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6 Universidade Cândido Mendes - Instituto a Vez do Mestre DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Fernanda Rodrigues dos Santos Magalhães Orientador: Professor Willian Rio de Janeiro 2007

Fernanda Rodrigues dos Santos Magalhães Orientador ... · 13 5 - Conclusão 6 - Bibliografia 1- INTRODUÇÃO O tema escolhido para a elaboração do presente trabalho foi "A desconsideração

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Universidade Cândido Mendes - Instituto a Vez do Mestre

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Fernanda Rodrigues dos Santos Magalhães

Orientador: Professor Willian

Rio de Janeiro 2007

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Universidade Cândido Mendes - Instituto A vez do Mestre

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

O objetivo do presente trabalho é enfocar a importância da

aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, a fim de

alcançar o patrimônio de terceiros e satisfazer o crédito

trabalhista.

Direito e Processo do Trabalho

Fernanda Rodrigues dos Santos Magalhães

8

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Willian por estar sempre disposto a sanar minhas

dúvidas e por me auxiliar na escolha do tema. Sem seu apoio, não seria

possível a conclusão deste trabalho.

9

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, por me agraciarem com o maior de todos os presentes: a

Educação. Ao meu marido, pelo amor e carinho. Aos colegas Vítor, Mauro,

Maria do Socorro e Janete por participarem comigo deste curso e dividirem

dúvidas e conhecimentos.

10

RESUMO

Na Justiça do trabalho é adotada a Teoria da Desconsideração da Pessoa

Jurídica, a fim de alcançar o patrimônio de terceiros. A matéria é importante,

uma vez que visa proteger a pessoa jurídica de fraude ou abuso de direito

praticado por seus membros que dela se utilizam para que não lhe sejam

imputados nenhum tipo de sansão. Salutar asseverar, que a teoria em

estudo visa desconsiderar a pessoa jurídica em um dado momento, quando

sua autonomia patrimonial e sua personalidade jurídica estiverem servindo

como obstáculo para satisfazer o crédito trabalhista do empregado e não

despersonalizá-la. Quando se desconsiderar a personalidade jurídica, os

atos praticados não são anulados, somente outras medidas são adotadas

para corrigir o que de fraudulento houvesse sido praticado, buscando no

patrimônio da pessoa física o cumprimento da obrigação assumida e não

cumprida. Sua finalidade, pois, é proteger o trabalhador.

11

METODOLOGIA

Em razão de militar diariamente na Justiça do Trabalho, enquanto servidora

pública, de vivenciar inúmeras ações nesta justiça, pesquisar jurisprudências,

conversar com magistrados e observar as sentenças prolatadas, a resposta

que encontro é que a aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa

Jurídica é favorável no sentido de que, o seu mais importante e principal

objetivo é a satisfação do crédito trabalhista.

12

SUMÁRIO

1- Introdução pág.....

2 - Da Pessoa Jurídica

2.1 - Da pessoa jurídica como sujeito de direito

3 - Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica

3.1- Denominação e Conceito

3.2 - Origem da Doutrina da Desconsideração da Pessoa Jurídica

3.3 - Previsão Legal da Teoria da Desconsideração

3.4 - Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica

4 - A Desconsideração da Pessoa Jurídica na Justiça do Trabalho

4.1 - Desconsideração na Justiça do trabalho

4.2 - Legislação Trabalhista

4.3 - Parâmetros de aplicação da Teoria da Desconsideração

4.4- Procedimento Judicial

13

5 - Conclusão

6 - Bibliografia

1- INTRODUÇÃO

O tema escolhido para a elaboração do presente trabalho foi "A

desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho”, assunto de

suma importância no cenário atual do nosso ordenamento jurídico.

Desde a elaboração da CLT em 1943, persiste um problema processual na

Justiça do Trabalho, ainda não solucionado adequadamente: por ser a CLT uma

compilação de leis esparsas há lacunas nos procedimentos processuais

específicos da execução trabalhista.

Aquele que busca a Justiça do Trabalho quer a obtenção concreta e

efetiva do crédito consignado na sentença com o recebimento do respectivo valor

conferido no título, não satisfazendo a mera obtenção de uma sentença ou acordo,

a si favorável.

Alguns institutos de direito material e processual, são utilizados para

alcançar-se a efetividade do crédito trabalhista: a solidariedade e subsidiariedade

passiva, a sucessão trabalhista e a fraude à execução, dentre outros. Contudo,

14

mesmo corretamente utilizados nem sempre encontram no acervo patrimonial do

empregador bens suscetíveis de garantir tais créditos. Diante disso, adota-se na

Justiça do Trabalho a teoria da desconsideração da pessoa jurídica para alcançar

o patrimônio de terceiros.

O “novo” Código Civil deu um novo tratamento ao tema das pessoas

jurídicas, estabelecendo no seu artigo 50, a Teoria da Desconsideração, com

disposições especiais sobre as causas de exclusão dos associados, bem como

quanto à repressão do uso indevido da personalidade jurídica, quando esta for

desviada de seus objetivos sócio-econômicos para a prática de atos ilícitos, ou

abusivos.

O objetivo do presente trabalho é o exame do instituto da

"desconsideração da pessoa jurídica". Trata-se de uma matéria de suma

importância, pois busca proteger a pessoa jurídica de qualquer tipo de fraude ou

abuso de direito praticados por seus membros, que tentam dela se utilizar para

que não lhe sejam imputados nenhum tipo de sanção, uma vez que a pessoa

jurídica é um ente personificado, com existência própria e autônoma.

15

2- DA PESSOA JURÍDICA

2.1- Da Pessoa Jurídica como sujeito de direito

Sujeito de direito é toda pessoa capaz de figurar como titular de direitos e

obrigações. De Plácido e Silva diz ser a personalidade jurídica:

a denominação dada à personalidade que se atribui ou se assegura às pessoas jurídicas, em virtude do que se investem de uma qualidade de pessoa, que as tornam suscetíveis de direitos e obrigações e com direito a uma existência própria, protegida pela lei. 1

A pessoa jurídica é um ente personificado conferido pelo ordenamento

jurídico, com existência própria ou autônoma, com vontade própria e capacidade

de defender seus interesses, sem se confundir com as pessoas naturais que a

criaram. Assim, a personalização ou individualização conferidos às pessoas

jurídicas é legal, jurídico, pois que se funda no Direito, por concessão da lei.

