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FILOSOFIA.pdf

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  • Presidente da Repblica Federativa do Brasil Jos Sarney Ministro da Educao Carlos Sant'Anna

    Secretrio-Geral Ubirajara Pereira de Brito Secretrio de Ensino de 2? Grau Joo Ferreira Azevedo Secretrio Adjunto Clio da Cunha Coordenador de Articulao com Estados e Municpios Nabiha Gebrim de Souza

  • F I L O S O F I A

    A U T O R :

    Mrio srgio cortella

  • MINISTRIO DA EDUCAO PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO Reviso Curricular da Habilitao Magistrio NCLEO COMUM

    F I L O S O F I A

    Mario Srgio Cortella

    * Apresentao -------------------------------------------- p . 02 * O Lugar da Filosofia no Ncleo Comum ------------------- p. 06

    . Filosofia: a optativa obrigatria ?

    . Filosofia: a busca do sentido

    . 0 lugar da Filosofia e sua contribuio

    . 0 ensino de Filosofia e os riscos da ideologizao * Um possvel Programa: Justificativa --------------------p. 16

    . As tendncias descartadas

    . A tarefa atual do ensino de Filosofia * Um possivel Programa: Proposta -------------------------p. 21

    . Introduo A organizao dos contedos . 0 desenvolvimento dos contedos . A avaliao

    * Um possivel Programa: Detalhamento ----------------------p. 29 . Programa . Unidade Temtica I: Mito e Razo -------------------- p. 31

    . Ementas

    . Textos

    . Avaliao . Unidade Temtica II: Razo e Verdade ----------------- p. 44

    . Ementas

    . Textos

    . Avaliao . Unidade Temtica III: Verdade e Poder -----------------p. 59 . Ementas . Textos . Avaliao

    . Bibliografia Especfica ------------------------: ---p- 73 * Bibliografia Geral --------------------------------------p. 75

  • A P R E S E N T A O

  • " Porque esta obsesso que nos obriga a debruar so-bre escritos alheios e, durante semanas, meses, a-nos, articular palavra com palavra a fira de cons-truir um edifcio de pensamento, onde possamos ca-minhar como se cortssemos uma cidade estranha e fa miliar ? 0 que nos leva a gastar grande parte de nossas vidas junto a uma escrivaninha, elaborando o nosso discurso por meio do discurso do outro ? 0 ro mancista emprega seu tempo para criar ura mundo ima-ginrio; seus personagens adquirem independncia a ponto de cobrar do autor o direito de ousarem viver seu drama ate o fim. Mas tudo isso sao fintas de es critor, que marca os personagens independentes com sua prpria assinatura. 0 filosofo, entretanto, pa-rece consumir filosofias alheias que, contudo, nao sao destrudas por esse consumo, j que por ele so-brevivem. Suporte do discurso alheio, o filosofo em presta sua voz fiel e deformante aos textos chamati vos do passado, com o intuito de elaborar um novo discurso que foge de sua subjetividade para apresen tar-se como um pensamento objetivo. Nesse exerccio se d" um jogo de distanciamento e de intimidade com o mundo. Os acontecimentos chegam ate ns filtrados peias diversas ticas armadas por discursos de terceiros.(...) Neste sentido, nao se ensina filosofia, mas se ali menta o desabrochar de uma recusa secreta, uma ne-cessidade de recuo, de encontrar um caminho produti vo para um estranhamento atvico. 0 ensino da filo-sofia vem conformar e socializar essa marginalidade, transpondo-a do real para o imaginrio. Nao se trata apenas de familiarizar com uma linguagem cifrada que no resulta, ao contrrio da simbologia cientfica, na transformao das coisas, numa tecnologia. Antes de tudo, cabe-lhe integrar o rebelde virtual numa comunidade de rebeldes imaginrios que, de fato, trocam informaes, competem entre si acirrada-mente, esgotando seu empuxo no enorme esforo de man-ter de p essa sociabilidade fantstica ".

    ( GIANNOTTI, Filosofia Mida, Por que filosofo? )

  • Encontrar um caminho produtivo para um estranhamento a-tvico ! Esse mote o que conduz nossa ( dos professores de Filoso-fia ) contnua perplexidade quando fazem referncia inutilidade do ensino filosfico ou, condescendentemente, aceitam nossa presena no meio de outros cientistas ( veja-se que quase no choca mais quando nos consideramos cientistas... ).

    Alguma vez a Filosofia deixou de ser produtiva ? Quando deixou ela de colaborar no tecer coletivo da existncia ? Haveria , de fato, um limite preciso partir do qual se pudesse dizer: Aqui, a Filosofia nunca se intrometeu ! Nao; nos nos intrometemos em tudo, principalmente sem sermos chamados...

    Assim, mais uma vez, l vamos ns atrs desse caminho , s que agora ( de novo ) dentro da grade curricular do Ncleo Comum do ensino de 29 Grau.

    0 assunto deste material exatamente uma reflexo so-bre as razes dessa nossa nova intromisso; mas, petulantemente, ele contem tambm uma proposta de como essa intromisso deve ser feita e quais as ferramentas a utilizar.

    Nao vou descrev-lo; basta, claro, ler o ndice. Len-do-o, vai-se notar que ele no contm nenhum item sobre "como intro-duzir a Filosofia em si para o aluno "..Nao contm mesmo. Isso por

  • demais particular em cada professor; afinal, como dizer a algum so-bre como falar a respeito de sua paixo ? Nisso, vale a idiossincra-sia e.

    UBI VERITAS ?

    mario sergio cortella vero/88

  • O LUGAR DA FILOSOFIA NO NCLEO COMUM

  • "Ser, ento, fatal que no conheamos outro uso da pala vra que nao seja o comentrio ? Este ultimo, na verdade, interroga o discurso sobre o que ele diz e quis; procura fazer surgir o duplo fundamento da palavra, onde ela se encontra em uma identidade consigo mesma que se supe mais prxima de sua verdade: trata-se de, enunciando o que foi dito, redizer o que nunca foi pronunciado. Nesta atividade de comentrio, que procura transformar um discurso condensado,antigo e como que silencioso a si mesmo, em outro mais loquaz, ao mesmo tempo mais arcaico e mais contemporneo, oculta-se uma estranha atitude a respeito da linguagem: comentar e, por definio, admitir um excesso de significado sobre o significante, um resto necessariamente nao formulado do pensamento que a linguagem deixou na sombra, resduo que sua prpria essncia, impelida para fora de seu segredo; mas comen-tar tambm supe que este nao-falado dorme na palavra e que, por uma superabundancia prpria do significante , pode-se, interrogando-o, fazer falar um contedo que no estava explicitamente significado.(...) Falar sobre o pensamento dos outros, procurar dizer o que eles disseram ", tradicionalmente, fazer uma anlise do significado. Mas e necessrio que as coisas ditas, por outros e em outros lugares, sejam exclusivamente tra tadas segundo o jogo do significante e do significado ? Nao seria possivel fazer uma anlise dos discursos que escapasse a fatalidade do comentrio, sem supor resto algum ou excesso no que foi dito, mas apenas o fato de seu aparecimento histrico ? Seria preciso, ento, tra-tar os fatos de discursos nao como ncleos autnomos de significaes mltiplas, mas como acontecimentos e seg-mentos funcionais formando, pouco a pouco, um sistema . 0 sentido de um enunciado nao seria definido pelo tesou ro de intenes que contivesse, revelando-o e reservan-do-o alternadamente, mas pela diferena que o articula com os outros enunciados reais e possveis, que lhe sao contemporneos ou aos quais se ope na serie linear do tempo.

    ( FOUCAULT, 0 Nascimento da Clnica, Prefcio )

  • 1 , Filosofia: a optatva obrigatria ?

    muito interessante observar o quanto a Filosofia pa

    dece de uma certa ambigidade quando se busca o sentido de sua in

    serao em uma grade curricular de 2 Grau. Quase nenhum educador deixaria de inclu-la como necessria

    e quase nenhum ditador deixaria de exclu-la como perigo sa, embora

    nem sempre se saiba bem o porque. Parece que e um ululante obvio que a Filosofia deva constar dos currculos, assim co mo desponta evidente

    a necessidade de retir-la quando se deseja evitar a " subverso ". De onde vem esse misterioso encanto ou essa fatal pe-

    riculos idade ? Tributo ao passado ( afinal, quem reinou durante

    sculos no Ocidente! ) ? Respeito filial ( ora, quem Mae, agora

    velha, de todas as Cincias ) ? Culpa insconsciente ( pelo ape-go

    imediatista ao mundo pratico ) ? Temor obsessivo ( produzido as

    custas da aparente oposio entre obedincia e reflexo ) ? evidente que ha muito disso tudo, mas h algo mais

    temeroso: supor que a Filosofia seja, em si mesma, necessria ou

    perigosa. Se fizermos um levantamento de esteretipos, veremos que

    essa qualificao indevida deve-se a alguns equvocos: a) A Filosofia ensino a pensar !

    . Ora, pensar e um atributo evolutivo da espcie ; nao pode ser ensinado e nem preciso. Esta presente

    nesse equvoco a suposio de que o pensamento uma

    capacidade exclusiva e privilegiada, nem sempre ao

    alcance de todos. b) A Filosofia ensina o pensar questionador !

    , A atitude de questionamento nao privativa da

    Filosofia; toda e qualquer Cincia a tem por base e

    , inclusive, sua condio de existncia. 0

  • questionamento o propulsor do conhecimento por ser

    ele o instrumento de organizao da procura de respostas

    as necessidades humanas. c) A Filosofia ensina o pensar

    questionador crtico ! Ao contrrio; muitas vezes a

    Filosofia, na hist-ria, prestou-se ao dogmatismo, ao

    obscurantismo, ao conservadorismo. Alias, como qualquer

    outra Cincia. Esses-equvocos manifestam muito menos uma crena na

    capacidade prpria da Filosofia ( o que, fragilmente, serviria pa -

    ra valoriz-la ) e mais uma dificuldade em lidar com o pensamento crtico

    dentro da Escola. Caricaturalmente, poderamos imaginar: os alunos pre-sam

    estudar Filosofia ( um pouco s, no e ? ), seno ficam muito

    centificistas, utilitaristas, consumistas, ortodoxos, especialis-

    tas, etc, etc, etc. Ou, ao contrario, os alunos nao precisam estu dar

    Filosofia, seno ficam muito rebeldes, desadaptados, romnticos,

    generalistas, sonhadores, etc, etc, etc. A Filosofia serviria, em qualquer das formas, para u-ma

    atividade desejada ou rejeitada: " abrir as cabeas ". Admirada venerao ! Sublime desprezo ! Mas, a Filosofia e necessria mesmo ?

