6
METROPOLIS 42 13ª Festa do Cinema Francês O evento que anualmente apresenta várias produções do cinema francês procurou resistir à crise apostando, como prometeu, numa programação “ atenta às inquietações e à realidade social”, mas foram as comédias que mais cativaram os espectadores que se deslocaram ao Cinema S. Jorge de Lisboa entre 4 e 14 de Outubro. FESTA DA RESISTÊNCIA

FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

  • Upload
    hakhue

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

METROPOLIS

42

METROPOLIS

42 13ª Festa do Cinema Francês

O evento que anualmente apresenta várias produções do cinema francês procurou resistir à crise apostando, como prometeu, numa programação “atenta às inquietações e à realidade social”, mas foram as comédias que mais cativaram os espectadores que se deslocaram ao Cinema S. Jorge de Lisboa entre 4 e 14 de Outubro.

FESTA DA RESISTÊNCIA

Page 2: FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

METROPOLIS

43

METROPOLIS

4313ª Festa do Cinema Francês

Na apresentação de 2011, era a própria equipa que antecipava que as próximas edições da Festa do Cinema Francês seriam um grande desafio. E não são necessários grandes dotes de predestinação para adivinhar

que foi mesmo isso que aconteceu e que, mantendo os patrocinadores de sempre, as entidades que se reúnem para montar o certame tiveram menos recursos do que nos anos anteriores para desenvolver o seu trabalho. Não obstante, a crise que afecta Portugal acabou por se manifestar da forma que era mais previsível: apesar de algumas sessões mais preenchidas, principalmente quando as propostas eram comédias, a 13ª edição da Festa do Cinema Francês no cinema S. Jorge recebeu menos espectadores. E mesmo entre os que foram, um pormenor ilustrou bem a contenção: o número dos que recuaram quando souberam o preço dos catálogos (dois euros); apesar dos esforços dos funcionários, poucos foram vendidos dentro das salas.

Na verdade, que todas as dificuldades apenas se tenham manifestado junto do grande público no facto de o catálogo que acompanha o certame ter deixado de ser gratuito parece quase um milagre. Pode, por exemplo, dizer-se que a selecção de convidados foi das mais fortes a que já assistimos e a programação, a mescla habitual de títulos cuja exibição comercial está assegurada e outros, bem mais interessantes, que são inéditos (e que a experiência permite afirmar que assim vão permanecer), manteve o nível da que foi apresentada o ano passado ou seja, esteve uns furos abaixo do que desejaríamos (muito por “culpa” precisamente das desequilibradas escolhas das distribuidoras portuguesas). Existiram alguns que claramente se destacaram, como o novo filme de Jacques Audiard, “De Rouille et D´ Os”, um menu de personagens reprimidas que encerrou a Festa e parece título forte para os Óscares, ou as animações “Couleur de Peau: Miel” (de Laurent Boileau e Jung Henin), e “Le Tableau” (de Jean-François Laguionie). E outros que, apesar de algumas fragilidades, nos inquietaram ou comoveram: “Le Fils de L´ Autre” (de Lorraine Lévy), a história de duas famílias, uma palestiniana, outra israelita, que descobrem que os respectivos filhos foram trocados à nascença; “De Bon Matin” (Jean-Luc Moutout), sobre um homem que chega uma manhã ao emprego e desata aos tiros; “Présumé Coupable” (Vincent Garanq), uma crónica impressionante de um trágico processo judicial; ou “L´ Exercice de L´ État” (Pierre Schoeller), que, como o título indica, reflecte sobre o exercício do poder e os respectivos jogos de bastidores que, podemos argumentar, também acabaram por contribuir para a decadência europeia.

Entre os 20 filmes, é natural passarem vários sem deixar grande impacto, mas encontraram-se ainda agradáveis surpresas (“La Pirogue”, de Moussa Touré, “Está no Ar”, Couleur de peau: Miel (2012)

Page 3: FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

METROPOLIS

44

METROPOLIS

44 13ª Festa do Cinema Francês

de Pierre Pinaud, “Um Feliz Evento”, de Rémi Bezançon e, a acreditar no Prémio do Público com que foi galardoado, “Paulette”, de Jérôme Enrico, que inaugurou a Festa mas não tivemos oportunidade de visionar), completas desilusões (“Sur La Piste du Marsupilami, realizado por Alain Chabat, “apenas” o maior sucesso francês de 2012, e principalmente “Indignados”, de Tony Gatlif, uma banal ficção dramática cruzada com as imagens dos protestos que passaram por Espanha, França e Grécia em 2011; sinceramente, preferíamos ter visto o seu trabalho de 2009, “Korkoro”, que parece ser um drama muito mais “digerível”) e alguns testes à paciência (o muito desequilibrado “L´ Art D´ Aimer”, de Emmanuel Mouret, terá sido o maior: com uma concepção cinematográfica na linha do “Descaradamente Infiéis“, só com muito boa vontade pode ser confundido com entretenimento, quanto mais cinema, embora no dia seguinte ouvíssemos quem lhe encontrasse qualidades).

Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar as actuais tendências da indústria cinematográfica francesa, onde é impossível ignorar que os seus grandes sucessos passam pelas comédias, pode dizer-se que a Festa cumpriu a sua missão. Ainda assim, sentimos falta de alguns géneros. Por exemplo, por onde andam os “thrillers”, que o cinema francês sabia fazer tão bem? Gostaríamos muito de ter visto “Rapt”, de Lucas Belvaux (os direitos até já foram comprados para fazer uma versão americana), “Nuit Blanche”, de Frédéric Jardin, ou “L’Assaut”, de Julien Leclercq.

Em 2013, ainda vamos muito a tempo de os ver. À bientôt!

