FIGUEIREDO, D. - A Profissionalização das Organizações do Futebol

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Cincias Econmicas/FACE Departamento de Cincias Administrativas Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao/CEPEAD

Diego Figueiredo

A PROFISSIONALIZAO DAS ORGANIZAES DO FUTEBOL: um estudo de casos mltiplos sobre a estratgia, estrutura e ambiente dos clubes brasileiros.

Belo Horizonte - 2011

Diego Figueiredo

A PROFISSIONALIZAO DAS ORGANIZAES DO FUTEBOL: um estudo de casos sobre a estratgia, estrutura e ambiente dos clubes brasileiros.

Dissertao de Mestrado apresentado ao Centro de Ps Graduao e Pesquisas em Administrao do Departamento De Cincias Administrativas da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Administrao.

Linha de pesquisa: Estudos Organizacionais e Gesto de Pessoas Campo Temtico: estrutura, estratgia e ambiente organizacional e profissionalizao. Orientador: Prof. Dr. Antnio Luiz Marques UFMG

Belo Horizonte 2011

Ficha Catalogrfica

Figueiredo, Diego, 1985F475p A profissionalizao das organizaes do futebol : um estudo 2011 de casos sobre estratgia, estrutura e ambiente dos clubes brasileiros / Diego Figueiredo. 2011. 264 f. : il. Orientador: Antnio Luiz Marques. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao. Inclui bibliografia 1. Clubes de futebol Administrao Teses. 2. Futebol Brasil Administrao Teses. 3. Cruzeiro Esporte Clube Administrao Teses. 4. Sport Club Internacional Administrao Teses. I. Marques, Antnio Luiz. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao. III. Ttulo CDD: 658 Elaborada pela Biblioteca da FACE/UFMG NMM/041/2011

AGRADECIMENTOS

A todos que contriburam para que essa dissertao fosse concretizada, seja com conselhos, informaes, ou simples palavras de apoio;

Ao meu orientador, Professor Antnio Luiz Marques, pelo suporte, confiana e pacincia durante todo percurso da pesquisa.

A Jos Coelho de Andrade Albino, por todos os conselhos valiosos, pela admirao sincera e principalmente por ter me encorajado a aceitar esse desafio.

Aos dirigentes e funcionrios do Cruzeiro e Internacional, por toda a colaborao e disponibilidade, em especial Andria (INT) e Teresa Ferreira (CRU), por terem aberto tantas portas.

A minha me, por todo amor, amizade, carinho, dedicao e f. Por ter me ensinado a viver com o corao e nunca ter duvidado do meu potencial.

Ao meu pai, por todos os conselhos, ensinamentos, correes e PDAs. Por ser exemplo de disciplina, superao, e por abdicar tanto tempo para me ajudar.

Ao meu irmo, por toda admirao, amizade, companheirismo e maturidade. Por torcer por um time rival e me ensinar como se vive no mundo das diferenas.

Aos meus tios Maral e Rogrio, e minhas tias Fabiane e Aline, por terem me acolhido vrias vezes e colaborado com minha estadia em Porto Alegre.

Aos meus amigos do AV e da PUC, pela compreenso e lealdade. Em especial, ao Gustavo de Castro, Igor Medeiros, Frederico Heitmann, Frederico Barros e Hellyd Lauar.

Aos membros da Banca Examinadora, por terem contribudo para o enriquecimento dessa dissertao.

Ao CNPq, pela bolsa de estudos que facilitou significativamente a execuo desta pesquisa.

Aos colegas do mestrado, pelos ensinamentos e experincia compartilhados, em especial ao Ricardo Hiplito.

Aos professores e funcionrios da FACE e do CEPEAD, por todo suporte e conhecimento.

Thas Nery DE Assuno, por todo carinho, companhia, e por sempre acreditar que essa pesquisa teria fim.

Ao futebol, e a tudo e todos a ele relacionados.

Muitas vezes a falta de carter que decide uma partida. No se faz literatura, poltica e futebol com bons sentimentos.

(Nelson Rodrigues)

Depois de muitos anos em que o mundo me ofereceu tantos espetculos, o que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigaes dos homens, devo-o ao futebol.

(Albert Camus)

RESUMO

Esta pesquisa analisa as mudanas ocorridas na estratgia, estrutura e ambiente organizacional de duas associaes esportivas tradicionais do pas, na tentativa de responder ao seguinte problema: Inseridos em um processo de mudanas, de que forma a estratgia, a estrutura e o ambiente do Cruzeiro e do Internacional foram modificados? Essas mudanas podem ser caracterizadas como um processo de profissionalizao? Esta investigao fundamentou-se em um referencial terico no qual as principais teorias sobre profissionalizao, estratgia, estrutura e ambiente organizacional foram discutidas, baseadas em seus principais autores. No que se refere aos procedimentos metodolgicos, foi realizada uma pesquisa qualitativa descritiva de carter exploratrio, cuja estratgia um estudo de casos. Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas e uma pesquisa documental de dados primrios e secundrios. De um total de vinte e uma entrevistas, foram obtidas declaraes e informaes de funcionrios e dirigentes voluntrios e remunerados, detentores de cargos estratgicos, dentre os quais se destacam presidentes, vice-presidentes, diretores e superintendentes. Para a pesquisa documental e a anlise da trajetria do Cruzeiro e Internacional foram utilizados dados disponibilizados pelos prprios clubes, assim como livros, revistas, jornais e materiais eletrnicos. Os principais resultados apontam para: o aumento da complexidade do ambiente do futebol e surgimento de novos fatores em seu campo; a intensificao da influncia de fatores externos no funcionamento dos clubes; a transformao da lgica predominante no futebol; a centralizao do poder na cpula estratgica e a descentralizao na linha intermediria e ncleo operacional; o aumento na racionalizao dos seus processos e fluxo de trabalho; a departamentalizao funcional; o aumento das contrataes de profissionais remunerados e especializados; a utilizao de tecnologia e sistemas informatizados; a formalizao de cargos e tarefas; a utilizao de mtodos impessoais e lgicos como instrumentos para a tomada de deciso; e a adoo de planejamentos formais como institucionalizao da estratgia. Constatou-se que houve profissionalizao no processo de mudanas analisado, no que se refere organizao de forma geral, e no apenas nos cargos estratgicos. Esse processo ocasionou transformaes nas atividades dos clubes e consequentemente em seus resultados. Tanto no Cruzeiro quanto no Internacional, a profissionalizao considerada benfica, porm, as mudanas verificadas no significam que a modificao de clube para empresa seja o objetivo final em ambos os casos analisados, so apenas, um instrumento cuja finalidade aprimorar seus desempenhos esportivos e econmico-financeiros. Palavras-chave: Organizacional. Profissionalizao. Futebol. Gesto Esportiva. Mudana

ABSTRACTThis research analyses the changes occurred in the organizational strategy, structure and environment of two traditional sports associations in Brazil, in the attempt to answer the following question: Inserted in a change process, how have the strategy, structure and environment of Cruzeiro and Internacional been modified? Can these changes characterize a process of professionalization? The research was based on a theoretical framework in which the main theories of professionalization, organizational strategy, structure and environment were discussed, making use of its main authors. In the methodological procedures a qualitative descriptive and exploratory survey was conducted, whose strategy is a multiple case study. Semistructured interviews and a documentary research were conducted to collect primary and secondary data. Of a total of twenty-one interviews, statements and information were obtained from hired and volunteer board members and staff who hold strategic positions, among which stand out presidents, vice presidents, directors and superintendents. For the documentary research and the trajectory of Cruzeiro and Internacional, data provided from the clubs themselves, as well as books, magazines, journals, and electronic information were used. The main results show: the increasing complexity of the footballs environment and the emergence of new actors in it; the intensification of the influence of external actors in these clubs activities; the transformation on the prevailing logic of football; the centralization of power in the strategic apex and the decentralization in the middle line and operating core; the increase of rationalization in their processes and workflow; a functional departmentalization; the increased hiring of paid and specialized professionals; the use of technology and information systems; the formalization of tasks and job positions; the use of impersonal and rational methods as instruments of the decision making process; and the adoption of formal planning and institutionalization of the strategy. It was found that there was indeed professionalization in the change process analyzed, in regards to the organization in general, not only strategic job positions. This process resulted in the transformation of the clubs activities and therefore, its results also. Both in Cruzeiro and Internacional, the professionalization is seen as beneficial, however, the changes observed do not mean that the transition of the legal status of sports associations to a business company is an objective, but the achievement of better sports and economic-financial performance. Keywords: Professionalization. Football. Sports Management. Organizational Change.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AFC - Asian Football Confederation C13 Clube dos Treze CAF - Confdration Africaine de Football CBD Confederao Brasileira de Desportos CBF Confederao Brasileira de Futebol CBJD Cdigo Brasileiro de Justia Desportiva CEC Cruzeiro Esporte Clube CND Conselho Nacional de Desportos COI Comit Olmpico Brasileiro CONCACAF - Confederation of North, Central American and Caribbean Association Football CONMEBOL Confecderacin Sudamericana de Ftbol CPI Comisso Parlamentar de Inqurito ERP Enterprise Resource Planning FGF Federao Gacha de Futebol FIFA Federatin Internationale de Football Association FFP Financial Fair Play FMF Federao Mineira de Futebol FPF Federao Paranaense de Futebol GED Gesto Eletrnica de Documentos HMTF - Hicks, Muse, Tate & Furst IFAB International Football Association Board IFFHS - International Federation of Football History & Statistics ISL International Sport & Leisure J-League Japan Professional Football League MLS Major League Soccer MSI Media Sports Investments OFC - Oceania Football Confederation PIB Produto Interno Bruto QRU Queensland Rugny Union SA Sociedade Annima

SAD Sociedades Annimas Desportivas SCI Sport Clube Internacional SGQ Sistema de Gesto de Qualidade STJD - Superior Tribunal de Justia Desportiva TJD - o Tribunal de Justia Desportiva TMS Transfer Matching System UEFA Union of European Football Associations

