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1 A ARGUMENTAÇÃO
Perelman, para expor as características da argumentação, faz uso dos
conceitos relacionados à lógica formal e à demonstração em sua concepção
clássica, contrapondo-os à argumentação. Na lógica formal, os axiomas, ou
expressões válidas, e as regras de transformação são definidas e, a partir delas,
novas regras válidas são deduzidas. Não há, nesse sistema formal, interesse na
interpretação dos significados das expressões, ou na origem desses primeiros
elementos axiomáticos, se de pensamentos, experiências ou postulados específicosdo criador do sistema. Já, segundo esse autor, na argumentação, que objetiva
influenciar, ganhar a adesão, tais perspectivas não podem ser desprezadas. Nesse
contexto, as questões psíquicas e sociais são importantes, sem as quais a
argumentação perderia seus efeitos ou mesmo seu objeto.1 Assim, “toda
argumentação visa a adesão dos espíritos e, por isso mesmo, pressupõe a
existência de um contato intelectual ” 2. E, ainda:
Se, nos sistemas formais, a validade de um axioma se funda em
proposições evidentes que em si mesmas já trazem implicadas a
própria certeza, nos processos comunicativos, cuja finalidade é
conseguir a adesão de um auditório, a argumentação se baseia no
carácter provável de opiniões.3
A argumentação é o instrumento que possibilita que razões e justificativas
sejam expostas, ou seja, que o raciocínio seja transmitido. Isso implica uma análise
dos argumentos pelo receptor, que se forem corretos e adequados conforme a
perspectiva deste, poderão ser aprovados e, conseqüentemente, serão capazes de
persuadir o interlocutor. Observa-se um estreito vínculo entre racionalidade,
argumentação e conhecimento, tornando a argumentação um instrumento que além
de conduzir ao conhecimento, possibilita a convivência entre os seres humanos,1 PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: nova retórica. Tradução Maria Ermantina de Almeida
Prado Galvão.2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes 2005, pp. 15-16.2 Ibid, p. 16.3 MOSCA, Lineide do Lago Salvador. Retóricas de ontem e de hoje. São Paulo: Associação Editorial
Humanitas. 2004, p. 184
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apesar de suas enormes diferenças. A argumentação torna-se, assim, garantia da
razão prática, afastando a arbitrariedade, contribuindo para a resolução de conflitos,
e possibilitando cooperação e colaboração entre membros de sociedades cada vez
mais complexas.4
Segundo Bermejo Luque, o fato dos argumentos terem dupla dimensão, como
objetos abstratos e objetos do mundo, fez com que a argumentação estivesse
presente em diversas áreas, correspondendo tanto a um interesse teórico quanto
instrumental de seu objeto. No entanto, o fato de se considerar, tradicionalmente, o
interesse instrumental alheio à filosofia, associado a um desenvolvimento da Lógica
Formal, fizeram com que não houvesse um desenvolvimento filosófico da
argumentação proporcional a sua importância.5
2- RETÓRICA E DIALÉTICA
O embate entre filósofos e sofistas provém da polêmica envolvendo filosofia e
argumentação. Enquanto para os sofistas o estudo do discurso possui um interesse
instrumental, como meio de influência e atuação social, os filósofos como Sócrates,Platão e Aristóteles, se interessam por distinguir os bons argumentos. Num contexto
social e político de Atenas no século V, em que o discurso tem um grande poder
social e no qual poderia ser usado de forma destorcida, os sofistas ao usarem as
técnicas retóricas e argumentativas para prosperar , foram acusados de não serem
compromissados com a verdade. A habilidade destes em defender tanto uma tese
quanto a sua tese contrária de forma igualmente eficaz fez com que fossem
acusados por Platão de confundirem a doxa (opinião) e a aletheia (verdade). E, paraPlatão, a retórica, assim como a arte devem ser condenadas:
Como a arte pretende retratar e imitar todas as coisas sem ter delas
verdadeiro conhecimento, mas imitando suas puras aparências,
assim a retórica pretende persuadir e convencer a todos acerca de
tudo sem ter conhecimento algum. Assim como a arte cria meros
4 BERMEJO LUQUE, Lílian. Filosofia y Retórica: el lugar de la teoría de la argumentación. Revista deFilosofia. nº 30. 2003. p. 1065 Ibid , p. 106.
