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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção
temporal de músicos e não músicos?
Danilo Ramos
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área: Psicologia.
RIBEIRÃO PRETO - SP
2008
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção
temporal de músicos e não músicos?
Danilo Ramos
Orientador: Prof. Dr. José Lino Oliveira Bueno
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área: Psicologia.
RIBEIRÃO PRETO - SP
2008
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA
Ramos, Danilo
Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção temporal de músicos e não- músicos? Danilo Ramos; orientador José Lino Oliveira Bueno. Ribeirão Preto, 2008.
268 f: fig. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em
Psicologia. Área de Concentração: Psicologia da Música) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.
1. Emoções musicais. 2. Percepção temporal. 3.
Expertise musical. 4. Cognição musical.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Danilo Ramos Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção temporal de músicos e não músicos?
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor. Área de Concentração: Psicologia da Música
Aprovado em: _________ de ________________ de 2008.
Banca Examinadora
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ____________________
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho:
À minha mãe Zenilda Maria Silva Ramos, pelo amor incondicional.
Ao meu pai Nilton Ramos, pela segurança transmitida nos momentos mais difíceis.
Aos meus irmãos Nilton Ramos Júnior e Érica Ramos e sobrinhos Arthur Henrique Ramos e
Ana Júlia Ramos, pelo constante incentivo.
Aos grandes e inigualáveis amigos Bruno Kriesel Passos, Nestor Müeller e Adriane Cristina
Torrieri, por terem sido os verdadeiros sustentáculos de minhas idéias e vontades durante toda
a pós-graduação.
E, finalmente, a todos os pesquisadores interessados no estudo sistemático sobre o poder que
a música tem em fazer as pessoas felizes.
A vocês, o meu muito obrigado pela realização de mais este sonho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço de forma especial:
Ao Professor José Lino Oliveira Bueno pela orientação amiga, precisa e segura com que me guiou no desenvolvimento deste trabalho.
Aos Professores Beatriz Senói Ilari e José Francisco Miguel Henriques Bairrão pelas
sugestões apresentadas por ocasião do exame de qualificação.
Ao querido amigo e professor Emmanuel Bigand, pela contribuição ímpar na metodologia e análise de dados.
Ao grande amigo e técnico laboratorial João Lúis Segala Borin pela amizade e pela verdadeira
assessoria dada durante toda a pós-graduação.
A Raquel Cocenas da Silva, pela amizade sincera, pela ajuda na coleta de dados e, principalmente, por transmitir-me paz e segurança nos momentos mais tensos.
Aos amigos de laboratório Érico, Francisco, Alexandre, Sarah, Valéria, Taíza, Danielle,
Tatiana, Alessandra, Lézio, Eduardo, Mariana, Nathália e Vinícius, pela constante disposição em dar um sorriso, uma sugestão ou um incentivo.
A Daniela Huayna Naldi de Aguiar Falleiros, pela confecção do desenho da capa do presente
trabalho.
Ao amigo Leonardo de Oliveira Freitas, pelo auxílio na confecção das partituras musicais ilustradas no decorrer de todo o trabalho.
A Aída Rosa Conci, pela revisão gramatical do presente trabalho.
A Karen Christina Justino Kroll, pela revisão do inglês do abstract do presente trabalho.
A todos vocês os meus sinceros agradecimentos.
EPÍGRAFE
Estes tuiuiús...
“Quando eu era criança, o meu pai costumava assobiar em meus ouvidos para me fazer dormir. E eu só conseguia dormir por causa disso. Minha mãe até que tentava, com muito esforço, mas quando me colocava no berço, eu arregalava os olhos e chorava, pedindo colo novamente. Os tios me dizem que era muito engraçado... É que o meu pai tinha a mágica de imitar o canto dos tuiuiús. Era lindo! Aquele som vibrava, penetrava em minha mente e eu dormia, serena e profundamente... Acho que é por isso que até os dias de hoje o meu sono é extremamente profundo, pode cair o mundo que eu não acordo!
Quando eu era adolescente, eu ficava procurando o mesmo som dos tuiuiús nas ruas perto de minha casa, enquanto eu brincava. E teve um dia que eu o encontrei. Este som vinha de uma das casas da redondeza, que tinha aspecto antigo e um cheirinho muito gostoso de bolo fresco, em cujo ar transparecia toda a serenidade que ali habitava. Neste dia havia alguém tocando um piano, tateando um “vibrato” com um sentimento tão profundo, que creio ter conseguido deixar o velho mestre Chopin se contorcendo de inveja em seu caixão. Neste dia, eu deixei os meus amiguinhos brincando na rua e ajoelhei-me no portão daquela casa. Fiquei ouvindo aquele som gostoso que entrava em mim como uma luva, como um espírito, como uma espécie de armadura.
E alguns anos após este dia, eu já era um pianista formado, bacharel em Música pela Unicamp, mestre em Psicologia (da Música) pela USP, um ser absolutamente apaixonado e realizado pela profissão que escolheu.
E hoje, trinta anos após os primórdios do inigualável som dos tuiuiús, eu realizo mais um grande sonho: o de tornar-me Doutor em Cognição Musical pela USP, no intuito de dedicar toda a minha vida à pesquisa científica sobre os tuiuiús que costumam rondar a mente e a alma das pessoas.”
Danilo Ramos, 17 de julho de 2008.
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................................xv
ABSTRACT ..........................................................................................................................xvii
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................19 1.1. A NOVA ESTÉTICA EXPERIMENTAL ....................................................................21
1.2. AS EMOÇÕES MUSICAIS..........................................................................................26
1.2.1. A EXPRESSÃO “EMOÇÃO MUSICAL” ............................................................28
1.2.2. METODOLOGIAS EMPREGADAS PARA MENSURAR AS EMOÇÕES MUSICAIS .......................................................................................................................32
1.2.3. TEORIAS E MODELOS SOBRE A PERCEPÇÃO DAS EMOÇÕES MUSICAIS .......................................................................................................................38
1.2.4. O USO DO MODO E DO ANDAMENTO MUSICAL EM PESQUISAS SOBRE AS EMOÇÕES MUSICAIS...............................................................................44
1.3. A PERCEPÇÃO TEMPORAL HUMANA...................................................................48
1.3.1. PRINCIPAIS MODELOS SOBRE O PROCESSAMENTO TEMPORAL HUMANO ........................................................................................................................49
1.3.2. METODOLOGIAS EMPREGADAS PARA MENSURAR A PERCEPÇÃO TEMPORAL HUMANA..................................................................................................51
1.3.3. O PAPEL DAS EMOÇÕES NA PERCEPÇÃO TEMPORAL HUMANA ..........53
1.3.4. O USO DA MÚSICA NO ESTUDO DA PERCEPÇÃO TEMPORAL HUMANA ........................................................................................................................56
1.4. O MODO MUSICAL ....................................................................................................58
1.4.1. A CONTRIBUIÇÃO DOS MODOS GREGOS PARA O ESTUDO DAS EMOÇÕES MUSICAIS...................................................................................................59
1.4.2. A COGNIÇÃO DO MODO MUSICAL ................................................................60
1.4.3. A HIERARQUIA MODAL....................................................................................62
2. OBJETIVOS .......................................................................................................................65
3. EXPERIMENTOS..............................................................................................................69
3.1. EXPERIMENTO I ......................................................................................................71
3.1.1. INTRODUÇÃO......................................................................................................73
3.1.2. MÉTODO ...............................................................................................................75
3.1.3. RESULTADOS...................................................................................................... 81
3.1.4. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 92
3.2. EXPERIMENTO II .................................................................................................... 99
3.2.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 101
3.2.2. MÉTODO............................................................................................................. 102
3.2.3. RESULTADOS.................................................................................................... 108
3.2.4. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 110
3.3. EXPERIMENTO III................................................................................................. 117
3.3.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 119
3.3.2. MÉTODO............................................................................................................. 122
3.3.3. RESULTADOS.................................................................................................... 137
3.3.4. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 150
3.4. EXPERIMENTO IV................................................................................................. 159
3.4.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 161
3.4.2. MÉTODO............................................................................................................. 162
3.4.3. RESULTADOS.................................................................................................... 163
3.4.4. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 168
4. CONCLUSÃO .................................................................................................................. 177
5. REFERÊNCIAS............................................................................................................... 189
6. APÊNDICES .................................................................................................................... 199
APÊNDICE A - Questionários experimentais.............................................................. 201
