocos e alianas, divises e fracionamentos. Reduzir tudo isto a um relacionamento vivencial esvaziar e personalizar as relaes estruturais/conjunturais das foras sociais, (...). (p. 12)Parte 1 A INSTITUIO: PODER E SABER

Captulo 1

POLTICA SOCIAL E SERVIO SOCIAL

1. Retrospectiva histricaOs livros publicados pela Cortez Editora, no Brasil, retomam algumas teses que mostram preocupao com as polticas sociais de sade, planejamento e habitao, (...). (p. 16)

A volta para o estudo das polticas sociais por parte dos assistentes sociais latino-americanos reflete dois tipos de impasses na elaborao da teoria e na atuao prtica: um referente concepo de que atravs das relaes imediatas que atua o assistente social e o segundo referente prpria metodologia como forma de generalizar a atuao profissional. (p. 16)

Baseado numa tradio de relaes interpessoais, o Servio Social tomou o relacionamento como forma privilegiada de atuao profissional. Este relacionamento se baseava nos processos de casos, grupos e comunidades, em que o profissional pensava ou julgava atuar atravs de fatores psicossociais inerentes sua prpria personalidade para influir nas decises pessoais de sua clientela. (p. 16)Esta concepo advinha de uma ideologia humanista que pretendia personalizar as relaes existentes no meio com uma presena calorosa e acolhedora de um profissional que soubesse, antes de mais nada, escutar as queixas da clientela. (p. 16)Sem preparao para um trabalho psicolgico mais profundo, a atitude de escuta tornou-se incmoda. Em primeiro lugar, no trazia solues concretas problemtica apresentada. Em segundo lugar, no levava a uma avaliao mais crtica da situao e ficava-se num relacionamento baseado nos valores sociais do prprio profissional. O aconselhamento valorativo tornou-se caracterstica da ao do assistente social. (p. 16)(...) esta escuta humanizada servia como legitimao de um processo de explorao. (p. 16)Esta atividade se foi modificando frente ao prprio questionamento do profissional pelas classes dominadas e pela exigncia de produtividade do prprio capitalismo. (p. 17)

O assistente social tornou-se ento um solucionador dos problemas que se apresentassem diante dele. Contudo, eram tantos os problemas apresentados, que se alargou e se esvaziou a prpria atividade profissional. Os problemas eram identificados pela prpria instituio, pelos prprios objetivos do contexto em que atuava o assistente social, obrigando-se este manipulao de certos recursos e a partir deles pensar os problemas apresentados. (p. 17)

A diversidade de problemas a partir da tica institucional levou a uma busca de unificao metodolgica da atuao profissional. (p. 17)

No entanto, a busca de um mtodo comum a tantos problemas eliminou a questo central da discusso, isto , o contexto institucional e de poder da atuao profissional. (p. 17)

Esta eliminao se faz de duas formas: em primeiro lugar pela reduo da metodologia a uma srie de etapas de conhecimento e tambm pela volta a uma atuao antiinstitucional, isto , a partir de movimentos sociais que combatessem estas instituies. (p. 17)

A volta, ou a preocupao com a teoria do conhecimento, com o saber desvinculado das questes do poder, traduziu-se num idealismo e num metodologismo que j foi duramente criticado. (p. 17)(...), no haveria nenhuma distino entre militncia poltico-partidria e trabalho social. O trabalhador social seria um tipo de profissional da revoluo para levar classe, ou s classes oprimidas, a libertao. Sendo um conceito ou uma noo bastante vaga, ele serviu de cobertura a um humanismo individualista, a vises partidrias e tambm a um processo de compreenso da realidade de opresso na Amrica Latina. (p. 18)

O binmio opresso-libertao era visto como uma dicotomia, como luta de classe contra classe, sem, no entanto, ter em conta a realidade concreta da diviso social em classes e suas manifestaes na realidade latino-americana. (p. 18)

As dicotomias permearam a compreenso da realidade latino-americana substituindo o velho dualismo entre tradicional e moderno por outras formas de dualismo, sem ter conta a complexidade da realidade social. (p. 18)

Os que viam na metodologia apenas um meio de melhorar sua eficcia e sua eficincia no trabalho institucional no souberam distinguir os objetivos institucionais. (p. 18)Esta confuso advm da prpria realidade institucional em que se situa o Servio Social e da inconsistncia terica da profisso. Do ponto de vista terico, ainda faltam estudos e contribuies que venham trazer um pouco mais de luz ao debate sobre o objeto e os objetivos da profisso. (p. 19)

Estes impasses levaram a uma reflexo terica sobre o trabalho social e a uma retomada, em outros termos, da discusso de sua prtica. (p. 19)2. A redescoberta das mediaes

O Servio Social no uma profisso liberal. O prprio desenvolvimento do capitalismo vem levando o assistente social a incorporar-se em diversas tarefas como um assalariado. A condio de trabalho do assistente social de assalariado. A realidade concreta levou-o a questionar-se sobre a compra e venda de sua fora de trabalho, de sua utilidade para o capital, de sua produtividade e improdutividade. (p. 19)A questo do assalariamento parecia encoberta pela prpria viso humanista que fazia o Servio Social aparecer como um sacerdcio, (...). (p. 19)