LISTA DE ILUSTRAESFigura 1 Estrutura da pesquisa Figura 2 Tipos de estratgia Figura 3 Organograma de uma empresa burocrtica Figura 4 A estrutura funcional Figura 5 Segmentao do ambiente organizacional Figura 6 Confederaes mundiais de futebol Figura 7 Presidentes do Internacional Figura 8 Presidentes do Cruzeiro Figura 9 Tamanho das torcidas brasileiras Figura 10 Ambiente do futebol brasileiro Figura 11 Evoluo dos brases 1921-2011 Figura 12 Estdio Juscelino Kubitschek de Oliveira Figura 13 Estdio Governador Magalhes Pinto (Mineiro) Figura 14 Organograma oficial do Cruzeiro Esporte Clube Figura 15 Sede Urbana e Sede Administrativa Figura 16 Sede Campestre e Toca da Raposa II Figura 17 Distribuio do poder no Cruzeiro Figura 18 Nveis hierrquicos do Cruzeiro Figura 19 Mudanas na linha intermediria do Cruzeiro Figura 20 Grau de especializao vertical no Cruzeiro Figura 21 Evoluo dos brases 1909-1921 Figura 22 Estdio dos Eucaliptos Figura 23 Estdio Jos Pinheiro Borda (Beira-Rio) Figura 24 Estdio Beira-Rio e Ginsio Gigantinho Figura 25 Vista area do Complexo Beira-Rio Figura 26 Organograma oficial do Sport Club Internacional Figura 27 Vice-Presidncia de Administrao Figura 28 Distribuio do poder no Internacional Figura 29 Nveis hierrquicos do Internacional Figura 30 Progresso do quadro social do Internacional Figura 31 Mudanas na linha intermediria do Internacional

Figura 32 Sistema de gesto de qualidade do Internacional Figura 33 Grau de especializao vertical no Internacional Figura 34 Novo organograma do Internacional

Quadro 1 Tipos de formalizao Quadro 2 Resumo das diferentes perspectivas Quadro 3 Principais fatores ambientais Quadro 4 Tipos de estrutura Quadro 5 Profissionais e dirigentes entrevistados no Internacional Quadro 6 Profissionais e dirigentes entrevistados no Cruzeiro Quadro 7 Principais fatores no campo do futebol brasileiro Quadro 8 Evoluo da receita bruta do Cruzeiro de 2005 a 2010 Quadro 9 Evoluo da receita bruta do Internacional de 2005 a 2010 Quadro 10 - Evoluo da receita bruta anual em R$ milhes Quadro 11 Demonstrao dos resultados de 2010 e do perodo de 2001 a 2010 Quadro 12 Endividamento dos clubes de 2001 a 2010

SUMRIO

1 INTRODUO ................................................................................ 2 REFERENCIAL TERICO ...........................................................2.1 Estratgia ............................................................................................................ 2.2 Estrutura ............................................................................................................. 2.2.1 Conceito histrico e evoluo ......................................................................... 2.2.2 Estrutura da estrutura ...................................................................................... 2.2.3 Mecanismos de coordenao ou integrao .................................................... 2.2.4 Mecanismos de diviso ou diferenciao ........................................................ 2.2.5 Tipos de estrutura ............................................................................................ 2.3 Ambiente ............................................................................................................ 2.3.1 Contexto e evoluo histrica ......................................................................... 2.3.2 Fatores, dimenses e caractersticas do ambiente ........................................... 2.4 Profissionalizao .............................................................................................. 2.5 Consideraes finais ..........................................................................................

14 2020 37 37 40 43 48 50 53 54 62 67 75

3 CONTEXTO E TRAJETRIA DO FUTEBOL ...........................3.1 A evoluo do futebol no mundo ...................................................................... 3.2 A evoluo do futebol no Brasil ........................................................................

7777 89

4 METODOLOGIA ............................................................................4.1 Abordagens e estratgia ..................................................................................... 4.2 Tipo de pesquisa ................................................................................................. 4.3 Universo e coleta de dados ................................................................................. 4.4 Tratamento de dados ..........................................................................................

107107 107 110 116

5 AMBIENTE ORGANIZACIONAL................................................ 1185.1 Principais fatores do ambiente ........................................................................... 5.2 Ambiente geral e especfico ............................................................................... 5.3 Dinmica dos fatores .......................................................................................... 5.4 Dimenses e caractersticas ambientais ............................................................. 5.5 Consideraes finais .......................................................................................... 118 128 129 151 135

6 CRUZEIRO ESPORTE CLUBE .................................................... 1376.1 Trajetria ............................................................................................................ 6.2 Caracterizao da organizao ........................................................................... 6.3 Estrutura ............................................................................................................. 6.3.1 Principais mudanas ........................................................................................ 6.4 Estratgia ............................................................................................................ 6.4.1 Principais mudanas ........................................................................................ 6.5 Consideraes finais .......................................................................................... 137 143 146 151 165 173 176

7 SPORT CLUB INTERNACIONAL ................................................ 1827.1 Trajetria ............................................................................................................ 7.2 Caracterizao da organizao ........................................................................... 182 189

7.3 Estrutura ............................................................................................................. 7.3.1 Principais mudanas ........................................................................................ 7.3.2 Nova estrutura ................................................................................................. 7.4 Estratgia ............................................................................................................ 7.4.1 Principais mudanas ........................................................................................ 7.5 Consideraes finais ..........................................................................................

192 199 211 213 222 226

8 CONSIDERAES FINAIS...........................................................

232

REFERNCIAS .................................................................................. 241 APNDICE A MAIORES DEVEDORES NO BRASIL EM 2010 ....................................................................................................... 248 APNDICE B RANKINGS ............................................................. 249

APNDICE C QUESTIONRIO DE AVALIAO GERAL ... 251 APNDICE D - ANLISE DAS MELHORES PRTICAS DE GOVERNANA CORPORATIVA DO IBGC ................................ 254 APNDICE E QUESTIONRIO BSICO DE ENTREVISTA.. 255 APNDICE F - DEMONSTRATIVOS FINANCEIROS DO CRUZEIRO ESPORTE CLUBE (2001-2010) .................................. 257 APNDICE G - DESEMPENHO ESPORTIVO DO CRUZEIRO ESPORTE CLUBE (2000-2010) ........................................................ 260 APNDICE H - DEMONSTRATIVOS FINANCEIROS DO SPORT CLUB INTERNACIONAL (2001-2010) .............................. 261 APNDICE I - DESEMPENHO ESPORTIVO DO SPORT CLUB INTERNACIONAL (2000-2010) ............................................ 264

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1 INTRODUO

O futebol pode ser contemplado sob duas perspectivas: dentro ou fora das quatro linhas. Observ-lo dentro das quatro linhas uma experincia que envolve mente, corpo e alma. A simplicidade de sua dinmica confrontada pela complexidade das emoes que desperta nos seus praticantes e espectadores, envoltos em noventa minutos de uma simples partida, cujo desfecho construdo de imprevisibilidade e acaso. Os mais de cem anos de vida do futebol foram preenchidos por batalhas, dolos, vitrias e derrotas ainda presentes na memria daqueles que assistiram ou escutaram os jogos e competies realizados ao redor do planeta. Um juiz, vinte e dois jogadores, e uma bola produziram histrias, tradies e culturas, cujos significados s podem ser compreendidos por quem os vivenciou. Por mais belo e sedutor ou feio e tedioso, esse no o futebol explorado nesse trabalho. Se considerado como um espetculo, o objetivo da anlise aqui desenvolvida investigar o futebol alm das quatro linhas, por trs dos panos. Desde sua inveno at sua prtica contempornea, o futebol vem sendo fomentado por organizaes, entidades e indivduos, cujas prticas e objetivos influenciaram seu atual estado. De novidade recreativa, emigrou da Europa para se consolidar em todos os continentes do planeta, tornando-se o esporte mais popular do mundo. O interesse por ele despertado resultou na criao e desenvolvimento de federaes, confederaes e associaes responsveis no apenas por sua organizao, mas por um novo campo de futebol - irrestrito por quatro linhas. Este novo campo, acompanhado por evolues culturais, econmicas e tecnolgicas, modificou-se ao longo dos anos. Com a evoluo dos meios de comunicao, o futebol massificou-se gradativamente e com o ingresso do capital privado, o espetculo foi transformado em uma indstria altamente lucrativa. Segundo Areias (2007, p. 25), o esporte, que desde seus primrdios desenvolveu-se como uma atividade social, educativa e de entretenimento, desfruta agora de uma evoluo inexorvel na rea econmica. Ainda segundo esse autor, enquanto no Brasil a indstria do esporte representa cerca de 2% do PIB, em outros pases essa porcentagem chega a 5%.

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Os bilhes movimentados pelo futebol fizeram com que sua lgica esportiva fosse modificada por interesses econmicos, e ainda que o espetculo permanea no centro das atenes, a presso por sua rentabilidade crescente. Nesse novo cenrio, as discusses so direcionadas s entidades responsveis pela gesto do futebol. Sua cultura amadora, especialmente no Brasil, passou a ser questionada por sua aparente incompatibilidade com valores e prticas mercantilistas, o que considerado por muitos o principal entrave evoluo do futebol. Com isso, a profissionalizao dessas entidades se tornou o centro de um debate que divide opinies no pas. O termo profissionalizar utilizado publicamente por aqueles que criticam a situao de grande parte dos clubes brasileiros, marcada pela penria financeira e gesto ineficiente. Considerada como soluo por uns e problema por outros, a profissionalizao o cerne deste trabalho. Por meio de um estudo de casos de dois grandes clubes brasileiros, o Cruzeiro Esporte Clube e o Sport Club Internacional, ela questionada enquanto significado e verificada enquanto processo. Para que a profissionalizao seja investigada nesses clubes, so analisadas trs dimenses organizacionais: estratgia, estrutura e ambiente. Essas dimenses so, por sua vez, analisadas em um espao de tempo que contempla as principais mudanas no campo do futebol nos ltimos anos, sendo posteriormente relacionadas como forma de averiguar possveis conexes entre si e um processo de profissionalizao. O ambiente analisado desde o surgimento do futebol; porm, como os fatores sociais, econmicos, polticos e culturais do Brasil so especficos, essa anlise dividida entre seu contexto no mundo e, mais especificamente no pas. As principais mudanas no ambiente organizacional so ento relacionadas estratgia e estrutura, exploradas separadamente em ambos os clubes. Embasada pelas Teorias Organizacionais e os principais autores de estratgia Mintzberg (1978 e 1994), Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) e Mintzberg e Waters (1985), estrutura - Chandler (1962), Hall (1972), Mintzberg (1995), e Donaldson (1999), e ambiente organizacional - Burnes e Stalker (1961), Child (1972), Duncan (1972), Lawrence e Lorsch (1973), Mintzberg (1979) e Porter (1986), a anlise dessas trs dimenses construda por meio de dados qualitativos e documentais, coletados em consonncia com os mtodos de pesquisa mais apropriados para o contexto no qual o trabalho foi desenvolvido, de acordo com Yin (2001), Flick (2004) e Godoy (1995).