1 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, p.606

16

A personalidade é considerada como um atributo jurídico inafastável e inseparável de todo ser humano dentro da ordem jurídica, não decorrendo do preenchimento de qualquer requisito ou condição, sendo despiciendo se o ser tem consciência dos seus atos ou pode manifestar sua vontade.2

A pessoa natural adquire personalidade jurídica com o nascimento com vida

e somente termina com a morte. Ao nascituro é assegurado seus direitos que

retroagem à data da concepção com o nascimento com vida. Portanto, todo ser

humano enquanto viver é dotado de personalidade e é pessoa natural; “sendo que

esta personalidade, por ser um direito, deve ser reconhecida em qualquer lugar.” 3

Todo ser humano possui capacidade de direito, que é a capacidade de ser

titular de direitos e obrigações. Já nem todos possuem a capacidade de fato,

que é a capacidade de atuar no mundo jurídico, praticando atos, movimentando a esfera jurídica própria, com o escopo de produção de conseqüências jurídicas no conjunto de direitos e obrigações que se é titular, por um ato pessoal e exclusivo ou mediante um representante eleito.4

A capacidade de fato está relacionada com o não reconhecimento ou

restrição da capacidade, devendo em tais casos, a pessoa ser, respectivamente,

representada ou assistida nas relações jurídicas para a garantia da vontade.

Em relação a pessoa jurídica, o início da aquisição de sua personalidade se

dá com a inscrição dos atos constitutivos no registro que lhe é peculiar. A

capacidade de exercício da pessoa jurídica está vinculada na relação jurídica com

2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil I, p. 199. 3 Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 6º. 4 MOTA PINTO, Carlos Alberto. Teoria Geral do Direito Civil, p. 192.

17

determinada pessoa, em concreto, segundo definição e previsão de seu estatuto

constitutivo e que agirá, portanto, não em nome próprio senão revelando o ente

coletivo protegido.

Assevera MOTA PINTO que:

a atribuição de personalidade jurídica é voltada a determinadas organizações, de caráter duradouro, constituídas por um agrupamento de pessoas ou um conjunto predeterminado de bens, voltados à realização de fins comuns e próprios.5

Porém, não basta a integração da vontade coletiva dos participantes e a

observância dos requisitos legais para a formação ou criação da pessoa jurídica, é

necessário ainda uma prévia autorização da autoridade pública, bem como a

liceidade de seus fins. É o que reza o artigo 45 do Código Civil.

Tanto a pessoa jurídica como a pessoa física, possuem personalidade

jurídica em virtude da lei, decorrente de técnicas jurídicas. Assim, o homem só

adquire personalidade, como já explanado, com o nascimento com vida em virtude

de uma norma legal; e a pessoa jurídica, formada por um agrupamento de

pessoas naturais para um determinado objetivo lícito, comum e determinado, com

responsabilidade distinta de seus sócios, também só possui personalidade em

face de técnica utilizada pelo Direito. “Como criação da vontade da lei a pessoa

jurídica reflete uma realidade, mas uma realidade do mundo jurídico, e não da vida

sensível”.6

5 MOTA PINTO, Carlos Alberto. Teoria Geral do Direito Civil, p.267. 6 COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica, p. 24.

18

O instituto da pessoa jurídica foi criado para dar autonomia, e também,

limitar a responsabilidade das pessoas que lhe deram origem. Entretanto, a função

pela qual a pessoa jurídica foi criada pode ter sua finalidade desviada, surgindo

assim, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica da Pessoa

Jurídica, como meio de reagir a esse desvio.

Desta forma, o Direito estabelece um regime jurídico próprio determinando

a independência e autonomia de todos os atos praticados pelas pessoas jurídicas

em relação aos seus sócios ou membros. Assim, a responsabilidade pelos atos

praticados pela pessoa jurídica é exclusiva desta, não podendo ser imputado aos

sócios; os direitos e deveres, assim como as obrigações contraídas pela pessoa

jurídica não se confundem, nem aproveitam e nem prejudicam os sócios e, por

fim, a garantia de cumprimento das obrigações está restrita ao patrimônio em

separado da pessoa jurídica, incomunicável com o patrimônio dos sócios ou

membros.

19

3- TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA

3.1- Denominação e conceito

São várias as denominações dadas à teoria da desconsideração da pessoa

jurídica, sendo as principais: disregard of legal entity, piercing the veil, lifting of the

corporate entity, teoria da penetração ou teoria do disregard doctrine.

DALLEGRAVE NETO define a disregard doctrine como:

sendo a desconsideração, episódica e relativa, da personalidade jurídica da sociedade devedora como forma de executar diretamente os bens dos sócios que a compõe, sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo à satisfação de créditos de terceiros.7

Diz, ainda, o Professor Casillo que:

20

basicamente os partidários da teoria da desconsideração, afirmam que, quando a forma da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica é utilizada com o intuito de fugir às finalidades impostas pelo Direito, deve ser, então ‘desconsiderada’, ou melhor, não deve ser levada em conta sua existência, para, na decisão do caso que lhe é apresentado, o julgador decidir como se, na espécie, a pessoa jurídica não existisse, imputando as responsabilidades aos seus sócios ou, mesmo, se escondido sob a forma daquela primeira. 8

Essa doutrina pretende penetrar no âmago da sociedade, superando, ou

desconsiderando sua personalidade jurídica, para atingir a responsabilidade do

sócio que por trás dela se esconde.

A desconsideração não busca a anulação da personalidade jurídica em toda sua extensão, mas apenas declará-la ineficaz para determinado efeito, em virtude de seu uso ter sido desviado da sua legítima finalidade, ou para prejudicar credores ou terceiros, ou ainda para frustrar a lei (...).9

Trata-se, na realidade, de uma desconsideração para um caso específico,

em que tenha havido fraude ou abuso de direito, cometidos por meio da

personalidade da sociedade.

