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CAPÍTULO 14 REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE Até o presente momento demos ênfase ao aspecto da regulação positiva da resposta imune, ou seja, como os mecanismos imunes são ativados e eliminam o antígeno. Assim também ocorreu com os primeiros cientistas que estudaram o sistema imune: estes inicialmente deram muita ênfase aos mecanismos de ativação e só posteriormente, a partir dos anos 70 do século XX, os mecanismos de regulação negativa começaram a ser abordados. Estes mecanismos de inativação são tão importantes quanto os de ativação porque tendem a manter a homeostasia e evitar que alterações patológicas induzidas pela exacerbação da resposta imune ocorram. A partir do momento em que a resposta imune se estabelece, mecanismos de regulação negativa também são ativados para que esta resposta não seja exacerbada e tenha um tempo limitado de ocorrência. Desta forma, citocinas e outras moléculas regulatórias, hormônios e neurotransmissores e a própria eliminação do antígeno reduzem a resposta imune. Como já foi visto, os linfócitos T apresentam TCRs que reconhecem estruturas próprias (moléculas do MHC) associadas a estruturas não próprias (peptídeos) e para proteger o organismo de respostas de auto-agressão estes linfócitos são selecionados no timo (Capítulo 7). A seleção dos linfócitos T no timo ocorre pelo contato com moléculas próprias em altas concentrações. Os linfócitos T com TCR auto-reativo morrem por apoptose e este mecanismo é denominado deleção clonal.

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C A P Í T U L O 1 4

REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

Até o presente momento demos ênfase ao aspecto da regulação positiva da resposta imune, ou

seja, como os mecanismos imunes são ativados e eliminam o antígeno. Assim também ocorreu com os

primeiros cientistas que estudaram o sistema imune: estes inicialmente deram muita ênfase aos

mecanismos de ativação e só posteriormente, a partir dos anos 70 do século XX, os mecanismos de

regulação negativa começaram a ser abordados.

Estes mecanismos de inativação são tão importantes quanto os de ativação porque tendem a

manter a homeostasia e evitar que alterações patológicas induzidas pela exacerbação da resposta imune

ocorram.

A partir do momento em que a resposta imune se estabelece, mecanismos de regulação

negativa também são ativados para que esta resposta não seja exacerbada e tenha um tempo limitado de

ocorrência. Desta forma, citocinas e outras moléculas regulatórias, hormônios e neurotransmissores e a

própria eliminação do antígeno reduzem a resposta imune.

Como já foi visto, os linfócitos T apresentam TCRs que reconhecem estruturas próprias

(moléculas do MHC) associadas a estruturas não próprias (peptídeos) e para proteger o organismo de

respostas de auto-agressão estes linfócitos são selecionados no timo (Capítulo 7). A seleção dos

linfócitos T no timo ocorre pelo contato com moléculas próprias em altas concentrações. Os linfócitos T

com TCR auto-reativo morrem por apoptose e este mecanismo é denominado deleção clonal.

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

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Além desta seleção que ocorre no timo, denominada seleção central, existe uma seleção

periférica que ocorre nos órgãos linfóides secundários.

Este tipo de controle periférico é importante porque com a resposta imune ativada nos tecidos,

produtos celulares liberados em grandes concentrações podem levar a alterações das células locais e

possíveis respostas auto-imunes.

A seleção periférica nos órgãos linfóides secundários consiste na indução de tolerância dos

linfócitos T aos antígenos, ou seja, apesar de apresentarem receptores para os antígenos, estes linfócitos

não são ativados.

Os mecanismos que induzem a tolerância periférica dos linfócitos T são:

! Anergia clonal – os linfócitos tornam-se inativados sem a ocorrência de morte celular.

! Deleção clonal – os linfócitos morrem por apoptose.

! Supressão clonal – os linfócitos são inibidos na sua ativação e funções efetoras por

citocinas produzidas por outras células.

! Ignorância clonal - os linfócitos continuam viáveis e funcionais mas não reagem ao

antígeno.

Não apenas os linfócitos T estão sujeitos à indução de tolerância central e periférica mas

também os linfócitos B. No entanto, têm se tornado cada vez mais evidente, que os linfócitos T estão

mais sujeitos a mecanismos de tolerância que os linfócitos B, isto porque, a maioria dos tipos de

resposta imune são T-dependente.

