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Fanzine Lado[R] #09

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Nona edição do fanzine Lado[R]...

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Lado[R] é LEANDRO MENEZES, DIMETRIUS FERREIRA,FILIPE MAMEDE, RAFAEL F. E RENATA MARQUES

edição + design LADO[R]Capa FLÁVIO GRÃO

www.ladoerre.com | www.twitter.com/ladoerrerua pernambuco, 29 - neópolis

natal/rn - 59080 260

A manifestação da arte popular tem um aspecto político de resistência. Quer queira quer não, a arte também é trabalho. Trabalho daquele que cria múltiplas possibilidades de aprimoramento da alma. Trabalho que dribla a concepção do simples homem que movimenta uma engrenagem. Seres que fogem do tempo produtivo e dedicam sua vida a uma atividade artística, mesmo com todos os empecilhos da máquina mundo. Trabalho

encarado como ofício, contra a concepção majoritária do conceito teorizado pelos

indivíduos-parafuso que associam a atividade humana aos mecanismos de tortura. Seja você um maliça, um atleta, um músico, fotógrafo,

desenhista, um possibilista.

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texto filipe mamedefoto leandro menezes

João Rodrigues Baracho. Vulgo Baracho. Para quem não conhece, era o terror de Natal no início dos anos 60. Matou, roubou. Fez o diabo. Sempre com muita desfaçatez, tinha uma predileção doen-tia pelos taxistas. Mas como ninguém explica a crendice popular, Baracho é tido por alguns como santo. Seu túmulo no cemitério do Bom Pastor em Natal, recebe velas, ex-votos de promessas e até garrafas de cachaça, muito apreciada por Baracho, garantem seus devotos. O próprio Baracho, numa entrevista ao Diário de Natal ao ser preso em 1961, contou que havia chegado à capital potiguar no ano anterior, e que havia encontrado aqui um ambiente propício que lhe permitiu, em menos de um ano, trocar a vida de pedreiro por uma sólida situação financeira. Ampliou seu raio de ação pelo interior do Estado comprando terras com o lucro que obtinha de seu labor insano. Porém, foi pego desprevenido após ter dado cabo do motorista de táxi, Moisés Luis do Nascimento, em agosto de 1961. Baracho e seu comparsa Cosme Vieira estavam escon-didos em sua propriedade em Monte Alegre.Com sua prisão, outros crimes foram elucidados e divulgados pela imprensa. A ele, foram atribuídos a autoria de três assassinatos. Além de Moisés, o único crime de que se diz réu confesso, foram mortos Cândido Ferreira e Antônio Carlos de Souza. Os três ho-micídios aconteceram num prazo inferior a nove meses. A vida de Baracho fez parte da crônica policial da época com freqüência destacada. Sabia-se onde tinha terras, quantas amantes e até sua preferência pela literatura de cordel.

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Preso na Delegacia de Furtos e Roubos, enquanto os seis homens que faziam a sua guarda dormiam na madrugada do dia 29 de maio de 1962, Baracho serrou uma das grades e pegou o beco. Sem a preocupação de se esconder, voltou ao bairro onde morava para procurar sua companheira, na manhã seguinte, onde foi visto por um policial nas cercanias do Morro da Cabocla (?). Ao cair à noite de 30 de abril, foi assassinado no cruzamento das ruas Jundiaí com a Coro-nel Estevam, no bairro do Carrasco (atual Dix-Sept Rosado) próxima à vila onde residia Maria Lúcia, uma de suas amantes. Antes de morrer, porém, já com duas balas no corpo, tentou guarida na casa de uma vizinha, onde penetrou sorrateiro. Descoberto, pe-diu que o acoitasse e lhe desse água. Ao invés disso, Maria Batista, a vizinha em questão, o caguetou à polícia. Quando finalmente foi cercado, não foi preso. Foi fuzilado. O laudo cadavérico aponta: 22 ferimentos à bala – sete atravessaram seu corpo, oito o penetraram e sete tangenciais. Todos calibre 38. O pedido de água negado foi a porta para sua santificação mambembe. Baracho foi escorraçado e por fim dedurado quando, no limite de suas forças, apelou à soli-dariedade de uma antiga vizinha, enquanto se esvairia em sangue. A suposta desumanidade da vizinha deu origem ao traço singular de seu culto no cemitério: sobre seu túmulo repousam vasilhas cheias de água, ofertadas pelas pessoas que lá vão rezar por ele e pedir graças ou pagar promessas.