Além disso, a desconsideração pressupõe a boa-fé dos credores e a

ocorrência de prejuízos decorrentes da impossibilidade de o patrimônio da

sociedade cobrir todas as obrigações, não visando acabar com a separação da

personalidade da pessoa jurídica da dos sócios, mas para funcionar como um

meio para a sociedade atingir somente aqueles atos sem comprometer a validade

do seu ato constitutivo. Portanto, visa à desconsideração, e não a desconstituição

7 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p.297. 8 CASILLO, João. Desconsideração da Pessoa Jurídica, Revista dos Tribunais – 528, outubro de 1979, p.24. 9 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. In: Aspectos modernos de direito comercial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 74.

21

ou despersonalização, uma vez que esta anula a personalidade da pessoa

jurídica.

3.2- Origem da Doutrina da Desconsideração da Pessoa Jurídica

Trata-se de uma teoria surgida na Inglaterra. A primeira aplicação de que se

tem registro foi, ainda no século XIX (1897), pela justiça inglesa, quando um

empresário, o comerciante Aaron Salomon constituiu uma empresa, atendendo

aos requisitos para estar legalmente constituída, tendo como sócios minoritários

sua esposa e seus cinco filhos, ficando ele com vinte mil ações e os demais, cada

qual com uma única ação. Era, portanto, o que se chama hoje de sociedade

fictícia, uma vez que, na prática, somente havia um sócio. Aaron constituiu um

crédito privilegiado para si mesmo. Recebeu uma grande quantia em dinheiro e

tornou a companhia insolvente, sem patrimônio para satisfazer as obrigações por

ela contraídas, nada sobrando para os credores. O liquidante dos credores

quirografários, ao perceber esta situação, alegou que a atividade da empresa se

confundia com a atividade pessoal de Aaron, que permanecia como principal e

privilegiado credor da Company Salomon & Co. Ltda., que usara daquele artifício

para limitar sua responsabilidade pessoal.

22

Os julgamentos de primeira e segunda instâncias condenaram Aaron a

pagar determinado valor aos credores da Salomon & Co. Ltda., desconsiderando a

separação dos patrimônios da pessoa física e jurídica, em virtude da atividade

fraudulenta. Nascia, assim, “a lifting of the corporate entity”. Porém, a terceira

instância, a “House of Lord” reformou as decisões originais, julgando legal o

contrato abusivo por Salomon, mantendo intocável a separação patrimonial.

Mesmo tendo sido reformada pela Câmara dos Lordes, os fundamentos da

decisão de primeira instância causaram reflexos na comunidade jurídica norte-

americana, passando a ser aplicada por construção jurisprudencial nos Estados

Unidos da América a doutrina da disregard of legal entity e daí para o mundo,

principalmente nos países Europeus.

A teoria da desconsideração da pessoa jurídica é fruto de construção

jurisprudencial, pois na Inglaterra o sistema jurídico é o da Common Law, em que

a fonte precípua do direito é o costume, sendo somente posteriormente

aperfeiçoada pela doutrina e, por fim, respaldada na norma legal.

A teoria chegou ao Brasil, em 1969, por meio de Rubens Requião, em

conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.

3.3- Previsão legal da Teoria da Desconsideração

23

Em nosso ordenamento jurídico, como visto, não havia preceito legal que

embasasse a desconsideração da pessoa jurídica, o que levava a que eventuais

decisões nesse sentido recorressem à doutrina como fonte de Direito.

A dificuldade de aplicação e desenvolvimento da teoria em países de

direito escrito, como no Brasil, era muito maior do que na Inglaterra e nos Estados

Unidos, pois nestes países, as decisões reiteradas dos tribunais são verdadeiras

fontes de direito, o que não ocorre naqueles.

Em 1990, o direito positivo brasileiro viu surgir base legal autorizando o

Poder Judiciário a pôr em prática a desconsideração da pessoa jurídica, na defesa

de consumidor que venha a ser lesado em direito seu por procedimento do

fornecedor ( art.28 da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor).

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Bem antes do Código de Defesa do Consumidor, já havia no nosso

ordenamento jurídico, o §2º do art. 2º da CLT e o Decreto-lei n.º 1.736/79, que

responsabilizam, além da pessoa jurídica diretamente envolvida, também ou

alternativamente empresas coligadas ou sócios -dirigentes.

De outra parte, várias outras leis em determinadas circunstâncias já

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aplicavam essa teoria, porém não com a amplitude dada pelo Código de Proteção

e Defesa do Consumidor, como se observa nos seguintes diplomas legais:

a) Lei nº. 4.137/62 (repressão ao abuso do poder econômico), que determina a

responsabilidade dos diretores e gerentes da pessoa jurídica que praticarem

ilícitos previstos na lei (art. 6º);

b) Lei nº. 4.729/65 (lei da sonegação fiscal), que imputa a responsabilidade

penal a todos os que, ligados à pessoa jurídica, tenham praticado ou concorrido à

prática de sonegação fiscal;

c) D. 22.626/33 (lei da usura), que dispõe serem responsáveis os

representantes das pessoas jurídicas que incidirem na prática do delito de usura;

d) Lei nº. 5.172/66, que dispõe sobre a responsabilidade dos diretores,

gerentes e representantes das pessoas jurídicas pelos créditos correspondentes a

obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poder ou

infração da lei ou contrato social;

e) Art. 18 da Lei nº. 8.884/94 ( Lei Antitruste) que reza:

A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

25

e) Lei nº. 9.605/98, art. 4º que dispõe sobre lesões ao meio ambiente, prevendo

que, “ poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade

for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio

ambiente”.

E, finalmente, o novo Código Civil, que registra expressamente em seu art.

50, a teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, dispondo

que:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Portanto, o ordenamento pátrio possibilita a aplicação da desconsideração

da personalidade jurídica, de forma a permitir que recaia sobre o sócio o ônus de

sua conduta gravosa.

