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8/6/2019 Feodum http://slidepdf.com/reader/full/feodum 1/3 Universidade Federal Fluminense Departamento de História História Medieval Prof. Mário Jorge I- Características Gerais do Feudalismo (com base em Charles Parain et al. Sobre o Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1978). I.1. forças produtivas cujo nível, natureza e forma de organização fazem com que seja a parcela camponesa familiar a unidade produtiva básica, numa economia predominantemente agrícola, ainda que seja grande o peso da solidariedade aldeã consolidada pela execução de tarefas coletivas; .I.2. relações de propriedade sobre os meios de produção que se caracterizam pela propriedade em vários graus sobre a terra (no caso da Europa, os juristas do séc. XIII distinguiam a propriedade "útil" do camponês e a "eminente" do senhor; esta última exercia-se em vários graus sobre uma mesma terra, em função das relações feudo-vassálicas), e uma propriedade parcial da classe dominante sobre as pessoas dos produtores diretos: mesmo quando estes se tornavam juridicamente "livres", não o eram de fato economicamente, pois o controle majoritário sobre os meios de produção e o controle total sobre o aparelho jurídico-político e ideológico, exercidos pela classe dominante feudal, permitiam o exercício de formas variadas de compulsão; .I.3. os produtores diretos tinham acesso estável aos meios de  produção (em parte propriedade, em parte arrendamento), e portanto só a coação extra-econômica  podia garantir à classe dominante a extração do excedente produzido por eles acima do nível de subsistência, sob a forma da renda feudal (em trabalho e/ou em produtos e/ou em dinheiro); à situação de semiliberdade - de direito ou de fato - e a esta coação extra-econômica através da qual são explorados aplica-se o termo servidão (note-se,porém, que a forma servil de exploração não é uma exclusividade do modo de produção feudal); I.4. dada a configuração das forças produtivas e das relações de produção, existem limites ao grau de mercantilização possível sob este modo de produção: a força de trabalho não pode chegar a ser predominantemente uma mercadoria sem que as relações feudais se desvirtuem; e por desenvolvidos que possam estar o comércio e a circulação monetária sob o feudalismo, só uma parte minoritária da produção global participa dos circuitos de troca mercantil,  permanecendo a maior parte no âmbito do consumo das classes fundamentais da sociedade (senhores feudais e camponeses). II. O Feudalismo Como Regime Político e Sócio-Jurídico (ou Regime Feudal ou Feudalidade, segundo a tradição francesa). . define os laços estabelecidos, no seio da aristocracia, entre senhores ( dominus,  senior ) e vassalos (até o XI, miles; a partir do XII, homo ou vassalus), através do contrato vassálico, do qual resulta uma obrigação de fidelidade recíproca, absoluta e perpétua. . o Cerimonial: constitui-se em 3 atos: A. Homenagem (hominium)- espécie de rito de auto-alienação,  prestar homenagem a alguém é reconhecer-se seu homem. Decompõe-se em 2 elementos: Volo, a declaração de vontade, traduzida em geral por frases análogas a esta: "Sire, eu torno-me vosso homem.";. Immixtio Manuum, essência da cerimônia, quando o futuro vassalo, de joelhos, coloca suas mãos juntas entre as do senhor. Ao final, eventualmente, ambos se unem num beijo (osculum); B. (  fides) ou Juramento de Fidelidade - também constituído em 2 fases: a Promessa, em que o vassalo compromete a sua fé, como nesta passagem de Galbert de Bruges:"...prometo por minha fé ser fiel, a  partir deste instante, ao conde Guilherme, e contra todos e inteiramente conservar-lhe a minha homenagem de boa fé e sem falsidades.";. e o seu Juramento, feito com a mão do vassalo sobre os Evangelhos ou sobre uma relíquia (sacralidade); C. Investidura - sendo dever do senhor (suserano) manter o vassalo, tal dever traduzia-se na concessão do Feudo, traduzido no ritual pela entrega de um objeto simbólico pelo senhor ao vassalo (um ramo, um punhado de terra ou erva, etc.). A princípio, o elemento real dos laços feudo-vassálicos permaneceu o que era sob os carolíngios, "uma tenure concedida gratuitamente por um senhor ao seu vassalo visando assegurar-lhe o seu sustento e permitir- lhe prestar o serviço requerido". No entanto, este elemento real modificou-se: . na terminologia- apesar 1

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Universidade Federal FluminenseDepartamento de HistóriaHistória MedievalProf. Mário Jorge

I- Características Gerais do Feudalismo (com base em Charles Parain et al. Sobre o Feudalismo.Lisboa: Estampa, 1978).