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Túmulo é o mais visitado do cemitérioO finado criminoso passou a ser uma espécie de santo informal que arrasta, não multidões, mas alguns fiéis mesmo depois de quase 50 anos do facínora ter desencarnado.

Gente como dona Maria da Silva Araújo, 67, que defende que o bandido morreu de uma forma muito triste. Há cerca de quinze anos, ela é responsável por zelar pelo jazigo de Baracho, e observadora atenta de tudo o que se passa pela sepultura do bandido. “Em dias de finados, é muita gente que vem aqui. Tens uns que trazem comida e vela que não acaba mais, só falta pegar fogo em tudo”, conta. Entre uma flor regada e outra, ela relata que chega a dormir no cemitério na véspera do dia dos mortos. “O movimento aqui é grande”, sinte-tiza. Para fazer frente à popularidade de Baracho no cemitério, só mesmo o túmulo do cantor Carlos Alexandre, ícone do brega, autor de músicas como “Feiticeira”. “O povo até se reúne e fica cantando no túmulo do cantor, mas nesse aqui vem muito mais”, dispara. “As vezes deixam uns vasos bonitos, as coisas mais lindas, mas o povo vem e carrega”, acusa a zeladora. “Teve uma mulher que disse que tinha uma dor no peito, que pensava que era um caroço, pediu a ele a cura e teve a graça alcançada. Depois desse dia, ela vem sempre fazer visita e fazer orações para ele”, reforça.Além das garrafas de água, ex-votos de graças alcançadas, esta-va um pedido curioso. Traída pelo marido e devendo aos agiotas, Francisca Silva pedia, sobretudo, sorte num bilhete deixado na se-pultura de Baracho. Com algumas frases escritas em tinta vermelha num pedaço qualquer de papel, o pedido era o seguinte: “Que você me ajude e me dê um pouco de sorte, porque só sorte, muita sorte Baracho. Meu marido me traiu, eu devo à agiotas e lojas e tudo o que eu quero é me libertar dos agiotas”. Residindo sob a alcunha do profano e do sagrado, Baracho foi de um ponto ao outro da existência. De pedreiro à feirante, de feirante à vendedor de maconha e, depois assaltos, furtos, arrombamentos, em sua maioria, nos bairros do Alecrim, Carrasco e Quintas, até se tornar o mais famoso latrocida da cidade, Baracho morreu aos 32 anos, ironicamente já personagem de livrinhos de cordel e com o nome san-tificado na boca das pessoas.

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Fala da tua origem, da tua infância... qual sua primeira lembrança musical?Talvez minha primeira lembrança sejam os discos de vinil que meu pai tinha e guardava em casa por ser DJ. Contato com ins-trumento tive depois, visualmente em uns pagodes de quebrada. Depois fui conhecer mais, bem depois aliás... Eu venho da Vila Zilda, do Fontalis, do Cachoeira, lugares distantes onde a infor-mação demorava pra chegar igual a vários outros lugares. Cres-ci por ali, vendo coisas boas, outras nem tanto. Mas o importante é ter aprendido com elas e estar aqui hoje...

E quando você percebeu que o rap era a tua?Não sei... Tive vários contatos com rap ao longo da minha infân-cia, mas nada muito extenso. Eu via, esquecia, brincava de fazer rimas e desistia... A brincadeira foi se tornando séria e quando eu vi tava pagando contas com isso...

Como nascem suas músicas? Qual foi o processo de gravação da tua primeira mix tape?Eu vivo situações ou estou perto de quem vive algumas dessas situações e escrevo sobre isso, sobre o que vivo, o que vejo, o que sinto. Pra gravar a mix tape foi chutadão, liguei pro Tixaman e disse que tava a fim de gravar uma parada. Ele tava recém chegado de Londres e com uns equipamentos bons que queria mostrar pra gente. Daí a gente se juntou e partimos pra cima...

texto dimetrius ferreira

fotos divulgação

Enquanto Minha Imaginação Compuser Insanidades Domino a Arte, vulgo E.M.I.C.I.D.A, moleque franzino, 23 anos nas costas e um tr[i]unfo na mão: desenhar com as palavras.

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Quem colabora com você nas tuas bases. Muita gente, muita gente mes-mo: amigos, músicos freelan-cers, palpiteiros, as vezes pes-soas próximas...