TOLERÂNCIA DE LT

TOLERÂNCIA CENTRAL DE LT – VER CAPÍTULO 7

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FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA

160

TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LT

A tolerância dos linfócitos T nos órgãos linfóides secundários pode ocorrer por:

! anergia induzida por co-estimulação inadequada,

! anergia por associação de peptídeos mutados,

! deleção clonal induzida por estimulação repetitiva,

! ignorância clonal e

! supressão induzida por citocinas.

Anergia clonal induzida por co-estimulação inadequada

Um clone de LT pode se tornar anérgico quando o reconhecimento dos peptídeos associados ao

MHC pelo TCR ocorre na ausência ou em baixa concentração de moléculas coestimuladoras, tais como

as moléculas B7 presentes em APCs ativadas e o seu ligante em LT, o CD28. Trabalhos experimentais

mais recentes têm demonstrado que a anergia ocorre não pela ausência do sinal co-estimulatório mas

porque os linfócitos T expressam CTLA-4 que se associa a B7, inibindo a sua ativação (Figura 1 e

Capítulo 9).

Figura 1 – Interações moleculares que levam à ativação (A.) ou anergia (B.) de linfócitos T

B7(CD80) MHC-II

CD40

CD40-L

TCR

CD28 CD3

CD4

LFA-1

ICAM-1

Linfócito T

MØ ou Cél. Dendrítica ou Linfócito B

MHC-II

CD40

CD40-L

TCR

CTLA-4 CD3

CD4

LFA-1

ICAM-1

Linfócito T

MØ ou Cél. Dendrítica ou Linfócito B

B7(CD80)

A. Ativação B. Anergia

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

161

Anergia induzida por peptídeos mutados

A anergia também pode ser induzida quando os peptídeos apresentados estão mutados

(Peptídeos Ligantes Alterados). A anergia dos linfócitos T ocorre porque apesar dos sinais co-

estimulatórios estarem presentes, o sinal de reconhecimento do peptídeo + MHC pelo TCR está alterado

(Figura 2). Existem alguns microorganismos, tais como o HIV, que produzem peptídeos deste tipo o que

resulta no escape da resposta de linfócitos T.

Figura 2 - Anergia mediada por peptídeos ligantes alterados

Morte celular induzida por ativação

Quando o antígeno é apresentado em altas concentrações ou de forma repetitiva, situação

encontrada quando os antígenos são próprios, os LT podem morrer por apoptose mediada por Fas (ou

CD95/APO 1) ou pelo receptor de TNF-α (Figura 3).

O Fas é um receptor de membrana expresso constitutivamente em células do baço, linfonodos,

fígado, pulmões, rins e ovário e está relacionado ao controle da proliferação celular. O Fas associa-se a

MHC-II

CD40

CD40-L

TCR

CD28 CD3

CD4

LFA-1

ICAM-1

Linfócito T

MØ ou Cél. Dendrítica ou Linfócito B

B7(CD80)

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FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA

162

uma proteína de membrana – Fas-Ligante (FasL) - que é expressa constitutivamente em neutrófilos,

neurônios, células do estroma da retina e linfócitos T ativados, dentre outras células.

Os linfócitos T ativados co-expressam Fas e FasL o que resulta na morte destas células e de

células vizinhas. Este mecanismo é potencializado pela IL-2. A molécula Fas é o principal mediador da

morte por apoptose de células Tauxiliares CD4+.

O Fas é uma molécula que faz parte da família do receptor de TNF-α e o FasL é

estruturalmente homólogo ao TNF-α. O receptor de TNF-α (rTNF-α) é o principal mediador da morte

por apoptose de células Tcitotóxicas CD8+ (Figura 3).

A associação entre Fas-FasL e TNF-α-rTNF-α ativa Cisteína proteases intracelulares

(denominadas caspases que clivam proteínas nos locais onde são encontrados o ácido aspártico) que

causam a fragmentação de nucleoproteínas, o que caracteriza a morte por apoptose.

Figura 3 – Dekeção Clonal por ativação repetitiva

LTh

LTc

Fas

FasL

rTNF

TNF

Apoptose

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

163

Supressão de clones de LT auto-reativos por LT regulatórios

A ativação dos LT naive por antígenos e moléculas co-estimulatórias leva-os a diferenciação

em células efetoras que secretam citocinas que atuam de maneira regulatória. Estas citocinas podem

suprimir alguma etapa da resposta imune.