    2. Filosofia: a busca do sentido

    impossvel dizer o que a Filosofia pois isso exi-iria

    a explicitao de uma essncia idealista; dela, em geral, p de-se

    apenas perguntar: o que sendo a Filosofia ? Para compreender a Filosofia preciso sempre captar qual o

    seu desenvolvimento histrico no Ocidente; ela ja foi, na origem grega,

    A Cincia ( nica, pois todas " eram " ela ); ja foi mera ferramenta

    auxiliar e mundana da Teologia no mundo ..medieval europeu; j foi um

    pensar sobre o prprio pensamento a partir do

  • Renascimento e, desde l ( como diz Bertrand RUSSEL ) veio-se fa-

    zendo era " cincia dos resduos ", isto t mal um conhecimento ad

    quire alguma objetividade e preciso, perde o nome de Filosofia e

    passa a ser uma cincia particular. 0 que sobra, e do qual ainda nao

    se da conta, continua sendo Filosofia. A Filosofia vem sendo essas e muitas outras coisas , mas

    ha algo que tem permanecido historicamente, a despeito dessas

    constantes modificaes : a Filosofia como busca do sentido ( em

    dupla acepo: significado e direo ) Um vo sobre a historia do pensamento ocidental, mesmo

    rasante, permite captar uma constante nas reflexes filosficas: a

    busca dos porqus e dos para onde. Quase sempre, as outras formas de conhecimento que nao recebem o nome de Filosofia, tem-se dirigido

    busca dos cornos e quandos. Por isso ela e necessria. Por lidar com uma das faces do

    conhecimento e da existncia humana; nem a melhor nem a mais

    importante, apenas uma delas. A Filosofia confunde-se com a Historia da Filosofia e_ xatamente porque

    e nela que se expressa a forma como alguns homens, em determinadas pocas

    e movidos por interesses especficos, responderam aos porqus e para

    onde ! E e por isso, tambm, que ela " foi " critica/dogmtica,

    conservadora/revolucionaria, etc. A sua necessidade manifesta-se na contnua e .processual

    colocao da pergunta pelo sentido das Coisas,do Mundo, do Ho-mem, e do

    Conhecimento.

    3. 0 lugar da Filosofia e sua contribuio

    A pergunta pelo sentido tem um significado especial pa

    ra o aluno de 2 Grau pois nesse momento de escolarizao que e-le

    entra em contato mais estreito com um conjunto de conhecimentos

    cientficos que sero definitrios na sua atuao como cidado e

  • to momentneo de uma possivel transio para o 3 Grau ( apesai de

    toda a estrutura do sistema educacional caracterizar o 2 Grau como

    uma espcie de " purgatrio " em direo ao " ceu " universitrio ).

    no 2 Grau que sedimentam-se, malgrado o sistema ou a dis posio

    pessoal, a prpria relao com o conhecimento cientfico , seja em funo

    da idade do aluno ( absorvido, na nossa organizao social, pelos " ritos

    de passagem " dirigidos, ao mundo adulto e *' produtivo " ), seja em

    funo da prpria grade curricular que fa vorece a distino entre "

    conhecimentos produtivos " e " conhecimentos acessrios ". Ora, o conhecimento tem uma especificidade inerente que o

    liga Histria na sua estrutura e conjunturas e que , em cada poca,

    manifestado em seu sentido de diferentes maneiras pela Filosofia. A quase totalidade de nossos alunos ( e da populao )

    esta estigmatizada, involuntariamente, por uma compreenso do real "como

    um produto acabado, finito; tambm a compreenso do produto cientfico (

    da teoria, principalmente ) fica reclusa dentro de um determinismo

    histrico bastante fixista ou, quando muito, de " ns piraoes

    individuais " dos cientistas e pensadores famosos.Por nao vislumbrar o

    aspecto processual do passado, nao consegue perceber a continuidade disso

    e, consequentemente, a idia de transformao da realidade ou de

    elaborao de conhecimentos, adquire um sentido quase mgico ou

    transcendental. Por isso, um esforo que cabe ao ensino de Filosofia, no 2 Grau, o de "

    relativizar " o peso dos" conhecimentos e as conquistas tecnolgicas

    produzidas por outras cincias, nao como forma de desqualifica-las ( o

    que seria abstruso ) mas' como um rico veio para possibilitar a

    historicizao da produo humana e diminuir a presuno aleatria

    contra os " incultos " e o passado. A grade curricular de 2 Grau esta,

    compreensivelmente, impregnada de contedos cientficos a serem transmi

    tidos sem que, necessariamente, desponte a pergunta pelo sentido

    deles. Tem faltado uma discusso que insira o carter ideolgico de

    cada uma

  • das disciplinas e sua contribuio na estrutura de manuteno das formas de dominao e desigualdade entre os homens, e das possibi-lidades de superao.

    X Filosofia no cabe exercer um papel de guardi da liberdade e da igualdade e, em nome dessa guarda, policiar o traba lho desenvolvido pelas outras cincias.

    A melhor contribuio que a Filosofia pode dar a com-preenso do sentido ideolgico ( conservador e transformador ) dos conhecimentos produzidos pela Humanidade na sua Histria, apontar esse sentido dentro da prpria Filosofia, retirando a aura de " inutilidade " ou " divindade " que ela carrega.

    E fundamental que o ensino da Filosofia se taa presente em meio a outras formas de conhecimento e possa situar as teorias como representao de um tempo, um espao, um interesse fundamental que a Filosofia no esconda sua origem histrica e nem assuma um carter mstico de condutora das verdades humanas.

    4. 0 ensino de Filosofia e os riscos da ideologizao

    Sem dvida alguma, pode-se atribuir Filosofia um pa pel ideolgico ( embora no somente ) e, portanto, atribuir ao pro fessor de Filosofia uma funo de agente desse papel.

    Isso no novidade; o histrico da estruturao ..do sistema escolar no Brasil est marcado por uma '' prestao de servio " 5 dominao social, mesmo nos momentos mais significativos, apesar de fugazes, de. algumas transformaes sociais conjunturais.

    Da, ser urgente nos desfazermos de um ensino de Filo-ofia que, em nome da Verdade e da Neutralidade, recuse-se a indicar as condies de produo da reflexo filosfica na Histria e contente-se em fazer desfilar um rol de teorias que, pela sua forma de exposio e qualidade do contedo, conduzam uma ideologia fi xista e conservadora.

  • Vale a pena, como um alerta contra um possivel papel que

    o ensino de Filosofia pode assumir, pensarmos um pouco sobre a questo da

    ideologia. No entender da filosofa brasileira Marilena CHAU, a

    ideologia e

    Assim sendo, essa predeterminao ultrapassa o mbito de

    sua origem e pretende atingir a sociedade como um todo, sendo condio

    bsica para a manuteno do domnio social pois acaba "ci_ mentando" as

    relaes sociais j existentes, dando a elas um carter de fixidez

    aparente.

    Logicamente, no basta a simples imposio externa co mo

    forma de aceitao desse 'corpus' pois, do contrrio, seria necessrio o

    uso constante da fora para sua imposio.

    (1) CHAU, Marilena de Souza. " Ideologia e Educao .", Revista Educao c Socie dade, So Paulo, CEDES/Cortez, 5 : -4, Janeiro, 1980.

    (2) idem, p. 24 (3) ibidem, p. 25

  • Tambem devem-se acrescentar as condies de continuidade de uma ideologia. Nao e suficiente que ela se dissemine inter na e externamente pelo todo social se nao produzir, ao mesmo tempo, estruturas mais objetivas de credibilidade, como por exemplo a :da Cincia meramente classista travestida de universalidade; funda-mental que a in-corporaao ideolgica se revista de um poder de pe_r suaso contido em sua prpria expresso que a converta em" conven cer-se " por absoluta exigncia lgica.

    Poderia parecer que para desmascarar a ideologia , ou

    para evita-la , bastaria ocupar os vazios que ela deixa e , assim , torna-la verdadeira e transparente. No entanto, sua lgica s pode ser enfrentada com uma outra lgica que consiga explodir suas lacu-nas .

    Por isso, nossa insistncia em um ensino de Filosofia

    que favorea profundamente a demonstrao das condies histrico/ sociais da produo da reflexo filosfica, evitando a ocultao de

  • sua gnese e permitindo ao aluno de 2 Grau uma transferncia desse

    conhecimento da " mecnica " de produo das teorias para as ou trs

    disciplinas cientificas.

  • UM POSSVEL PROGRAMA : JUSTIFICATIVA

  • 1. As tendncias descartadas

    Todos sabemos que ensino da disciplina Filosofia nao tem sido uma constante nas grades curriculares das escolas publi-cas

    brasileiras, seja por injunes polticas especificas ( retira- da violenta durante governos autoritrios ) , seja em funo de re

    organizao das grades visando atender interesses imediatistas da poltica

    econmica dos governos. Uma rpida aproximao dos contedos que foram ensina dos em

    Filosofia no 2 Grau durante este sculo permite, independentemente das

    oscilaes e freqncia da presena da disciplina , a percepo de duas

    tendncias suplementares; uma clssica/tradi-cio nal e outra

    temtica/vivencial escusando-se aqui a aleatria categorizao, pois sao

    apenas " nomes " para delimitar uma analise. A tendncia clssica/tradicional vem sendo aquela que mais

    foi predominante ate trs dcadas atras e continua bastante a tiva nos

    programas e livros didticos: " o ensino da Filosofia a partir de sua

    clssica diviso em Lgica, Teoria do Conhecimento , Metafsica, tica,

    Esttica, Filosofia Poltica, Filosofia da Cin cia e, claro, Historia da

    Filosofia. Essa tendncia tem duas variantes bsicas: ou se ensina cada

    rea ( ou algumas delas ) autnomamente , lanando mo da Histria da

    Filosofia ou se ensina Histria da Filosofia e se aponta, em cada

    pensador, sua viso sobre as reas. A escolha da profundidade na tratativa

    de qualquer uma das duas variantes apontadas depende, obviamente, do

    tempo disponvel. Em qualquer das variantes que compem essa tendncia, nota-

    se, entretanto, alguns senes : a) a possibilidade de, tornar-se uma

    programao maante para o aluno pela infinidade de tpicos e autores a

    serem estudados; b) o risco de uma programao calcada na Historia da

    Filosofia unicamente, redundar em uma espcie de " cardpio "

    filosfico; c) um ensino nem sempre apoiado na relao entre teorias

    filosficas e praticas sociais, resultando na ex-posio diletante

    de uma M histria " do pensamento em si mesmo.

  • Por outro lado, essa tendncia d" margem ao surgimento de situaes positivas: a) o aluno entra em contato diretamente com textos orginais de muitos pensadores; b) seja por reas , seja o por Historia da Filosofia, o aluno tem acesso a uma base slida para a compreenso de outras cincias; c) um caminho que se choca com o pragmatismo imediatista que marca demais a escola.

    Como alternativa aos senes dela oriundos, e como uma tentativa de aproximar-se mais do aluno no seu cotidiano, veio-se firmando, nas ltimas dcadas, a tendncia temtica/vivencial . Ela se caracteriza, principalmente, por buscar lidar com um contedo e com situaes que partam dos interesses mais circunscritos pro-blemtica especfica do adolescente de 2 Grau, no seu dia a dia.

    Tambm nessa tendncia percebe-se a presena de duas variantes bsicas: uma delas, carreia a " palavra" de pensadores, clssicos ou nao, para auxiliar a discusso de temas atuais tais como Morte, Sexualidade, Sociedade Urbano/Industrial, Direitos Hu-manos , Cincia e Tecnologia, Religio, etc, em um esforo de atua lizaao do discurso filosfico; a outra, elenca temas semelhantes, mas os discute a partir do senso comum dos alunos, usando ferramen-tas mais acessveis como letras de msica, poemas, cartoons , etc.