Vejo você como um trabalhador no dito underground, que sabe que tem talento. O que é o sucesso pra você hoje em dia, depois de indicações a prêmios na MTV e tênis da Nike personalizado?Sei do meu valor e do que re-presento dentro disso. O que as pessoas tem como sucesso pra mim é tão pequeno que desconsidero. Acreditam que passar na tv é ser bem sucedi-do, quando uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sei de onde vim e lembro de todo o caminho que fiz para chegar aqui. Trabalho desde sempre, ja fui artesão, pedreiro, pin-tor, vendedor de hot-dog... Não me iludo com esse negó-

cio de artista, fama, buchicho, gosto de fazer minhas músicas sinceras. Quando a MTV colo-cou meu clipe lá e me indicou, eu já nem tinha MTV em casa mais. A Nike fez o que várias outras marcas já fazem: custo-mizou um tenis pra mim e só... Mas como as pessoas pensam pequeno, um tênis vira assun-to pra um ano, aí é foda. Mas em resumo, não me ligo muito a isso não, gosto é de fazer música. É bom que mais pesso-as a escutem, luto por isso, mas minha parada mesmo é fazer meu som. Pra onde ele vai eu ja não controlo...

Li por aí em algum canto que tu é quadrinhista, é isso mesmo?Sou. Desenho desde peque-no, era a única coisa que eu tinha: quadrinhos e minhas rimas. Hoje não tenho dese-nhado mais, mas pretendo voltar logo menos. Tem muito show, minha filha recém nas-cida, novos projetos, gigs, a laboratório Fantasma... Aca-bo ficando sem tempo. Mas voltei a escrever e quero lançar algo muito foda logo menos. Quadrinhos nacionais bons. Fazer o mesmo barulho que faço com a música, já juntei um pessoal bom ae...

www.myspace.com/emicida

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Lembrar da lendária General Junkie é lembrar lugares que não existem mais. Quem imagina hoje um show em um bar na beira da praia de Ponta Negra, próximo ao Morro do Care-ca, com a maré querendo invadir o local? E no Bar do Buraco, na Vila de Ponta Negra? O bar foi transformado numa igreja evangélica! E lá ocorreram shows históricos, como o primeiro em Natal da banda Raimundos. O General é lenda, seus shows também. O que vi no Bar do Buraco junto com a pernambuca-na Eddie ainda reverbera na memória. A banda não acabou, adormeceu, reza a lenda. Fruto provavelmente da inquietação de Gustavo Lamartine e Paulo Souto, ambos hoje a frente do DuSouto. O General é das poucas bandas que se escuta e diz: é o General. Seja na voz de Gustavo, na guitarra distorcida aliada ao baixo funkeado, nas letras com crônicas sociais - as vezes com duplo sentido - ou nas misturas entre baião, repente e rock. Não tem igual. Ninguém se atreveu a tentar fazer igual depois deles.Formada em 1987 por amigos de colégio, a banda trilhou um caminho de sucesso devido a criatividade, tão em falta nos dias de hoje. Tocaram em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, em Recife nos primórdios do AbrilProRock. Abriram para grandes nomes como Chico Science & Nação Zumbi e Raimundos. Fize-ram parte da coletânea Brasil Compacto, lançada em 1996 pelo selo Rockit de Dado Villa-Lobos. No disco a banda entrou com as músicas “Convulsão” e “O Amargo”, que não fizeram parte do único disco lançado em 2001 pelo selo DoSol. De todas as bandas que participaram da coletânea, a única que continua na ativa, com sucesso, é a pernambucana Eddie. O General que no início era Lee, também participou de progra-mas na MTV com Soninha, Gastão e Massari, o reverendo. E mesmo com tudo isso não deu certo? Não, não deu. Hoje daria? Provavelmente, mas os músicos estão em outra viagem, muito diferente da anterior.

