27
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Felipe Suenaga Castilho Marques Indicações Geográficas: Um estudo a partir da Indicação de Procedência da Cachaça de Paraty - RJ São Paulo 2015

Felipe Suenaga Castilho Marques - ricardoantasjr.orgricardoantasjr.org/wp-content/uploads/2015/07/Felipe-Suenaga_TGI... · geografia, a partir do seu enfoque técnico e normativo

Embed Size (px)

Citation preview

   

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

Felipe Suenaga Castilho Marques

Indicações Geográficas: Um estudo a partir da Indicação de Procedência da Cachaça de Paraty - RJ

São Paulo

2015

   

Felipe Suenaga Castilho Marques

Indicações Geográficas: Um estudo a partir da Indicação de Procedência da Cachaça de Paraty - RJ

Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Profº Dr. Ricardo Mendes Antas Jr.

 

 

São Paulo

2015

   

Nome: MARQUES, Felipe Suenaga Castilho Título: Indicações Geográficas: Um estudo a partir da Indicação de Procedência da Cachaça de Paraty - RJ

Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia.

Orientador: Profº. Dr. Ricardo Mendes Antas Jr.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Profº. Dr. Ricardo Mendes Antas Jr. Instituição: Universidade de São Paulo

Julgamento: ___________ Assinatura: ________________________________

Prof. Dr. Fábio Betioli Contel Instituição: Universidade de São Paulo

Julgamento: ___________ Assinatura: ________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Ramos Hospodar Felippe Valverde Instituição: Universidade

de São Paulo

Julgamento: ___________ Assinatura: ________________________________

   

Agradecimentos

Como de praxe, ao tentar agradecer a todos que de alguma maneira contribuíram para o desenvolvimento não só deste trabalho, como também de meu desenvolvimento como geógrafo, caio na fatal possibilidade do esquecimento. Agradeço inicialmente aos companheiros Ricardo Hankon, Pietro Delallibera, Emerson Xavier, Aline Pazzotti e Adriana Toledo por todas as contribuições possíveis a minha formação, acadêmica ou não. Sem vocês eu seria um ser humano pior.

Agradeço a todos os docentes, funcionários e demais colegas do DG da FFLCH-USP, que direta ou indiretamente, ajudaram na construção da perspectiva que tenho hoje sobre as coisas e sobre o mundo. Agradeço a meu orientador Profº Dr. Ricardo Mendes Antas Jr. pela autonomia concedida no desenvolvimento deste projeto, e pelas contundentes contribuições no seu desenrolar. Agradeço ao Profº Dr. Fábio Betioli Contel e ao Profº Dr. Rodrigo Valverde por aceitarem o convite para a banca examinadora deste trabalho.

Aos colegas da Walm pela troca cotidiana de conhecimento.

Ao Chet Baker, por me proporcionar concentração, e alívio da histeria ao longo do feitio deste trabalho.

À minha mãe, por ter me aceitado e me amado por todos estes anos (mesmo após a severa decisão de querer me tornar geógrafo).

   

RESUMO

MARQUES. F.S.C. Indicações Geográficas: um estudo a partir da Indicação de Procedência da Cachaça de Paraty – RJ. 2015. 62f. Trabalho de Graduação Individual. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.

Este estudo propõe discutir as Indicações Geográficas dentro do campo teórico da geografia, a partir do seu enfoque técnico e normativo. O recorte espacial definido foi o da região produtora de Paraty – RJ, com sua produção de cachaça artesanal. O trabalho procura, num primeiro momento, recuperar o histórico do estatuto jurídico das Indicações Geográficas para em seguida analisar a legislação que regula esse mecanismo de proteção no Brasil. Desse modo, tentamos relacionar, a partir de um caso concreto, os conceitos de norma, técnica e espaço para verificar a validade da hipótese geral deste trabalho, a saber: o caráter essencial do estudo do aporte legislativo para a compreensão do estatuto da Indicação Geográfica e, num sentido mais amplo, de quaisquer objetos geográficos relacionados à normatização jurídica do espaço.

Palavras-chave: Indicação Geográfica; cachaça; Paraty

   

ABSTRACT

This study discusses the Geographical Indications (G.I.) within the theoretical field of geography, by both technical and normative points of view. Our spatial boundaries are the region of Paraty (Rio de Janeiro) with its production of cachaça. We recovered the history of the legal status of the Geographical Indications and then analyzed the law that regulates this kind of protection mechanism in Brazil. By approaching this specific case scenario, we tried to relate the concepts of norm, technique and space aiming to check the solidity of our general hypothesis, namely: the essential character of the legislative analysis to understand the nature of the Geographical Indications and, more broadly, of any theoretical object related to the legal regulation of space.

Keywords: Geographical Indication; cachaça; Paraty.

   

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO 1 - Indicações Geográficas: Conceitos e definições

1.1. Histórico normativo ........................................................................................ 11

1.2. Sobre as Indicações Geográficas: conceitos e definições no Brasil e

no mundo ............................................................................................................... 19

1.3. As Indicações Geográficas brasileiras ............................................................ 25

CAPÍTULO 2 - Paraty-RJ: cachaça e história

2.1. A produção de cachaça no território brasileiro ............................................... 31

2.1.1. Aspectos econômicos e produtivos ............................................................. 34

2.3. A Indicação Geográfica da Cachaça de Paraty - RJ ...................................... 39

CAPÍTULO 3 – Considerações acerca das Indicações Geográficas

3.1. A Indicação Geográfica da Cachaça de Paraty - RJ: reflexões sobre a norma,

técnica e espaço .................................................................................................... 46

3.2. Considerações finais ...................................................................................... 51

Referências Bibliográficas 53

   

Lista de Quadros

Quadro 1.2-1 – Diferenças entre o sistema de proteção de marcas e de indicação

geográfica.