    Ambas as variantes conseguem tornar a reflexo filos-fica mais rica em cotidianeidade para o aluno, mais " atraente " a sua discusso e,at, podem criar em alguns o " gosto " pela Filoso_ fia e um posterior aprofundamento.

    Entretanto, ambas tambm padecem situaes desviantes no que se refere a produo histrica do conhecimento e a fundamen-taao terica necessria compreenso de outras cincias: o recur-so a pensadores clssicos para tratar temas atuais pode deslocar o contexto de elaborao de suas teorias e anlises, forando uma a-proximao desfocada e deformante; a utilizao exclusiva dos refe-rendais espontneos dos alunos cria eventualmente ( em nome da re_ flexo e discusso ) sesses completas de psicoterapia precria e, ate, uma mitificao da "achologia " que banaliza a importncia, terica e histrica, das teorias cientficas e filosficas.

  • 2. A tarefa atual d o ensino de Filosofia

    Se o ensino de Filosofia cumpriu, no decorrer dos l-timos anos, uma funo quase sempre idealista ou apaziguadora das situaes opressivas que a sociedade brasileira vivenciou ( funcio nando, em muitas escolas, como o " destampatrio do discurso " re-primido ), * necessrio, agora, pensar um programa que busque res-gatar a positividade encontrada nas duas tendncias descartadas.

    Essa " sntese " no pode ser, evidentemente, uma so-matria dos aspectos positivos de cada uma delas; temos que levar em conta o conjunto das propostas de reorganizao da grade curri-cular do Ncleo Comum do ensino de 2 Grau, a fim de detectarmos a tarefa complementar qual a Filosofia deva dedicar-se.

    Cada vez mais a escola publica de 2 9 Grau dirige suas propostas de contedo em direo busca de sua especificidade como fornecedora de solida base cientfica e formao crtica de ci-dadania; as disciplinas que, tradicionalmente, eram consideradas _a mide como meras transmissoras de informaes cientficas passam a ter um papel mais esclarecedor na formao global do aluno. Perce-be-se uma inteno explcita de muitos professores ( das mais dife_ rentes reas ) de transmutar suas disciplinas em contedos que,sem decurar da transmisso de teorias e analises, redundem em conheci-mentos que possam ser apropriados pelo aluno de forma crtica e significativa.

    As discusses sobre o cotidiano, a problematizao da vida social, o recurso ao conhecimento que o aluno absorve no seu dia-a-dia, vem sendo pareados com a comunicao cientfica; ocupa-se um espao que, contingencialmente, vinha pertencendo Filoso-fia, Sociologia ou Psicologia.

    Alem do mais, a prpria modernizao da sociedade bra sileira, com a conseqente urbanizao acelerada e acumulao de tenses sociais aflorantes, carrega uma carga de provocaes coti-dianas que trazem a tona ( principalmente,por intermdio dos meios

  • de comunicao de massa ) uma srie infinda de debates, analises e motivaes que antes encontravam na escola ( e em uma ou outra dis ciplina ) seu espao de gestao.

    Por isso, hoje cabe menos Filosofia lidar com aqui-* lo que " faltava " na escola ( e que est redistribudo pelo tecido social ou' por' outras disciplinas curriculares ) e mais uma aten o especial prpria produo do conhecimento.

    Partindo do suposto de que o papel da disciplina Filo sofia no Ncleo Comum de 2 Grau favorecer a compreenso do aluno sobre os " mecanismos " histrico/sociais que orientam a produo de teorias/filosofias, fica claro que h uma deliberada opo por um Programa de cunho histrico.

    No entanto, essa opo por um ensino de Filosofia que tenha a Histria por pano de fundo no significa, de forma alguma, a proposio de um curso de Histria da Filosofia, tal como habi-tualmente pode ser feito.

    0 cerne de uma proposta assim tomar a Histria es-trutural das sociedades ocidentais como o " locus " privilegiado da captao dos mltiplos sentidos manifestados pela Filosofia, a par-tir de uma determinao: no possvel entender criticamente uma teoria, situao ou idia se nao a localizarmos no tempo e no espa o; preciso saber-se quando e onde foi produzida.

    Quando estudamos algo, podemos identificar melhor o porqu de sua origem se fizermos a sua " carteira de identidade ", com a sua filiao, local e data de nascimento. Uma idia uma teoria expressa uma realidade concreta, seja para entend-la e modific-la, seja para descrev-la e aceit-la. Por isso, no basta saber o que disse algum; para chegarmos ao por que disse, temos que explorar as circunstancias do quando e onde disse.

    Da, a origem da proposta que apresentamos a seguir.

  • UM POSSVEL PROGRAMA : PROPOSTA

  • " Os filsofos nao brotara da terra como cogume-los , eles sao frutos de seu tempo, de seu po-vo, cujas foras mais sutis e mais ocultas se traduzem era idias filosficas. O mesmo espri-to fabrica as teorias filosficas na mente dos filsofos e constri estradas de ferro com as mos dos operrios. A filosofia nao exterior ao mundo ".

    ( K. MARX, Kolnische Zeitung, 1842 )

  • Apesar de estarmos quase no final do scuIo XX, o consciente coletivo" do mundo ocidental parece estar ainda marcado pelo cientificismo preconceituoso do sculo passado; a literatura popular, o cinema, os programas de TV, os livros didticos, conti-nuam reforando a obsesso evolucionista que vem garantindo um es-pao crescente para a nostalgia de futuro ( aquela saudade que ba-te, as vezes, do mundo que vamos ser um dia ! ).

    Tal tipo de mentalidade dominante ( e plenamente ade-quada aos interesses discricionrios ) apia-se em trs tipos de convices/preconceitos: o passado " sinnimo de atraso e ignorn-cia condescendente, a " Verdade " e uma conquista inevitvel da ra cionalidade progressiva e a Cincia e instrumento de redeno da humanidade em geral.

    Perceba-se que nessas convicoes nao h muito terreno para a relatividade histrica e nem para a compreenso das condi-es de produo dos conhecimentos; mais ainda, deixa-se entrever e " fatalidade " dos destinos coletivos serem conduzidos apenas e unicamente por aqueles homens que partilham do acesso exclusivo ao mundo do saber.

    Uma programao de ensino de Filosofia que vise abalar minimamente essas certezas pode seguir muitos caminhos diferen-tes; desde a discusso desses preconceitos em si mesmos ( como temas fechados ) ate um trabalho de denuncia da Cincia, passando a-inda, pela desqualificao das conquistas da humanidade.

    Em qualquer desses modos de produzir incmodos perma-necera, no entanto, um perigo: elaborar um discurso panfletrio e produtor de novos preconceitos, impregnado de simplificaes e re-ducionismos, com um superdimensionamento da pratica vivencial e da nao-ciencia. Em suma: a substituio de preconceitos por outros.

  • Uma temtica dessa importncia merece um tratamento que, como dissemos no Item anterior, resgate as vantagens das duas tendncias de ensino de Filosofia.

    0 tema da produo histrica dos conhecimentos , em si, bastante prximo daquilo que se deseja ver discutido com alu nos de 2 Grau; o modo de encaminhar essa discusso que no pode deixar de funcionar, tambm, como uma contribuio adicional ao conjunto da formao cientfica no currculo.

    2. A organizao dos contedos

    A idia-chave desenvolver uma programao que discu ta essa temtica a partir de sua organizao no entrelaamento se-qencial de trs pares de relaes: MITO e RAZO, RAZO e VERDADE , VERDADE e PODER. Essa discusso se daria no interior de uma trata-tiva histrico/cronolgica como forma de facilitar seu acompanha-mento pelos alunos.

    Cada um desses pares formaria uma Unidade Temtica a ser desenvolvida autnomamente com uma central observao: no se r o estudo e discusso dos termos envolvidos nas relaes ( Mito, Razo, Verdade e Poder ) em si mesmos mas uma anlise da RELAO , entre eles, tipificada no processo histrico ocidental.

    Por exemplo: na Unidade Temtica Mito e Razo no se buscar estabelecer distines entre os termos, caracterizao das diferenas entre o mtico e o racional, identificao dos momentos histricos nos quais se teria dado a passagem de um a outro, etc; essas diferenciaes so historicamente relativas e isso que se procurar demonstrar, possibilitando a percepo de que teorias a-parentemente " mticas " comportam uma racionalidade que deve ser escavada no contexto histrico de sua produo. Em outras palavras, o objetivo apontar, partindo de exemplos tpicos na historia, que o encerramento de algumas teorias ou idias dentro de categorias e^

  • tanques ( tais como mtica, anacrnica, religiosa, fantasiosa, etc.) s e

    possivel quando se lana um olhar preconceituoso que desconhece as razes

    de sua gnese. Outro exemplo: na Unidade Temtica Razo e Verdade a

    proposta nao expor contedos estritos da Lgica ou da Teoria do

    Conhecimento mas, novamente, trazer a tona alguns exemplos de inter-

    pretaes sobre essa relao que ficam mais assimilveis quando sao

    remetidos a sua determinao histrica; tambm aqui o objetivo e-vitar a

    absolutizaao de conceitos ou termos, evidenciando que, entre outras

    coisas, Razo e/ou Verdade nao so descobertas progressi vas mas

    construes temporais, cultural e socialmente geradas. Por fim, ver-se- que na Unidade Temtica Verdade e Po der, a

    discusso nao girar em torno da questo especfica da Ideologia nem

    sobre o papel imediato da Cincia e da Filosofia* nas sociedades; o fruto

    da analise estudar isso tangencialmente. Toda a Unidade visa expor

    algumas teorias filosficas ( com contedos diversos ) na sua relao com o

    poder no momento de sua produo, seja indo ao encontro dele, seja indo de

    encontro a ele. Dizendo de outra forma: mostrar aos alunos que a " verdade

    " no depende exclu-sivamente de uma " lgica racional " para ser enunciada

    ou aceita ; a sua ligao ou afastamento do poder

    poltico/econmico/social e u-ma condio determinante de sua " vitoria

    ". Em cada uma das Unidades Temticas h a escolha de 05

    fragmentos de textos de pensadores ( textos originais e nao de co-

    mentadores, colocando o aluno em contato com discursos de outras -pocas ),

    textos esses que servem para discutir o tema da unidade e nao, obviamente,

    o pensador em s i ( o que seria por demais presuno-so e invivel ). Cada

    um desses fragmentos funcionar como provocao ( ou pretexto ), sem

    perder de vista a insuficincia que um tre cho de obra sempre carrega mas

    destacando sua suficincia para os propsitos de uma programao que

    tem seus limites evidentes -de car ga horria na grade curricular e de

    precariedade na fundamentao an terior dos alunos.

  • Como se notar, a seleo de cada ura dos cinco fragmen tos

    em cada uma das trs unidades temticas obedeceu a um critrio,

    anteriormente citado, de seqncia cronolgica. Procurou-se, sempre

    que possvel, seguir a diviso clssica da Historia Ocidental ( An-

    tiga, Medieval, Moderna e Contempornea ) Uma coisa muito importante: a seleo de cada pensador

    e do respectivo fragmento provocador nao estabelece uma ordenao e

    opo fechada. Estamos apresentando uma proposta de organizao que pode

    ( e deve ) ser alterada por cada professor de acordo com seus

    critrios prprios ( p. ex., interesse dos alunos, facilidade em li-

    dar com alguns pensadores e nao com outros, integrao circunstancial

    com outras disciplinas, levantamento de alternativas mais adequadas

    que tenham escapado ao proponente, etc. ). No nosso entender, ficando clara a inteno maior de uma

    proposta desta natureza e utilizando-se o seu "modus operandi", tal como esta ou reelaborado, despontam vantagens pedaggicas das quais

    cada professor poder lanar mao a partir de sua prtica docente .

