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FIRMA E CUSTOS DE TRANSAÇÃO: A ABORDAGEM NEO- INSTITUCIONAL Frederico Rocha 1. Introdução: algunas definições ........................................................................................................ 2 1.1. A Transação .............................................................................................................................. 2 1.1.1. Classificação dos de Custos de Transação e algumas caraterísticas ..................................... 3 1.2. Comportamento dos agentes ..................................................................................................... 4 1.2.1. Racionalidade Limitada ........................................................................................................ 4 1.2.2. Oportunismo ......................................................................................................................... 5 1.3. Eficiência e Direitos de Propriedade ........................................................................................ 5 1.3.1. O Conceito de Eficiência ...................................................................................................... 5 1.3.2. Direitos de Propriedade Absolutos ....................................................................................... 6 1.3.3. direitos de propriedade relativos ........................................................................................... 6 2. O Que É a Firma e Quais os Seus Limites? .................................................................................... 7 2.1. Definindo Firma: Coase X Alchian e Demsetz .......................................................................... 8 2.1.1. A abordagem de Coase ......................................................................................................... 8 2.1.2. A Teoria da Equipe de Alchian e Demsetz: Um Modelo de Agência................................... 9 2.2. Teoria dos Contratos Incompletos .......................................................................................... 11 2.2.1. Custos de Busca e Ativos Específicos ................................................................................ 11 2.2.2. A Abordagem de Direitos de Propriedade no Modelo de Grossman e Hart: Contratos Incompletos....................................................................................................................................... 12 2.3. Contratos Relacionais, o Problema da Reputação e Contratos Implícitos ............................ 15 2.3.1. Reputação ........................................................................................................................... 16 2.3.2. Acordos Auto-Realizáveis .................................................................................................. 16 2.4. Limites à Integração ................................................................................................................ 17 2.4.1. Problemas de Mudança dos Direitos de Propriedade em Processos de Integração............. 17 2.4.2. Custos de Influência ........................................................................................................... 17 3. Propriedade e COntrole ................................................................................................................. 19 3.1. Os modelos gerencialistas ....................................................................................................... 19 3.1.1. Descrição do Modelo de Williamson.................................................................................. 19 3.2. O proprietário-gerente que detém apenas parte das ações ..................................................... 21 3.3. Teoria do Agenciamento e os Gerentes ................................................................................... 22 3.3.1. Custos de Agenciamento, Especialização Funcional e Eficiência Corporativa .................. 22 3.3.2. O caso de certeza ................................................................................................................ 23 3.3.3. Resultados Incertos ............................................................................................................. 25 3.3.4. A Especialização em Risco e Controle ............................................................................... 28 3.4. Disciplina pelo Mercado de Trabalho..................................................................................... 29 3.5. Disciplina pelo Mercado de Corporações............................................................................... 31 3.6. Evidência Empírica ................................................................................................................. 31

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FIRMA E CUSTOS DE TRANSAÇÃO: A ABORDAGEM NEO-INSTITUCIONAL

Frederico Rocha

1. Introdução: algunas definições ........................................................................................................ 2

1.1. A Transação .............................................................................................................................. 2 1.1.1. Classificação dos de Custos de Transação e algumas caraterísticas ..................................... 3

1.2. Comportamento dos agentes ..................................................................................................... 4 1.2.1. Racionalidade Limitada ........................................................................................................ 4 1.2.2. Oportunismo ......................................................................................................................... 5

1.3. Eficiência e Direitos de Propriedade ........................................................................................ 5 1.3.1. O Conceito de Eficiência ...................................................................................................... 5 1.3.2. Direitos de Propriedade Absolutos ....................................................................................... 6 1.3.3. direitos de propriedade relativos ........................................................................................... 6

2. O Que É a Firma e Quais os Seus Limites? .................................................................................... 7

2.1. Definindo Firma: Coase X Alchian e Demsetz .......................................................................... 8 2.1.1. A abordagem de Coase ......................................................................................................... 8 2.1.2. A Teoria da Equipe de Alchian e Demsetz: Um Modelo de Agência................................... 9

2.2. Teoria dos Contratos Incompletos .......................................................................................... 11 2.2.1. Custos de Busca e Ativos Específicos ................................................................................ 11 2.2.2. A Abordagem de Direitos de Propriedade no Modelo de Grossman e Hart: Contratos Incompletos ....................................................................................................................................... 12

2.3. Contratos Relacionais, o Problema da Reputação e Contratos Implícitos ............................ 15 2.3.1. Reputação ........................................................................................................................... 16 2.3.2. Acordos Auto-Realizáveis .................................................................................................. 16

2.4. Limites à Integração ................................................................................................................ 17 2.4.1. Problemas de Mudança dos Direitos de Propriedade em Processos de Integração ............. 17 2.4.2. Custos de Influência ........................................................................................................... 17

3. Propriedade e COntrole ................................................................................................................. 19

3.1. Os modelos gerencialistas ....................................................................................................... 19 3.1.1. Descrição do Modelo de Williamson.................................................................................. 19