texto Hugo Morais

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Paulo e Gustavo sempre expressaram muito bem a vida da cidade Natal em suas letras e músicas, prova disso é que duas figuras famosas na cidade e redondezas, “Brinquedo do Cão” e “Brigi-te”, ganharam músicas em sua homenagem. Brinquedo, um ladrão destemido. Brigitte, um travesti famoso que fazia ponto na BR-101 na altura do posto Planalto, em Candelária. Reza a lenda que ela traçava políticos e profissionais liberais famosos de Natal, desta forma, era melhor queimar o arquivo. Quem define bem essa relação das letras com Natal é Carlos Fialho, escritor potiguar: “Se ‘Linda Baby’ de Pedrinho Mendes é uma espécie de hino de Natal, ‘Típico Local’ do General é uma versão rock’n’roll que expressa a inquietação dos adolescentes roqueiros nos longínquos e confusos anos 90, quando tínhamos que garimpar pelos guetos da cidade a procura do som nosso de cada dia”. Mas por que a música em sua homenagem não entrou no único álbum lançado? Anderson Foca, produtor cultural, músico e produtor do único disco da banda dá a pista: “O set [list] foi escolha deles. E eles quiseram registrar muitas coisas recentes que estavam mais na veia deles naquele momento. Não estavam a fim de nostalgia”. O engraçado é que “Quem Matou Brigite” ganhou clipe, chegando a passar na programa-ção regular da MTV. Se a música não entrou no disco homônimo, que tinha como temática o lixo, o cotidiano da pacata Natal foi retratado em “Mete Bronca”, “Típico Local” e “Brinquedo do Cão”. Outras músicas como “Cuidado com o que você consome”, “Selvageria”, “Fiscal da Natureza”, “Ladrão” e “Sinfonia Celular” abordam temas gerais a qualquer sociedade.Já a ousadia sonora local pode ser vista nas faixas “Girando” e “Assulero” que levam ao coco, embolada, repente e baião. Uma das influências assumidas da banda, e que tornaram o seu som peculiar, é o potiguar Chico Antônio [embolador de cocos de Pedro Velho - RN e personagem de Mário de Andra-de em cinco obras]. Figura pouco conhecida por aqui. O disco ainda tem a característica de ter sido gravado “ao vivo”, o que preserva a pegada da banda nos shows que eram sempre muito intensos. Foca explica como foi o dia da gravação e a sensação: “Começamos a gravar às oito da manhã. Chegamos às sete da noite, e nêgo nem dormiu. Eu era um misto de fã e produtor, mas já tinha know-how de estúdio. Levei o Evil Empire do Rage Against The Machine como referência e mandamos bala. Terminamos tudo às 22h. Depois foram umas duas sessões de mixagem e o disco ficou pronto praticamente do jeito que eu mixei. Foi um dia histórico para mim, nunca vou esquecer”.

Personagens reais

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General Lee era o nome do início, mas existia uma com mesmo nome em São Paulo. Mudou-se para General Junkie. Quem acom-panhou o início da banda com uma formação totalmente diferente foi Alexandre Alves, professor, músico, produtor cultural e musical, hoje a frente da banda The Automatics: “Vi o primeiro show deles na Feira de Sebos, Praça André de Albuquerque, 1988, ainda com Gil nos vocais [e que depois iria para o idiossincrático Ferrovia do Ácido]. Foi o primeiro show de rock de uma banda natalense que eu presenciei. Nesta época estava escutando só Echo & The Bunny-men, New Order, The Church e acabei não dando muita atenção para aquele som ríspido e barulhento. Meses depois, fui à casa de Lula olhar um dos ensaios e me deparei com a banda tocando “Cemetery Gates”, faixa do disco The Queen is Dead, dos supe-restimados à época The Smiths. Gustavo Lamartine já estava nos vocais e Lula me chamou a atenção, pois ele tocava bateria como se quisesse assassinar alguém [não foi à toa que a pele da caixa furou no final do ensaio]”.Nessa época o som era o tal repentebilly, estilo cunhado pelo jornalista carioca Carlos Albuquerque titular do Rio Fanzine junto com Tom Leão. Nessa fase um vídeo da música “O Nortis-ta” chegou a ser exibido quase na íntegra na antiga TV Cabugi, no RN TV. Algum tempo depois Gustavo comprou um pedal Wah Wah e o som mais uma vez mudou, ficando mais distorcido e pe-sado, já com Marcelo Costa na bateria. Mas a influência local, principalmente na forma de cantar de Paulo e Gustavo, ainda era nítida, eram vocais puxados para repente e coco. E foi as-sim até o fim. Fim não declarado, mas que pode ter ocorrido no show de lançamento do disco dos Bonnies, e se minha memória não falha, pelos idos de 2005. São quatro anos sem os Junkies. Arthur “Tampinha” Ricardo [guitarra e vocal d’Os Bonnies] pegou o fim da banda, e lembra dela como referência: “Quan-do eu ainda frequentava a escola e ouvia algo sobre o rock local, sempre ouvia algo sobre o General. Era o que chegava a mim, no boca a boca. Fora algumas coisas mais íntimas de amigos que tocavam qualquer tipo de coisa. Quando passei a perceber, no meu alcance, claro, o que rolava na cidade - nada que eu tenha a comentar com tanta empolgação -, os caras do General nem tocavam mais. Quando eu comecei a tocar por aí, tempos depois, conheci Gustavo, Paulo e Marcelo. Sem comen-tários sobre esses galados - no melhor sentido da palavra e do meu humor - e foi muito massa e prazeroso ter tocado com eles no lançamento do nosso EP. Merecem todo respeito e faziam música sem querer ser o chiclete da vez. Foi uma banda e não uma tentativa ou ego de ser”.

