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ELISA RANGEL NUNES FINANÇAS LOCAIS EM ANGOLA – CONCEITOS BÁSICOS E ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA O SISTEMA FINANCEIRO DAS FUTURAS AUTARQUIAS LOCAIS Palestra por iniciativa da Fundação Friedrich Ebert 06 de Março de 2001

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ELISA RANGEL NUNES

FINANÇAS LOCAIS EM ANGOLA – CONCEITOS BÁSICOS EELEMENTOS ESSENCIAIS PARA O SISTEMA FINANCEIRO DAS

FUTURAS AUTARQUIAS LOCAIS

Palestra por iniciativa da Fundação Friedrich Ebert06 de Março de 2001

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Introdução

1. Necessidades individuais e colectivas.

2. Autonomia local.

3. Atribuições do Estado e das autarquias locais.

4. Autonomia financeira das autarquias locais: pressuposto da autonomialocal.

5. Necessidades locais e actividade económica local.

6. Sistema financeiro das autarquias locais.

6.1. Recursos financeiros à disposição das autarquias.

6.2. Plano de actividades e orçamento autárquico.

6.3. Contabilidade autárquica.

6.4. Fiscalização da execução orçamental.

Conclusões.

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Introdução

Gostaria de começar por apresentar as minhas felicitações à Fundação Friedrich Ebert,pela iniciativa de trazer à luz do dia um tema tão candente e actual como é o dasfinanças locais. E por outro lado agradecer o convite que me endereçou.

A expressão finanças locais vai ser aqui utilizada com o sentido de sistema financeirodas autarquias locais, como a própria designação do tema o indica, por contraposição aoemprego desta expressão, que tem aparecido com o significado de “regime financeiro”dos órgãos da administração local do Estado.

Falar de finanças locais, induz a falar-se em autarquias locais, e consequentemente emdescentralização.

E a respeito deste último conceito, já alguém justificou a sua necessidade defendendo osseguintes princípios fundamentais: a) a administração opera tanto melhor quanto maispróximo se encontrar dos seus constituintes; b) o juízo valorativo de que gruposdistintos de constituintes deveriam ter direito às combinações de provisão pública maisadequadas às suas preferências. Destes dois princípios fundamentais decorre que asresponsabilidades de política deverão ser atribuídas ao nível mais baixo da estruturaadministrativa, compatível com a preservação da eficiência.

Tratando-se o tema que nos foi proposto de um tema genérico, como o próprio títuloindica, não houve a preocupação de aprofundar cada uma das matérias que vai serabordada, e que poderão constituir no futuro temas específicos de outras palestras.

Sendo como é, uma primeira abordagem sobre finanças locais, na perspectiva dosistema financeiro necessário ao desenvolvimento das atribuições e competências dasfuturas autarquias locais angolanas, é por isso, uma abordagem simples, sem que tenhasido descurado o rigor com que devem ser analisadas estas matérias.

O objectivo da nossa palestra é tão somente levantar um conjunto de questões que seprendem com o sistema financeiro das autarquias locais, numa abordagem muitogenérica, como já se disse, e não apresentar respostas aos vários problemas que em sedede finanças locais se colocam.

Ao legislador angolano deixamos essa tarefa, quando for a altura própria.

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1. Necessidades individuais e colectivas

Pareceu-nos que para entrarmos neste tema seria interessante começar por falar nasnecessidades humanas, já que toda a actividade do homem tem por finalidade asatisfação das suas necessidades.

As necessidades humanas tanto podem ser sentidas por cada indivíduo em particular,como quando ele se encontre incorporado numa colectividade.

Os bens que são colocados à disposição dos indivíduos, são por natureza escassos, e porisso tanto se impõe que para que sejam satisfeitas as suas necessidades, haja umaactividade individualizada para que essa satisfação se concretize ou uma actividade porparte da comunidade a que o indivíduo pertença. No primeiro caso, a necessidadedenomina-se individual, e no segundo colectiva ou pública.

