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Fariseus e Saduceus J. C. Ryle (1816 – 1900) “E Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus” (Mateus 16.6). Toda e qualquer palavra dita pelo Senhor Jesus é cheia de profunda instrução para os cristãos. É a voz do Sumo Pastor. É a grande Cabeça da Igreja falando a todos os seus membros — o Rei dos reis falando a Seus súditos — o Dono da casa falando a Seus servos — o Capitão da nossa salvação falando aos Seus soldados. Acima de tudo, é a voz dAquele que diz: “Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar” (João 12.49). O coração de todo crente no Senhor Jesus deveria arder no peito quando ouve as palavras do seu Mestre: ele deveria dizer: “É a voz do meu amado!” 1 (Cantares 2.8). E cada palavra proferida pelo Senhor Jesus é de imenso valor. As Suas palavras de doutrina e ensino são preciosas como ouro; preciosas são todas as Suas parábolas e profecias; preciosas são todas as Sua palavras de conforto e de consolação; preciosas, e não menos importantes, são todas as Suas palavras de cautela e advertência. Não devemos apenas ouvi-lO quando Ele diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados”; devemos ouvir também quando Ele diz: “Tende cuidado e guardai- vos”. Vou concentrar minha atenção, agora, a uma das mais solenes e enfáticas advertências que o Senhor jamais pronunciou: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”. Por meio deste texto pretendo levantar um farol para todos que desejam salvar-se, para preservar algumas almas, se possível, de naufragar na vida. Nossos tempos exigem em alta voz esse tipo de farol: os naufrágios espirituais dos últimos vinte e cinco anos têm sido lamentavelmente numerosos. Os vigias da Igreja deveriam levantar claramente a voz agora, ou então calar-se para sempre. I. Em primeiro lugar, peço a meus leitores que observem quem eram as pessoas a quem a advertência foi dirigida. Nosso Senhor Jesus Cristo não estava falando a homens mundanos, descrentes, e profanos, mas falava a Seus próprios discípulos, Seus companheiros e amigos. Ele Se dirigiu a homens que, com exceção do apóstata Judas Iscariotes, eram retos de coração aos olhos de Deus. Ele falou aos doze apóstolos, os fundadores da Igreja de Cristo, e os primeiros ministros da Palavra da salvação. Foi a eles que Ele endereçou a solene advertência do nosso texto: “Vede e acautelai-vos”. 1 Tradução Brasileira da Bíblia (Bíblia Online da SBB, versão eletrônica).

Fariseus e Saduceus - J. C. Ryle

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Fariseus e SaduceusJ. C. Ryle (1816-1900) Então Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus (Mateus 16.6). Toda e qualquer palavra dita pelo Senhor Jesus é cheia de profunda instrução para os cristãos. É a voz do Sumo Pastor. É a grande Cabeça da Igreja falando a todos os seus membros. É o Rei dos reis falando a Seus súditos. É o Dono da casa falando a Seus servos. É o Capitão da nossa salvação falando aos Seus soldados.

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Fariseus e Saduceus

J. C. Ryle (1816 – 1900)

“E Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus” (Mateus 16.6).

Toda e qualquer palavra dita pelo Senhor Jesus é cheia de profunda instrução para os cristãos. É a voz do Sumo Pastor. É a grande Cabeça da Igreja falando a todos os seus membros — o Rei dos reis falando a Seus súditos — o Dono da casa falando a Seus servos — o Capitão da nossa salvação falando aos Seus soldados. Acima de tudo, é a voz dAquele que diz: “Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar” (João 12.49). O coração de todo crente no Senhor Jesus deveria arder no peito quando ouve as palavras do seu Mestre: ele deveria dizer: “É a voz do meu amado!”1 (Cantares 2.8).

E cada palavra proferida pelo Senhor Jesus é de imenso valor. As Suas palavras de doutrina e ensino são preciosas como ouro; preciosas são todas as Suas parábolas e profecias; preciosas são todas as Sua palavras de conforto e de consolação; preciosas, e não menos importantes, são todas as Suas palavras de cautela e advertência. Não devemos apenas ouvi-lO quando Ele diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados”; devemos ouvir também quando Ele diz: “Tende cuidado e guardai-vos”.

Vou concentrar minha atenção, agora, a uma das mais solenes e enfáticas advertências que o Senhor jamais pronunciou: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”. Por meio deste texto pretendo levantar um farol para todos que desejam salvar-se, para preservar algumas almas, se possível, de naufragar na vida. Nossos tempos exigem em alta voz esse tipo de farol: os naufrágios espirituais dos últimos vinte e cinco anos têm sido lamentavelmente numerosos. Os vigias da Igreja deveriam levantar claramente a voz agora, ou então calar-se para sempre.

I. Em primeiro lugar, peço a meus leitores que observem quem eram as pessoas a quem a advertência foi dirigida.

Nosso Senhor Jesus Cristo não estava falando a homens mundanos, descrentes, e profanos, mas falava a Seus próprios discípulos, Seus companheiros e amigos. Ele Se dirigiu a homens que, com exceção do apóstata Judas Iscariotes, eram retos de coração aos olhos de Deus. Ele falou aos doze apóstolos, os fundadores da Igreja de Cristo, e os primeiros ministros da Palavra da salvação. Foi a eles que Ele endereçou a solene advertência do nosso texto: “Vede e acautelai-vos”.

1 Tradução Brasileira da Bíblia (Bíblia Online da SBB, versão eletrônica).

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Esse acontecimento traz em si algo extraordinário. Talvez fosse nosso parecer que os apóstolos tivessem pouca necessidade de uma advertência dessa espécie. Não tinham eles deixado tudo por Cristo? Tinham, sem dúvida. Não tinham eles enfrentado dificuldades por Cristo? Tinham, sim. Não tinham eles crido em Jesus, seguido a Jesus, amado a Jesus, quando quase todo o mundo se mostrava incrédulo? Tudo isso é verdade; e contudo foi a eles que Jesus dirigiu a advertência: “Vede e acautelai-vos”. Talvez pensássemos que de qualquer maneira os discípulos tivessem pouco a temer do “fermento dos fariseus e dos saduceus”. Eles eram pobres e iletrados, a maioria pescadores ou coletores de impostos; não tinham interesse de seguir os ensinos dos fariseus e dos saduceus; sua tendência era mais contra do que a favor dos fariseus e dos saduceus; absolutamente nada os atraía para eles. Tudo isso é a mais absoluta verdade; contudo foi exatamente para eles que foi feita a solene advertência: “Vede e acautelai-vos”.