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Seja como prtica de esporte ou como entretenimento, o futebol possui no mundo uma relevncia incontestvel construda ao longo de sua trajetria. Porm, a sua viso como um negcio ainda recente. Os clubes de futebol, com grande exposio miditica e uma parcela significativa de torcedores por todo o pas, movimentam atualmente receitas considerveis em um cenrio sem precedentes no esporte brasileiro. Esse panorama, aliado existncia de uma tendncia de profissionalizao desses clubes, traz discusso o papel das prticas de gesto dessas organizaes. Ainda que o Brasil e pases como a Frana, Alemanha, Itlia e Inglaterra possuam poderes econmicos distintos, bem como especificidades inerentes a cada uma de suas respectivas culturas, a disparidade entres os clubes brasileiros e europeus significativa. Considerando que a maneira como um clube administrado sofre influncia de fatores culturais, legislativos e econmicos, faz-se necessrio um estudo que explore e descreva a maneira como os clubes no Brasil so geridos, bem como os fatores que influenciam essa gesto. No cerne deste debate, encontra-se a profissionalizao da gesto, que consiste atualmente no principal elemento de discusso sobre o processo de mudanas no qual os clubes brasileiros se inserem. Ainda que a Lei Pel tenha, de fato, provocado mudanas significativas no campo do futebol, foi a profissionalizao irreversvel do futebol que exigiu algo como a Lei Pel, e no o contrrio (AIDAR; LEONCINI, 2002, p.82). inquestionvel afirmar que o cenrio no qual os clubes brasileiros se inserem hoje formado por elementos e caractersticas inditas, no qual a estrutura, a cultura, e os valores dessas organizaes so modificados em funo de fatores externos e internos. Em decorrncia deste processo de mudana, no qual se destaca a profissionalizao, justifica-se uma investigao terica e emprica que explore e descreva a relao deste processo por meio da anlise de trs dimenses organizacionais (estratgia, estrutura e ambiente) e a profissionalizao que existe no campo do futebol brasileiro. Dito isso, o problema que norteia o presente estudo definido a seguir:

Inseridos em um processo de mudanas, de que forma a estratgia, a estrutura e o ambiente do Cruzeiro e do Internacional foram modificados? Essas mudanas podem ser caracterizadas como um processo de profissionalizao?

O objetivo geral da pesquisa identificar e analisar as causas e consequncias do contexto de mudana em trs dimenses dos clubes brasileiros, de forma a proporcionar

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viso e reflexo sobre o processo de profissionalizao dessas organizaes. No intuito de atingi-lo, foram estabelecidos os seguintes objetivos especficos:

1- Descrever o contexto evolutivo do futebol, assim como suas causas e consequncias para os clubes brasileiros; 2- Discutir a relao da estratgia, estrutura e ambiente desses clubes em seu processo de profissionalizao; 3- Descrever a trajetria dos clubes estudados no contexto de mudana organizacional; 4- Debater sobre os benefcios e desvantagens que esse processo de profissionalizao traz a essas organizaes.

Em sntese, o modelo de estudo demonstrado pela figura a seguir:

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Figura 1: Estrutura da pesquisa Fonte: Elaborado pelo autor

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A introduo da pesquisa e seus aspectos gerais so seguidos pelo referencial terico, o contexto histrico do futebol, os procedimentos metodolgicos, a apresentao e anlise dos dados e as concluses finais. O referencial terico subdividido em quatro temas. Primeiramente, so apresentados os principais autores e modelos tericos das trs dimenses analisadas: estratgia, estrutura e ambiente organizacional, seguidos pelas teorias sobre profissionalizao. O referencial terico seguido da descrio do contexto histrico do futebol, cuja anlise direcionada para os aspectos relevantes administrao de clubes. Os procedimentos metodolgicos so ento indicados, esclarecendo os mtodos de pesquisa utilizados, o universo dos dados coletados, seu tratamento e anlise. A apresentao e anlise dos dados so estruturadas da seguinte maneira: primeiramente, apresentada a dimenso ambiente, por englobar da mesma maneira os dois clubes estudados e consequentemente suas estratgias e estruturas. A estratgia e estrutura so analisadas de forma sucessiva em ambos os casos, sendo apresentado, primeiramente, o caso do Cruzeiro Esporte Clube, seguido do Sport Club Internacional. Cada dimenso descrita, analisada, e relacionada profissionalizao ao final de cada caso apresentado. As concluses finais fecham o estudo dos casos, sintetizando os dados mais relevantes e apresentando os principais resultados obtidos.

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2 REFERENCIAL TERICOEste captulo rene os principais autores, conceitos e modelos dos campos de conhecimento utilizados como base terica para esta pesquisa. Estratgia, estrutura, ambiente e profissionalizao so apresentados sucessivamente, com a elucidao de seus conceitos e a enumerao e aprofundamento de seus aspectos mais relevantes a esta dissertao.

2.1 Estratgia

A origem da palavra estratgia est relacionada ao termo strategos, da Grcia antiga. Sua utilizao possui relao direta com guerras e batalhas, e seu significado pode ser traduzido como a a arte do general (GALBRAITH e NATHANSON, 1978, pg.3). Inicialmente, estratgia era relacionada a planos e esquemas formulados por generais ou comandantes de exrcitos para subjugar inimigos. Planejar uma estratgia significava elaborar movimentos e operaes com o objetivo de derrotar oponentes, vencer batalhas e contornar obstculos. Segundo Afonso Neto (2003), produes como A Arte da Guerra, de Sun Tzu, foram preponderantes em relao atual influncia nas teorias administrativas sobre estratgia. Planejar uma estratgia visto desde os tempos da Grcia antiga como um processo, no qual um lder necessita de inteligncia e astcia para que os recursos disponveis sejam alocados da maneira correta, e tanto o inimigo quanto o ambiente precisam de ateno e cuidado semelhantes. Ainda que fatores motivacionais e blicos fossem igualmente essenciais nas disputas, a vitria seria conquistada atravs de estratgias elaboradas de maneira minuciosa e deliberada. Quinn (1980) ressalta que a influncia militar presente em abordagens clssicas sobre estratgia proveniente de leituras que remontam s civilizaes de at quatro sculos antes de Cristo. Na medida em que as civilizaes evoluram, generais, chefes de estado e estudiosos (o autor cita personagens histricos como Felipe, Alexandre o Grande, Napoleo, Maquiavel, Lenin, e Mao Tse-Tung) construram conceitos e tticas de domnio ou batalhas, fazendo com que um corpo de princpios acerca do assunto se tornasse mais slido e disseminado. Os conceitos consolidados por essa literatura

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especfica foram traduzidos por autores contemporneos por analogia, o que fez do pensamento estratgico formal um corpo de adaptaes modernas do assunto. Quando relacionado aos estudos organizacionais e ao mundo corporativo, o incio da disseminao da estratgia contempornea apontado em perodos distintos e vinculado a diferentes autores.

Devido proximidade entre o conceito de estratgia e planejamento, o incio da expanso do conceito moderno de estratgia atrelado por alguns autores s teorias da Administrao Cientfica. Difundidas por Taylor em 1911, e Fayol em 1916, a separao das etapas de planejamento e execuo ainda exercem influncia no conceito e no processo estratgico atual. O racionalismo pregado por estas teorias evidente em algumas escolas de pensamento, nas quais o controle e a organizao sistemtica fazem da estratgia um processo deliberado, cujo intuito a sobrevivncia, expanso e domnio da organizao em relao a seus recursos internos e externos. Ainda que limitado aos mtodos e processos de trabalho, a racionalizao clssica se faz presente em diversas leituras sobre planejamento estratgico, como a melhor maneira de se alcanar os objetivos traados por uma organizao. A contribuio de Taylor e Fayol pode ser associada diretamente maneira como a estratgia formada e implementada em teorias sobre o tema. Seu processo de formulao restrito aos detentores de poder e influncia na organizao, onde a definio dos objetivos e o estabelecimento de metas se desenrolam de forma consciente e lgica. Esse processo abastecido por informaes e anlises internas sobre as potencialidades organizacionais e externas sobre as oportunidades do

mercado/ambiente. Sua implantao vista como a etapa seguinte, na qual a organizao se desdobra e se mobiliza para que tais objetivos sejam alcanados sem que haja protesto ou contestao por parte dos seus executores. Considerado como clssica e precursora, o marco inicial dos estudos sobre estratgia citado por diversos autores como a obra de Alfred Chandler. Sua publicao StrategyandStructureno, incio da dcada de 60, apresenta os resultados de sua pesquisa com 70 das maiores empresas norte-americanas, na qual alguns de seus princpios-chave se tornaram clebres no mundo dos negcios e, consequentemente influenciaram produes posteriores sobre estratgia. A mais famosa das mensagens expressas no livro a de que a estrutura organizacional segue a estratgia. Ainda que contestada ou complementada por outros

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autores, essa afirmao no s reforou como consolidou a viso sobre estratgia em seu tempo como um processo verticalizado, no qual a alta direo estabelecia caminhos a serem seguidos que eram acatados pela organizao. preciso ressaltar que a obra de Chandler (1962) no pode ser considerada clssica apesar de apresentar alguns traos da Escola de Administrao Cientfica. Enquanto tericos clssicos afirmavam existir um nico modelo de estrutura eficiente para todas as organizaes independentemente do seu ambiente, Chandler apresenta argumentos da Teoria contingencial, na qual a organizao precisa adequar fatores estruturais a diferentes circunstncias ambientais para que seu sucesso ou sobrevivncia seja assegurado. Outro princpio apresentado pelo autor estabelece a causalidade entre a mudana organizacional e as circunstncias enfrentadas. Chandler (1962) afirma que uma organizao s modifica ou altera sua estrutura quando seus processos ou sua configurao confrontada pela ineficincia. A influncia externa passa a ser um fator a ser considerado ao invs de controlado. Em sua anlise das grandes corporaes norte-americanas, Chandler (1962) descreve um ciclo no qual estgios de desenvolvimento podem ser identificados. Quatro estgios principais foram apontados como necessrios para que essas empresas modificassem sua estrutura em uma nova configurao. Primeiramente, era necessria a aquisio de recursos e expanso de volume de produo, seguida pela disperso geogrfica em mercados e posteriormente pela integrao vertical na qual estruturas funcionais eram adotadas. O ltimo estgio, provocado pela diversificao de produtos, consistia em outra mudana estrutural onde a configurao divisional passava a ser adotada. Atravs das estratgias adotadas em cada estgio, mudanas estruturais eram necessrias, na qual a organizao se adaptava mediante a atuao do seu lder ou de sua alta direo:

Essa pesquisa no s sugere que a expanso causou problemas administrativos que levaram, com o tempo, mudana organizacional e ao reajuste, mas sugere que a reformulao essencial da estrutura administrativa quase sempre precisou esperar por uma mudana na alta direo. (CHANDLER, 1962, pg. 380)1.