Eternas mudanças,eterno reconhecimento

Foto

s Lu

is Morais

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O uso cotidiano da cannabis sativa, conhecida no Brasil popu-larmente como maconha, é uma realidade. O perfil do usuário é variado, não estando isolado no interior de uma classe. A maco-nha está, hoje, num emaranhado de problemas: envolve o des-matamento ilegal para o plantio, a liberdade para “marginais da globalização” exercer uma tirania sobre populações locais, a manipulação de substâncias sem qualquer forma de regulação legal e a estigmatização de parcelas da sociedade.No Brasil e no Mundo, debates são travados entre profissionais das áreas médicas, legais e na sociedade civil, em reconheci-mento à relevância do problema no quadro da cidadania e do exercício de direitos. Embora esteja em discussão, o trato coer-citivo às práticas ligadas à cannabis ainda possui forte cunho policial com efeitos desastrosos de estigmatização.No caso particular do Brasil, o papel do Estado passa a ser questio-nado em virtude de leis e táticas visigóticas: leis como a nº 6.368 de 1976 sobre a “prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevi-do”, que no seu 3º capítulo trata sobre crimes e penas, resume num único artigo (o art. 12) dezenove ações, dentre as quais “importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor (...) trazer consigo, guardar, prescrever, etc.”, relacionadas ao consumo de entorpecentes, ações que ampliam bastante a ca-pacidade de rotular sujeitos tendo como efeito sua desumanização. Curiosamente, a lei só seria revogada 26 anos depois, em 2002 com a lei nº 10.409 e revogada novamente em 2006 com a lei nº 11.343 que, além de criar o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, tornou ações como “adquirir, guardar, ter em depósi-to, transportar ou trazer [drogas] consigo para consumo”, de menor potencial ofensivo.Esses 26 anos em que a lei nº 6.368/1976 ficou em vigor deno-tam o seu caráter policialesco com um forte ranço de ditadura militar. Essas 19 ações consideradas criminosas como o plantio, o transporte e o consumo, representam situações diferentes que re-querem um trato e uma problematização diferente. As mudanças recentes, já que depois de 26 anos a lei foi modificada duas ve-zes num lapso de quatro anos, mostram que a sociedade já não suporta o caráter policialesco dispensado às práticas ligadas ao uso e comercialização de drogas.Caíram na desconfiança popular as operações da polícia que visavam erradicar o plantio promovendo queimadas e que ain-da ocorre ocasionalmente mesmo a questão ambiental sendo um problema de primeira importância e em pauta nas agendas dos Estados nacionais em torno do planeta. As ações policiais são todos os dias confrontadas entre a crença e a descrença da