    3. 0 desenvolvimento dos contedos

    Um curso de Filosofia no 2 Grau, levando em conta todos os

    condicionantes que o cercam ( numero restrito de aulas, falta de tempo

    e/ou habilidade de leitura de textos por parte dos alunos, numero de

    paradas que a escola tem em funo de situaes tpicas acidentais

    ou planejadas, distanciamento entre uma aula e outra da disciplina ou

    ate sua fragmentao exagerada ), necessita u-tilizar-se de uma "

    mecnica " de funcionamento que restrinja ao i-nevitvel seus "

    atrapalhadores ". Por isso, estamos sugerindo que o professor balize seu

    trabalho no desenvolvimento do curso por um princpio orientador :

  • fazer de cada Unidade Temtica uma unidade que se complete, sem uma

    preocupao desmesurada em " cumprir " um programa; a realizao ou

    atingimento do objetivo principal j apontado pode ser obtido pelo

    processamento pleno de qualquer uma das unidades, demore-se o tempo

    que for preciso. Seguindo-se a seqncia temtica proposta ( ou des_

    locando-a em outro arranjo ), e possvel tratar cada unidade de modos

    variados ( qualitativa e quantitativamente ); nenhuma delas ser

    considerada interrompida ( se nao " der tempo " ) se o professor fizer

    modificaes no seu decorrer que lhes dem alguma consistncia no

    conjunto. Uma forma que pode diminuir bastante os citados atrapa-

    lhadores "tratar cada Unidade Temtica ( e os seus itens/provoca -oes

    internos ) de um modo semelhante para o desenvolvimento das au-Ias;

    por exemplo, fazer uma introduo ao contexto histrico que en volve o

    fragmento a ser estudado, expor sinteticamente sobre as ligaes

    histrico/tericas do pensador que o produziu, coordenar uma leitura

    comentada do fragmento com os alunos, elaborar uma sntese que o

    articule com o tema da unidade. evidente que cada professor rearranja tudo isso da forma

    que mais lhe convenha; pode ser que seja mais dinmico, em al gumas

    situaes, solicitar aos alunos que realizem breve pesquisa e exponham

    certas partes; s vezes melhor que eles leiam o texto em pequenos

    grupos e depois o professor comenta destaques; etc, etc. De qualquer forma, algo " imprescindvel: que o profes-

    sor nao deixe de dirigir as atividades e reforar os conhecimentos,

    para que no se caa na eventual " achologia " que produz uma super

    cialidade indesejavel.

    4. A avaliao

    Alm de todas aquelas pequenas avaliaes episdicas u-

    sadas por todos ns para facilitar o processo de ensino ( participa-

  • o, presena nas aulas, pequenos resumos ou relatrios, leitura de textos, breves exposies, etc )', achamos fundamental que o professor e os alunos tenham algumas oportunidades mais especficas para uma percepo do grau de apropriao do processo ensino/aprendi za - gem. Essas oportunidades podem constituir-se em provas ( no tenhamos

    medo das palavras ! ) ao final das Unidades ou de parte delas. Uma prova, quando bem elaborada, configura uma situao

    privilegiada para reorientao de alunos e professores; no entanto,

    muito desse privilgio tem sido esperdiado quando o professor

    aplica uma prova que visa captar o que os alunos nao sabem, favorecendo

    uma m compreenso do que seja a apropriao do conheci -mento. Os alunos

    no tem " tendncia natural " " cola "; nos professores e que os

    induzimos a isso ao criarmos provas que do nfase na recurso a

    memorizao. Em uma prova de Filosofia, importa muito pouco que o a-luno

    saiba o que " disse algum sobre tal coisa " ; o que importa , de fato,

    que ele saiba utilizar a compreenso que teve para apli-c-la em outras

    analises. Evidentemente, nao possivel apropriar -se adequadamente de

    um contedo sem que este fique bem compreendido; porm, o professor pode

    perceber o grau dessa compreensao e sua ca-pacidade de transferi-la sem

    que constranja o aluno a decorar contedos . Por isso, consideramos muito acessrio que uma prova se_ ja

    feita sem consulta alguma ao material disponvel ao aluno; se o professor

    produz um enunciado que vise investigar a apropriao ( o tornar

    prprio ) dos contedos estudados, nao pode, claro, levantar questes

    ou temas cuja resposta encontre-se imediatamente no m_a terial de

    consulta. Possibilitar a consulta permite ao aluno lidar mais

    inteligentemente com o enunciado proposto, fazendo do material

    consultado uma ferramenta auxiliar do seu raciocnio. Ao final de cada uma das Unidades Temticas que compem

    nossa proposta ( e que sero agora especificadas ) apresentaremos u-ma

    sugesto do tipo de enunciado de avaliao que adotamos.

  • UM POSSVEL PROGRAMA : DETALHAMENTO

  • P R O G R A M A

    MITO E RAZO

    . PLATO, Protgoras, 320c-322d

    . AGOSTINHO, De Civ. Dei, XIX, 17

    . DESCARTES, Discurso do Mtodo, IV-

    . LOCKE, Segundo Tratado sobre o Governo, VII

    . BARTHES, Mitologias, " A Clarividente "

    RAZO E VERDADE

    . PLATO, Repblica, VII

    . TOMAS DE AQUINO, Questes discutidas sobre a Verdade, IVo,TI

    . BACON, Novum Organon, Livro I, I-XII

    . KANT, Crtica da Razo Pura, Introduo, I

    . JAPIASSU, O Mito da Neutralidade Cientfica, Introduo

    VERDADE E PODER

    . ARISTTELES, Poltica, Livro I, cap. II

    . GIORDANO BRUNO, Sobre o Infinito. .. , Prembulo e Dilogo III

    . COMTE, Discurso sobre o Esprito Positivo, 2 Parte, X , BAKUNIN, Deus e o Estado, " 0 que e autoridade " . VIEIRA PINTO, Cincia e Existncia, Cap. XIII

  • Unidade Temtica I : Mito e Razo . Ementas . Textos . Avaliao

  • UNIDADE TEMTICA I : Mito e Razo

    . Provocao 1 : fragmento de texto do pensador grego dos sculos.V e IV.aC, PLATO ( 427aC-347aC ) que, no contexto da redefinio da polis grega em seus contornos de regime poltico discute a distribuio, pelos deuses- das virtudes de cidadania aos homens.

    - Provao 2 : fragmento de texto do pensador cartagins dos secu los IV e V, AGOSTINHO ( 354-430 ) que, no contexto do desmoronamento do Imprio Romano do Ocidente, a ponta a forma de comportamento que os cristos devem ter frente ao Estado e sua adeso e obedincia a Igreja, representante de Deus neste mundo.

    Provocao 3 : fragmento de texto do pensador francs do scuIo XVII, -DESCARTES ( 1596-1650 ) que, no contexto das transformaes politico/economico/culturais do Re-nascimento e seus desdobramentos, indica a duvida metdica como caminho para se chegar a uma base s lida para a reconstruo da Filosofia e da Cincia.

    . Provocao 4 : fragmento de texto do pensador ingls dos sculos XVII e XVIII, LOCKE ( 1632-1704 ) que, no contexto das lutas polticas inglesas para implantao do iderio do Liberalismo, refora a noo de formao do Estado Social como conseqncia da necessidade e liberdade oriundas do Estado Natural, a par tir de uma anlise da associao" homem/mulher.

    . Provocaao 5 : fragmento de texto do pensador francs do scuIo XX, BARTHES ( 1915-1980 ) que, no contexto das mudanas sociais e tecnolgicas deste sculo, mostra como temos " mitos " contemporneos, recorrendo na sua interpretao a problemtica de um vis falso da emancipao feminina.

  • MITO E R A Z O

    Provocaes

    1. PLATO, Protgoras, 320c-322d 2. AGOSTINHO, De Civ. Dei, XIX, 17 3. DESCARTES, Discurso do Mtodo, IV- 4. LOCKE, Segundo Tratado sobre o Governo, VII 5. BARTHES, Mitologias, " A Clarividente "

  • PLATO, Protgoras. 320c-322d

    Era o tempo em que os deuses j existiam, todavia no existiam os mortais. Quando chegou o tempo que o Destino havia determinado para o nascimento desses, os deuses os modelaram nas entranhas da terra com uma mescla de terra, fogo e demais substancias que podem se combinar com o fogo e a terra. No momento de traze-los a luz, os deuses indicaram Prometeu e Epimeteu para a distribuio, da forma mais conveniente, entre os mortais, das qualidades que teriam de possuir.

    Epimeteu rogou a Prometeu que lhe permitisse o cuidado de fazer " por si mesmo a distribuio: Quando estiver completa disse tu inspecionars a minha obra. Concedido o pedido, deu inicio " tarefa,

    Na distribuio, concedeu a alguns fora sem a rapidez; aos mais dbeis, a qualidade da rapidez; a uns armas; aos que por natureza estavam inermes , alguma outra qualidade que pudesse garantir sua salvao. Aos que eram de pequeno porte concedeu a capacidade de fuga, voando, ou mesmo a capacidade de viver sob a terra; aos de tamanho avantajado, muniu-os segundo o prprio tamanho. Em sntese : manteve o equilbrio entre todas as qualidades, tendo sempre presente, na diversida de dos inventos, que nenhuma raa viesse a se perder.

    Aps ter salvaguardado todas as espcies de maneira suficiente das destruies mutuas, ocupou-se de dar-lhes defesas contra as inclemncas que procedem de Zeus, revestindo-os de espessos pelos e grossas peles, que serviriamde abri-go contra o frio, assim como contra o calor; e, ademais, quando fossem dormir, esta. riam providos de cobertura natural e adequada a cada vivente. Alguns calou de cascos; outros de couros duros e carentes de sangue. To prontamente preocupou-se em dar a cada um o alimento apropriado: a alguns, os frutos das arvores; a outros,suas razes; a alguns determinou como alimento a carne de outro. A esses deu uma posteri-dade pouco numerosa, e as suas vtimas, uma grande fecundidade como herana e salva o da espcie.

    Ora, Epimeteu, de sabedoria imperfeita, havia dispensado, sem se dar conta disso, todas as qualidades em favor dos animais, ficando ainda para prover das suas a espcie humana. Estando diante dessa situao, eis que chega Prome teu para inspecionar o trabalho de Epimeteu. V que as demais raas esto harmoniosamente assistidas para viver, e o homem, ao contrrio, desnudo, sem proteo, sem calados, inerme. Alem do mais, havia chegado o dia assinalado pelo Destino para que o homem sasse da terra luz.

    Prometeu, diante dessa dificuldade, nao sabendo que meio de salva_ o encontrar para o homem, decidiu-se por roubar a sabedoria artstica de Hefestos e Atenas, e, ao mesmo tempo, o fogo j que sem esse seria praticamente impossvel que a sabedoria pudesse ser adquirida por algum e que servisse para qualquer finalidade ; to logo assim procedeu, fez entrega dele para o homem.