Quadro 1.3-1 – Indicações Geográficas brasileiras (Out/2014)

 

Lista de Figuras Figura 2.1.1-1: Distribuição da produção de cachaça por Estado.

Figura 2.1.1-2: Propaganda da AMPAQ.

Figura 2.2-1: Área delimitada para a IP da Cachaça de Paraty .

Lista de Fotos

Foto 2.2-1: Alambiques de cobre em visita monitorada da Cachaça Paratiana.

Figura 2.2-2: Propaganda que faz uso do selo de IP da Cachaça de Paraty.

5    

INTRODUÇÃO

Dentro da história do pensamento geográfico nota-se a existência de certa

tradição pelos estudos corográficos. Tem-se na análise taxonômica e descritiva da

paisagem, bem como no emprego do “método comparativo” de Karl Ritter, conforme

pontua Moreira (2008:15), a gênese daquilo que, mais tarde, se consubstanciará no

entendimento de uma chamada Geografia Regional. A ciência geográfica poderia

inclusive ser entendida como a ”ciência da diferenciação de áreas” (HETTNER, 1898

apud HARTSHORNE, 1978).

Corrêa (2003: 14) expõe que “o método regional tem merecido a atenção de

geógrafos desde pelo menos o século XVIII”. A geografia regional, em um

determinado momento da história do pensamento geográfico, aparece como a

síntese da Geografia Física e da Geografia Humana, sendo possível encontrar essa

visão tanto na obra de geógrafos franceses como de norte-americanos desde o

início do séc. XIX até a metade do séc. XX, de acordo com Damiani (2002) acerca

da leitura de Lencioni (1999).

A ideia de ‘região’ complementarmente a de ‘território’ seguramente no

entanto, extrapolam a barreira da discussão teórica eminentemente geográfica.

Enquanto categorias da geografia servem também a propósitos técnicos e

normativos, que não deixam de produzir e transformar o espaço. A formação

regional aqui será discutida a partir de seu enfoque normativo, através da proteção

jurídica denominada Indicação Geográfica – IG. Trata-se de um instrumento de

proteção à propriedade intelectual, semelhante a uma marca, concedido por um

instituto ou órgão de âmbito nacional. Esta proteção oficializa, nomeia e delimita um

território para uma região classificada como ‘tradicionalmente’ produtora de um

determinado produto. No Brasil, o órgão responsável por este processo é o Instituto

Nacional da Propriedade Industrial - INPI. Para fins de obtenção da chamada IG, a

região produtora se diferenciaria das demais regiões do país que produzam aquele

mesmo produto, mediante condições naturais exclusivas, ou ainda sob a existência

de modos de produção específicos dentro da área delimitada de produção,

conferindo ao produto final um padrão de qualidade diferenciado. Exemplos

internacionais bastante conhecidos deste tipo de proteção são as regiões de

6    

Champagne e Cognac no sudoeste da França, com sua produção de espumantes e

destilados à base de uva.

O recorte da análise se dará através do município de Paraty-RJ, que recebeu

seu selo de Indicação Geográfica do INPI em 2007 pela produção de cachaça

artesanal1. Este estudo, portanto, trata de analisar os processos envolvidos na

certificação de propriedade intelectual denominada “Indicação Geográfica”, e em que

medida estes processos encontram-se vinculados ou não à teoria geográfica,

tentando problematizar o objeto à luz das discussões que derivam da relação entre

norma, técnica e espaço.

O primeiro capítulo dedica-se a situar o objeto dentro de seu contexto

histórico e normativo, detalhando o desenrolar dos acordos internacionais que se

dedicaram a questão da propriedade intelectual, e ao comércio internacional -

finalidade última deste tipo de proteção. Ainda no primeiro capítulo é onde se realiza

uma aproximação conceitual do tema, valendo-se do aporte formal da lei, e da

escassa produção acadêmica existente sobre o assunto.

O segundo capítulo trata de situar o recorte espacial analisado, no caso a

cidade de Paraty-RJ e sua produção de cachaça artesanal. É realizada uma breve

contextualização histórica da produção da cachaça no território nacional desde o

Brasil Colônia até a atualidade, com a finalidade não apenas de ilustrar o

componente do objeto em questão, mas de esclarecer os profundos laços existentes

entre a produção de aguardente e a área escolhida para o estudo. É realizada em

seguida uma descrição do processo de construção da Indicação Geográfica da

Cachaça de Paraty.

O terceiro e último capítulo consiste da aproximação do objeto com a teoria

geográfica. Valendo-se principalmente das contribuições de Haesbaert (2010) e

Santos (1978; 1997; 2002) e pontualmente de outros autores, as IGs são

problematizadas mediante o seu caráter técnico e normativo na produção do

espaço.

                                                                                                                         1  Ressalta-se que de acordo com estudo do SEBRAE (2008, p.17) enquadra-se como produção ‘artesanal’ de cachaça, a produção industrial de pequena escala realizada em alambiques de cobre, enquanto a produção ‘industrial’ refere-se à produção em larga escala obtida através do maquinário conhecido como destilador de coluna.  