A questo do assalariamento parecia encoberta pela prpria viso humanista que fazia o Servio Social aparecer como um sacerdcio, uma atividade benevolente e sem o carter especfico determinado pela sua insero no processo tcnico e social do trabalho. (p. 19)O trabalho concreto do assistente social encobria seu carter abstrato. Este trabalho concreto parecia til em si mesmo aos indivduos, oferecendo-lhes pequenas compensaes na realidade de explorao, mas abstratamente o assistente social vende sua fora de trabalho e, portanto, se encontra nas mesmas condies de explorao. (p.19)(...), a reflexo sobre as condies institucionais vieram mostrar a realidade do Servio Social como subordinado no processo decisrio. O assistente social um trabalhador de linha nas instituies e no de staff, como se diz hoje na moderna teoria organizacional. (p. 19-20)Sem poder ter deciso ao nvel global, ele utiliza a manipulao de pequenos recursos para reforar seu prprio poder pessoal. (...), o relacionamento pessoal com a clientela esconde uma relao de poder muito mais ampla que o assistente social se insere frente a uma populao dividida e carente de poder sobre a vida. (p. 20)O carter ideolgico da atuao profissional uma forma de ocultao, mas tambm de inverso das relaes de poder em relaes pessoais. A prpria prtica do relacionamento pessoal faz com que as relaes de poder e explorao apaream como relaes pessoais. (p. 20)A reflexo a partir do trabalho concreto e abstrato do assistente social foi levando a novos impasses. (...), o empreguismo, a burocracia e o paternalismo comearam a ser mais profundamente questionados. Viu-se ento a necessidade de repensar as mediaes da atuao profissional numa perspectiva mais global, a ponto de situ-la no contexto do Estado capitalista. (p. 20)

3. As mediaes globais no estado capitalista

(...) a reflexo sobre o Estado capitalista ficou voltada apenas para a lgica da acumulao. A vinculao estreita entre acumulao de capital e interveno estatal levou a uma considerao do processo de acumulao ampliada, apenas de carter genrico, sem ter-se em conta a histria do Estado em cada pas latino-americano. (p. 21)A lgica da acumulao e da dominao no so processos lineares, rgidos, estandartizados, mas as prprias relaes de classe e de fora so processos estruturais que condicionam o processo de acumulao. (p. 21)

A reflexo sobre este processo de acumulao levou a considerar o Servio Social como uma forma de reproduo do capital atravs da reproduo da fora de trabalho. A questo ver a lgica da acumulao como um processo contraditrio e no como um compl ou fruto de uma fuso ntima entre Estado e capital. (p. 21)O processo de acumulao na Amrica Latina vem se modificando qualitativamente e reforando a presena hegemnica do capital multifuncional. (p. 21)

As formas desenvolvidas pelo processo de acumulao nas reas chamadas do social vm utilizando trs formas de interveno. (p. 22)

Em primeiro lugar, a lgica da acumulao se manifesta pela mercantilizao dos servio sociais. Esta mercantilizao implica a transformao de situaes de perda de capacidade de trabalho em fontes de lucro. (p. 22)

(...), a prestao de servios pelo Estado se torna uma forma de socializao de certos custos, eliminando-se a concorrncia entre empresrios e diminuindo os custos de produo. A previdncia social se torna uma forma de criao de um novo mercado, mas controlado pelo prprio Estado, em que o segurado para indireta ou diretamente pelos servios e benefcios que venha a usufruir. (p. 22)Outra forma pela qual o Estado incorpora os servios sociais atravs da obrigatoriedade de uma poupana compulsria. Esta poupana permite o desenvolvimento do capital financeiro e os programas chamados sociais servem de instrumento para aumentar o nvel de poupana. Essa arrecadao obrigatria, atravs de contribuies para a grande quantidade de fundos controlados pelo Estado, servem ao mesmo tempo para financiamento de grandes projetos e no voltam necessariamente populao. (p. 23)Na Amrica Latina, a tendncia ao autoritarismo faz com que estes processos de mercantilizao e de poupana obrigatria venham de cima para baixo. (p. 23)O Estado absorve a prpria sociedade civil e retira desta seus mecanismos de representao e seu poder de mobilizao. As grandes decises polticas tornam-se cada vez mais centralizadas, tornam-se controladas pelo bloco do poder atravs de formas de dominao autoritria. (p. 23)(...), na prtica cotidiana, parece que a lgica da equivalncia se desfaz, visto que certos benefcios e certos direitos so concebidos pelas relaes pessoais e paternalistas. (p. 23)

O paternalismo consiste na manuteno ou na distribuio de um direito como se fosse um favor, obtendo-se em troca a lealdade do indivduo. (p. 23)

No entanto, necessrio considerar outras mltiplas formas de gastos improdutivos do Estado para atender s necessidades indispensveis valorizao do capital, mas que no so necessrias produo de mais-valia. (p. 24)Uma srie de programas temporrios, especficos, regionalizados e mesmo controlados por caciques polticos, so ainda instrumentos de interveno do Estado e neles se empregam tambm assistentes sociais. (p. 24)

4. A gesto da vida cotidiana

A ideologia distributiva sob qual se apresentava o Servio Social vem desaparecendo nas novas relaes que o Estado e os monoplios vo estabelecendo com a populao no seu conjunto. (p. 24)Para obter mais recursos o Estado est necessitando transformar a populao toda num exrcito de contribuintes, por um lado, e de produtivos, por outro. (p. 24)O cidado se torna contribuinte mas, pelo autoritarismo, no tem o direito de controlar a prpria aplicao de seus tributos e os servios prestados pelo Estado vo se tornando cada vez mais caros. (p. 24)

Aumentam-se constantemente os preos dos servios pblicos e as contribuies, e o indivduo da Amrica Latina trabalha ao mesmo tempo para a empresa e para pagar os tributos do Estado. Seu oramento cada vez mais absorvido pelas imposies compulsrias do Estado. Se a empresa produz ao mesmo tempo o objeto e o prprio trabalhador, a interveno do Estado vem produzindo o pagador de impostos. (p. 25)

Estas novas relaes do Estado com a populao e sua interveno na vida cotidiana exigem tambm um contingente amplo de funcionrios que devam controlar e fiscalizar estas contribuies. Mas a fiscalizao recai sobre o cidado e no sobre as prprias condies que geram o problema. (p. 25)

5. Os movimentos sociais e as novas mediaes

As reaes a esta interveno do Estado na vida cotidiana vm sendo desenvolvidas por novas e velhas organizaes populares que tentam mediatizar uma ao poltica para intervir e modificar as condies em que se relacionam com o prprio Estado. As organizaes populares que vm se desenvolvendo para reagir s polticas sociais colocam em questo no s estas polticas a curto prazo, mas seu processo de transformao a longo prazo. (p. 25)As prprias polticas sociais, ao classificar a clientela, ao mercantilizar os servios, ao obrigar certos tipos de contratos e de critrios, ao determinar a quantidade e a qualidade dos servios, criam condies para uma mobilizao, um questionamento, um agrupamento da populao. (p. 25)

