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FIBRILAÇÃO ATRIAL Introdução A fibrilação atrial é uma taquiarritmia na qual a atividade elétrica atrial é caótica e não acompanhada de contração efetiva. Sua incidência aumenta com a idade, atingindo 0,1% da população na faixa etária de 50 a 59 anos, indo para cerca de 10% na faixa etária de 80 a 89 anos. As principais complicações decorrentes de seu aparecimento são o comprometimento da qualidade de vida, a insuficiência cardíaca e o tromboembolismo sistêmico. Classificação A fibrilação atrial é classificada em forma paroxística, que se manifesta em crises com duração de até 7 dias e que têm reversão espontânea. Na grande maioria dos casos os indivíduos têm coração normal e frequentemente registram-se gatilhos deflagradores, como as ectopias atriais, na sua origem. A forma não paroxística pode ser do tipo persistente, com duração acima de 7 dias até um ano e necessita algum tipo de intervenção terapêutica para normalização do ritmo cardíaco. Esta forma corresponde a 40% dos casos da arritmia na clinica. A forma persistente de longa duração tem as mesmas características exceto que sua duração é maior que 1 ano. A forma permanente é aquela na qual há refratariedade a qualquer forma de tratamento ou, então, sabe-se que a arritmia existe e é decidido pelo médico e/ou paciente pela não intervenção, ou seja, é o ritmo cardíaco aceito tanto pelo paciente

FIBRILAÇÃO ATRIAL

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Aspectos clinicos e terapêuticos atuais sobre a fibrilação atrial.

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Page 1: FIBRILAÇÃO ATRIAL

FIBRILAÇÃO ATRIAL

Introdução

A fibrilação atrial é uma taquiarritmia na qual a atividade elétrica atrial é caótica e não

acompanhada de contração efetiva. Sua incidência aumenta com a idade, atingindo 0,1% da

população na faixa etária de 50 a 59 anos, indo para cerca de 10% na faixa etária de 80 a 89

anos. As principais complicações decorrentes de seu aparecimento são o comprometimento da

qualidade de vida, a insuficiência cardíaca e o tromboembolismo sistêmico.

Classificação

A fibrilação atrial é classificada em forma paroxística, que se manifesta em crises com duração

de até 7 dias e que têm reversão espontânea. Na grande maioria dos casos os indivíduos têm

coração normal e frequentemente registram-se gatilhos deflagradores, como as ectopias atriais,

na sua origem. A forma não paroxística pode ser do tipo persistente, com duração acima de 7

dias até um ano e necessita algum tipo de intervenção terapêutica para normalização do ritmo

cardíaco. Esta forma corresponde a 40% dos casos da arritmia na clinica. A forma persistente

de longa duração tem as mesmas características exceto que sua duração é maior que 1 ano. A

forma permanente é aquela na qual há refratariedade a qualquer forma de tratamento ou,

então, sabe-se que a arritmia existe e é decidido pelo médico e/ou paciente pela não

intervenção, ou seja, é o ritmo cardíaco aceito tanto pelo paciente como médico assistente.

Nas formas persistente e permanente, haveriam modificações estruturais atriais representadas

pela dilatação atrial, além de áreas de fibrose tecidual, que seriam a base do substrato

arritmogênico. Nestes casos, os fatores deflagradores seriam menos importantes como na

forma paroxística, sendo o tecido atrial o principal responsável pelo surgimento e manutenção

da arritmia.

Causas de fibrilação atrial

As causas envolvidas na origem da fibrilação atrial são variadas e dividem-se em dois grupos

(tabela 1): a) a de origem cardíaca; b) de origem não cardíaca. No primeiro caso destacam-se a

hipertensão arterial, pericardite, miocardiopatia dilatada idiopática ou isquêmica, doença valvar

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mitral, particularmente a estenose mitral, pós-operatório de cirurgia cardíaca e a síndrome de

Wolff-Parkinson-White, marca-passo (programação VVI). As causas não cardíacas mais

importantes são a forma idiopática (causa genética – anomalias de canais iônicos atriais), as

causadas por influências do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), refluxo

gastresofágico, a síndrome metabólica (resistência a insulina, hipertensão arterial, apnéia do

sono, dislipidemia e obesidade), além do consumo de drogas (cocaína, maconha), álcool,

pratica de esportes, hipertireoidismo e embolia pulmonar.

Tabela I - Causas de fibrilação atrial

Secundária à Cardiopatia cardiopatia reumática (estenose e insuficiência mitral) hipertensão arterial (hipertrofia ventricular esquerda) insuficiência coronária (isquemia atrial, infarto inferior) pós-operatório de cirurgia cardíaca miocardiopatias (dilatada, hipertrófica) miocardites pericardites

marcapasso (VVI)síndrome de Wolff-Parkinson-White

Originada em coração normal idiopática influências autonômicas (vagal e simpática)

refiuxo gastroesofágicosíndrome metabólica (apnéia do sono, resistência a insulina, obesidade,

dislipidemia) ingestão de álcool

cocaína, maconha simpáticomiméticos (descongestionantes nasais) processos infecciosos (pneumonia, septicemia) prática de esportes

hipertireoidismoembolia pulmonar

Fisiopatologia

Como outras arritmias cardíacas, a fibrilação atrial se origina pela interação de três fatores: a)

presença de um substrato; b) gatilhos, representados por ectopias; c) fatores moduladores, aqui

o sistema nervoso autônomo seria o fator mais importante. O substrato na fibrilação atrial pode

já ser formado pela doença subjacente que afeta as características elétricas e histológicas do

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tecido atrial, facilitando o surgimento de mecanismos reentrantes como base para o

estabelecimento da atividade elétrica desorganizada. Acredita-se que nos casos da forma

persistente e permanente, o substrato arritmogênico seja formado pelas condições

desfavoráveis que afetam o coração. Um exemplo nesta condição seria a hipertensão arterial

que causa hipertrofia ventricular, que se acompanha de distensão atrial e aumento da pressão

atrial retrogradamente, além de causar fibrose tecidual. Todos estes fatores seriam pró-

arritmogênicos nos átrios.

As ectopias seriam originadas particularmente de tecidos extra-cardíacos como as veias

pulmonares, a veia cava superior e o ligamento de Marshal (uma estrutura remanescente da

veia cava superior esquerda). Não se sabe a origem destas ectopias mas uma hipótese por nós

defendida é de que a distensão atrial por qualquer razão, causaria aumento na pressão

intravascular pulmonar e esta, por sua vez, aumentaria a frequência de disparo de

pressoreceptores localizados dentro das veias, forçando aumento da frequência cardíaca para

aliviar a hipertensão pulmonar. A presença destas ectopias poderia causar taquicardias

frequentes que culminariam com o remodelamento elétrico-histológico atrial, colaborando para

formação do substrato arritmogênico. Em indivíduos de coração normal não há ainda uma

explicação para a origem destas ectopias.

E, por fim, a arritmia seria instalada após uma intensificação da atividade autonômica, simpática

ou parasimpática que modificaria o período refratário atrial, facilitando o surgimento de

bloqueios unidirecionais, retardos na condução do impulso de maneira heterogênea, condições

importantes para gerar a reentrada. Há estudos que mostram a necessidade do aumento da

atividade autonômica, tanto sobre o substrato arritmogênico como sobre os gatilhos, para que a

fibrilação atrial surja de maneira sustentada.

Dois conceitos importantes emergem a partir da fisiopatologia da fibrilação atrial. Primeiro a

observação de que episódios intermitentes da arritmia geram mais fibrilação atrial (pela criação

do substrato arritmogênico) e, segundo, que as ectopias deflagradoras originam-se fora dos

átrios e têm papel importante no desencadeamento inicial dos episódios arrítmicos. Estes

conceitos são fundamentais e auxiliam o entendimento da forma de tratar a fibrilação atrial.

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Fatores de risco para origem da fibrilação atrial

O conceito de fator de risco para uma doença implica no fato de que esta possa ser prevenida

se aqueles fatores forem tratados ou eliminados. Esta afirmação é parte de um contexto muito

importante que inclui a prevenção primária da fibrilação atrial. Vários fatores de risco estão

frequentemente associados à fibrilação atrial na maioria dos casos. A hipertensão arterial, com

sobrecarga ventricular e atrial esquerdas, seria um dos mais importantes e frequentes fatores

geradores de fibrilação atrial devido às alterações na arquitetura miocárdica representadas pela

fibrose tecidual. Nesta condição, o sistema renina-angiotensina desempenha um papel

fundamental na formação do processo fibrótico atrial, que visa conter a dilatação atrial quando

há grandes aumentos da pressão intraventricular. Estudos recentes demonstram o papel dos

inibidores da enzima de conversão (IECAs) e também dos bloqueadores de receptores de

angiotensina (BRÁs) na prevenção de fibrilação atrial em populações de hipertensos e aqueles

com insuficiência cardíaca.