7    

CAPÍTULO 1 - Indicações Geográficas: Conceito e definições ao longo da História

1.1 Histórico normativo

O surgimento das primeiras indicações geográficas remonta um passado

remoto, se levarmos em consideração que muitos povos antigos já atestavam a

qualidade dos produtos consumidos através da certificação de seu local de origem,

conforme apontado por Plaisant & Fernand-Jacq apud Cunha (2011), e Pollaud-

Dulliam apud Porto (2007). Cunha (2011), a título de exemplo destaca que no

Império romano, o vinho de Falerno já era reconhecido por sua qualidade, associada

ao seu local de origem. Almeida (2014) descreve uma extensa - e bastante

heterogênea - lista de produtos consumidos pelos povos da Grécia e Roma Antiga, e

que tinham sua qualidade ou sua fama associada ao nome do local de origem, tais

quais os vasos de Bizâncio, o mármore de Carrara, bem como o já citado vinho de

Falerno, além dos vinhos das ilhas de Tasos, de Quios, de Lesbos, os da região da

Calcídica e da Trácia, dentre outros.

Entretanto, de maneira mais formal dentro do campo jurídico, constata-se que o

tema passa a ser objeto de atenção somente a partir do século XIX, notadamente na

França, com o propósito de proteger os produtores da utilização ilegal de nomes de

regiões e de marcas que vieram a ter reputação consagrada em seus mercados

agrícolas locais. Acredita-se que a primeira indicação de origem geográfica que se

tem registro de fato, surgiu há cerca de 150 anos, com a primeira classificação da

produção de vinhos em Bourdeaux e Borgogne, regiões da França, e que tinha

como objetivo principal evitar possíveis fraudes (RODRIGUES & MENEZES, 2000).

A formalização normativa do tema das indicações geográficas insere-se em um

contexto pós II Revolução Industrial, permeado por uma série de questões ligadas

ao comércio internacional postas em pauta pelas nações europeias, sobretudo no

que diz respeito à internacionalização do debate sobre a propriedade intelectual.

Para efeito de definição, o conceito de propriedade intelectual aqui adotado será

aquele disposto na Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual

- OMPI que data de 1967, e que define como Propriedade Intelectual, a soma dos

direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos

artistas intérpretes e às execuções de radiofusão, às invenções em todos os

8    

domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos

industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas

comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e

todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial,

científico, literário e artístico. Ao longo deste trabalho serão encontradas referências

à propriedade industrial, onde no contexto das indicações geográficas é possível

pensar nessas denominações como sinônimos. Ou seja: o conceito de propriedade

intelectual dado pela OMPI engloba também a propriedade industrial, onde se insere

a temática das indicações geográficas desenvolvidas neste estudo.

O primeiro tratado internacional que incide sobre o tema é a Convenção da

União de Paris, que data de 1883. Trata-se de um acordo internacional que versa

sobre a questão da propriedade intelectual de maneira genérica e abrangente,

sendo o Brasil um dos signatários originais do acordo. A Convenção previa em seu

Art. 14, a realização de conferências periódicas de revisão a fim de introduzir no

texto original, instrumentos destinados a aperfeiçoar o sistema da união “à luz da

experiência obtida em sua aplicação prática” (INPI, 2013). Foram realizadas várias

modificações no texto desde 1883 através de seis revisões ao longo do século XX,

sendo elas as revisões de Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925),

Londres (1934), Lisboa (1958) e a última de Estocolmo (1967). O Brasil aderiu à

revisão de Estocolmo somente em 1992. De acordo com Blume e Pedrozo (2008), a

revisão de Haia (1925) foi de grande importância para os tratados internacionais,

pois foi onde se definiram com clareza os objetos passíveis de proteção pela

propriedade intelectual. O inciso 2 do artigo 1º da Convenção de Paris diz que:

“A proteção à propriedade intelectual tem como objeto as patentes de

invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as

marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial

e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem

como a repressão da concorrência desleal” (Convenção da União de Paris

para a proteção da propriedade industrial. Revisão de Estocolmo, 1967.

Grifo nosso).

O acordo estabelece, em linhas gerais, as diretrizes a serem adotadas pelos

países signatários na regularização e no registro da propriedade de marcas,

invenções, e toda forma de propriedade intelectual existente, descrevendo inclusive

9    

os prazos e procedimentos burocráticos aplicáveis para o registro de tais processos.

Empreende, portanto, um esforço de internacionalizar a questão do registro e

regulação da propriedade intelectual entre as nações interessadas, tendo em vista

que até o momento, quaisquer bens de propriedade intelectual originários de um

determinado país poderiam ser apropriados por outro, sem que isso representasse

uma atividade ilícita frente à comunidade internacional.

No entanto, o documento ainda não define de maneira suficientemente clara e

abrangente os objetos dos quais se propõe a tratar. Blume e Pedrozo (2008)

destacam que a importância da Convenção é justamente a inserção da temática no

campo jurídico, abrindo caminho para o surgimento de uma legislação específica.

Segundo os mesmos autores, na França a discussão sobre as questões relativas à

coibição da falsa procedência é bastante anterior à Convenção, sendo que no país

já existiam leis que traziam esta temática à tona desde o séc. XVIII.

A Convenção de Paris estabelece um acordo multilateral onde cada registro de

marca, patente, ou indicação de proveniência ou denominação de origem, deve ser

realizado pelo país requerente em cada uma das nações signatárias. Este

procedimento se dá de maneira semelhante, ainda nos dias de hoje.