Linfócitos Th2, macrófagos e Linfócitos B produzem IL-10 que inibe a produção de TNF-α e

outras citocinas pró-inflamatórias e a expressão de moléculas co-estimulatórias em macrófagos (Figura 4).

Linfócitos Th1 e linfócitos Th2 podem ser contraregulados pela produção de citocinas. Por

exemplo, a produção de IFN-γ por linfócitos Th1 reduz a produção de IgE por linfócitos B, porque inibe

a troca deste isótipo, mediada pela IL-4. Por outro lado, as IL-4, IL-13 e IL-10, produzidas por linfócitos

Th2, inibem a ativação de macrófagos pelo IFN-γ.

Na mucosa oral, por exemplo, a tolerância é induzida por células Th3 que pela síntese de TGF-β

reduz a proliferação dos linfócitos e a ativação de macrófagos.

Ignorância clonal.

A ignorância clonal consiste na incapacidade dos LT em reconhecer os antígenos próprios sem

que estejam anérgicos ou que tenham morrido por apoptose. Antígenos presentes no Sistema Nervoso

Central e nos olhos podem induzir ignorância clonal. Este fenômeno ocorre na presença de baixas

concentrações do antígeno e por isso não ocorre a indução das moléculas co-estimulatórias (B7-CD28)

importantes na ativação celular. A anergia em contraste ocorre quando os antígenos estão em altas

concentrações.

Evidências de que este tipo de mecanismo ocorre têm sido demonstrado em camundongos

transgênicos (camundongos que recebem intrauterinamente, um determinado gen inexistente ou pré-

existente, induzindo ou aumentando a sua expressão, respectivamente).

Camundongos transgênicos para a expressão de uma glicoproteína viral em células

pancreáticas β são acasalados com camundongos transgênicos para a expressão de LT com TCR

específico para esta mesma glicoproteína viral. Camundongos da linhagem resultante (F1) expressam

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peptídeos virais na membrana das células pancreáticas e possuem LT com TCRs específicos para estes

peptídeos associados ao MHC. No entanto, as células T destes animais não são mortas nem são ativadas

frente aos antígenos virais expressos pelas células pancreáticas. Elas também não se tornam anérgicas

porque podem ser ativadas quando são colocadas in vitro frente ao antígeno.

Figura 4 – Produção de citocinas inibitórias da resposta imune

LTh0 LTh1 LTh1

LTh1

IFN-γγγγ

LTh2

LTh2 LTh2

IL-4 IL-10

LTh3 LTh3

TGF

Efeitos

Efeitos estimulatórios LTh3

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

165

TOLERÂNCIA DE LB

Os linfócitos B podem se tornar tolerantes aos antígenos para os quais as suas Igs de membrana

são específicas tanto na medula óssea (tolerância central) quanto nos órgãos linfóides secundários

(tolerância periférica).

Os mecanismos que induzem tolerância nos linfócitos B são:

! Deleção clonal – os linfócitos morrem por apoptose.

! Anergia clonal – os linfócitos tornam-se inativados sem a ocorrência de morte celular.

TOLERÂNCIA CENTRAL

Os linfócitos B são selecionados na medula óssea durante o processo de maturação assim como

os LT o são no timo.

No processo de maturação normal, quando os linfócitos B se diferenciam sem contato com

antígenos próprios, moléculas de IgM e IgD são expressas na membrana e estas células maduras migram

para os órgãos linfóides periféricos (Figura 5A).

No entanto, quando estas células entram em contato com Ag próprio multivalente são deletadas

por apoptose na fase em que apresentam apenas IgM de membrana (Figura 5B).

Os linfócitos B tornam-se anérgicos se a IgM de membrana reconhecer antígeno próprio

solúvel. Neste caso, a célula passa a expressar baixas concentrações de IgM de membrana com um

predomínio de IgD e não responde mais ao antígeno para o qual é específica (Figura 5C).

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Figura 5 – Maturação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por deleção (B) ou anergia clonal (C) na medula óssea

IgM IgM

IgD

Migração para os órgãos linfóides

secundários

A. Maturação dos LB

IgM

APOPTOSE

B. Deleção clonal

Ag multivalente

C. Anergia clonal

Ag solúvel IgM

ANERGIA

IgM

IgD

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

167

TOLERÂNCIA PERIFÉRICA

Em uma resposta imune normal linfócitos Tauxiliares reconhecem peptídeos associados com

moléculas do MHC classe II presentes na membrana de macrófagos e LB. Os linfócitos B ativados por

citocinas liberadas linfócitos T proliferam e originam plasmócitos secretores de anticorpos e linfócitos B

de memória (Figura 6A). Os plasmócitos inicialmente secretam IgM e posteriormente passam a secretar

IgG (Capítulo 9).