A interveno leva a uma categorizao, mas a categorizao determinada pela poltica social ao mesmo tempo um fator de conflito e de reao interveno do Estado. (p. 25)

A prpria interveno do Estado no monoltica. O Estado uma condensao de foras e as mediaes realizadas por ele so relaes e no suportes. (p. 26)

As aes estatais so relaes, isto , so processo de enfrentamento, de conflitos, no de indivduos isolados, mas de foras que se estruturam, se organizam e se mobilizam de forma diversificada. (p. 26)

(...), a compreenso da interveno do Estado vem se modificando na prtica cotidiana dos assistentes sociais. Um dos conceitos mais utilizados atualmente o de espao no trabalho. (p. 26)

Este espao entendido como relao: no h espao homogneo e preexistente, mas ele criado e retomado conforme cada conjuntura. (p. 26)

A separao rgida entre estrutura e conjuntura levou a ver a atuao profissional apenas como uma interveno conjuntural nas relaes pessoais e no como uma relao de fora, que e ao mesmo tempo dinmica e contraditria. (p. 26)

A relao do profissional no processo de interveno do Estado, na mediao estatal, vista de maneira contraditria, possibilitando ao mesmo tempo um reforo do processo de acumulao e dominao, como um reforo e uma contribuio ao fortalecimento das organizaes populares. (p. 26)

O saber profissional, a competncia legitimada pela instituio serve ou tem servido justamente para deslegitimar e desmobilizar as organizaes populares. O processo de conhecimento pois uma relao de fora. A preocupao de que este conhecimento profissional venha a servir produo de conhecimentos por parte das organizaes populares. (p. 27)

A manipulao de recursos se coloca como um critrio de saber. O desafio da atuao profissional desenvolver mediaes que levem ao controle democrtico desses recursos institucionais pela populao. (p. 27)

O reforo e o fortalecimento das organizaes populares implicam tambm a reconsiderao dessas mediaes e da a necessidade de uma anlise dos processos especficos, das correlaes de fora em cada instituio, em cada local de trabalho, para que se produzam efeitos da ao profissional tanto ao nvel institucional como ao das organizaes populares. (p. 27)

A prtica profissional se torna cada vez mais complexa e no pode mais ingenuamente ser reduzida a entrevistas, reunies e visitas e nem a um militarismo partidrio sectrio. Ela se torna um saber estratgico. Ela se torna um saber ttico. Um saber que necessita situar-se num contexto poltico global e num contexto institucional particular, visualizando as relaes de saber e poder da e com a prpria populao. (p. 28)

Saber utilizar os recursos institucionais em funo dos interesses da populao vem se tornando um desafio cada vez maior da atuao profissional. Exige-se hoje do profissional no mais uma competncia individual, mas uma reflexo coletiva para saber o momento oportuno de avanar e de recuar na sua estratgia institucional e em relao aos grupos populares. (p. 28)

As relaes da populao com o Estado no podem ser eliminadas por um passe de mgica e mesmo nas sociedades no-capitalistas h uma maior relao da populao com o Estado. necessrio repens-las na prtica cotidiana como relao de foras e numa perspectiva terica aberta e capaz de traduzir-se metodologicamente. (p. 28)

O desenvolvimento das organizaes profissionais vem contribuindo para esse posicionamento, que no esttico, mas dialtico e articulado em cada situao concreta de forma diversificada. (p. 28)

Tanto as vises do Servio Social como ao benevolente, quanto como contrapoder revolucionrio, esto sendo repensadas e revistas no contexto da complexidade da interveno do Estado e da mobilizao popular. A contribuio de Gramsci tem sido fundamental para esta viso. (p. 28)

Captulo 2

ESPAO INSTITUCIONAL E ESPAO PROFISSIONAL

Uma das crticas ao movimento de reconceituao foi a de abandonar, de certa forma, a considerao do trabalho institucional do Servio Social. (p. 29)(...): a reconceituao, afinal, no passa de um movimento puramente acadmico desvinculado da prtica predominantemente institucional? (p. 29)

S a crtica no pode mudar as instituies. So necessrias uma nova correlao de foras e uma estratgia capazes de implementar a mudana. (p. 30)

A principal falha do movimento de reconceituao talvez tenha sido a de superestimar a fora da crtica, sem ter em conta as resistncias ao processo de mudana institucional. (p. 30)

A preocupao com a prtica institucional veio a ser uma nova tnica, uma tendncia que se ope ao movimento de reconceituao. (p. 30)O movimento reconceituador busca uma profunda vinculao com os movimentos sociais e as lutas populares, criticando a ineficincia e o carter adaptativo da ao profissional frente aos problemas sociais. (p. 30)

Para a maioria dos profissionais a reconceituao no passou de um epifenmeno. As rotinas e tcnicas pouco foram modificadas. A diferena que as prprias instituies esto se modificando, exigindo do trabalho profissional uma readaptao aos novos requisitos impostos pelo desenvolvimento das foras produtivas. (p. 31)

(...), no so os trabalhadores sociais que esto provocando as mudanas institucionais mais significativas. So as novas polticas exigidas pelo processo de modernizao que esto impondo novos padres de eficcia e eficincia. No se deve entender modernizao como uma evoluo autnoma, mas como resultante do processo global das contradies sociais. (p. 31)

A preocupao com o trabalho institucional tem um duplo aspecto: em primeiro lugar, reafirma a prtica estabelecida, numa reao ao movimento de reconceituao e, em segundo, uma adaptao prtica de modernizao. (p. 31)

1.Espao poltica das instituies sociais

As instituies sociais ocupam um espao nos meandros das relaes entre o Estado e a sociedade civil. (p. 31)Elas se organizam como aparelhos das classes dominantes para desenvolver e consolidar o consenso social necessrio sua hegemonia e direo sobre os processos sociais. (p. 31-32)