Outro acordo internacional que versa sobre o tema, e que de certa maneira

derivou das discussões presentes na Convenção de Paris, é o Acordo de Madrid

para a Repressão às Falsas Indicações de Origem de Produtos, que data de 14 de

abril de 1891, onde o Brasil é também um de seus signatários originais. Gontijo

(2005:18) chama a atenção para o fato de que o Brasil historicamente sempre

esteve ligado às questões referentes à propriedade intelectual. O autor, ao traçar um

histórico do posicionamento do Brasil frente ao debate do tema, destaca que um

alvará de D. João VI datado de 28 de Janeiro de 1809 fez do Brasil o 4º país do

mundo a emitir uma lei que trate da propriedade industrial, logo após a França

(1791), Estados Unidos (1790) e Inglaterra (1623).

O Acordo de Madrid para a Repressão às Falsas Indicações de Origem de

Produtos é um acordo aberto para os membros da Convenção de Paris, e que

propõe sanções e ações cabíveis no caso de produtos que venham a ser

comercializados com falsas indicações de origem. Dentre as ações são possíveis a

apreensão do produto, ou mesmo a proibição da importação, nos termos do que

coloca o tratado.

10    

Existem ainda outros acordos dos quais o Brasil não é signatário, como por

exemplo o Acordo de Lisboa para a Proteção às Denominações de Origem e seu

Registro Internacional (1958). O Acordo de Lisboa também é um acordo aberto para

todos os membros da Convenção de Paris, que tem como principal objetivo a

manutenção de um sistema que permita, por meio de um único registro junto à

Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI2, a proteção de

denominações de origem nos países membros do acordo. Dessa maneira, não é

necessário que o país detentor da denominação de origem geográfica do produto

tenha de registrá-lo em cada uma das nações com as quais estabelece relações

comerciais, que é como ocorre com o Brasil e com os países regidos pela

Convenção de Paris.

A Resolução nº 78/2009 da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual –

ABPI, no entanto, expõe um parecer contrário à adesão do Brasil no Acordo de

Lisboa, tendo em vista alguns pontos, sendo os principais:

1) A legislação brasileira, conforme detalharemos mais a frente, divide as IG’s

em duas modalidades: as denominações de origem, e as indicações de procedência.

A proteção dada pelo Acordo de Lisboa é voltada apenas para as denominações de

origem, não contemplando as indicações de procedência;

2) Até o momento da publicação da resolução, não havia nenhuma indicação

geográfica no Brasil na modalidade denominação de origem;

3) O Acordo prevê o prazo de um ano para que o país recém signatário, aceite

ou não todas as denominações de origem registradas no presente Acordo, tendo de

oferecer justificativas em caso de negativas. Neste caso o INPI teria, no

entendimento da ABPI, um prazo relativamente curto para examinar todas as 813

denominações de origem protegidas pelo acordo até aquele momento, e notificar

eventuais recusas totais ou parciais.

                                                                                                                         2  Agência  associada  à  Organização  das  Nações  Unidas  –  ONU,  que  administra  e  regulamenta  as  questões  relacionadas  à  propriedade  intelectual  no  âmbito  do  comércio  internacional.  http://www.wipo.int  -­‐  Acessado  em  10  de  Fevereiro  de  2015  

11    

Estes debates denotam o caráter essencialmente estratégico das Indicações

Geográficas no plano do comércio internacional, onde determinados

posicionamentos costumam ter uma justificativa de caráter econômico e geopolítico.

Gontijo (2005) expõe que no ano de 1975 a OMPI planejava uma revisão da

Convenção de Paris, tendo como base um documento preparado pela ONU em

1964, por iniciativa do governo brasileiro. Tal revisão visava modificar o tratamento

dado aos países em desenvolvimento, no plano dos direitos de propriedade

intelectual, sobretudo no que tange os registros de patentes. Entretanto, por

possíveis manobras diplomáticas e políticas, notadamente por parte dos Estados

Unidos, segundo o autor, a revisão foi rejeitada, sendo que a partir deste momento

começou-se a executar a transferência do tema da propriedade industrial para o

âmbito do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), onde as nações

desenvolvidas possuíam maior poder de persuasão (GONTIJO, 2005:19).

O Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT (General Agreement on Tariffs

and Trade) foi um acordo internacional que surgiu no pós 2ª Guerra, em princípio,

com um caráter temporário, até que se consolidasse, então, a chamada

Organização Internacional do Comércio – OIC.

De acordo com Lampreia (1995) o GATT surge em 1947, na forma de um

conjunto de normas e concessões, que tinham como objetivo combater práticas

protecionistas e liberalizar o comércio internacional, através da revisão das tarifas

aduaneiras. Com o fracasso da criação da OIC, o GATT foi durante cerca de 40

anos o acordo que regulou praticamente todas as questões relativas ao comércio

internacional.

Ao longo do século XX o acordo foi sendo atualizado através de negociações

multilaterais, realizados em encontros chamados de “Rodadas”. Não cabe aqui tratar

do histórico, tampouco dos detalhes de cada uma das rodadas de negociação do

GATT, sendo pertinente apenas destacar sua última e mais importante (e também

mais extensa) rodada: a Rodada Uruguai (1986-1994).

A Rodada Uruguai trouxe como principal resultado a criação da Organização

Mundial do Comércio – OMC, além de incorporar o próprio GATT, juntamente com

outros diversos acordos, à sua seara, todos ratificados pelos países membros na

Conferência de Marraqueche em 1994. Ao todo, a Rodada Uruguai delineou dez

acordos que hoje tramitam no âmbito da OMC e que versam sobre temas como a

12    

agricultura, subsídios e medidas compensatórias, ou comércio e serviços. Para o

tema deste estudo, são de especial importância as definições encontradas no

Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao

Comércio, conhecido como Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual

Property Rights).