I.1. forças produtivas cujo nível, natureza e forma de organização fazem com que seja a parcelacamponesa familiar a unidade produtiva básica, numa economia predominantemente agrícola, aindaque seja grande o peso da solidariedade aldeã consolidada pela execução de tarefas coletivas; .I.2.relações de propriedade sobre os meios de produção que se caracterizam pela propriedade em váriosgraus sobre a terra (no caso da Europa, os juristas do séc. XIII distinguiam a propriedade "útil" docamponês e a "eminente" do senhor; esta última exercia-se em vários graus sobre uma mesma terra, emfunção das relações feudo-vassálicas), e uma propriedade parcial da classe dominante sobre as pessoasdos produtores diretos: mesmo quando estes se tornavam juridicamente "livres", não o eram de fatoeconomicamente, pois o controle majoritário sobre os meios de produção e o controle total sobre oaparelho jurídico-político e ideológico, exercidos pela classe dominante feudal, permitiam o exercíciode formas variadas de compulsão; .I.3. os produtores diretos tinham acesso estável aos meios de produção (em parte propriedade, em parte arrendamento), e portanto só a coação extra-econômica

 podia garantir à classe dominante a extração do excedente produzido por eles acima do nível desubsistência, sob a forma da renda feudal (em trabalho e/ou em produtos e/ou em dinheiro); à situaçãode semiliberdade - de direito ou de fato - e a esta coação extra-econômica através da qual sãoexplorados aplica-se o termo servidão (note-se,porém, que a forma servil de exploração não é umaexclusividade do modo de produção feudal); I.4. dada a configuração das forças produtivas e dasrelações de produção, existem limites ao grau de mercantilização possível sob este modo de produção:a força de trabalho não pode chegar a ser predominantemente uma mercadoria sem que as relaçõesfeudais se desvirtuem; e por desenvolvidos que possam estar o comércio e a circulação monetária sob ofeudalismo, só uma parte minoritária da produção global participa dos circuitos de troca mercantil, permanecendo a maior parte no âmbito do consumo das classes fundamentais da sociedade (senhoresfeudais e camponeses).

II. O Feudalismo Como Regime Político e Sócio-Jurídico (ou Regime Feudal ou Feudalidade,segundo a tradição francesa).. define os laços estabelecidos, no seio da aristocracia, entre senhores ( dominus, senior ) e vassalos (atéo XI, miles; a partir do XII, homo ou vassalus), através do contrato vassálico, do qual resulta umaobrigação de fidelidade recíproca, absoluta e perpétua.. o Cerimonial: constitui-se em 3 atos: A. Homenagem (hominium)- espécie de rito de auto-alienação,  prestar homenagem a alguém é reconhecer-se seu homem. Decompõe-se em 2 elementos: Volo, adeclaração de vontade, traduzida em geral por frases análogas a esta: "Sire, eu torno-me vossohomem.";. Immixtio Manuum, essência da cerimônia, quando o futuro vassalo, de joelhos, coloca suasmãos juntas entre as do senhor. Ao final, eventualmente, ambos se unem num beijo (osculum); B. Fé

( fides) ou Juramento de Fidelidade - também constituído em 2 fases: a Promessa, em que o vassalocompromete a sua fé, como nesta passagem de Galbert de Bruges:"...prometo por minha fé ser fiel, a  partir deste instante, ao conde Guilherme, e contra todos e inteiramente conservar-lhe a minhahomenagem de boa fé e sem falsidades.";. e o seu Juramento, feito com a mão do vassalo sobre osEvangelhos ou sobre uma relíquia (sacralidade); C. Investidura - sendo dever do senhor (suserano)manter o vassalo, tal dever traduzia-se na concessão do Feudo, traduzido no ritual pela entrega de umobjeto simbólico pelo senhor ao vassalo (um ramo, um punhado de terra ou erva, etc.). A princípio, oelemento real dos laços feudo-vassálicos permaneceu o que era sob os carolíngios, "uma tenureconcedida gratuitamente por um senhor ao seu vassalo visando assegurar-lhe o seu sustento e permitir-lhe prestar o serviço requerido". No entanto, este elemento real modificou-se: . na terminologia- apesar 