A obesidade aumenta o risco de fibrilação atrial em 49% na população geral. Muitos destes

indivíduos são hipertensos ou apresentam apnéia do sono, outro fator de risco importante

associado direta ou indiretamente à arritmia. A prática excessiva de exercícios favorece o

surgimento de fibrilação atrial alguns anos após a interrupção das atividades. A bradicardia pela

atividade vagal maior, a sobrecarga ventricular esquerda e fatores genéticos estariam

envolvidos nesta condição. Processos inflamatórios que se acompanham de elevações dos

níveis plasmáticos de proteína C reativa, causam e mantém a fibrilação atrial em indivíduos

predispostos, enquanto perdurar a agressão cardíaca. A disfunção atrial esquerda causada pela

proteína C, pode ser um fator responsável pela fibrilação atrial em alguns casos. O consumo de

álcool está associado ao maior risco de fibrilação atrial, particularmente quando o consumo é

excessivo. Apesar de haver controvérsias na literatura quanto aos mecanismos envolvidos,

estudos populacionais demonstram a relação inequívoca entre ambos.

A disfunção autonômica é causa de fibrilação atrial em homens e em mulheres. Tanto o vago

como o sistema simpático, causam encurtamento heterogêneo do período refratário atrial o que

facilita o desencadeamento da arritmia. As de origem vagal ocorrem geralmente no período

noturno ou na fase de repouso pós-esforço intenso. As crises geralmente são precedidas por

episódios de bradicardia. As de origem simpática estão relacionadas com estresse ou esforço

físico. É importante na história clínica a identificação do fator desencadeante pois isso pode

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interferir diretamente na forma de tratar. Por exemplo, a utilização de beta-bloqueadores na

fibrilação atrial de origem vagal tenderia a agravar a frequência de crises.

Fatores genéticos ou seja, em indivíduos com história familiar desta arritmia, são responsáveis

pela fibrilação atrial em 30% dos casos,. Os genes KCNQ1 e SCN5A são os mais

frequentemente alterados nesta população. Ganhos de função dos canais de potássio

associam-se a reduções do período refratário atrial cujo resultado é arritmogênico.

Doenças cardíacas como a lesão valvar mitral (tanto a insuficiência como a estenose)

associam-se à fibrilação atrial, quer devido às alterações mecânicas que causam a dilatação

atrial, como também secundariamente aos efeitos diretos sobre o tecido atrial pelo processo

inflamatório que lesa a válvula, como nos processos reumáticos. A fibrilação atrial é sinal de

mau prognóstico em indivíduos que evoluem com insuficiência mitral bem como naqueles com

miocardiopatia hipertrófica. A fibrilação atrial em valvulopatas mitrais afeta negativamente o

prognóstico após a correção cirúrgica valvar. Já 5% de pacientes com estenose aórtica podem

apresentar fibrilação atrial e evoluir com descompensação hemodinâmica grave.

Pela descrição acima fica claro que a fibrilação atrial é uma arritmia de causa multifatorial,

sendo raramente um evento primário. Pode-se ousar afirmar que em muitos casos, a fibrilação

atrial é “sintoma” de progressão de uma doença. Por outro lado, quando se opta pelo seu

tratamento, deve-se identificar as causas e removê-las, se possível, ou tratá-las de maneira

correta. A utilização de somente o antiarrítmico tem grande chance de tornar a terapêutica mal-

sucedida. A utilização de medicação não antiarrítmica tem a função de diminuir a repercussão

da doença na formação do substrato e também de fatores desencadeadores, enquanto que o

antiarrítmico diminui a formação dos gatilhos.

Diagnóstico Eletrocardiográfico

Embora o diagnóstico possa ser suspeitado pela sintomatologia, como surgimento súbito de

palpitações irregulares e fadiga, o eletrocardiograma é o método que confirma. A fibrilação atrial

caracteriza-se pela ausência de atividade elétrica atrial definida, ou seja, ausência de ondas P,

que são substituídas por ondulações irregulares numa frequência rápida (de 400 a 600 bpm),

irregular, de morfologia e amplitude variadas denominadas ondas “f” (figura 1). Estas podem se

manifestar com grandes amplitudes (fibrilação atrial de ondas grossas) ou de baixa amplitude (<

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1mm) conhecida como fibrilação atrial de ondas finas. A amplitude das ondulações não tem

qualquer relação com tipo de cardiopatia, prognóstico, duração da fibrilação atrial ou a presença

ou não de trombos intracavitários. A frequência cardíaca é variável (90 a 170 bpm), na

dependência das condições de condução do nódulo atrioventricular. É comum na fase aguda a

frequência cardíaca ser elevada. Na fase crônica, particularmente em idosos, quando há

acometimento da condução nodal, ou sob a ação de fármacos que controlam a resposta

ventricular, a frequência cardíaca pode ser mais baixa. O mesmo acontece na fase noturna

quando registram-se bradicardias ou até pausas ventriculares de durações variáveis em

decorrência da influência vagal. Estes achados não têm implicações prognósticas quando a

frequência cardíaca é normal na fase de vigília.

Figura 1 – Eletrocardiograma de um paciente de 55 anos com fibrilação atrial. Observe a ausência de ondas P, que são substituídas por ondulações grossas (veja V1), e a intensa irregularidade dos intervalos RR, além de alterações da repolarização ventricular.

Pacientes nos quais a arritmia é paroxística, o diagnóstico dependerá da frequência das crises.

As frequentes podem ser diagnosticadas pelo Holter de 24/48 h, as esporádicas por meio de

monitorizações prolongadas, como o Holter de 7 dias ou o looper-recorder.

Do ponto de vista de história clínica, há referências a palpitações irregulares de inicio súbito

associadas a fadiga ou mal estar intenso. Idosos que antes realizavam atividades rotineiras

sem sintomas, passam repentinamente a queixarem-se de incapacidade e limitação aos

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esforços. Pacientes com a fibrilação atrial persistente e frequência ventricular controlada,

geralmente não referem palpitações, entretanto, queixam-se de fadiga ou fraqueza difíceis de

serem caracterizadas. Na nossa experiência cerca de 21% de pacientes com fibrilação atrial

são assintomáticos e descobrem serem portadores da arritmia quando fazem alguma avaliação

médica.

Complicações Associadas a Fibrilação Atrial

Sintomatologia

Estudos demonstram que pacientes com fibrilação atrial tem qualidade de vida pior que

pacientes sem fibrilação atrial, de acordo com respostas a questionários como o SF36, que

avaliam diversos setores da vida tais como a saúde geral, função física, função social e a saúde

mental. Além disso, testes de caminhada de 6 minutos demonstram que pacientes com

fibrilação atrial têm pior desempenho físico do que aqueles sem esta arritmia. Estes fatos

atestam que a fibrilação atrial é um distúrbio de ritmo que afeta negativamente a vida dos

pacientes acometidos.

Os sintomas na fibrilação atrial são causados pela frequência cardíaca rápida e irregular. As

palpitações são secundárias a taquicardia e diástoles de durações variadas. O cansaço decorre

do aumento da pressão venocapilar pulmonar e, a fadiga, da queda do debito cardíaco. Nos

casos em que o enchimento ventricular depende da atividade contrátil atrial, pode ocorrer

edema agudo de pulmão. A insuficiência cardíaca é secundária à frequência cardíaca rápida e

do quadro miopático ventricular. Por outro lado, pacientes com disfunção ventricular podem ter

o quadro congestivo agravado pela taquicardia.

Pacientes idosos apresentam uma taxa de internação hospitalar superior aos indivíduos mais

jovens quando têm fibrilação atrial. Isso acontece quer seja a fibrilação atrial o diagnóstico

primário do paciente, quer esta arritmia seja secundária a um quadro infeccioso, por exemplo.

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Insuficiência cardíaca

A fibrilação atrial pode se apresentar com frequência cardíaca elevada. As consequências

desse quadro, além da falta da contração atrial, são o encurtamento da diástole e, se a

taquicardia for mantida por longo tempo, há o risco de taquicardiomiopatia, uma forma de

cardiomiopatia dependente de frequências cardíacas persistentemente rápidas. A depleção das

reservas energéticas miocárdicas, seriam as principais responsáveis pela falência ventricular.