O Acordo TRIPS atualmente é o que norteia a definição formal de indicação

geográfica no campo jurídico. O Decreto Federal 1.355/94 trata de incorporar os

resultados da Rodada Uruguai ao espectro jurídico brasileiro. No seu Art. 22

encontramos a seguinte definição do que seriam as indicações geográficas:

“Indicações Geográficas são, para os efeitos deste Acordo, indicações que identifiquem um produto como originário do território de um Membro, ou região ou localidade deste território, quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica”. (BRASIL. Decreto No 1.355, de 30 de Dezembro de 1994).

Através desta definição emerge uma noção permeada por conceitos geográficos

(território, região, local) – portanto - diferente do que ocorrera anteriormente nos

demais acordos e convenções, onde se verifica uma noção geralmente vaga, e sem

uma definição clara do que seriam as Indicações Geográficas. Este histórico serviu

para melhor compreender o desenrolar do tema, visto que sua produção acadêmica

(sobretudo dentro da Geografia) é bastante reduzida. Dado o caráter recente de uma

formalização jurídica mais clara no Brasil, sendo que a primeira IG registrada data

do ano de 2002 (Vale dos Vinhedos - RS), é plausível à ausência de estudos mais

aprofundados neste campo. Os próprios impasses vislumbrados no campo jurídico,

e os diversos acordos sobre o tema que ora se sobrepõem, ora se complementam,

mostram que o assunto ainda terá uma longa discussão a ser desenvolvida. A fim de

fornecer uma organização mais tópica do exposto até aqui, são destacados a seguir

os principais marcos regulatórios que dizem respeito às indicações geográficas no

Brasil:

• 1883: Convenção da União de Paris

Primeiro tratado internacional sobre a questão da propriedade intelectual,

sendo o Brasil um dos signatários originais.

13    

• 1891: Acordo de Madrid para a Repressão às Falsas Indicações de Origem de Produtos

• 1923: Decreto 16.254/1923 – Diretoria Geral da Propriedade Industrial

Primeiro texto legal a tratar explicitamente da questão da propriedade

industrial no Brasil. Menciona apenas a ‘repressão às falsas indicações de

proveniência’.

• 1934: Decreto 24.507/1934 – DNPI - Departamento Nacional da Propriedade Industrial

Versa sobre a criação do Departamento Nacional da Propriedade Industrial -

DNPI. Não reconhece ainda as Indicações Geográficas (Indicação de Procedência/

Proveniência e Denominação de Origem) como temas do campo da propriedade

industrial.

• 1945: Decreto Lei 7903/1945 - Código da Propriedade Industrial

Este Decreto Lei consiste numa primeira tentativa de formalização jurídica das

questões referentes à propriedade industrial no Brasil. Amplia e define com mais

clareza o conceito de indicação de proveniência, exigindo o requisito da notoriedade,

ou do conhecimento do lugar. Tenta ainda distinguir, (de maneira um pouco confusa)

os conceitos de indicação de proveniência – mero nome geográfico – e de

procedência - que constitui um direito de exclusividade.

• 1970: Lei Federal 5.648/1970 – INPI

Cria o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que tem como

principal atribuição o registros de marcas, desenhos industriais, programas de

computador e topografias de circuitos, indicações geográficas, concessões de

patentes e averbações de contratos de franquia, e modalidades de transferência de

tecnologia.

• 1971: Lei 5.772/ 1971 – Novo Código da Propriedade Industrial

Em 1971 é redigido um novo Código da Propriedade Industrial, que não traz

grandes mudanças no que tangem as IGs, a não ser a substituição definitiva do

14    

termo proveniência pelo termo procedência, anteriormente usados sem distinção.

Esta Lei foi revogada pela Lei 9.729/1996 - Lei da Propriedade Industrial.

• 1994: Decreto 1.355/1994 - Acordo TRIPS da Rodada Uruguai de negociações do GATT

Este Decreto ratifica as decisões que constam na Ata Final que incorpora aos

Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT,

assinada em Maraqueche, em 12 de abril de 1994.

• 1996: Lei 9.729/1996 - Lei da Propriedade Industrial

Trata de regular os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial no

Brasil. Descreve os procedimentos, deveres e direitos relacionados ao registro de

patentes, desenhos industriais, marcas e indicações geográficas. Descreve ainda as

penas previstas para o uso de falsificações, enquadradas como sendo formas de

concorrência desleal.

• 2001: Decreto 4.062/2001 - Indicação Geográfica Cachaça

Este Decreto Federal trata de definir as expressões "cachaça", "Brasil" e

"cachaça do Brasil" como indicações geográficas nacionais, estando o uso dessas

expressões restritas aos produtores estabelecidos no país. Em seu art. 1º dispõe

que:

Art. 1o O nome "cachaça", vocábulo de origem e uso exclusivamente

brasileiros, constitui indicação geográfica para os efeitos, no comércio

internacional, do art. 22 do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de

Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, aprovado, como parte

integrante do Acordo de Marraqueche, pelo Decreto Legislativo no 30, de 15

de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto no 1.355, de 30 de

dezembro de 1994. (BRASIL. Decreto 4.062/2001)

15    

1.2. Sobre as Indicações Geográficas: conceitos e definições no Brasil e no mundo

Tratando agora de definir o que seriam as Indicações Geográficas, pode-se

dizer - de maneira bastante genérica - que atualmente consistem em um sistema de

proteção jurídica sobre o nome de um local que identifique um produto originário de

uma dada região ou território3, e que possua qualidades ou reputação associadas à

referida área geográfica, bem como a um ‘saber-fazer’ local. Segundo Nierdele

(2010) as IGs podem ser concebidas como uma forma de qualificação que enfatiza o

enraizamento sociocultural do produto no território onde é produzido. O

reconhecimento de uma indicação geográfica implica assim - teoricamente - numa

estreita relação de identidade e tradicionalismo entre o topônimo local e o produto

designado por este.