Há um conselho muito útil aqui para todos que sinceramente professam amar o Senhor Jesus Cristo. Ele nos diz em alta voz que os mais eminentes servos de Cristo não se encontram além da necessidade de advertências, e deveriam estar sempre vigilantes. Ele nos mostra claramente que o mais santo dos crentes deveria andar humildemente com seu Deus, e vigiar e orar para não entrar em tentação, e ser surpreendido pelo pecado. Não há ninguém que seja tão santo, que não possa cair — não de forma definitiva, não de tal forma que não haja mais esperança, mas para o seu próprio prejuízo e desconforto, para o escândalo da Igreja, e para o triunfo do mundo: ninguém há que seja tão forte que não possa, por certo tempo, ser vencido. Os crentes, embora escolhidos por Deus Pai, embora justificados pelo sangue e pela justiça de Jesus Cristo, embora santificados pelo Espírito Santo — os crentes são ainda meramente homens: estão ainda no corpo, e permanecem ainda no mundo. Eles estão sempre próximos da tentação: estão sempre sujeitos a julgar mal, tanto na doutrina como na prática. Seu coração, embora renovado, é muito débil; seu entendimento, embora iluminado, continua ainda muito turvo. Eles deveriam viver como aqueles que habitam em campo inimigo, e cada dia revestir-se da armadura de Deus. O diabo não dá trégua: nunca descansa nem dorme. Lembremo-nos da queda de Noé, e Abraão, e Ló, e Moisés, e Davi, e Pedro; e, lembrando-nos deles, sejamos humildes e cuidadosos, para não cairmos também.

Creio que estou autorizado a dizer que ninguém precisa mais de advertências do que os ministros do Evangelho de Cristo. Nosso ofício e nossa ordenação não são seguro contra erros e enganos. A verdade é que as maiores heresias se introduziram na Igreja de Cristo por meio de homens ordenados. A ordenação não preserva nem confere nenhuma imunidade contra o erro e a falsa doutrina. A própria familiaridade que temos com o Evangelho muitas vezes cria em nós uma mente insensível. Somos capazes de ler as Escrituras, e pregar a Palavra, e dirigir cultos públicos, e dirigir o trabalho de Deus com o espírito seco, duro, formal, insensível. A nossa própria familiaridade com as coisas sagradas, se não vigiarmos o coração, haverá de nos desviar. Nas palavras de um antigo escritor, “Em nenhum outro lugar se encontra a alma de um homem em tanto perigo como no escritório de um ministro”. A História da Igreja de Cristo contém muitas provas tristes de que até mesmo os ministros mais distintos podem, por certo tempo, desviar-se. Quem nunca ouviu de Cranmer a desmentir e retroceder das opiniões

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que de forma tão decidida defendeu, embora, pela misericórdia de Deus, tenha voltado novamente a sustentar uma gloriosa confissão no final? Quem nunca ouviu de Jewell a assinar documentos que ele desaprovava inteiramente, e de cuja assinatura mais tarde se arrependeu amargamente? Quem não sabe que muitos outros podem ser citados, que, numa ocasião ou outra, foram vencidos de falhas, caíram em erro, e se desviaram? E quem não conhece o triste fato que muitos deles jamais retornaram à verdade, mas morreram duros de coração, e sustentaram seus erros até o fim?

Essas coisas deveriam nos tornar humildes e cautelosos. Elas nos orientam a desconfiar de nosso próprio coração e a orar para sermos guardados de cair. Hoje, quando somos chamados de forma especial a nos apegarmos firmemente às doutrinas da Reforma Protestante, sejamos cautelosos para que nosso zelo pelo protestantismo não nos inche e nos encha de orgulho. Não digamos nunca em nossa arrogância: “Eu nunca haverei de cair nos mesmos erros do catolicismo romano ou da nova teologia: eu nunca vou concordar com as idéias deles”. Lembremo-nos de que há muitos que começaram bem e correram bem por certo tempo, e contudo mais tarde se desviaram do caminho certo. Sejamos cuidadosos para sermos tanto homens espiritualmente corretos como protestantes, e tanto verdadeiros amigos de Cristo como inimigos do anticristo. Oremos para sermos guardados do erro, e nunca esqueçamos que até mesmo os doze apóstolos precisaram ouvir da parte da Cabeça da Igreja estas palavras: “Vede e acautelai-vos”.

II. Em segundo lugar, proponho-me a explicar quais são os perigos contra os quais nosso Senhor alertou os apóstolos. Ele disse: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”.

O perigo a respeito do qual Ele os alerta é a doutrina falsa. Ele não diz nada a respeito da espada da perseguição, ou sobre o amor ao dinheiro, ou sobre o amor ao prazer. Todas essas coisas sem dúvida são perigos e armadilhas a que estavam expostas as almas dos apóstolos; mas contra essas coisas nosso Senhor não levanta aqui a voz de advertência. O Seu alerta se restringe a um único ponto: o “fermento dos fariseus e dos saduceus”. E não somos deixados na dúvida quanto ao que nosso Senhor queria dizer com “fermento”. O Espírito Santo, poucos versículos mais adiante do nosso texto, claramente nos diz que fermento era a “doutrina” dos fariseus e dos saduceus.

Vamos tentar entender o que se pretende dizer quando falamos da “doutrina dos fariseus e dos saduceus”.

(a) A doutrina dos fariseus talvez possa ser resumida com três características: eles eram formalistas, veneradores de tradições, e justos aos próprios olhos. Eles atribuíam tanto peso às tradições humanas que na prática consideravam-nas de maior importância do que os escritos inspirados do Antigo Testamento. Eles davam excessivo valor à severidade com que seguiam os requisitos cerimoniais da lei mosaica. Eles davam muita importância ao fato de serem descendentes de Abraão, e intimamente se gloriavam: “Nós temos Abraão como nosso pai”. Iludiam-se, porque tinham Abraão como pai, que

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não corriam perigo de ir para o inferno como os outros homens, e que o fato de serem seus descendentes era uma espécie de garantia para o céu. Atribuíam grande valor a lavagem de mãos e purificações cerimoniais do corpo, e criam que o mero tocar em uma mosca ou mosquito mortos os poluía. Eles davam grande importância aos aspectos exteriores da religião, e a coisas que podiam ser vistas pelos homens. Alargavam os seus filactérios, e encompridavam as franjas dos seu vestuário. Orgulhavam-se de prestar grandes homenagens aos santos já falecidos, e de ornamentar os túmulos dos justos. Eram extremamente zelosos em fazer novos convertidos. Orgulhavam-se de terem domínio, status e preeminência, e de serem chamados pelos homens de “Mestre, mestre”. Essas coisas, e muitas outras semelhantes a essas, eram a prática dos fariseus. Todo cristão bem instruído pode encontrar essas coisas nos Evangelhos de Mateus e de Marcos (Veja Mateus 15 e 23; Marcos 7).

Lembre-se de que eles, o tempo todo, enquanto praticavam o que acabamos de citar, não negavam formalmente nenhuma parte das Escrituras do Antigo Testamento. Mas eles introduziram, acima dele, tanta invenção humana que, na prática, puseram as Escrituras de lado, e as enterraram sob suas tradições. Essa é a espécie de religião a que o nosso Senhor se referiu aos Seus apóstolos: “Vede e acautelai-vos”.

(b) A doutrina dos saduceus, por outro lado, pode ser resumida com outras três características: livre-pensamento, ceticismo e racionalismo. O credo deles era muito menos popular do que o dos fariseus, e, por isso, os vemos mencionados menos vezes nas Escrituras do Novo Testamento. Pelo que podemos julgar do Novo Testamento, parece que eles sustentavam a doutrina da inspiração gradual; eles sempre atribuíam maior valor ao Pentateuco (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) em comparação com as outras partes do Antigo Testamento, isto se não desconsideravam por completo essas últimas.