Os átrios são responsáveis pelo enchimento final ventricular, contribuindo para a distensão

ventricular e o aumento da sua força contrátil. Na fibrilação atrial há perda da contração atrial e

isso contribui para perda de cerca de 15% do débito cardíaco.Tal perda pode não ter grande

repercussão em pacientes com função cardíaca normal, entretanto, o grau de distúrbio

hemodinâmico se intensifica naqueles em que o enchimento diastólico é dependente da

contração atrial, tal como acontece em idosos, hipertensos ou naqueles com cardiomiopatia

hipertrófica, que já apresentam algum grau de disfunção diastólica.

A atividade atrial rápida e caótica causa um intenso bombardeio de impulsos sobre a junção

atrioventricular. Essa estrutura tem a função de “filtro”, que impede que a atividade elétrica

ventricular acompanhe a atividade atrial numa relação 1:1. Em decorrência de uma complexa

relação entre os mais diferentes graus de penetração do impulso elétrico no nódulo

atrioventricular (também conhecida como condução oculta nodal), ocorrem variações da

frequência cardíaca. As irregularidades da frequência ventricular causam variações do

enchimento cardíaco e sua repercussão correspondente no volume ejetado a cada sístole,

efeito este que colabora para outros 15% extras na redução do debito cardíaco. Diástoles

longas causam grande enchimento ventricular, com grandes volumes ejetados; efeitos opostos

são observados nas diástoles curtas.

Alguns estudos demonstram que pacientes com fibrilação atrial apresentam a atividade

simpática elevada, e tais efeitos são responsáveis pela frequência ventricular rápida. Nessa

condição, a redução do débito cardíaco causada pela perda da contração atrial talvez seja

compensada pelo aumento da frequência ventricular até um certo limite, deixando-o de ser

quando a frequência muito rápida, com diástoles curtas, reduzem o enchimento ventricular e o

volume ejetado.

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Acidente Vascular Cerebral

O tromboembolismo periférico é a complicação mais temida em pacientes com fibrilação atrial.

Essa arritmia é responsável por 45% de todos os casos de embolia de origem cardíaca.

Segundo diversos autores, o cérebro é a região mais frequentemente comprometida (variando

entre 33 e 82% dos casos) em comparação ao tromboembolismo para membros (entre 13 e

38% dos casos) e vísceras (entre 4 e 42% dos casos). O risco de acidente vascular cerebral

aumenta 5 vezes em pacientes com fibrilação atrial; sua incidência aumenta com a idade e a

mortalidade anual chega a 50% dos pacientes acometidos nos Estados Unidos. O quadro mais

grave de acidente vascular isquêmico, identificado pela maior extensão de sequelas, maior grau

de disfunção motora, maior tempo de internação hospitalar e pelo maior risco de óbito, ocorre

em pacientes com fibrilação atrial, em comparação ao acidente vascular secundário, como, por

exemplo, a aterosclerose ou hipertensão arterial. A taxa de recorrências de acidente vascular

cerebral é maior nos pacientes com fibrilação atrial em comparação aos pacientes sem

fibrilação atrial (6,6% vs. 4,4%). A trombose atrial que se forma, principalmente no apêndice

atrial esquerdo, é secundaria a estáse sanguínea local, anormalidades do endocárdio atrial e,

também, por um estado de hipercoagulabilidade peculiar aos pacientes com fibrilação atrial

(tríade de Virchow).

História prévia de acidente vascular cerebral, idade avançada, hipertensão arterial e diabetes

são os mais importantes fatores de risco para o comprometimento cerebral em pacientes com

fibrilação atrial. Estes achados têm sido empregados na atualidade na elaboração de “escores”

de risco para tromboembolismo sistêmico para orientação quanto a anticoagulação preventiva

nestes pacientes, conforme será discutido adiante. Estudos das duas últimas décadas

demonstram que a warfarina diminui de maneira significativa o risco desta complicação

impactante.

Tratamento da Fibrilação Atrial

Devido aos múltiplos aspectos relacionados com a fibrilação atrial, como a qualidade de vida,

insuficiência cardíaca ou ao risco de tromboembolismo sistêmico, discute-se como e por que

tratar estes pacientes e qual seria a terapêutica ideal. Considera-se que raramente esta arritmia

é ameaçadora a vida, como acontece por exemplo com a taquicardia ventricular. Um estudo de

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Framingham, entretanto, demonstrou que o risco de óbito em homens é 50% maior e em

mulheres 90% maior quando têm fibrilação atrial em relação àqueles sem esta arritmia, mesmo

corrigindo-se para outros fatores de risco como idade e presença de cardiopatias. Portanto, no

tratamento de pacientes com fibrilação atrial todos aqueles fatores complicadores devem ser

considerados.

Na pratica clínica consegue-se a abolição dos sintomas com o controle da frequência cardíaca

ou o restabelecimento do rimo sinusal. O mesmo pode-se dizer a respeito da prevenção da

taquicardiomiopatia. O tromboembolismo é prevenido por meio de antiplaquetários ou

anticoagulantes. Se a fibrilação atrial não for tratada logo no seu surgimento, há o risco de

remodelamento atrial e aumenta-se a chance da sua perpetuação. Considerando-se estes

aspectos qual seria a melhor estratégia terapêutica: reversão ao ritmo sinusal ou o controle da

frequência cardíaca ? anticoagulação ou a utilização de antiplaquetários ? Cada uma destas

etapas tem seus riscos e benefícios, como será discutido a seguir.

Restabelecimento do ritmo sinusal

Não há dúvidas de que o restabelecimento do ritmo sinusal melhora a sintomatologia e o

desempenho aos esforços, comprovados pelos testes de qualidade de vida. Por outro lado

pergunta-se: o restabelecimento do ritmo sinusal associa-se a menor taxa de mortalidade ? No

estudo AFFIRM a sobrevida daqueles que evoluíram em ritmo sinusal (independente do braço

do estudo, seja controle de ritmo ou de frequência) foi superior em comparação aos

fibriladores, entretanto, este benefício não era observado quando se considerava a utilização de

fármacos antiarrítmicos na manutenção do ritmo cardíaco normal, indicando deste modo que, a

medicação atualmente empregada não é segura. O estudo DIAMOND, que avaliou a

manutenção do ritmo sinusal em pacientes com disfunção ventricular que tomavam dofetilide

em comparação aos que tomavam placebo, que aqueles que se mantiveram em ritmo normal,

independente do tipo de tratamento (dofetilide ou placebo), que a sobrevida era superior (44%)

em relação aos que se mantinham em fibrilação atrial. Estes dados apontam para a melhora da

sobrevida, com a normalização do ritmo cardíaco, entretanto, cautela deve ser empregada na

forma de como este ritmo é mantido. Muitas vezes a obsessão pelo registro de onda P (que em

outras palavras significaria “tratar o eletrocardiograma”) não justifica os eventuais riscos de um

tratamento mais agressivo em pacientes que poderiam não se beneficiar dele.

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Tanto a cardioversão química como elétrica pode ser considerada quando o ritmo sinusal é o

objetivo terapêutico. Opta-se por esta conduta em indivíduos sintomáticos, nos quais mesmo o

controle da frequência cardíaca não foi suficiente para obtenção da melhora clínica. Outros

critérios de indicação são: fibrilação atrial de início recente; nos casos em que a arritmia têm

causa conhecida; pacientes jovens (idade abaixo de 65 anos); quando há insuficiência cardíaca

desencadeada pela arritmia; quando esta conduta for a preferência do paciente após o mesmo

ter sido informado a respeito do seu quadro clínico. Particularmente nos pacientes com

fibrilação atrial de início recente ou naqueles sem cardiopatia, a não normalização rápida do

ritmo cardíaco pode favorecer a cronificação da arritmia, já que se sabe que a fibrilação atrial

tende a se auto-perpetuar.