Para Fernandez (2012), as indicações de origem geográfica surgiram como uma

forma de proteger os produtores da apropriação do nome de origem de seus

produtos e, atualmente, têm sido utilizadas para evitar a “industrialização” do savoir-

faire (saber-fazer) dos produtos que carregam especificidades locais, sejam de

produção, cultura, matéria-prima ou fatores humanos.

Cabe aqui detalhar a extensa heterogeneidade na utilização dos termos que

designam aquilo que, por força dos tratados internacionais, convencionou-se chamar

indicação geográfica. Tanto na literatura acadêmica, jurídica ou jornalística, assim

como nos textos normativos, ao considerarmos os países europeus e os Estados

Unidos, vemos a indefinida utilização dos termos denominação de origem,

denominação de origem controlada, indicação de proveniência, indicação de

proveniência geográfica e indicação geográfica, todos tratando da mesma temática,

embora cada qual se adequando à realidade do contexto local.

Ainda que existam acordos internacionais que tentem equiparar o tema

terminologicamente, cabe a cada país adequar as definições e a legislação à sua

própria realidade. Diversos autores, tais como Nierdele (2009) e Porto (2007),

destacam como a percepção extremamente abrangente e genérica que se dá às

indicações geográficas dentro do campo jurídico internacional precisa ser

                                                                                                                         3 No que tange os conceitos de ‘região’ e ‘território’ foram consideradas para este estudo as discussões presentes em Haesbaert (2010), sobretudo aquelas presentes no Cáp. 3 – Região numa “constelação” de conceitos: espaço, território e região.

16    

constantemente reavaliada sob as circunstâncias da dinâmica local em que se

insere.

Blume e Pedrozo (2008) relatam que desde 1992 há um esforço por parte da até

então Comunidade Econômica Europeia - CEE em desenvolver uma normativa

comum para os países membros, no que tange a questão da origem e qualidade dos

produtos agroalimentares. A fim de que isto se efetive, a legislação europeia

unificou a questão sob a forma de 3 certificados distintos: a Denominação de Origem

Protegida (DOP), a Indicação Geográfica Protegida (IGP) e as Especialidades

Tradicionais Garantidas (ETG).

De acordo com os autores, a DOP – Denominação de Origem Protegida se

define como a referência ao nome de uma região, de um lugar, ou em casos

excepcionais, de um país, e designa um produto agrícola ou alimentar originário

deste. O produto em questão deve ter suas qualidades ou características

fundamentalmente ou exclusivamente associadas ao meio geográfico, bem como

aos fatores naturais e humanos, sendo obrigatório que a produção, a elaboração e a

transformação do produto se efetivem dentro da região delimitada.

A IGP - Indicação Geográfica Protegida, semelhante à DOP, faz referência ao

nome de uma região, lugar, ou país (em casos excepcionais), e designa um produto

agrícola ou alimentar originário deste. Porém, ao menos a transformação e/ou a

elaboração e/ou a produção devem ser obrigatoriamente realizadas na região

delimitada, ao invés da obrigatoriedade para todas as etapas como na DOP. No

caso da IGP, o produto pode se beneficiar no caso de ser dotado de boa reputação

tradicional.

Por fim a ETG – Especialidade Tradicional Garantida, como o próprio nome já

indica, tem como objetivo certificar bens produzidos a partir de matérias-primas,

composições ou modos de produção tradicionais, porém sem fazer menção ao local

de origem.

Considerando o contexto do mercado europeu, onde a discussão acerca dos

dispositivos jurídicos para proteção da origem de produtos encontra-se muito mais

avançada do que no Brasil, destaca-se que o sistema de proteção francês foi um

dos mais importantes e antigos sistemas no mundo para coibir o uso da falsa

indicação geográfica. A Appellation d’Origine Contrôleé, como é designada a

indicação geográfica dos produtos franceses, surgiu como um mecanismo de

17    

proteção para os produtores franceses de vinho, que desde o séc. XVIII já

sinalizavam a preocupação com as questões relativas à qualidade e a definição de

origem de seus produtos. (BLUME e PEDROZO, 2008).

No direito brasileiro o conceito de indicação geográfica não é claramente

definido dentro dos termos jurídicos, sendo que a única referência oficial ao tema

que é a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) apenas divide a IG em dois

tipos específicos de proteção: (a) a Indicação de Procedência; e (b) a Denominação

de Origem.

A Indicação de Procedência - IP de acordo com o que preconiza o art.177 da

Lei 9.279/96 é definida como:

“(...) o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço”. (BRASIL. Lei Federal 9.279 de 1996)

Pode ser entendida como uma simples referência ao lugar de fabricação de um

produto que tenha se tornado conhecido por tal produção, não sendo obrigatório que

as características ou a qualidade do produto estejam ligadas fundamentalmente ou

exclusivamente ao lugar em que foi produzido. O conceito de Indicação de

Procedência - IP se assemelha, portanto, ao conceito de IGP da União Europeia (já

exposto anteriormente), embora a Indicação de Procedência se mostre mais

genérica, ao não abordar explicitamente a questão da tradicionalidade ou reputação

do produto.