3.4- Teoria da Desconsideração da Personalidade da Pessoa Jurídica

26

A pessoa jurídica somente se justifica, enquanto categoria jurídica, na

medida em que se constitui um instrumento de realização do ser humano, pessoa

natural; “existem para e em função do homem (...) como todo instrumento, os

agrupamentos estão a se fazer e refazer pelos homens.”10 Portanto, está em

constante evolução, “sempre buscando a consecução de valores e resultados

proveitosos para toda a sociedade”.11

A função da pessoa jurídica não se restringe somente no aspecto

econômico, deve ser levada também em consideração, a sua função social,

incentivando e direcionando a conduta dos seres humanos.

Os requisitos principais para a possibilidade da aplicação da teoria da

desconsideração da personalidade da pessoa jurídica é a existência desta

personalidade e a responsabilidade limitada das pessoas naturais que a

compõem, que investem uma parcela do seu patrimônio, assumindo riscos

limitados de prejuízos. Assim, somente interessa a esta teoria as pessoas jurídicas

de direito privado, conforme o art. 44 do Código Civil, sendo as mais comuns a

Sociedade Anônima e a Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada.

De acordo com Dallegrave Neto,

só se aplica a teoria do disregard quando existente pessoa jurídica regularmente constituída. Logo, nas chamadas sociedade de fato ou sociedade irregular, não há que se falar em personificação, nem

10 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p.17. 11 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p.16.

27

tampouco aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. 12

Assim, nas hipóteses de sociedade irregular, os sócios responderão de

forma solidária e ilimitada em relação às dívidas das sociedades, ainda que por

fundamento diverso da teoria.

Para a Professora Aldacy Coutinho:

Desconsiderar é desprezar, não levar em consideração, ignorar o princípio da personificação. A pessoa jurídica, como um ente personalizado é desconsiderada, para se atingir a pessoa e o patrimônio dos sócios, ou ainda outras pessoas naturais ou jurídicas, pelos atos praticados pelo ente, com exclusividade ou não, mediante imputação, preservando, de qualquer sorte, a validade dos atos praticados.13

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem o propósito de

impedir que fraudes e abusos de direito, praticados com utilização do instituto da

pessoa jurídica ocorram. Tem ela o objetivo principal de realizar a justiça quando a

personalidade da pessoa jurídica está sendo utilizada como forma de evitar

obrigações legais ou frustrar a lei. Desde as mais simples aos mais sofisticados,

inúmeros são os expedientes de que podem valer-se aqueles que desejam

praticar um ilícito, utilizando-se da separação patrimonial como meio para

conseguir burlar seus credores.

12 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p. 308. 13 COUTINHO, Aldacy Rachid. Invalidade processual: um estudo para o processo do trabalho.

28

Sendo a sociedade o sujeito titular de direitos e devedor das obrigações e

não os seus sócios, os interesses dos credores podem ser frustrados por

manipulações na constituição de pessoas jurídicas ou na celebração dos mais

variados contratos. Assinala Fábio Ulhoa Coelho que:

admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária para coibir atos aparentemente ilícitos. A ilicitude somente se configura quando o ato deixa de ser imputado à pessoa jurídica da sociedade e passa a ser imputado à pessoa física responsável pela manipulação fraudulenta ou abusiva do princípio da autonomia patrimonial.14

A aplicação desta teoria justifica-se apenas na hipótese da personalidade

jurídica autônoma servir de obstáculo à imputação do ato a outra pessoa. Se a

autonomia da empresa não se transforma em impedimento à imputação de

responsabilidade ao sócio ou administrador, não há que se falar em

desconsideração.

A pessoa jurídica deve ser utilizada para fins legítimos, e não para negócios

escusos, situação em que o Judiciário deverá ignorar a pessoa jurídica,

considerando-a como uma associação de pessoas naturais, buscando-se a justiça

e, conseqüentemente o direito, como meio de proteger o próprio instituto da

pessoa jurídica, ou seja, a desconsideração ou penetração permite que o

magistrado não mais considere os efeitos da personificação ou da autonomia

jurídica da sociedade para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o

intuito de impedir a consumação de fraude e abuso de direito cometidos, por meio

29

da personalidade jurídica, que causem prejuízos ou danos a terceiros.

Embora pareça útil a eventual invocação dessa concepção, mesmo fora

dos casos em que a lei ordena, ela só deve ser utilizada em hipóteses

excepcionais, pois, caso contrário, se passasse a ser procedimento rotineiro, iria

negar-se vigência ao princípio da teoria da personalidade jurídica, consagrado no

art. 20 do Código Civil de 1916, segundo o qual a pessoa jurídica tem existência

distinta da de seus membros, acabando por destruir tal instituto.

14 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2, p. 43.

30

4- A DESCONSIDERAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO

4.1- A desconsideração no direito do trabalho

A legislação trabalhista vêm incorporando a doutrina da desconsideração

tanto em face de outras pessoas jurídicas, como são as hipóteses previstas no art.

2º, § 2º da CLT que trata do grupo econômico de empresas, como também nas

hipóteses de fraudes e abusos, como preconizado pelos artigos 9º, 10º e 448 da

CLT.

Nesse sentido é o julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

Desponta na atualidade a força inevitável da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica, aplicável com muito razão de direito à execução trabalhista e consagrada no art. 5º da Lei n.º

31

8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, a qual, pela sua fascinante tese, impõe não sejam considerados os efeitos da personificação para atingir a responsabilidade dos sócios, como conseqüência, se a pessoa jurídica reclamada não dispõe de bens suficientes para a satisfação do crédito trabalhista do exeqüente e restou evidenciado nos autos que o executado-agravante é sócio de fato das reclamadas, porque público e notório que sempre fez parte destas até mesmo em sua administração direta, embora não o fazendo de direito, deve nessa condição responder com seu patrimônio privado pelas dívidas trabalhistas em direta aplicação do princípio aludido. ( TRT 3ª Região, 4ª T., AP 1.277/96, 07.08.96, Rela. Juíza Deocléia Amorelli Dias, LTR, 61-02/264).