A estrutura divisional adotada ao final do ciclo de mudanas descrito nessas empresas apresentava um grau significativo de complexidade, especfica s organizaes inseridas no mesmo contexto no qual esse ciclo fora completado. Chandler1

Traduzido pelo autor.

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(1962, Pg. 14. Traduzido pelo autor) conclui seu raciocnio com ao afirmar que a estrutura segue a estratgia e que o tipo mais complexo de estrutura o resultado de uma concatenao de diversas estratgias bsicas. Planejar uma estratgia descrito por Ansoff (1965) como um processo de alta complexidade baseado em anlises de informaes internas e externas. Ainda que seja considerada altamente prescritiva, sua obra contribuiu para que o conceito de estratgia fosse incorporado efetivamente ao mundo corporativo e fomentou a partir da sua publicao produes sobre estratgias e organizaes. A partir da dcada de 70 a estratgia adquire mais relevncia e passa a ser utilizada como vantagem competitiva em funo do acirramento da competio no mundo corporativo. A expanso global de mercados fez com que empresas buscassem cada vez mais fontes de vantagem como forma de diferenciao, e a estratgia, desenvolvida at ento como um processo interno, passa a ser influenciada pelo ambiente externo de forma mais significativa. A instabilidade passou a ser fator constante quando o assunto abordava ambiente externo, fomentando nas organizaes a busca por segurana e competitividade no longo prazo. Amplamente disseminado a partir da segunda metade do sculo XX, o conceito de estratgia como um plano para o futuro da organizao elaborado pelos lderes organizacionais questionado por Mintzberg e Waters (1985). Devido ao aparente consenso na poca sobre essa ser a definio mais correta do que de fato era estratgia, os autores afirmam que compreensvel a maneira como o processo de formao de estratgia era retratado: um processo analtico de formulao de metas e objetivos de longo prazo sucedido pela implementao dos mesmos. Mintzberg (1978) afirma que grande parte das produes sobre estratgias ao final da dcada de 70 permanecia terica, com base emprica insuficiente que dava espao para constantes contradies entre os autores do tema. Apesar disso, predominavam no campo das teorias da administrao conceitos sobre estratgias que a classificavam como algo explcito e consciente. A estratgia era retratada mais especificamente como um plano, o que criticado pelo autor, pois:[] ao restringir estratgia como explcita, instrues pr-estabelecidas, o pesquisador forado a estudar a formao da estratgia como um fenmeno perceptvel, frequentemente reduzindo suas concluses a generalizaes normativas abstratas (MINTZBERG, 1978, pg. 935)2.

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Traduzido pelo autor.

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Mintzberg e Waters (1985) afirmam que, apesar dessa definio ser historicamente relevante, limitaes significativas so identificadas, tornando necessria uma perspectiva mais abrangente que venha contemplar as diversas maneiras como a estratgia se forma. O conceito proposto por Mintzberg e Waters (1985) define estratgia como um padro em uma corrente de decises. Ainda que essa definio no seja bem sucedida para abranger a complexidade do tema em questo, os autores argumentam que ela necessria operacionalizao do conceito de estratgia, possibilitando pesquisas mais concretas e tangveis sobre sua formao nas organizaes. Com isso, os autores passaram a investigar a relao entre os planos e intenes dos lderes organizacionais e o que de fato realizado na organizao, identificando-os respectivamente por estratgias intencionais e estratgias realizadas. Ao identificarem e compararem esses dois fenmenos, Mintzberg e Waters (1985) argumentam que foi possvel identificar os dois principais conceitos em seu tema de pesquisa: as estratgias deliberadas das estratgias emergentes. Deliberadas so as estratgias realizadas exatamente como foram planejadas, onde a inteno inicial fora alcanada no decorrer do processo de implementao. Por sua vez, emergentes so as estratgias realizadas mesmo com a ausncia de qualquer tipo de inteno ou planejamento inicial.

Figura 2: Tipos de estratgia Fonte: Adaptado de Mintzberg e Waters (1985).

Baseando-se nesses dois conceitos, os autores identificaram oito diferentes padres de estratgias, cujo grau de deliberao e emergncia varia de acordo com suas especificidades. So elas: estratgia planejada; empreendedora; ideolgica; guardachuva; de processo; desconectadas; de consenso; e impostas.

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Mintzberg e Waters (1985) afirmam que, para uma estratgia ser puramente deliberada, preciso que trs condies sejam atendidas. Primeiramente, necessrio haver intenes precisas, articuladas e formalizadas de maneira detalhada e especfica. Posteriormente, essas intenes devem ser conhecidas por todos funcionrios, uma vez que organizao significa ao coletiva; essas intenes devem ser realizadas de maneira idntica s intenes iniciais, livres de qualquer tipo de influncia externa. (MINTZBERG e WATERS 1985, pg. 258. Traduzido pelo autor). Sendo completamente deliberada, a estratgia formulada em um ambiente completamente previsvel e controlvel. Ainda que algumas estratgias organizacionais se aproximem da realizao dessas trs condies, os autores afirmam que, no mundo real, dificilmente existir uma estratgia completamente deliberada. Por sua vez, uma estratgia completamente emergente exige consistncia em um padro de aes e decises dissociadas de intenes iniciais. A falta de consistncia determinaria estratgias no realizadas, porm, os autores afirmam que uma estratgia completamente desvinculada de um planejamento, assim como uma estratgia puramente deliberada, um fenmeno raro de se analisar. Com isso, Mintzberg e Waters (1985) afirmam que o mais provvel a verificao de estratgias que variam em grau e intensidade de deliberao e emergncia ao invs de suas formas perfeitas. A principal diferena apontada pelos autores entre estratgias deliberadas e emergentes que a primeira se concentra em questes como direo, planejamento e controle por parte de uma alta direo cuja atuao pautada na hierarquia e unilateralidade, na qual se persegue a consecuo dos objetivos por ela formulados. Por sua vez, as estratgias mais emergentes do espao noo de aprendizado estratgico (MINTZBERG e WATERS 1985, pg. 258. Traduzido pelo autor). Segundo esses autores, o conceito de estratgia emergente implica a utilizao de estratgias que de fato funcionam ou so bem recebidas pelo mercado. A ausncia de deliberao completa no significa que esse tipo de estratgia catico, apenas ordenado de maneira no intencional. A alta direo no deve ser vista como incapaz de controlar os objetivos organizacionais, mas como flexvel o bastante para se adaptar s situaes do ambiente, aprendendo eventualmente com suas mudanas. Segundo Mintzberg e Waters (1985), quando uma organizao se dispe a construir sua estratgia de maneira emergente, suas chances de se adaptar a um ambiente instvel e complexo so maiores, e perseguir uma

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estratgia inflexvel ou utpica s resultaria em esforos desperdiados e desgaste organizacional. Assim como a estratgia deliberada nem sempre benfica, a estratgia emergente no ser necessariamente prejudicial. Ao expressar sua opinio sobre o assunto, Mintzberg (1994) afirma que para uma estratgia se tornar vivel e passvel de concretizao, tanto qualidades deliberadas quanto emergentes so necessrias. Mintzberg (1978) afirma ser desnecessrio discutir sobre o fato de que a formao da estratgia no um processo linear, seguindo ou cumprindo um itinerrio especfico ao longo do tempo. Porm, o autor ressalta que isso no deve ser utilizado como pretexto para se inferir que no existem padres nessa formao estratgica. Esses padres existem, mas devem ser analisados de forma categrica e cautelosa, pois talvez no haja processo em uma organizao que exija tanta cognio quanto a formao estratgica (MINTZBERG, 1978, Pg.948. Traduzido pelo autor). Na dcada de 80, os estudos sobre estratgia ainda possuam orientao racional, mas o ambiente j exercia papel de destaque. Porter, Hamel e Prahalad se destacam entre os autores cujas produes apresentavam um enfoque sobre estratgia mais aberto. A crise do petrleo na dcada de 70 e os problemas enfrentados por grandes empresas como a Ford e a General Motors serviram como combustvel para que teorias e produes sobre o tema fossem disseminadas rapidamente, nas quais ferramentas estratgicas foram sendo substitudas por abordagens mais abertas e adaptveis. A anlise sistemtica caracterstica do processo de formulao de estratgia racional se volta do ambiente interno para o ambiente externo, quando a organizao passa a ser a responsvel por escolher seus mercados e segmentos de atuao. Porter (1986) afirma que a estratgia competitiva consiste na escolha de uma posio onde a organizao ser responsvel por aes ofensivas ou defensivas, com o objetivo de se manter lucrativa e sustentvel. Cabe organizao analisar e estudar entre os modelos disponveis qual apresenta mais benefcios em relao aos concorrentes, fornecedores, entrantes, clientes e mercados. A estratgia descrita pelo autor como forma de se relacionar com seu ambiente, principalmente com as indstrias concorrentes. A forma como uma indstria se estrutura influencia diretamente as regras do jogo mercadolgico no qual a competitividade o objetivo, e, saber lidar com tais regras se torna uma habilidade destacada. Da metade do sculo XX at os dias atuais, o debate sobre estratgia se tornou relevante de forma ascendente. Seu escopo se tornou mais abrangente e novas