APÊNDICE B - Trechos musicais – Experimentos I e II .................................................. 219
APÊNDICE C - Partituras musicais – Experimentos III e IV ........................................... 223
APÊNDICE D - CD – Trechos musicais (Experimentos I, II, III e IV) ........................... 267
xv
RESUMO RAMOS, Danilo. Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção temporal de músicos e não músicos? 2008, 268 p. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008. Esta pesquisa teve como objetivo verificar o papel das emoções desencadeadas pela música na percepção temporal de músicos e não músicos. Quatro experimentos foram realizados: no Experimento I, músicos e não músicos realizaram tarefas de associações emocionais a trechos musicais de 36 segundos de duração, pertencentes ao repertório erudito ocidental. A tarefa consistia em escutar cada trecho musical e associá-lo às categorias emocionais Alegria, Serenidade, Tristeza, Medo ou Raiva. Os resultados mostraram que a maioria dos trechos musicais desencadeou uma única emoção específica nos ouvintes; além disso, as associações emocionais dos músicos foram semelhantes às associações emocionais dos não músicos para a maioria dos trechos musicais apresentados. No Experimento II, músicos e não músicos realizaram tarefas de associação temporal aos trechos musicais mais representativos de cada emoção, utilizados no Experimento I. Assim, os trechos musicais eram apresentados e os participantes deveriam associar cada um deles a durações de 16, 18, 20, 22 ou 24 segundos. Os resultados mostraram que, para o grupo Músicos, os três trechos musicais associados à Tristeza foram subestimados em relação às suas durações reais; nenhuma outra categoria emocional apresentou mais do que um trecho musical sendo subestimado ou superestimado em relação a suas durações reais, para ambos os grupos. Pesquisas recentes em Psicologia da Música têm mostrado duas propriedades estruturais como sendo moduladoras da percepção de emoções específicas durante uma escuta musical: o modo (organização das notas dentro de uma escala musical) e o andamento (número de batidas por minuto). Assim, no Experimento III, músicos e não músicos realizaram tarefas de associações emocionais a composições musicais construídas em sete modos (Jônio, Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio, Eólio e Lócrio) e três andamentos (adágio, moderato e presto). O procedimento foi o mesmo utilizado no Experimento I. Os resultados mostraram que o modo musical modulou a valência afetiva desencadeada pelos trechos musicais: trechos musicais apresentados em modos maiores obtiveram índices positivos de valência afetiva e trechos musicais apresentados em modos menores obtiveram índices negativos de valência afetiva; além disso, o andamento musical modulou o arousal desencadeado pelos trechos musicais: quanto mais rápido o andamento do trecho musical, maiores os níveis de arousal desencadeados e vice-versa. No Experimento IV, músicos e não músicos realizaram tarefas de associação temporal aos trechos musicais modais utilizados no Experimento III. O procedimento foi o mesmo utilizado no Experimento II. Os resultados mostraram que manipulações, principalmente no arousal, afetaram a percepção temporal dos ouvintes: para ambos os grupos, foram encontradas subestimações temporais para trechos musicais desencadeadores de baixos índices de arousal; além disso, para o grupo Não Músicos, foram encontradas superestimações temporais para trechos musicais desencadeadores de altos índices de arousal. Estes resultados mostraram que, no caso dos músicos, a percepção temporal foi afetada por atmosferas emocionais relacionadas à Tristeza; no caso dos Não Músicos, a percepção temporal foi afetada por fatores relacionados ao nível do arousal dos eventos musicais apreciados.
xvii
ABSTRACT
RAMOS, Danilo. Do emotional factors during music listening tasks affect time perception of musicians and nonmusicians? 2008, 268 pages. Thesis (PhD). Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of Ribeirão Preto. University of São Paulo, Ribeirão Preto, 2008. This study aimed to verify the role of emotions triggered by music on time perception of musicians and nonmusicians. Four experiments were conducted: In Experiment I, musicians and nonmusicians performed emotional association tasks for musical excerpts of 36 seconds duration belonging to the Western classic repertoire. The tasks required to listen to each musical excerpt and to associate it with emotional categories: Joy, Serenity, Sadness, or Fear/Anger. The results showed that most musical excerpts triggered a specific single emotion in listeners; moreover, the emotional associations of musicians were similar to the emotional associations of nonmusicians for most musical excerpts presented. In Experiment II, musicians and nonmusicians performed temporal association tasks for the three most representative excerpts of each emotion used in Experiment I. Thus, the participants had to associate each of such musical excerpts with the following durations: 16, 18, 20, 22 or 24 seconds. The results showed that for the musicians, the three musical excerpts associated with Sadness were underestimated in relation to their real time; moreover, no other emotional category was associated with more than one musical excerpt whether being underestimated or overestimated, regarding their real time, for both groups. Recent researches in Psychology of Music have shown two structural properties as the modulators of specific emotions perceived during a music listening task: the mode (the organization of the notes in a musical scale) and tempo (the number of beats per minute). Thus, in Experiment III, musicians and nonmusicians carried out emotional association tasks with musical compositions constructed in seven modes (Ionian, Dorian, Phrygian, Lydian, Mixolydian, Aeolian, and Locrian) and three tempi (adagio, moderato, and presto). The procedure was the same used in Experiment I. The results showed that the musical mode modulated the affective valence triggered by the excerpts: musical excerpts based on major modes obtained positive affective valence indexes and musical excerpts based on minor modes obtained negative affective valence indexes; moreover, the musical tempo modulated the arousal triggered by the excerpts: the faster the tempo of the musical excerpts, the higher the arousal levels and vice versa, for both groups. In Experiment IV, musicians and nonmusicians performed temporal association tasks for those modal musical excerpts used in Experiment III. The procedure was the same used in Experiment II. The results showed that manipulations concerning arousal affected the time perception of the listeners: time underestimations due to low arousal excerpts were found for both groups; moreover, time underestimations due to high arousal excerpts were found only for nonmusicians. These results showed that in the case of musicians, time perception was affected by emotional atmospheres related to Sadness; in the case of nonmusicians, time perception was affected by factors related to the level of arousal of music events appreciated.
1. INTRODUÇÃO
Introdução _________________________________________________________________
21
1.1. A NOVA ESTÉTICA EXPERIMENTAL
Por que ouvimos música? Por que e como a música altera os nossos estados de
ânimo? Por que pessoas que compartilham uma mesma casa, uma mesma rua, um mesmo
bairro, uma mesma cidade ou região podem possuir gostos musicais tão distintos? Por que
perdemos a noção do tempo quando estamos ouvindo música? Seria possível viver sem
música? O estudo dos processos psicológicos envolvidos durante uma escuta musical tem
procurado responder a questões como estas, encontradas com freqüência no quotidiano das
pessoas de qualquer cultura. Motivado sobre a curiosidade em responder questões referentes
aos processos psicológicos envolvidos em apreciações artísticas sonoras e visuais, Berlyne
(1971, 1972, 1974) propôs uma teoria de apreciação estética, denominada A Nova Estética
Experimental. Esta teoria está enraizada em tarefas relacionadas a respostas de sujeitos
referentes à preferência estética, direcionadas a formas geométricas de diferentes tamanhos,
nas quais o autor testou a noção de significado estético. Os resultados apontaram a idéia da
associação da beleza à ausência de extremos. Assim, Berlyne (1974) caracterizou as pesquisas
realizadas dentro de sua abordagem experimental de apreciação estética como possuidoras de
uma ou mais das seguintes características:
1) as pesquisas de apreciação estética devem ser realizadas considerando a
obra de arte como um padrão de estímulos, possuidora de propriedades colativas. Estas
propriedades são “estruturais” ou “formais”, cujas dimensões variam em léxicos opostos,
como, por exemplo, não familiar / familiar, simples / complexo, esperado / surpreendente,
ambíguo / claro, estável / instável;
2) questões motivacionais devem ser consideradas em qualquer pesquisa de
apreciação estética;
__________________________________________________________________Introdução
22
3) as pesquisas de apreciação estética devem ser realizadas considerando tanto
os comportamentos expressos verbalmente, como também os comportamentos não-verbais;
4) ligações entre fenômenos estéticos e outros fenômenos psicológicos também
devem ser consideradas, o que significa inferir que qualquer pesquisa, envolvendo atividades
de apreciação artística, pode conduzir o investigador a resultados direcionados não só aos
fenômenos estéticos, mas também a respostas sobre o comportamento humano em geral.
Berlyne (1974) ainda considera que estudos sobre estética experimental podem
tomar duas direções: uma abordagem sintética, que consiste no isolamento de fatores
artísticos específicos de uma obra de arte e uma abordagem analítica, que consiste no uso de
obras de arte genuínas para o exercício da estética experimental. A definição do tipo de
abordagem utilizada é determinada pelo próprio objeto do estudo a ser investigado. Uma vez
definida, terá um papel saliente na apreciação, percepção e cognição da estética.
A teoria de Berlyne (1974) sugere que a preferência estética esteja relacionada
ao potencial de arousal desencadeado no sujeito durante a sua apreciação estética. O potencial
de arousal pode ser definido como estado de excitação fisiológica e está relacionado à
quantidade de atividade produzida em áreas específicas do cérebro, como o sistema de
ativação reticular. Assim, estímulos com um grau de potencial de arousal intermediário
seriam preferidos pelos apreciadores em relação a estímulos com graus de arousal extremos.