As instituies no so um simples fenmeno superestrutural. So organizaes transversais a toda a sociedade. Elas aparecem como mecanismos reguladores das crises do desenvolvimento capitalista em todos os nveis. Mesmo distantes de uma empresa, elas podem compensar desequilbrios do processo produtivo. No interior de uma empresa produtiva, a institucionalizao dos servios sociais est vinculada ao processo poltico global do desenvolvimento das condies da acumulao do capital. (p. 32)

A face humanista das instituies esconde o uso da violncia, pela busca do consentimento, da aceitao, numa srie de mediaes organizadas para convencer, moldar, educar a compreenso e a vontade das classes dominadas. (p. 32)

Nessa mediao predominam os mecanismos ideolgicos e profissionais para cooptar as insatisfaes geradas pela vivncia dos problemas cotidianos. (p. 32)

(...), no interior das instituies, a coero se exerce de forma social, moral e psicolgica, utilizando as presses decorrentes da situao de autoridade, disciplina e conhecimento. (p. 32)A instituio e a categorizao institucionais se fazem em nome da normalizao. (p. 33)

As instituies so veculos da mercantilizao de bens e servios, transformando as relaes sociais em relao de compra e venda nos domnios da educao, sade, do albergue. (p. 33)

As instituies, como instrumentos de polticas sociais, estruturam-se em funo de categorias especiais de clientela, que variam segundo o contexto econmico, social e poltico. (p. 34)

A ameaa s classes dominantes pode ser caracterizada fundamentalmente em duas ordens: ameaa reproduo da fora de trabalho e ameaa paz social. (p. 34)Os problemas que afetam o conjunto das classes dominadas so parcializados, abstrados, analisados, separados, classificados por categorias, que fragmentam estas classes em setores (...). Aparentemente, nega-se a existncia de classes sociais para evitar uma possvel conscincia de classe. (p. 34)

As classificaes tcnicas e profissionais justificam e consolidam esta fragmentao poltica. Tipifica-se a clientela ainda mais, seja por suas caractersticas fsicas, psicolgicas ou sociais. (p. 35)

A atuao do profissional torna-se subsidiria da ao poltica. (p. 35)

A perturbao da ordem social, percebida pelas classes dominantes como ameaa, gera instituies para o controle, a circunscrio e a diminuio do problema. (...) confunde-se o desaparecimento dos problemas com a excluso das pessoas do seu meio social. (p. 35)

A ordem social e a paz social propiciam as condies necessrias para que o processo de acumulao do capital no seja ameaado pela perturbao das relaes sociais de produo, para que a propriedade dos meios de produo no seja ameaada. (p. 36)

As classes dominantes necessitam de canais institucionais para dar vazo s demandas das classes dominadas, apazigu-las e control-las. (p. 36)No caso de fortes presses polticas, as classes dominadas se organizam como classe, recusando suas fragmentaes. As instituies de poltica social so ento incapazes de absorver essas presses, que so transferidas rea da poltica de Estado. (p. 37)2.A dialtica das mudanas institucionais e suas formas pr-capitalistas e capitalistas

As instituies de poltica social so limitadas a duas grandes categorias de clientela: os inaptos ao trabalho e os inaptos sociais. A inaptido ao trabalho resulta da falta de condies da produtividade da mo-de-obra: (...). A inaptido social resulta das condies psicossociais da mo-de-obra: (...). (p. 37)

No processo institucionalizado de readaptao social diferentes profissionais, exercendo distintas funes, no formam um bloco homogneo. Divergncias entre administrados e administradores, categorias profissionais, transformam esses lugares em campo de competio e luta. Os profissionais defendem sua autonomia de ao contra os burocratas que querem aumentar os controles e as padronizaes. (p. 37)

Essa confrontao e essa burocratizao transformam as instituies em fins em si mesmas, com formas especficas de reproduo de suas normas e funes. A clientela se transforma em meio para a realizao profissional, a conquista do status e do poder. Estas contradies colocam as instituies em choque com a sociedade em seu conjunto, com as classes dominadas, com o Estado, obrigando-as a mudar seus mecanismos de legitimao e controle. (p. 37)

Essas lutas internas e os conflitos externos fazem das instituies processos dinmicos. (p. 38)

As instituies capitalistas, modernas utilizam a prestao de servios profissionalizados e burocratizados. Os casos so decididos em base aos conhecimentos profissionais e os problemas so profissionalizados. (p. 39)

A atuao profissional ocupa os espaos deixados pelos voluntrios e prticos, mas os profissionais so por sua vez desprofissionalizados pelo regime salarial a que so submetidos, pelo controle burocrtico, pela especializao de funes. (p. 39)

As instituies se tornam veculos para mediatizar a igualdade pela integrao ao modo industrial-urbano-consumidor das populaes consideradas marginalizadas, desintegradas, desfavorecidas. (p. 40)

A ideologia tecnocrtica acredita no avano contnuo do progresso tecnolgico e na ao racionalizadora dos processos decisrios sobre as operaes de produo e as aes sociais. (p. 40)

As formas de assistncia e prestao de servios foram criticadas. Pode-se mesmo falar de uma crise institucional, agravada pela crise fiscal do Estado, que viu seus recursos restringidos pelo aumento dos preos do petrleo. (p. 40)

3.As formas pblicas e privadas

Assiste-se a um processo de centralizao e de concentrao das instituies, com um rgo central controlador e unidades executoras locais ou regionais. (p. 41)

Os organismos pblicos e privados se complementam mutuamente. Os primeiros, em geral, assumem os servios no-lucrativos, tendo como categoria alvejada as camadas mais pobres da populao e assumindo os servios mais caros, como os equipamentos hospitalares de alto custo. Realiza-se assim uma verdadeira socializao dos custos. As organizaes privadas possuem clientelas que podem pagar os servios prestados, quando no so financiadas diretamente por elas, atravs dos poderes pblicos. (p. 41)

