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1 FASE I A primeira fase consistiu em familiarizar-se com uma temática ainda pouco conhecida, pouco explorada que é a vivência das mulheres masculinizadas em suas três dimensões: poder, trabalho e desejo. De um lado, esta familiaridade consistiu na leitura sistemática da teoria feminista, da teoria de gênero, da teoria queer e dos estudos sobre sexualidades. Por outro lado, foram realizadas entrevistas gravadas, conversas informais com mulheres que se auto - percebem como mulheres que possuem aparência ou um estilo masculino, além da filmagem do documentário fio das masculinidades, cujo conteúdo tem a ver com o cotidiano de três mulheres. Aqui, descreveremos os três caminhos originalmente desenhados no projeto de pesquisa e extensão intitulado Masculinidade em corpos femininos: tecendo articulações entre pesquisa, extensão e políticas públicas sobre e com estas mulheres, financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia -: a) a relação com as interlocutoras; b) a busca de parcerias com as Secretarias do Estado da Bahia e outros órgãos, e com as representações do movimento social; c) a realização do Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Sexualidades, Gênero e Direitos Humanos. Começamos pelo treinamento, cujo objetivo específico é selecionar cinco pesquisadoras para inserir-se no trabalho de campo sobre e com as mulheres masculinizadas. Tais pesquisadoras irão compreender a história de vida das mulheres, mediante sua observação participante e sua entrevista em profundidade. Estas pesquisadoras serão remuneradas por uma bolsa de pesquisa no período de seis meses no valor de R $ 720,00 mensais. É necessário esclarecer que tais bolsas resultam da primeira articulação entre a Universidade do Estado da Bahia e a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, no contexto deste projeto de pesquisa. OS CAMINHOS O TREINAMENTO Vejamos o relato sobre o Treinamento a partir da perspectiva da coordenação do projeto: O I Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Sexualidades, Gênero e Direitos Humanos, que se tornou também Seminário, foi construído por uma história de um ser no mundo, não sendo nunca verdadeiramente de um ser, mas sim de uma ancestralidade, lembrando Eduardo Oliveira. Uma ancestralidade que se fez pelo ontem, que se faz pelo hoje e se fará pelo amanhã envolto num movimento múltiplo que se desloca em mitos fundadores, cujos conteúdos se repetem, se modificam nas fissuras, nas cumplicidades, nas rupturas, no entrelugar, no quase sem lugar, ora na zona dos ininteligíveis, ora na zona dos inteligíveis. Passado, presente e futuro se confundiam no devir de um tempo... Imaginava situando-me numa matrix, e daí ancorava-me na voz de Maria Luiza Heilborn que ressoava sua maestria de um lugar inesperado para uma mulher. E é esta mulher que se constitui e é constituída pelo escracho e o gozo das estruturas. Nada psicanalítico lacaniano e nem tampouco levistraussiano. É vontade de potência transmutada. É a mulher empoderada.

Fase I

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FASE I

A primeira fase consistiu em familiarizar-se com uma temática ainda pouco conhecida, pouco

explorada que é a vivência das mulheres masculinizadas em suas três dimensões: poder,

trabalho e desejo. De um lado, esta familiaridade consistiu na leitura sistemática da teoria

feminista, da teoria de gênero, da teoria queer e dos estudos sobre sexualidades. Por outro

lado, foram realizadas entrevistas gravadas, conversas informais com mulheres que se auto -

percebem como mulheres que possuem aparência ou um estilo masculino, além da filmagem

do documentário fio das masculinidades, cujo conteúdo tem a ver com o cotidiano de três

mulheres.

Aqui, descreveremos os três caminhos originalmente desenhados no projeto de pesquisa e

extensão intitulado Masculinidade em corpos femininos: tecendo articulações entre

pesquisa, extensão e políticas públicas sobre e com estas mulheres, financiado pela Fundação

de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia -: a) a relação com as interlocutoras; b) a busca de

parcerias com as Secretarias do Estado da Bahia e outros órgãos, e com as representações do

movimento social; c) a realização do Treinamento em Metodologia de Pesquisa em

Sexualidades, Gênero e Direitos Humanos.