Assim dispõe o artigo 2º, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho:

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

As obrigações decorrentes das relações trabalhistas não podem estar

sujeitas ao mesmo tratamento que uma relação de débito e crédito nascida de

uma relação comercial. O credor de verba decorrente de relação de emprego deve

receber uma proteção maior, mais sólida, mais abrangente, já que seu crédito

decorre de todo o seu esforço que se exaure no suor de seu trabalho.

Há uma corrente minoritária que repele a idéia de aplicação da teoria da

desconsideração da pessoa jurídica na hipótese do artigo 2º, § 2º da CLT, dizendo

que neste caso não se trata de fraude ou abuso de direito; que o próprio artigo

afirma a existência de personalidades distintas entre a pessoa jurídica e a pessoa

32

física; e, por fim, trata-se de “responsabilidade civil com responsabilização

solidária das sociedades pertencentes ao mesmo grupo”.15

Porém, a maioria da doutrina entende que é plenamente possível a

aplicação da desconsideração, uma vez que a fraude e o abuso se caracterizam

pela dissimulação do grupo pela empresa contratante, prejudicando o empregado

que deixa de executar todos os responsáveis; a CLT reconhece e afirma a

existência de personalidades jurídicas distintas, o que vem reforçar a idéia da

aplicação da teoria da desconsideração; e, que o art. 2º, § 2º da CLT

não versa sobre responsabilidade civil, uma vez que não tem por escopo imputar ao agente a reparação de ato ilícito, mas desconsiderar o véu da pessoa jurídica do empregador aparente (empresa contratante) para penetrar no verdadeiro empregador (o grupo econômico), atingindo o patrimônio dos membros que o compõem (demais empresas integrantes do grupo econômico).16

Marçal Justen Filho observa que a desconsideração da personificação

societária é não apenas admitida como é postulada pelo direito do trabalho. O

direito privado, notadamente o comercial:

regula a conduta inter-subjetiva a partir de um enfoque do proprietário, enquanto o direito do trabalho fá-lo a partir de um ângulo do empregado. Ou, em termos distintos, a proposta ideológica do direito do trabalho é privilegiar sempre, os valores do empregado, enquanto a proposta ideológica do direito privado é privilegiar, sempre, os valores do proprietário. O que se conclui é que basta a possibilidade do sacrifício de uma faculdade assegurada ao trabalhador para que se produza a

15 SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Brasileiro, p. 112. 16 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p. 317.

33

desconsideração. (...) Pode-se reconhecer, assim, que o pressuposto da desconsideração da pessoa jurídica, no direito do trabalho, é o abuso. O fim perseguido pelo direito do trabalho é, então, tutelar os interesses do trabalhador. Como esse fim é, digamos assim, o fim último, nenhum poder jurídico é reconhecido como exercitável para frustrar sua consecução. A nenhum propósito pode admitir-se que se realize outro fim. A desfunção não é admitida, pelo direito do trabalho, em termos de perecimento do direito do empregado.17

É possível entender que o sócio, relativamente aos créditos trabalhistas, é

sempre responsável quando estes compromissos não são honrados pela pessoa

jurídica. Essa responsabilidade objetiva é regra na Justiça do Trabalho. Assim,

havendo prejuízo efetivo do credor, o qual se presume com a simples insuficiência

de bens da sociedade, o desvio da pessoa jurídica se caracteriza.

Para Aldacy Coutinho,

a despersonalização é a desfunção da pessoa jurídica que importa em um sacrifício de direitos ou faculdades, ainda que nenhum dano efetivo se caracterize, e não um instrumento indenizatório pela prática de atos ilícitos ou lícitos gravosos.18

Assim, todos os atos praticados serão preservados, apenas sendo

substituída a imputação aos sócios, que garantirão com o patrimônio pessoal o

adimplemento das obrigações.

Neste sentido é a ementa da Juíza Yone Frediani:

17 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, p. 104. 18 COUTINHO, Aldacy Rachid. Invalidade processual: um estudo para o processo do trabalho.

34

Constitui princípio informador do direito do trabalho que o empregado não sofre os riscos da atividade econômica e, em não havendo bens que suportem a execução forçada, os sócios responderão pelos débitos trabalhistas da empresa com seus patrimônios particulares. Sobre esta matéria, realça Arion Sayão Romita que a limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a proteção que o direito do trabalho dispensa aos empregados, pois, verificada a insuficiência ou impossibilidade de execução do patrimônio, os bens dos sócios individualmente considerados, porém, solidariamente, ficarão sujeitos à execução, ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados. (Mandado de Segurança, TRT-SP 24294-P)

Assim, a partir do artigo 50 do atual Código Civil, a aplicação deste instituto

é mera invocação do artigo 8º da CLT que estabelece que “o direito comum será

fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com

os princípios fundamentais deste”.

4.2- Legislação Trabalhista

A utilização de sociedades com a finalidade de contornar a lei e prejudicar

terceiros tornou-se freqüente, principalmente face a grave crise econômica, que

tem arrastado empresas a insolvência e transformado grande contingente de

trabalhadores em desempregados. É fato notório que em inúmeros casos pode-se

constatar ocorrências de fraudes praticadas por sócios, dirigentes, com vistas à

35

burla de credores trabalhistas. Em tais casos, a aplicação da teoria da

desconsideração torna-se imperiosa.

O Direito do Trabalho, ancorado no princípio maior da tutela do empregado,

apresenta diversos dispositivos que procuram amparar os direitos do trabalhador.

Além do já citado artigo 2º, §2º da CLT, podem ser também citados os artigos 10 e

448 da CLT, que resguardam os direitos do trabalhador pouco importando as

alterações na estrutura da empresa (princípio da continuidade); a solidariedade é

encontrada também no artigo 3º, §2º da Lei 5.889/73 (empresas rurais

constituídas em grupo econômico); artigo 455 da CLT, sobre responsabilidade

sucessiva, subsidiária em contrato de subempreitada; o artigo 16 da Lei n.º

6.019/74 (que responsabiliza de forma subsidiária a empresa tomadora do serviço,

“no caso de falência da empresa de trabalho temporário”) e, ainda, o artigo 8º da

CLT, que permite o uso do direito comum como fonte subsidiária.