No entanto, quando linfócitos B maturos, nos órgãos linfóides secundários, reagem com

antígenos próprios multivalentes, da mesma forma que na medula óssea, morrem por apoptose levando

à deleção clonal (Figura 6B).

Se os linfócitos B reagirem com Ag próprio solúvel, p.ex., proteínas hepáticas, as IgMs que

reconhecem estes antígenos são endocitadas e ficam sequestradas no RE, ou seja, não são reexpressas na

membrana. Estas células conseqüentemente apresentam baixa expressão de IgM e alta de IgD na

membrana e tornam-se anérgicas (Figura 6C).

LINFÓCITOS T SUPRESSORES.

Durante a década de 70 do século XX, foram realizadas observações em modelos

experimentais que sugeriram a existência de LT supressores. Nestes modelos, o inóculo endovenoso de

altas doses de antígenos proteícos ou de haptenos sem adjuvantes (soluções que aumentam a retenção do

antígeno solúvel e conseqüentemente a resposta contra ele) não causavam uma resposta imune e sim a

sua supressão. Estes efeitos inibitórios foram correlacionados à produção de proteínas secretadas por

células T CD8+. A visão atual é de que não existem células exclusivamente supressoras mas sim células

T que desenvolvem um padrão de secreção de citocinas que desencadeiam respostas predominantemente

celulares (Th1) ou humorais (Th2). Em geral, quando a resposta é predominantemente celular, linfócitos

Th1 liberam citocinas que inibem a ativação de células Th2 e vice-versa (Capítulo 9).

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Figura 6 Ativação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por apoptose (B) ou anergia (C) nos órgãos linfóides secundários

IgM

IgD

A.Ativação dos LB por LTh

LT

IgM

APOPTOSE

B. Deleção clonal

Ag multivalente

IgD

C. Anergia clonal

Ag solúvel IgM

ANERGIA

IgM

IgD

IgD

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

169

OUTRAS FORMAS DE REGULAÇÃO

Além dos mecanismos de tolerância, a resposta imune é regulada por diversos outros

mecanismos, dentre eles:

! As características do antígeno, as doses e vias de inóculo

! As características das células acessórias no início da resposta,

! Redução do antígeno nos tecidos e Feedback pelo anticorpo,

! Moléculas antagonistas de citocinas

! Redes iditotípicas e

! Hormônios e neurotransmissores.

CARACTERÍSTICAS DO ANTÍGENO, AS DOSES E AS VIAS DE INÓCULO DO ANTÍGENO

Os antígenos de acordo com suas características físico-químicas podem induzir diferentes tipos

de resposta.

Enquanto que as proteínas induzem resposta humoral e celular, lipídeos e polissacarídeos

induzem um tipo de resposta humoral independente de LT.

Além das características físico-químicas também é importante a dose administrada, sendo que

quando são administradas soluções proteícas em altas concentrações ou de forma repetitiva, as células T

tornam-se tolerantes ao antígeno em questão. Por outro lado, altas concentrações de polissacarídeos

induzem tolerância de LB.

A via da administração também pode tornar um antígeno mais ou menos imunogênico. Quando

administrados por via sc (subcutânea) ou id (intradérmica), os antígenos são imunogênicos, enquanto

que por via oral ou iv (intravenosa) há indução de tolerância ou de LT supressores.

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FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA

170

CARACTERÍSTICAS DAS CÉLULAS ACESSÓRIAS NO INÍCIO DA RESPOSTA IMUNE

O tipo de APC pode condicionar o tipo de resposta. Macrófagos em repouso ou naive e LB não

estimulados são deficientes em co-estimuladores, levando clones de linfócitos T a se tornarem

tolerantes. A proporção de macrófagos, LB ou células dendríticas apresentando Ag determina qual o

tipo de resposta será desencadeada. Acredita-se que quando ocorre um predomínio de LB como APCs a

resposta tende a ser Th2 enquanto que macrófagos e células dendríticas tenderiam a induzir uma

resposta tipo Th1.