Portanto, segundo esta teoria, o grau de preferência do sujeito tende a diminuir gradualmente
em direção aos extremos do potencial de arousal. Isso significa que a relação entre a
preferência estética e o potencial de arousal de um determinado estímulo sugere um gráfico
em forma de U invertido, conforme a Figura 1 a seguir:
Introdução _________________________________________________________________
23
Berlyne (1974) relata que estímulos que apresentam um grau moderado de
potencial de arousal são preferidos em relação aos estímulos que apresentam graus extremos
de potencial de arousal porque, durante o processo de identificação do julgamento estético no
cérebro humano, as fibras do sistema reticular caminham sobre os centros de prazer e
desprazer. Com baixos níveis de arousal, o centro cerebral relacionado com o prazer é ativado
e, portanto, a preferência estética caminha na mesma direção do arousal. No entanto, a partir
de um pequeno aumento no nível de arousal, o centro cerebral relacionado ao desprazer
também começa a ser ativado, e, assim, a relação entre preferência e arousal começa a se
tornar inversa. Com altos níveis de arousal, a ativação do centro cerebral relacionado ao
prazer começa a diminuir, enquanto a ativação do centro cerebral relacionado ao desprazer
continua a crescer, e isso faz com que a preferência do indivíduo em relação à obra de arte
apreciada diminua.
__________________________________________________________________Introdução
24
Berlyne (1974) propôs que as variáveis relacionadas aos estímulos estéticos
que apresentam graus moderados de arousal podem estar organizadas em três categorias:
variáveis “psicofísicas”, que são propriedades físicas intrínsecas dos estímulos, (como o
andamento musical, por exemplo); variáveis “ecológicas”, que são as associações aprendidas
entre os estímulos estéticos e outros eventos ou atividades de importância biológica (como a
influência das emoções desencadeadas durante uma escuta musical sobre a percepção
temporal humana, por exemplo); e variáveis “colativas” que são as propriedades que
informam respostas subjetivas aos estímulos, como o seu grau de familiaridade ou
complexidade. Berlyne (1971) ainda argumenta que as variáveis colativas são “as mais
significativas dentre as três” (p. 69). Segundo o autor, o uso destas propriedades tem
aparecido com mais freqüência em estudos experimentais de apreciação estética,
principalmente por meio de experimentos que procuram manipular fatores como grau de
familiaridade, grau de novidade e grau de complexidade dos eventos a serem apreciados.
Uma variável importante, envolvendo a música como estímulo-padrão em
estudos realizados dentro desta nova abordagem experimental de apreciação estética, se refere
à familiaridade do sujeito ao evento a ser apreciado. Esta familiaridade foi denominada
“aculturação” por Hargreaves e Castell (1986) e está relacionada à idade do sujeito, uma vez
que ele é exposto a uma gama maior de eventos musicais conforme vai ficando mais velho.
Em um estudo realizado sobre a noção de familiaridade de sujeitos ocidentais com a música
tonal ocidental, Hargreaves e Castell (1986) sugerem que os efeitos da
familiaridade/aculturação interagem com a complexidade da música em questão. Segundo
estes autores, conforme as pessoas se tornam mais familiares com um evento a ser apreciado,
este evento se torna mais previsível e, conseqüentemente, menos subjetivamente complexo. A
conseqüência disso é a diminuição do arousal direcionado a este evento. Desta forma, quanto
mais uma pessoa for familiar a um estímulo, melhor ela o conhece. Assim, estímulos
Introdução _________________________________________________________________
25
complexos e desencadeadores de altos níveis de arousal precisam tornar-se mais familiares
para alcançar níveis moderados de arousal; ao contrário, estímulos simples, com níveis de
arousal relativamente baixos, provavelmente desencadearão níveis de arousal moderados a
partir de níveis de familiaridade muito menores (HEYDUCK, 1975).
A teoria de Berlyne (1974) também tem sido criticada na literatura
principalmente pela tentativa de estabelecer relações entre os fenômenos estéticos e outros
fenômenos psicológicos.
Konečni (1982) argumenta que a maioria dos estudos experimentais
relacionados à preferência artística tem negligenciado o fato de que os processos de
apreciação estética ocorrem normalmente em contextos sociais, emocionais e de aspirações
cognitivas. Assim, estes processos não podem ser considerados como estando independentes
dos contextos nos quais as pessoas vivenciam as suas apreciações artísticas no quotidiano.
Konečni (1982) ainda pontua que, no caso da música, ela deve ser encarada como um evento
vivenciado pelas pessoas em shoppings, restaurantes, enquanto realizam afazeres domésticos,
e assim por diante e, portanto, torna-se necessário estabelecer se a teoria de Berlyne
(embasada principalmente em contextos laboratoriais) pode ser aplicada para explicar
preferências individuais em situações de escuta do quotidiano.
No entanto, a literatura aponta a teoria de Berlyne como sendo considerada
bastante influente em pesquisas sobre apreciação artística até os dias atuais. Este estudo
procurou investigar processos psicológicos referentes a tarefas de apreciação musical, no
intuito de verificar a influência das emoções desencadeadas durante uma escuta musical na
percepção temporal de músicos e não músicos, sob a ótica da nova estética experimental
proposta por Berlyne (1974).
__________________________________________________________________Introdução
26
1.2. AS EMOÇÕES MUSICAIS
Questões referentes à música e à emoção têm sido discutidas desde a
antiguidade. No entanto, o estudo experimental do poder de evocação afetiva da música é
recente. A publicação de estudos sistemáticos sobre música e emoção demorou a despertar o
interesse dos cientistas, tanto aqueles de formação psicológica quanto os de formação
musical. Assim, a maioria dos livros publicados sobre emoções, no século passado, não tinha
sequer um capítulo que fizesse referência à música e, da mesma forma, a maioria dos livros
publicados sobre Psicologia da Música não tinha sequer um capítulo que se referisse ao
estudo das emoções (JUSLIN; SLOBODA, 2001).
Por que, então, o estudo das emoções musicais demorou tanto para evoluir, no
curso da história da ciência? Juslin e Sloboda (2001) apontam quatro razões para este lento
desenvolvimento:
1) a dificuldade de observação das reações evocadas por uma escuta musical
em ambiente de laboratório. Um exemplo que ilustra esta dificuldade é a ausência de
tecnologia que pudesse proporcionar uma escuta musical adequada, sem ruídos, de forma a
permitir ao ouvinte a real percepção do evento musical, garantindo assim a precisão dos dados
científicos;
2) a ênfase dada nos primeiros estudos em Psicologia da Música ao termo
“cognição” (e não “emoção”), bem como a dificuldade de conceituação destes termos-chave,
cujas definições causam confusão até mesmo entre os principais teóricos da área até os dias de
hoje;
3) a complexidade metodológica destes estudos, uma vez que, durante muito
tempo, os psicólogos comportamentais das décadas de 1940 e 1950 acreditavam que os
Introdução _________________________________________________________________
27
estudos das emoções e outros processos mentais não deveriam ser categorizados como
“científicos”; assim, muitos pesquisadores, ao apontarem as dificuldades de precisão
metodológica, aliadas a estes estigmas, desistiam de continuar em seus estudos;
4) a forma particular e paradigmática como a maioria dos centros de excelência
musical ouvia e falava sobre música, em que o fazer artístico, relacionado à aquisição da
excelência no desempenho musical, sempre era considerado como o objetivo principal na
formação dos músicos, enquanto o fazer científico era algo praticamente inexistente,
denotando equivocadamente, assim, uma enorme distância entre ciência e arte. E esta
realidade se reflete até os dias atuais.
Dos estudos experimentais sobre emoção e música realizados na primeira
metade do século XX, principalmente por Hevner (1936) até os dias atuais, as questões sobre
música e emoção têm gerado interesse tanto por leigos como por instrumentistas e pelos
conhecedores de música. Muitos indivíduos, inclusive, têm procurado a prática de um
instrumento musical por causa da possibilidade de expressão de suas emoções (JUSLIN;
SLOBODA, 2001).
Alguns anos mais tarde, Meyer (1956) realizou um estudo que focou
sistematicamente cada processo ocorrente na música, de momento a momento, considerando o
resultado sonoro final como a soma das partes de todos estes momentos, argumentando que o
significado central da música é encontrado na estrutura destes elementos e na forma musical,
ao invés de estar nas associações a eventos não musicais. Especificamente, o autor considera
o tipo de padrão e as referentes implicações sugeridas pela música (através da análise de
padrões melódicos e rítmicos e organizações harmônicas), e como estas implicações são
realizadas ou não realizadas no decorrer da seqüência de eventos. Suas teorias estão
fundamentadas principalmente na Psicologia da Gestalt e na teoria da informação.
__________________________________________________________________Introdução
28
A pesquisa de Meyer possibilitou que o objeto de estudo escolhido pela
maioria dos pesquisadores, que a partir de então relacionaram música e emoção, fosse o
ouvinte, algo que influenciou para sempre a pesquisa acerca da música e da emoção. Dentro
deste grupo, os estudos objetivaram a mensuração das diferentes variáveis emocionais em
músicos e não músicos, porque durante muito tempo acreditou-se que as emoções musicais
fossem processadas da mesma forma que a linguagem (COSTA; FINE; BITTI, 2004; ROSS;
CHOI; PURVES, 2007). Assim, as pesquisas sobre as emoções musicais e as emoções
contidas na fala, nos gestos e nos comportamentos em geral passaram a ser também realizadas
a partir da década de 1960.