Eles não criam nem na ressurreição, nem em anjos, nem em espíritos, e tentavam dissuadir as pessoas de crer nesses fatos por meio de questões difíceis. Temos um exemplo da maneira em que eles argumentavam no episódio em que eles propõem ao nosso Senhor o caso da mulher que teve sete maridos, quando os saduceus perguntam: “Na ressurreição, de quem dos sete será ela mulher?” Dessa forma, ao apresentar um absurdo religioso ridicularizando as suas principais doutrinas, eles provavelmente pretendiam levar as pessoas a desistir da fé que haviam recebido das Escrituras.

Lembre-se, todo esse tempo, não podemos dizer que os saduceus eram totalmente pagãos: eles não o eram. Nem podemos dizer que eles negavam a revelação: eles não faziam isso. Eles observavam a lei de Moisés. Muitos deles se encontravam entre os sacerdotes nos tempos descritos no livro de Atos dos Apóstolos. Caifás, que condenou o nosso Senhor, era saduceu. Mas o efeito prático do ensino deles era abalar a fé que as pessoas tinham na revelação, e jogar uma nuvem de dúvida sobre a mente das pessoas, o que era apenas um pouco melhor do que o próprio paganismo. E de todo esse modo de doutrina — livre-pensamento, ceticismo e racionalismo — diz o nosso Senhor: “Vede e acautelai-vos”.

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Agora surge a questão: Por que razão nosso Senhor Jesus Cristo fez esse alerta? Ele sabia, sem dúvida, que dentro de quarenta anos as escolas dos fariseus e dos saduceus estariam completamente acabadas. Aquele que sabe todas as coisas desde o princípio, sabia perfeitamente bem que em quarenta anos Jerusalém, com seu magnífico templo, seria destruída, e os judeus seriam dispersos pela face da terra. Por que, então, nós O encontramos fazendo esse alerta sobre “o fermento dos fariseus e dos saduceus”?

Eu creio que nosso Senhor fez essa solene advertência para o benefício perpétuo da Igreja, que Ele veio estabelecer na terra. Ele falou com conhecimento profético. Ele conhecia bem as mazelas a que está sujeita a natureza humana. Ele anteviu que as duas grandes pragas da Sua Igreja na terra seriam sempre a doutrina dos fariseus e a doutrina dos saduceus. Ele sabia que essas doutrinas se assemelhariam a duas grandes rochas, entre as quais a Sua verdade seria perpetuamente comprimida e machucada até que Ele venha a segunda vez. Ele sabia que sempre haveria, entre os que se professam cristãos, os fariseus em espírito, e os saduceus em espírito. Ele sabia que os seus sucessores jamais haveriam de faltar, e que jamais se extinguiria a sua geração, e que, embora não existam mais os nomes fariseus e saduceus, contudo os seus princípios haveriam de existir sempre. Ele sabia que, durante o tempo em que a Igreja existir, até o Seu retorno, haveria sempre alguém que faria acréscimos à Palavra, e alguém que haveria de excluir algo da Palavra, alguém que a desmereceria por meio de adição de outras coisas, e alguém que a sangraria até a morte ao subtrair dela as suas principais verdades. E essa é a razão por que nós O encontramos fazendo esta solene advertência: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”.

E agora surge a questão: Será que nosso Senhor Jesus Cristo tinha boas razões para fazer esse alerta? Eu apelo a todos que conhecem alguma coisa da História da Igreja — não havia, de fato, uma razão para isso? Eu apelo a todos que se lembram do que aconteceu logo depois da morte dos apóstolos. Não lemos que na primitiva Igreja de Cristo surgiram dois partidos distintos; um que sempre se inclinava para o erro, como os arianos, sustentando menos que a verdade, e o outro que sempre se inclinava para o erro, como os adoradores de relíquias e adoradores de santos (da igreja católica romana), sustentando mais do que a verdade como a encontramos em Jesus? Não vemos nós a mesma coisa surgindo mais tarde, na forma do catolicismo romano? Essas coisas são antigas. Num artigo breve como este me é impossível entrar em maiores detalhes sobre o assunto. São coisas muito bem conhecidas de todos que têm familiaridade com os registros históricos. Sempre houve esses dois grandes partidos, o partido que representa os princípios dos fariseus, e o partido que representa os princípios dos saduceus. Por isso nosso Senhor tinha boas razões para dizer a respeito desses dois grandes princípios: “Vede e acautelai-vos”.

Mas eu desejo apresentar o assunto com mais detalhes agora. Peço a meus leitores que considerem se advertências desse tipo não são especialmente necessários em nossos dias. Temos, sem sombra de dúvida, muito que agradecer aqui na Inglaterra. Fizemos grandes avanços nas artes e nas ciências nos últimos três séculos, e temos muitos costumes e demonstrações morais e religiosas. Mas eu pergunto a qualquer pessoa que consegue ver

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além das portas da sua própria casa: não estamos vivendo em meio aos perigos de doutrinas falsas?

Por um lado, temos entre nós um grupo de homens que, intencionalmente ou não, facilitam as coisas para a Igreja de Roma (catolicismo) — uma escola que afirma extrair seus princípios da tradição primitiva, os escritos dos Pais, e a voz da Igreja — um ensino que fala e escreve tanto acerca da Igreja, do ministério, e dos sacramentos, que fazem deles algo semelhante à vara de Arão que engoliu tudo o mais do Cristianismo, um ensino que atribui grande importância às formas exteriores e cerimônias religiosas, a gestos, posturas, mesuras, cruzes, água benta, lugares de honra para os clérigos, vestimentas sagradas, incenso, estátuas, faixas, procissões, enfeites, e muitas outras coisas semelhantes a essas, a respeito das quais não se encontra uma só palavra nas Escrituras Sagradas para dizer que têm lugar na adoração cristã. Refiro-me, é claro, à escola dos clérigos chamada Ritualista. Quando examinamos os procedimentos dessa escola, só se pode chegar a uma conclusão. Eu creio que, qualquer que seja o significado e a intenção dos seus mestres, embora sejam devotos, zelosos, e se neguem a si mesmos (como efetivamente muitos deles agem), recai sobre eles o manto dos fariseus.

Por outro lado, temos uma escola de homens que, intencionalmente ou não, facilitam as coisas para o Socinianismo, uma escola que sustenta estranhos pontos de vista sobre a absoluta inspiração das Sagradas Escrituras, e estranhos pontos de vista sobre a doutrina do sacrifício, e sobre a Expiação de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, estranhos pontos de vista sobre a condenação eterna, e do amor de Deus pelo homem, uma escola forte em negar, mas muito fraca em afirmar, hábil em suscitar dúvidas, mas impotente em removê-las, esperta em perturbar e abalar a fé das pessoas, mas impotente para oferecer um descanso firme para elas. E, quer os líderes dessa escola queiram isso ou não, eu creio que sobre eles recai a capa dos saduceus.