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contribuies continuam enriquecendo esse tema que j possui complexidade considervel. Independentemente da forma como abordada, formulada ou qual finalidade serve a estratgia, incontestvel o fato de que seu corpo terico e prtico adquiriu dimenses impensadas. O conceito de estratgia serve para ilustrar de que forma o assunto suscita novas teorias assim como discrdia entre seus principais autores. Longe de haver consenso, a estratgia descrita atravs de inmeros aspectos, nos quais cada autor contribui de maneira distinta. Para Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), a literatura sobre o tema no s vasta, como possui em diversos exemplos uma viso e escopo limitados. Afirmam que, ao invs de abranger o conceito e o processo como um todo, o que se comprova so produes sobre partes e aspectos especficos sem uma noo geral de onde se inserem em um contexto mais amplo. Na tentativa de reunir e melhor direcionar os estudos sobre estratgia, os autores descrevem dez escolas de pensamento, separando-as de acordo com as diretrizes de anlise apresentadas. Cada uma dessas escolas rene em seu escopo as produes sobre estratgia cujas perspectivas e propostas so semelhantes entre si. A Escola de Design descrita pelos autores como a mais influente no campo da Administrao Estratgica. Influenciada historicamente pelos trabalhos de Selznick e Chandler, a estratgia retratada como uma escolha da alta direo. Aps uma anlise entre o ambiente interno e externo da organizao, a estratgia concebida num primeiro momento, seguido pela movimentao e tentativa da organizao de implement-la e faz-la funcionar. possvel que se perceba a semelhana desta escola com o conceito de Mintzberg (1987) de estratgia enquanto plano. Seu processo de elaborao racional e sistemtico, caracterizado pela inteno da alta direo que a concebe de maneira deliberada. Apesar de contemplar inmeras variveis internas e externas, a estratgia retratada por essa escola no como escolha, mas como a melhor escolha. Alm do aspecto lgico, a escola de Design se fundamenta principalmente em produes nas quais o executivo principal ou o presidente e seus diretores ocupam uma figura central em termos de liderana e responsabilidade pela estratgia e sua formao. A principal crtica escola de design diz respeito sua inflexibilidade em relao ao processo de formao e implementao estratgico. A mxima de Chandler de que a estrutura segue a estratgia, imortalizada e amplamente utilizada nessa escola, questionada pelos autores por tornar irrelevante, de certa forma, o passado

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organizacional. Ao ser implementada, uma estratgia no pode relevar o contexto ou a cultura j existentes na organizao; o passado no deve ser relevado, ainda que novos caminhos sejam perseguidos. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmam que a estrutura segue, de fato, a estratgia, mas no mais do que um p esquerdo segue o direito. A Escola de Planejamento, ainda que muito semelhante de Design, se distingue em relao forma como a estratgia elaborada. A necessidade de se construir um plano simples, objetivo e direto da escola de Design substitudo por um processo altamente formalizado, onde as etapas e aspectos estratgicos so destrinchados de modo mecnico e inquestionvel. Os autores utilizam a metfora da mquina como modelo para as produes dessa escola. Assim como suas peas e a maneira como so ordenadas para funcionarem, a estratgia aqui formulada e decomposta at seus ltimos detalhes, por um propsito de especificao que busca sua operacionalizao lgica e contnua. O alto executivo ainda possui papel central na elaborao e planejamento da estratgia; porm, ao ser implementada, ela fica sob responsabilidade dos planejadores. Ainda que o executivo seja, em princpio, o arquiteto da estratgia, seu papel se restringe aprovao do plano traado, sendo os planejadores os principais responsveis por grande parte de sua elaborao, e principalmente, sua operacionalizao. (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 51) As principais criticas dos autores a escola de Planejamento no se refere especificamente ao ato de planejar, mas forma como esse planejamento idealizado. A formalizao altamente especfica e detalhada do processo pode ser considerada como utpica j que o grau de previsibilidade exigido seria possvel apenas a ambientes completamente controlveis. A estabilidade indispensvel implementao de um modelo estratgico como esse, porm, conforme argumentam Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), tais caractersticas no podem ser encontradas no atual mundo dos negcios. Outra questo destacada a dependncia criada nas organizaes por profissionais detentores de conhecimento e expertise surreais. O grau de complexidade, no s de um planejamento idealizado por essa escola, mas do ambiente interno e externo de uma organizao faz com que verdadeiros super-homens sejam necessrios para realizarem tarefas homricas. Por ltimo, preciso destacar que a formalizao, enquanto processo de implementao estratgica, se torna um empecilho inovao organizacional. Para os autores, tal processo no pode ser institucionalizado, e, como a

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formalizao utilizada como base para que estratgias sejam geradas, a intuio e inovao acabam sendo reprimidas ou excludas. Conforme os autores, a Escola de Posicionamento teve seu surgimento e expanso aps a publicao de CompetitiveStrategy de Michael Porter. Ainda que de certa forma se assemelhe s escolas de Planejamento e Design, essa escola introduz novas questes ao processo de planejamento estratgico. Ao contrrio das escolas anteriores, que pregavam a elaborao de uma estratgia nica e especfica da organizao, a escola de posicionamento argumenta que apenas um conjunto de opes e alternativas estratgicas adequado organizao e posio ocupada por ela em determinado mercado. Atravs da elaborao de um conjunto de ferramentais analticas, a organizao deve ajustar sua estratgia ao nicho mercadolgico que ocupa, buscando se adequar ao mesmo. Por meio de um estudo sistemtico das condies do ambiente e das variveis internas da organizao, acredita-se ser possvel que a estratgia ideal seja identificada. Caso a estratgia adotada no se encaixe na posio ocupada pela organizao, suas alternativas so mudar de posio, ou modificar a estratgia elaborada. A principal diferena dessa escola seria ento considerar o ambiente externo no processo de formao da estratgia. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmam que a escola de Posicionamento seria a mais antiga das escolas de formao de estratgia, pois suas influncias podem ser vinculadas a relatos militares de civilizaes antigas. Ao citar A Arte da Guerra de Sun Tzu como o melhor exemplo desses relatos, os autores afirmam que a maneira como antigos generais ou comandantes se preparavam para batalhas semelhante postura adotada atualmente por homens de negcio: conhecer o ambiente; os pontos fortes e fracos do oponente; saber o momento certo de atacar e se defender, etc. Assim como nas outras escolas, a estratgia descrita como um processo deliberado e calculado com determinada preciso pela alta direo. O alto executivo ainda detm o poder de elabor-las, mas, segundo os autores o planejador passa a exercer um papel mais relevante. Ainda que no chegue a conceb-las de fato, o planejador agora passa a selecionar as estratgias disponveis atravs de um processo analtico de dados e informaes relevantes posio organizacional no mercado. Segundo os autores, as escolas de Design, Planejamento e Posicionamento possuem uma natureza prescritiva, pois so mais preocupadas em como as estratgias devem ser formuladas do que em como elas so formuladas (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 14).

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Ao contrrio das escolas anteriores, a Escola Empreendedora se concentra na figura do indivduo que lidera a organizao. Menos coletiva e mais concentrada na viso do lder, essa escola se baseia em um processo abstrato e rejeitado por outras: a intuio. O aspecto pessoal presente nesta perspectiva se concentra na imagem mental formada pelo lder a respeito do futuro e do caminho a ser seguido pela organizao. A viso, conceito central nessa escola, serve como norte para a implementao da estratgia e como instrumento de inspirao para a mobilizao interna dos funcionrios, j o ambiente, ainda que no seja completamente previsvel ou fuja do controle do lder, serve como um territrio por onde a organizao manobrada atravs da viso e direcionamento estabelecidos pelo lder. Sendo a estratgia concentrada em uma imagem mental, a ausncia de sua formalizao ou articulao documental possibilita que seu processo seja elaborado tanto de maneira deliberada quanto emergente. Baseado em produes mais clssicas, nas quais o dono ou fundador do negcio era o principal responsvel pelo sucesso e crescimento da organizao, o esprito empreendedor ressaltado nas produes atuais se baseia em conceitos de proatividade, superao, mobilizao e inspirao das pessoas dentro da organizao. Se em determinadas ocasies este modelo de estratgia pode ter xito, necessrio que seja ressaltada sua especificidade. Com traos paternalistas, a estratgia empreendedora necessita de organizaes centralizadoras para prosperar. Instituies onde o poder distribudo de forma horizontal tendem a evidenciar maior incompatibilidade com esse modelo, cujos riscos no podem ser relevados, uma vez que uma figura central detm poder significativo. Ainda que o executivo principal concentre poder suficiente para influenciar a organizao, na literatura da escola empreendedora possvel constatar novamente a transformao do lder em um indivduo com superpoderes. Suas atribuies e deveres so to indispensveis ao sucesso da organizao que a contribuio esperada por esse indivduo eventualmente beira o exagero. A Escola Cognitiva apresenta uma perspectiva diferente das demais, na qual o processo de formao da estratgia retratado por um enfoque distinto. Segundo Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), ao invs de se concentrar em como a estratgia deve ser formada, o foco na escola cognitiva se concentra em como ela formada. O pensamento do indivduo no mais idealizado ou moldado em um formato a ser seguido, mas retratado pela abstrao e especificidade que o caracterizam. As

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experincias, conhecimentos e aspiraes dos funcionrios so agora considerados no processo de formao da estratgia, situando essa escola em uma esfera mais individual como a escola empreendedora. Ainda que a viso seja, de certa forma, o foco nessa escola, para os cognitivistas o mais relevante entender o porqu de sua formao ao invs do resultado a ser atingido. O termo cognitivo se refere subjetividade desse processo de formao no qual a estratgia formulada atravs da interpretao que o indivduo possui do mundo da organizao e tudo que o cerca. Essa perspectiva se distancia do pensamento formalizado e de suas amarras, sendo considerado um estmulo aos processos intuitivos nos quais a criatividade e inovao podem ser exploradas. Ainda que no haja tanta restrio, preciso ressaltar que um processo mental de organizao do conhecimento necessrio para que a estratgia no seja formulada ou implementada de maneira catica ou desordenada. A Escola de Aprendizado se assemelha escola Cognitiva ao considerar o mundo um local de alta complexidade. O processo de estratgia se constri em cima de outro processo, considerado como a melhor forma de sobreviver ao ambiente: o aprendizado. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmam que, apesar de sua ideia objetiva, colocar em prtica uma estratgia como aprendizado no tarefa simples, pois envolve frequentemente o aprendizado coletivo da organizao para adaptao ou reao s mudanas e problemas provenientes do ambiente. Na medida em que a organizao lida com determinadas situaes ou contextos ao longo do tempo, sua capacidade se aprimora a ponto de padres de comportamento emergirem, sendo estimulados e recompensados somente aqueles benficos aos resultados

organizacionais. Os autores afirmam que uma das diferenas entre essa escola e as trs primeiras o predomnio da descrio ao invs da prescrio. A questo central como se forma a estratgia ao invs de como a mesma formulada. Quem forma a estratgia outro ponto a ser discutido: enquanto altos executivos e a lderes organizacionais assumiam a posio de elaborar a estratgia nas escolas prescritivas, o processo na escola de Aprendizado mais disseminado. Pequenas, mdias ou grandes decises, sejam elas tomadas pelo presidente ou por funcionrios operacionais, tm influncia semelhante em relao estratgia. A contribuio ao processo no se limita alta direo, mas se distribui por toda a organizao, tanto verticalmente quanto horizontalmente.