Texto por José Duarte Jr.LUCIDEZDIANTE DOS FATOS

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sociedade na eficácia dos aparelhos oficiais de coerção. Idéias suspeitas, fantasiadas de moral não convencem com a mesma eficácia que há poucos anos víamos convencer.De tudo isso depreende que, embora a discussão envolva as idéias mais polvorosas, os sujeitos que estão envolvidos nessa problemática são das diversas ordens. Ousando uma breve hi-pótese acerca dos sujeitos que já foram esquadrinhados pelo art. 12º da lei de 1976 e conseqüentemente punidos em 26 anos de vigência dessa lei, poderíamos nos perguntar quantas vidas foram desconcertadas por microquerelas ligadas à maco-nha? Outro problema seria a do campo de possibilidades para o abuso de poder da polícia nos inúmeros casos que alguns de nós conhecemos de experiência ou de observação em que o li-mite entre o diálogo e a violência é rompido. E o desenrolar da discussão suscita questões outras como a de até quando estarão os sujeitos à mercê de tal violência?O mundo não dorme para os problemas e a cada momento em lugares espalhados pelo planeta, ações públicas de descriminali-zação e legalização de uso e porte, ações civis como a Marcha Mundial da Maconha, o engajamento político de atores das diver-sas ordens sociais, inclusive o de três ex-presidentes sul-americanos, estão a concorrer pela mudança desse quadro já antigo de crimi-nalização e marginalização de práticas culturais. Exemplos clássicos como o caso da descriminalização na Holanda, do uso medicinal na Califórnia já podem ser colocados ao lado da recente legalização do porte de drogas no México e do posicionamento do supremo tribunal argentino que despenalizou recentemente a posse de ma-conha e o seu consumo em local privado.O que vemos acontecer em torno do mundo não se trata apenas de um senso de tolerância às drogas e à maconha. Vemos se de-linear um estilo de vida ou a oficialização de um aspecto da vida dos sujeitos que faz parte do cotidiano, de práticas reconhecida-mente históricas e culturais. Vemos ocorrer diante dos nossos olhos a luta por direitos, as lutas históricas e recentes pela liberdade, pela autonomia e pela verdade. Vemos se delinear o esboço de uma cidadania local com vistas à mundialidade, ao trânsito entre os ambientes e as culturas em que o papel da legalização da canna-bis sativa aparece como um elemento constituinte da conquista de direitos fundamentais e cidadania. Vemos, por fim, emergir novos sujeitos de direitos, multifacetados pelas suas duplas cidadanias, pela “indigenização da modernidade” e pela diversidade.A questão da maconha requer, portanto, muito mais do nosso entendimento do que temos ocupado em entender nesses últi-mos anos. Uma explosão de microconflitos e microrevoluções ocorreu nas últimas décadas concorrendo para que diversos su-jeitos unidos em grupo, diversos grupos movidos por interesses, reivindicassem não mais uma simples liberdade. Essa explosão representa uma resistência ao aprisionamento das cadeias da ignorância, significa que o absurdo não pode persistir por mais tempo. Portanto, entendido a dimensão mais relevante da discus-são sobre maconha, não se trata de defender seu uso, mas de problematizar a violência em torno de seu nome, não podemos ficar indiferentes aos problemas que são o verdadeiro nó da questão: a nossa lucidez diante dos fatos, a nossa compreensão da sua complexidade e um posicionamento crítico.

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www.camaleaoart.com

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Alessandro Potter é da nova sofra paraibana de fotográfos.

dono de um olhar apurado e minimalista, vê nas particula-ridades e entrelinhas do coti-

diano um agir fotográfico. especialmente para o lado[r],

potter saiu pelas ruas de joão pessoa a procurar...

[email protected]/alessandropotter

www.camaleaoart.com

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sempre foram comuns desde muito cedo na vida de Gleison Tibau. Isso porque a infância do hoje famoso lutador de vale-tudo foi marcada por filmes de luta de Van Damme e Bruce Lee. Nesse cenário, mesmo a contragosto do pai, virar lutador

se transformou no maior desejo do garoto. Em busca

desse sonho, ele procurou uma academia e começou a

praticar jiu-jitsu, ainda em Tibau, cidezinha banhada

pelo oceano, próxima a Mossoró. Quando o pai desco-

briu, foi enfático. “Se é pra pagar pra apanhar, eu lhe

texto filipe mamede

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dou uma surra todo dia”. Sem se importar com isso, ele con-

tinuou treinando e deu no que deu. Hoje, Tibau leva o nome

de sua cidade natal pelo mundo a fora, sendo considerado

uma das maiores revelações do UFC - Ultimate Fitghting

Championship - o maior evento de luta que existe. Antes de

chegar ao topo, porém, comeu o pão que o diabo amassou.

Ainda em Tibau, trabalhava nas barracas de praia durante

os finais de semana para pagar a academia que nessa época

já ficava em Mossoró. “Passar fome, a gente nunca chegou a

passar. Mas lá em casa era bem sofrido. Não tinha luxo de

nada e então eu tive que trabalhar logo cedo. Com o dinhei-

ro que eu fazia como garçom, eu conseguia passar a semana

em Mossoró treinando”, revela. Aos 15 anos, a primeira luta

profissional. Tibau dá um pau num atleta dez anos mais velho e

seus professores ficam de cara com a desenvoltura do moleque.

Tibau passou a morar na academia em Mossoró, coisa que nem

demorou muito, pois, a capital seria o próximo destino. “Numa

luta em Currais Novos, eu conheci o professor Jair Lourenço da

Academia Kimura e pedi para vir morar e treinar em Natal. Ele

aceitou e eu acabei me transferindo para cá”, relembra.

De Natal, o lutador seguia para diversas lutas nas capitais

nordestinas, onde, como era de costume, quebrava geral.

Mais uma vez chegava a hora de distribuir os socos e ponta-

pés em pessoas de outros lugares. Da capital potiguar, Tibau

se transferiu ainda para o Rio de Janeiro, onde participou

do Meca, maior evento da categoria no país na década de

90. Não deu nem pro começo. Vencendo o maior atleta que

havia no Brasil à época, Tibau tentaria o que parecia ser

impossível: ir morar nos Estados Unidos e participar do UFC.