Começamos pelo treinamento, cujo objetivo específico é selecionar cinco pesquisadoras para

inserir-se no trabalho de campo sobre e com as mulheres masculinizadas. Tais pesquisadoras

irão compreender a história de vida das mulheres, mediante sua observação participante e sua

entrevista em profundidade. Estas pesquisadoras serão remuneradas por uma bolsa de

pesquisa no período de seis meses no valor de R $ 720,00 mensais. É necessário esclarecer

que tais bolsas resultam da primeira articulação entre a Universidade do Estado da Bahia e a

Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, no contexto deste projeto de pesquisa.

OS CAMINHOS

O TREINAMENTO

Vejamos o relato sobre o Treinamento a partir da perspectiva da coordenação do projeto:

O I Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Sexualidades, Gênero e Direitos Humanos,

que se tornou também Seminário, foi construído por uma história de um ser no mundo, não

sendo nunca verdadeiramente de um ser, mas sim de uma ancestralidade, lembrando Eduardo

Oliveira. Uma ancestralidade que se fez pelo ontem, que se faz pelo hoje e se fará pelo

amanhã envolto num movimento múltiplo que se desloca em mitos fundadores, cujos

conteúdos se repetem, se modificam nas fissuras, nas cumplicidades, nas rupturas, no

entrelugar, no quase sem lugar, ora na zona dos ininteligíveis, ora na zona dos inteligíveis.

Passado, presente e futuro se confundiam no devir de um tempo... Imaginava situando-me

numa matrix, e daí ancorava-me na voz de Maria Luiza Heilborn que ressoava sua maestria de

um lugar inesperado para uma mulher. E é esta mulher que se constitui e é constituída pelo

escracho e o gozo das estruturas. Nada psicanalítico lacaniano e nem tampouco

levistraussiano. É vontade de potência transmutada. É a mulher empoderada.

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O presente agora, se apresenta naquele espaço austero, simbólico, que se insurge em Defesa

dos Direitos Humanos, mas que teima em meter medo e receios naquelas vítimas que se viram

violadas em suas dignidades. Nele, uma mulher, Márcia Teixeira, se firma e afirma ser e estar

em um lugar encapsulado, dele deslocando-se sem dele sair, num movimento vital para o

deslocamento possível dessa expressão tão tradicional, sob olhares reprovadores, receosos,

mas inevitavelmente rendidos ao supostamente novo. Ela claramente revela que tudo que é

sólido se desmancha no ar via o gênero e as sexualidades. Mas ainda tudo é tão conservador, é

tão machista, é tão petulante, é tão arrogante, é a encarnação forte da heteronormatividade.

Visivelmente incomodada com a dinâmica desta perversa estrutura que nega o/a outro/a,

Rosa Oliveira, visceralmente escarafuncha este mundo, e, corajosamente se lança nas possíveis

fissuras da heterossexualidade compulsória dos magistrados. Caminhos lineares tão

negociáveis? O que se leva? O que se desencontra?

É no lugar público que se fala de e sobre mulheres, e são elas, as mulheres, que falam. É na voz

de Eliane Maio que ressoam as sexualidades, descortinando a sagrada família, podendo esta

também ser vista como um espaço possível de violência concreta e simbólica. E o nome da

coisa se faz presente em números e as práticas sexuais são desveladas por uma taxonomia

própria de nós, brasileiros/as. Irina Bacci se afirma como lésbica brasileira e fala sobre suas

experiências e aprende com suas experiências e nos faz rir com seu escracho e nos conta da

sua ida à Genebra, onde foi porta voz LGBT do Brasil. É o lugar de Nádia de Nogueira, o

público, que aponta um casal lésbico cravado no tempo, que se situa e é situada a partir da

perspectiva biológica do sexo.

As metanarrativas: Quem canta esta nação? Pois bem, falar de nação, miscigenação, dos/as

subalternos e da elite em sua branquitade é nos repensarmos, enquanto lugar de

antropólogos/as, enquanto voz silenciada, enquanto voz sem silêncios, enquanto

colonizados/as, enquanto completamente imersos no fazer sob suspeita. Então, Suzana Maia

nos fala do seu lugar, numa intenção clara de falar daquilo que é sagrado, sem o desejo da

cumplicidade deste seu lugar, difícil jornada... contamos sempre com o seu deslocamento tão

necessário, e, inevitavelmente esquivado por muitos/as, então a encorajamos. E Laura

Moutinho... sempre desejada por nós, nordestinos/as, cuja fala nos reporta criticamente aos

vacilos gilbertianos... leitura e re-leitura necessária para encarar a metanarrativa de um ser

brasileiro. E aí, miscigenação à vista??? Ou miscigenação subalterna?