TabeLA 2 – Indicações para o restabelecimento ou não do ritmo sinusal

Favorecem o restabelecimento do ritmo sinusal

pacientes sintomáticosfibrilação atrial de início recentefibrilação atrial de causa conhecidapacientes jovensquando há insuficiência cardíaca causada pela arritmiapreferência do paciente

Favorecem o controle da frequência cardíaca

pacientes assintomáticos

idosos (> 65 anos)

impossibilidade de tomar antiarrítmicos para prevenir recorrências

fibrilação atrial com duração acima de 2 anos

refratariedade às tentativas de cardioversão

fibrilação atrial associada a bradicardia

A cardioversão química pode ser obtida com administração oral de fármacos. Na fibrilação atrial

com duração de 7 a 14 dias, em indivíduos com coração normal, pode ser empregada a

propafenona na dose única de 600 mg. A taxa de reversão deste esquema chega a 94%, com

tempo de reversão médio de 113 minutos. Esta conduta deve ser praticada inicialmente em

hospital para se averiguar a segurança e a eficácia do tratamento, antes de ser empregada

ambulatorialmente. A amiodarona por via venosa é outra opção (na dose de 5 a 7 mg/kg), esta

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entretanto demora mais tempo para fazer efeito (cerca de 9 horas) e a taxa de reversão é

comparável ao da propafenona.

A cardioversão elétrica necessita internação hospitalar e monitorização eletrocardiográfica.

Após sedação aplicam-se choques transtorácicos (100 a 200 Joules do choque monofásico ou

50 a 100 Joules do choque bifásico). A taxa de reversão varia entre 85 e 90% dos casos.

Recomenda-se a administração prévia de antiarrítmicos para estabilizar os átrios e diminuir a

possibilidade de recorrência precoce da fibrilação atrial. Após a normalização do ritmo

cardíaco, é fundamental que se mantenha o antiarrítmico para reduzir o risco de recorrências.

Esta é uma das mais frequentes causas de retorno da fibrilação atrial após a cardioversão

elétrica.

Deve-se destacar que tanto a cardioversão química quanto a elétrica deverá ser precedida de

anticoagulação plena, com warfarina, mantendo-se uma taxa de INR entre 2 e 3 por pelo menos

três semanas. Esta conduta poderá não ser adotada nos pacientes cuja fibrilação atrial tenha

duração menor que 48 horas e não seja secundária a valvopatia mitral. A presença de fatores

de risco para tromboembolismo (insuficiência cardíaca, diabetes mellitus, idade acima de 75

anos ou história prévia de acidente vascular cerebral), indica a necessidade absoluta de

anticoagulação eletiva, não importando a duração da arritmia.

A cardioversão poderá ser realizada com auxilio do ecocardiograma transesofágico quando se

pretende tornar mais rápido todo o processo, nos pacientes cuja duração da arritmia for

superior a 48 horas. Se não houver trombos ou contraste espontâneo que ocupe grande parte

do átrio esquerdo, o paciente deverá receber heparina (com tempo de tromboplastina 1,5 a 2

vezes o valor normal) simultaneamente ao anticoagulante e, a seguir, submeter-se a

cardioversão elétrica. A heparina poderá ser suspensa posteriormente somente quando se

atingir a taxa de INR entre 2 e 3. O anticoagulante deverá ser mantido por pelo menos quatro

semanas, quando deverá ser julgada a necessidade de sua manutenção. Neste caso, se

houver risco de recorrências da arritmia e o paciente apresentar fatores de risco para

tromboembolismo, opta-se pela manutenção da anticoagulação por tempo indeterminado. Os

benefícios da anticoagulação, mesmo para os pacientes que se mantiveram em ritmo sinusal,

foram comprovados pelo estudo AFFIRM. Os pacientes que apresentaram acidente vascular

cerebral e que estavam em ritmo sinusal naquele estudo, eram exatamente aqueles que não

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estavam anticoagulados ou estavam fora da faixa terapêutica (INR <2) e que tiveram

recorrência da fibrilação atrial no seguimento clínico.

O restabelecimento do ritmo sinusal poderá ser descartado em pacientes que se apresentam

com fibrilação atrial com resposta ventricular abaixo de 60 bpm; nos pacientes com recorrências

frequentes, refratários aos fármacos disponíveis; em pacientes com fibrilação atrial com

duração acima de 2 anos e, naqueles que não podem tomar ou não toleram medicamentos

antiarrítmicos para prevenir recorrências.

Controle da frequência cardíaca

O controle da frequência ventricular deverá ser sempre tentada inicialmente, mesmo que se

pretenda restabelecer o ritmo sinusal posteriormente. O objetivo desta conduta é aliviar os

sintomas comuns nas frequências rápidas, causar estabilização hemodinâmica e trazer

segurança ao paciente.

No controle a longo prazo, esta conduta está indicada em pacientes assintomáticos, idosos

(idade acima de 65 anos), pacientes que não podem ou não toleram o uso de antiarrítmicos ou

então naqueles que já se mostraram refratários ao restabelecimento do ritmo sinusal. A

frequência ventricular pode ser mantida numa faixa entre 80 e 110 bpm, adequada caso a caso,

sendo avaliada a resposta clínica por meio de anamnese, além de tolerância ao esforço pelo

teste ergométrico, teste da caminhada de 6 minutos ou o Holter de 24 horas. Deve-se ressaltar

que controle da frequência não significa baixar a frequência ventricular mas, sim, adequar a

frequência cardíaca às atividades diárias, sem que isso traga limitações na rotina do paciente.

Os fármacos mais empregados são os beta-bloqueadores, antagonistas de canais de cálcio e o

digital. A associação de digital e beta-bloqueador é a que apresenta a melhor resposta clinica. A

escolha deverá ser baseada em critérios clínicos. Geralmente para pacientes inativos, o digital

isoladamente poderá fornecer bom resultado.

Prevenção de Recorrências

Do ponto de vista clínico a etapa mais importante no tratamento de pacientes com fibrilação

atrial é a prevenção de recorrências. A limitação é a terapêutica ideal a ser escolhida para que

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o ritmo sinusal seja mantido com segurança. Além disso deve ser lembrado que a fibrilação

atrial pode ser a manifestação ou o “sintoma” de várias doenças e que muitos fatores podem

estar envolvidos na sua gênese. Por esta razão, a utilização de apenas um único antiarrítmico

tem grande chance de tornar o tratamento mal sucedido. Sempre que possível identificar o fator

causal e eliminá-lo. Se houve associação com doenças, estas devem ter seu tratamento

priorizado para se diminuir a repercussão do substrato arritmogênico na origem e manutenção

da arritmia. É nesta condição que inibidores de enzima de conversão ou bloqueadores de

receptores de angiotensina devem ser considerados, como em pacientes com hipertensão

arterial ou insuficiência cardíaca. Os diuréticos desempenham função importante quando há

retenção hídrica (a distensão atrial pela hipervolemia é arritmogênica). Estatinas devem ser

consideradas em pacientes com fibrilação atrial do pós-operatório de cirurgia cardíaca ou

quando a arritmia estiver associada a níveis plasmáticos elevados de proteína C reativa. Beta-

bloqueadores são prescritos quando a fibrilação atrial está associada à hiperatividade

adrenérgica; antagonistas de canais de cálcio em casos de fibrilação atrial recorrente, já que o

cálcio tem função importante no remodelamento elétrico atrial. Na maioria das vezes a

identificação da condição clínica de base favorece a escolha do melhor agente farmacológico.

Em situações específicas, o tratamento do refluxo gastresofágico é fundamental, com a

utilização dos inibidores da bomba de prótons. Em pacientes com síndrome metabólica, a

correção dos distúrbios associados, incluindo perda de peso, tratamento rigoroso do diabetes e

da dislipidemia são essenciais para a prevenção das recorrências da fibrilação atrial.

Na escolha do fármaco antiarrítmico, a segurança terapêutica deve ser a primeira variável

considerada. Os efeitos pró-arrítmicos dos medicamentos podem suplantar o eventual benefício

que os pacientes podem ter na manutenção do ritmo sinusal. Na prática, na ausência de

cardiopatias, a propafenona e o sotalol podem ser utilizados com segurança. A amiodarona

seria a opção em caso de falhas daqueles fármacos. Em hipertensos sem hipertrofia ventricular

esquerda, sotalol ou prapafenona estariam indicados. Na presença de hipertrofia, somente a

amiodarona. Em coronariopatas, o agente de escolha seria o sotalol e, em pacientes com

insuficiência cardíaca somente a amiodarona estaria indicada. A figura 2 resume as indicações

terapêuticas para prevenção de recorrências de fibrilação atrial, segundo a sociedade européia

de cardiologia.