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Para os tericos dessa escola, a estratgia um processo emergente no qual predomina o aprendizado ao invs de controle. Conforme especificado anteriormente, um processo emergente significa basicamente a possibilidade de aprender, e a escola destacada aqui retrata a estratgia como um processo onde a tentativas e erros possuem espao e relevncia. Ainda que a inovao possa ser estimulada nesse processo, a falta de controle ou o controle insuficiente podem levar a organizao a sucessivos fracassos, resultando em perdas econmicas, polticas e at mesmo culturais. A falta de articulao estratgica ou de um planejamento formalizado torna a organizao mais vulnervel s mudanas radicais e em alguns momentos, reduz sua capacidade de reao. A Escola de Poder introduz dois aspectos relevados pelas escolas j citadas: a poltica e o poder. Segundo os autores, poder significa o exerccio de influncia alm da puramente econmica, enquanto a poltica se refere explorao de poder de maneira no econmica (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 174). Para os tericos dessa escola, a organizao consiste em uma arena poltica onde disputas constantes influenciam de maneira geral. Indivduos detentores do poder faro uso do mesmo em benefcio prprio, sejam os fins legtimos ou ilegtimos. As aspiraes, interesses, ideologias, preferncias e conceitos individuais influenciam a tomada de deciso de forma que toda mudana interna ser provocada por motivos polticos. A poltica pode ser utilizada tanto internamente como externamente. A prpria organizao pode servir como instrumento para aqueles que possuem poder e perseguem objetivos que envolvem o ambiente externo. Ainda que essa possibilidade exista, os estudos e teorias dessa escola se concentram em produes sobre micro poltica, definida pelos autores como a utilizao de relaes de poder no ambiente interno da organizao. Conforme afirmam os autores:

A inteno das pessoas que escrevem sobre a escola de poder tem sido de despertar a administrao estratgica para uma realidade bsica da vida organizacional: que as organizaes so compostas por indivduos com sonhos, esperanas, cimes e temores (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 175).

Na escola de Poder, as relaes entre os indivduos responsveis pela formulao da estratgia so permeadas por coalizes formadas para assegurar a perseguio e consecuo dos objetivos, preferncias e desejos daqueles envolvidos na disputa. Com isso, a negociao entra em cena como aspecto intrnseco ao processo de

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formao da estratgia no qual concesses e troca de favores se tornam comuns ao cenrio onde o jogo poltico se realiza. A completa deliberao da estratgia se torna nessa escola impraticvel uma vez que as disputas constantes pelo poder faro com que mesmo uma estratgia bem elaborada seja afetada por fatores provocados ou criados por indivduos interessados no fracasso da mesma. Sabotagem e perturbaes so prticas comuns quando interesses econmicos e polticos esto em jogo; portanto, pensar o processo de formao da estratgia sem que esses fatores sejam considerados torna qualquer perspectiva limitada e ingnua para os autores dessa escola. Os objetivos e metas organizacionais podem ser definidos no por processos formais, mas em alguns casos atravs da negociao e barganha entre aqueles cujo poder suficiente para que mudanas sejam provocadas ou implementadas. Segundo os autores, a influncia que a poltica exerce sobre a organizao varia de acordo com sua estrutura e seus objetivos. Existem organizaes onde a poltica no possui tanta liberdade ou espao em funo de aspectos estruturais como a hierarquia ou design organizacional, no entanto, governos e instituies sem fins lucrativos sofrem influncia direta e constante da poltica, onde cada deciso estratgica torna-se um campo de batalha (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 178). A organizao no capaz de formular estratgias, apenas de tomar decises especficas; logo, as decises tomadas ao longo do tempo podem constituir um padro, semelhante ao conceito de Mintzberg (1987). Sobre os benefcios e problemas advindos da estratgia como poder, os autores deixam claro que somente uma anlise situacional pode determinar at que ponto esse processo pode ser til ou prejudicial organizao. Ainda que provoque a discrdia e a segregao em alguns casos, a poltica pode igualmente estimular o consenso, bem como estimular a legalidade nas tomadas de deciso quando uma oposio relevante regula a atuao da situao vigente. Assim como as escolas de Aprendizado e Poder, a Escola Cultural descreve a estratgia como um processo coletivo. Ainda que o indivduo possua relevncia na organizao, a conjuno de todas as individualidades constitui seu aspecto de maior peso. A cultura de uma organizao engloba tudo e todos dentro dela: pessoas, interpretaes e cognies, processos, rotinas, estrutura, etc. , portanto, tudo que construdo e ao longo do tempo e a distingue das demais organizaes. Segundo os autores, ainda que se identifique em partes com a escola Cognitiva, a escola Cultural no se restringe ao processo individual cognitivo, mas ao processo coletivo. A cultura

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considerada como a mente organizacional, a unio de todas as crenas, hbitos e rotinas da organizao (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 195). A cultura apresentada pelos autores como suporte essencial para a formulao de uma estratgia atravs do processo cognitivo coletivo; contudo, sua presena pode ser sutil ou abstrata demais em determinadas ocasies, prejudicando a comprovao mais objetiva de sua influncia. Caso o caminho inverso seja seguido, a participao da cultura se torna mais evidente. A resistncia mudana, principalmente em termos estratgicos, se deve em grande parte cultura j consolidada na organizao. Mudanas, ainda que sejam (DISP) irrelevantes ou significativas, no sero realizadas sem a aceitao ou conscincia coletiva. Logo, a maneira de se implementar mudanas com o objetivo de diminuir a resistncia a considerao da cultura organizacional e de tudo que a constitui. Estratgias no devem ser impostas, mas elaboradas atravs do processo cognitivo coletivo j existente na organizao. Dentre as crticas mais frequentes s produes dessa escola, os autores destacam a falta de objetividade dos tericos em estabelecer um processo de formao da estratgia. A abstrao e complexidade envolvidas na cultura organizacional dificultam a elaborao de um processo mais concreto e claro. Segundo os autores, o discurso elaborado na Escola Cultural possui facilidade em explicar somente o que j existe de fato, deixando de lado questes relevantes em funo de sua complexidade. Mobilizar a organizao significa envolver diversas variveis, o que torna o processo de mudana lento e trabalhoso. Nessa escola, administrar a estratgia um processo mais difcil do que nas anteriores. Segundo Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), a Escola Ambiental transforma em ator o que todas as outras escolas consideram apenas como fator: o ambiente. Definido pelos autores como uma conjuno de elementos e foras externas organizao, o ambiente passa a exercer papel central e ativo no processo de formao da estratgia. As organizaes so retratadas nessa escola de forma passiva por estarem sujeitas s mudanas provocadas pelo ambiente, onde a liderana passa ter como principal responsabilidade a sua leitura e a identificao de provveis problemas ou oportunidades, ficando assim impossibilitada de estabelecer qualquer tipo de estratgia deliberada. O processo de formao da estratgia se constitui de forma reativa, sendo passvel de mudanas e adaptaes na medida em que a organizao interage com o seu

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ambiente. Sua sobrevivncia se deve mais s condies ambientais do que sua capacidade de mobilizao e aprendizado. Uma das principais crticas a essa escola se deve sua inflexibilidade. Por descrever o ambiente como ator central e predominante no processo de formao da estratgia, as produes dessa escola so incapazes de explicar, ou at mesmo compreender, como organizaes distintas atuam e se comportam de maneira diferente em um ambiente idntico ou semelhante. Ainda que no existam mercados ou ambientes passivos ou completamente manipulveis, o ambiente s vezes descrito como extremamente hostil, impossibilitando qualquer grau de influncia ou interao com a organizao. A ltima das escolas descritas pelos autores a Escola de Configurao. Considerada pelos mesmos como uma combinao das demais escolas, suas produes se concentram sob dois rtulos. O primeiro configuraes descreve a organizao e seu contexto em diferentes estados, j o segundo transformaes descreve o processo de formao da estratgia como mudanas provenientes da prpria configurao. Segundo os autores:[] embora o processo de gerao de estratgia possa se dispor a mudar a direo na qual uma organizao est indo, as estratgias resultantes estabilizam essa direo. E a escola de configurao faz isso: descreve a estabilidade relativa da estratgia dentro de determinados estados, interrompida por saltos ocasionais e mesmo enormes para novos estados (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 222).

Os autores afirmam que, enquanto a escola do posicionamento situa a organizao em uma posio escolhida pela estratgia adotada, a escola da configurao a descreve em dois aspectos complementares. O primeiro consiste em dimenses organizacionais distintas, ordenadas em condies especficas que formam

consequentemente modelos ou estados; e o segundo se resume maneira como esses diferentes estados so sequenciados ao longo do tempo para definir 'estgios', 'perodos' e 'ciclos de vida' organizacionais (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 222). Portanto, possvel perceber que os dois rtulos caractersticos dessa escola descrevem estados distintos, sendo o primeiro marcado por estabilidade e o segundo por movimento e mudanas. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmam que ao contrrio da escola ambiental, marcada pelas separaes e isolamento de variveis a ser analisadas, a escola

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de configurao preza pelo agrupamento de diversas perspectivas em funo de uma viso mais geral e abrangente como resultado. A criao de categorias explicativas e conceitos mais simples so caractersticas dessa escola, o que estimula sua aceitao em termos de prtica, porm no da mesma forma em relao a teorias. A necessidade cientfica de mensurao discriminada e lgica favorece a separao dessas categorias em inmeras partes segregadas que, ao serem detalhadas de forma sistemtica e profunda, impossibilitam a viso geral do processo de formao estratgico.A abordagem de configurao pode ser encontrada em todas as cincias sociais, embora nem sempre em suas principais correntes acadmicas. O que, muitas vezes, as mantm fora uma obsesso com ser 'cientfico', a qual favorece a mediao e assim a separao (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, pg. 223).