Nuno Antunes

De rouille et d’os (2012) L’exercice de l’État (2011)

Page 4: FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

METROPOLIS

45

METROPOLIS

4513ª Festa do Cinema Francês

O que destaca nesta edição da Festa?O facto de haver uma programação dedicada à crise,

que não é só económica, mas também de valores, família e identidade. Todos os filmes franceses actuais falam um pouco disso e foi algo marcante nesta edição. De formas diferentes, porque podiam ser comédias ou de outro género, mas sempre com essa preocupação no cinema francês.

De que forma a crise se fez sentir na organização e planeamento da Festa?

A esse nível não houve crise, a organização foi muito bem feita, não sentimos crise nesse aspecto. O público estava presente – muito presente – tivemos vários sessões completas. O facto de talvez a selecção ser um eco do que se passa em Portugal fez com que muitos portugueses aderissem.

Em relação ao ano passado, houve maior presença do público?

Ainda não tenho os números definitivos, mas sei que não só em Lisboa, mas também no Porto e em Coimbra, houve mais gente. Correu bem a esse nível.

Qual é o balanço da Festa do Cinema Francês ao longo destes anos?

Cada vez mais tornou-se um evento nacional. Quando começou, há 13 anos, era uma primeira iniciativa e, a pouco e pouco, desenvolveu-se nacionalmente, tendo mais de 30 mil espectadores, o que é algo enorme num país como Portugal. Também porque já há uma cadência ao nível da distribuição em Portugal. Até agora, o cinema americano predominou. O cinema francês tem a sua originalidade e é um cinema que talvez fale de assuntos mais próximos dos portugueses. A França e Portugal são muito próximos culturalmente. É verdade que já há algum tempo o inglês é a primeira língua em Portugal, ao contrário de quando era pequeno e era o francês a língua dominante. Digamos que o cinema hollywoodiano tem meios enormes que permitem fazer uma difusão extremamente forte. Mas agora o cinema francês está outra vez a crescer. Houve

Entrevista aJean-Chretien Sibertin-Blanc

director do Institut Français du Portugal

Parlez-moi de vous (2012)

Page 5: FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

METROPOLIS

46

METROPOLIS

46 13ª Festa do Cinema Francês

uma sala completamente dedicada ao cinema francês, nas Amoreiras, pela distribuidora ZON Lusomundo. Em geral, os distribuidores portugueses estão a querer desenvolver a distribuição do cinema francês. Talvez por isso a Festa tenha crescido ano após ano.

O homenageado deste ano é Olivier Assayas. Porquê esta escolha?

Houve duas homenagens ao Olivier Assayas, que é um realizador extremamente ecléctico, que fala não só de problemas muito modernos mas também de outras questões, como no filme sobre Carlos, o terrorista venezuelano. É um cineasta que apareceu depois da Nouvelle Vague, um bocadinho depois de 1968 e tende a fazer um cinema diferente. Como outros cineastas franceses, é original e não se pode associar a uma corrente, tendo sempre grandes autores nas suas obras. Penso que é um dos maiores realizadores franceses vivos.

E quanto à escolha de Maria de Medeiros como madrinha da Festa?

A Maria de Medeiros é considerada pelos franceses como uma actriz e realizadora portuguesa e pelos portugueses é muitas vezes considerada como uma actriz que foi embora para o estrangeiro. Ela tem essa ligação muito forte com os dois países. Com vários países aliás, porque ela fala várias línguas. Ela faz essa ligação não só ao nível do cinema, mas também culturalmente, sendo uma personalidade emblemática dos laços entre França e Portugal.

Que outras actividades paralelas da Festa salienta?

Organizámos também uma mesa redonda justamente a propósito da crise, “Os Caminhos da Incerteza”. Essa mesa redonda era bastante atípica porque fizemos primeiro a projecção de dois filmes: Indignados, de Tony Gatlif e o documentário de François Manceaux, Portugal, os Caminhos da Incerteza. Depois dessa projecção, fizemos uma mesa redonda bastante interessante com personalidades bastante diferentes, como a historiadora Irene Pimentel, o compositor António Pinho Vargas e o economista Ricardo Paes Mamede. Enfim, personalidades diferentes que não se costumam encontrar. Alargámos a questão do cinema a outros assuntos, porque acho que o papel do cinema é ser uma janela para o mundo. Teve um debate de fundo bastante interessante, não estritamente político, mas também histórico. Penso que o cinema pode ser um ponto de junção, com várias maneiras de pensar. Foi também por isso que organizámos essa mesa redonda.

O filme «O Artista», exibido na edição anterior, foi oscarizado. Espera que algum dos filmes que tenha sido projectado este ano na Festa tenha o

La pirogue (2012)

Le fils de l’autre (2012)

Page 6: FESTA DA RESISTÊNCIA - festadocinemafrances.com · Como a programação da Festa procura, simultaneamente, promover os títulos que já estão comprados para exibição e acompanhar

METROPOLIS

47

METROPOLIS

4713ª Festa do Cinema Francês

mesmo sucesso?Em termos de prémios talvez não mas, por exemplo,

o filme de abertura, «Paulette», que foi uma ante-estreia mundial, teve um sucesso enorme, vimos logo que esse filme vai funcionar de certeza em Portugal. Uma coisa importante é que fazemos a selecção com os distribuidores portugueses, não é só uma selecção francesa. Há ante-estreias com filmes que não são distribuídos, mas outros que já têm distribuidor português, como o caso do «Paulette». Tenho quase a certeza que esse filme vai ter um grande êxito.

Tatiana Henriques

Un heureux événement (2011)

Présumé coupable (2011)

De bon matin (2011)