3.2. O proprietário-gerente que detém apenas parte das ações ..................................................... 21

3.3. Teoria do Agenciamento e os Gerentes ................................................................................... 22 3.3.1. Custos de Agenciamento, Especialização Funcional e Eficiência Corporativa .................. 22 3.3.2. O caso de certeza ................................................................................................................ 23 3.3.3. Resultados Incertos ............................................................................................................. 25 3.3.4. A Especialização em Risco e Controle ............................................................................... 28

3.4. Disciplina pelo Mercado de Trabalho..................................................................................... 29

3.5. Disciplina pelo Mercado de Corporações ............................................................................... 31

3.6. Evidência Empírica ................................................................................................................. 31

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1. INTRODUÇÃO: ALGUNAS DEFINIÇÕES

A abordagem da nova economia institucional surge, em princípio, como uma importante contribuição para a compreensão da organização da indústria. As contribuições pioneiras advêm de dois trabalhos de Coase. Em seu artigo de 1937, a ênfase de Coase está relacionada à explicação da existência da firma. Custos de transação são, neste sentido, uma fonte de problemas para o funcionamento do mercado. Firma e mercado são, então, formas distintas de alocar recursos. No primeiro caso, a alocação ocorreria pelo mando e, no segundo, pelo sistema de preços. O artigo de 1960 está voltado para o problema do custo social quando os direitos de propriedade estão mal definidos. Ainda que originário na presença de custos de transação, a ênfase na presença de externalidades e direitos de propriedade mal definidos aparece de maneira distinta, neste caso. A partir destes dois artigos do mesmo autor, a literatura econômica inaugura duas tradições que podem ser reunidas na mesma nova economia institucionalista. A primeira auto-denominada teoria dos custos de transação tem como principais representantes Williamson, Joskow, entre outros. A abordagem de direitos de propriedade tem representantes nos trabalhos de Alchian e Demsetz (1972) e Grossman e Hart (1986).

1.1. A TRANSAÇÃO Leitura: Furobotn e Richter, cap. 2, Milgrom e Roberts, cap. 2, 3 e 4

Um dos elementos fundamentais das abordagens relacionadas com custos de transação é a unidade básica de análise: a transação. Sob este ponto-de-vista, teorias da firma que adotam esta abordagem diferem da teoria neoclássica da firma que tem como foco a produção e de outras abordagens, como a neo-schumpeteriana ou a Penrosiana. Por transação, devemos entender a transferência de um bem ou serviço entre dois estágios

ou instâncias que são tecnologicamente separáveis. Neste sentido, uma transação pode ocorrer tanto em mercados quanto em firmas. Transações são o resultado da divisão do trabalho (Furubotn e Richter 1997:41). Deve-se, portanto, distinguir teorias baseadas em custos de transação da teoria da firma neoclássica da firma. Neste último caso, o principal objetivo da teoria da firma está voltado para a análise das condições que garantem equilíbrio em um mercado competitivo. A firma, neste contexto, é uma unidade tecnologicamente especializada que tem a função de produzir – ela não pode consumir seu próprio produto – para a troca em uma economia descentralizada e especializada. No que concerne às teorias de custos de transação, neste tipo (neoclássico) de firma, não há transações. Uma segunda conseqüência da utilização da transação como unidade básica da análise é o individualismo metodológico. Isto implica que o foco da análise deve ser dado ao indivíduo e não a organizações coletivas, significando que “a teoria do fenômeno social deve começar com e basear suas explicações nas visões e comportamentos de membros individuais, cujas ações fazem emergir o fenômeno que se está estudando” (Furobotn e Richter 1997:2-3). Este elemento é de especial importância porque o foco deve ser dado não só à firma, mas a cada intermediação de transação que tenha lugar no seu interior.

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1.1.1. Classificação dos de Custos de Transação e algumas caraterísticas

Deve-se ter claro que “para realizar uma transação, é necessário descobrir com quem se deseja negociar, informar estas pessoas com quem se deseja negociar e em que termos se deseja negociar, conduzir negociações que desembocam em um processo de barganha, desenhar o contrato, executar a inspeção necessária para garantir que os termos do contrato foram observados e, etc.” (Coase 1960, citado em Furubotn e Richter 1997:43). Desta maneira, custos de transação devem ser entendidos como originários em três estágios diferentes do processo de troca: (i) Processo de busca e informação – custos de propaganda, visitas a clientes e

fornecedores, custos emergentes da organização de mercados (bolsa de valores, estabelecimento de feiras, etc.) Também devem estar incluídos a especificação do produto.

(ii) custos de decisão e barganha – negociação de contratos, contratação de advogados, desenho contratual.

(iii) custos de supervisão e de fazer cumprir o contrato – problemas de mensuração dos resultados, problemas de determinação do esforço, utilização de esferas judiciais e aparato institucional de coerção.