Daí decorre que as necessidades possam ser agrupadas em: a) estritamente individuais,se satisfeitas por iniciativa de cada indivíduo (alimentação, vestuário); b) individuais oucolectivas as que podem obrigar à criação de serviços públicos para que todos aspossam satisfazer (consumo de água, segurança, saúde); c) estritamente colectivas, asque surgem em consequência da integração e vida em sociedade (comunicações,transporte, justiça).

As necessidades do último tipo justificam a existência de entidades públicas que visama prossecução da sua satisfação, por serem necessidades sentidas por indivíduos emgrupo, e de modo global, como sejam, o Estado e as autarquias locais.

Aparentemente parece ser fácil a distinção entre necessidades individuais e necessidadescolectivas, porém não é assim. É que hoje em dia, o desenvolvimento das comunidadeshumanas e em particular o aumento demográfico, tornaram complexa a satisfação denecessidades que sendo originariamente estritamente individuais, se transformaram emnecessidades colectivas, implicando a sua satisfação a criação de serviços com vocaçãopara isso. Tal é o caso da necessidade de consumo de água.

2. Autonomia local

A Lei Constitucional consagra a existência de autarquias locais, ao abrigo do princípioconstitucional da autonomia local, segundo o qual é reconhecida a existência deassuntos próprios (privativos) das comunidades locais em relação aos quais elasdispõem de uma faculdade de direcção político-administrativa para determinarlivremente os próprios fins.

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Reconhece-se assim às comunidades locais uma verdadeira autonomia, instituindo-seuma administração autónoma distinta do Estado-administração. As autarquias nãoexistem para prosseguir interesses gerais do Estado, mas para prosseguir interessespróprios das populações respectivas, através de órgãos próprios (eleitos pelaspopulações integrantes das colectividades) 1.

Quer dizer que apesar de o Estado de Angola ser um Estado unitário, admite ao níveladministrativo a sua descentralização, corporizada em autarquias locais, que aparecemdefinidas como pessoas colectivas de administração e território que visam a prossecuçãode interesses próprios das populações, dispondo de órgãos representativos eleitos quegozam de liberdade na administração das respectivas comunidades.

É o legislador constituinte que comete às autarquias locais a satisfação de necessidadescolectivas de âmbito local, determinadas pelo espaço geográfico a que dizem respeito.

A verdadeira razão da autonomia local reside no localismo, que consiste na ligação queas populações mantêm com os locais onde residem, onde se geram interessesespecíficos que são comuns aos cidadãos residentes e que por esse facto sãodesenvolvidos por órgãos próprios (eleitos).

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, dois constitucionalistas portugueses, asautarquias locais são formas de administração autónoma que prosseguem interessespróprios dos respectivos cidadãos, e não interesses do Estado, sendo que os primeirossão os que dizem respeito às populações de uma determinada circunscrição territorial, eos segundos dizem respeito aos cidadãos de uma maneira geral considerados, edenominado interesse geral.

Embora esta distinção não seja muito simples de compreender, a verdade é que oscidadãos de um país têm preferências que variam de acordo com as localidades em quese situam, veja-se a título de exemplo, os interesses das populações rurais que não seconfundem com os das populações urbanas.

3. Atribuições do Estado e das autarquias locais

Desta distinta prossecução de interesses que assenta na satisfação de necessidades decarácter geral por um lado, e na satisfação de necessidades de carácter local, por outro,aparece como importante a delimitação do campo de actuação e das respectivas funçõesdo Estado e das autarquias locais.

1 José Casalta Nabais, A Autonomia Local, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade deCoimbra, número especial, 1993, p. 156.

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Nas autarquias locais devem concentrar-se, em princípio, todas as funções de interesselocal imediato 2, enquanto ficam reservadas ao Estado as funções de interesse geral, quevisam garantir o funcionamento de bens e serviços públicos que se destinam a toda apopulação, independentemente do local de residência.

Caberão, deste modo, ao Estado funções tais como a administração da justiça, a defesanacional, a protecção e segurança das cidades, a educação, a estabilização, e àsautarquias funções que se prendem com o bastecimento de água, fornecimento deenergia eléctrica, saneamento básico, recolha de lixos, cultura, ocupação de temposlivres, educação (até certo nível). Nada obsta, porém, que o Estado venha a transferirnovos serviços à autarquias, o que poderá conduzir a um alargamento dadescentralização e da autonomia financeira destas.