A diviso social do trabalho implica no s duplicidade, mas uma diviso qualitativa. Os servios pblicos so, em muitos pases, de segunda qualidade, burocratizados, lentos. Os servios privados aparecem como eficazes e rpidos. Mas, em realidade, h uma complementao. Uns dependem dos outros para certos servios. A tendncia a utilizao dos setores privados como canais do poder pblico, como j acontece com os bancos para o recolhimento e pagamento de impostos e taxas. (p. 42)

A modernizao das instituies implica a modernizao de seus profissionais e tcnicos. (...) a adoo de inmeras estratgias de administrao, planejamento e anlise institucional. Os profissionais devem ser capazes de ordenar os recursos, elaborar meios eficazes, alcanar os objetivos propostos pelas instituies. (p. 42)

4.Possveis alternativas de ao

Os profissionais so colocados em questo e buscam distintas vias para resolver a contradio entre sua situao de autoridade, poder e conhecimento, posies e compromissos ideolgicos. (p. 42)A primeira estratgia possvel para esses profissionais de integrar-se no processo de modernizao. Trata-se da modernizao conservadora, para utilizar a expresso de Barrington Moore (1966); o objetivo estratgico dessa modernizao conservar e manter o processo de ateno institucional categorial-desigual-controlador, mas eficiente, planejado, eficaz. (p. 42-43)

A principal caracterstica da tendncia de modernizao conservadora a de manter a profissionalizao, sem engajar-se politicamente, refletindo a ideologia da neutralidade. Mas reforando e aceitando as funes histricas das instituies na reproduo da ordem e da fora de trabalho e as situaes de classe pequeno-burguesas. (p. 43)

Uma segunda estratgia possvel, oposta primeira, implica a negao do trabalho institucional, criando-se um processo alternativo a partir das lutas e movimentos populares. Junto s populaes urbanas trabalhava-se na criao de alternativas de teatro e educao popular. (p. 43)

(...) as decises profissionais so claramente entrosadas com as decises polticas, sendo, s vezes, difcil distingu-las, se no houver essa preocupao. O objetivo estratgico dessa alternativa era a constituio de uma fora capaz de gerar alternativas particulares e globais de respostas reais aos problemas sociais. (p. 43)

Nesse processo vrias tendncias estavam em pugna: autogesto, participao, co-gesto, estatizao, sem que houvesse tempo de sedimenta-las, face ao golpe de 1973. (p. 43)

Uma terceira alternativa possvel a contra-institucional. Baseada na corrente contracultural, ela propugna por uma instituio no-institucional. Uma manifestao dessa corrente a antipsiquiatria. Os servios so desprofissionalizados, os clientes decidem e participam (os mdicos so destronados), os regulamentos modificveis, os honorrios abertos, as punies abolidas. (p. 43)

(...), uma quarta alternativa visa a transformao da correlao de foras institucionais pela formao de uma aliana, de um compromisso de luta entre tcnicos e profissionais e as categorias e grupos das classes dominadas visada pelos organismos. Trata-se de uma ruptura com a lealdade irrestrita violncia institucional. (p. 44)

Essa aliana se manifesta e se concretiza de formas variadas segundo as possibilidades concretas, (...). (p. 44)

A instituio passa a ser utilizada ao invs de utilizar. Passa a ser utilizada para os fins propostos por certos organismos populares. (...) esta ao depende dos anis criados no interior mesmo das instituies e da fora das organizaes populares, capazes de impor, desde fora, compromissos aceitveis. (p. 44)

Captulo 3 SERVIO SOCIAL NAS INSTITUIES: HEGEMONIA E PRTICAO desafio de enfrentar teoricamente a questo da prtica institucional to complexo quanto a prpria atuao. necessrio lembrar que viabilizao implica conflitos e confrontos de poderes e saberes. (p. 45)

(...) analisar o problema das instituies, do Estado, das classes, das teorias profissionais impossvel de se fazer com profundidade em um espao limitado e sem um processo de discusso. (p. 45)

Que fazer numa instituio para responder aos interesses populares sem perder o emprego, levar na cabea, e sem cair no assistencialismo e no controle da populao? (p. 45)

Quais as brechas e as alternativas da prtica? Qual a perspectiva terica que possibilita visualizar a mudana do cotidiano nas instituies? As instituies no fazem somente o controle da clientela? (p. 46)

A perspectiva do controle, que define o Servio Social como tutela e assistncia (Souza Serra, 1982: 56), gerou ao mesmo tempo a brechologia, significando que nos meandros da tutela haveria algum descuido das classes dominantes, aos quais o profissional deve estar atento, para aproveit-los. (p. 46)

A instituio vista como o domnio do indivduo para sua adequao s exigncias do poder que sobre ele se estabelece, ou, em outros termos, para manter sobre ele uma coero sem folga, em funcionamento normal e como fora de trabalho a explorar (Balen, 1983: p. 76). (p. 46)

A viso tutelar est associada prtica do Servio Social como assistncia. No pode reduzir porm essa afirmao simples relao imediata de prestao de um auxlio, nem reduo da tarefa do assistente social, no capitalismo, permanente funo de compensar carncias. (p. 47)

A assistncia social s pode ser entendida no processo global de produo capitalista, de produo de mercadorias pela explorao do trabalho livre. (p. 47)

No caso brasileiro, a atribuio de recursos pelas instituies deve ser, pois entendida de forma especfica, no contexto de um capitalismo dependente, marcado pelo autoritarismo, pelo clientelismo e pela burocracia (Faleiros, 1983). (p. 51)

O clientelismo se caracteriza por uma forma de espoliao do prprio direito do trabalhador de ter um acesso igual aos benefcios sociais, pela intermediao de um distribuidor que se apossa dos recursos ou dos processos de consegui-los, trocando-os por formas de obrigaes que se tornam dbitos da populao. Eliminando-se a igualdade de acesso, caracterstica do prprio direito burgus, o clientelismo gera a discriminao, a incompetncia, o afilhadismo. (p. 51)O autoritarismo implica o fechamento de todo o processo de elaborao das polticas pblicas negociao, vindo impostas de cima para baixo e unilateralmente. O unilateralismo vem a ser a predominncia ou a exclusividade dos interesses das classes dominantes, que no admitem qualquer perda de seu domnio, tornando rgidas as relaes com as classes dominadas. O autoritarismo no aceita a contestao, o questionamento, a divergncia, utilizando a represso como o meio privilegiado de manter a ordem social. (p. 51)