Page 15: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Figura 2 – Orientações para a prevenção de recorrências de fibrilação atrial, segundo a sociedade européia de cardiologia. Nesta etapa do tratamento recomenda-se a estabilização do substrato arritmogênico com fármacos não antiarrítmicos. Observe que a indicação dos antiarrítmicos é baseada na presença ou não de cardiopatia. A dronedarona é um fármaco do grupo III ainda não disponível no Brasil.

Na prevenção de recorrências em pacientes com mínima cardiopatia ou doença cardíaca já

estabelecida como causa da fibrilação atrial, deve-se sempre associar o antiarrítmico aos

agentes estabilizadores do substrato, conforme comentado anteriormente (IECA, BRA, estatina,

espironolactona, diuréticos e antagonistas de canais de cálcio ou beta-bloqueadores).

Considera-se que a doença subjacente já seja o substrato que precede a arritmia e como tal

deve ser tratada com vigor.

Prevenção do Tromboembolismo

A prevenção de tromboembolismo sistêmico, particularmente o acidente vascular cerebral, deve

ser o principal objetivo do tratamento de pacientes com fibrilação atrial. O tromboembolismo é a

mais grave complicação nesta população e, conforme comentado anteriormente, o cérebro é a

região mais frequentemente comprometida. O acidente vascular cerebral é a principal causa de

incapacitação precoce e também de óbito. Tipicamente, as lesões cerebrais são mais extensas,

Page 16: FIBRILAÇÃO ATRIAL

os quadros neurológicos são mais graves, de evolução mais arrastada e a taxa de mortalidade

média anual é elevada. Por todas estas razões o tratamento destes pacientes deve ser rigoroso

com a utilização de anticoagulante. Vários estudos demonstram que a warfarina quando

administrada corretamente mantendo o paciente numa faixa terapêutica adequada (taxa de INR

entre 2 e 3) causa redução 68% no risco de complicações embólicas. Esta é a forma de

tratamento que comprovadamente muda a história natural da fibrilação atrial, aumentando a

sobrevida.

A indicação para anticoagulação baseia-se no perfil de risco do paciente. Os principais fatores

de risco para tromboembolismo são a história prévia de tromboembolismo, a valvopatia mitral

reumática e as válvulas mecânicas artificiais. Nos pacientes com fibrilação atrial não valvar, os

fatores de risco podem ser facilmente lembrados pelo acrônimo de cinco letras conhecido como

CHADS: C= insuficiência cardíaca; H= hipertensão; A= idade; D= diabetes; S= ”stroke” ou

acidente vascular cerebral. Para o cômputo da taxa de risco, cada uma das letras CHAD recebe

1 ponto cada e, a letra S, dois pontos (CHADS2). A pontuação menor associa-se ao menor risco

de acidente vascular cerebral (ver figura 3).

Page 17: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Figura 3 – Critério CHADS2, sua pontuação e risco de acidente vascular cerebral. Observe que com o aumento do número de pontos aumenta o risco de tromboembolismo cerebral (Modificado de gabe BF et al. JAMA 2011; 285:2864-2870).

Se o paciente apresentar 2 pontos ou mais está indicado o anticoagulante. Para índices abaixo

de 2 indica-se o ácido acetilsalisílico ou o anticoagulante. Note que mesmo para pontuação

zero no CHADS2 há algum risco de tromboembolismo (1,2%).

Numa reavaliação objetiva daqueles fatores de risco utilizados para a elaboração do CHADS2 foi

demonstrado que alguns apresentavam importância maior que outros e, por esta razão

deveriam ter maior pontuação nos critérios de risco. Isso aconteceu quando se analisou o item

idade acima de 75 anos, que passou a receber dois pontos ao invés de um. Além disso,

observou-se que o sexo feminino e a presença de placas de aterosclerose em vasos tais como

carótidas, aorta, femorais e até coronárias, identificavam fatores de risco adicionais e por esta

razão foram incluídos recebendo um ponto cada. Por esta razão idealizou-se um novo escore

que contempla estes novos fatores, conhecido como CHA2DS2VASc (observe que agora os

principais fatores de risco para acidente vascular cerebral recebem dois pontos: idade acima de

75 anos e história prévia de acidente isquêmico cerebral).

Tabela 2 – Critérios de risco para tromboembolismo cerebral segundo o escore CHA2DS2-VASC, que agora incorpora novos fatores de risco e apresenta pontuação diferente do clássico CHADS2.

Critério CHADS2-VASC Escore de risco

História prévia de AVC 2

Idade > 75 anos 2

Hipertensão 1

Diabetes 1

Insuficiência cardíaca 1

Doença vascular 1

Idade 65 a 74 a 1

Sexo feminino 1

Page 18: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Deve-se destacar que este novo escore de risco não exclui o clássico CHADS2 descrito no

parágrafo anterior. Na verdade este continua sendo empregado normalmente pois identifica

pacientes de alto risco. A grande vantagem do novo escore é a decisão de tratar efetivamente o

paciente que apresenta pontuação menor que 2 no CHADS2 clássico. Nesta condição a dúvida

fica em se anticoagular ou administrar antiplaquetário ou não se fazer nada (caso a pontuação

seja 1 ou zero). Por exemplo, uma mulher de 65 anos, sem outros fatores de risco, segundo o

escore CHADS2 clássico receberia pontuação zero e, deste modo não seria tratada. Entretanto,

se for aplicado o novo escore CHA2DS2VASc ela receberia dois pontos (sexo feminino = 1;

idade entre 64 e 75 = 1) e seria anticoagulada. Com este novo escore de risco pretende-se

identificar os verdadeiros indivíduos de baixo risco, excluindo-os da necessidade de se

anticoagular, muito mais do que incluir os de alto risco para serem anticoagulados (que já

seriam identificados pelo CHADS2). Na prática clínica, a utilização destes critérios pode ser

observada na figura abaixo:

Figura 4 – Algoritmo para utilização do escore de risco CHADS2 para anticoagulação de pacientes com fibrilação atrial. Inicia-se a análise baseado no escore CHADS2 clássico. Se este for igual ou maior que dois pontos, o paciente deve ser anticoagulado. Caso a pontuação seja menor, emprega-se o critério idade. Se este for maior que 75 anos, indica-se a anticoagulação, caso contrário, empregam-se os outros fatores de risco (idade entre 65 e 74 anos; sexo feminino; doença vascular periférica). Na presença de dois ou mais destes fatores, indica-se a anticoagulação. Somente se houver um destes fatores de risco, indica-se preferencialmente o anticoagulante, ou o ácido acetil-salicílico. Se não houver

CHADS2 score ≥2†

Não Sim

Idade ≥75 anos

Não sim

≥2 fatores de risco*

Não Sim

1 outro fator de risco*

Não

Sim

†C= insuficiência cardíacaH= hipertensão, A= idade ≥75 a,

Diabetes, S= AVC/AIT/tromboembolismo

*Outros fatores de risco não maiores clinicamente relevantes: idade 65–74 a, sexo feminino, doença vascular

ACO

ACO(ou AAS)

Nada (ou AAS)

Considerar outros fatores de risco*

Page 19: FIBRILAÇÃO ATRIAL

nenhum dos fatores de risco, preferencialmente o paciente não recebe nenhum tipo de medicamento, antiplaquetário ou anticoagulante.

O grande desafio na clínica é a adequada anticoagulação com a warfarina. Este fármaco sofre

interações com alimentos ou outros medicamentos, além de poder apresentar alterações de

seu metabolismo ou ação, de acordo com aspectos genéticos do paciente, que podem interferir

na taxa de anticoagulação avaliada pelo INR. Por estas razões, o tempo efetivo de manutenção

na faixa terapêutica é baixo, o que aumenta o risco de tromboembolismo. Por outro lado,

elevações excessivas da taxa de INR, nos quais os idosos são mais propensos, pode aumentar

o risco de hemorragia. Além disso, a necessidade de frequentes aferições da taxa de INR,

desmotivam os pacientes tornando-os menos aderentes ao uso do anticoagulante. Na prática

clínica, pacientes de alto risco para tromboembolismo tendem a receber menos o

anticoagulante por todas estas variáveis envolvidas. Por isso é necessário o advento de novos

fármacos anticoagulantes, que não sofrem as interações medicamentosas ou alimentares,

sejam mais seguros e que permitam uma anticoagulação sem a necessidade de avaliações

periódicas do INR. Estarão disponíveis em breve em nosso meio o dabigatran, rivaroxaban e o

apixaban. O dabigatran foi recentemente testado em um estudo multicêntrico (estudo RE-LY)

incluindo pouco mais de 18000 pacientes. Numa avaliação comparativa com a warfarina

demonstrou-se ser tão eficaz quanto esta última (na dose de 110 mg) ou até superior a esta (na

dose de 150 ms) na redução de tromboembolismo sistêmico. Além disso, as taxas de

hemorragia cerebral foram semelhantes (dose de 150 ms) ou até menores que as da warfarina

(dose de 110 mg). Estes achados são a base para a utilização deste novo agente num futuro

próximo no tratamento de pacientes com fibrilação atrial e com risco de tromboembolismo. Nos

Estados Unidos e Europa, o dabigatran já foi liberado para utilização em pacientes com

fibrilação atrial (indicação Classe I, nível de evidência B).