Mais recentemente (e em evidência), outros pesquisadores se propuseram a
mensurar as emoções humanas em tarefas relacionadas à percepção musical e ao desempenho
e suas correlações com as atividades do cérebro humano. Estas pesquisas foram
fundamentadas a partir da idéia de que a música pode oferecer uma única oportunidade de
melhor entender como se organiza o cérebro humano (PERETZ; ZATORRE, 2003).
1.2.1. A EXPRESSÃO “EMOÇÃO MUSICAL”
Atualmente, há uma confusão conceitual relacionada à expressão “emoção
musical”. Com o objetivo de valorizar o esforço realizado pelo acúmulo de pesquisas na área
e promover um debate direcionado e frutífero, parece ser importante adotar certas distinções
conceituais sobre emoção. Tais distinções parecem contribuir para que os pesquisadores se
tornem mais sistemáticos, especificando, assim, seu foco de estudo. (JUSLIN; SLOBODA,
2001).
Introdução _________________________________________________________________
29
Há muitas maneiras diferentes de definir emoção. No entanto, há um consenso
estabelecido na literatura da área de que as emoções podem se referir a reações breves ou
intensas dos indivíduos, que variam de acordo com o ambiente relacionado. Por esta
abordagem, o conceito de emoção consiste em um número de componentes: avaliação
cognitiva, sentimento subjetivo, arousal psicológico, expressão emocional, tendência de ação
e regulação da emoção (JUSLIN; LAUKKA, 2004). Tais componentes estão explicados a
seguir:
1) avaliação cognitiva: consiste em uma categorização emocional de
determinado evento. Este componente emocional está mais relacionado com a percepção de
uma emoção do que com o sentir esta emoção, de fato. Por exemplo: “você avalia uma
situação como sendo perigosa”;
2) sentimento subjetivo: consiste em sentir uma emoção desencadeada durante
a apreciação de um evento. Este componente emocional está mais relacionado com o
vivenciar uma emoção do que com simplesmente percebê-la. Por exemplo: “você sente
medo”;
3) arousal psicológico: este componente está relacionado com as
manifestações fisiológicas no organismo diante de um evento. Por exemplo: “o seu coração
começa a bater aceleradamente”;
4) expressão emocional: consiste em tomadas de decisões (conscientes ou
inconscientes) diante de uma determinada situação. Por exemplo: “você grita e sai correndo
para pedir ajuda”;
5) tendência de ação: este componente emocional está presente quando o
indivíduo tem em sua mente uma possibilidade de ação diante de determinada situação, mas,
__________________________________________________________________Introdução
30
não a concretiza. Por exemplo: “você está fortemente inclinado a fugir, mas não realiza o ato
da fuga”;
6) regulação da emoção: consiste em manifestações fisiológicas e cognitivas
relacionadas aos momentos precedentes ao envolvimento emocional do indivíduo diante de
determinada situação. Por exemplo: “você tenta se acalmar”.
Os pesquisadores discordam com relação ao fato de que as emoções sejam
mais bem conceituadas como categorias, dimensões, protótipos ou processos componentes.
Assim, diferentes teorias relacionadas ao processamento da emoção humana (vide item 1.2.3.
do presente trabalho) têm sido aderidas em estudos envolvendo música. Por tudo isso, é justo
dizer que não há hoje, na literatura, um único paradigma teórico dominante em pesquisas
sobre as emoções musicais e por isso, os cientistas costumam considerar as emoções musicais
em diferentes focos e conceitos em seus estudos. No entanto, para que uma pesquisa seja
realizada com sucesso, é necessário que os pesquisadores definam com clareza qual destes
componentes será avaliado. A definição deste componente emocional depende única e
exclusivamente dos objetivos do trabalho a ser realizado (JUSLIN; LAUKKA, 2004).
Em segundo lugar, existem diversas maneiras através das quais, a música pode
expressar e evocar as emoções aos ouvintes. Por exemplo, algumas emoções podem ser
ativadas principalmente por algumas características da própria estrutura musical (por
exemplo, o modo, o andamento, o contorno melódico, etc.), enquanto outras podem ser
emoções refletidas por associações pessoais. Portanto, o cientista deve observar que o que
pode ser levado em conta para uma fonte específica de emoção pode não ser levado em conta
para outra e que diferentes teorias podem ser requeridas para explicar cada fonte específica de
emoção. Assim, diferentes fontes emocionais envolvem e são influenciadas por um número
grande de variáveis causais em música, pela pessoa e pela situação (JØRGENSEN, 1988).
Esta complexidade torna extremamente necessária a atenção dos pesquisadores na seleção de
Introdução _________________________________________________________________
31
variáveis causais para seu objeto de estudo. Também, e, conseqüentemente, é importante que
os pesquisadores estejam conscientes de que, após selecionar algumas variáveis causais, estão
deixando outras de lado (JUSLIN; LAUKKA, 2004).
Em terceiro lugar, no estudo das emoções musicais, é importante que o
pesquisador tenha clareza acerca da distinção entre expressão, percepção e indução de
emoções. O pesquisador pode identificar a expressão de uma emoção no ouvinte por meio de
alguns comportamentos precedentes ou durante uma escuta musical, como, por exemplo, um
sorriso, uma lágrima, o franzir da testa, entre outros. O pesquisador pode identificar uma
emoção percebida por meio de categorizações do próprio ouvinte durante ou após uma tarefa
de escuta musical. Por exemplo: o ouvinte classifica uma música como sendo “triste”. O
pesquisador pode induzir uma emoção musical no ouvinte por meio de duas maneiras: a
primeira consiste em apresentar aos ouvintes estímulos musicais previamente empregados em
outros estudos sobre as emoções musicais; pelo fato de estes estímulos já terem sido testados
em outros indivíduos de uma população semelhante (sujeitos ocidentais, por exemplo), podem
então ser considerados como “estímulos musicais padrão, indutores de uma emoção
específica”, porque o pesquisador subentende que grandes são as chances de a mesma emoção
ser identificada no decorrer da escuta em ambas as populações. A segunda maneira de um
pesquisador induzir uma emoção musical no ouvinte consiste em se apropriar do
conhecimento da história de vida do sujeito e apresentar-lhe estímulos musicais que
relacionem associações emocionais obtidas no relato presente com situações emocionais de
eventos passados. Neste caso, a música torna-se o elo entre o presente e o passado do
indivíduo (JUSLIN; LAUKKA, 2004). Esta distinção entre expressão, percepção e indução
das emoções torna-se importante por três razões: (1) porque os mecanismos podem ser
diferenciados, dependendo do processo envolvido; (2) porque mensurar a expressão das
emoções pode ser mais difícil do que mensurar a percepção das emoções, e os pesquisadores
__________________________________________________________________Introdução
32
devem, portanto, adaptar os métodos de mensuração adequadamente para tal e (3) porque os
tipos de emoções normalmente expressos e percebidos em música podem ser diferentes do
conjunto de emoções normalmente induzido pela música (JUSLIN; LAUKKA, 2004).
Neste estudo, a emoção pode ser definida como avaliação cognitiva, no qual os
participantes realizaram tarefas de escuta musical e associaram cada trecho musical ouvido a
categorias emocionais distintas. Para tal, foi desenvolvida uma metodologia apropriada (vide
Experimentos I e III do presente trabalho).
1.2.2. METODOLOGIAS EMPREGADAS PARA MENSURAR AS EMOÇÕES
MUSICAIS
A grande questão que surge a respeito da percepção das emoções musicais
durante uma escuta musical é em relação às diferenças individuais: cada indivíduo tem
percepções e histórias de vida próprias e, portanto, cada um difere de outro na categorização
emocional de um evento. Por isso, não há como dizer que as discordâncias emocionais no
momento da escuta signifiquem que este indivíduo esteja ouvindo “errado”. No entanto, uma
tentativa de mensurar respostas emocionais específicas de uma mesma cultura envolve duas
possibilidades que podem ser consideradas:
1) concordância entre os ouvintes: ocorre quando um número razoável de
ouvintes associa uma mesma música a uma emoção específica. Por exemplo: 95% dos
participantes de determinado estudo associam os trinta primeiros segundos do Bolero de
Ravel à emoção Alegria; portanto, para aquela determinada cultura, este trecho musical seria
percebido como um trecho musical padrão desencadeador de alegria;
Introdução _________________________________________________________________
33
2) nível de precisão entre as respostas do compositor e do ouvinte: ocorre
quando um número razoável de ouvintes associa determinada música à mesma emoção
pretendida pelo compositor. Por exemplo: se Ravel estivesse vivo, provavelmente
perguntaríamos a ele qual seria a intenção emocional de seu Bolero. Se ele nos respondesse
que os primeiros trinta segundos de seu Bolero tinham sido compostos no intuito de
desencadear alegria nos ouvintes e se a maioria dos ouvintes de determinado estudo
associasse este trecho musical à alegria, significaria que o Bolero de Ravel, para aquela
determinada cultura, também seria percebido como um trecho musical padrão desencadeador
de alegria.