  • Desta maneira, o homem recebeu em posse as artes teis vida. To davia, faltou-lhe a poltica. Esta, em efeito, se encontrava em Zeus. Ora, Prometeu no tinha tido tempo de entrar na Acrpolis, a manso de Zeus; ademais, s portas da mesma encontravam-se sentinelas muito temveis. No entanto, pode entrar sem ser visto na morada em que Hefestos e Atenas praticavam juntos as artes que tanto ama-vam, de forma que, tendo roubado as artes do fogo que correspondem a Hefestos e s demais que sao de patrimnio de Atenas, pode d-las aos homens. Por essa razo e ho mem esta de posse de todos os recursos necessrios vida e, por isso, diz-se qua Prometeu foi imediatamente acusado de furto.

    0 homem, ao participar do destino dos deuses, foi o primeiro e u-nico animal a honrar os deuses, e a se dedicar a construo de altares e imagens p_a ra as divindades; teve em seguida a arte de emitir sons e palavras articuladas; in-ventou as habitaes, os vestidos, os calados, os meios de abrigo e de produo dos alimentos que nascem da terra. Protegido dessa maneira para enfrentar a vida, o ho-mem, em um primeiro momento, viveu disperso, sem que houvesse nenhuma cidade para habitar. Desta forma, pois, era destrudo pelos animais que sempre e em todas as partes eram mais fortes que ele. Da mesma forma, a sua arte, eficaz para aliment-lo, nao o era diante de um guerra contra os animais. A causa disso residia no fato de que os homens nao possuam a arte poltica, da qual a arte da guerra faz parte . Almejavam, pois, reunir-se e fundar suas cidades cera o intuito de se defenderem. To davia, uma vez reunidos, feriam-se mutuamente, por carecer da arte da poltica, de tal forma que recomeavam a dispersar-se e a morrer.

    Ento Zeus, preocupado com a ameaa de desaparecimento da nossa espcie, designou Hermes para que ele trouxesse aos homens o pudor ( (aids ) e a justia ( dik. ), com o intuito de que nas cidades houvesse harmonia e laos criado res de amizade.

    ( PLATON, Oeuvres Completes, Paris, Belle Lettre )

  • AGOSTINHO, Do Civ. Dei, XIX, 17

    A famlia dos homens que no vivem da f busca a paz terrena nos bens e comodidades desta vida. Por sua vez, a famlia dos homens que vivem da fe es_ pera nos bens futuros e eternos, segundo a promessa. Usam dos bens terrenos e tempo rais como viajantes. Nao os prendem nem desviam do caminho que leva a Deus, mas os sustentam a fim de que suportem com mais facilidade e nao aumentem o fardo do corpo corruptvel, que oprime a alma.

    0 uso dos bens necessrios a esta vida mortal e, portanto, comum a ambas as classes de homens e a ambas as casas, mas no uso cada qual tem fim pr-prio e modo de pensar muito diverso do outro.

    Assim, cidade terrena, que nao vive da fe, apetece tambm a paz, porm firma a concrdia entre os cidados que mandam e os que obedecem para haver , quanto aos interesses da vida mortal, certo concerto das vontades humanas. Mas, a cidade celeste, ou melhor, a parte que peregrina neste vale e vive da f, usa dessa paz por necessidade, at passar a mortalidade, que precisa de tal paz. Por isso, eri quanto esta como viajante cativa na cidade terrena, onde recebeu a promessa de sua redeno e, como penhor dela, o dom espiritual, no duvida em obedecer as leis regu-lamentadoras das coisas necessrias e do mantenimento da vida mortal. Como a morta-lidade lhes comum, entre ambas as cidades h concrdia com relao a tais coisas.

    Acontece, porm, que a cidade terrena teve certos sbios condena-dos pela doutrina de Deus, sbios que, por conjeturas ou Dor artifcios dos dem-nios, disseram que deviam amistar muitos deuses com as coisas humanas ... A cidade celeste, ao contrrio, conhece um s Deus, nico a quem se deve culto e servido , em grego chamada latreia ( adorao ) , e pensa com piedade fiel nao ser devido se-no a Deus.

    Tais diferenas deram motivo a que essa cidade e a cidade terrena nao possam ter em comum as leis religiosas. Por causas delas a cidade celeste se ve na preciso de dissentir da cidade terrestre, ser carga para os que tinham opinio contrria e suportar-lhes a clera, o dio e as violentas perseguies, a menos que algumas vezes refreie a animosidade dos inimigos com a multido de fiis e sempre com o auxlio de Deus.

    Enquanto peregrina, a cidade celeste vai chamando cidados por to das as naes e formando de todas as lnguas verdadeira cidade viajora. Nao se preo-cupa com a diversidade de leis, de costumes, nem de instintos que destroem ou man-tm a paz terrena. Nada lhes suprime nem destri, antes os conserva e aceita; esse conjunto, embora diverso nas diferentes naes, encaminha-se a um so e mesmo fim, a paz terrena se no impede que a Religio ensine que deva ser adorado o Deus nico,

  • verdadeiro e sumo. Em sua viagem a cidade celeste usa tambm da paz terrena e das

    coisas necessrias relacionadas com a condio atual dos homens. Proteje e deseja o acordo de vontades entre os homens, quanto possvel deixando a salvo a piedade e a religio, e ministra a paz terrena paz celeste, verdadeira paz...

  • DESCARTES, Discurso do Mtodo, IV

    Nao sei se deva falar-vos das primeiras meditaes que a reali rei; pois sao to metafsicas e to pouco comuns, que nao sero, talvez, do gosto de todo mundo. E, todavia, a fim de que se possa julgar se os fundamentos que esco-lhi sao bastante firmes, vejo-me, de alguma forma, compelido a falar-vos delas. De ha muito observara que, quanto aos costumes, e necessrio as vezes seguir opinies, que sabemos serem muito incertas, tal como se fossem indubitveis, como j foi dito acima; mas, por desejar ento ocupar-me somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessrio agir exatamente ao contrario, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dvida, a fim de ver se, aps isso, no restaria algo em meu credito, que fosse inteiramente indubitvel. Assim, porque OS nossos sentidos nos enganam s vezes, quis supor que nao havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, porque ha homens que se equivocam ao ra-ciocinar, mesmo no tocante s mais simples matrias de Geometria, e cometem a para logismos, rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a falhar como qualquer outro, todas as razoes que eu tomara at ento por demonstraes. E enfim, conside-rando que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem tambm ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, re-solvi fazer de conta que todas as coisas que at ento haviam entrado no meu espri_ to, no eram mais verdadeiras que as iluses de meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessaria mente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu pen-so, logo existo, era to firme e to certa que todas as mais extravagantes supos_i oes dos cticos no seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceit-la, sem escrpulo, como o primeiro princpio da Filosofia que procurava-

    Depois, examinando com ateno o que eu era, e vendo que podia su-por que no tinha corpo algum e que nao havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que nao existia; e que, ao contra rio, pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas seguia-se mui evidente e mui certamente que eu existia; ao passo que, se apenas houvesse ces-sado de pensar, embora tudo o mais que alguma vez imaginara fosse verdadeiro, j nao teria qualquer razo de crer que eu tivesse existido; compreendi por a que era tuna substancia cuja essncia ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, nao necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte que osse eu, isto , a alma, pela qual sou o que sou, e inteiramente distinta do corpo o, mesmo, que mais fcil de conhecer do que ele, .e, ainda que este nada ;, fosse, ola nao deixaria de ser tudo o que e.

    (DESCARTES, Obra Escolhida, Sao Paulo, Difel.1962)

  • LOCKE, Segundo Tratado sobre o Governo, VII, 77-80

    Tendo Deus feito o homem criatura tal que, conforme julgava, nao seria conveniente para o prprio homem ficar s, colocou-o sob fortes obrigaes de necessidade, convenincia e inclinao para arrast-lo sociedade, provendo-o i-gualmente de entendimento e linguagem para que continuasse a goz-la.(..,)

    A sociedade conjugai forma-se mediante pacto voluntrio entre ho-mem e mulher; e embora consista principalmente na comunho e direito ao corpo um de outro, como e necessrio ao fira principal a procriao , traz, entretanto, consi go o sustento e a assistncia mtuos bem como comunho de interesses, necessrios nao so para unir-lhes o cuidado e o afeto, mas tambm em prol da prognie comum, que tem o direito de ser alimentada e mantida por eles ate ser capaz de prover s pr-prias necessidades.

    Nao sendo o objetivo da unio entre macho e fmea simplesmente a procriao, mas a continuao da espcie, tal unio deve durar, mesmo depois da pro criao, tanto quanto necessrio para alimentao e sustento dos filhos que tera de ser mantidos pelos que os geraram, ate que fiquem capazes de mover-se e prover as pr prias necessidades. Verificamos que as criaturas inferiores obedecem fielmente a es_ ta regra que o Autor infinitamente sbio formulou para as obras de suas mos. Nos animais vivparos que se alimentam de gramneas, a unio entre macho e fmea nao du ra mais do que o prprio ato de cpula, porque, sendo o ubre da fmea suficiente pa ra a alimentao da cria at que seja capaz de alimentar-se pastando, o macho soraen te procria, mas nao se preocupa com a fmea ouja cria, para cujo sustento em nada pode contribuir. Mas nos animais de presa a unio dura mais tempo porque a fmea , no sendo capaz de sustentar bem a si e numerosa progenie somente pelo que apresa, maneira mais trabalhosa e mais perigosa de viver do que alimentando-se de gramneas, o auxlio do macho torna-se necessrio para a manuteno da famlia comum, que nao pode subsistir at que se torne capaz de apresar para si. O mesmo se observa em todos os pssaros exceto algumas aves domsticas, entre as quais o excesso de 'alimentos dispensa o macho de alimentar e cuidar da prognie , cujos filhos precisando de alimento no ninho, o macho e a fmea continuam companheiros ate que os filhos fiquem capazes de usar as prprias asas e prover as suas necessidades.

    E nisto, penso eu, se encontra a principal razo, seno a nica , de permanecerem o macho e a fmea na raa humana mais tempo unidos do que outras criaturas, isto , porque a fmea capaz de conceber e de fato fica de grvida e d a luz a mais um filho muito antes que o primeiro se encontre livre de dependen -cia para sustento de parte dos pais e fique capaz de fazer por si, tendo todo o au-xlio dos pais que lhe devido: enquanto o pai, que tem a obrigao de zelar pelos

  • que procriou, fica sob a obrigao de continuar em sociedade conjugai com a mesma mulher por mais tempo que outras criaturas cujos filhos, sendo capazes de subsistir por si antes que de novo volte a poca da procriaao, o lao conjugai dissolve-se de per si ficando macho e fmea em liberdade, at que volte novamente a poca em que tero de escolher novos companheiros. No que nao se pode deixar de admirar a sabedo-ria do grande Criador, que, tendo dado ao homem previso e capacidade de-guardar pa ra o futuro, bem como de suprir a necessidade presente, tornou necessrio fosse a sociedade de homem e mulher mais duradoura do que a de macho e fmea entre outras criaturas, de sorte que assim se lhes estimulasse a industria e melhor se unisse o interesse de ambos no sentido de fazer proviso e acumular bens para a descendncia comuto ,que ficaria grandemente perturbada pela combinao incerta ou por solues f-ces e freqentes da sociedade conjugai.