Essas coisas soam como rudes, cruéis. Ficamos livres de muita encrenca se fecharmos os olhos e dissermos: “Eu não vejo perigo nenhum”, e, por não ver, não acreditar que o perigo exista. É fácil tapar os ouvidos e dizer: “Eu não escuto nada”, e, por não ouvir nada, não se assustar com nada. Mas nós sabemos muito bem quem são os que se regozijam com as coisas que temos de deplorar em alguns lares da nossa própria Igreja. Nós sabemos o que o católico romano pensa; sabemos o que os socinianos pensam. O católico romano se regozija com o florescimento do catolicismo; o sociniano se regozija com a multiplicação de pessoas que sustentam esses pontos de vista sobre a expiação e a inspiração, que vemos espalhadas na atualidade. Eles não se alegrariam dessa forma se não vissem progresso no seu trabalho, e a sua causa sendo promovida. Eu creio que o perigo é muito maior do que somos capazes de supor. Os livros que se lêem em muitos lares são extremamente prejudiciais, e o tom do pensamento sobre assuntos religiosos, especialmente das pessoas que ocupam posições de destaque, é profundamente insatisfatório. A praga se espalhou. Se amamos a vida, devemos examinar nosso próprio coração, e provar nossa própria fé, e certificar-nos de que estamos firmes no fundamento certo. Acima de tudo, deveríamos nos acautelar de não ingerir o veneno da doutrina falsa, e fazer tudo para retornar ao nosso primeiro amor.

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Eu sinto profundamente a angústia de falar abertamente desses assuntos. Eu sei muito bem que falar com clareza sobre doutrinas falsas é muito impopular, e que aquele que fala deve resignar-se com ser considerado como alguém sem caridade, muito incômodo, e de mente muito estreita. Há milhares de pessoas que jamais conseguirão distinguir as diferenças que existem na religião. Para a maioria das pessoas, um clérigo é um clérigo, e um sermão é um sermão; e, se porventura existe alguma diferença entre um ministro e outro, ou entre um sermão e outro, elas são inteiramente incapazes de entender essa diferença. Eu não posso esperar que essas pessoas aprovem qualquer alerta que se fizer sobre doutrinas falsas. Eu preciso adequar minha mente à sua desaprovação, e tenho de lidar com isso da melhor forma que puder.

Mas eu peço a todo leitor da Bíblia intelectualmente honesto e não preconceituoso que se volte para o Novo Testamento e veja o que vai encontrar ali. Ele haverá de encontrar muitos alertas claros contra as doutrinas falsas:

“Acautelai-vos dos falsos profetas” (Mateus 7.15). “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas” (Colossenses 2.8). “Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas” (Hebreus 13.9). “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus” (1 João 4.1).

Ele haverá de encontrar grande parte de várias das epístolas inspiradas expondo a doutrina verdadeira e alertando contra os falsos ensinos. Eu me pergunto: como é que um ministro que toma a Bíblia como regra de fé pode esquivar-se de fazer alertas contra erros doutrinários?

Finalmente, peço a todos que percebam o que está acontecendo na Inglaterra neste exato momento. É verdade ou não é, que centenas de pessoas abandonaram a Igreja Oficial e se transferiram para a Igreja de Roma (igreja católica romana) nesses últimos trinta anos? É verdade ou não é, que centenas de pessoas permanecem conosco mas que, no coração, são pouco melhores do que os católicos? É verdade ou não é, que milhares de jovens, tanto de Oxford como de Cambridge, se veem seduzidos e arruinados pela debilitante influência do ceticismo, e perderam todos os princípios positivos da religião? Zombarias nos jornais religiosos, declarações em alto e bom som contra as “denominações”, frases altissonantes e ambíguas sobre “pensamento profundo, visão alargada, nova luz, manejo livre e sem restrições das Escrituras, e a estéril fraqueza de certas escolas de teologia” são o que compõem o Cristianismo de muitos dessa nova geração. E contudo, em face desses fatos notórios, as pessoas gritam: “Fique quieto quanto às doutrinas falsas. Deixe-as pra lá!” Eu não posso calar a boca. A fé na Palavra de Deus, o amor às almas dos homens, os votos que fiz quando fui ordenado — tudo isso me constrange a testemunhar contra os erros de hoje. E eu creio que aquilo que nosso Senhor disse se aplica exatamente aos nossos dias: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”.

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III. A terceira coisa para a qual pretendo chamar sua atenção é o nome peculiar que o nosso Senhor Jesus Cristo dá à doutrina dos fariseus e dos saduceus.

As palavras usadas por nosso Senhor foram sempre as mais sábias e as melhores que se poderiam usar. Ele poderia ter dito: “Vede e acautelai-vos da doutrina, ou do ensino, ou das opiniões dos fariseus e dos saduceus”. Mas Ele não disse assim. Ele usou uma palavra de significado especial — Ele disse: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”. Ora, todos nós sabemos qual é o verdadeiro significado da palavra fermento. O fermento é adicionado à massa de farinha quando se faz o pão. Esse fermento é uma porção mínima da farinha a que é misturado; nosso Senhor queria que soubéssemos que é exatamente assim que o começo da falsa doutrina é ínfimo se comparado ao corpo do Cristianismo. Ele age silenciosa e sossegadamente; é exatamente assim, diz o Senhor, que agem as falsas doutrinas no caráter da massa toda com a qual são misturadas; exatamente assim, diz o Senhor, as doutrinas dos fariseus e dos saduceus viram tudo de cabeça para baixo, uma vez que são admitidas na Igreja ou no coração do homem. Prestemos atenção a esses pontos: eles lançam luz em muita coisa que vemos em nossos dias. É de grande importância acolher as lições de sabedoria que a palavra fermento contém.

A falsa doutrina não se apresenta aos homens cara a cara, e proclama que é falsa. Ela não toca trombeta diante de si, nem se esforça abertamente para nos desviar da verdade como ela é em Jesus. Ela não se achega aos homens à luz do dia para chamá-los a se renderem. Ela se aproxima de nós discretamente, quietamente, traiçoeiramente, de forma aceitável, e dessa forma desativa as suspeitas do homem, e o demove da posição de alerta e defesa. É o lobo em pele de cordeiro, e Satanás vestido de anjo de luz, que sempre se têm mostrado os mais perigosos inimigos da Igreja de Cristo.

Eu creio que o mais poderoso defensor dos fariseus não é o homem que honesta e abertamente pede que você venha e se junte à igreja de Roma. É o homem que diz concordar com você em todos os pontos da sua “doutrina”. Ele não vai recusar nenhum dos pontos de vista evangélicos que você sustenta; não exige que você faça nenhuma modificação; tudo que ele pede é que você “adicione” alguma coisa a mais ao que você crê, para tornar perfeito o seu Cristianismo. “Creia-me”, diz ele:

Nós não queremos que você desista de nada. Queremos apenas que você passe a sustentar alguns pontos de vista claros a respeito da Igreja e dos sacramentos. Queremos que você adicione às suas atuais opiniões um pouco mais a respeito das funções dos ministros, e um pouco mais a respeito da autoridade episcopal, e um pouco mais a respeito do livro de orações, e um pouco mais a respeito da necessidade de ordem e de disciplina. Queremos apenas que você adicione “um pouco mais” dessas coisas ao seu sistema religioso, e assim você estará perfeitamente certo.