Para que a relao entre configurao e transformao seja compreendida, os autores utilizam o exemplo de uma organizao ao longo do tempo. Com o objetivo de ser estvel durante certo perodo, essa organizao pode ser descrita como um conjunto de variveis nos quais uma determinada estrutura adotada como forma de adequao ao contexto (ambiente) no qual ela se encontra. Por sua vez, essa estrutura serve como base para um conjunto de aes, decises e medidas que influenciaro o processo de formao da estratgia durante esse perodo. Na medida em que o tempo passa, esses perodos de estabilidade so interrompidos por estgios de transformao, onde mudanas qunticas (quando diversos elementos so modificados de forma radical ou revolucionria) levam a organizao a uma nova configurao. Com isso, o ciclo de vida organizacional constitudo por uma sucesso especfica de estados de configurao e perodos de transformao. Atravs desse exemplo, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, pg.224) afirmam:

[] a chave para a administrao estratgica sustentar a estabilidade ou, no mnimo, mudanas estratgicas adaptveis a maior parte do tempo, mas reconhecer periodicamente a necessidade de transformao e ser capaz de gerenciar esses processos de ruptura sem destruir a organizao.

A ideia principal a ser absorvida na escola de Configurao a adequao especfica. Atravs do estudo das escolas de pensamento sobre estratgia, torna-se evidente a natureza complexa e abrangente da mesma, onde a ausncia de uma perspectiva global baseada em aspectos diversos ao longo do tempo contribui para anlises limitadas do seu processo de formao. Especfico a cada organizao e seu

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contexto, esse processo pode ser realizado de maneira planejada ou no, atravs de uma viso empreendedora ou uma anlise sistemtica ambiental, tendo como foco o processo de aprendizado coletivo ou uma disputa de interesses polticos, influenciados exclusivamente pelo ambiente externo ou pelas interpretaes individuais daqueles que lideram a organizao. Ainda que perspectivas diferentes caracterizem os estudos sobre estratgia, necessria a compreenso de que todas apresentam modelos e informaes relevantes que devem ser utilizados de maneira adequada ao estado e perodo especficos nos quais as organizaes se encontram dentro de seus respectivos ciclos de vida. preciso que a perspectiva de anlise da estratgia organizacional seja expandida, assim como o escopo terico utilizado, de modo que a estratgia seja explorada contemplando-se sua diversidade ao invs de apenas suas diversas dimenses de modo isolado. Ainda que seja criticada por sua abrangncia demasiada, a escola da Configurao no acredita em frmulas ou modelos genricos que se aplicam a vrias organizaes. Sua premissa bsica a de que a estratgia pode ser formada, implementada e utilizada de maneiras distintas, especficas a cada organizao. No existem vrios modelos simples para diferentes situaes, apenas uma viso global dos inmeros aspectos que influenciam cada um desses processos.

2.2 Estrutura

2.2.1 Conceito histrico e evoluo

Os estudos sobre estrutura tm sua origem e ascenso no sculo XX. Desde o surgimento de trabalhos pioneiros na primeira metade do sculo passado at os dias atuais, a estrutura permanece como uma das principais dimenses de anlise organizacional, sendo destrinchada em teorias e perspectivas diversas. Donaldson (1999) afirma que a teoria clssica concentra os primeiros ensaios e trabalhos sobre estrutura, norteados pela busca da melhor maneira de se organizar uma empresa. At o final dos anos 50, o contexto no qual os estudos clssicos foram desenvolvidos apresentava elementos especficos, cujo reflexo evidencia-se nas teorias mais atuais. A ausncia da atual hipercompetitividade permitia um grau de estabilidade mais elevado s empresas no incio do sculo passado, onde o ritmo das mudanas era

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mais vagaroso e as decises administrativas eram tomadas em um espao de tempo mais amplo. Com isso, a sobrevivncia organizacional relacionava-se no tanto com a capacidade de se diferenciar da concorrncia, mas maneira de se estruturar corretamente em determinado segmento de mercado. As organizaes da poca possuam estruturas verticalizadas, uma cadeia de comando centralizadora, poucos nveis hierrquicos e um alto grau de diviso do trabalho. O controle do processo de trabalho se concentrava em cargos intermedirios, considerados como formas primitivas do que hoje conhecido como a funo gerencial. Em seus estgios iniciais, grande parte das organizaes era gerida de forma paternalista, onde um lder ou empreendedor, na maior parte dos casos o prprio fundador do negcio, ocupava a figura central delegando tarefas, controlando o processo de produo e de tomada de deciso. Na medida em que o negcio prosperava e o mercado se desenvolvia, o grau de complexidade dessas organizaes evoluiu de forma paralela, sendo suas estruturas desenvolvidas e ampliadas para que as novas demandas do mercado fossem atendidas. O avano tecnolgico e o surgimento de linhas de produo em massa a partir de 1920 fizeram com que a capacidade das organizaes se expandisse de forma sem precedentes. Com isso, tanto no mercado quanto no campo terico, a busca por novas estruturas tornou-se prioridade. Apesar de mudanas externas terem exercido influncia na estrutura das empresas nessa poca, a teoria clssica no contemplava o ambiente e seus fatores com a relevncia de escolas de pensamento e teorias posteriores. A organizao era retratada como um sistema fechado, cuja sobrevivncia dependia pura e simplesmente em sua prpria capacidade. Ainda que o ambiente existisse, para a teoria clssica o mesmo no passava de um fator a ser controlado. A partir da dcada de 30, Donaldson (1999) declara que a escola clssica de administrao passa a ser contestada por autores da escola de relaes humanas, onde o empregado passa a ocupar o centro das discusses sobre a organizao do processo de trabalho. Na teoria clssica, o indivduo era considerado como uma pea a ser administrada, motivado apenas por fatores econmicos. Sua relevncia na organizao era praticamente inexistente e seu objetivo se resumia a seguir ordens. Com isso, a maneira como as organizaes da poca se estruturavam refletia esse foco. Com a unilateralidade presente nas organizaes onde a alta direo mandava e seus subordinados obedeciam, a estrutura das empresas era predominantemente verticalizada.

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Ao ser descrito na escola de relaes humanas como um detentor de necessidades e desejos e influenciado por fatores psicolgicos e sociais, o indivduo passa a ocupar um papel mais complexo na organizao. Uma vez que essa viso se modificava, consequentemente as relaes sociais e profissionais no local de trabalho foram alteradas, influenciando a perspectiva sobre estrutura organizacional. Segundo Donaldson (1999), as teorias da escola clssica de administrao e da escola de relaes humanas foram o centro de debates e discusses fervorosas sobre organizaes na metade do sculo XX. Ainda que consideradas por diversos autores como antagnicas ou contraditrias, tentativas de conciliar essas teorias foram desenvolvidas a partir da dcada de 60. Nesse contexto, surgiu a Teoria Contingencial, adquirindo relevncia ao apresentar uma perspectiva mais abrangente. Zanelli, BorgesAndrade e Bastos (2004) afirmam que, ao contrrio da teoria clssica, que afirmava existir uma nica forma de se estruturar eficientemente, a teoria contingencial estabelece a existncia de um nmero indefinido de estruturas eficientes, determinado diretamente pelo nmero de fatores contingenciais organizao. A partir da segunda metade do sculo XX, o contexto enfrentado pelas organizaes apresentava um aumento em seu grau de instabilidade. As mudanas tecnolgicas, sociais e econmicas transformaram gradativamente os mercados e mudanas nas teorias organizacionais ocorreram de forma concomitante. Organizaes consideradas mecanicistas passaram a perder espao para configuraes mais orgnicas. Donaldson (1999) argumenta que essas mudanas refletiram nas estruturas organizacionais, onde a hierarquia passou a descentralizar-se, o trabalho se tornou mais abstrato e o indivduo adquiriu responsabilidades mais amplas.A hiptese central da teoria da contingncia estrutural que as tarefas de baixa incerteza so executadas mais eficazmente por meio de uma hierarquia centralizada, pois isso mais simples, rpido e permite uma coordenao estrita mais barata. Na medida em que a incerteza da tarefa aumenta [], a hierarquia precisa perder um pouco do controle e ser coberta por estruturas comunicativas e participativas (DONALDSON, 1999, pg.107).

Chandler (1962) contribui para os estudos desse tema ao afirmar que a estrutura no se resume a uma escolha ou opo mais eficiente. Para esse autor, a estrutura organizacional um desenho (design), ou seja, uma configurao dos recursos e processos internos em relao aos fatores que cercam a organizao e principalmente, aos objetivos traados pela estratgia organizacional. Formal ou informalmente, a

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estrutura se resume a um desenho definido pela maneira como a autoridade e a comunicao entre as diferentes partes da organizao so distribudas. Chandler (1962) desenvolve seus argumentos ao definir a estrutura como reativa. Atravs da estratgia traada, problemas e obstculos novos sero enfrentados e o desempenho da organizao ser afetado. Conseguintemente, faz-se necessria a adoo de uma estrutura mais adequada para que esses novos problemas sejam contornados e o desempenho volte a ser positivo. Ainda que fatores estruturais influenciem a tomada de deciso, esse autor afirma que a estrutura contingencial estratgia de expanso e crescimento estabelecida pela alta direo. Atravs de uma abordagem contingencial, Galbraith e Nathanson (1978) relacionam um novo fator estrutura: a competitividade. Segundo esses autores, a competitividade organizacional influencia de forma significativa a estrutura. Em condies de pouca ou nenhuma competio, a estrutura no apresenta relao direta com a performance organizacional uma vez que a necessidade de coordenao e controle menor. Ao citarem Pfeffer e Leblebici, Galbraith e Nathanson (1978, pg.58), afirmam que a formalizao nos processos organizacionais aumenta no mesmo ritmo em que cresce o nvel de competitividade que a empresa enfrenta.Mais competio traz a necessidade de maior coordenao e controle. O aumento obtido atravs do uso formalizado de sistemas e procedimentos para mensurao e comunicao da performance e uma delegao maior da tomada de deciso dentre esses sistemas e procedimentos (GALBRAITH e NATHANSON, 1978, pg.58)3.