Na responsabilidade passiva solidária, o credor pode exigir de um, alguns ou

de todos os devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum, conforme dispõe o

artigo 275 do Código Civil. Na responsabilidade passiva subsidiária, “o credor tem

uma ordem de preferência para exigir o débito, sendo acionado o responsável

subsidiário somente no caso de insolvência do responsável principal”.19

O artigo 2º, §2º da CLT, é exemplo de responsabilidade solidária de

empresas, quando da ocorrência do grupo econômico para fins trabalhistas. Para

que seja aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica nesta

19 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p. 320.

36

hipótese, “é necessário que a responsabilidade seja ampla, ou seja, passiva e

ativa”.20 Assim, o grupo econômico será considerado um empregador único para

efeito de relação de emprego, importando em unicidade contratual, isto é, os

períodos prestados pelo empregado para duas ou mais empresas do grupo se

somam, ele é devedor de seu trabalho para todas as empresas do grupo e não

apenas àquela que registrou sua carteira de trabalho.

Esta responsabilidade é ampla, porque quando o legislador quis limitá-la,

considerando-a como apenas passiva, ele assim fez de forma expressa, como no

caso do trabalhador rural, disposto no artigo 3º, §2º da Lei 5.889/73. Assim, para

estes trabalhadores rurais não se aplica a teoria da desconsideração, uma vez

que se trata de mera responsabilidade solidária passiva.

Assim dispõe a Súmula n.º 129 do Tribunal Superior do Trabalho:

A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.

Neste ponto vale ressaltar que, a execução dos bens dos sócios podem se

dar através da teoria da desconsideração da pessoa jurídica como pela teoria da

ultra vires societatis. Apesar da grande semelhança existente, ambos institutos

não se confundem.

20 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p. 323.

37

A teoria do ultra vires decorre da responsabilidade civil do sócio-

administrador ou sócio-gerente que viola a lei, o contrato ou o estatuto. A

responsabilidade recai sobre o sócio que praticou o ato ilícito, condenando-o ao

ressarcimento do prejuízo. O que não ocorre na teoria da desconsideração. Nesta,

não é imputada responsabilidade civil ao agente causador do ato ilícito, mas será

declarada a ineficácia momentânea da pessoa jurídica que foi utilizada de forma

indevida, desviada de sua finalidade, prejudicando, desta forma, terceiros e

credores. A desconsideração ocorre quando não se respeita o princípio da

separação patrimonial entre pessoa jurídica e pessoa natural, uma vez que

possuem personalidades distintas.

Se o patrimônio da sociedade, que também responde pela dívida no caso,

não é suficiente para satisfazer os credores, desconsidera-se a sua personalidade,

para considerar o ato abusivo como ato do sócio, sendo esse responsável pelas

dívidas.

“No ultra vires há um agere contra legem; violação direta da lei pelo sócio.

No disregard há um fraus legis; uso dissimulado da lei pela sociedade”.21

No âmbito trabalhista, em que predomina o princípio da proteção ao

empregado, basta a insuficiência de bens da sociedade devido ao desvio de sua

finalidade, frustrando os créditos trabalhistas, para a aplicação da teoria da

desconsideração. Mesmo tratando-se de responsabilidade ilimitada e solidária,

esta será sempre subsidiária, uma vez que os sócios só responderão pela dívida,

21 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p. 327.

38

depois de esgotados os bens da sociedade. Se o crédito trabalhista tiver origem

na violação da lei, do mandato ou do estatuto, por qualquer dos sócios, enseja a

aplicação da teoria da responsabilidade civil (ultra vires), onde a responsabilidade

será sempre solidária.

Os artigos 10 do Decreto n. 3.708/19 (legislação que trata da sociedade por

quotas de responsabilidade limitada), bem como o artigo 158 da Lei n. 6.404/76

(lei que trata das sociedades anônimas), prevêem a responsabilidade do sócio-

gerente em relação aos excessos por eles cometidos. Pela análise destes

dispositivos, observa-se que os atos cometidos pelos sócios “em excesso de

mandato e em violação da lei, do contrato ou estatuto” são inválidos perante a

sociedade. Quem irá responder pessoalmente solidária e ilimitadamente são os

próprios sócios perante a sociedade e terceiros.

Insuficiência de bens da sociedade. Alcance de bens particulares dos sócios. Viabilidade. Não sendo encontrados bens da sociedade por quotas de responsabilidade limitada e à falta da nomeação, pelos sócios, de bens livres e desembaraçados da sociedade, na mesma comarca, que sejam suficientes para pagar o débito, autorizado está o Juízo da execução a determinar a apreensão de bens particulares dos sócios ( art. 596, §§ do CPC). Respondem, neste caso, pela execução os bens particulares dos sócios, pois condenação judicial, na reclamação, faz presumir que o sócio praticou atos, em nome da sociedade, em prejuízo de terceiros (art. 10 do Decreto n. 3.708/19, além de atrair aplicação do art. 316 do Código Comercial). Agravo de petição do embargante de terceiro a que se nega provimento. ( TRT 15ª Região, 2ª T. Ac. N. 34.646/98, Rel. José Antônio Pancotti, DJSP 28.09.98, p. 151).

4.3- Parâmetros de aplicação da Teoria da Desconsideração

39

Vigora no processo do trabalho, o princípio da despersonalização do

empregador, o qual não se confunde com o princípio da desconsideração da

pessoa jurídica. Naquele princípio, há a desvinculação do empregado da pessoa

física ou jurídica do empregador, com sua vinculação à empresa, independente

das alterações na estrutura jurídica desta. É o que dispõe os artigos 10 e 448 da

CLT.

No Brasil, empregador vem definido em lei como sendo a “empresa”, que é

um ente personalizado; porém, respeitando-se sempre o princípio da

despersonalização do empregador.