Mas quando alguém fala com você dessa forma, é hora de lembrar o que nosso Senhor disse: “Vede e acautelai-vos”. Esse é o fermento dos fariseus, contra o qual devemos nos levantar e nos acautelar.

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Por que estou dizendo isso? Eu o digo porque não há segurança contra a doutrina dos fariseus, a não ser que resistamos aos seus princípios assim que se apresentam:

1. Começando com “um pouco mais a respeito da Igreja” — Um dia você pode chegar a pôr a Igreja no lugar de Cristo.

2. Começando com “um pouco mais a respeito do ministério” — Um dia você pode honrar o ministro como “o mediador entre Deus e o homem”.

3. Começando com “um pouco mais a respeito dos sacramentos” — Um dia você pode chegar ao ponto de rejeitar completamente a doutrina da justificação pela fé sem as obras da lei.

4. Começando com “um pouco mais de reverência pelo livro de orações” — Um dia você pode colocá-lo acima das Escrituras Sagradas do próprio Deus.

5. Começando com “um pouco mais de honra aos bispos” — Você pode, por fim, recusar a salvação a quem não pertença a uma Igreja Episcopal.

Vou contar-lhes uma velha história. Vou assinalar caminhos que foram trilhados por centenas de membros da Igreja da Inglaterra nos últimos anos recentes. Eles começaram encontrando falhas nos reformadores, e acabaram engolindo os decretos do Concílio de Trento (Concílio doutrinário da Igreja católico-romana). Eles começaram reclamando das coisas como estavam, e acabaram por juntar-se formalmente à Igreja de Roma. Eu creio que quando ouvimos pessoas nos pedindo que “acrescentemos um pouco mais” a nossos bons, velhos e claros pontos de vista evangélicos, deveríamos ficar alertas. Deveríamos lembrar o aviso do nosso Senhor: “Acautelai-vos do fermento dos fariseus”.

Eu considero que o mais perigoso defensor da escola dos saduceus não é a pessoa que lhe diz abertamente que ele quer que você deixe de lado alguma parte da verdade, e que se torne um livre-pensador e um cético. Mas é a pessoa que começa sutilmente com insinuantes dúvidas a respeito da nossa posição quanto às coisas religiosas, dúvidas sobre se devemos ser tão positivos ao ponto de dizer “isto é verdade, e aquilo é falso”, dúvidas sobre se devemos pensar que estão erradas as pessoas que diferem das nossas opiniões religiosas, uma vez que elas podem estar, afinal, tão corretas como nós mesmos estamos.

É o homem que nos diz que não deveríamos condenar os pontos de vista de ninguém, a fim de que não erremos por falta de amor. É o homem que sempre começa falando de uma forma vaga sobre Deus ser um Deus de amor, e aconselha que talvez devêssemos crer que talvez todos os homens, qualquer que seja a doutrina que professam, no final haverão de ser salvos. É o homem que está sempre nos lembrando que deveríamos tomar cuidado com a forma que consideramos os grandes intelectos (embora esses

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sejam deístas e céticos) que não pensam como nós, e que, afinal, “grandes mentes são todas, de uma forma ou de outra, ensinadas por Deus”!

É o homem que está sempre batendo na tecla das dificuldades da inspiração das Escrituras, e levantando questões sobre se todos os homens não serão salvos no final, e se porventura não estão todos certos aos olhos de Deus. É o homem que coroa sua agradável conversa com algumas tranquilas zombarias contra o que ele gosta de chamar de “pontos de vista ultrapassados” e “teologia de mentalidade estreita”, e “inveja cega” e a “falta de liberalidade e amor” dos nossos dias. Mas quando alguém começa a falar dessa forma, é hora de vigiar e nos acautelar. Aí é hora de lembrar as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo: “Vede e acautelai-vos do fermento”.

Pergunto outra vez: Por que estou dizendo isso tudo? Eu o faço porque não existe seguro contra o saduceísmo, como também não existe seguro contra o farisaísmo, a não ser que resistamos aos seus princípios no seu estado inicial. Começando com uma vaga e despretenciosa conversa sobre “amor”, você pode acabar dando na doutrina da salvação universal, enchendo o céu com uma multidão mista de maus e bons, e negar a existência do inferno. Começando com umas poucas frases sonoras sobre intelecto e luz interior no homem, você pode acabar negando a obra do Espírito Santo, e sustentar que Homer e Shakespeare foram tão inspirados quanto Paulo, e dessa forma descartando a Bíblia. Começando com alguma mirabolante e mística idéia de que “todas as religiões contêm mais ou menos uma porção de verdade”, você pode acabar negando completamente a necessidade das missões, e achar que o melhor que se pode fazer é deixar os outros em paz.

Começando por indispor-se à “religião evangélica” como ultrapassada, de mente estreita e separatista, você pode acabar rejeitando as principais doutrinas do Cristianismo — a expiação, a necessidade da graça, e a divindade de Cristo. Eu repito que estou-lhe falando algo que não é novo: estou-lhe dando apenas um vislumbre do caminho que multidões de pessoas têm trilhado nesses últimos anos. Essas multidões estiveram, noutros tempos, satisfeitas com a teologia de Newton, Scott, Cecil, e Romaine; e agora imaginam que encontraram um caminho melhor nos princípios propostos pelos teólogos da escola do caminho largo! Eu penso que não existe segurança para a alma humana a não ser que nos lembremos da lição envolvida nestas solenes palavras: “Vede e acautelai-vos do fermento dos saduceus”.

Acautelemo-nos do elemento traiçoeiro da doutrina falsa. À semelhança do fruto que Eva e Adão comeram, à primeira vista ela parece agradável e boa, algo desejável. Não se vê a palavra “veneno” escrito nela, de forma que as pessoas não ficam com medo. Como uma moeda falsificada, ela não contém o aviso: “Coisa ruim”. Ela se passa por verdadeira porque se parece muito com a verdade.

Acautelemo-nos contra “os primeiros indícios” da doutrina falsa. Toda e qualquer heresia tem o seu início por meio do afastamento da verdade. Basta uma pequena semente de erro para dar origem a uma grande árvore. São as pequenas pedras que edificam o majestoso edifício. Foram as pequenas tábuas que deram origem à grande

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arca que transportou Noé e sua família nas águas do dilúvio que cobriu o mundo. É o pequeno fermento que leveda toda a massa. É a omissão ou a adição de um pequeno item da prescrição do médico que estraga o remédio todo, fazendo dele um veneno. Não toleramos calados uma pequena desonestidade, ou uma pequena fraude, ou uma pequena mentira; dessa mesma forma, jamais permitamos que uma pequena doutrina falsa nos arruíne, pensando que “é só uma coisa pequenina” que não pode nos causar dano. Aos gálatas parecia que não estavam fazendo nada muito perigoso quando começaram a guardar “dias, e meses, e tempos, e anos”; contudo Paulo disse a eles: “Receio de vós...” (Gálatas 4.10,11).