4. Autonomia financeira: pressuposto essencial da autonomia local

A realização de interesses e satisfação de necessidades das comunidades locais pelasautarquias pressupõe que estas disponham de recursos financeiros suficientes que sejamaplicáveis na realização de despesas próprias, afectadas livremente àqueles recursos, edesde que previstas em orçamentos próprios.

A necessidade de as autarquias serem dotadas de finanças próprias, isto é, de possuíremautonomia financeira, com aquele sentido, é condição sem a qual não conseguemprosseguir as suas atribuições e competências, no interesse das comunidades locais. Porisso se afirma que a autonomia financeira é um pressuposto essencial da autonomialocal.

Ora, parece que foi esta característica importante da autonomia local, no planofinanceiro, que faltou ser tratada no actual texto constitucional, texto em que nada seprevê sobre a capacidade de as autarquias: poderem ser titulares de receitas suficientespara o cumprimento das suas tarefas, que se concretizam na realização de despesaslivremente decididas, previstas umas e outras em orçamentos próprios; elaborarem,aprovarem e alterarem planos de actividade, balanços e contas; terem gestão patrimonialprópria.

A autonomia financeira implica, principalmente a existência de um orçamentoelaborado e aprovado pelos órgãos competentes, mediante o qual se afectam as receitaspróprias a despesas livremente escolhidas e determinadas. As autarquias dispõem deindependência decisória em matéria de afectação dos seus recursos e no que diz respeitoà gestão do seu património.

2 Embora hoje em dia e cada vez mais as autarquias se venham a ocupar de funções que antes cabiamexclusivamente ao Estado, assistindo-se a um alargamento do seu campo de actuação a actividades deâmbito mais geral.

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A autonomia financeira pode apresentar as seguintes modalidades: autonomiapatrimonial – existência de património próprio e/ou poder de tomar decisões relativasao património público de que dispõe; autonomia orçamental – elaboração, aprovação ealteração do orçamento próprio, gerindo as respectivas despesas (o que impede olegislador ou qualquer outro órgão do Estado de interferir no destino a dar às receitasautárquicas), e receitas, e bem assim elaborar e aprovar planos de actividade, balanços econtas; autonomia de tesouraria – poder de gerir autonomamente os recursosmonetários próprios, em execução ou não do orçamento; autonomia creditícia – poderde contrair dívidas, assumindo as correspondentes responsabilidade, pelo recurso aoperações financeiras de crédito 3.

A importância da autonomia financeira da autarquias locais não só levou os legisladoresde vários países a consagrá-la nos seus textos constitucionais e legislação ordinária,como a nível supranacional, a Carta da Autonomia Local veio consagrá-la com oseguinte conteúdo e alcance (artº.9º.): a) direito de as autarquias deterem recursospróprios e definirem prioridades em termos de despesas; b) emprego deproporcionalidade na atribuição dos recursos financeiros com relação às competênciasque lhes forem atribuídas pela Constituição ou lei; c) estabelecimento de certo tipo derecursos financeiros (impostos e taxas), cujo montante possa por elas ser alterado, nostermos da lei; d) flexibilidade dos sistemas financeiros em que se inserem os recursosfinanceiros das autarquias de modo a poderem responder cabalmente à evolução realdos custos do exercício das suas competências; e) estabelecimento de um sistema deperequação financeira ou de medidas semelhantes que permitam a correcção darepartição desigual dos recursos, sem no entanto ser afectada a liberdade de escolha emmatéria de gastos; f) direito de as autarquias serem consultadas, quanto aos critério deatribuição de receitas; g) necessidade de se evitarem financiamentos dirigidos aprojectos específicos, por forma a que não seja diminuída a liberdade de acção dasautarquias; h) direito de recurso ao mercado nacional de capitais para financiamento dasdespesas de investimento.