A maioria dos estudos encontrados na literatura pertinente indica uma
preferência metodológica para a concordância entre os ouvintes, por requerer do pesquisador
um menor esforço para a coleta de seus dados (JUSLIN; LAUKKA, 2004).
Há diversas metodologias adotadas pelos estudos prévios sobre a mensuração
da percepção das emoções durante uma experiência de escuta musical. Estas metodologias
podem ser divididas em três grandes áreas, que, por sua vez, podem ainda ter suas
ramificações:
1) Medidas comportamentais: consistem na análise sistemática das
manifestações comportamentais que o sujeito pode expressar diante de um evento musical.
Estas manifestações podem ser medidas por meio da exteriorização de padrões
comportamentais diante da escuta (por exemplo, expressões faciais, manifestação ritmo-
corporal, exteriorização de estados de ânimo como o sono, etc.). Uma pesquisa envolvendo
medidas comportamentais pode ser realizada em dois tipos de ambientes: em laboratório ou
fora dele. Em ambos os casos, o pesquisador pode desenvolver seu estudo por meio de uma
observação participante (interagindo com o sujeito, anotando as suas observações e até
mesmo induzindo o sujeito a um padrão comportamental, se for o caso) ou através de uma
__________________________________________________________________Introdução
34
observação não participante. Neste último caso, faz-se necessária toda uma infra-estrutura
adequada na montagem do ambiente experimental (um ambiente onde o sujeito possa ser
observado sem que veja ou reconheça a presença do experimentador). Por isso, a realização
de uma observação não participante se torna muito difícil fora do ambiente laboratorial. Com
o avanço da tecnologia e apesar de não ser a metodologia mais utilizada pelos pesquisadores
na história do estudo das emoções musicais, as pesquisas envolvendo uma observação não
participante (na qual o pesquisador observa à distância o comportamento do sujeito) têm sido
desenvolvidas, de forma geral. Estas pesquisas têm dado ênfase a dois tipos de
comportamento: o tempo de exploração, em que o sujeito tem o poder de “explorar” um
estímulo musical, ouvindo, assim, a peça a ser analisada quantas vezes ele julgar necessário,
cabendo ao pesquisador gravar a duração da exposição de cada estímulo, para depois realizar
uma análise descritiva destes dados e a escolha exploratória, em que o sujeito é colocado
diante de dois ou mais estímulos musicais, devendo escolher entre ouvir um ou outro
(provavelmente aquele que mais lhe agrade ou cause curiosidade). A escolha pode ser cega,
isto é, sem que o sujeito saiba o conteúdo musical dos estímulos ou consciente (em que o
sujeito é avisado sobre o tipo de evento musical que lhe vai ser exposto). O que vai
determinar a escolha de uma determinada metodologia é o próprio objeto que vai ser
estudado.
2) Medidas cognitivas – os experimentos realizados utilizando as medidas
cognitivas consistem na análise sistemática dos relatos verbais fornecidos pelos sujeitos
durante ou após a escuta de um evento musical. Estas manifestações podem ser medidas
através de:
- testes de escolha forçada: trata-se de um teste em que o sujeito escolhe apenas uma
categoria emocional, contida em uma pequena lista de categorias de emoções;
Introdução _________________________________________________________________
35
- lista de adjetivos: trata-se de uma lista de predicados, em que o sujeito escolhe um
número adequado de adjetivos para identificar as emoções presentes no evento musical;
- taxas emocionais: trata-se de escalas de diferencial semântico, que geralmente
contêm de 3 a 10 caselas, em que o sujeito atribui uma nota correspondente ao grau percebido
daquela emoção específica na hora da escuta, por exemplo, o número 1 significando “pouca
alegria” e 10 significando “muita alegria”. A principal dificuldade encontrada neste tipo de
metodologia é a de estabelecer uma mensuração eficaz dos parâmetros emocionais ligados à
música: normalmente, as escalas bipolares (com a emoção Alegria em uma ponta e Tristeza
na outra ponta, por exemplo) têm sido utilizadas de forma inadequada nos estudos, devido ao
fato de que nem sempre uma propriedade significa o oposto de outra (JUSLIN; LAUKKA,
2003; DALLA BELLA et al., 2001a; JUSLIN; SLOBODA, 2001; LARSEN; MCGRAW;
CACIOPPO, 2001; KRUMHANSL, 1997). A literatura recente tem sugerido o uso de escalas
unipolares para o estudo das emoções musicais. Neste tipo de escala, apenas uma emoção é
considerada (Alegria, por exemplo) e o indivíduo responde, geralmente com atribuições de 0 a
10, a quantidade de Alegria que o evento musical sugere;
- descrições livres: trata-se de uma metodologia em que o sujeito descreve o estímulo
musical utilizando as palavras que vierem à sua mente.
3) Medidas psicofisiológicas: consistem na análise sistemática das alterações
fisiológicas dos sujeitos através do uso de tecnologia apropriada durante ou após uma escuta
musical. A maioria dos estudos utilizando estas medidas tem procurado mensurar o batimento
cardíaco, a condutância de pele ou mesmo as imagens cerebrais do sujeito no momento da
escuta musical, através de aparelhos como eletroencefalograma. Neste tipo de experimento, é
indispensável que o pesquisador conte com a ajuda de profissionais como médicos
neurologistas, neurocientistas e técnicos operacionais. Cabe, portanto, ao pesquisador colher
informações destes profissionais e analisá-las, atribuindo um significado emocional a elas. A
__________________________________________________________________Introdução
36
grande questão que envolve a prática da análise de medidas fisiológicas é verificar as
possibilidades de benefícios que a música pode proporcionar ao desenvolvimento sensorial,
cognitivo e motor do homem. Grande parte dos estudos tem procurado analisar as diferenças
cerebrais entre músicos e não músicos, com o propósito de identificar as áreas de atuação da
música no cérebro humano, estabelecendo, assim, as relações existentes entre os mecanismos
utilizados na linguagem e na música. As futuras descobertas destes estudos serão de extrema
importância para diversos objetos de estudo, como aptidão, educação e desempenho musicais
(PERETZ; ZATORRE, 2003).
Independente do tipo de medida envolvida, há um consenso na literatura
referente à percepção das emoções musicais, indicando que, de um modo geral, as respostas
emocionais de ouvintes de uma mesma cultura a um mesmo trecho musical são semelhantes.
Assim, um grande número de ouvintes pode fornecer dados indicando um evento musical
como tendo uma “emoção positiva”. No entanto, a consistência das respostas é menor, se
consideramos algumas nuances dentro da categoria “emoção positiva”. Por exemplo: se
considerarmos as emoções Serenidade, Amor, Ternura, Alegria como sendo positivas, as
respostas referentes a estas emoções sobre um mesmo trecho musical, provavelmente, serão
bastante divergentes. Por tudo isso, ainda não se pode afirmar, com clareza, que a música
pode comunicar uma emoção específica aos ouvintes (JUSLIN; LAUKKA, 2004).
Além de medidas comportamentais, cognitivas e psicofisiológicas, as emoções
musicais também podem ser mensuradas em função das duas dimensões envolvidas em
qualquer escuta musical, o potencial de arousal e a valência afetiva. A valência afetiva (ou
valor hedônico) é mensurada a partir da premissa de que toda música carrega em si um valor
afetivo, que pode variar de pessoa para pessoa; podemos ficar em um determinado estado
emocional durante uma escuta musical, dependendo de nossas diferenças individuais,
oriundas de nossos diferentes valores culturais (valores adquiridos a partir do meio em que
Introdução _________________________________________________________________
37
vivemos) e biológicos (valores inatos, que se referem ao conteúdo genético transmitido de
geração a geração). O potencial de arousal (ou estado de excitação fisiológica) é mensurado a
partir da premissa de que toda escuta musical provoca no sujeito uma reação, que é uma
espécie de estado de pré-ativação interna, em que mecanismos neurais e cognitivos são
ativados, levando o sujeito a prestar atenção à música que está sendo executada. O potencial
de arousal chega a provocar até mesmo reações fisiológicas nos sujeitos, como bater o pé ou
as mãos para imitar o acompanhamento da música, dançar, entre outros comportamentos.
Além do tipo de medida envolvida, as pesquisas que mensuram as emoções
musicais também revelam que a percepção de uma emoção musical depende de vários fatores,
não somente das propriedades estruturais específicas da música apreciada, mas também da
forma da resposta, do procedimento da pesquisa, do tipo de sujeito analisado, etc. A maioria
das pesquisas sobre a percepção das emoções mostrou apenas diferenças sutis em relação à
idade, ao gênero e à habilidade musical do sujeito.