    ( LOCKE; " Os Pensadores ", Saci Paulo, Abril Cul-tural, 1983 ).

  • BARTHES, Mitologias, " A Clarividente "

    0 jornalismo est, atualmente, todo voltado para a tecnocracia, e a nossa imprensa semanal transformou-se no centro de uma verdadeira magistratura da Conscincia e do Conselho, como na poca urea dos jesutas. Trata-se de uma moral moderna, isto , nao emancipada mas garantida pela cincia, e para a qual a opinio do especialista mais requerida do que a do sbio universal. Cada rgo do corpo humano ( visto que se deve partir do concreto ) tem assim o seu " tcnico ", que e, simultaneamente, papa e perito mximo: dentista da Colgate para a beca, o medico de " responda-me, Doutor " para as hemorragias do nariz, os engenheiros do sabo Lux para a pele, um padre dominicano para a alma, e o correspondente sentimental dos jornais femininos para o corao.

    0 Corao e um rgo, fmea. Para se lidar com ele e portanto exi-gida uma competncia, na ordem moral, to particular quanto a do ginecologista, na ordem fisiolgica. A conselheira desempenha assim as suas funes, graas a soma dos seus conhecimento em matria de cardiologia moral; mas e-lhe necessrio, tambm, um dom de carter(...): a aliana de uma experincia muito longa, implicando uma idade respeitvel, e de uma juventude de Corao eterna, que define aqui o direito a cincia. A conselheira sentimental assemelha-se, assim, ao prestigioso tipo fran-cs do " benfeitor severo ", dotado de uma s franqueza ( podendo mesmo chegar a ru deza ), de uma grande vivacidade de rplica, de uma sensatez esclarecida mas confi-ante, e cuja sabedoria, real e modestamente escondida, " sempre sublimada pelo ssa mo do contencioso moral burgus: o bom senso.

    Naquilo que o Correio Sentimental concede em nos revelar, as cn-sultantes sao cuidadosamente despojadas de qualquer condio: assim como, sob o es-calpelo do cirurgio, a origem social do paciente generosamente colocada entre pa-rentses, assim sob o olhar da conselheira, a postulante reduzida a um puro rgao cardaco. s sua qualidade de mulher a define: a condio social tratada como uma realidade parasita intil, que poderia perturbar o tratamento da pura essncia femi nina. Apenas os homens, raa exterior que constitui o " objeto " do Conselho, no sentido logstico do termo ( aquilo de que se fala ), tm o direito de ser sociais ( claro, visto que sao rentveis ); pode-se portanto se lhes determinar um ceu : de um modo geral, o do industrial bem sucedido.(...)

    Neste mundo de essncias, a prpria mulher tem como essncia o es tar-ameaada; por vezes pelos pais, mais freqentemente pelo homem; em qualquer dos casos, o casamento jurdico constitui a salvao, a soluo da crise; que o homem

    lidade ; to logo assim procedeu, fez entrega dele para o homem.

  • seja adltero, ou sedutor ( ameaa, alias, ambgua ) ou refrataria, o casamento, co mo contrato social de apropriao, e a panacia adequada, Mas a fixidez do objetivo exige, em caso de postergao ou de fracasso ( e e por definio o momento em que o Correio intervm ) comportamentos irreais de compensao: todas as vacinas do Cor-reio contra as agresses ou os abandonos do homem pretendem conseguir a sublmaao da derrota, seja santificando-a sob a forma de sacrifcio ( calar-se, nao pensar , ser boa, ter esperana ), seja reivindicando-a a posteriori como pura libertao ( permanecer calma, trabalhar, nao fazer caso dos homens, procurar a solidariedade entre as mulheres ).

    Assim, sejam quais forem as contradies aparentes, a moral do Correio nao postula jamais para a mulher uma outra condio que nao seja a de para-sita. S o casamento, instituindo-a juridicamente, lhe confere uma existncia. Reen contramos aqui, muito precisamente, a estrutura do gineceu, definido como uma liber dade cerceada pelo olhar exterior do homem. 0 Correio Sentimental institui, mais so lidamente do que nunca, a Mulher, como espcie zoolgica particular, colnia de pa-rasitas dispondo de movimentos interiores prprios, mas cuja fraca amplitude tende a restabelecer a fixidez do elemento tutor ( o vir ). Este parasitismo, preservado ao som dos clarins da Independncia Feminina, tem como conseqncia natural uma total incapacidade para qualquer abertura sobre o mundo real: aparentando uma competncia cujos limites seriam lealmente declarados, a Conselheira recusa-se sempre a tomar partido sobre os problemas que pareceriam exceder as funes prprias do Cora ao Feminino; a franqueza estaca pudicamente no limiar do racismo ou da religio; e isto porque, de fato, ela constitui uma vacina cuja utilizao bem precisa; o seu papel colaborar na inoculaao de uma moral conformista de sujeio. Na Conselheira concentra-se todo o potencial de emancipao da espcie feminina: atravs dela as mulheres sao livres, por procurao. A liberdade aparente dos conselhos dispensa a liberdade real dos comportamentos: liberaliza-se um pouco a moral para que os dogmas constitutivos da sociedade resitam com mais segurana.

    ( BARTHES, Mitologias, So Paulo, Difel )

  • A V A L I A O

    : Desenvolva uma dissertao, utilizando as discusses feitas

    na Unidade Mito e Razo que exemplifique o con teudo da

    seguinte afirmao: A compreenso de teorias aparentemente

    mticas exige buscar sua racionalidade no contexto

    histrico que lhes d sentido.

  • Unidade Temtica II : Rato e Verdade . Ementas . Textos . Avaliao

  • UNIDADE TEMTICA II : Razo e Verdade

    . Provocao 1 : fragmento de texto do pensador grego dos sculos V e IV a.C, PLATO ( 427aC-347aC ) que, no contexto da redefinio da polis grega em seus contornos de regime poltico, relata uma alegoria sobre a lo-calizao da verdade nas essncias imateriais e re_ jeita as aparncias como fonte de conhecimento, ou seja, a verdade no esta neste mundo material.

    . Provocao 2 : fragmento de texto do pensador italiano do sculo XIII, TOMAS DE AQUINO ( 1225-1274 ) que, no con texto das transformaes da Baixa Idade Media, retoma uma conciliao entre F e Razo, .:aceitando a existncia de verdades neste mundo material, a-tingidas pela inteligncia humana mas criadas pela inteligncia divina.

    . Provocao 3 : fragmento de texto do pensador ingls dos -sculos XVI e XVII, BACON ( 1561-1626 ) que, no contexto das transformaes politico/economico/culturais do Renascimento e seus desdobramentos, desenvolve um raciocnio contra a Cincia e a Filosofia anteriores, procurando estabelecer um novo mtodo para en-contrar a verdade na prpria natureza.

    . Provocao 4 : fragmento de texto do pensador alemo dos :sculos XVIII e"XIX" , KANT ( 1724-1804 ) que, no contexto das sbitas conquistas da Cincia e marcado pelas discusses que serviro de base ao Iluminismo, re-posiciona a problemtica da crtica ao conhecimento e busca bases que garantam o atingimento de cer-tez as na Filosofia a partir da crena de que o homem j nasce com " categorias a priori " de pensamento .

    , Provocao 5 : fragmento de texto do pensador brasileiro contempo raneo, Hilton JAPIASSU ( 1934- * ) que, no contexto da extrema mitificao que a Cincia vera padecendo neste final de sculo XX, investe contra essa interpretao alienante que a ela atribui uma neutralidade e uma objetividade intrnsecas, vincu-lando-a aos sistemas de poder.

  • R A Z O E V E R D A D E

    Provocaes

    1. PLATO, Repblica, VII 2. TOMAS DE AQUINO, Questes discutidas sobre a Verdade,IV 3. BACON, Novum Organon, Livro I, I-XIII 4. KANT, Crtica da Razo Pura, Introduo, I 5. JAPIASSU, 0 Mito da Neutralidade Cientfica, Introduo

  • PIATO, repblica, VII

    ( Scrates quem fala ) * Imagina homens que vivem numa espcie de morada subterrnea, em

    forma de caverna, que possui uma entrada que se abre em toda a largura da caverna para a luz; no interior dessa morada eles esto, desde a infncia, acorrentados pe-ias pernas e pelo pescoo, de modo a ficarem imobilizados no mesmo lugar, s* vendo o que se passa na sua frente, incapazes, em virtude das cadeias, de virar a cabea. Quanto luz, ela lhes vem de um fogo aceso numa elevao ao longe, atrs deles. 0-ra, entre esse fogo e os prisioneiros, imagina um caminho elevado ao longo do qual se ergue um pequeno muro, semelhante ao tabique que os exibidores de fantoches colo cam a sua frente e por cima dos quais exibem seus fantoches ao publico.

    Estou vendo, disse. Figura, agora, ao longo desse pequeno muro e ultrapassando-o ,

    homens que transportam objetos de todos os tipos como estatuetas de homens ou ani-mais de pedra, de madeira, modeladas em todos os tipos de matria; dentre esses con dutores, naturalmente, existem aqueles que falam e aqueles que se calara.

    Fazes de tudo isso uma estranha descrio, disse, e teus prisio neiros sao muito estranhos J

    a ns que eles se assemelham, retruquei. Com efeito, podes crer que homens em sua situao tenham anteriormente visto" algo de si e dos outros, afora as sombras que o fogo projeta na parede situada a sua frente ?

    E como poderiam faze-lo, observou, se esto condenados por toda a vida a ter a cabea imobilizada ?

    E com relao aos objetos que passam ao longo do muro, nao ocor re o mesmo ?

    Evidentemente ! Se, portanto, conseguissem conversar entre si, nao achas que to

    mariam por objetos reais as sombras que avistassem ? Forosamente. E se, por outro lado, houvesse eco na priso, proveniente da pa

    rede que lhes fronteira, nao achas que, cada vez que falasse um daqueles que pas-sam ao longo do pequeno muro, eles poderiam julgar que os sons proviriam da sombras projetadas ?

    Nao, por Zeus, disse ele. Portanto, prossegui, os homens que esto nesta condio s pode.

    rao ter por verdadeiro as sombras projetadas pelos objetos fabricados. inteiramente necessrio.

  • Considera agora o que-naturalmente lhes sobreviria se fossem l bertos das cadeias e da iluso em que se encontram. Se um desse homens fosse liber-tado e imediatamente forado a se levantar, a voltar o pescoo, a caminhar, a olhar para a luz; ao fazer tudo isso ele sofreria e, em virtude do ofuscamento, nao pode-ria distinguir os objetos cujas sombras visualizara ate ento. Que achas que ele responderia se lhe fosse dito que tudo quanto vira at ento nao passara de quime-ras, mas que, presentemente, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, estaria vendo de maneira mais justa ? E se, ao se lhe designar cada um dos objetos que passam ao longo do muro, fosse forado a responder as perguntas que se lhe fizesse sobre o que " cada um deles, nao achas que ele se perturbaria ? Nao a-chas que ele consideraria mais verdadeiras as coisas que vira outrra do que aque-las que agora lhe eram designadas ?

    Sim, disse ele, muito mais verdadeiras ! E se, por outro lado, ele fosse obrigado a fitar a prpria luz,

    no achas que seus olhos se ressentiriam e que, voltando-lhe as costas, fugiria para junto daquelas coisas que e capaz de olhar e que lhes atribuiria uma realidade maior do que as outras que lhe sao mostradas ?