Finalmente, acautelemo-nos contra a suposição de que “de forma alguma nos encontramos em perigo”. “Nossos pontos de vista são saudáveis; nossos passos são firmes; talvez os outros possam desviar-se, mas nós estamos a salvo!” Centenas de pessoas pensaram dessa mesma forma, e acabaram terminando mal. Na sua autoconfiança, lidaram com pequenas tentações e pequenas formas de doutrina falsa; na sua prepotência, aproximaram-se demais do perigoso precipício; e agora estão perdidos para sempre. Eles cederam ao engano, acabaram crendo na mentira. Alguns deles oram à virgem Maria, e se curvam diante de imagens. Outros estão-se desfazendo de uma doutrina após a outra, desistindo de todo tipo de religião, a não ser uns farrapos de deísmo. É impressionante a visão, no livro O Peregrino, que descreve a Montanha do Erro como “muito íngreme” e, “quando Cristão e Esperançoso olharam para baixo, viram no sopé da montanha vários homens que se rebentaram ao despencar lá do topo dessa montanha”. Nunca, nunca esqueçamos o alerta para nos acautelarmos do “fermento”; e, se pensamos estar em pé, cuidemos para não cair!

IV. Em quarto e último lugar, proponho-me a sugerir alguns meios de proteção e tratamentos contra os perigos do momento — o fermento dos fariseus e o fermento dos saduceus.

Eu percebo que todos nós precisamos mais e mais da presença do Espírito Santo em nosso coração, para guiar, ensinar, e nos guardar sadios na fé. Todos nós temos de vigiar mais, e temos de orar para sermos mantidos de pé, e preservados de quedas e desvios. Contudo, há certas verdades essenciais que, em dias como os nossos, estamos de forma especial obrigados a conservar bem vivas na mente. Há ocasiões quando uma determinada região é invadida por alguma epidemia simples, quando os remédios que sempre funcionaram adquirem um valor especial. Há lugares onde um tipo incomum de malária se manifesta, onde os remédios que são valiosos em qualquer outro lugar, ali são mais valiosos do que nunca em consequência dessa moléstia incomum. Eu acredito que dessa mesma forma há tempos e épocas na Igreja de Cristo quando somos obrigados a intensificar a ênfase sobre certas verdades fundamentais e essenciais, a fim de agarrá-las com mais firmeza do que normalmente, a fim de imprimi-las em nosso coração, e não deixar que nos escapem. Pretendo apresentar essas doutrinas de forma ordenada, como a grande prescrição contra o fermento dos fariseus e dos saduceus. Quando Saul e Jônatas

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foram mortos pelos arqueiros, Davi ordenou que os filhos de Israel recebessem instruções para saberem usar o arco e a flecha.

(a) Em primeiro lugar, se nos quisermos manter sadios na fé, temos de prestar atenção à nossa doutrina da “depravação total da natureza humana”. A depravação da natureza humana não é uma doutrina fácil. Ela não é parcial nem superficial, mas é a radical e universal corrupção da vontade humana, do intelecto, dos sentimentos, e da consciência. Nós não somos meros pobres e coitados pecadores aos olhos de Deus: nós somos pecadores culpados; somos pecadores e fizemos por merecer esse nome: merecemos com justiça a ira e a condenação de Deus. É minha convicção pessoal que há muito poucos erros e doutrinas falsas cujo início não esteja associado a um ponto de vista distorcido sobre a depravação e a corrupção da natureza humana. Uma compreensão errada de uma doença sempre acarretará orientação errada sobre o remédio necessário. A compreensão errada da depravação da natureza humana sempre haverá de trazer consigo a compreensão errada do grande tratamento e da cura dessa depravação.

(b) Em seguida, temos de prestar atenção na doutrina da “inspiração e autoridade das Escrituras Sagradas”. Temos de manter com firmeza, mesmo à vista de todos os que se opõem, que a Bíblia toda nos foi dada pela inspiração do Espírito Santo, que ela é totalmente inspirada, e não uma parte mais do que a outra, e que há um imenso abismo entre a Palavra de Deus e qualquer outro livro deste mundo. Não devemos temer as dificuldades que existem no caminho da doutrina da absoluta inspiração. Talvez haja coisas elevadas demais para serem compreendidas: ela é um milagre, e todos os milagres são necessariamente misteriosos. Mas se nos recusarmos a crer em qualquer coisa até que tenhamos condições de explicar tudo, haverá bem poucas coisas que poderemos crer. Não é preciso temer todos esses ataques produzidos pela crítica contra a Bíblia. Esse julgamento contra a Palavra do Senhor já vem acontecendo desde os dias dos apóstolos, mas ela jamais deixou de apresentar-se como ouro, incólume, imaculada.

Não precisamos ficar apreensivos por causa das descobertas científicas. Os astrônomos podem varrer os céus com seus telescópios, e os geólogos podem escavar até o centro da terra, e nunca jamais abalarão a autoridade da Bíblia: “A voz de Deus e as obras das mãos de Deus nunca jamais serão encontradas em contradição mútua”. Não precisamos ficar apreensivos com as investigações dos viajantes. Eles nunca jamais haverão de descobrir qualquer coisa que contradiga a Bíblia de Deus. Eu estou certo de que, se um homem se dispuser a escavar cem cidades de Nínive, não encontrará jamais nem uma simples inscrição que seja contrária a um simples fato registrado na Palavra de Deus.

Além do mais, temos de sustentar com firmeza que essa Palavra de Deus é a única regra de fé e prática, que tudo quanto não está escrito nela não pode ser requerido de homem nenhum como algo necessário à sua salvação, e que embora se admita que podem surgir novas doutrinas, se elas não estão na Palavra de Deus, não são dignas de nossa atenção. Não importa quem está falando, quer seja um bispo, um arquidiácono, um deão, ou um presbítero. Não importa se a idéia é bem apresentada, com eloquência, de forma

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atraente, ou por imposição, e de tal forma que você seja ridicularizado. Nós não haveremos de crer nela a não ser que se prove pelas Escrituras Sagradas.

Em último lugar, mas não menos importante, temos de usar a Bíblia crendo de fato que ela foi dada por meio de inspiração. Temos de usá-la com reverência, e lê-la com o carinho com que leríamos as palavras de um pai ausente. Não devemos nos surpreender se encontrarmos no livro inspirado pelo Espírito de Deus algum mistério. Temos, antes, de lembrar que na natureza há muita coisa que não conseguimos entender; e que, assim como acontece no livro da natureza, assim acontecerá sempre no livro da Revelação. Devemos nos aproximar da Palavra de Deus no espírito de piedade recomendado pelo Lorde Bacon, muitos anos atrás. “Lembre-se”, disse ele, a respeito do livro da natureza, “que o homem não é o mestre, mas é o intérprete desse livro”. E da forma que lidamos com o livro da natureza, assim temos de lidar com o Livro de Deus. Temos de nos aproximar dele não para ensinar, mas para aprender, não como quem o domina, mas como um humilde aluno, procurando compreendê-lo.