Do mesmo modo que existem critérios identificadores de risco para tromboembolismo

sistêmico, há critérios de maior risco de hemorragia causado pelo anticoagulante (escore de

risco conhecido como HASBLED). È importante salientar que estes critérios não indicam que o

paciente não deva ser anticoagulado mas, sim, em caso de anticoagulação devem ser

reavaliados com maior frequência e orientados para o uso correto do anticoagulante para evitar

esta complicação. A tabela 3 apresenta estes critérios idealizados pela sociedade européia de

cardiologia.

Page 20: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Tabela 3 – Escore HASBLED para avaliar risco de hemorragia causado pelo anticoagulante oral

H hipertensão 1

A função renal e hepática 1 ou 2

anormal (1 ponto cada)

SAVC 1

Bsangramento 1

L INR lábil 1

E idoso (> 65 a) 1

Ddrogas ou álcool (1 ponto cada) 1 ou 2

Pontuação máxima = 9; maior risco de hemorragia, pontuação > 3

Tratamento não Farmacológico da Fibrilação Atrial

O restabelecimento do ritmo sinusal parece ser realmente importante no tratamento de

pacientes com fibrilação atrial. Devido a eficácia da terapêutica farmacológica apenas razoável

na manutenção do ritmo sinusal, além do risco de complicações pró-arrítmicas, novas

alternativas terapêuticas deveriam ser utilizadas. No final da década de 1980, Cox idealizou o

tratamento cirúrgico da fibrilação atrial que incluía uma série de lesões no tecido atrial, com o

objetivo de interromper os circuitos elétricos que mantinham a fibrilação atrial tentando, desta

forma restabelecer o ritmo sinusal. Apesar da satisfatória taxa de sucesso, tratava-se de um

procedimento invasivo com todas as suas desvantagens. Ao longo dos anos foram realizadas

várias tentativas de se reproduzir no laboratório de eletrofisiologia as mesmas lesões realizadas

na cirurgia. O tempo de sala neste procedimento entretanto, era muito prolongado, com

excessiva carga de raios X, desmotivando o seu emprego. Algumas publicações de relatos de

casos feitas por Haissaguerre mostravam o sucesso de aplicações lineares de lesões de

radiofrequência no átrio direito. A melhora dos resultados foi observada quando se aplicaram

lesões também no átrio esquerdo. Melhora ainda mais significativa foi notada quando, após

descobrir-se que ectopias originadas no interior das veias pulmonares eram as principais

causadoras da fibrilação atrial, sua abolição seguia-se de normalização do ritmo atrial. Foi a

partir daí que se idealizou a ablação destes focos ectópicos. Este fato entretanto, acarretava

risco maior de estenose de veias o que fez com que a técnica redirecionasse a aplicação da

Page 21: FIBRILAÇÃO ATRIAL

energia na região antral das veias pulmonares. Esta é a base da técnica utilizada na atualidade

para o tratamento não farmacológica da fibrilação atrial por meio de cateteres, utilizando a

radiofrequência como principal fonte energética.

A indicação da técnica passou da forma paroxística da fibrilação atrial para até mesmo as

formas persistente e a persistente de longa duração e em casos selecionados da forma

permanente. Pacientes com fibrilação atrial associada a insuficiência cardíaca passaram a se

beneficiar do retorno ao ritmo sinusal com melhora extraordinária dos parâmetros

hemodinâmicos, incluindo a fração de ejeção e os volumes diastólicos ventriculares. A técnica

teve sua indicação também expandida ao pacientes idosos, dados os bons resultados obtidos.

Os resultados iniciais apresentavam diferenças significativas na manutenção do ritmo sinusal

em 12 meses de seguimento, em comparação com o tratamento farmacológico, a ponto de ser

discutida até mesmo a indicação da ablação como primeira opção terapêutica da fibrilação

atrial. Embalados pelo sucesso dos resultados e também das baixas taxas de complicação, a

ablação da fibrilação atrial tornou-se quase uma rotina nos grandes centros. Entretanto, ao

longo dos anos perceberam-se que as taxas de recorrências em idosos e em pacientes com

fibrilação atrial de longa duração eram mais altas. Outros estudos começaram a mostrar que

pacientes com insuficiência cardíaca puderam ter algum benefício, mas o risco de complicações

e também de recorrências, eram maiores. Todos estes fatos somados a necessidade de nova

ablação em cerca de 30 a 40% dos pacientes, além de uma taxa de recorrência elevada após 5

anos de seguimento, fizeram com que a ablação na atualidade ficasse restrita a algumas

condições. Pacientes jovens, sintomáticos sem cardiopatias, podem ter a ablação indicada

como primeira opção terapêutica, antes que sejam tentados fármacos antiarrítmicos (figura 5 ).

Segundo orientações da sociedade européia de cardiologia, pacientes com fibrilação atrial

associada a uma cardiopatia devem primeiro submeter-se ao tratamento farmacológico,

antiarrítmico e não antiarrítmico e, em caso de insucesso serem submetidos ao procedimento

ablativo.

Os resultados da ablação com radiofrequência são bons em mãos experientes. A melhora

clinica dos pacientes fica comprovada pelos ótimos resultados dos testes de avaliação de

qualidade de vida, como o SF36. Entretanto deve ficar o alerta da necessidade de um novo

procedimento alguns meses depois, devido a recorrências ou ao surgimento de taquiarritmias

atriais, como o flutter atrial esquerdo que causa tanto sintoma quanto a própria fibrilação atrial.

Page 22: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Além disso, os pacientes devem ser informados que com o passar dos anos a taxa de

manutenção de ritmo sinusal começa a cair, não por insucesso da técnica mas, devido a

progressão da doença que originou a arritmia ou pela própria degeneração do sistema de

condução atrial. Além disso, não se pode afastar o efeito pró-arritmogênico das lesões de

radiofrequência no tecido atrial esquerdo, que passa a ter agora uma evolução diferente

causada pela formação de fibrose em áreas em que foram aplicadas as linhas de ablação.

Figura 5 – Orientação atual das diretrizes européias para o tratamento da fibrilação atrial por meio com fármacos e da ablação com radiofrequência. A esquerda as orientações para os pacientes com cardiopatia estrutural. A direita, para indivíduos não cardiopatas. Observe que para estes últimos a ablação pode ser a primeira abordagem terapêutica, antes mesmo dos fármacos. A dronedarona é um fármaco antiarrítmico do grupo III ainda não disponível no Brasil.

FLUTTER ATRIAL

Page 23: FIBRILAÇÃO ATRIAL

É uma arritmia pouco comum na clínica, representando menos de 1% das arritmias atendidas em

ambulatórios de cardiologia. Pode apresentar-se de forma crônica ou aguda. A crônica geralmente

está associada a algum tipo de cardiopatia que evolui com grandes aumentos das câmaras atriais,

como por exemplo a valvulopatia mitral (estenose ou insuficiência), hipertensão arterial,

miocardiopatias (dilatada ou hipertrófica), infarto agudo do miocárdio, miocardite, pericardite,

cardiopatias congênitas (comunicação interatrial, anomalia de Ebstein, atresia tricúspide, etc). As

causas não cardíacas podem ser encontradas em indivíduos com doença pulmonar obstrutiva

crônica; após ingestão de álcool, cafeína e anfetamina (tabela 1). A forma aguda ou paroxística do

flutter atrial é rara e pode ocorrer em indivíduos sadios e é de causa desconhecida, tende a ser

um ritmo instável, revertendo a ritmo sinusal ou degenerando em fibrilação atrial. Em alguns

casos, o flutter atrial pode ser registrado em pacientes que fazem uso de fármacos antiarrítmcios

para o tratamento de fibrilação atrial. Isso pode ser observado em pacientes em uso de

medicamentos antiarrítmicos tais como a propafenona, amiodarona ou sotalol.