Já a Denominação de Origem – DO, de acordo com o Art. 178 da lei citada é

definida como:

“(...) o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos”. (BRASIL. Lei Federal 9.279 de 1996)

Dessa maneira, prevê uma certificação que leve em consideração a qualidade

do produto ou serviço, tendo suas características atribuídas a fatores naturais e

humanos específicos do local. Porém, diferente do que define a Denominação de

Origem Protegida – DOP europeia, não delimita que as etapas de produção,

transformação e elaboração sejam obrigatoriamente efetivadas na região delimitada

18    

pelo instrumento normativo. A seguir, a lei 9.729/1996 em seu Art. 182 apenas cita

que o uso da indicação geográfica (IP e DO) é restrito aos produtores e prestadores

de serviço estabelecidos no local. Destaca ainda a exigência, em relação às

Denominações de Origem, ao atendimento de requisitos de qualidade. A lei, no

entanto, não define quais seriam estes requisitos, cabendo ao INPI – Instituto

Nacional da Propriedade Industrial a responsabilidade pelo registro das Indicações

Geográficas no país.

Importante salientar como a partir destes marcos legais, emerge a noção de

um dado ‘meio geográfico’, que condiciona as especificações, e em alguns casos, a

validade de uma Indicação Geográfica. Veremos mais a frente como essa ideia de

meio geográfico que permeia a definição do objeto com o qual trabalhamos se

relaciona com certa racionalização do espaço, por intermédio não só das normas,

como também das técnicas.

No Brasil o órgão responsável pelo registro, análise e deferimento ou

indeferimento dos pedidos de indicação geográfica é o INPI – Instituto Nacional da

Propriedade Industrial. Criado pela Lei Federal nº 5.648 de 1970, o INPI é vinculado

ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), sendo uma

autarquia federal responsável pelo “aperfeiçoamento, disseminação e gestão do

sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual

para a indústria” (INPI, 2014). O objetivo principal do INPI seria, portanto, o de

normatizar e regular a questão da propriedade industrial dentro do país.

Entre os serviços que o INPI dispõe, para além das indicações geográficas

que são objeto deste estudo, estão: os registros de marcas, desenhos industriais,

programas de computador e topografias de circuitos, concessões de patentes e

averbações de contratos de franquia, além de modalidades de transferência de

tecnologia.

Entende-se como marca segundo o INPI (2014), todo sinal distintivo,

visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como

certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações

técnicas. Ainda de acordo com o INPI (2014), a marca registrada garante ao seu

proprietário o direito de uso exclusivo no território nacional em seu ramo de atividade

econômica. Ao mesmo tempo, sua percepção pelo consumidor pode resultar em

agregação de valor aos produtos ou serviços.

19    

Para Fernandez (2012) as indicações geográficas são signos que buscam

exprimir valores de origem, levando ao consumidor a informação do local de onde

este produto foi elaborado. A partir disto, é possível pensar que a certificação de

indicação geográfica, em certa medida, se assemelha com a ideia de marca, sendo

que a IG vai um pouco além deste conceito, pois não só é um sinal distintivo do

produto, como também assegura, teoricamente, que determinado produto ou serviço

tenha uma origem geográfica garantida em termos legais, e que esta origem lhe

agrega alguma qualidade de natureza material (qualidades físico-químicas

exclusivas) ou imaterial (notoriedade, tradição, saber-fazer, etc.).

Vale lembrar que a marca faz referência a uma certificação de propriedade

individual, sendo que a indicação geográfica se trata de uma propriedade coletiva,

onde se pressupõe a organização de uma associação de produtores. O Quadro 1.2-

1 a seguir mostra as principais diferenças entre os sistemas de proteção de marcas

e de indicação geográfica.

Quadro 1.2-1 – Diferenças entre o sistema de proteção marcas e de indicação

geográfica.

Atributo Sistema de Proteção

Marcas Registradas Indicações Geográficas

Identificar Identificar a manufatura Identificar o lugar de origem.

Intenção Refletem a criatividade humana.

Refletem o clima, o solo e outras características do

ambiente.

Propriedade de Direito Propriedade Exclusiva de um único produtor.

Propriedade do Estado ou para-estatal sob o interesse de todos

os produtores da área.

Meios de Proteção Empresas protegem a marca

com ajuda de leis: sem a intervenção pública.

Agências Públicas protegem as IG’s, algumas vezes isto é

dificultado pela multiplicidade de produtores.

Transferibilidade As marcas podem ser vendidas por licença.

IG’s não podem ser vendidas por licença.

Registro Declaração própria: não é

necessária reputação para o registro

Registro por autorização pública: exigida a reputação

Custos Altos para pequenos produtores.

Baixo para pequenos produtores.

Extensão da Proteção Sem proteção contra as modificações ou traduções.

Proteção para as modificações e traduções

Conflitos Não podem incluir as IG’s, pois

os consumidores podem se enganar.

Podem coexistir com as marcas e certificações coletivas

20    

Duração Marcas são permanentes

conforme existência de seus proprietários.

Continuam por um longo tempo enquanto as condições não

mudam. Fonte: Adaptado de Blume e Pedrozo (2008). Traduzido de Josling (2006).