REDUÇÃO DO ANTÍGENO NOS TECIDOS E FEEDBACK PELO ANTICORPO.

Durante a resposta imune, a produção de anticorpos leva à eliminação dos antígenos por

mecanismos de opsonização, ADCC ou lise pelo complemento. Estes eventos reduzem os antígenos

livres no organismo e com isto, a fagocitose e a apresentação dos antígenos são reduzidas e

conseqüentemente, a ativação dos Linfócitos.

Além deste mecanismo, a produção de anticorpos é regulada pela presença de complexos

imunes que se associam aos linfócitos B inativando-os. No início da resposta imune, os linfócitos B

reconhecem antígenos pelas Igs de membrana, o que leva à endocitose do antígeno, processamento e

apresentação aos LT (Figura 7A). A apresentação de antígenos pelo linfócito B ao LT auxiliar, leva os

linfócitos B à proliferação e à diferenciação em plasmócitos secretores de anticorpos e linfócitos de

memória.

Os anticorpos presentes na linfa, sangue e tecidos associam-se aos antígenos, eliminando-os

como referido anteriormente. No entanto, a medida que complexos Ag-IgG são formados, estes podem

se associar a receptores para Fc de IgG na membrana dos linfócitos B reduzindo a ativação destas

células e a produção de anticorpos (Figura 7B).

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

171

Figura 7 – Ativação de LB por Ag (A.) e inativação por complexos Ag-Ac (B.)

PRODUÇÃO DE ANTAGONISTAS DE CITOCINAS

A produção de citocinas pró-inflamatórias também pode ser regulada por complexos Ag-Ac.

Quando complexos Ag-Ac associam-se aos receptores para Fc de IgG, nos macrófagos, durante a

opsonização, um inibidor da IL-1 - a IL-1Ra - é produzido e compete pela ligação com receptores para

IL-1 nas células, reduzindo a ativação destas e reduzindo a resposta inflamatória (Figura 8).

Figura 8 – Inibição da atividade da IL-1 pelo IL-1RA

IgG

rFcIgG

Macrófago rC3b/C4b C3b/C4b

IL-1

IL-1RA

rIL-1

A. B.

FcγγγγRIIB

IgM

IgD

IgG

Antígeno Complexo Ag-Ac

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172

REDES IDIOTÍPICAS

A idéia da rede idiotípica surgiu em 1974 com o cientista Niels Jerne que demonstrou que

animais inoculados com suas próprias Igs produzem anticorpos contra as regiões variáveis destas

moléculas. Estas regiões reconhecidas por estes auto-anticorpos foram denominadas idiótopo e o

conjunto dos idiótopos foi denominado idiótipo.

Estes experimentos levantaram a hipótese de que podem ser gerados anticorpos que

reconhecem os idiótipos das Igs, existindo uma conectividade entre estes anticorpos o que leva à criação

de uma rede de interações - a rede idiotípica.

Como uma Ig é específica para um determinante antigênico mas pode também se associar a um

idiótopo, a conclusão lógica é de que ambos são iguais ou similares, ou seja, dentro do organismo

existem idiótopos que atuam como imagens internas dos antígenos. Os anticorpos anti-idiotípicos, ou

seja, os que reconhecem os idiótipos (ou imagens internas do antígeno) são reconhecidos por

anticorpos-anti-anti-idiotípicos e assim por diante. De acordo com esta idéia, os anticorpos dentro do

sistema imune são interdependentes e estão associados formando uma malha em que todos os anticorpos

estariam conectados. A entrada de uma molécula estranha quebra a homeostasia do sistema, competindo

com as imagens internas do antígeno (anticorpos anti-idiotípicos) pela associação com os anticorpos,

alterando todo o sistema e levando, ao término da resposta a um novo padrão homeostático.

Para os cientistas que acreditam na existência da rede (e não é a maioria), a Imunologia

ensinada é apenas parte da verdadeira realidade do que ocorre no sistema imune.

O sistema não é tão previsível como se pensa e para cada indivíduo a evolução de suas

respostas depende da história de seus contatos com o meio ambiente desde o momento do nascimento

sendo estas dependentes do tempo e do espaço, na qual ocorreram.

Se um dia você quiser ter um melhor contato com estas idéias leia o livro Guia Incompleto de

Imunologia: imunologia como se o organismo não importasse, dos professores Nelson M.Vaz e Ana

Maria C. de Faria, ambos da UFMG e publicado pela editora da própria universidade.