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fantasmas, a retórica cria persuasões vãs e crenças ilusórias. O
retórico é aquele que, embora não sabendo (e, no caso extremo, até
vangloriando-se de não saber) possui, diante da maioria, a
habilidade de ser mais persuasivo do que aquele queverdadeiramente sabe, porque joga com os sentimentos e as
paixões, apoiando-se não na verdade, mas unicamente nas
aparências de verdade.6
Essa distinção entre verdade e prática do discurso sofista teria conduzido à
distinção formulada por Platão entre Dialética e Retórica originando a tradicional
oposição entre Filosofia e Retórica7. Para Platão, a Dialética está integrada à idéia
do bem, enquanto a Retórica não estaria preocupada com esse conceito ou com a
justiça.8
A noção de universo de símbolos contrários da linguagem, ou dissoi logoi,
segundo Paulakos estaria relacionada à relatividade das coisas para os sofistas,
Para estes, o debate e a controvérsia seriam parte de qualquer tema. Paulakos
ainda associa a dissoi logoi a três características da Retórica: a oportunidade
(kairós), possibilidade (to dynaton) e jogo ( paignion).9
Para os sofistas, o kairós é o momento oportuno, relacionado ao tempo certo
de falar e dar eficácia à palavra.10 O protocolo desenvolvido no discurso, em
conformidade com acordos tácitos e explícitos seriam ensinados através da prática e
estudo da Retórica, que conduziriam a formas de discurso estruturadas como o
exódio, a proclamação e a apologia. No entanto, tais regras seriam muito variáveis,
dependendo da sociedade e do contexto, o que tornaria a Retórica mais uma arte.11
Quanto à noção sofista de dynaton, ou de possibilidade, em oposição ao real
e ideal, dá ao discurso a característica de controvérsia. A oposição do discurso ao
6 REALE, Giovanni. Platão. São Paulo: Edições Loyola, 20077 BERMEJO LUQUE, Lílian. Op. Cit.,pp. 107-1088 FEITOSA, Zoraida M. Lopes. Dialética e Retórica em Platão. Boletim do CPA, Campinas, nº 4, jul./dez.
19979 BERMEJO LUQUE, Lílian. Op. Cit., p. 10810 BORDIEU, Pierre. Diálogo sobre a poesia oral na Cabília. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 26, p. 61-81, jun.2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a06n26.pdf. Acesso em 28/06/2011.11 BERMEJO LUQUE, Lílian. Op. Cit., p. 108
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real serviria para desvendar sua verdadeira natureza e a oposição ao ideal permitiria
um campo de escolhas entre o bem e o mal, convertendo o discurso em meio de
decisão.12
Através do domínio da linguagem e do jogo de palavras, ou seja, o paignon,
que possibilita a defesa das mais variadas teses, os sofistas conseguem obter a
adesão da platéia. O que interessa é a eficácia do discurso, o poder de persuadir, e
não a correção do discurso, o valor do argumento em si, daí o fato da oposição
tradicional entre Retórica e Filosofia.13
Foram os sofistas que levaram de Siracusa à Atenas essa TeoriaRetórica. Empenhados em cultivar o discurso retórico, os sofistas
logo sentiram a grande importância do estudo da gramática, dos
sinônimos, das frases bem elaboradas, das figuras retóricas, etc.
Exercitando-se em sustentar opiniões diferentes entre si, tendo
sempre como norma a comparação de argumentos
verossimilhantes.14
Observa-se que a distinção entre Dialética e Retórica reside no fato de serem
técnicas com finalidades distintas. A primeira objetiva dizer a verdade, de buscar o
conhecimento, e a segunda de persuadir. Para Platão, considerando a boa Retórica,
essas características seriam complementares. O método crítico, ou dialética de
Platão, utiliza-se de interpelações, que ao examinar uma hipótese com base em
várias explicações, objetiva distinguir o verdadeiro do falso. A questão colocada por
Platão é que enquanto a Dialética é moralmente neutra, fornecendo mecanismos
para se provar a veracidade de uma tese, a Retórica, pode se perverter e ser usada
apenas para influenciar os demais. Assim tem-se a contraposição delas, que só
idealmente poderiam ser consideradas complementares.15
Aristóteles têm um pensamento distinto com respeito a doxa ou opinião
decorrente da experiência humana, tão desprezada por Platão. Se para Platão a
12 BERMEJO LUQUE, Lílian. Op. Cit., p. 10813 BERMEJO LUQUE, Lílian. Ibidem14 MOSCA, Lineide do Lago Salvador. Op. Cit. p.101.15 BERMEJO LUQUE, Lílian. Op. Cit. p. 109.
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doxa não se confunde com a técnica ou ciência, a retórica constitui uma techne
conforme Aristóteles. Aristóteles concebe o entimema da retórica, mas com origem
na dialética. A Retórica, para ele, se seria semelhante tanto à Dialética quanto aos
argumentos sofísticos e se ocuparia tanto do persuasivo como o de aparência
persuasiva.16
Para Aristóteles, os componentes do discurso são a Dialética, a Retórica e a
Silogística. Na visão dele, somente a última seria um método de demonstração
legítimo, já que somente ele não comportaria respostas contrárias. Nesse sentido, o
fato de a Retórica e a Dialética utilizarem-se da indução e dedução como métodos
de aquisição de conhecimento tornariam-se suas conclusões apenas possíveis, não
necessárias. Para Kennedy:
A grande inovação de Aristóteles foi o lugar dado ao argumento
lógico como elemento central na arte da persuasão. A sua Retórica
é sobretudo uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo
retórico; isto é, uma teoria da argumentação persuasiva. E uma das
maiores qualidades reside no facto de ela ser uma técnica aplicável
a qualquer assunto. Pois proporciona simultaneamente um método
de trabalho e um sistema crítico de análise, utilizáveis não só na
construção de um discurso, mas também na interpretação de
qualquer forma de discurso.17
Para Aristóteles a Retórica é complementar à Dialética e ao Silogismo, já que
aquela possibilitaria, pelo empirismo, uma valoração dos métodos de investigação e
teste e dos métodos de comunicar o conhecimento. No entanto, para ele a maior parte das questões não seriam passíveis de demonstração e mesmo assim uma
decisão racional seria possível. Assim, a retórica, ao abranger todas as habilidades
necessárias à valoração da adequação do discurso ao contexto, seria mais ampla
que a lógica.18
16 ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 26417 Apud Junior, Manoel Alexandre et al . Obras completas de Aristóteles. Lisboa: Imprensa Nacional Casa daMoeda. 2005, p.34.18 BERMEJO LUQUE, Lílian. Ibidem. p. 111.