É a referência à autonomia financeira das autarquias locais, que falta ao textoconstitucional para que se possa falar em descentralização financeira 4, assente quer najusta repartição dos recursos públicos pelo Estado e as autarquias (princípio dasolidariedade) quer na correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau(princípio da igualdade activa).

5. Necessidades locais e actividade económica das autarquias locais.

Vimos que não constitui tarefa fácil o estabelecimento da distinção entre necessidadesindividuais e colectivas. Do mesmo modo não é fácil determinar entre as necessidadesque devem ser satisfeitas pelo poder central (Estado) e pelas autarquias locais, as

3 Ver Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 200 eainda Casalta Nabais, O Quadro Jurídico das Finanças Locais em Portugal, in Revista Fisco 82/83,Set./Out, Ano IX, p. 9.4 Expressão tantas vezes utilizada pelo legislador ordinário, mas despida do seu verdadeiro conteúdo, porlhe faltar não só o sujeito (a autarquia) como o conjunto de características que a identificam.

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denominadas necessidades locais, em face da interpenetração que cada vez mais se fazsentir entre umas e outras (necessidades estaduais e locais).

Deve entender-se por necessidade local a que é satisfeita pelo consumo de bens eserviços públicos fornecidos pelas autarquias locais (órgãos autárquicos), no exercícioda cooperação que mantém com os fins do Estado.

O grau de satisfação das necessidades locais pelas autarquias depende do nível dedescentralização das funções que lhes estejam atribuídas e da autonomia financeira deque gozem.

É a autonomia financeira que vai permitir a definição dos limites da acção económicadas autarquias, cujo objectivo consiste em aumentar o bem-estar colectivo, através dasatisfação das necessidades públicas (locais), sendo seu elemento fundamental a ofertade bens e serviços locais de qualidade, com o menor dispêndio de recursos possível.

Porque em abono da verdade se diga, o bem-estar de cada um é medido pelo grau desatisfação que obtém na procura de bens e serviços públicos.

A actividade económica das autarquias pode assim ser traduzida no conjunto de acçõesque visam assegurar a satisfação das necessidades das colectividades locais (residentes),através da transformação de bens económicos, que vão garantir a oferta de bens eserviços colectivos locais.

6. Regime financeiro das autarquias locais.

A expressão regime financeiro aqui adoptada visa dar cobertura ao conjunto de acçõesdesenvolvidas pelas autarquias locais no domínio financeiro, pelo que nela se englobamo quadro de vários recursos financeiros de que possam dispor, as decisões que a nívelfinanceiro têm de ser tomadas pelos órgãos autárquicos, do ponto de vista das despesasa realizar e receitas a afectar, concretizáveis através da elaboração e aprovação deplanos de actividade e orçamentos próprios e as formas de fiscalização exercida sobre agestão desses recursos (controlo da execução orçamental e responsabilizaçãofinanceira).

6.1. Recursos financeiros à disposição das autarquias.

No que aos recursos financeiros se refira, a opção por uma estrutura adequada derecursos financeiros depende em primeiro lugar e principalmente das funções quevenham a ser atribuídas às futuras autarquias angolanas, de acordo com o grau dedescentralização que se pretenda implantar. Subjacente à definição das funções dasautarquias parece estar o reconhecimento das diferenças existentes em cada localidade,designadamente entre as áreas rurais e urbanas e entre áreas urbanas de diferentegrandeza.

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Parecem-nos ser estes alguns dos pontos de partida a tomar em consideração naestruturação do quadro dos recursos financeiros (receitas) das autarquias locais.

No quadro de receitas faremos alusão às receitas fiscais, às taxas, às transferências e aocrédito.

Cada uma destas fontes de financiamento tem um diferente impacto e incidência nograu de autonomia financeira das autarquias locais. Esta é tanto maior, quanto maior foro volume de receitas que dependam do poder de decisão das autarquias (receitaspróprias, por contraposição às receitas “externas” ou não próprias – transferências ecrédito).

No que diz respeito às receitas fiscais, os denominados impostos locais, trata-se dereceitas próprias, para cuja determinação haverá que tomar-se em consideração, quesendo receitas que integram o sistema fiscal geral, deverão estar subordinadas ou pelomenos ser compatíveis com certos princípios que regem esse sistema fiscal.