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de ter subsistido o termo beneficium, cerca de 900 surgiu e se impôs o termo novo, mais específico, de feudum ou  feodum, no sentido de tenure vassálica; . nas relações entre vassalo e senhor, o laço realtinha-se sobreposto ao laço pessoal. O Objeto da Concessão - em princípio, e acima de tudo, umaterra, de dimensões variáveis. Ainda ligado a ela, o feudo podia constituir-se em direitos imobiliários.Havia ainda os feudos destituídos de base territorial: direito de bannum, feudos ligados a Igreja, feudos"de bolsa ou pensão". Os Efeitos do Contrato - seu caráter é sinalagmático, isto é, fixa direitos edeveres mútuos: . deveres do vassalo: 2 tipos: . obrigações "negativas"; . obrigações "positivas":Ajuda (auxilium)- essencialmente obrigações militares, como a  Host  (serviço militar de longaduração), a Cavalgada (expedição curta) e serviços especializados (guarda do castelo, vigia, escolta) eFinanceiras, em casos específicos, sendo os mais comuns: resgate do senhor, partida para cruzada, doteda filha, armação do filho; Conselho (consilium)- participação na corte e tribunal senhorial. Deveresdo senhor: além das obrigações "negativas", a Manutenção, a Proteção Militar e Judiciária. Quebra doContrato ( felonia): confisco do feudo ou juramento de fidelidade a um suserano superior. .Hierarquia Feudal: pirâmide feudal- no topo, o rei, em seguida os detentores das antigascircunscrições administrativas (duques, condes e viscondes), a seguir os castelões (alcaides, barões) e por fim os cavaleiros. Homenagem lígia- comporta a plenitude das obrigações vassálicas, contra asdemais, simples ou planas.

III. O Feudalismo como Sistema Agrário:. Por volta do ano mil, o regime dominial clássico deu lugar ao senhorio (disseminação do ban e daimunidade), que para comodidade de análise será abordado em suas 3 "faces":A. Senhorio Fundiário - herdeiro, no essencial, da villa carolíngia, preserva a sua estrutura bipartida(reserva e tenures), e mesmo seus métodos de exploração não parecem muito distintos dos do séc. IX: .servidores domésticos formam a "familia", vivendo ainda na mais direta dependência do senhor;domésticos acasados- categoria que parece crescer no período, são ainda domésticos permanentes, noentanto assentados em pequenas tenures, da qual extraem parte de sua subsistência, reforçada pelamanutenção senhorial; . foreiros, devedores de taxas e corvéias- fosse esse ainda o principal recursosenhorial para reforçar o trabalho da equipe de dependentes, considera-se que, no período, as corvéiassão menos pesadas, em menor número e organizadas de forma distinta; . assalariados- categoria que

tende a crescer no período. 2 tipos: . parciais- detentores de tenures bastante reduzidas, deviam aosenhor 1 a 2 dias de trabalho gratuito semanal; no período restante, alugavam seu serviço contrasalário; . contratados temporários para os momentos de pico da atividade agrícola.B. Senhorio Banal - se o senhorio fundiário, e com ele o domínio sobre a terra, exercia-se pelageneralidade dos senhores, o poder sobre os homens era mais restrito, estabelecendo a verdadeiraclivagem no seio da classe dominante, onde os mais altos dignatários lutavam por manter suaexclusividade, fonte de receitas em geral mais lucrativas do que as oriundas do senhorio fundiário,ligadas ao exercício da justiça e ao lançamento de taxas. Exploração indireta: cronologicamente, 1ºelemento na exploração do ban, o domínio sobre os tribunais rurais e a apropriação das multas;Exploração direta: além das banalidades, impostas em fins do XI, como o monopólio da construção e aobrigatoriedade do uso das unidades de exploração do senhor (moinhos, fornos, lagares, etc.), haviamoutras formas, algumas mais antigas, como as "taxas de corpo de polícia montada" e "asilo de cavalos",

requisições de feno e aveia, direitos de asilo, taxas anuais de proteção, corvéias de transporte e lavra,etc. Quanto a TALHA, também de fins do XI, surge como possibilidade de exigir ajuda material aoshabitantes do território, inicialmente eventual e de montante arbitrário. No XII, transforma-se em rendaanual fixa,período em que são fixadas as taxas sobre mercados de aldeia.C. Senhorio Doméstico - também ele importante fonte de receitas, e também reserva de m.d.o.Formado pela "familia", integrava os servos acasados, alguns rendeiros e até camponeses livres, queentravam na recomendação. Deles e de sua prole os senhores podiam dispor inteiramente, exigindoserviços, inclusive legá-los ou vendê-los. Eram seus "homens de corpo", dos quais exigia sobretudoserviços, extorquindo-lhes multas judiciais e taxas diversas: licença para casamento, acrescida da

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"formariage" quando o enlace não se realizava no seio da própria familia; a "mão-morta", taxa detransmissão da herança; ajuda pecuniária.

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