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

173

Para dar uma pausa e pensar, caso você nunca leia o tal livro; um trecho da introdução escrita

por um cientista chileno (Humberto Maturana), que estuda a fisiologia do olfato e da visão, com a

mesma abordagem que os professores de imunologia da UFMG:

“... o modo de olhar não apenas determina o que se vê e se faz, mas também determina o que se

pergunta e o que se explica. Por isso, uma mudança no olhar e no conversar, em um âmbito experiencial

particular, muda o entendimento do que se faz e, também, a natureza desse âmbito.”

HORMÔNIOS E NEUROTRANSMISSORES

Desde o início dos anos 70 do século XX, estão sendo acumuladas evidências do fluxo de

informações entre o sistema imune e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o qual governa as reações do

corpo frente a mudanças metabólicas e stress ambiental.

As interações entre o Sistema Nervoso Central (SNC), o sistema endócrino e o sistema imune

provavelmente ocorrem a partir do sistema límbico, local no qual as informações do córtex cerebral e do

hipotálamo interagem e onde surgem as emoções. Dados neurológicos mais recentes indicam que

embora o sistema límbico seja o responsável pelo impulso emocional, a maneira como expressamos

estas emoções é regulada por regiões situadas no córtex pré-frontal, logo atrás da testa.

Cada lado do córtex pré-frontal lida com um conjunto diferente de reações emocionais. As

emoções que nos fazem ter medo ou repulsa são reguladas pelo lado direito e sentimentos, como a

felicidade, pelo esquerdo.

As células do sistema imune são sensíveis a uma série de hormônios, neurotransmissores e

neuropeptídeos porque expressam receptores específícos podendo ser portanto reguladas pelos

diferentes estados emocionais, patologias endócrinas e do SNC.

Por outro lado, a produção de algumas citocinas interfere na liberação de hormônios e

neuropeptídeos. Quando citocinas pró-inflamatórias, tais como o TNF-α, as IL-1 e IL-6 são produzidas,

estas induzem a liberação, pelo hipotálamo, do Fator Liberador de Corticotropina (CRF), que ativa a

hipófise e leva à produção de ACTH e à regulação negativa da produção destas moléculas. Quando os

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FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA

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linfócitos são ativados eles produzem moléculas similares àquelas produzidas no cérebro como as β-

endorfinas que atuam por sua vez sobre o sistema límbico do cérebro.

As atividades moduladoras de algumas destas moléculas estão sumarizadas a seguir.

Corticotropina (ACTH), endorfinas e encefalinas

O ACTH é produzido pela hipófise anterior quando esta é ativada pelo Fator Liberador de

Corticotropina (CRH), secretado pelo Hipotálamo. O ACTH é derivado de uma molécula precursora – a

pró-ópio-melanocortina (POMC) - que origina também as endorfinas e encefalinas.

Infecções e vários tipos de estresses físicos e psicológicos podem aumentar a liberação de

ACTH e de cortisol desde alterações de temperatura até grandes cirurgias, hipoglicemia e exercícios

intensos. As concentrações de CRF, ACTH e cortisol podem estar alteradas em desordens psiquiátricas

como a depressão, ansiedade e anorexia nervosa.

O principal efeito do ACTH sobre o sistema imune parece ser indireto pela indução da

biossíntese de esteróides pelo córtex da adrenal principalmente glicocorticóides, dentre os quais o

cortisol. Os glicocorticóides têm efeito supressor na produção de anticorpos, na anafilaxia e na rejeição

de enxertos.

Os outros hormônios da hipófise anterior, as endorfinas e as encefalinas são peptídeos opióides

que atuam no SNC levando a analgesia e mudanças de comportamento, produzindo estados de euforia.

As β-endorfinas e a Met- e Leu-Encefalinas modulam o sistema imune de maneira dose-

dependente: doses baixas potenciam enquanto que doses altas suprimem a resposta imune. Um dos

importantes efeitos destas moléculas é a ativação das células NK quando liberadas durante um esforço

físico aumentando a vigilância destas células frente a células alteradas por infecção ou neoplasia.

Prolactina (PRL)

A prolactina é um hormônio secretado pela hipófise anterior e é induzido por estresse físico

agudo ou comportamental. Pode ser produzida também por LT no sangue periférico e órgãos linfóides

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CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE

175

secundários. A elevação da prolactina em animais reverte os efeitos supressivos dos glicocorticóides e a

sua produção é aumentada por estrógenos e reduzida pelos glicocorticóides. Anomalias na produção de

prolactina são encontradas em doenças auto-imunes tais como LES, doença de Addison e doenças auto-

imunes da tireóide.