Os custos de transação podem estar associados a problemas advindos da necessidade de coordenação de atividades ou de problemas de motivação: (i) problemas de coordenação – conforme Milgrom e Roberts (1993), os problemas

de coordenação emergem principalmente em razão da presença de atributos de desenho e inovação em cada transação. Por atributos de desenho, eles entendem problemas em que: (i) há uma grande número de informação a priori que deve ser recolhida para entender a melhor forma de alocação destes recursos e (ii) o insucesso na definição do tipo correto de solução entre as variáveis é geralmente mais custoso do que outros tipos de erro. Os atributos de desenho podem estar relacionados a problemas de sincronização das ações dos agentes ou a problemas de designação de funções. Por atributos de inovação, são relacionados aqueles problemas que dependem de informação que só estarão disponíveis posteriormente, após feita a contratação. Quando problemas de inovação estão presentes alguma parte deve reunir e desenvolver a necessária informação e posteriormente comunicar aos tomadores de decisão;

(ii) problemas de motivação – podem estar associados a informação incompleta ou assimétrica ou a problemas de compromisso imperfeito. No primeiro caso, os problemas surgem quando alguma (ou ambas) das partes não tem toda a informação necessária para determinar se os termos do acordo são efetivamente vantajosos para todos. O compromisso imperfeito advém de situações em que as partes têm dificuldades na concretização ou desejam renunciar a promessas ou ameaças realizadas em um momento anterior. Os problemas de informação incompleta ou assimétrica ou de comprometimento imperfeito chamam a atenção para a segunda característica comportamental cara à teoria de custos de transação: comportamento oportunístico. Por comportamento oportunístico entende-se ações de indivíduos auto-referidos e movidos por seus próprios interesses que visam a deliberadamente enganar.

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Uma transação se carateriza por: (i) especificidade dos ativos envolvidos – a compra de tijolos por uma construtora

muito dificilmente envolverá um investimento específico das partes para a realização daquela transação. Tijolos são produtos mais ou menos homogêneos que podem ser facilmente substituídos. O não cumprimento das cláusulas contratuais (verbais ou não) por uma das partes não envolverá grande perdas. No entanto, a compra de turbinas para um avião envolve investimento das partes na adaptação da turbina ao desenho do avião. O cancelamento da transação gera prejuízo para as partes porque o investimento realizado raramente poderá ser utilizado em seu valor integral para outra transação. A especificidade de um ativo deverá, portanto, ser definida pela perda de valor do ativo se for utilizado fora daquela transação.

(ii) freqüência em que a transação ocorre – uma transação que ocorre eventualmente não pode se dar ao luxo de ter um contrato especialmente confeccionado para ela. Já uma transação que acontece com freqüência deverá adquirir especificidades que permitirão a confecção de um contrato especial.

(iii) complexidade da transação e incerteza quanto a seus resultados – a capacidade de se prever todos os possíveis desenlaces e o próprio custo de previsão irão variar de acordo com o grau de complexidade e previsibilidade dos desenlaces. A principal conseqüência desta dificuldade é a incapacidade das partes especificarem e fazerem salvaguardas para todas as situações possíveis de emergir.

(iv) dificuldade de mensuração do desempenho – pode se difícil e custoso medir o desempenho de uma transação. Assim, não se sabe qual a quantidade de esforço que foi dedicado àquela transação e, por conseqüência, qual o nível adequado de remuneração.

(v) conexão com outras transações envolvendo outros indivíduos – quanto maior a conexão entre as transações maior a importância da coordenação entre as atividades e, portanto, maior o fluxo de informações necessárias e mais pobre o desempenho do sistema de preços.

1.2. COMPORTAMENTO DOS AGENTES

1.2.1. Racionalidade Limitada A idéia de que existem custos de transação em razão da busca de informação entra em colisão com a hipótese freqüentemente utilizada nos textos neoclássicos de hiper-racionalidade. Os novos institucionalistas adotam, assim, a idéia de racionalidade limitada1. De acordo com esta hipótese, a presença de transações muito complexas, que tornam muito alto o custo de mapeamento de todos os desenlaces possíveis, dificultam o cálculo econômico. Assim, os agentes (ou organizações) economizam em racionalidade limitada. Isto significa que os agentes não detêm a racionalidade individual perfeita em que “têm a habilidade de prever tudo que pode acontecer, avaliar e escolher de forma

1 É importante ressaltar que se trata dos novos institucionalistas e, portanto, não se está aqui incluindo o trabalho originário de Coase (1937).

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ótima entre os possíveis cursos em um simples piscar de olhos e sem nenhum custo adicional” (Kreps, citado em Furubotn e Richter 1997). Alternativamente,

“um indivíduo com racionalidade limitada tenta maximizar mas encontra isto muito custoso e, impossibilitado de antecipar todas as contingências e ciente desta inabilidade propicia ex ante para o tempo posterior quando as contingências imprevistas aparecerão. Dado este depoimento, a teoria de contratos incompletos emerge como um inevitável desenvolvimento”

Contrato incompleto é aquele que não consegue especificar todos os desenlaces e, portanto, deixa algumas cláusulas em aberto.

1.2.2. Oportunismo No caso de informação incompleta, indivíduos podem agir oportunisticamente ao deliberadamente omitir informações importantes para a tomada de decisão da outra parte, como, por exemplo, a existência de defeitos em um carro do qual se deseja desfazer por intermédio de venda. Trata-se, portanto, de uma ação anterior (ex-ante) à venda. No caso de comprometimento imperfeito, alguém pode deliberadamente agir de maneira diferente ao comprometido em razão da dificuldade da outra parte fazer cumprir a promessa, seja em razão da omissão do contrato, seja por dificuldades legais para obrigar o cumprimento do contrato. Por exemplo, um construtor pode ser contratado com a promessa de se dedicar integralmente a uma obra. Após a contratação, ele dedica apenas algumas horas de trabalho. A dificuldade da definição, mensuração e monitoramento de dedicação integral torna a contestação custosa e difícil. Trata-se portanto de desvios comportamentais após (ex-post) a contratação.