O fundamento de despersonalizar o empregador é justamente o de

proteger o contrato de trabalho e os direitos adquiridos do empregado. Assim, o

sucessor, ainda que de boa-fé, sempre responderá pelos créditos trabalhistas,

inclusive com seu patrimônio particular, ainda que referente ao período anterior à

alienação da empresa de responsabilidade do sucedido. Da mesma forma, ocorre

no desaparecimento da empresa que transfere para o ex-sócio a responsabilidade

integral pelos débitos trabalhistas constituídos e reclamados antes do seu

desligamento da sociedade. Porém, nada impede que o sucessor ou o ex-sócio

de boa-fé acionem ação de regresso contra aquele que agiu de má-fé.

Em tal sentido temos as seguintes ementas:

40

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o princípio, segundo o qual a alteração da estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados, consagrado no art. 10 da CLT, autoriza o juiz a responsabilizar qualquer dos sócios pelo pagamento da dívida, na hipótese de insuficiência do patrimônio da sociedade, além de que a jurisprudência desta Corte Superior, assentada, em tais teoria e princípio, é no sentido de que, se a retirada do sócio da sociedade comercial se verificou após o ajuizamento da ação, pode ser ele responsabilizado pela dívida, utilizando-se para isso seus bens, quando a empresa de que era sócio não possui patrimônio suficiente para fazer face à execução sofrida.

TST, ROMS n.416.427, 3ª Região, SDI-II, proferida em 21.11.2000 e publicada no Diário de Justiça de 2.2.2001, p.488, Partes: Moshé Gruberger (Recorrente) e Vilmar de Castro Cardozo e EMIT – Estruturas, Montagens e Instalações Técnicas Ltda. (Recorridos), e Juíza Presidente da 1ª JCJ de Congonhas (Autoridade Coatora). Relator: Ministro Francisco Fausto.

O propósito do legislador, através de normas regulamentadoras da sucessão (arts. 10 e 448 da CLT), foi assegurar a intangibilidade dos contratos de trabalho firmados pelo antigo empregador, garantindo sua continuidade. Em conseqüência, impõe a lei, com respeito aos contratos de trabalho existentes na parcela transferida da organização empresarial, sua imediata e automática assunção pelo adquirente, a qualquer título. O novo titular passa a responder pelos efeitos presentes, passados e futuros dos contratos que lhe foram transferidos, em decorrência das disposições legais. Em suma, a sucessão de empregadores, no Direito do Trabalho, tem fundamento em três princípios desse ramo jurídico especializado: no princípio da intangibilidade dos contratos firmados, no da continuidade do contrato de trabalho e no da despersonalização do empregador. (TRT 15ª Região, 5ª T., Ac. N. 44.960/98, Rel. Luís Carlos Cândido da Silva, DJSP 12.01.99. p. 42).

Em seara trabalhista, a execução invade o patrimônio particular do sócio e

também daquele que já se retirou da sociedade, pelo princípio da não imputação

dos riscos do empreendimento ao empregado.

A limitação da responsabilidade dos sócios não é compatível com a proteção que o Direito do Trabalho dispensa aos empregados,

41

portanto, diante da ausência de bens da empresa passíveis de penhora, entendo que se impõe a constrição de bens particulares dos sócios. (TRT 12ª Região, 3ª T., Ac. N. 8.353/00, Rel. Juiz Marcus P. Mugnaini, DJSC 05.09.2000, p. 96).

A teoria da desconsideração, não visa “despersonalizar” a pessoa jurídica,

como já dito anteriormente, mas apenas desconsiderá-la em um dado momento,

quando sua autonomia patrimonial e sua personalidade jurídica estiverem servindo

como obstáculo para satisfazer o crédito trabalhista do empregado.

Assim, explica Dallegrave Neto que:

É errôneo se referir ao disregard com as expressões ‘despersonalização da empresa’ ou ‘desconstituição da pessoa jurídica’, até porque o principal benefício de que decorre da aplicação da doutrina é a não extinção ou dissolução da pessoa jurídica quando lesada por um ou mais de seus sócios, sendo que estes responderão pessoalmente pelos prejuízos causados à sociedade e terceiros, mantendo a entidade em pleno funcionamento, evitando, destarte, a dispensa em massa de empregados e não agravando a economia de mercado.22

4.4- Procedimento Judicial

Como já dito anteriormente, para aplicação do disregard, “basta a

insuficiência de bens da sociedade executada para saldar o crédito judicial

trabalhista, autorizando a execução dos bens dos sócios”.23

22 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, p. 330. 23 DALLEGRAVE NETO, Inovações na Legislação Trabalhista, p. 330

42

Em sede de direito do trabalho, em que os créditos trabalhistas não podem ficar a descoberto, vem-se abrindo uma exceção ao princípio da responsabilidade limitada do sócio, ao se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para que o empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados. (TST, ROAR n. 531.680/99, SBDI-II, Rel. Min. Ronaldo José Lopes Leal, DJU 03.12.99, p. 64).

Embora seja a responsabilidade do sócio solidária e ilimitada, ao se aplicar

a teoria da desconsideração, aquela será sempre subsidiária, uma vez que o

artigo 596, §1º do CPC, prevê o benefício de ordem, assim estabelecendo:

Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro executados os bens da sociedade.

§1º Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembaraçados, quantos bastem para pagar o débito.

Assim, os bens dos sócios respondem pela dívida da sociedade, nos

termos da lei, se ele não nomeia bens desta, livres e desembaraçados. Neste

sentido é a ementa:

O sócio de empresa que pretende livrar da constrição judicial o patrimônio particular, deve indicar os bens da sociedade sitos na comarca, livres e desembaraçados, suficientes para a liquidação do débito. (TRT 15ª Região, 1ª T., Ac. n. 22.010/99, Rel. Eduardo Benedito de O. Zanella, DJSP 02.08.99, p. 155).

43

Na execução trabalhista, a Justiça do Trabalho detém o poder de subtrair a

livre disponibilidade do patrimônio do devedor através de seus bens. O art. 591 do

CPC impõe a responsabilidade patrimonial do devedor através de seus bens.

De acordo com os artigos 880 e 882 da CLT, o executado dispõe de 48

horas para pagar a importância reclamada ou, se pretender, garantir a execução,

mediante depósito ou nomeação de bens à penhora.