(...), o clientelismo e o autoritarismo se articulam com formas burocrticas de atribuio dos recursos, enquanto estabelecimento de uma panplia administrativa regulamentadora que implica uma tramitao enredada e complicada dos famosos processos ou pronturios. A burocracia brasileira profundamente centralizadora, concentrando em poucas mos as decises e boicotando a populao quanto informao sobre seus pedidos e demandas. (p. 51)

(...) fica claro que o assistente social antes de tudo um funcionrio pblico e ainda no devidamente classificado na funo pblica, ao lado de outras profisses de nvel superior, embora atualmente j haja luta da categoria para melhorar sua classificao. (p. 52)(...) a autonomia desse profissional na atribuio de recursos e na prestao de servios limitada pelas condies anteriormente analisadas e pela concorrncia com outros profissionais que disputam o mesmo campo de ao. As instituies onde trabalha, no entanto, no so blocos estanques, mas espaos de luta onde a estratgia do bloco dominante passa pela integrao social e pela tutela, mas nunca articulao poltica de organizao, conscincia e teoria, que implica ao a longo, mdio e curto prazos (p. 52)As relaes de fora no se confundem com uma polarizao dicotomizada, mas se definem em conflitos e alianas entre classes, grupos, fraes, categorias e indivduos nas lutas concretas do cotidiano. No mbito institucional, a guerra de posies implica lutas pelo poder de deciso e de manipulao de recursos e se manifesta claramente no processo de escolha dos nomes para os cargos de chefia. (p. 53)A anlise de conjuntura, evidentemente compreendendo a conjuntura institucional, visa o estabelecimento de estratgias e tticas para fortalecer o plo popular, a mudana da correlao de foras que determina o objeto de sua demanda e suas alternativas de ao. (p. 54)O desafio profissional consiste juntamente na reorientao de seu cotidiano de acordo com a correlao de foras existente, para facilitar o acesso da populao ao saber sobre elas mesmas, aos recursos disponveis e ao poder de deciso. (p. 55)

A anlise da conjuntura mostra os limites e possibilidades de cada ttica em funo das estratgias e polticas em jogo. Esta transformao da atuao profissional terica e poltica se manifesta na luta ideolgica para levar o Servio Social a desculpabilizar a populao das situaes-problema que em seu imaginrio apresentam as questes do cotidiano como resultantes de falhas individuais ou falta de sorte. (p. 56)

Captulo 4

INSTITUIES DE DESENVOLVIMENTO, BUROCRACIA E TRABALHO PROFISSIONAL

As prticas de classe so relaes sociais inseridas nas estruturas sociais. Poulantzas faz a distino entre prticas de classe e estruturas, separando as relaes de classe das estruturas (Poulantzas, 1972: 87). O processo de acumulao de capital contraditrio e nas instituies se produzem lutas para manter e transformar a explorao e a dominao. (p. 57)As instituies, do ponto de vista marxista, garantem a reproduo da fora de trabalho imediata ou mediata para o capital e sua subordinao poltica. Essa reproduo que se inscreve numa relao de explorao a nvel global, sendo portanto contraditria e conflitiva (Faleiros, 1980; Singer, 1977). (p. 58)As instituies se propem como meta, como finalidade, o desenvolvimento, e na prtica das organizaes internacionais e nacionais o processo de mudana e desenvolvimento aparecer como ponto da interveno dessas instituies. (...) ser ento o desenvolvimento o resultado da ao dessas instituies? Ser o desenvolvimento o fruto do processo de uma dinmica profissional e de uma interveno de especialistas? (p. 58)A concepo da corrente de pensamento funcionalista identifica o desenvolvimento como um processo de diferenciao e de especializao que se daria pela modernizao da sociedade em que algum setor dinmico da economia seria o lder e daria um ritmo diferente ao desenvolvimento, ao qual os demais setores teriam que se adaptar para reequilibrar o sistema. (p. 58)A especializao significa que a situao se diferencia em partes distintas, criando servios em funo de determinadas exigncias das relaes entre as partes compreendidas no todo e que estariam se desenvolvendo de forma diferente. (p. 58)A concepo de desenvolvimento confundida com a diferenciao, quer dizer, com uma espcie de modificao especfica num tempo determinado. (p. 59)Esta perspectiva coloca o desenvolvimento como uma sequncia linear progressiva e a condio para a especializao e para o desenvolvimento que os peritos possam trabalhar na soluo dos problemas especficos. (p. 59)

O processo de desenvolvimento passa a ser visto como problem solving ou como soluo de questes que vo surgindo especificamente. As instituies se colocam como solues de problemas e as mesmas seriam determinadas por eles. Os programas institucionais aparecem como resposta a determinados problemas que seriam provocados pela falta de ritmo, integrao ou equilbrio do desenvolvimento social. (p. 59)

Na realidade, em primeiro lugar criaram-se os programas para em seguida criarem-se as necessidades para esses programas. E estes so postos numa lgica tecnocrtica que vai do estudo ao diagnstico, ao planejamento, avaliao e novamente a outro estudo. (...), esta lgica determinada por uma relao de poder, de cima para baixo, e por uma concepo da participao popular vista em termos simblicos ou puramente consultivos. (p. 59)A soluo do problema deve passar pelas normas estabelecidas para resolv-lo e ns sabemos que as normas estabelecidas para resolv-lo e ns sabemos que as normas estabelecidas criam problemas, produzindo-se um efeito contrrio ao que se queria resolver. (p. 59)As normas institucionais so formas de enquadramento dos problemas que elas mesmas determinam quais sejam e a atuao profissional, passa a ser forma de interveno nesses problemas institucionalizados num esquema j determinado pelas normas. (p. 60)As organizaes se apresentam, no esquema funcionalista, como um conjunto de normas estruturadas em funo de objetivos especficos. (p. 60)