1.3. EFICIÊNCIA E DIREITOS DE PROPRIEDADE

1.3.1. O Conceito de Eficiência A presença de custos de transação altera a solução de equilíbrio do mercado e as suas conseqüências quanto à eficiência. Uma alocação A será eficiente quando não houver uma alocação B factível que melhore pelo menos uma das partes envolvidas e que não piore nenhuma outra, ou seja, uma alocação A será eficiente sempre que dominar em termos Pareteanos qualquer outra alocação. Ao criar problemas de eficiência para o mercado competitivo, a presença de custos de transação pode gerar formas alternativas de organização aos mercados. Neste caso, as abordagens da teoria dos direitos de propriedade, dentro da nova economia institucionalista, utilizam positivamente o seguinte princípio da eficiência:

“se pessoas são capazes de barganhar efetivamente e de maneira efetiva fazer garantir suas decisões, então, os resultados da atividade econômica tenderão a ser eficientes” (Milgrom e Roberts:24).

Tendo direitos de propriedade bem definidos, os agentes serão capazes de barganhar para alcançar uma (alocação) solução eficiente. A adoção deste último princípio tem

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suas complicações. Primeiro está a dificuldade de gerar proposições refutáveis dada a afirmação. Segundo, para obter o resultado padrão sugerido pela literatura dos direitos de propriedade, é necessário a existência de algum tipo de competição que leve os agentes ou as formas organizacionais a mudarem, ou seja, eficiência não deixa de ser conseqüência do processo concorrencial (Milgrom e Roberts:34). Terceiro, dada a hipótese concorrencial pura, um grande número de formas organizacionais pode ser compatível com o conceito de eficiência. Isto enfraquece a análise, pois a solução eficiente dependerá do processo concorrencial e da alocação inicial dos recursos (entre eles, os direitos de propriedade que se detêm). As críticas 2 e 3 não serão válidas na ausência de efeitos renda (isto é, é preciso que exista alteração de escolha em função do nível de renda). Esta é a proposta do teorema de Coase:

“Se duas partes barganham até um acordo eficiente (para eles) e se suas preferências não apresentam efeitos renda, então, as atividades criadoras de valor que eles concordam em executar não dependerão do poder de barganha das partes ou da quantidade de ativos que cada um deterá quando a barganha começar. Em vez disso, eficiência sozinha determinará a atividade escolhida. Os outros fatores podem afetar somente as decisões com respeito aos custos e benefícios que são divididos.” (Milgrom e Roberts 1993:38)

1.3.2. Direitos de Propriedade Absolutos Existem dois tipos de direito de propriedade, de acordo com Furobotn e Richter (1996):

(i) direitos de propriedade absolutos (ii) direitos de propriedade relativos

Os direitos de propriedade absolutos oferecem às pessoas discrição sobre ativos. Os direitos de propriedade significam a disposição das coisas com respeito a três elementos:

- direito ao uso do bem - direito às rendas que emanam do bem - poder de gestão incluindo alienação (transferência de propriedade) do

bem A propriedade de um ativo é definida, em Milgrom e Roberts, por duas características: (i) direitos residuais de controle (residual rights control) – que significa o direito a

contratar e dispensar empregados, determinar os produtos, preços e políticas da companhia, etc., ou seja, o direito a tomar qualquer decisão referente aos uso dos ativos que não esteja expressamente proibida por lei ou designada a outro por contrato;

(ii) direito aos rendimentos residuais (residual claimant) – deter os direitos aos rendimentos residuais da firma implica estar apto a receber qualquer renda líquida que a firma produza, isto é, o que sobrar depois que toda receita foi coletada e dívidas, gastos e obrigações contratuais foram pagos.

1.3.3. direitos de propriedade relativos Referem-se a direitos implementados entre partes específicas e válidos apenas entre essas partes. Tratam-se de contratos firmados formalmente ou informalmente entre duas

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ou mais partes que especificam direitos e obrigações. Obrigações contratuais se referem às três leis naturais fundamentais de Hume:

(i) estabilidade de propriedade; (ii) transferência por consentimento; e (iii) efetivação das promessas.

Em um mundo sem custos de transação os três direitos podem ser observados sem problemas. No entanto, a presença de custos de transação tornam os dois últimos direitos abertos a comportamentos oportunísticos. Dada esta definição, os direitos de propriedade relativos Para iniciar esta discussão, a primeira pergunta que se deve responder é exatamente o que significa a propriedade da firma?