A partir desta análise comparativa entre as principais definições existentes para

a Indicação Geográfica, se faz possível inferir que o sistema tem como objetivo

principal - tanto no âmbito da legislação brasileira, como da legislação europeia -

criar uma identidade para determinado conjunto de produtos e serviços,

estabelecendo uma ligação entre suas características e sua origem geográfica. Em

termos econômicos gerais e estratégicos, a certificação de uma IG para uma dada

região tem, essencialmente, o objetivo de criar uma escassez virtual do produto em

questão, gerando assim um mercado exclusivo, além de ser uma ferramenta de

acesso a novos mercados, conforme aponta Nierdele (2009; 2010).

21    

1.3 As Indicações Geográficas Brasileiras

De acordo com a relação disponível no portal do INPI na internet4, até outubro

de 2014 o Brasil contava com um total de 49 indicações geográficas registradas no

país, onde 41 correspondiam a certificados para produtos nacionais, e 8 de produtos

estrangeiros. O Quadro 1.3-1 ao final deste item enumera cronologicamente as

indicações geográficas para produtos brasileiros. Podemos ainda somar a esta lista,

a própria indicação geográfica para o nome “cachaça” dada pelo Decreto nº

4.062/2001.

Observando o quadro notamos que a maior parte dos registros concedidos se

refere a produtos agroalimentares com certo grau de manufatura, como bebidas em

geral (vinhos e aguardentes), bem como itens de produção agrícola, tais como arroz

e café. No caso deste último, caberia até mesmo pensar uma possível contradição,

ao considerarmos que o Brasil é conhecido por ser o maior produtor e exportador de

café do mundo na forma de commodity, ao mesmo tempo em que lhe são

concedidos selos que reforçam as características e qualidades específicas do local

de origem para o café de regiões brasileiras, conforme aponta o trabalho de Cogueto

(2012).

Um ponto de partida para uma possível explicação à contradição apontada pela

autora aparece em termos econômicos relativamente simples. Em artigo de um

portal especializado no mercado de café5, são reforçados os melhores retornos

financeiros obtidos pelos cafés ditos especiais, produzidos em diferentes regiões do

Brasil; em detrimento do café vendido na forma de commodity, onde o país é muito

mais conhecido pela quantidade do que pela qualidade de seus cafés. De acordo

com o artigo “finalmente os produtores domésticos de diferentes regiões se deram

conta de que, com atenção à qualidade e um trabalho conjunto, poderão entrar com

mais força em um segmento especial”. Esta perspectiva converge com o exposto até

o momento, onde o mecanismo das indicações geográficas possui, eminentemente,

um caráter de posicionamento dentro do mercado internacional, abrindo acesso a

novos mercados para os produtores que buscam esse tipo de certificação. O melhor

retorno financeiro dos produtos especiais, ou exclusivos é ponto comum entre os

produtores que procuram pela proteção da Indicação Geográfica.

                                                                                                                         4 http://www.inpi.gov.br/images/docs/planilha_de_ig__-_14-10-2014.pdf. Acesso em 20 de Dezembro de 2014 5 http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=39097. Acesso em 22 de Fevereiro de 2015

22    

Valente et. al. (2013) descrevem as principais etapas para o reconhecimento de

uma Indicação Geográfica no Brasil, onde é possível destacar de antemão, a

necessidade de organização entre os produtores da região, na forma de uma

associação de produtores; bem como o papel primordial das instituições

governamentais, como as agências locais do SEBRAE e da Embrapa, as

universidades públicas, e as EMATER – Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural no âmbito local e estadual; assim como a atuação do MAPA –

Ministério da Agricultura e Pecuária em âmbito federal.

A resolução nº 75/2000 do INPI é a que define a documentação necessária para

o registro de uma IG no Brasil. O primeiro passo é, portanto, a organização dos

produtores na forma de uma associação legítima. Após isto, os requerentes devem

registrar um pedido junto ao INPI referente ao nome geográfico que deseja registrar,

onde conste principalmente:

• O nome geográfico (lugar, região, território) a ser registrado;

• Uma descrição do produto ou serviço ali desenvolvido;

• Comprovação de legitimidade da associação de produtores;

• Regulamento de uso do nome geográfico em questão;

• Delimitação da área geográfica;

Segundo Valente et.al. (2013) a delimitação da área geográfica costuma utilizar

como base, na maioria dos casos, o próprio zoneamento existente para o(s)

município(s) em questão. Tanto nesta etapa, como na elaboração do regulamento

de uso da IG, há o importante apoio de instituições externas, principalmente

universidades. De acordo com os autores, a grande dificuldade encontrada pelas

associações nesta etapa, é a falta dos assim chamados “elementos geográficos”

bem determinados, referindo-se à falta de estudos mais aprofundados de clima,

relevo e vegetação nas regiões produtoras.

Na legislação brasileira não há nada que diga respeito à procedência da matéria-

prima em uma IG. No entanto, de acordo com a pesquisa realizada pelos autores,

com diversas associações que possuem seus certificados de IG (na modalidade IP e

DO), todas as entidades pesquisadas concordam que a matéria-prima utilizada deva

ser proveniente da região indicada.

23    

A resolução nº 75/2000 do INPI ainda delega aos Ministérios ou às Secretarias

de Estado relacionadas à região que pleiteia a indicação geográfica, a competência

de expedição de um instrumento oficial que delimite a área geográfica em questão,

bem como a função de prestar esclarecimentos adicionais sobre os produtos e

produtores.