Os benefcios so definidos pela prpria instituio e os custos o so a partir de critrios internos a ela, de modo que muitas vezes a dinmica destas organizaes nada mais do que um modificao das formas pelas quais atuam. Ocorre uma inverso, em que os fins se tornam meios e os meios se convertem em fins da prpria organizao, (...). (p. 60)

Passa-se a crer que atravs de simples arranjos tecnocrticos poder-se- resolver os problemas sociais. Esta crena na tcnica um novo tipo de ideologia. (...) uma ideologia que est surgindo com o prprio desenvolvimento das grandes organizaes. (p. 60)O novo modelo (de gerncia, administrativo) fala da gesto da recesso, da crise (gestion de la dcroissance). (p. 61)As organizaes se burocratizam e vai-se acentuando o processo de normatizao. (p. 61)

O cumprimento das norma burocrticas passa a ser a lgica do trabalho profissional e o objeto do profissional passa a ser, no o problema social, mas a perturbao da ordem institucional. (p. 61)

A instituio determina que o indivduo deva ter certos tipos de carns, de documentos, segundo um trmite. Se lhe falta um documento que determinado pela norma institucional e se no segue a ordem estabelecida, h profissionais que podem intervir nestes casos. (p. 61)No um problema do indivduo que est em jogo, pois se pode perfeitamente viver sem documento, mas um problema de perturbao da ordem institucional que deve ser tratado de forma profissional. (p. 61)

A interveno profissional passa a ser enquadrada em funo da perturbao da ordem institucional. (p. 61)Para manter esta ordem, este controle poltico institucional, determinado e varivel, conforme as foras presentes, o profissional deve submeter-se s normas da instituio, criando-se uma hierarquia de subordinao e de poder numa rede de controle de cima para baixo. (p. 61)

Esta subordinao, entre outras formas, se d entre agentes privilegiados e agentes complementares. Os atores privilegiados de uma instituio so aqueles que por sua prtica legitimam a existncia da instituio. Estes agentes privilegiados, cujas prticas so centrais para a prpria instituio, se autolegitimam sem necessidade de agentes ou atores complementares, profissionais que tm de se submeter s prticas dos agentes privilegiados. (p. 62)A prtica complementar caracteriza certas profisses que no tm na Amrica Latina uma instituio especfica para eles, (...). (p. 62)No a prtica do assistente social em si mesma que se encontra privilegiada nas instituies e por isso ele se coloca como ator complementar, atuando na manuteno da ordem institucional determinada pelos agentes privilegiados. (p. 62)

A interveno profissional seria aquela que realizaria o bem comum. Esta a ideologia introjetada por muitos profissionais, crentes em que, ao assumirem determinada profisso, vo estar a servio do pblico no interesse pblico. O profissional se caracteriza por uma sria de elementos, como pelo fato de viver com um salrio para atender a um pblico e por ter uma formao especfica. Esta uma viso isolada do conceito de profisso, porque um profissional no pode ser definido por determinadas caractersticas. (...): as caractersticas definem o profissional e este defino pelas caractersticas. (p. 63) necessrio fazer uma anlise mais profunda das instituies e questionar no somente a relao entre os atores dentro das instituies, mas a relao dessas instituies com o contexto global de acumulao do capital e de luta de classes. Ao mesmo tempo, localizar o lugar do profissional nessa totalidade concreta. (p. 63)

(...) o processo da profissionalizao um processo histrico. Se cada profisso tem sua especificidade, necessrio analisa-la no de forma isolada, mas em termos globais. Poderemos identificar trs modelos de profissionalizao dependendo das relaes de incerteza e autonomia de uma ocupao, na relao produto/consumidor. (p. 63)

No primeiro modelo manifesta-se o domnio da clientela sobre o profissional. (p. 63)

No segundo modelo, o profissional teria um critrio de dominao sobre o cliente, (...). (p. 63)

O terceiro o modelo da mediao, em que o profissional faria a intermediao entre a clientela e as normas institucionais, ambas definindo as necessidades e as formas como devem ser satisfeitas. (p. 64)

A diviso do trabalho no modo de produo capitalista passa pela separao entre trabalhadores manuais e intelectuais. A diviso entre produtivos e improdutivos hoje profundamente questionada. (...) fica em aberto a situao daqueles que so indiretamente produtivos ou improdutivos, pois o capital submete todos lgica da produtividade. (p. 64)

As divises de trabalho se do como forma de aumentar a produo ou produtividade, ou como formas de controle e de poder dos agentes produtivos. (p. 64)

A complexidade da produo conduz a uma complexidade do consumo, retirando do consumidor o poder de deciso sobre os valores-de-uso. Isto implica uma nova diviso de trabalho, que cria os profissionais implicados na produo, no consumo e no controle poltico da populao. Esta separao tcnica se articula politicamente. (p. 64)

A questo que se coloca agora se possvel fazer mediao na subordinao, se possvel fazer uma relao de transigncia entre os interesses da clientela ou da populao que se atende e as normas institucionais, sendo que o profissional submetido, subordinado s normas institucionais e ao contexto global. pois indispensvel levantar o problema das relaes entre o saber e o poder. Na realidade, a viso tradicional, do poder em relao profisso faz uma separao entre o saber e o poder como se ambos pudessem ser isolados e a intermediao do saber pudesse ser apenas uma questo de metodologia, caindo-se ento no mito do mtodo. Como se uma nova metodologia pudesse resolver a problemtica social. O saber estaria independente das relaes do poder. (p. 64)

A questo do poder nos leva a considerar as instituies de uma perspectiva poltica e ver as normas institucionais numa relao de foras sociais. O saber se insere nessa correlao de foras para traduzir na prtica um conjunto de relaes sociais de prticas de classe que poderamos chamar de hegemonia. (p. 65)