    Exato, disse ele. Supe, agora, prossegui, que ele fosse arrancado a fora de sua

    caverna e compelido a escalar a rude e escarpada encosta e que nao fosse solto an-tes de ser trazido at* a luz do sol; no achas que ele se afligiria e se irritaria, por ter sido arrastado dessa maneira ? E que, uma vez chegado plena luz e comple-tamente ofuscado, achas que poderia distinguir uma s das coisas que agora chamamos verdadeiras ?

    Nao poderia faze-lo, disse ele, pelo menos de imediato. Penso que teria necessidade de habito para chegar a ver as coi-

    sas na regio superior. De incio, distinguiria as sombras mais facilmente, em se-guida, a imagem dos homens e dos outros seres refletidos nas guas; mais tarde, dis_ tinguiria os prprios seres. A partir dessas experincias, poderia, durante a noi-te, contemplar os corpos celestes e o prprio ceu, a luz dos astros e da lua, muito mais facilmente do que o sol e sua luz, durante o dia.

    Nao poderia ser de outro modo. Penso que finalmente ele seria capaz de fitar o sol, nao mais

    refletido na superfcie da gua, ou sua aparncia num lugar em que nao se encontra, mas o prprio sol no lugar que o seu; em suma, viria a contempla-lo tal como e.

    Necessariamente, disse ele. Aps isso, raciocinando a respeito do sol, concluiria que ele

    produz as estaes e os anos, que governa todas as coisas que existem em lugar vis_ vel e que num certo sentido, tambm a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.

    claro, disse ele, que chegaria a tal concluso.

  • Ora, nao achas que, ao se lembrar de sua primeira morada, da sa-bedoria que l se processa, e dos seus antigos companheiros de priso, ele no se rejubilaria com a mudana e lastimaria estes ltimos ?

    Sim, creio. E se eles, ento, se concedessem honras e louvor . entre si, se

    outorgassem recompensas aquele que captasse com olhar mais vivo a passagem das som-bras, que tivesse melhor memria das que costumavam vir em primeiro lugar ou em ul-timo, ou concomitantemente, e que, por isso, fosse o mais capaz de fazer conjeturas, a partir dessas observaes, sobre o que deveria acontecer, achas que esse homem li berto sentiria cimes dessas distines e alimentaria inveja dos que, entre os pri-sioneiros, fossem honrados e poderosos ? Ou ento, como o heri de Homero, nao pre-feriria muito mais " ser apenas um servente de charrua a servio de um pobre lavra-dor ", e sofrer tudo no mundo a voltar a suas antigas iluses, a pensar como pensa-va, a viver como vivia ?

    Como tu, acho que ele preferiria sofrer tudo a viver dessa ma-neira.

    Supe que este homem retornasse a caverna e se sentasse em seu antigo lugar; nao teria ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno sol ?

    Seguramente, disse ele. E se, para julgar essas sombras, tivesse de entrar de novo em

    competio com os prisioneiros que nao abandonaram as correntes, no momento em que ainda estivesse com a vista confusa e antes que se tivesse reacostumado, nao provo-caria risos ? Nao diriam eles que sua ascenso lhe causara a runa da vista e que, portanto, nao valeria a pena tentar subir at l ? E se algum tentasse libert-los e conduzi-los ate o alto, nao achas que se eles pudessem peg-lo e mat-lo, no o fariam ?

    Incontestavelmente, disse ele. Essa imagem, caro Glauco, ter* de ser inteiramente aplicada ao

    que dissemos mais acima, comparando o que a vista nos revela com a morada da priso e, por outro lado, a luz do fogo que ilumina o interior da priso com a ao do sol; em seguida, se admitires que a ascenso para o alto e a contemplao do que l exis te representam o caminho da alma era sua ascenso ao inteligvel; nao te ....enganaras sobre o objeto de minha esperana, visto que tens vontade de te instrures nesse as_ sunto. E Deus sabe, sem dvida, se ele verdadeiro ! Eis, em todo caso, como a evi dencia disto se me apresenta: na regio do cognoscvel, a idia do Bem e a que se v por ltimo e a muito custo, mas que, uma vez contemplada, se apresenta ao racio-cnio como sendo, em definitivo, a causa universal de toda a retido e de toda a be_ leza; no mundo visvel, ela e a geradora da luz e do soberano da luz, sendo ela pro pria soberana, no inteligvel, dispensadora de verdade e inteligncia; ao que eu a-crescentaria ser necessrio ve-la se se quer agir com sabedoria tanto na vida priva da quanto na pblica.

    (HUISMAN & VERCEZ, Historia dos Filsofos..., RJ,Freitas Bastos; 1984 )

  • TOMAS DE AQUINO, Questes discutidas sobre a Verdade , IV, III

    Conforme se evidencia do que precede, a verdade reside, em sentido prprio, na inteligncia divina ou na humana, assim como a sanidade se encontra no ser vivente. Nas outras coisas a verdade se encontra pela relao que estas tm com o conhecimento, da mesma forma que a certas outras coisas atribudos a sanidade, pelo fato de elas operarem ou receberem a sanidade.

    Por conseguinte a verdade reside na inteligncia de Deus em senti do prprio e primrio, na inteligncia humana em sentido prprio e secundrio; nas coisas, a verdade se encontra em sentido imprprio e secundrio, isto ", so com re-ferencia a uma das duas verdades que acabamos de mencionar ( a verdade existente na mente divina e a existente no intelecto humano ).

    A verdade do conhecimento divino , portanto, uma s, derivando dela uma pluralidade de verdades para a inteligncia humana, da mesma forma que de uma s face de homem deriva uma pluralidade de imagens no espelho (...).

    Ao contrrio da verdade divina, a verdade que reside nas coisas mltipla, assim como e mltipla a essncia das coisas. A verdade que se predica das coisas enquanto relacionadas com o intelecto humano de certo modo acidental as coisas, visto que estas permaneceriam em sua essncia, na hiptese de que a inteli-gncia humana nao existisse nem pudesse existir. Ao contrario, a verdade que se pre dica das coisas enquanto relacionadas com a inteligncia de Deus reside nelas indis soluvelmente, visto que nao podem subsistir a nao ser pela inteligncia divina, que as produz e as mantera no ser. Consequentemente, a verdade reside nas coisas, antes pela sua relao com o intelecto divino do que pela sua relao com a inteligncia humana, pois com respeito ao intelecto divino as coisas criadas sao efeitos, ao pas_ so que cora respeito inteligncia humana sao causas, pois delas que a intelign-cia humana haure o seu conhecimento.

    Se, por conseguinte, por verdade no sentido prprio se entende a-quela luz da qual todas as outras coisas sao em sentido primrio verdadeiras, con-clui-se que todas as coisas que sao verdadeiras so-no em virtude de uma nica ver-dade, que e a da inteligncia de Deus. (...)

    Ao contrario, se por verdade no sentido prprio se entende aquela em virtude da qual as coisas se denominam verdadeiras no sentido secundrio, existe uma pluralidade de verdades, em correspondncia a pluralidade de inteligncias. Sc, porm, se considerar a verdade em sentido imprprio, verdade segundo a qual todas as coisas se denominam verdadeiras, neste caso existem muitas verdades, embora a C da coisa corresponda uma s verdade.

  • Todavia, as coisas se denominam verdadeiras segundo a verdade que habita na inteligncia divina ou na humana ( assim como um determinado alimento se diz saudvel em fora da sanidade contida no ser vivente, e nao em virtude de uma forma eventualmente inerente ele ). Toda coisa se denomina verdadeira segundo a verdade que reside na prpria coisa ( verdade esta que nao e outra coisa seno a es sncia, a qual concorda com a inteligncia ou faz esta ultima concordar com ela ) a guisa de uma forma inerente, da mesma maneira que ura alimento se denomina saudvel em virtude de uma qualidade que lhe prpria e que precisamente faz com que o ali-mento se denomine saudvel.

    ( SANTO TOMAS, " Os Pensadores ", SP, Abril Cultural,1973)

  • BACON, Novum Organum, Livro I, I-XII

    O homem, ministro e interprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observao dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; nao sabe nem pode mais.

    Nem a mao nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. Todos os feitos se cumprem com instrumentos e recursos auxiliares, de que dependem, em igual medida, tanto o intelecto quanto as mos. Assim como os instrumentos mec-nicos regulam e ampliam o movimento das mos, os da mente aguam o intelecto e o precavem.

    Cincia e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo a causa ig norada, frustra-se o efeito. Pois a natureza nao se vence, se nao quando se lhe obe dece. E o que a contemplao apresenta-se como causa regra na prtica.

    No trabalho da natureza o homem nao pode mais que unir e apartar os corpos. 0 restante realiza-o a prpria natureza, em si mesma.

    No desempenho de sua arte, costumam imiscuir-se na natureza o f-sico, o matemtico, o medico, o alquimista e o mago. Todos eles, contudo no pre-sente estado das coisas , fazem-no com escasso empenho e parco sucesso.

    Seria algo insensato, em si mesmo contraditrio, estimar poder ser realizado o que at aqui nao se conseguiu fazer, salvo se se fizer uso de proce dimentos ainda nao tentados.

    As criaes da mente e das mos parecem sobremodo numerosas, quan do vistas nos livros e nos ofcios. Porem, toda essa variedade reside na exmia su-tileza e no uso de um pequeno nmero de fatos j conhecidos e nao no numero dos a-xiomas.

    Mesmo os resultados at agora alcanados devem-se muito mais ao acaso e a tentativas que cincia. Com efeito, as cincias que ora possumos nada mais sao que combinaes de descobertas anteriores. Nao constituem novos mtodos de descoberta nem esquemas para novas operaes.

    A verdadeira causa e raiz de todos os males que afetam as cincias uma nica: enquanto admiramos e exaltamos de modo falso os poderes da mente huma-na, nao lhe buscamos auxlios adequados.

    A natureza supera em muito, em complexidade, os sentidos e o inte lecto. Todas aquelas belas meditaes e especulaes humanas, todas as controvr-sias sao coisas malsas. E ningum disso se apercebe.

  • Tal como as cincias, de que ora dispomos, sao inteis para a in-veno de novas obras, do mesmo modo, a nossa lgica atual intil para o incremc to das cincias.

    A lgica tal como hoje e usada mais vale para consolidar e perpe tuar erros, fundados em noes vulgares, que para a indagaao da verdade, de sort que mais danosa que til.

    ( BACON, " Os Pensadores ", SP, Abril Cultural,1973 )

  • KANT, Crtica da Razo Pura, Introduo, I

    Ho h dvida da que todo o nosso conhecimento comea com a expe-rincia; do contrario, por meio de que deveria o poder de conhecimento ser desperta do para o exerccio seno atravs de objetos que impressionam os nossos sentidos e em parte produzem por si prprios representaes, em parte pem em movimento a ati-vidade do nosso entendimento a fim de compar-las, conect-las ou separa-las, e des_ te modo trabalhar a matria bruta das impresses sensveis com vistas a um conheci-mento dos objetos que se chama experincia ? Segundo o tempo, portanto, nenhum co nhecimento precede em nos a experincia, e todo o conhecimento comea com ela.