E Brasil à fora? Somos Pagus indignadas no palanque... Somos um eu suely messeder, somos

um eu lícia maria barbosa, somos um eu isabele sanches, somos um eu isaura da cruz, somos

um eu nazaré lima , somos um eu joselina silva, somos um eu ana cristina, somos um eu marta

rodrigues, somos um eu bell hooks, somos que somos as piriguetes anunciadas por

clebemilton nascimento, somos as mulheres masculinizadas no terreiro de murilo arruda...

Somos que somos em nossas ancestralidades construídas em corpos, carne, sangue e

fragmentos.... Seremos possíveis sexualidades com fernanda bezerra? Sem corpo? Sem

gênero? Sem os sexos: vagina ou pênis? Somos hipersexualizados/as. Temos o maior pênis ou

a maior bunda da vênus negra? Então, como nos agenciamos? Nos contextos? E nas

intersubjetividades? Quais são as nossas possibilidades nos interstícios? Quais são as nossas

possibilidades estruturais?

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E as oficinas? Um mundo à parte das possibilidades e impossibilidades. Serão certamente

narradas em outro momento. E então, rosangela ribeiro, rebeca benevides, ana lúcia nunes ,

eloide leite, natalícia barbosa, amanaiara miranda, domingos souza, graciela fernandez, elizete

frança, barbara alves, rejane calixto, ricardo andrade, natalino perovano, daniela romero,

vanessa vila verde, camila ramos, ione costa, victoria aquino, nildes sena e iris alves serão

todas as vozes não mais silenciadas, ou, se silenciadas, que seja por hiato de tempo

completamente mensurável. Falar de Walter Rozadillas, de Ana Lúcia Castro, de Nildes Sena

com a ideia de performance para daí entendermos a performatividade ou um habitus que se

constrói no self encarnado ou corpomente ou mentecorpo, para daí, então, falar fortemente

sério em demografia e sexualidades, mas com uma leveza tocante via Alessandra Chacham.

Somos todas/os pessoas com potência construindo pontes imaginárias que são fortalecidas de

dentro pra fora e de fora pra dentro da UNEB, tida muitas vezes como uma universidade

periférica, e agora mais especificamente nesta fala com e sobre os projetos que estão sendo

desenvolvidos com a entrega absoluta da pesquisadora, cujo desejo é alcançar utopia de um

mundo, cujas resistências sejam pacíficas, e, a mudança enseje um mundo mais justo e feliz.

Sobre o relato

O relato revela um olhar parcial sobre o desenrolar do Treinamento que ocorreu no período de

29 de maio a 03 de junho de 2012, cuja realização do evento ocorreu em cinco locais: o

auditório do Ministério Público, uma sala de reunião do hotel, o auditório da Câmara

Municipal de Salvador; a sala Cine Cena UNIJORGE e o auditório do CEPAIA (CENTRO DE

ESTUDOS DOS POVOS AFRO-ÍNDIO-AMERICANOS) , órgão da Universidade do Estado da Bahia-

UNEB . Cada espaço selecionado tem um principio de ocupação de território simbólico para os

estudos sobre sexualidades no Estado da Bahia, visando, sobretudo garantir a positividade da

linguagem das sexualidades nestes espaços.

Este treinamento teve como inspiração a primeira turma (1997) do PROGRAMA

INTERINSTITUCIONAL DE TREINAMENTO EM METODOLOGIA DE PESQUISA EM GÊNERO,

SEXUALIDADE REPRODUTIVA, que ocorreu a quinze anos atrás em Salvador. Este programa foi

fruto da parceria entre do Instituto de Medicina Social (UERJ), da Escola Nacional de Saúde

Pública (FIOCRUZ), do Núcleo de Estudos de População (UNICAMP), do Instituto de Saúde (SES

- São Paulo) e do Instituto de Saúde Coletiva (UFBA) através do MUSA . Sendo, uma das

coordenadoras deste Programa, a professora Maria Luiza Heilborn, que nos prestigiou com a

Conferência de abertura em nosso Treinamento. E na ocasião uma das estudantes da primeira

turma foi à coordenadora deste treinamento, Suely Messeder.