Considerando a expertise musical, definida como a aquisição progressiva do
estudo sistematizado de algum instrumento musical (GALVÃO, 2006), aparentemente, os
músicos percebem uma emoção de forma parecida com os não músicos. Em um estudo
realizado por Bigand et al. (2005), músicos e não músicos ouviram 27 trechos de composições
eruditas do repertório ocidental selecionadas para desencadear emoções de base – Alegria,
Tristeza, Raiva ou Serenidade – e também emoções mais sutis. A tarefa experimental
consistia em reagrupar os trechos musicais característicos de uma mesma emoção, definindo
assim categorias emocionais sem recorrer à linguagem verbal, no intuito de abrir mão de um
léxico emocional que se sabe variável em função do nível de conhecimento musical e das
aptidões verbais de cada um. Duas semanas depois da realização do experimento, os mesmos
participantes refizeram a tarefa com os mesmos trechos musicais. Os resultados indicaram que
as respostas emocionais às músicas apresentadas foram semelhantes entre os músicos e os não
__________________________________________________________________Introdução
38
músicos. As principais emoções categorizadas foram: Alegria, Tristeza, Serenidade, Medo e
Raiva. No entanto, apesar das respostas emocionais terem sido semelhantes, houve maior
homogeneidade de respostas dos músicos para cada música apresentada em relação aos não
músicos.
1.2.3. TEORIAS E MODELOS SOBRE A PERCEPÇÃO DAS EMOÇÕES MUSICAIS
As principais teorias e modelos encontrados na literatura que tentam explicar
as emoções desencadeadas durante a experiência de uma escuta musical procuraram
responder a uma única pergunta: “a música pode evocar emoções específicas nos ouvintes?”.
Langer (1957), em seu tratado sobre música e emoção, desenvolveu a idéia de
que as formas do sentimento humano podem ser muito mais congruentes com as formas
musicais do que com as formas da linguagem. Esta idéia foi contra as teorias que sustentavam
a idéia de pensar o caráter emotivo da música como uma forma isolada, apenas como
resultado de gestos musicais (mímicas) das expressões das emoções vocais humanas,
desconsiderando o caráter emotivo do próprio evento musical em si. No entanto, esta teoria
não relacionou a questão referente à percepção das emoções contidas no evento musical com
o entendimento dos idiomas musicais específicos. Tampouco explorou a hipótese de que
propriedades elementares contidas na música, como mudanças na altura ou no andamento,
poderiam mapear diretamente o teor dos códigos culturais específicos e as tradições musicais
de cada indivíduo. Langer rejeitou a idéia de que a música possa representar emoções
específicas; argumentou ainda que a música imita somente a forma da emoção e não o
conteúdo. Por exemplo: a música pode desencadear no ouvinte um alto conteúdo emocional,
Introdução _________________________________________________________________
39
mas ser categorizada como sendo igualmente alegre e triste ao mesmo tempo. Esta visão
sugeriu que a representação da emoção em música é inerentemente indefinida.
Mandler (1984) propôs uma teoria sobre a emoção musical baseada nos
primeiros trabalhos de Meyer (1956) acerca da expectativa musical. Esta teoria levou em
conta uma conexão entre as qualidades emocionais da música e os valores adaptativos das
reações emocionais. Especificamente, a violação de nossas expectativas nos traria um arousal
biológico, que funcionaria como um sinal de alerta. Este sinal de alerta, então, nos estimularia
a uma interpretação do evento musical, que, quando combinado com o arousal biológico,
seria sentido como emoção. Assim como a teoria de Langer (1957), esta teoria sugeriu que a
música não poderia evocar emoções específicas nos ouvintes: as interpretações emocionais
seriam frutos de um arousal biológico originado pela violação das expectativas musicais.
Entretanto, este arousal biológico não poderia ser essencialmente medido. Portanto, segundo
Mandler (1984), as qualidades emocionais não poderiam ser diretamente inferidas através das
propriedades de arousal.
A teoria de Cooke (1959) se propôs a analisar os elementos da expressão
musical, estabelecendo um léxico destes elementos em termos de emoções específicas que
eles são capazes de desencadear. O autor testou esta teoria tomando como material a música
tonal ocidental antiga, servindo-se de composições que datam a partir de 1400 d.C. Em sua
análise, Cooke identificou padrões musicais que eram comumente usados para expressão das
emoções, desde a música antiga até a música do século XX. Ao analisar estes motivos
melódicos através de seus componentes intervalares, mostrou que cada “termo básico” tem
um caráter particular emotivo, como por exemplo, os graus V-I-II e III da escala menor, que,
quando tocados sucessivamente, indicam um forte sentimento de tragédia. Entretanto, Cooke
não conseguiu substanciar sua teoria empiricamente. Mais tarde, Gabriel (1978) realizou um
experimento em que seus ouvintes deveriam classificar as qualidades emotivas dos “termos
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40
básicos” propostos por Cooke (1959). Embora a hipótese da teoria de Cooke fosse a de que a
música poderia evocar emoções específicas nos ouvintes, não foram encontrados padrões
significativos de concordância entre os julgamentos dos ouvintes de Gabriel (1978) com as
descrições dos conteúdos emocionais evocados pelos “termos básicos” de Cooke (1959).
A teoria de Kivy (1980) também respondeu positivamente à questão de a
música evocar ou não emoções específicas nos ouvintes. Kivy também acreditou que certos
padrões melódicos estariam convencionalmente associados a predicados expressivos
especificáveis, como “é triste”, “me irrita”, “me dá alegria”. Kivy propôs uma distinção entre
dois tipos de pistas emocionais em música: “contorno” e “convenção”. Em sua discussão
sobre “contorno”, o autor identificou elementos da música clássica ocidental que têm uma
conexão natural com a vida emotiva (emoções expressas por pronúncia vocal, postura, gestos
e movimentos corporais), como contorno melódico, andamento e ritmo. Em sua discussão
sobre “convenção”, estes elementos foram também caracterizados. Dessa forma, segundo esta
teoria, todas as associações convencionais entre a música e a emoção seguramente seriam
derivadas das convenções naturais entre a música e a “vida emotiva”. Assim, as conexões
naturais são tanto culturais quanto específicas, sendo que a música de uma cultura pode
refletir somente a vida emotiva daquela cultura. Kivy ainda argumenta que os ouvintes de
uma determinada cultura não seriam capazes de perceber a música oriunda de um sistema
musical não familiar1 como música por si só, mas sim como uma seqüência de sons não
musicais; segundo o autor, se um indivíduo escutar dezenas de músicas de outra cultura que
não a sua, estas provavelmente soam como algo exótico; logo, este indivíduo seria incapaz de
discriminar emoções específicas entre estes estímulos.
1 Um sistema musical não familiar pode ser definido como um conjunto de elementos musicais (melódicos e harmônicos) não encontráveis comumente em determinada cultura. Por exemplo: a escala pentatônica, escala de cinco notas, encontrável comumente na China, na Indonésia e na África, pode ser considerada como parte de um sistema musical não familiar à cultura do Ocidente, uma vez que o modelo escalar da tradição musical dessa cultura está enraizado na escala diatônica, formada por sete notas musicais (WISNIK, 2004).
Introdução _________________________________________________________________
41
Apesar de concordar com a teoria de Kivy a respeito da existência de emoções
específicas evocadas pela música, Balkwill e Thompson (1999) divergiram no sentido oposto
com relação às convenções culturais do indivíduo. Os achados destes autores ilustraram que
os ouvintes adaptam suas habilidades de interpretar estilos musicais não familiares. No
entanto, estes autores acautelaram o leitor para o seguinte enunciado: “quanto maior o número
de pistas (culturais ou psicofísicas) presentes na música, maior a expressão das emoções”
(BALKWILL; THOMPSON, 1999). Assim, para estes autores, a expressão da emoção na
música de uma dada cultura parece ser mais saliente aos ouvintes desta mesma cultura, devido
ao entendimento compartilhado da representação convencional da emoção dentro daquele
sistema (tonal ou não tonal); quando as pistas culturais não estão presentes, o ouvinte deve
prestar mais atenção às pistas perceptuais básicas, como o andamento e a complexidade. Estas
pistas levam os ouvintes a um maior entendimento geral da emoção pretendida. Assim, é
possível argumentar que a associação entre as dimensões psicofísicas da música com a
percepção das emoções seja também o resultado da aculturação e possa diferir entre culturas.
A teoria de Balkwin e Thompson (1999) encontrou dois achados: primeiro, os ouvintes
aculturados a um sistema tonal podem perceber precisamente a emoção pretendida na música
de um sistema musical não familiar; segundo, os ouvintes se apropriam de dimensões
psicofísicas da música como pistas para identificar musicalmente as emoções expressas.