    Mas, embora todo o nosso conhecimento comece com a experincia , nem por isso se origina todo ele justamente da experincia. Pois bem poderia aconte_ cer que mesmo o nosso conhecimento de experincia seja um composto do que recebemos por meio de impresses e do que o nosso prprio poder de conhecimento ( apenas pro-vocado por impresses sensveis ), fornece de si mesmo cujo aditamento nao distin guimos daquela matria-prima , at que um longo exerccio nos tenha chamado a aten ao para ele e nos tenha tornado capazes de abstra-lo.

    E, portanto, uma questo que requer pelo menos uma investigao mais pormenorizada e nao pode resolver-se a primeira vista, a saber, se existe um tal conhecimento independente da experincia e inclusive de todas as impresses dos sentidos. Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos conhecimentos empricos , que possuem as suas fontes a posteriori , ou seja, na experin- cia.

    Todavia, aquela expresso nao ainda suficientemente determinada para designar de modo adequado o sentido completo da questo proposta. Com efeito , costuma-se dizer, a respeito de muito conhecimento derivado de fontes da experin-cia, que somos capazes ou participantes dele a priori, porque o derivamos nao ime-diatamente da experincia, mas de uma regra geral, que nao obstante tomamos empres-tada da experincia. Assim, diz-se de algum que solapou os fundamentos da sua casa: ele podia saber a priori que a casa desmoronaria, quer dizer, nao precisava espe_ rar pela experincia do seu desmoronamento efetivo. Ele nao podia, contudo, sabe-lo inteiramente a priori, pois o fato de os corpos serem pesados e de eles, portanto, carem quando lhes sao tirados os sustentculos devia ser-lhe conhecido antes pela experincia.

    Por conhecimentos a priori, entenderemos, portanto, no que se se-gue, no os que se realizam independentemente desta ou daquela experincia, mas ab-solutamente independentes de toda a experincia. Opem-se a eles os conhecimentos empricos ou aqueles quo sao possveis apenas a posteriori , isto , por meio da cx periencia. Dos conhecimentos a priori denominam-se, porem, puros aqueles aos quais no

  • se mescla nada de emprico. Assim , por exemplo, a proposio: cada mudana tem sua causa; uma proposio a priori. , porem nao pura, porque mudana um conceito que s pode ser tirado da experincia.

    ( KANT, " Os Pensadores ", Sao Paulo, Abril Cultural.1973 )

  • JAPIASS, O Mito da Neutralidade Cientifica, Introd.

    O que a cincia ? A questo parece banal. As respostas, porem , sao complexas e difceis. (...)

    Uma coisa nos parece certa: nao existe definio objetiva nem muito menos neutra, daquilo que e ou nao a cincia, Esta tanto pode ser uma procura metdica do saber, quanto um modo de interpretar a realidade; tanto pode ser uma instituio, com seus grupos de presso, seus preconceitos, suas recompensas oficiais, quanto um metie subordinado a instncias administrativas, polticas ou ideolgicas; tanto uma aventura intelectual conduzindo a um conhecimento terico ( pesqui sa ), quanto um saber realizado ou tecnicizado.

    'Se perguntarmos, por outro lado, sobre o modo de funcionamento da cincia, sobre seu papel social, sobre sua maneira de explicar os fenmenos e de compreender o homem no mundo, perceberemos facilmente que as condies reais em que sao produzidos os conhecimentos objetivos e racionalizados, esto banhadas por uma inegvel atmosfera scio-poltico-cultural. esse enquadramento scio-histrico , fazendo da cincia um produto humano, nosso produto, que leva os conhecimentos obje tivos a fazerem apelo, quer queiram quer nao, a pressupostos tericos, filosficos, ideolgicos ou axiolgicos nem sempre explicitados. Em outros termos, nao h cin cia " pura ", " autnoma " e " neutra *', como se fosse possivel gozar do privilgio de nao-se-sabe-que " imaculada concepo ", Espontaneamente, somos levados a crer que o cientista um indivduo cujo saber inteiramente racional e objetivo, isen to nao somente das perturbaes da subjetividade pessoal, mas tambm das influencias sociais. Contudo, se o examinarmos em sua atividade real, em suas condies concre tas de trabalho, constataremos que a " Razo " cientfica nao e imutvel. Ela muda. histrica. Suas normas no tm garantia alguma de invarincia. Tampouco foram di tadas por alguma divindade imune ao tempo e s injunes da mudana. Trata-se de normas historicamente condicionadas. Enquanto tais, evoluem e se alteram. Isso sig nifica que, em matria de cincia, no h objetividade absoluta. Tambm o cientista jamais-pode dizer-se neutro, a nao ser por ingenuidade ou por uma concepo mtica do que seja a cincia. A objetividade que podemos reconhecer-lhe,, no pode ser con cebida a partir do modelo de um conhecimento reflexo. A imagem do mundo que as cin- cias elaboram, de forma alguma pode ser confundida com uma espcie de instantneo fotogrfico da realidade tal como ela percebida. De uma forma ou de outra, ela e

  • sempre uma interpretao.Se ha objetividade na cincia, no sentido em que o dis-curso cientfico nao engaja, pelo menos diretamente, a situao existencial do cien tista. A imagem que dele temos a de um indivduo ao abrigo das ideologias, dos desvios passionais e das tomadas de posio subjetivas ou valorativas. No entanto, trata-se apenas de uma imagem. Procuraremos descobrir o que se oculta por trs dela.

    Nao se pode ignorar que a cincia e ao mesmo tempo um poder mate-rial e"espiritual. Nao " essa procura desinteressada de uma verdade absoluta, racio nal e universal, independente do tempo e do espao, que se distinguiria dos outros modos de conhecimento pela objetividade de seus teoremas, pela universalidade de suas leis e pela racionalidade de seus resultados experimentais, cuidadosamente es-tabelecidos e verificados, e, portanto, eficazes. A produo cientfica se faz numa sociedade determinada que condiciona seus objetivos, seus agentes e seu modo de fun cionamento. " profundamente marcada pela cultura em que se insere. Carrega em si os traos da sociedade que a engendra, reflete suas contradies, tanto em sua organi-zao interna quanto em suas aplicaes; Talvez nao seja exagero dizermos que o " poder do conhecimento " esta transformando-se rapidamente em " conhecimento do po_ der ". Nesse sentido, a cincia contempornea, herdeira experimental das religies " alienantes ", esta impondo-se, atravs da " inteligncia ", da " racionalidade ", da " objetividade " e das " tcnicas " de seus especialistas, como uma espcie de compensao da " estupidez " humana. Ela " canta " em cifras e em clculos a grande za do gnero humano, como se pudesse representar o somatrio organizado e racionali zado de nossas ignorncias e alienaes. Veremos como essa mentalidade conduz facil_ mente a mistificao.

    ( JAPIASSU, Hilton. 0 Mito da Neutralidade Cientfica, Rio de Janeiro, lmago Editora, 1975", pp. 9-12 ).

  • A V A L I A O

    Sinteticamente, o que os autores estudados na Unidade Razo e Verdade " pensariam " desta frase : " A verdade consiste na contemplao das idias, e-ternas e universais, que constituem o verdadeiro ser das coisas. Ser verdadeiro que se contrape ao ser ilusrio ou aparente das coisas sensveis, con tingentes e efmeras, que nao sao propriamente,por que vem a ser e deixam de ser ".

  • Unidade Temtica III: Verdade e Poder . Ementas .

    Textos . Avali a a o

  • UNIDADE TEMTICA III : Verdade e Poder

    . Provocao 1 : fragmento de texto do pensador grego do sculo IV aC, ARISTTELES ( 384aC-322aC ) que, no contexto do modo de produo escravista grego e em meio as inmeras guerras de conquista de bens e escravos, situa a escravidao como natural , dizendo o mes mo da obedincia da mulher. A despeito de sua imensa e inestimvel contribuio ao pensamento filos fico, Aristteles era um homem do seu tempo e de sua classe social e a ela representava.

    . Provocao 2 : fragmento de texto do pensador italiano do sculo XVI, GIORDANO BRUNO ( 1548-1600 ) que, no contexto do Renascimento e da Reforma Protestante, defende e divulga idias contra a Cincia oficial e a Igre_ ja Catlica, sendo por isso executado na fogueira, junto com suas obras. A idias defendidas por Bruno ( motivo de sua condenao ) sero, no fundamen-tal, comprovadas logo a seguir pela Cincia e passaro a ser aceitas na nova estrutura social.

    . Provocao 3 : fragmento de texto do pensador francs do sculo XIX, COMTE ( 1798-1857 ) que, no contexto das mais inovadoras invenes da Revoluo Industrial e em meio ao incentivo ao progresso capitalista, absorve a metodologia das cincias naturais ( que estavam se consagrando ) e as transfere para uma inter pretao da vida social, apoiada na Cincia e diri gida pela relao Ordem e Progresso.

    . Provocao 4 : fragmento de texto do pensador russo do sculo XIX, BAKUNIN ( 1814-1876 ) que, no contexto da sedimentao do modo de produo capitalista com sua nova ordem, elabora uma teoria anarquista da vida social, absolutamente contraria a ordem existente ; tendo participado de inmeras rebelies, revoltas, movimentos populares p o r b o a parte da Europa foi preso e exilado muitas vezes.

    Provocao 5 : fragmento de texto do pensador brasileiro do scuIo XX, lvaro VIEIRA PINTO ( 1909-1987 ) que, no contexto brasileiro atual, fala sobre Cincia c

  • V E R D A D E E P O D E R

    Provocaes

    1. ARISTTELES, Poltica, Livro I, Cap. II 2. GIORDANO BRUNO, Sobre o Infinito.., Prembulo e Dil.III 3. COMTE, Discurso sobre o Esprito Positivo, 2 Parte, X 4. BAKUNIN, Deus e o Estado, " 0 que autoridade " 5. VIEIRA PINTO, Cincia e Existncia, Cap. XIII

  • ARISTTELES, Poltica, Livro I, cap. II

    (...) Estas consideraes evidenciam a natureza do escravo e sua funo; ura ser humano pertencente por natureza nao a si mesmo, mas a outra pessoa, e por natureza um escravo; uma pessoa e um ser humano pertencente a outro se, sendo um ser humano, ele um bem, e ura bem um instrumento separavel de seu dono. Em se guida deveremos investigar se existe, ou nao, algum que seja assim por natureza, e se toda escravido antinatural. Nao e difcil atinar teoricamente com a resposta ou aferir-lhe a certeza pelo que realmente acontece. Mandar e obedecer sao condi-es nao somente inevitveis mas tambm convenientes. Alguns seres, com efeito, des de a hora de seu nascimento sao marcados para ser mandados ou para mandar, e h mui tas espcies de mandantes e mandados ( a autoridade melhor quando exercida sobre sditos melhores; por exemplo, mandar num ser humano e melhor que mandar num a-nimal selvagem; a obra melhor quando executada por auxiliares melhores, e onde um homem manda e outro obedece pode-se dizer que houve uma obra ) , pois em todas as coisas compostas, onde uma pluralidade de partes, seja contnua ou descontnua, combinada para constituir um todo nico, sempre se vera algum que manda e algum que obedece, e esta peculiaridade dos seres vivos se acha presente neles como uma decorrncia da natureza em seu todo, pois mesmo onde nao h vida existe ura princi-pio dominante, como no caso da harmonia musical.

    Mas estas consideraes fogem as noss