“Entrei na internet, procurei pelo Ricardo Liboro, que é um

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dos maiores nomes da luta mundial, e pedi para ir morar lá na academia dele. Com pouco tempo ele me aceitou e eu comecei a treinar forte diariamente. No começo, minha expectativa era lutar no UFC dentro de um ano, mas meu treinamento foi tão pesado e intenso que no primeiro mês os organizadores do evento já me convidaram para lutar entre os melhores do mundo”, conta o potiguar. Especialista em levar a luta para o chão, Tibau já subiu num ringue 25 vezes, de onde saiu com 19 vitórias, sendo duas por nocaute, oito por decisão dos juízes e nove por submis-são, quando o adversário pede arrego. Chegou a perder seis vezes, mas a maioria das derrotas são contestáveis. A última delas foi contra o americano Melvin Guilhard que le-vou uma camada de pau do início ao fim da luta, mas rece-beu a ajuda dos juízes da casa: todos americanos. “Quando eu entro no ringue, eu não me incomodo de apanhar não. Me incomodo em não bater”, filosofa

Vida mansaHá quatro anos no UFC, Tibau revela que, além de ser lutador, seu maior sonho era poder proporcionar conforto ao pais. “Graças a Deus eu estou podendo dar a eles o que eles não tiveram condi-ções de me dar. Eu não quero luxo para mim. Só quero dar supor-te a eles, por que eu já sou muito feliz em poder viver da luta, que foi o que eu sempre quis”, reforça. Luxo ou não, Tibau atualmente mora Coconut Creek, um distrito próximo de Miami. Embora curta vez por outra alguma das inúmeras baladas que existem no lugar, Tibau prefere ficar em casa cuidando do físico e se distraindo jogando Playstation com os chegados, ou curtindo o som de Beto Barbosa – aquele do “Adocica minha vida” –, amigo pessoal e cantor que ele mais curte.

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Stewart Home define a arte como “inimiga do povo”. O que pensa sobre essa provocação?Penso que essa afirmação toma sentido se você pensar na arte como algo massificado ou enfia-do goela abaixo do povo, mas acontece que o próprio conceito de arte é algo discutível. A arte nos nossos tempos tem sido colo-cada em um pedestal inatingí-vel, quase místico relegando ao povo uma posição passiva e de consumo. Penso que esse é um problema, pois a arte deveria ser feita também pelo povo, o feitio da arte em si é um proces-so poderoso que ajuda entender ao mundo, a si mesmo e a tor-nar a vida mais agradável. São Paulo é uma cidade que ofere-

ce de modo democrático arte para todos - já que as ruas são tomadas pela arte urbana e há eventos gratuitos de todo tipo, mas ainda prevalece uma pos-tura de “receber” ao invés de produzir a arte. É por isso que a produção de arte popular (no fundo) tem um aspecto político de resistência, pois contra tudo e todos, apesar da falta de grana e de turnos pesados de trabalho, ainda há quem troque a novela por um cavaquinho para formar rodas de samba, só pelo prazer de fazer arte. Eu acredito que a arte é amiga do povo. Ajuda a amansar os co-rações mais brutos, a entender sem falar, a pensar que existe algo mais que não se explica e até a esvaziar os bares. Não é a toa que o direito ao lazer está na constituição...

Texto por Leandro Menezes

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Você falou que divide sua vida entre o Grão artista e Grão trabalhador. Afinal, o que faz para se manter ?Sou formado em Letras e Pe-dagogia e atuo na educação há dez anos, hoje dirijo uma escola infantil no Jardim Ân-gela em São Paulo. A arte não me dá dinheiro, mas exige ri-gor e dedicação semelhante ao meu trabalho oficial. São duas esferas que se comple-mentam, pois como tenho um trabalho que me sustente, posso produzir o que eu gosto livremente e essa produção é um bálsamo para o cotidiano. Além disso, o trabalho que te-nho é extremamente ligado a questões sociais, o que me faz fincar os dois pés no chão da realidade evitando que eu me perca em uma órbita artísti-ca delirante em torno de meu próprio umbigo.

Você se considera um artista?Sim, já que produzo arte. Mas é complicado se rotular como artista... dá a impressão que se é um cara excêntrico, alheio à realidade e pelo contrário, neste monte de cascas que formam meu ego, acredito que em primeiro lugar venha o cidadão e o trabalhador. Depois vem o fato de que pro-duzo arte como um modo de entender a vida, de responder a meus anseios pessoais e me relacionar com o mundo.