Juslin e Laukka (2004) elaboraram um modelo denominado Expanded Lens
Model com o objetivo de explicar a variância das respostas emocionais de ouvintes ocidentais
referentes à emoção Alegria em relação a eventos musicais. Este modelo, uma versão
atualizada do Brunswilk’s Lens Model, desenvolvido por Juslin (1995, 2000), propôs uma
análise interativa entre as pistas acústicas fornecidas aos ouvintes em primeira instância pelo
compositor e em segunda instância, pelo intérprete. Assim, o grau de alegria em uma música
seria percebido a partir de um processo em que, em um primeiro momento, o compositor cria
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a obra musical. Neste momento, já estariam embutidas na própria obra, algumas pistas
acústicas que seriam executadas intuitivamente, tanto pelo compositor quanto pelo intérprete
da obra (o modo, a tonalidade, o contorno melódico e o ritmo). Num segundo momento,
durante a execução da obra pelo intérprete, apareceriam outras pistas acústicas que podem não
ser executadas da mesma forma, conforme concebidas pelo compositor e pelo intérprete (o
andamento, a altura do som, a articulação, o timbre). Esta interação entre as pistas acústicas
fornecidas pelo compositor (de acordo com os padrões de estilo da época de composição) e as
pistas acústicas executadas pelo intérprete (conforme os padrões de estilo da época da
execução) é que levariam o indivíduo a julgar o grau de alegria da música. Portanto, segundo
este modelo, uma mesma peça musical poderia conter níveis diferentes de alegria,
dependendo da forma em que foi executada (gravada ou ao vivo, pelo mesmo intérprete ou
por intérpretes diferentes, por instrumentos diferentes, etc.). Segundo os autores, este modelo
conseguiu explicar cerca de 90% da variância em julgamentos de alegria por diferentes
ouvintes, sustentando a idéia de que diferenças individuais existem (cada indivíduo percebe e
categoriza as emoções de sua própria maneira), porém, algumas pistas acústicas presentes na
música podem fornecer tendências comuns para respostas emocionais referentes à emoção
Alegria. No entanto, por utilizar somente exemplos musicais referentes à música ocidental e
não escritos, o modelo de Juslin e Laukka (2004) pode ser útil apenas para a música tonal (e
não para a música não tonal ou não notada).
Em uma meta-análise sobre a precisão da comunicação, Juslin e Laukka (2004)
encontraram evidências relacionadas ao processo de comunicação entre o intérprete e o
ouvinte, mostrando uma operação em termos de rótulos de categorias emocionais. Tais
evidências foram encontradas em estudos que utilizaram a concordância entre os ouvintes
como variável dependente. A partir destes dados, estes autores demonstraram que músicos
profissionais foram capazes de comunicar cinco emoções (Alegria, Raiva, Tristeza, Medo e
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Amor/Ternura) aos ouvintes com um grau de precisão aproximadamente igual ao grau de
precisão de suas expressões vocais e faciais durante as suas apresentações, demonstrando
também que seria difícil realizar uma distinção fina entre estas categorias sem um contexto
adicional proveniente da prosódia musical (letra), expressões faciais e impressões visuais.
(JUSLIN; LAUKKA, 2003).
O modelo circumplexo de Russel (1979, 1980) também tem contribuído para o
entendimento dos processos psicológicos relacionados às respostas emocionais à música. A
ilustração deste modelo consiste de uma estrutura bidimensional, circular, baseada em
dimensões bipolares de arousal (estado de excitação fisiológica) e valência afetiva
(agradabilidade), o que dá origem a quatro quadrantes, cada um dos quais representado por
categorias emocionais semelhantes. Por exemplo: em um quadrante no qual o arousal é alto e
a valência afetiva é positiva, encontram-se categorias emocionais relacionadas à alegria e à
excitação; em um quadrante no qual o arousal é alto, mas a valência afetiva é negativa,
encontram-se categorias emocionais relacionadas ao medo e à raiva; em um quadrante no qual
o arousal é baixo, mas a valência afetiva é positiva, encontram-se categorias emocionais
relacionadas ao relaxamento e à serenidade; em um quadrante no qual o arousal é baixo e a
valência afetiva é negativa, encontram-se categorias emocionais relacionadas à tristeza e à
sonolência. Este modelo tem sido criticado por não capturar diferenciações mais sutis dos
processos emocionais, na medida em que prioriza a categorização emocional, negligenciando
uma compreensão mais aprofundada sobre o significado dos léxicos emocionais dentro de
cada cultura (LARSEN; DIENER, 1992). No entanto, o modelo pode ser bastante útil para
desenvolver estudos empíricos sobre as respostas emocionais à música, porque fornece uma
maneira eficaz de organizar as emoções em termos do afeto (agradável ou desagradável) e das
reações fisiológicas (excitação elevada ou baixa), e, além disso, especifica uma maneira de
__________________________________________________________________Introdução
44
selecionar adjetivos a serem utilizados como medidas de emoção na investigação (LARSEN;
DIENER, 1992; JUSLIN; SLOBODA, 2001).
1.2.4. O USO DO MODO E DO ANDAMENTO MUSICAL EM PESQUISAS SOBRE
AS EMOÇÕES MUSICAIS
O estudo das emoções musicais requer um material que torne possível o
controle e um pequeno número de fatores musicais supostamente importantes na expressão e
na percepção dessas emoções. Segundo uma das principais teorias, o que determina o caráter
emocional da música são expectativas musicais determinadas pelos momentos de tensão e
relaxamento que se sucedem no decorrer de uma música (MANDLER, 1984). Baseado nesta
teoria, muitos pesquisadores têm estudado sistematicamente quais são estes elementos
estruturais determinantes da expressão das emoções. O sistema musical utilizado nos estudos
nesta área geralmente tem sido a música erudita ocidental. Assim, os primeiros estudos
desenvolvidos por Hevner (1936) mostraram que o modo e o andamento são índices
essenciais para determinar se uma melodia é triste ou alegre. O modo pode ser definido como
uma série de notas sucessivas organizadas segundo um padrão de intervalos musicais
definido, diferindo de um modo a outro – menor e maior; por exemplo: o modo maior é
construído a partir da organização dos tons e semitons de sua escala (uma escala maior tem a
configuração “tom, tom, semitom, tom, tom, tom, semitom”; já o modo menor é construído a
partir da organização “tom, semitom, tom, tom, semitom, tom, tom). O andamento pode ser
definido como o grau de velocidade que se imprime à execução de um trecho musical. Mais
especificamente, andamentos rápidos tendem a evocar músicas alegres e andamentos lentos
tendem a evocar músicas tristes (GAGNON; PERETZ, 2003). Similarmente, o modo maior
Introdução _________________________________________________________________
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está associado à alegria e o modo menor está associado à tristeza (DALLA BELLA et al.,
2001b).
Existem evidências de que a manipulação no andamento e no modo de uma
música afeta os julgamentos de alegria e tristeza em adultos. Em crianças, a sensibilidade da
percepção de manipulações no andamento aparece antes da sensibilidade da percepção de
manipulações ao modo (DALLA BELLA et al., 2001b). Para sustentar essa hipótese, foi
realizado um experimento que procurou investigar se a habilidade de detectar a informação
emocional através da música aparece cedo no desenvolvimento infantil ou demanda um longo
aprendizado. Nos experimentos de Dalla Bella et al. (2001b), crianças de 3 a 8 anos de idade
ouviam trechos de música em quatro condições experimentais: em duas condições isoladas,
fazia-se variar o modo ou o andamento de melodias simples e, em duas outras, combinavam-
se os dois parâmetros, um para evocar uma mesma emoção (um andamento rápido e um modo
maior contribuem ambos para a expressão da alegria – condição convergente) e outro para
evocar emoções diferentes (um andamento rápido e um modo menor – condição convergente).
Através de uma escala de 10 pontos, as crianças selecionadas indicavam se consideravam o
trecho triste ou alegre, e as respostas seriam comparadas às dos adultos (usavam-se desenhos
de carinhas sorridentes ou tristes, e a criança deveria indicar qual era adequado para cada
trecho). Os resultados sugeriram que as reações das crianças entre 6 e 8 anos, como a dos
adultos, são influenciadas por fatores de modo e andamento. Nas crianças de 5 anos, os
julgamentos dependeram apenas do andamento. Em crianças de 3 e 4 anos, nenhum dos
parâmetros pareceu guiar as respostas. Os resultados mostraram que em condição de
manipulação isolada, os dois fatores de modo e de andamento facilitaram o reconhecimento
da emoção. No entanto, quando os dois parâmetros foram combinados e divergentes, os
ouvintes utilizaram prioritariamente o andamento para fundamentar seu julgamento emocional
das melodias. Este estudo mostrou, portanto, que o andamento foi uma informação mais fácil
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de processar do que o modo (que subentende o processamento de informações mais abstratas,
como, por exemplo, os intervalos de altura). Concluiu-se, portanto, que o andamento
representou um índice perceptivo mais rapidamente adquirido para processar as informações
emocionais veiculadas pela música (GAGNON; PERETZ, 2003).
Khalfa et al. (2002) procuraram mensurar as emoções musicais por meio de
medidas psicofisiológicas. Para tal, realizaram um experimento registrando reações
fisiológicas de sujeitos humanos durante uma escuta musical. Através da mensuração de
respostas galvânicas da pele, estes pesquisadores encontraram dados que comprovam que em
reações emocionais (alegria, tristeza e medo, por exemplo), o sistema nervoso central reage
com aceleração dos batimentos cardíacos ou aumento da transpiração. Estes pesquisadores
descobriram também, que para os trechos musicais que desencadeavam medo e alegria, essa
reação era mais forte que para trechos que exprimiam tristeza ou serenidade. Assim,
andamentos rápidos e dinâmicas musicais fortes provocaram o aumento de arousal (excitação
fisiológica), o que não ocorreu com trechos lentos e menos dinâmicos. Além disso, os dados
obtidos neste estudo revelaram que as respostas emocionais à música foram, no geral,
diferentes das respostas cutâneas, mostrando que nem sempre a categorização emocional do
sujeito durante uma escuta musical se reflete em reações fisiológicas. Pode-se afirmar,
portanto, que a música é capaz de exercer grande poder sobre o comportamento humano e que
normalmente, durante a escuta musical, o ouvinte não está consciente do efeito que a música
exerce sobre ele.