Esses autores concluem que em um contexto onde o desempenho econmico o objetivo principal, a estrutura da organizao e seus processos so mais passveis interveno e mudanas no intuito de que a competitividade seja assegurada.

2.2.2 Estrutura da estrutura

De acordo com Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004), uma organizao pode ser analisada atravs de perspectivas e fatores diversos; porm, trs dimenses so consideradas essenciais para a compreenso de seu funcionamento: estrutura, estratgia e as relaes da organizao com seu ambiente. Logo, a forma como uma estrutura organizacional composta no pode ser definida por decises arbitrrias, mas3

Traduzido pelo autor.

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construda de forma relativa aos fatores que influenciam uma organizao, sejam estes internos ou externos. Esses autores afirmam que a estrutura de uma organizao formada pelo estabelecimento formal e fsico da distribuio de poder e autoridade em uma hierarquia estabelecida; pela identificao das atividades a serem desempenhadas pelos funcionrios, e pelo modo como esses funcionrios se comunicam e interagem uns com os outros dentro dos limites organizacionais. O organograma de uma empresa considerado como a materializao dessa estrutura, servindo como instrumento para que as partes que a compem sejam coordenadas e os indivduos nela inseridos tenham suas relaes interligadas. Para Hall (1972), a estrutura possui trs objetivos bsicos: possibilitar o planejamento e de metas e sua consecuo; garantir que os objetivos organizacionais prevaleam sobre os objetivos dos funcionrios; e estabelecer a base para a atuao dos processos de trabalho e decisrios. A estrutura enquanto dimenso de anlise abordada por autores de maneiras distintas, possuindo terminologias antigas, atuais e variaes entre seus conceitos. Enquanto alguns autores se concentram em delimitar a estrutura em locais fsicos, maquinrio e recursos, outros optam pelas pessoas e suas relaes como sua base constitutiva. As estruturas organizacionais possuem configuraes diversas, por sua vez compostas de nveis e processos caractersticos a cada situao. Mintzberg (1995) argumenta que a uma organizao possui cinco nveis principais: cpula estratgica; linha intermediria; ncleo operacional; tecnoestrutura; assessoria de apoio. A cpula estratgica a responsvel direta pelos demais nveis, gozando de autoridade e influncia plena na organizao. Sua tarefa principal orientar todos os nveis para que o trabalho desenvolvido esteja em consonncia com os objetivos e metas traados pela estratgia geral, administrando as relaes internas e externas da organizao. A linha intermediria composta por gerentes e supervisores, responsveis pela comunicao entre a cpula estratgica e o ncleo operacional. Nesse nvel a estratgia especfica a cada departamento, servindo como reforo estratgia geral ao exercer seu papel de mediadora entre os nveis superiores e inferiores. O nvel abaixo composto pelo ncleo operacional, responsvel pela execuo do processo produtivo e suas etapas. Os funcionrios situados nesse nvel mobilizam-se

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para que os recursos e materiais sejam utilizados da forma correta no intuito de corresponderem estratgia traada pelos nveis superiores ao ncleo. A tecnoestrutura desempenha um papel distinto dos trs nveis anteriores. Segundo Mintzberg (1995), sua atuao se desvincula relativamente do processo produtivo e fluxo de trabalho, e tem como objetivo aprimor-los. A elaborao, implementao e modificao das etapas desses processos so revisadas neste nvel, no qual mudanas consideradas essenciais so efetuadas. A existncia desse nvel mais comum em organizaes onde o controle imprescindvel, seja atravs da padronizao de cargos ou fluxo de trabalho. Sua presena diminui a necessidade de superviso direta do ncleo operacional, sendo mais indispensvel organizao quando a padronizao essencial. Os funcionrios envolvidos no processo tambm so supervisionados, sendo instrudos, treinados e reposicionados quando necessrio. O ltimo nvel, a assessoria de apoio, responsvel pela gesto das atividades desvinculadas do fluxo de trabalho, exercendo funo cujo foco no mais se concentra no operacional, mas na proviso de suporte. A assessoria frequentemente confundida com a tecnoestrutura j que presta um servio de apoio, mas sua funo de natureza diferente, pois no se concentra na padronizao. Os nveis e os componentes de uma estrutura contribuem para uma viso mais simplificada de sua constituio, porm, para que seja possvel diferenciar as estruturas e suas variaes Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) afirmam ser necessrio definir suas caractersticas principais. Segundo esses autores, uma empresa se organiza basicamente atravs da diviso, coordenao e do agrupamento das tarefas e funes a serem desempenhadas. Robbins (1999) corrobora com esses autores e afirma que a estrutura organizacional composta por seis elementos-chave: especializao do trabalho, departamentalizao, hierarquia, esfera de controle, centralizao e descentralizao, e formalizao. Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) classificam os elementos apontados por Robbins (1999) ao afirmarem que os mesmos podem ser agrupados em dois mecanismos bsicos responsveis pela caracterizao da estrutura organizacional. Esses mecanismos sero discutidos a seguir, sendo seus elementos principais abordados em seus respectivos grupos.

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2.2.3 Mecanismos de coordenao ou integrao

Para Wagner III (1999, pg.301), a estrutura organizacional consiste em uma cadeia relativamente estvel de interligaes entre as pessoas e o trabalho que constituem uma organizao, na qual cada tarefa relacionada s demais de maneira orquestrada. Os funcionrios de uma empresa so responsveis por suas respectivas tarefas, e o somatrio de funes deve possuir uma unidade geral que represente a capacidade organizacional. Esses funcionrios e suas funes podem ser organizados de maneiras distintas, nas quais cada alternativa adequa-se a estruturas e objetivos diferentes. O autor apresenta trs meios bsicos de se organizar as atividades organizacionais, considerados responsveis pela uniformidade que rege uma empresa: o ajuste mtuo, a superviso direta e a padronizao. Esses mecanismos podem ser adotados em diferentes contextos atravs de diferentes combinaes, influenciando de forma direta a hierarquia organizacional e a distribuio do poder e controle. Para Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) e Wagner III (1999), o ajuste mtuo consiste num mecanismo de coordenao no qual duas ou mais pessoas de nvel hierrquico semelhante atuam e regulam sua atuao atravs de processos de comunicao interpessoal. Considerado o mais simples dos mecanismos, o ajuste mtuo se baseia no compartilhamento de informaes do trabalho, atravs da troca direta entre colegas. A superviso direta um mecanismo no qual um indivduo responsabilizado pela coordenao e controle do trabalho de um determinado grupo de pessoas. Por situar-se em um nvel hierrquico superior, o supervisor direto possui autoridade e influncia para decidir quais tarefas devem ser executadas, a maneira como as mesmas devem ser desenvolvidas e qual resultado se deve esperar do processo de produo. Na padronizao, um padro formal estabelecido antes mesmo de o trabalho ser desenvolvido. Ainda que seja o mais complexo dos mecanismos de coordenao, sua aplicao em empresas onde o sistema de produo ocorre em larga escala confere estabilidade aos resultados ao produzir de maneira previsvel e planejada. Wagner III (1999) afirma que podem ser padronizados processos de trabalho, comportamentos, habilidades e normas. A padronizao dos processos de trabalho ocorre quando os trabalhadores so orientados a seguir um padro de comportamento durante as tarefas

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que desempenham, com o objetivo de integrar um ciclo de produo integrado na organizao. Por sua vez, a padronizao de produtos ocorre quando parmetros e normas relativas ao produto final so estabelecidos, buscando como resultado final produtos idnticos ou muito semelhantes. A padronizao de habilidades consiste no estabelecimento da qualificao necessria ao indivduo para que uma determinada tarefa seja executada com competncia. Padronizar habilidades comum e eficiente em ocasies em que a padronizao do processo de trabalho ou de produo exige um alto grau de complexidade em sua implementao. Por ltimo, a padronizao de normas ocorre quando princpios so estabelecidos e aceitos pelos indivduos como instrumento de direcionamento e regulao da conduta considerada aceitvel pela organizao. Wagner III (1999) afirma que a estrutura organizacional pode ser configurada de diferentes maneiras, e fica a critrio dos gerentes e diretores encarregados de administr-la escolher qual mecanismo de coordenao deve ser adotado. Esses

mecanismos podem ser utilizados separadamente ou de forma complementar quando um grau mais elevado de integrao for necessrio, sendo que o principal mecanismo chamado de primrio e o complementar de secundrio. Esse autor afirma que a escolha desses mecanismos influenciada por dois fatores principais: o nmero de pessoas; e a estabilidade relativa da situao. Em casos onde o nmero de pessoas trabalhando de forma conjunta reduzido, o ajuste mtuo pode ser utilizado eficientemente. O nmero de vnculos necessrios para a coordenao de um grupo de at 12 pessoas consegue, na maioria dos casos, estabelecer a integrao do trabalho. Porm, quando esse nmero ultrapassa 15 a 20 pessoas, Wagner III (1999) afirma que a complexidade do processo de comunicao entre os indivduos passa a afetar o tempo para a execuo das tarefas e funes a serem desempenhadas, tornando necessria a adoo de mecanismos mais complexos. A superviso direta a opo mais adequada para a coordenao de grupos de pessoas que ultrapassam esse nmero, onde o supervisor passa a filtrar e direcionar a troca de informaes, simultaneamente controlando o fluxo de trabalho atravs da emisso de ordens e feedbacks a respeito do trabalho desempenhado por seus subordinados. Mais uma vez o autor frisa que o ajuste mtuo pode ser utilizado como mecanismo complementar, onde os indivduos de cargos semelhantes se coordenam na eventual ausncia do supervisor.

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Quando o nmero de pessoas ou de grupos adquire tamanho ou complexidade excessivos, administrar a carga de informaes e o fluxo de comunicao se torna impraticvel ao supervisor, pois a demanda de tempo e recursos de seus subordinados acaba sobrecarregando-o. Nessas ocasies, a padronizao se torna a opo mais vivel e adequada, justamente por eliminar tal sobrecarga. A predeterminao dos processos, habilidades e comportamentos faz com que os indivduos produzam com eficcia, pois o tempo de adaptao ao meio de trabalho e s normas e padres do seu ambiente reduzido de maneira significativa. Conforme abordagem j citada, a p