A inserção dos impostos locais no sistema fiscal implicará que se estabeleça acompatibilidade necessária entre estes e os impostos estaduais, em função dosobjectivos prosseguidos quer pelo poder central, quer pelas autarquias locais,justificando, assim, o tipo de impostos atribuídos (numa perspectiva de descentralizaçãofinanceira).

O estabelecimento de um quadro de impostos locais depara à partida com um conjuntode dificuldades que se situam designadamente: a) na escolha de figuras tributárias quetraduzam as diferenças nas preferências dos cidadãos, assim como na ofertadiferenciada de bens e serviços; b) na relação entre o benefício obtido peloscontribuintes e as despesas públicas por eles financiadas, devendo ser nessa basedeterminadas, quer a base de incidência, quer a taxa dos impostos; c) nacorrespondência entre os custos de administração do imposto com a dimensão daautarquia onde seja tributado, com o sentido de ser mais baixo o imposto, quanto menorfor a autarquia.

A forma mais comum de tributação local é a que recai sobre a propriedade imobiliária.Trata-se de impostos que podem recair sobre a terra e/ou construções e que incide sobretodo o tipo de propriedade de natureza comercial, industrial, habitacional e institucional.

Uma outra forma de tributação é a que incide sobre o rendimento. Embora por norma osimpostos desta natureza tenham por sujeito activo o Estado, em alguns países asautarquias locais também são sujeitos activos deste tipo de impostos.

Os impostos sobre a despesa ou consumo, que são impostos que atingem a riquezarevelada pela aquisição onerosa de bens e serviços, também são utilizados comoimpostos locais em alguns países.

Entre estes três tipos de impostos, existe uma preferência para os impostos sobre apropriedade imobiliária, em virtude da sua implantação, já que situa numa zona de fácilpercepção para os contribuintes, dá origem a custos administrativos não muito elevados,

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apresenta uma carga fiscal repartida em função dos benefícios conseguidos e sãoimpostos pouco permissivos à evasão fiscal.

Não obstante esta preferência, por impostos que assentam a obrigação de pagamento nobenefício retirado pelos contribuintes, na escolha de impostos locais haverá que saberconjugar impostos que se baseiem no princípio do benefício com impostos que sefundem na ideia de que os custos devem ser distribuídos por todos os cidadãos.

Ao lado dos impostos locais, as autarquias poderão arrecadar recursos financeiros quese situam dentro do seu poder de decisão, provenientes de outro tipo de receitastributárias, como sejam taxas, licenças e tarifas, e ainda de receitas resultantes daexploração e administração do seu património, e bem assim de multas, aplicadas pelaprática de infracções aos regulamentos autárquicos.

Já no domínio das receitas não próprias, encontram-se as transferências e o recursos aocrédito.

As transferências financeiras do Estado ou intergovernamentais são o principal meio deconcretizar a perequação financeira que assenta no princípio da igualdade activa e quese traduz na igualdade de oportunidades entre as autarquias, em matéria de recursosfinanceiros, para a satisfação de necessidades públicas.

As transferências do Estado podem ser afectas ou condicionadas à realização de certosinvestimentos (comparticipação), ou não ser afectas a qualquer tipo de despesa –transferências não afectas 5. Este último tipo de transferências financeiras aparece porvezes sob a forma de um fundo que permite a participação das autarquias nas receitasestaduais (ou de vários impostos desta natureza ou apenas de um só) –« participação norendimento» –, que assenta em determinados critérios de distribuição, tais como:densidade populacional, objectivos de compensação de certas carências e de certosencargos, compensação, como resultado da adopção de certas políticas sociais,necessidade de implementar um certo sentido de justiça redistributiva, tendo em conta acapacidade das autarquias beneficiárias.

Por fim, há que também falar do recurso ao crédito pelas autarquias, como umaimportante fonte de financiamento, principalmente no que se refere à implantação edesenvolvimento de projectos de investimento. Por vezes também se permite que asautarquias contraiam empréstimos de curto prazo que se destinam a ocorrer adificuldades de tesouraria.