Um outro tipo clínico de flutter atrial pode ser encontrado em pacientes submetidos a atriotomia, tal

como ocorre em correções de cardiopatias congênitas ou nos pacientes submetidos a circulação

extra-corpórea, quando a colocação das cânulas no átrio direito, a lesão aí provocada uma

barreira anatômica que predispõe ao surgimento da arritmia. No pós-operatório de cirurgia

cardíaca em geral, o flutter atrial pode ser registrado em cerca de 30% dos casos e pode estar

relacionado com a idade avançada do paciente, à pericardite química, tipicamente encontrada

após o manuseio cirúrgico, a alterações eletrolíticas ou do equilíbrio ácido-básico, além de

hiperatividade simpática comum de pós-operatório. Nesse período o flutter atrial costuma ser

transitório e reverter espontaneamente. Um tipo mais raro, recentemente descrito, é o flutter atrial

atípico que surge após o isolamento das veias pulmonares quando do tratamento ablativo da

fibrilação atrial. Nesses casos, as linhas de lesão provocadas após a aplicação de radiofrequência

podem servir de barreira anatômica que predispõe à reentrada do impulso elétrico no átrio

esquerdo. O flutter atrial pode ainda surgir na vida intra-útero, de origem nem sempre aparente,

podendo ser causa de insuficiência cardíaca fetal. Em recém-nascidos o flutter pode se manifestar

de forma transitória, causando repercussão clínica variável, desde ausência de sintomas, quando

o diagnóstico é feito de maneira incidental pelo neonatologista, ou quando a arritmia é causa de

sintomatologia exuberante, como insuficiência cardíaca, que motiva a internação hospitalar. Em

Page 24: FIBRILAÇÃO ATRIAL

crianças maiores e adolescentes, o flutter atrial paroxístico pode estar associado a maior risco de

morte súbita.

Tabela I – Causas de flutter atrial

Causas cardíacas

valvopatia mitral (estenose ou insuficiência)

hipertensão arterial

miocardiopatias (dilatada, hipertrófica)

cardiopatias congênitas (CIA, anomalia de Ebstein, atresia tricúspide)

flutter atrial do recém-nascido

pós-operatório de cirurgia cardíaca

pós isolamento de veias pulmonares (ablação de fibrilação atrial)

fármacos antiarrítmicos (tratamento de fibrilação atrial)

Causas não cardíacas

doença pulmonar obstrutiva crônica

álcool

drogas (anfetamina)

cafeína

Diagnóstico Eletrocardiográfico

Do ponto de vista eletrofisiológico, o flutter atrial é um circuito de macroreentrada no qual o

impulso elétrico caminha por entre as barreiras anatômicas atriais. Tais barreiras são

representadas pelo anel tricúspide anteriormente, e a crista terminalis posteriormente. Além

dessas, as áreas de fibrose causada pela atriotomia podem também estar envolvidas no circuito.

Desse modo, a frente de onda caminha pelo tecido normal, desviando de tais barreiras, podendo

transitar no sentido anti-horário, com o impulso descendo pela parede lateral do átrio direito e

subindo em direção ao septo inter-atrial, ou no sentido oposto (figura 1). Em ambas as condições

existe uma área de condução lenta geralmente localizada na região do istmo cavo-tricuspídeo.

Page 25: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Tabela II – Classificação do flutter atrial

Quanto a frequência atrial

Flutter atrial do tipo I – frequência atrial varia entre 250 e 350 bpm

Flutter atrial do tipo II – frequência atrial varia entre 350 e 450 bpm

Quanto a morfologia das ondas F

Flutter atrial do tipo comum – ondas F negativas em D2, D3 e aVF

Flutter atrial do tipo incomum – ondas F positivas em D2, D3 e aVF

Eletrocardiograficamente o flutter atrial caracteriza-se pela presença de ondas F em "serrote",

contínuas (ou seja, não separadas por linha isoelétrica) indicando que o tecido atrial passa am

maior parte do tempo ativada. No flutter tipo I a frequência atrial varia entre 250 e 350 bpm e pode

ser interrompido por estimulação atrial artificial. Comumente, a frequência atrial é de 300 bpm,

com resposta ventricular de 150 bpm (condução atrioventricular 2:1). Sob efeito de medicamentos

que retardam a condução atrioventricular, a relação pode ser de 3:1, 4:1 ou variável. Mais

frequentemente a relação atrioventricular é par, ou seja, do tipo 2:1, 4:1, indicando bloqueio

multinível no nódulo atrioventricular (2:1 na sua porção superior e 3:2 na porção mais caudal). O

flutter atrial do tipo II apresenta frequência atrial variando entre 350 e 450 bpm e caracteriza-se por

ser refratário à medicamentos ou estimulação atrial artificial, geralmente necessitando de

tratamento mais agressivo.

Quanto a morfologia das ondas F, estas podem ser negativas nas derivações D2, D3 e aVF como

no flutter clássico, também denominado flutter atrial do tipo comum (figura 2) ou raramente,

positivas também conhecido como flutter atrial do tipo incomum (figura 3). No primeiro caso, as

ondas F não são negativas, mas apresentam algumas peculiaridades a serem destacadas, ou

seja: a) têm um descenso lento; b) apresentam uma poção negativa aguda; c) têm uma ascenção

rápida; d) a porção ascendente ultrapassa ligeiramente a sua própria altura, reiniciando a seguir

uma nova trajetória negativa. Na derivação V1, as onda F apresentam mais frequentemente a

polaridade positiva. Essa é a forma de apresentação do flutter atrial que ocorre em mais de 90%

dos casos. A maneira pela qual os átrios são despolarizados é que vai determinar a polaridade

das ondas. O flutter atrial com rotação anti-horária inscreve ondas F negativas nas derivações D2,

D3 e aVF, enquanto o flutter com rotação horária, as ondas F são positivas naquelas derivações

(figuras 2 e 3 ).

Page 26: FIBRILAÇÃO ATRIAL

O ritmo é regular, quando a condução atrioventricular mantém relação constante; sendo

irregular na presença de bloqueio atrioventricular do segundo grau, mais frequentemente o

Mobitz tipo I ou Wenckebach. A frequência ventricular pode variar na dependência do tônus

autonômico, estando mais baixa quando predomina a atividade vagal, provocando nesses casos

maior grau de bloqueio atrioventricular, ou então, a frequência ventricular pode ser rápida, em

vigência de hiperatividade simpática que se manifesta por exemplo, durante exercício físico.

Nessa última condição pode-se instalar frequência extremamente rápida, quando os átrios

conduzem numa relação 1:1 para os ventrículos. Dessa maneira, o pulso arterial de um paciente

com flutter atrial pode variar frente a diferentes condições clínicas, desde frequências mais lentas

até frequências extremamente rápidas.

Quando a frequência ventricular é rápida e as ondas F não são visíveis, o diagnóstico do flutter

atrial pode ser facilitado pela compressão do seio carotídeo, que aumenta o grau de bloqueio

tornando-as evidentes. A adenosina pode ser administrada também com o mesmo objetivo. A

associação de ambas as técnicas, adenosina e compressão do seio carotídeo, também pode ser

empregada com o mesmo objetivo. A derivação esofágica (uni ou bipolar) confirma o diagnóstico

em casos duvidosos.

A frequência ventricular pode ser mais lenta (abaixo de 150 bpm) em pacientes em uso de

fármacos que retardam a condução atrioventricular, como digital, verapamil ou diltiazem. Do

contrário, flutter atrial com frequência cardíaca baixa pode ser indicativa de doença nodal, tal como

ocorre nos pacientes com doença do nódulo sinusal ou com degeneração do sistema de

condução. Em vigência do so de amiodarona ou propafenona, pode haver redução da frequência

atrial e causar aumento da resposta ventricular. Como estes fármacos também causam redução

da condução intraventricular, pode haver alargamento dos complexos QRS resultando num

padrão eletrocardiográfico que simula taquicardia ventricular.

Tratamento

O flutter atrial costuma ser refratário ao tratamento farmacológico e, por essa razão a cardioversão

elétrica sincronizada é a conduta de eleição na maioria dos casos. Podem ser empregados

choques com carga baixa, da ordem de 50 a 80 Joules (25 a 40 Joules de choque bifásico),

aumentando para 100 ou 150 Joules se necessário.