2. O QUE É A FIRMA E QUAIS OS SEUS LIMITES?

Leitura: Furobotn e Richter, pp. 321-328

Um dos elementos centrais da teoria neoclássica da firma é a hipótese de informação perfeita. Na presença de informação perfeita, o empresário na firma de indivíduo único supramencionada não tem quase nenhuma função a parte de escolher a quantidade de produção dado o ambiente exterior. Sua única função é seguir os requisitos do cálculo marginal. Ao se incluírem de custos de transação, esta hipótese não se sustenta. O empresário terá que pelo menos buscar informação a respeito dos condicionantes do mercado; deverá procurar minimamente identificar seus clientes; terá que entrar em contato com fornecedores e discutir preços, entre outras coisas. Existem duas perguntas que as teorias da firma com base em custos de transação procuram responder. A primeira é por que a firma existe? A segunda, quais são os limites da firma? Esta seção está dividida em duas subseções. Na primeira, analisam-se dois textos clássicos que procuram abordar o primeiro tema, ou seja, por que a firma existe? Neste caso, a resposta de Coase (1937) será que a firma existe para coordenar atividades pelo mando, ou seja, a firma existe para evitar incorrer em custos de transação provenientes da utilização do sistema de preços. Desta maneira, a característica que distingue a firma é a coordenação por intermédio do mando ou hierarquia. A resposta de Alchian e Demsetz (1972) tem concepção diferente, ainda que também baseada em custos de transação, enfatiza a alocação de direitos de propriedade. A firma existiria para evitar problemas de externalidades, fruto da dificuldade de apropriação dos frutos do esforço quando em produção em equipe. Neste caso, o que caracterizaria a firma não seria a organização pelo mando. Os preços em Alchian e Demsetz continuam sendo a forma fundamental de coordenação. A característica fundamental da firma seria ser um feixe (nó) de contratos. Este feixe é representado pela existência de um monitor que detém o direito ao resíduo da produção e de suspender e manter contratos. A segunda subseção está voltada para a análise de dois autores que analisam um problema qualitativamente diferente: o que determina a expansão produtiva, ou melhor,

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por que a firma verticaliza suas atividades? De especial importância nesta abordagem é o problema da rendição ou hold-up. Na interpretação de Williamson o problema do hold-up é solucionado por uma forma contratual que garante a execução das atividades pelo sistema de mando. Neste sentido, a firma seria essencialmente uma organização hierárquica, na linha de Coase. A abordagem de Grossman e Hart, ainda que chegando a formatos organizacionais bastante similares, enfatiza a distribuição dos direitos de propriedade, seguindo a linha de Alchian e Demsetz.

2.1. DEFININDO FIRMA: COASE X ALCHIAN E DEMSETZ

2.1.1. A abordagem de Coase O primeiro trabalho da tradição de custos de transação a tratar o assunto foi Coase (1937). Seu objetivo direto era responder a duas importantes questões: (i) Por que a firma existe? (ii) Quais os limites para o tamanho da firma? De acordo com Coase (1937). A firma, como organização, justificar-se-ia, assim, pela presença de custos de transação, sendo que a principal distinção entre firma e mercado estaria relacionada com a forma de coordenação das atividades nas duas formas organizacionais. No caso do mercado, ações e atividades são coordenadas pelo sistema de preços, ou seja, pelos sinais de escassez e incentivo que este fornece, enquanto na firma a coordenação das ações seria feita pelo sistema de mando ou hierarquias. Esta seria, portanto, a principal razão para se conduzir transações por intermédio da firma. A ênfase de Coase está sobre custos de transação relacionados com a descoberta dos preços relevantes e custos associados com a contratação. Neste último caso, Coase argumenta que em diversas situações, o número de contratos que devem ser fechados entre um prestador de serviços e um contratante é muito elevado. A negociação de cada um destes contratos é bastante custosa. A negociação repetida de contratos é substituída por apenas um contrato em que o proprietário de recursos (prestador de serviços, trabalhador) concorda em abrir mão de parte de sua liberdade para obedecer ao contratante (proprietário da firma). Isto significa que o trabalhador abre mão do direito de propriedade de parte de seus serviços que passam a pertencer ao proprietário da firma. A firma apareceria, então, naquelas situações em que a confecção de contratos de curto período seria insatisfatória. Mais ainda, ao abrir mão de parte de seus direitos de propriedade sobre seus próprios serviços, o trabalhador está aceitando a subordinação ao proprietário da firma. Neste sentido, o que comanda os recursos dentro da firma não é o sistema de preços – que criaria incentivos para a realização das ações desejadas pelo proprietário da firma – mas as ordens do proprietário a seu subordinado, ou seja, hierarquias. Desta maneira, a firma se caracterizaria como uma unidade cuja alocação de recursos não ocorre por intermédio do sistema de preços, mas pelo mando. Certamente a delimitação da fronteira da firma é a parte mais fraca do trabalho de Coase. Ele apenas afirma que a firma tenderá a expandir até o momento em que o custo adicional de organizar uma transação dentro da firma exceder aquele de organizar uma

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transação por intermédio do mercado. Deve-se enfatizar que desde já está plantada a semente do individualismo metodológico acima mencionado. A abordagem de Coase está centrada em custos de transação relacionados com a coordenação de atividades. Não parece existir intenção em seu artigo original em mencionar custos de transação relacionados com aspectos motivacionais (ver caixa 2).