Quando se aprecia que o treinamento foi devidamente descrito, desloca-se para narrar em

que medida desenrola-se, tanto as relações com as interlocutoras da pesquisa, quanto às

articulações com as secretarias, os órgãos do Estado e o movimento social. Primeiramente,

discorre-se como foram desenvolvidas as articulações entre a Secretaria de Justiça, Cidadania

e Direitos Humanos (SJCDH), o Ministério Público – GEDEM e a Secretaria de Politicas para

Mulheres.

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RELAÇÃO COM AS SECRETARIAS E O MINISTÉRIO PÚBLICO

Com a SJCDH

Quando na elaboração do projeto a SJCDH estava implicada por dois motivos: a) a necessidade

de efetivar políticas públicas mais articuladas com os estudos acadêmicos; b) a relação entre o

indivíduo que ocupa o cargo público com os estudos acadêmicos. Salienta-se que existe uma

complexidade analítica bastante fértil neste campo. Pretende-se aprofundar a partir destes

dois motivos aparentemente simples, tais aspectos deverão ser analisados, quer seja em sua

estrutura macro, quer seja em seus aspectos micro. Primeiro, teremos que analisar os tipos de

relações estabelecidas entre o Governo do Estado da Bahia e as universidades estaduais, daí

descrever e compreender quais são as politicas institucionais já consolidadas. Em seguida,

verificar como as secretarias estaduais criam suas demandas e como as universidades criam as

suas demandas em suas propostas de parcerias.

De maneira, menos descritiva sem os detalhes dos caminhos percorridos para estabelecer a

difícil articulação entre a SJCDH e o Projeto de Pesquisa Masculinidade em corpos femininos.

De forma mais específica e resolutiva, a parceria estabelecida entre a Universidade do Estado

da Bahia e a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos ocorreu da seguinte forma: A)

de um lado, a UNEB sendo responsável pela organização, execução e coordenação do

treinamento e da pesquisa; B) do outro lado a SJCDH viabilizando a aproximação da

coordenação deste projeto com a Secretaria de Saúde e Secretaria de Administração de

Penitenciária. A SJCDH será responsável pela liberação do recurso para subsidiar 05 cursistas-

pesquisadores-bolsistas do movimento social (LBT – Lésbica bissexual e transexual) ou com

identidade social e/ou política de ser negra ou de ser lésbica.

Com MP

Em 2012, concretiza-se a parceria com o Ministério Público - GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE

DEFESA DA MULHER - GEDEM, mediante o Termo de Cooperação MP e UNEB , cujo ponto de

partida foi os dois projetos sobre mulheres masculinizadas, o primeiro supracitado, o segundo

Masculinidades em corpos femininos e suas vivências: um estudo sobre os atos

performativos masculinos reproduzidos pelas mulheres nas cidades de Alagoinhas, Camaçari

e Salvador, financiado pelo CNPQ. A primeira relação ocorreu com a elaboração do roteiro, as

filmagens e editoração das filmagens do vídeo “Fios das masculinidades”, o documentário

surgiu no desenrolar da parceria, todo o recurso empregado para a realização do

documentário originou-se do GEDEM-Ministério Público. O Treinamento já havia sido previsto

no projeto original, a cessão do espaço público Auditório do Ministério Publico foi fruto da

parceria.

Com a SPM

A Secretaria de Políticas para Mulheres envolve-se no projeto, mas especificamente no

Treinamento, facilitando a participação de Rosa de Oliveira, Irina Bacci e Joselina da Silva,

mediante aquisição das passagens. Pretende-se estender o envolvimento desta secretaria com

maior tenacidade neste projeto, ela será o locus permanente de diálogo.

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AS NOSSAS INTERLOCUTORAS E O TRABALHO DE CAMPO

Na relação com as mulheres masculinizadas vários caminhos metodológicos foram traçados

para a construção deste conhecimento; a) A construção biográfica das pesquisadoras

envolvidas; b) conversas informais com as mulheres masculinizadas; c) entrevistas em

profundidade; d) discussão sobre a possibilidade de se construir pesquisa quali-quanti,

mediante consultoria com Alessandra Chacham e Maria Luiza Heilborn, ainda a ser

consolidada; e) idas a jogos de futebol feminino; f) espaços de sociabilidade lazer e trabalho; e)

idas às unidades prisionais.