No experimento realizado por Bigand et al. (2005), em que músicos e não
músicos reagrupavam os trechos musicais característicos de uma mesma emoção, uma análise
matemática dos resultados conhecida como “escala multidimensional” fez aparecer
reagrupamentos que evidenciam parâmetros de modo e andamento implicados na expressão
emocional dos ouvintes. Assim, diferentes trechos foram reagrupados em quatro grandes
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categorias, correspondendo às seguintes combinações: modos menores e andamentos lentos
foram associados a uma valência afetiva negativa e uma dinâmica fraca (calmante) ao trecho,
percebido como “triste”; modos menores e dinâmicas estimulantes evocaram sentimento de
“raiva” ou de “medo”; ao contrário, modos maiores e andamentos estimulantes foram
percebidos como sendo “alegres” e músicas tocadas em modos maiores e andamentos lentos
foram associadas à emoção Serenidade.
Ainda referente a este mesmo estudo, uma análise posterior foi feita, no intuito
de descrever a organização mental das representações emocionais desencadeadas pela música
nesse grupo. Para isso, Bigand et al. (2005) mensuraram as dimensões psicológicas de arousal
e valência afetiva das respostas emocionais dos ouvintes. O exame dos reagrupamentos
emocionais mostrou que os ouvintes reconhecem as grandes categorias de emoção – alegria,
tristeza, raiva, serenidade – e percebem diferenças emocionais muitos sutis em trechos de 30
segundos de duração. Além disso, foi constatado que os trechos foram reagrupados segundo
seu caráter positivo (conferido pelo modo maior) ou negativo (conferido pelo modo menor).
A essa reação acrescentam-se as variações do arousal. Os resultados indicaram que os
momentos de tensão musical provocaram uma aceleração do ritmo cardíaco dos ouvintes.
Pode-se concluir, com base nos estudos descritos acima, um ponto essencial
para a compreensão dos processos cognitivos envolvidos durante a escuta musical referentes à
música ocidental: as emoções musicais são resultantes de processos cognitivos específicos, ou
seja, dependem da cognição dos elementos da estrutura musical de uma obra. Assim, com
relação à música executada nas culturas ocidentais, estas descobertas recentes negam a
hipótese de que a música evoque emoções de acordo com a história pessoal de cada um.
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1.3. A PERCEPÇÃO TEMPORAL HUMANA
O homem é um ser espectador de um universo mutável. Pelo fato de viver em
um contexto de mudanças, ele pode reconstruir a realidade pela memória e descobrir leis para
prever e controlar sucessões futuras. A consciência da existência dessas mudanças, contínuas
ou descontínuas, foi suficiente para Fraisse concluir que o tempo pode ser considerado como
o marcador e indicador dos momentos de mudança (BUENO, 1985).
A tradição ocidental, no decorrer da história, tem abordado a noção de tempo
de diversas maneiras. Os primeiros filósofos, orientados por uma ciência ainda especulativa,
já se preocupavam com o entendimento da realidade à qual o tempo podia corresponder.
Entretanto, ainda não tinham o conhecimento necessário para explicar questões que
relacionavam o tempo e o movimento. Num segundo momento, a idéia de tempo esteve ligada
a referências sobre Deus e o mundo. Para Platão, o tempo era uma imagem móvel da
eternidade. Com Descartes, a reflexão se volta para o homem, por meio de uma idéia de
tempo que correspondia a nossa experiência interior de duração, ou seja, a questão passa a ser
de caráter mais epistemológico do que psicológico. Segundo Kant, o tempo é entendido como
uma forma pura de intuição sensível, a partir da verificação sobre o estado de consciência
humano, no qual o tempo pode ser definido como uma categoria que fundamenta as leis da
ciência. Para Bergson, o tempo passa a ser entendido como uma atitude permanente do
espírito humano, ou seja, a partir da noção de junção entre a observação psicológica dos
estados de consciência humana com um tempo metafísico. Esta dimensão de temporalidade
ainda vai aparecer nos escritos de Merleau-Ponty, Heidegger e Husserl, no intuito de explicar
o tempo como sendo uma dimensão do próprio ser humano (Bueno, 1985). Finalmente, desde
a metade do século XXI, desenvolve-se o estudo empírico da precisão com a qual os homens
percebem o tempo por meio da Psicofísica, ciência que estuda a percepção do tempo a partir
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de estudos sobre o que o homem faz em reação às situações em que ele se encontra. De forma
geral, estes estudos estiveram embasados em metodologias que visam a tarefas de reprodução
ou comparação de intervalos temporais, o que tornou possível a consolidação de uma
metodologia capaz de dar conta em estudar a percepção temporal subjetiva humana (BUENO,
1985).
1.3.1. PRINCIPAIS MODELOS SOBRE O PROCESSAMENTO TEMPORAL
HUMANO
A literatura destaca quatro modelos para explicar o processamento temporal
humano.
O modelo de armazenamento, proposto por Ornstein (1969), parte do
pressuposto de que o processamento cognitivo estaria alicerçado na estocagem de reservas de
memória: quanto maior é a quantidade e a complexidade da informação, maior é o espaço
requerido pela memória e, por conseqüência, maior é a estimação temporal.
O modelo atencional, proposto por Hicks, Miller e Kinsbourne (1976) sugere
que o processamento cognitivo se dá a partir da distribuição de reservas de memória,
solicitada pelo grau de atenção exigido para o cumprimento da tarefa de estimação: quanto
maior é a demanda atencional do sujeito à tarefa, maior é o esforço mental exigido para que as
informações temporais sejam arquivadas na memória e, por esta razão, maior a estimação
temporal. Este modelo difere do modelo de armazenamento na medida em que nem sempre a
complexidade da informação de um estímulo temporal padrão é o elemento que demanda
maior esforço atencional do sujeito durante a tarefa de estimação.
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O modelo de expectativa, proposto por Boltz (1991) baseia-se no contraste
entre durações percebidas e esperadas. É possível antecipar o final de um evento, baseando-se
no quotidiano, que nada mais é do que uma sucessão de estímulos com começos e finais não
arbitrários. Desse modo, dependendo do grau de familiaridade a um estímulo presente, é
possível que o sujeito preveja o seu final. Em oposição, qualquer manipulação no final do
estímulo observado, ocasionará aumento da expectativa no sujeito, que a interpretará como
uma surpresa momentânea. Estas surpresas são formalizadas como contrastes temporais e
representam diferenças assinaladas entre finalizações esperadas e observadas. Assim, o
modelo de expectativa sugere que, se o final de um evento confirma a expectativa pela sua
ocorrência no "tempo certo" (contraste zero), então a duração estimada será precisa.
Entretanto, eventos finalizando depois do esperado (contraste positivo) parecerão
relativamente longos, causando superestimações. Inversamente, os eventos que finalizam
antes do esperado (contraste negativo) parecerão relativamente curtos, podendo causar
subestimações.
O modelo proposto por Gibbon, Church e Meck (1984) baseia-se na existência
de um relógio interno que avalia o tempo objetivo (externo) de maneira subjetiva. De acordo
com a sua teoria do “timing escalar”, este mecanismo de relógio interno é composto por um
marcapasso que emite pulsos e um interruptor que controla a atenção temporal. Este
interruptor (que nada mais é senão um emissor de pulsos) é acionado e paralisado,
respectivamente, do início ao fim do estímulo, permitindo, assim, um acúmulo de pulsos
durante a apresentação do evento a ser estimado. A estimação temporal, então, está baseada
em um número de pulsos acumulados: quanto maior o número de pulsos, maior o tempo a ser
julgado.
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1.3.2. METODOLOGIAS EMPREGADAS PARA MENSURAR A PERCEPÇÃO
TEMPORAL HUMANA
Zakay (1990), através de seu modelo de estimação temporal, descreve diversas
maneiras de se estudar o tempo subjetivo. Segundo o autor, vários fatores contribuem para
que medidas precisas de estimação temporal sejam efetuadas, como o tipo de comportamento
temporal envolvido, as características do período de tempo que o sujeito experimenta um
evento, as características do experimentador, o tipo de tarefa que o sujeito executa etc. O
autor supõe que o completo entendimento de qualquer tipo de experiência temporal é possível
somente se considerarmos uma interação entre esses fatores.
Zakay (1990) define quatro possibilidades para a mensuração da percepção
temporal humana:
1) Estimação verbal: a duração do intervalo-alvo é estimada verbalmente em
termos de unidades temporais (segundos, minutos, horas, etc.). Por exemplo: após realizar
uma tarefa de apreciação temporal a um intervalo dado (por exemplo, 20 segundos), p