Desta forma, uma vez desconsiderada a personalidade da pessoa jurídica,

o credor poderá acionar qualquer um dos sócios, ainda que estes tenham agido de

boa-fé, podendo assim, ingressar com Ação de Regresso na Justiça Comum, em

face dos sócios causadores do prejuízo. Isso devido ao fato da teoria da

desconsideração “punir o sócio que se posicionou omisso acerca da fiscalização

no uso desvirtuado da pessoa jurídica da qual era membro, ou, do sócio que não

se mostrou prudente na escolha de seus pares em relação a affectio societatis”.24

O fato de a empresa executada não ter indicado bens à penhora atrai a responsabilidade solidária dos sócios, que devem responder pelo crédito trabalhista com seus bens particulares. (TRT 18ª Região, Ac. n. 2.126/95, Rel. Juiz Macedo Xavier, DJGO 22.09.95, p.22)

Na doutrina da desconsideração, o executado, sujeito passivo, é sempre a

sociedade, a principal responsável pelo pagamento do crédito trabalhista. O

responsável secundário é o sócio, que não é parte no processo. Seu patrimônio

24 DALLEGRAVE NETO, Inovações na Legislação Trabalhista, p. 331.

44

está sujeito à execução e sempre sua responsabilidade será subsidiária, mesmo

naqueles casos onde se expressa solidários, uma vez que os seus bens só serão

executados se a sociedade, não possuir bens suficientes para satisfazer os

créditos trabalhistas. Assim, é a ementa:

Não é exigível a integração do sócio da empresa executada no pólo passivo da ação para que responda ele com seus próprios bens; sua integração posterior decorre da responsabilidade executória secundária (art. 592, II, CPC). (TRT 15ª Região, SE Ac. n. 4342/2001, Relª, Mª. Cecília F. A. Leite, DJSP 30.01.2001, p. 100)

Da mesma forma é a lição consagrada de Arion Sayão Romita:

a limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a

proteção que o Direito do Trabalho dispensa aos empregados;

deve ser abolida nas relações da sociedade com seus empregados

de tal forma que os créditos dos trabalhadores encontrem integral

satisfação, mediante a execução subsidiária dos bens particulares

dos sócios.25

25 ROMITA, Arion Sayão. Aspectos do processo de execução trabalhista à luz da Lei n. 6.830. In: Revista LTR, n. 45-9/1041, 1981.

45

5- CONCLUSÃO

A partir de todo o estudo da teoria da desconsideração para a elaboração

deste trabalho, chega-se a conclusão que não é possível sustentar-se a distinção

clássica entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que dela fazem parte, quando

a forma da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica, é utilizada com a

finalidade de furtar-se às finalidades impostas pelo Direito. Em isto acontecendo, a

personalidade jurídica deve ser desconsiderada para, na decisão do caso que lhe

é apresentado, o julgador decidir como se, na espécie, a pessoa jurídica não

existisse, imputando as responsabilidades aos seus sócios ou, mesmo, a outra

46

pessoa jurídica de que se tenha utilizado ou, mesmo, se ocultado sob a forma

daquela primeira.

Na desconsideração, os atos praticados não são anulados; apenas outras

medidas são tomadas para corrigir e compensar, “distorcer” e desfazer o que de

fraudulento houvesse sido praticado, indo buscar, no patrimônio ou na pessoa

física de quem agira como se a pessoa jurídica fosse, essa compensação ou o

cumprimento da obrigação assumida e não adimplida.

A criação de sociedades personificadas com a finalidade de fomentar o

desenvolvimento de atividades econômicas produtivas, aumentar a arrecadação

de tributos, gerando emprego e expandindo o desenvolvimento social e econômico

das comunidades, não pode servir de escudo para atividades lesivas ao interesse

público e privado e, especialmente, no que respeita ao Direito do Trabalho, onde o

desvio da função da pessoa jurídica se mostra mais nocivo ainda, já que os

créditos detidos por trabalhadores são de natureza reconhecidamente alimentar.

A desconsideração da personalidade jurídica ganhou corpo na doutrina e,

depois através de decisões judiciais, especialmente na Justiça do Trabalho em

razão de sua natureza protetiva ao hipossuficiente. Pela legislação em vigor e pela

Constituição Federal, estaria autorizado o Juiz do Trabalho a desconsiderar a

personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do empregado,

houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou

violação dos estatutos ou contrato social, e desde que reste cabalmente

47

demonstrada a impossibilidade de se executar previamente bens da sociedade,

em face da inexistência dos mesmos.

Além disso, não sendo encontrados bens das executadas suficientes para

garantir a dívida e não tendo a penhora a liquidez necessária para a satisfação do

débito, os sócios são responsáveis pela execução. Assim, já vem sido

amplamente aplicada na Justiça do Trabalho a responsabilidade do empresário,

que deve assumir os riscos de sua atividade produtiva, pois, quando a empresa

não possui condições de suportar a execução, esta deve voltar-se para o sócio

que, relativamente aos créditos trabalhistas, deve ser responsabilizado quando

estes compromissos não são cumpridos pela pessoa jurídica.

O Poder Judiciário deve ter cautela ao autorizar a desconsideração da

personalidade jurídica da empresa, não podendo fazê-lo tão somente em nome da

garantia do direito da parte considerada pela legislação como sendo a mais fraca

da relação jurídica, devendo ser respeitados os princípios do contraditório, da

ampla defesa e o limite do alcance da coisa julgada.

Não se deve admitir que a desconsideração da personalidade jurídica se

torne instrumento nas mãos de julgadores despreparados que, levados ao

exagero, acabem por destruir o instituto da pessoa jurídica, principalmente quando

se verifica a existência de decisões destoantes com a verdadeira teoria da

desconsideração. A desconsideração deve ser sempre a exceção, não a regra.

Em razão de sua finalidade de proteger o trabalhador e da desvinculação

do empregado da pessoa física ou jurídica do empregador, com vinculação à

48

empresa, no direito do trabalho a teoria da desconsideração tem sido

acertadamente aplicada pelos juízes de forma ampla, nas hipóteses de abuso de

direito, excesso de poder, em casos de violação da lei ou do contrato e, ainda, na

ocorrência de meios fraudulentos.

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