2.1.2. A Teoria da Equipe de Alchian e Demsetz: Um Modelo de Agência

Leitura: Alchian e Demsetz (1972), Holmstrom e Tirole (1989), pp. 65-68

Alchian e Demsetz (1972) procuram explicar a necessidade da firma adaptar sua organização para lidar com problemas criados por conflitos de interesses entre os agentes. Duas hipóteses são importantes:

(i) cooperação é mais produtiva quando obtida pela organização de uma equipe do que relacionando indivíduos em mercados impessoais; e

(ii) organização em equipe exacerba o problema de mensuração das responsabilidades no sucesso da equipe.

Fica claro que pela segunda hipótese, os dois autores estão ressaltando o papel de custos de transação relacionados com mensuração dos resultados da produção. De acordo com os autores, somente a produção total é observável. Não se pode separar a produção resultante do esforço de cada um. Suponha a existência de uma função de produção ),( 21 xxfy = , em que y é o produto e x1 é o esforço do agente 1 e x2 é o esforço da agente 2. Suponha também que não se pode separar o produto como fruto do esforço do agente 1 e aquele fruto do esforço do agente 2. O retorno social da produção deve ser determinado por

2121 ),( xxxxfW −−= . Para maximizar o retorno social, então, tem-se:

1),(

01),(

1),(

01),(

2

21

2

21

2

1

21

1

21

1

=∂

∂⇒=−

∂=

=∂

∂⇒=−

∂=

x

xxf

x

xxf

x

W

e

x

xxf

x

xxf

x

W

No entanto, como há um problema de mensuração do esforço, o retorno de cada agente deverá ser definido por alguma regra de divisão do produto. Vamos supor que existe uma regra de divisão definida por ysysi 1)( = , sendo que 1)()( 21 =+ ysys . A função de benefícios individuais do agente 1 será determinada por:

12111 ),( xxxfs −=π Logo, tem-se que

11

21

1

211

1

1 1),(01

),(

sx

xxf

x

xxfs

x=

∂⇒=−

∂=

∂π equação (1)

Para o agente 2, então:

22112 ),()1( xxxfs −−=π

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10

)1(

1),(01

),()1(

12

21

2

21

1

2

1

sx

xxf

x

xxfs

x −=

∂⇒=−

∂−=

∂π. Equação (2)

Para que o nível de esforço seja igual ao socialmente ótimo, s1 deverá ser igual a 1 na equação 1 e igual a 0 na equação 2, o que é uma impossibilidade. Caso os produtos

marginais sejam decrescentes, ou seja, 02

2

<∂

ix

f, o esforço empreendido será inferior ao

socialmente ótimo. Isto significa que a produção conjunta abre a possibilidade de comportamentos oportunistas posteriormente à contratação. Duas partes entram em acordo para produzir em conjunto. O esforço empreendido deverá ser inferior ao que se poderia obter porque as partes estarão tentando se aproveitar do esforço uma da outra, quer dizer, que haverá tentativa de se pegar carona no esforço do parceiro. Neste caso, se uma parte decide não agir oportunisticamente, não estará apropriando a totalidade de sua contribuição, ou seja, a parcela de seu rendimento será inferior à parcela de seu esforço. Discutir a coisa em termos de eficiência. Os dois agentes têm a opção de trabalhar ou de descansar. O trabalho gera renda, mas parte desta renda é perdida para o companheiro que também usufrui os resultados do esforço. Com isto, a motivação para o esforço é inferior àquela desejada ou socialmente ótima. Uma solução contratual para o problema colocado acima é introduzir momitoração, de maneira que se possa determinar o exato esforço de cada agente. No entanto, neste caso, não se elimina a possibilidade do monitor agir oportunisticamente. A solução de Alchian e Demsetz é permitir a especialização do empresário (proprietário) em monitor. Desta maneira, ele assegurará que as partes estarão se esforçando e remunerando-as pelo seu esforço, ou seja, por sua produtividade marginal. O incentivo para a realização desta tarefa está no fato de que o empresário adquire direito ao resíduo da produção, ou seja, ao lucro. Quanto mais eficiente for seu desempenho, maior deverá ser o seu retorno. Mais que isto, cada agente deverá autorizar o monitor a alterar os contratos dos demais membros da equipe para que ele possa atuar adequadamente como monitor. “Para disciplinar os membros e reduzir comportamentos negligentes (tradução livre do inglês shirk), o detentor dos direitos sobre o resíduo deve ter o poder para revisar os termos do contrato e incentivos de cada um dos membros individuais (da equipe) sem ter que suspender ou alterar os demais contratos. Assim, membros da equipe que buscam aumentar sua produtividade designarão ao monitor não só os direitos sobre os resíduos, mas também o direito a alterar a participação individual e o desempenho na equipe” (Alchian e Demsetz 1972:782). Por monitor, Alchian e Demsetz entendem as seguintes funções:

(i) mensurar o resultado; (ii) determinar recompensas; (iii) mensurar o esforço; e (iv) definir tarefas e designá-las.