Haverá que cuidar de não estabelecer um quadro financeiro de receitas que assente sóem impostos ou só em transferências (caso em que a autonomia financeira aparece maiscomprometida), mas que apresente um leque de receitas o mais diversificado possível,tendo em atenção os desequilíbrios existentes entre as várias regiões e entre autarquiasdo mesmo grau ou de grau diferente.

5 As transferências afectas porque se destinam a projectos específicos, obedecem a um controlo maisrígido por parte do poder central, por essa razão se diz que constituem uma limitação mais acentuada àautonomia financeira das autarquias locais, relativamente às transferências não afectas.

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6.2. Plano de actividades e orçamento autárquico.

Nas autarquias locais, tal como acontece na administração estadual, torna-se necessárioque as receitas a cobrar e as despesas a realizar se contenham (sejam previstas) numdocumento financeiro – o orçamento.

Também à semelhança do orçamento estadual, o orçamento autárquico deve serelaborado de acordo com um conjunto de princípios e regras. Tratando-se de um doselementos em que se consagra a autonomia financeira das autarquias, o orçamentoautárquico é um documento financeiro, autónomo do orçamento estadual, sendo por issoelaborado, aprovado e executado pelos órgãos da própria autarquia.

Há que referir que o orçamento autárquico deve ser elaborado com base em metas eobjectivos a prosseguir pelas autarquias em cada ano, ou ao longo de vários anos, e queaparecem definidos no plano de actividades, que é o meio privilegiado e orientador detoda a acção das autarquias. Tal como na administração central, e para efeitos dedesenvolvimento económico e social, o planeamento estratégico refere-se a horizontesde longo prazo, assim o plano de actividades das autarquias poderá também vir a definiras linhas de desenvolvimento estratégico, que em cada ano aparecerão corporizadas noplano anual de actividades e cuja execução se torna possível através do orçamento.

6.3. Contabilidade autárquica.

A contabilidade das autarquias deverá seguir no essencial as regras e princípiosaplicáveis à contabilidade pública.

Trata-se de uma forma de contabilidade pública, apenas aplicada especificamente àactividade das autarquias.

A finalidade da contabilidade autárquica consiste em observar o controlo da legalidadetal como a contabilidade pública, visa verificar os aspectos formais que devem orientaras previsões de receitas e despesas e as relativas à arrecadação de receitas e realizaçãode despesas, mas também, como se processa a execução do orçamento e a gestão dopatrimónio, permitindo confrontar e verificar a realização dessas operações com a lei eos regulamentos, por forma a apurar as irregularidades na gestão dos dinheiros públicos.

A contabilidade das autarquias é uma contabilidade orçamental, cujo princípio defuncionamento é o da realização de previsões de receitas e despesas, em contas deorigem e destino, que servem para no decurso da execução controlar os fluxosfinanceiros reais.

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A contabilidade não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de gestão, de controloe de informação das finanças públicas e locais 6.

6.4. Fiscalização da execução orçamental.

A fiscalização orçamental consiste em verificar em que medida os actos decisóriospraticados pela administração autárquica estão em conformidade com a lei ou com osobjectivos definidos, podendo ser exercida sob a perspectiva da avaliação económica ouda legalidade ou de ambas 7.

Um dos documentos financeiros que permite essa fiscalização é a conta. Através delefaz-se o apuramento do valor global das receitas cobradas e das receitas realizadas emede-se o grau de capacidade da administração local, que se manifesta pelos váriosníveis de execução orçamental.

A gestão dos dinheiros públicos a nível autárquico está por norma sujeita a fiscalização,tanto a nível interno da própria autarquia, como a nível externo.

A fiscalização interna poderá desdobrar-se em fiscalização política e ser exercida peloórgão deliberativo da autarquia sobre o seu executivo, e em fiscalização administrativa acargo de um serviço de controlo que analise e verifique os aspectos de natureza jurídicae a forma das operações orçamentais, bem como actos geradores de receitas epagamentos, para que os direitos e obrigações se enquadrem dentro dos limitesorçamentais e das regras de boa gestão financeira.