Flávio Grão desenha certo por linhas tortas. Dono de um universo de personagens singulares,

que falam por si só sobre a vida em uma megalópole, o trabalho de Grão impressiona,

aguça os sentidos, proporciona reflexão.

Pedagogo durante o dia, ilustrador e fanzineiro em todas as outras horas, atualmente Grão é um dos nomes que

assinam o blog zinismo1.

Dedicado a labuta fanzineira, esse paulista de 34 anos considera o feitio da arte em si um processo poderoso que ajuda entender o mundo, a si mesmo e

tornar a vida mais agradável.

1 “blog coletivo, autoral e independente formado por uma confraria de fanzineiros separados pela distância física e aproximados

pela era digital.” - www.zinismo.blogspot.com

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De onde surgem os personagens que você desenha?Ultimamente o que desenho são metáforas de coisas que acredito. Durante muito tempo fazia desenhos mais espontâneos, às vezes ain-da os faço quando estou no trânsito ou no telefone por exemplo. Mas atualmente, o que desenho e divulgo é fruto de uma mensagem, ou uma conclusão que tiro a respeito das lições da vida e que tento traduzir de modo implícito. Esse “modo implícito” é a lacuna onde se completa essa comuni-cação com quem vê o de-senho, é onde se encaixa o histórico do observador e surge a leitura pessoal.

E a idéia de fazer o vídeo Tinta incrível2? A intenção é apenas mostrar o seu processo de produção ou vai além disso?Na verdade surgiu da coin-cidência da intenção de dois amigos em comum. Por um lado tinha o (músico) Parteum que queria fazer algo com minhas imagens, e de outro o Vébis Jr. (cineasta) que tinha a intenção de filmar o meu processo de trabalho. Então combinei com o Vébis de registrar a produ-ção de um desenho e assim foi feito. A princípio pensei em pedir para o Parteum fazer uma trilha, mas como estava ouvindo direto a Mix Tape (Magnus Operandi) dele, co-mecei a prestar atenção nas músicas instrumentais e uma me chamou a atenção, o nome por coincidência (ou não) era “Tinta incrível”. Pedi a ele que cedesse a música e ele topou. Daí surgiu uma terceira figura, o montador Rafael Armbrust que fez a edição que conside-rei perfeita. Ao meu ver, toda essa afinidade produziu algo sincero e íntimo.

2 assista o vídeo “tinta incrível” no www.ladoerre.com

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E como foi fazê-lo?Divertidíssimo. Uma curiosi-dade foi que no dia em que foram captadas as imagens do vídeo tinha gente visitan-do nosso antigo apartamento para uma possível compra e não é que fecharam o negó-cio? Hehehe, acho que deu sorte! Imagina só, eles olhan-do o apartamento e rolando uma filmagem...Não devem ter entendido muita coisa!

Além de fazer parte do Zinismo, recentemente você editou e publicou um fanzine com algumas de suas ilutrações, chamado Manufatura...O Manufatura surgiu em um momento de algumas crises (no bom sentido). A primeira foi que eu estava me questionando so-bre a função da minha pintura, já que elas atingiam um número restrito de pessoas. Isso fez com que desviasse meu foco para a ilustração e então comecei a fa-zê-las. Pois bem, a primeira ilus-tração derivou uma idéia para uma segunda e assim por dian-te, formando-se as sequências. No meio do processo percebi que elas caberiam bem em um fanzine, já que seria um modo democrático, barato e eficiente para difundir o que estava fa-zendo. Sentia a necessidade de (além de divulgar meu trabalho) passar adiante as mensagens ou pensamentos que me levaram a gerar aquelas figuras. Foi tam-bém um desafio tentar expres-sar tudo através só de imagens, já que gosto de escrever.

Qual a relação que a música tem com a “arte” que você faz?Como desenhista devo muito à música já que se estou inseri-do neste meio (underground) e faço fanzines, foi porque tudo começou por uma preferência estética que teve início com o punk, depois com o skate e hardcore. Já tive banda, toca-va guitarra e parei justamen-te pela opção de me dedicar mais ao desenho, mas volta e meia faço capas de CDs, car-tazes etc . É engraçado pen-sar, mas é um ciclo de retro-alimentação, pois a música me inspira e às vezes retribuo essa inspiração com imagens para o próprio meio musical. Além disso, gosto muito de mú-sica e ouço o tempo todo, ela me acompanha em tudo o que faço, não tem como negar que é uma relação muito forte.

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