A hegemonia s pode ser vista nas relaes de explorao e dominao existentes numa determinada sociedade. (...) o processo de realizao da dominao atravs, justamente, de sua aceitao pelas classes subalternas. (p. 65)

A dominao aceita se torna legitimada. (p. 65)A dominao legitimada se traduz concretamente nas instituies pela disciplina que elas impem. A disciplina fundamental para a manuteno do poder. (p. 65)

A disciplina uma estratgia de transformao da clientela em sujeitos dceis e teis. As instituies, ao se apresentarem como problem solving, estariam realmente s mostrando uma face, para desenvolver a disciplinao social, o controle social. Os profissionais, ao intervirem neste processo, no estariam exercitando o papel de policiais, mas de policiamento poltico, na dinmica das relaes estruturais e conjunturais. (p. 65)As instituies transformam as prprias vtimas em rus. Produz-se um processo pelo qual as instituies culpam as vtimas dos prprios problemas que elas pensam resolver. Em vez de resolverem os problemas reais, transformam-nos em problemas dos indivduos que tm acesso a essas instituies. (p. 66)A luta para impor a disciplina e o controle cotidiano sobre as pessoas e as coisas visa preservar a propriedade, a produo e o indivduo produtivo. O indivduo produtivo e consumidor formado e controlado por uma rede institucional, por aparatos de hegemonia que o fazem til e dcil, ou, no mnimo, menos intil (ao capital) e menos rebelde. (p. 66)A relao disciplinar articula o poder ao nvel do cotidiano com seu sistema de recompensas e punies e a inculca como ideologia pelo sistema de culpabilizao. (p. 66)A intermediao estatal nesse contexto se desenvolve em conjunturas especficas, fazendo com que o povo seja destitudo de seu poder e saber por intermedirios, funcionrios e profissionais que passam a exercer esse poder no cotidiano. (p. 67)As instituies so relaes de foras. A burocracia, ao mesmo tempo que implica um processo de dominao, representa tambm um processo de equilbrio instvel de compromisso entre as foras sociais. (p. 67)A mediao se torna possvel porque as foras sociais se enfrentam no cotidiano e de forma muito complexa. um erro s considerar o confronto de classes e foras a nvel dos sindicatos e do partido. Estas so formas de organizao que no excluem outros tipos de enfrentamento e, portanto, de estratgias. (p. 67)A batalha interinstitucional pode ser ocasio favorvel a certas lutas populares a fim de obter vantagens imediatas segundo seus interesses. (p. 68)Na Amrica Latina, a burocracia formal e tpica-ideal de Weber tem uma significao diferente da de outros pases, pois est marcada pela distribuio de favores, pelo nepotismo, pelo paternalismo. (p. 68)No contexto latino-americano, a subordinao profissional, alm de estar vinculada s formas burocrticas, est inserida nos tipos de relaes especficas dos pases latino-americanos. (p. 68)A ateno clientela, alm de caracterizada por disciplinrio e a culpabilizao possui o carter clientelstico, que tem sua origem no prprio processo histrico do surgimento das burocracias latino-americanas. (p. 68)A clientela no considerada com os foros da cidadania e sim como clientela. H uma distino entre o cidado e o cliente. O cidado tem direitos, o cliente, favores. (p. 68)

nas relaes de poder que o saber tem condies e limites de ser mediador. Os interesses da clientela e os interesses de lealdade s instituies entram em conflito no poucas vezes. a que, mais do que nunca, se torna imprescindvel a anlise da situao concreta da correlao de foras. (p. 69)Apesar da subordinao do profissional, do fato de ser assalariado pela instituio, de estar submetido s normas institucionais, ele tambm est vinculado ao cliente. (p. 69)So as lutas sociais que tm impulsionado novas formas de relaes entre a clientela e as instituies de desenvolvimento social, exigindo destas a resposta a seus problemas e justamente atravs desta presso que novas formas esto surgindo para buscar novos tipos de relaes entre as instituies e a populao. (p. 69)

Com esta presso, vrios profissionais esto mudando suas formas de relao em aliana entre eles e a clientela. Buscam utilizar-se das instituies para poder vincular-se a alguma problemtica que as organizaes populares e as oportunidades que existem em cada uma delas. (p. 69)Faz-se necessrio, com esta estratgia, saber avanar e saber retroceder porque h momentos em que o conflito se torna to grande que pode levar ao prprio fechamento da instituio. O que mais se observa a acomodao, os profissionais passam a acomodar-se s instituies, passam realmente a se identificar com os seus objetivos e assim perdem sua prpria identidade: transformando-se em simples executores, sem nenhuma reao, acomodando-se totalmente s funes determinadas pelas normas institucionais. (p. 69)(...), para superar a acomodao, o desafio para buscar novas formas de aliana e ver se realmente essas instituies que se dizem de desenvolvimento podem se transformar em meios de desenvolvimento de novas formas de poder pelas alianas que podem ser feitas. (p. 70)Este processo de mediao tem seus limites estruturais mas no por isso que se vai adotar o postulado de que todas as instituies so mecanismos e instrumentos do capital para exclusivamente oprimir as classes subalternas. (p. 70)

Os limites estruturais impostos pela acumulao do capital so tambm modificveis pelas crises da prpria acumulao em suas articulaes econmico-poltico-ideolgicas. (p. 70)

Uma viso demasiado economicista do processo de acumulao tem paralisado uma tomada de iniciativa profissional tanto quanto a viso institucionalizada. A primeira refere tudo a um maquiavelismo estrutural e, a segunda, um voluntarismo dos atores. A primeira paralisa por negar esta iniciativa e a segunda, por atribu-la aos chefes e mandantes. (p. 70)A viso institucionalista tem levado a viver-se o impacto, a insegurana do emprego, esquecendo-se de que os chefes tampouco atuam por sua vontade, independentemente, e que se encontram numa correlao de foras. (p. 70)As alternativas concretas de dinamizao da luta a nvel local e conjuntural supem estratgias de enfrentamento de uma guerra de posies entre foras que se deslocam segundo sua combatividade, organizao e mobilizao. (p. 70)