Hormônio do Crescimento (GH)

A deficiência na produção do Hormônio do Crescimento está associada a uma redução na

celularidade de medula óssea e timo e função reduzida de LT, células NK e produção de anticorpos.

Alguns vírus e endotoxinas bacterianas aumentam a produção de hormônio do crescimento em

seres humanos. Durante a resposta inflamatória, a produção de IL-1 também aumenta a secreção

sistêmica de GH o que pode estar associado ao incremento da ativação de LT, LB e células NK.

Estrógenos, Andrógenos e Progesterona

Os hormônios esteróides estão associados com as diferenças de resposta imune de machos e

fêmeas a diferentes microorganismos.

A produção de estrógenos (estradiol) nas fêmeas tem sido associada a uma resposta imune mais

vigorosa, com maior produção de anticorpos, uma resposta imune primária e secundária mais forte,

maior resistência à indução de tolerância e a maior habilidade em rejeitar tumores e transplantes.

Os estrógenos também estão associados à maior incidência de doenças auto-imunes em

mulheres. Por exemplo, a incidência de lupus é maior em mulheres em fase fértil e o agravamento da

doença pode ocorrer durante a gravidez ou após a administração de contraceptivos orais contendo

esteróides. Além disso, as pacientes com LES têm um metabolismo anormal de andrógenos e estrógenos

levando a redução da razão andrógeno/estrógeno.

No entanto, nem sempre o estrógeno é o fator deletério nas doenças auto-imunes: no caso da

artrite reumatóide, o estrógeno melhora a doença. Isto pode ser devido aos mecanismos envolvidos na

doença auto-imune: no caso do LES em que estão envolvidos LB produtores de anticorpos anti-DNA e

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FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA

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formação de complexos imunes circulantes, o estrógeno aumenta este tipo de resposta enquanto que na

Artrite reumatóide, dependente de LT, o estrógeno atua como supressor.

Durante a gravidez, a progesterona também afeta a resposta imune apresentando efeito

imunossupressor e anti-inflamatório local, reduzindo a probabilidade de rejeição do feto.

Os andrógenos nos seres humanos são secretados pelos testículos e adrenais. O mais importante

andrógeno quantitativamente secretado pelo córtex adrenal de homens e mulheres é a a

dihidroepiandrosterona (DHEA), um intermediário na síntese de testosterona e estradiol. O DHEA nos

órgãos periféricos torna-se ativado pelos macrófagos que pela ação da α-redutase metaboliza testoterona

em dihidroepiandrosterona. Receptores para DHEA são encontrados nos LT e a sua produção leva a um

aumento na produção de IL-2 e IFN-γ, induzindo um padrão de resposta do tipo Th1. Existem

evidências de que o DHEA pode contrabalancear os efeitos dos glucocorticóides, que induzem um

padrão Th2. A redução de DHEA, em indivíduos idosos e pacientes terminais com AIDS, induz as

células Th0 a se diferenciarem em LTh2 propiciando o surgimento de infecções intracelulares e

tumores.

Glicocorticóides

O Cortisol é o principal glicocorticóide produzido pelo córtex adrenal, sendo responsável por

cerca de 95% da atividade exercida pelos hormônios adrenocorticais; o restante da atividade se deve a

corticosterona. O estresse físico ou mental aumenta a secreção de ACTH que estimula a produção de

cortisol. Em altas concentrações o cortisol reduz o processo inflamatório pela inibição da fosfolipase

A2, reduzindo a síntese de ácido aracdônico, precursor dos Leucotrienos, Prostaglandinas e

Tromboxano. Os linfócitos, principalmente os LT, também são sensíveis aos efeitos imunossupressores

dos glicocorticóides. Estes induzem a produção de IL-4 e a resposta humoral (Th2) e inibe a produção

de IL-2 e a resposta celular (Th1). Corticosteróides também inibem a expressão de moléculas do MHC-

II em macrófagos e a produção de TNF-α, IL-1, IL-6, IL-3, GM-CSF e IFN-γ. Glucocorticóides em

concentrações altas mas ainda fisiológicas controlam a proliferação de células com alta afinidade para o

antígeno.