A fiscalização externa realizada por entidades externas às autarquias poderá verificar-sea dois níveis: do Governo e jurisdicional (Tribunal de Contas). Haverá que definir qualo tipo de tutela que o Governo poderá vir a exercer sobre as autarquias. Quanto àfiscalização jurisdicional pelo Tribunal de Contas, nos termos da sua lei orgânica (leinº.5/96, de 12 de Abril, as autarquias locais estão sujeitas à sua jurisdição, tanto emmatérias que digam respeito ao controlo prévio (fiscalização preventiva), através daemissão ou recusa do “visto” deste tribunal, consoante os documentos que dêem lugar adespesas públicas estejam ou não conformes com as disposições legais em vigor, comoda fiscalização sucessiva, que consiste na verificação da observância dos princípiosjurídico-financeiros na realização das despesas, através do julgamento das contas,permitindo o estabelecimento de sanções, quando sejam detectadas irregularidades.

Conclusões.

Constitucionalmente as autarquias locais visam a prossecução de interesses próprios daspopulações residentes. Para tal desiderato a elas terão de ser cometidas funções que secircunscrevem à prestação de bens e serviços públicos.

6 Joaquim dos Santos Carvalho, O Processo Orçamental das Autarquias Locais, Almedina, 1996, p.164.7 Joaquim dos Santos Carvalho, ob. cit., 1996, p. 123

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As atribuições das autarquias no domínio económico têm em vista a satisfação denecessidades locais , por contraposição à actividade do Estado a quem competesatisfazer necessidades de âmbito nacional, embora actualmente se verifique uma forteinterpenetração entre umas e outras, que se encontram a cargo das autarquias locais.

O grau de satisfação dessas atribuições passa necessariamente pela menor dependênciafinanceira que possam ter relativamente ao orçamento do Estado, sendo para tantoindispensável que tenham poderes para dispor de receitas suficientes, que lhes permitamrealizar despesas sem qualquer dependência de autorizações da administração central,na base de planos de actividades e orçamentos livremente elaborados e aprovados.

A menor dependência financeira decorre do tipo de recursos de que as autarquias podemdispor, fundamentalmente de impostos e outras receitas próprias, que não as coloquemna situação de frequentes recebedoras de transferências governamentais.

A maior capacidade financeira (aumento de recursos financeiros disponíveis) dasautarquias locais aliada a uma gestão cuidada, eficiente e equilibrada dos dinheirospúblicos, poderão significar uma contribuição importante para o melhoramento daqualidade de vida das populações e do bem-estar geral.

Bibliografia Consultada

The Role of Lower Levels of Government: the experience of selected OECD countries,Jeffrey Owens e John Norregaard, NH. 1991.The Choice between Sources of Finance, Nicolas Tatsos, N.H., 1991.O Processo Orçamental das Autarquias Locais, Joaquim dos Santos Carvalho, Coimbra,1996.Administração Autónoma e Associações Públicas, Vital Moreira, Coimbra, 1997.Problemas da Descentralização Financeira, Eduardo Paz Ferreira, BFDC, 1997.A Autonomia Local, Casalta Nabais, BFDC, 1993O Quadro Jurídico das Finanças Locais em Portugal, Casalta Nabais, Revista Fisconº.82/83, 1997.As Receitas Fiscais dos Municípios: o Caso Português, José da Silva Costa, Revista daAdministração Local, nº.133, 1993.Tipologia dos Sistemas Financeiros Locais, Vasco Valdez Matias, in Problemática daTributação Local, 1989.Critério Relevantes na Concepção dos Sistemas de Financiamento Locais, Discussãonuma Perspectiva Económica, Raúl Esteves, in Problemática da Tributação Local, 1989.Os Pressupostos da Perequação Financeira, Isabel Cabaço Antunes, in Problemática daTributação Local, 1989.Finanças Municipais em Angola (Elementos de Direito Comparado para o Estudo das),Elisa Rangel Nunes, tese de mestrado, policopiada.

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