(c) Outro ponto: temos de prestar atenção à nossa doutrina a respeito da “expiação e do ofício sacerdotal de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Temos de sustentar ousadamente que a morte de nosso Senhor na cruz não foi uma morte comum. Não foi a morte de alguém que morreu como Cranmer, Ridley, e Latimer, como mártir. Não foi a morte de alguém que morreu apenas para nos dar um poderoso exemplo de auto-sacrifício e auto-negação. A morte de Cristo foi uma oferta a Deus do Seu próprio corpo e sangue (de Cristo), em benefício do pecado e da transgressão do homem. Essa morte foi um sacrifício de apaziguamento; um sacrifício tipificado em cada oferta da lei mosaica, um sacrifício que produziu poderosa influência sobre toda a humanidade. Sem o derramamento desse sangue não poderia haver e nunca jamais haveria de ocorrer nenhuma remissão de pecados.

Além do mais, temos de sustentar ousadamente que esse Salvador crucificado está assentado para sempre à mão direita de Deus, para interceder por todo aquele que por Ele se achega a Deus; que Ele ali representa e suplica por aqueles que colocam nEle a sua confiança; e que Ele não delegou — a homem nenhum, nem a nenhum grupo de homens na face desta terra — o Seu ofício de Sacerdote e Mediador. Nós não precisamos de ninguém mais além dEle mesmo. Não precisamos da Virgem Maria, não precisamos de anjos, de santos, de sacerdotes, de nenhuma pessoa ordenada ou não ordenada, que precise se interpôr entre nós e Deus, além do único Mediador, Cristo Jesus.

Além disso, temos de sustentar ousadamente que a paz da consciência não se adquire por meio da confissão a um sacerdote, e por meio da absolvição do pecado recebida de um homem. Essa paz só se consegue quando se vai ao grande Sumo Sacerdote, Cristo Jesus; por meio da confissão a Ele, não a um homem; e pela absolvição que somente Ele concede. Ele que é o único que pode dizer: “Perdoados são os teus pecados; vai em paz”2.

2 Lucas 7.48-50.

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Em último lugar, mas não menos importante, temos de sustentar ousadamente que a paz com Deus, uma vez obtida pela fé em Cristo, deve ser preservada, não por meio de meros atos exteriores de adoração cerimonial, não por receber o sacramento da Ceia do Senhor todos os dias, mas pelo hábito diário de olhar para o Senhor Jesus Cristo pela fé, comendo do Seu corpo pela fé, e bebendo pela fé do Seu sangue. Foi a respeito desse comer e beber que nosso Senhor disse: aquele que come e bebe haverá de constatar que a Sua carne é verdadeira comida e o Seu sangue é verdadeira bebida3. John Owen declarou, muito tempo atrás, que se existe algo a que Satanás mais do que tudo deseja pôr fim, é o ofício Sacerdotal de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Satanás sabe muito bem, disse Owen, que esse é o “principal fundamento da fé e da consolação da Igreja”. Concepções corretas a respeito desse ofício são de importância fundamental em nossos dias, se queremos que os homens não caiam no erro.

(d) Preciso mencionar mais um remédio. Temos de prestar atenção à nossa doutrina sobre “a obra de Deus o Espírito Santo”. Tenhamos bem claro em nossa mente que o Seu trabalho não é uma operação invisível e incerta no coração, e que onde Ele está, Ele não está oculto, não deixa de manifestar-Se, não passa despercebido. O orvalho, quando cai, não deixa de ser percebido, ou quando existe vida numa pessoa isso não deixa de ser percebido por sua respiração. É assim também com a influência do Espírito Santo. Ninguém tem direito de reivindicar essa influência a não ser que os seus frutos, os seus efeitos experimentais possam ser vistos na sua vida. Onde Ele está, haverá sempre uma nova criação, uma nova fé, uma nova santidade, novos frutos na vida, na família, no mundo, na Igreja. E onde não se veem essas novas coisas, bem podemos dizer com segurança que ali não existe a operação do Espírito Santo. Estes nossos tempos exigem que estejamos todos atentos quanto à doutrina da obra do Espírito. Madame Guyon disse, muito tempo atrás, que talvez chegasse um tempo quando os homens tivessem de ser mártires por causa da obra do Espírito Santo. Parece que não está muito longe esse tempo. De qualquer modo, se há uma verdade na religião que tem sido motivo de desprezo mais do que qualquer outra, essa verdade é a obra do Espírito.

Quero enfatizar a enorme importância desses quatro pontos a todo leitor do nosso artigo: (a) Uma clara visão da pecaminosidade da natureza humana; (b) Uma clara visão da inspiração das Escrituras; (c) Uma clara visão da Expiação e do ofício Sacerdotal de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo; (d) Uma clara visão da obra do Espírito Santo.

Eu acredito que doutrinas estranhas a respeito da Igreja, do ministério, e dos sacramentos, a respeito do amor de Deus, da morte de Cristo, e do castigo eterno — não encontrarão ponto de apoio no coração que está doutrinariamente sadio quanto a

3 João 6.55.

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esses quatro pontos. Creio que são quatro grandes meios de proteção contra o fermento dos fariseus e dos saduceus.

Pretendo concluir agora meu estudo com algumas observações à guisa de aplicação prática. Meu desejo é tornar o assunto todo útil àqueles que lerem este texto, e prover resposta às questões que talvez possam surgir em algum coração. O que haveremos de fazer? O que você aconselha para tempos como os nossos?

(1) Em primeiro lugar, peço a cada leitor que se certifique se já se reconciliou pessoalmente com Deus. Afinal, essa é a coisa principal. De nada adiantará pertencer a uma boa igreja, se a pessoa mesma não pertence a Cristo. Uma pessoa não será beneficiada em coisa nenhuma se intelectualmente for sadia na fé, e aprovar a sã doutrina, mas se ela não tiver o coração sadio (regenerado). É esse o seu caso, leitor? Você pode afirmar que o seu coração está correto aos olhos de Deus? Ele foi renovado pelo Espírito Santo? Cristo habita em seu coração pela fé? Oh! Não descanse, não descanse enquanto você não pode responder satisfatoriamente a essas perguntas! A pessoa que morre sem se converter, mesmo que tenha as mais adequadas e sadias crenças, está tão perdida para sempre como o pior dos fariseus ou dos saduceus que já viveram sobre esta terra.

(2) Em segundo lugar, imploro a cada leitor que deseja uma fé sadia, que estude diligentemente a Bíblia. Esse livro bendito nos foi dado para ser uma lâmpada para nossos pés, uma luz para os nossos caminhos. Ninguém que leia esse livro com reverência, suplicando a ajuda de Deus, com humildade, e regularmente haverá de se perder no caminho para o céu. É por meio desse livro que se deve avaliar cada sermão, cada livro religioso e cada ministro.