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Note-se que existe uma função de coordenação fundamental entre as tarefas apresentadas. Ilustração do esforço dos remadores. Problemas de designação e sincronização. Dentro desta perspectiva, a firma deve ser entendida como um feixe de contratos. Não há, no entender de Alchian e Demsetz, relação de autoridade entre as partes. O empregado ordena ao empregador um pagamento pelo seu insumo, da mesma maneira que o empregador ordena a contrapartida em função. Trata-se de uma simples relação de compra e venda entre duas partes. Deve-se enfatizar criticamente que este arranjo institucional é precário:

(i) os monitores nas firmas muito raramente detêm direito ao resíduo; (ii) não há explicação para os limites da firma; e (iii) não apresenta um fator que distingua a corporação em relação a outras

formas de organização. A conclusão alcançada pelos autores é, no entanto, bastante útil para se estudar formas organizacionais alternativas e sistematizar conceitos. Alchian e Demsetz (1972) têm uma contribuição bastante fértil na medida em que direcionam a pesquisa do tema para os direitos de propriedade. Em diversos momentos, os direitos de propriedade estão mal definidos. No exemplo acima, a dificuldade de mensurar o produto e, por conseqüência, de recompensar o esforço pode gerar comportamentos negligentes ou práticas de carona por parte dos agentes envolvidos. Isto ocorre porque a dificuldade de mensuração cria problemas quanto à distribuição dos direitos de propriedade sobre o resíduo.

2.2. TEORIA DOS CONTRATOS INCOMPLETOS

2.2.1. Custos de Busca e Ativos Específicos Leitura: Furobotn e Richter, pp. 158-168

O problema central da teoria de Williamson não é só a incapacidade de captar a ação dos agentes como em Alchian e Demsetz em que existe uma especial ênfase nos custos de transação de monitoração. Em Williamson, existe também um problema de custos de busca e informação. A questão central é que existem certas circunstâncias a serem cobertas por contratos que não poderão ser avaliadas pelas partes ex ante ou cuja avaliação requererá um custo de busca e/ou especificação extremamente elevado. Williamson (1989) relata este tipo de situação enfatizando seus efeitos sobre a racionalidade dos agentes, ou seja, apresentando a idéia de racionalidade limitada no sentido de que se torna impossível para os agentes conhecerem todos os desenlaces de relacionamentos Desta maneira, escrever contratos completos neste tipo de situação é tão custoso que vale a pena evitar o custo e esperar para “ver o que acontece”. Nos termos de Williamson, há uma decisão em economizar em racionalidade limitada O segundo ponto distintivo desta versão de teoria da firma está relacionado com ativos com características específicas a certos relacionamentos. Uma vez realizado o

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investimento no ativo de relacionamento, as partes estariam enclausuradas (locked in) em contratos, na medida em que algum tipo de investimento teria sido realizado. Neste sentido, algum tipo de poder monopólio envolverá as partes após o investimento no ativo e, juntamente com o poder de monopólio, deverá haver os problemas de barganha existentes em monopólios bilaterais. O terceiro ponto é que as contingências imprevistas ao ocorrerem não poderão ser verificadas por cortes ou terceiras partes. Contratos não podem ser aplicados sem impingidos (enforceables). Ao contrário da teoria da agência não existe assimetria de informação entre as partes, mas sim entre partes e os instrumentos legais de repressão. A incapacidade de verificar situações na corte eleva o perigo moral da situação, ou seja, o risco de os agentes adotarem uma postura oportunista no momento após a realização do investimento (oportunismo ex post). A solução prática pregada por Williamson estaria na implementação de contratos de relacionamento. Os contratos de relacionamento têm diversas características relevantes. A principal delas é que devem trabalhar com cláusulas ou princípios especialmente amplos que permitam flexibilidade na tomada de decisões. Neste caso, após a ocorrência de contingência não prevista o princípio ou cláusula ampla deve ser aplicado. A pergunta que surge é uma vez havendo discordância quem preenche as lacunas contratuais. Duas soluções podem ser implementadas: autoridade ou arbitragem. No caso de arbitragem, uma terceira parte pode ser chamada para resolução da celeuma. Dois requisitos parecem ser necessários para a tomada de decisão. O primeiro é estar a parte adequadamente informada sobre os problemas envolvendo a transação. O segundo é ser independente, ou seja, não ser juiz e parte ao mesmo tempo. No segundo caso, o direito de preenchimento das lacunas é deixado a uma das partes. Este direito é denominado autoridade. No caso específico da firma na verticalização da produção. Nos termos de Williamson, uma das partes abre mão dos direitos de barganhar sobre o contrato e fornece à outra parte os direitos para preencher as lacunas levantadas nos contratos. Neste sentido, a idéia de autoridade é fundamental. A verticalização da produção implica delegar autoridade para a firma na gestão da transação. Williamson propõe uma taxonomia das formas organizacionais baseada em duas características fundamentais: especificidade do ativo e freqüência da transação. No primeiro caso, os ativos são divididos em não específicos, de especificidade mista e de alta especificidade. A freqüência é entendida como ocasional ou freqüente.