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Um dos estudos de Aristóteles que evidencia o interesse pelos aspectos
retóricos do discurso é o estudo dos entimemas. O entimema seria um silogismo
incompleto, truncado, no qual falta uma premissa ou conclusão, considerada óbvia
e, assim, subtendida. Segundo Adeodato:
A mais evidente característica do entimema é a formulação
encurtada. O que parece deficiência do ponto de vista lógico, torna-
se eficiência do ponto de vista da retórica “material” ( papel
pragmático) e da retórica “formal” ( papel estratégico). A retórica é
dirigida a obter efeitos imediatos. Muitas vezes são desagradáveis e
inócuas as argumentações com forma científica, exaustivamente
demonstrativas, pretendendo validade universal e (relativamente)
permanente, tornando-se enfadonha em determinados contextos.
3 VALIDADE FORMAL E INFORMAL
Pode-se analisar o conceito de validade do argumento na linguagem natural
do ponto de vista da linguagem formal. Utiliza-se a falácia para mostrar, por
exemplo, a inadequação da validade formal para o argumento na linguagem natural.
É o caso da falácia petitio principii que na demonstração de validade parte do
princípio de a tese ser válida. Embora possa ser considerado um argumento válido
do ponto de vista formal não é considerado quando se trata de um argumento da
linguagem natural. Nesse caso, as premissas são tão questionáveis quanto as
conclusões: Outras falácias existem que podem mostrar como um esquema de
argumento formal pode ser considerado válido, não ocorrendo o mesmo para os
argumentos da linguagem natural. Por isso, a teoria da validade dentro da Teoria da
Argumentação é considerada não-formal.19 Observa-se ainda que:
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19 BERMEJO LUQUE, Lílian. Op. Cit. p. 112
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A contraposição entre Filosofia e Retórica apoiada na distinção entre
convicção e persuasão influenciou autores contemporâneos na criação de teorias
sobre a validade dos argumentos da linguagem natural, que teriam as qualidades da
retórica, como a persuasão. Segundo estes autores uma avaliação dos argumentos
da linguagem natural não poderia ocorrer sem considerar a eficácia destes perante
um auditório. Segundo esses autores a única forma de avaliar a eficácia desses
argumentos e considerando a sua eficácia perante um auditório universal ou
interlocutor racional.20
Mudando o auditório, a argumentação muda de aspecto e, se a meta
a que ela visa é sempre a de agir eficazmente sobre os espíritos, para julgar-lhe o valor temos de levar em conta a qualidade dos espíritos
que ela consegue convencer.21
contemporânea a adoção de uma hermenêutica de princípios.
única, conforme temos reiteradas vezes assinalado, suscetível de
alcançar a inteligência da Constituição referida a situações reais e
fazer efetiva e concreta a aplicabilidade dos direitos fundamentais
exteriores à esfera neoliberal e permeados da dimensão
principiológica que lhes dá sentido e eficácia e normatividade.22
Um outro problema é o irracionalismo decisionista, no qual o juiz cria o direito,
até desprezando o texto da norma. E,ainda, no Brasil, verifica-se uma concentração
de poder jurídico e político na cúpula do judiciário em detrimento do legislativo e do
ministério público.
20 Ibidem, p.21 PERELMAN, Chaim. Tratado de argumentação: A Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 922 BONAVIDES, Paulo, Op. Cit, p 140.
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Fora da esfera de um Direito Constitucional decadente e
subjugado pela vontade presidencial, é de admitir, todavia,
que num determinado sentido há, em rigor, duas
Constituições paralelas: uma formal, outra jurisprudencial; a
segunda, direito positivo concretizado, mais eficaz que a
primeira porquanto sendo norma viva, solve os litígios
constitucionais. E ao solvê-los, o Tribunal Constitucional
mostra-se então fiador do Estado de Direito. Se decide bem,
garante os direitos fundamentais. Se decide mal, dá um
passo para a ditadura dos juízes.A pior das ditaduras é a
tirania judicial personificada no governo da toga, nos
magistrados da lei. Tirania sem remédio e sem retorno.23
23 BONAVIDES, Paulo, Ibidem, p. 141
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REFERÊNCIAS
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