Você quer saber o que é a verdade? Sente-se confuso e desconcertado com a guerra de palavras que ouve por todo lado a respeito da religião? Quer saber o que é que você deve crer, e o que você deve ser e fazer, a fim de ser salvo? Pegue a sua Bíblia, e pare de dar ouvidos aos homens. Leia a sua Bíblia com sincera oração para que o Espírito Santo o ensine; leia-a com honesta determinação de viver conforme ela ensina. Faça isso constante e perseverantemente, e você verá a luz: você será preservado do fermento dos fariseus e dos saduceus, e será guiado à vida eterna. Comece a fazer isso sem demora. É essa a forma de conhecer a verdade de Deus.

(3) Em seguida, aconselho a cada leitor que tem razões para considerar-se sadio tanto naquilo que crê como no coração, que preste atenção à proporção das verdades. O que eu quero dizer é que se deve ter cautela para dar a cada verdade do Cristianismo o mesmo lugar e posição em nosso coração que essa verdade recebe na Palavra de Deus. As coisas que devem vir primeiro não devem ser colocadas em segundo lugar, nem as que estão em segundo lugar devem ocupar o primeiro lugar em nossa religião. A Igreja não deve ser colocada acima de Cristo. Os ministros não devem ser exaltados acima do lugar designado por Cristo para eles; os meios de graça não devem ser considerados

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como fins em vez de meios. É de grande importância dar atenção a esse ponto: os erros que surgem da negligência disso não são nem poucos nem pequenos. Aqui reside a tremenda importância de estudar toda a Palavra de Deus, sem nada omitir, evitando parcialidade ao ler uma parte mais do que a outra. Eis o valor de possuir bem claro na mente o sistema do Cristianismo.

(4) Em seguida, imploro a cada servo genuíno de Cristo a não deixar-se enganar pelo disfarce com que as falsas doutrinas muitas vezes se insinuam em nossas almas em nosso tempo. Acautele-se de pensar que um mestre de religião merece confiança porque, embora sustente alguns pontos de vista falsos, ele contudo “ensina um bocado de verdade”. Esse é exatamente o tipo de pessoa que causará dano a você: o veneno é sempre mais perigoso quando é servido em pequenas doses e misturado a comida saudável. Acautele-se de ser enganado pela aparente honestidade de muitos dos mestres que sustentam e propagam falsas doutrinas. Lembre-se de que zelo e sinceridade e fervor não são, de forma nenhuma, prova de que uma pessoa está trabalhando por Cristo e que por isso merece nossa confiança.

Não há dúvida de que Pedro estava sendo profundamente sincero quando disse a nosso Senhor: “Tem compaixão de ti, Senhor”, para que Cristo não fosse para a cruz; contudo nosso Senhor lhe disse: “Arreda, Satanás!” Saulo, sem dúvida, era sincero quando perseguia os cristãos por todo lado; contudo ele o fez na ignorância, e o seu zelo não era com entendimento. Os autores da Inquisição Espanhola sem dúvida eram sinceros, e pensavam estar realizando a obra de Deus ao queimar vivos os santos de Deus; contudo na verdade eles estavam perseguindo os membros de Cristo e andando nos passos de Caim. É uma terrível verdade que “o próprio Satanás se transforma em anjo de luz” (2 Coríntios 11.14). De todos enganos que existem nesses últimos tempos, nenhum é maior do que a idéia de que “se uma pessoa é séria em sua religião, com certeza essa deve ser uma boa pessoa”! Acautele-se desse terrível engano; acautele-se de ser desviado por “pessoas sérias e sinceras”! A seriedade e a sinceridade são, em si mesmas, excelentes coisas; mas tem de ser seriedade conforme Cristo e conforme toda a Sua verdade, ou essa seriedade e sinceridade não servem para absolutamente nada. As coisas que são altamente consideradas entre os homens são, muitas vezes, abomináveis aos olhos de Deus.

(5) A seguir, aconselho a todo verdadeiro servo de Cristo a “examinar o próprio coração” com frequência e com cuidado, para saber como se encontra diante de Deus. Essa é uma prática útil em todo o tempo: e é especialmente recomendada para os nossos dias. Na época da grande praga que assolou a cidade de Londres, as pessoas percebiam e davam importância aos menores sintomas que lhes apareciam no corpo, de uma forma que nunca antes haviam reparado. Uma mancha aqui ou ali, que em tempos de saúde ninguém pensaria que fosse alguma coisa, recebia profunda atenção quando a praga estava dizimando as famílias, derrubando um após o outro! Assim deve ser conosco, nestes tempos em que vivemos. Devemos vigiar nosso coração com atenção redobrada. Devemos gastar mais tempo em meditação, auto-exame, e reflexão. Vivemos numa

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época apressada, agitada: se quisermos ser preservados de quedas, temos de arranjar tempo para estar com frequência sozinhos com Deus.

(6) Para encerrar, encorajo a todos os verdadeiros crentes a batalhar, “diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”4. Não há porque nos envergonharmos dessa fé. Estou firmemente persuadido que não existe sistema que infunda vida, sistema tão bem projetado para despertar os que dormem, que convença os indecisos, e edifique os santos, como esse que se chama sistema Evangélico do Cristianismo. Onde quer que seja pregado com fidelidade, e transmitido com eficiência, e consistentemente adornado pela vida daqueles que o professam, ele é o poder de Deus. Talvez alguns falem mal dele e zombem; mas isso acontecia também no tempo dos apóstolos. Talvez ele seja promovido e defendido de forma deficiente por muitos dos seus advogados; mas, no final de tudo, os seus frutos e resultados merecem o mais alto louvor. Não há nenhum outro sistema religioso que chega a esse tipo de resultado. Em nenhum outro lugar há tantas almas convertidas a Deus como nas congregações onde o Evangelho de Jesus Cristo é pregado em toda a sua plenitude, sem mistura da doutrina dos fariseus e dos saduceus. Nós não somos chamados, de forma nenhuma, para ser meros polemistas; mas nunca nos devemos envergonhar de dar testemunho da verdade como ela é em Jesus, e sustentar ousadamente a religião Evangélica. Nós temos a verdade, e não precisamos ter medo de afirmar isso. O dia do juízo haverá de mostrar quem está certo, e é a esse dia que com ousadia podemos apelar.

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Há mais de um século, J. C. Ryle foi o líder do partido evangélico da Igreja da Inglaterra. Sua estratégia foi encorajar os conservadores a permanecer na igreja em vez de abandonar o barco e deixar que os liberais executassem seu programa sem nenhum impedimento.

J. C. Ryle é mais bem conhecido por seus escritos claros e vívidos a respeito de temas práticos e espirituais. Seu grande alvo no ministério era encorajar a vida cristã séria e viril. Mas ele não era ingênuo quanto à forma em que isso deveria ser feito. Ele reconhecia que, como pastor do rebanho de Deus, tinha a responsabilidade de guardar as ovelhas de Cristo e alertá-las toda vez que via o perigo aproximar-se. Os seus comentários perspicazes são tão sábios e relevantes hoje como o foram quando os escreveu. Os seus sermões e outros escritos têm tido amplo reconhecimento, e a sua utilidade e impacto se estendem até os nossos dias, da mesma forma que o fizeram na Inglaterra daqueles dias. Tony Capoccia

[Texto transcrito por Tony Capoccia, no site www.biblebb.com]

Tradução: Helio Kirchheim

4 Judas 3.