Page 27: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Para redução da frequência ventricular em pacientes hemodinamicamente estáveis, quando se

programa a reversão eletiva do flutter, pode utilizado o diltiazem (0,25 mg/Kg infundido em 5

minutos; 0,35 mg/Kg cerca de 15 minutos depois da primeira dose). Esse agente não devem ser

administrados a pacientes sinas e sintomas de insuficiência cardíaca. Quando se opta pela

utilização de fármacos como tentativa de reversão química, vale lembrar que o digital pode

transformar o flutter tipo I em fibrilação atrial e, em seguida, esta reverter espontaneamente para

ritmo sinusal. Esta contudo, não é uma conduta prática, principalmente também porque o digital

não é um bom antiarrítmico para reversão do flutter atrial. A amiodarona (300 mg infundida em 20

minutos) é um fármaco que pode ser administrado na tentativa de reversão do flutter.

Ambulatorialmente, fármacos administrados por via oral, como a propafenona (450 a 900 mg ao

dia) ou amiodarona (200 a 400mg/dia, após período de impregnação), podem reverter o flutter

atrial para ritmo sinusal em alguns casos. É importante ressaltar que o efeito da amiodarona é

observado num período que varia entre 7 a 10 dias após o início do tratamento. Por esta razão,

deve-se aguardar esta fase, antes de se confirmar o insucesso terapêutico. Não raramente estes

medicamentos reduzem a frequência atrial do flutter causando aumento da frequência ventricular

e, por essa razão, aconselha-se a associação destes fármacos a outros que retardam a condução

atrioventricular, como um beta-bloqueador ou antagonista de cálcio, por exemplo. A grande

vantagem da utilização do antiarrítmico por via oral está relacionado à estabilização atrial por

ocasião da cardioversão elétrica, impedindo recorrências precoces logo após a aplicação dos

choques.

Flutter atrial com frequência ventricular satisfatória (ou seja, não associada a distúrbio

hemodinâmico) na dependência da situação clínica, não necessita a reversão, particularmente

se esta já foi tentada anteriormente e não foi bem sucedida. Quando opta-se pela não reversão,

pode-se controlar a frequência ventricular (mantendo-se a mesma entre 70 e 90 bpm), com

diltiazem (180 a 240 mg/d); propranolol (80 a 120 mg/d) ou atenolol (100 mg/d). Se a

monoterpia for ineficaz, pode-se proceder à associação destes agentes. Na falha do tratamento

medicamentoso, a opção é a ablação da junção atrioventricular com radiofrequência seguida de

implante de marcapasso definitivo, de preferência com pragramação do tipo VVIR. Esta conduta

é particularmente útil em pacientes com disfunção ventricular e que evoluem com insuficiência

cardíaca não controlada de maneira eficaz com medicamentos.

Page 28: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Pacientes com flutter atrial crônico devem ser anticoagulados preventivamente, quer seja esta a

conduta definitiva, quer se opta pelo restabelecimento do ritmo sinusal, através da cardioversão

química ou elétrica, principalmente naqueles portadores de cardiopatia ou com fatores de risco do

escore CHADS2.

No flutter atrial paroxístico, o uso de medicamentos deve ser mantido para a prevenção de

recorrências após o restabelecimento do ritmo sinusal. A propafenona, sotalol ou amiodarona, são

os fármacos mais eficazes e seguros.

O tratamento definitivo e mais eficaz do flutter atrial é obtido por meio da ablação do circuito

arritmogênico, particularmente em indivíduos sem cardiopatia e com flutter atrial do tipo clássico

com índice de sucesso de 80 a 90% e risco de recorrência abaixo de 10%. Após o posicionamento

do cateter, a aplicação de radiofrequência no istmo entre a veia cava inferior e o anel tricúspide,

provoca bloqueio da condução do impulso pela área de condução lenta, impedindo que o circuito

reentrante se complete, eliminando a arritmia (figura 4) .

Page 29: FIBRILAÇÃO ATRIAL

D2

D3

aVF

Figura 1 – Na parte superior da figura, o circuito de reentrada do flutter atrial. A esquerda a frente de onda tem rotação anti-horária, “descendo” pela crista terminalis (CT) passando pelo istmo entre a veia cava inferior (VCI) e o anel tricúspide, “subindo” pelo septo interatrial. A direita, a frente de onda tem rotação horária, fazendo o trajeto inverso. Na parte inferior, o eletrocardiograma com as três derivações D2, D3 e aVF e as respectivas morfologias das ondas F. No primeiro caso as ondas do flutter apresentam polaridade negativa; no flutter com rotação horária as ondas são de polaridade positiva.

Page 30: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Figura 2 – Flutter atrial do tipo comum em um paciente de 60 anos portador de miocardiopatia dilatada idiopática. Observam-se ondulações negativas nas derivações D2, D3 e aVF, com frequência atrial de 300 bpm e frequência ventricular variável.

Page 31: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Figura 3 – Flutter atrial do tipo incomum em um paciente de 53 anos portador de hipertensão arterial, em uso de anticoagulante e propafenona. Observam-se ondulações positivas nas derivações D2, D3 e aVF, com frequência atrial de 300 bpm e ventricular de 75 bpm (bloqueio 4:1).

Page 32: FIBRILAÇÃO ATRIAL

Figura 4 – Circuito do flutter atrial (acima) mostrando a frente de onda caminhando pelo istmo cavotricuspídeo. Abaixo, a interrupção do circuito após a aplicação da lesão com radiofrequência produzida pelo cateter.

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Bibliografia Recomendada

1 - Crandal MA, Bradley DJ, Packer DL, Asirvatham SJ. Contemporary management of atrial

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Questões Sobre Fibrilação Atrial

1 – Sobre a fibrilação atrial é correto afirmar que:

a) as principais complicações ao o comprometimento da qualidade de vida,

insuficiência cardíaca e tromboembolismo sistêmico

b) sua incidência aumenta com a idade, tanto em homens quanto em mulheres

c) aumenta o risco de óbito e hospitalizações

d) o tromboembolismo é a mais grave complicação

e) todas estão corretas

2 – Sobre as complicações da fibrilação atrial:

a) o risco de tromboembolismo depende do tipo de fibrilação , se paroxística,

persistente ou permanente

b) a insuficiência cardíaca ocorre por causa da ausência de contração atrial,

frequência cardíaca rápida e irregular e da disfunção ventricular

(taquicardiomiopatia)

c) a maior parte dos pacientes com fibrilação atrial não têm sintomas

d) o risco de tromboembolismo diminui com o avançar da idade

e) nenhuma das anteriores

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3 – Sobre a fisiopatologia e fatores de risco para fibrilação atrial

a) os gatilhos (extra-sístoles atriais e taquicardia atrial) são a única causa de

fibrilação atrial

b) as doenças cardíacas ou extra-cardíacas não têm nenhuma influência na

formação do substrato arritmogênico atrial para gerar a fibrilação atrial

c) a hipertensão arterial é o mais frequente fator de risco para origem de fibrilação

atrial

d) os mecanismos arritmogênicos não têm nenhum papel na escolha da forma de

tratar pacientes com fibrilação atrial

e) todas estão corretas

4 – Sobre o tromboembolismo na fibrilação atrial

a) o escore CHADS2 é o principal critério atual para iniciar a anticoagulação da

fibrilação atrial

b) pacientes com escore CHADS2 abaixo de 2 nunca precisam ser

anticoagulados, basta apenas o ácido acetil-salicílico

c) o escore CHA2DS2VASC deve ser empregado toda vez que o escore CHADS2

tiver pontuação menor que 2

d) pacientes com fibrilação atrial paroxística têm menor risco de

tromboembolismo sistêmico do que aqueles com fibrilação atrial persistente

e) há duas afirmativas corretas

5) Sobre o flutter atrial, é correto afirmar que:

a) pacientes acometidos têm risco de tromboembolismo semelhante aos

portadores de fibrilação atrial

b) fármacos antiarrítmicos têm elevado sucesso no restabelecimento do ritmo

sinusal

c) o controle da frequência da frequência ventricular apenas é a conduta de

escolha nos pacientes com flutter atrial agudo

d) a ablação do circuito do flutter tem sucesso menor que o tratamento

farmacológico

e) nenhuma das anteriores

Respostas: E, B, C, E, A

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FIBRILAÇÃO E FLUTTER ATRIAIS

Dalmo Antonio Ribeiro Moreira*

*Chefe da Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas, Instituto Dante Pazzanese

de Cardiologia; Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo; Professor Titular da

Disciplina de Fisiologia Humana, Faculdade de Medicina de Itajubá.