2.2.2. A Abordagem de Direitos de Propriedade no Modelo de Grossman e Hart: Contratos Incompletos

Leitura: Tirole, cap. 0, seção 1 e Furobotn e Richter, pp. 232-238

A abordagem dos direitos de propriedade cobre o tema de maneira um pouco diferente. A abordagem invoca que a importância da designação de direitos de propriedade entre as partes da negociação não deve ser negligenciada. O ponto principal de discordância

neste caso é que as políticas da organização não são independentes da maneira em que são distribuídos os direitos de propriedade. Dependendo da distribuição, o

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problema de otimização aparece de maneira diferente. A distribuição dos direitos de propriedade afeta principalmente a maneira como serão repartidos a renda e o poder entre os distintos proprietários dos fatores de produção. Tanto dentro como fora da firma, o que importa é a forma de apropriação dos resultados. Neste sentido, na mesma direção de Alchian e Demsetz, há uma ênfase na desagregação de interesses em cada transação. Mais ainda, não há distinção de transações realizadas dentro e fora da firma. O modelo da abordagem de direitos de propriedade mais representativo da integração organizacional é desenvolvido por Grossman e Hart (1986). “Quando é extremamente custoso especificar uma longa lista de direitos de propriedade desejados em uma transação, pode ser ótimo que uma das partes compre todos os direitos exceto aqueles especificamente mencionados no contrato. Propriedade é a compra dos direitos residuais de controle.” Suponha a presença de duas unidades de decisão que resolvem negociar determinado bem, com determinado desenho no período 1: (i) as duas unidades reconhecem que existe possibilidade de uma melhoria de

qualidade no momento 2, mas desconhecem exatamente que tipo de melhoria será produzida;

(ii) para realizar a melhoria a parte vendedora deverá realizar um investimento de c>0 no período 2. Por alguma razão, c não pode ser alvo de contrato;

(iii) o comprador pode aumentar a probabilidade π de ocorrer a inovação se fizer um

investimento específico no período 1,

=

2

2πI ;

(iv) o valor do bem para o comprador é

−=

>=

)1(0~

~

π

π

adeprobabilidcomv

adeprobabilidcomcvv;

(v) As probabilidades são conhecidas pelas partes, bem como c, mas não podem ser verificadas, de maneira que não podem ser contratadas; e

(vi) As partes são neutras em relação ao risco. A maximização conjunta da situação é representada por

2)00)(1()()(max

2πππ

π−−−+−=∆ cvQE n

A condição de primeira ordem será:

cv −=*π O investimento ótimo no período 1 é, então:

( )22

**

22cv

I−

==π

O lucro conjunto será

( )2

)(2

cvQn −

=∆

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Caso 1: Não integração Assume-se que a condição de barganha de Nash ocorre e as partes dividem em partes iguais o excedente. Neste caso, o problema de maximização do comprador será:

( )

( )

( )

( )4

)(

8)(

*8

**

2

1**

2)(

2

1)(max

2

2

2

2

cvQE

cvQE

Icv

I

cv

cvQE

n

S

n

B

n

B

−=∆

−=∆

<−

=

−=

−−=∆

π

ππ

π

Caso 2: O vendedor tem o direito de implantar por ordem a mudança de desenho Neste caso, a decisão de menor custo para o vendedor é não fazer o investimento, uma vez que não precisaria despender c. Isto ocorre porque o vendedor usará o poder de barganha fornecido pelo direito de decidir se deve ou não implantar o novo desenho para dividir de maneira mais igualitária os lucros. Desta maneira, a decisão de investimento do comprador ficará prejudicada dado que parte dos ganhos do investimento é dissipada. Caso 3: O comprador tem o direito de realizar o investimento Há integração e, no período 1, o comprador, em troca do direito de decidir sobre o investimento deverá pagar um preço fixo para o vendedor. O comprador impõe o custo c ao vendedor, uma vez que para o comprador é sempre eficiente realizar o investimento. Se o novo desenho for bem sucedido, o comprador recebe v e o vendedor recebe o preço fixo. Se o novo desenho for mal sucedido, o custo c embutido no preço fixo não precisará ser realizado e, neste caso, o comprador poderá renegociar com o vendedor o custo c não despendido, porém contratado. Desta maneira, o problema de maximização do comprador deverá ser obtido por:

( )

*2

221max

0

2

ππ

πππ

>=−

−−+=∆

cv

cvQ

n

B

O investimento ótimo será então superior àquele apresentado na maximização conjunta, ou seja, o comprador realiza um sobre-investimento. O lucro do vendedor deverá ser:

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( )2

1 000 ccQ n

S ππ −−−=∆ que é um valor negativo.

O lucro conjunto deverá ser determinado por

( ) *8

1

2

1 2200 nn

B

n

S QccvQQ ∆<−−=∆+∆

Pode ser demonstrado que cvseQQQ nn

B

n

S 2**00 ≥∆≥∆+∆

Isto implica que, desde que os ganhos do investimento sejam grandes o suficiente a integração será superior à solução desagregada. Esta solução ficará restrita ao oferecimento ao vendedor de uma compensação igual à diferença de seus lucros no caso de não integração e seu prejuízo no caso de integração com direito de decisão dado ao comprador.

4

2**

20 cv

QQ nS

nS

+=∆−∆

O modelo de Grossman e Hart (1986) limita a distribuição dos direitos aos resíduos. Os custos de melhorias promovidos pelo vendedor, por exemplo, não são internalizados na parte que detém os direitos residuais. Isto distorce a decisão. Assim, apesar do fato de as firmas estarem integradas, os lucros conjuntos são menores do que aqueles em que o processo decisório é tomado inteiramente centralizado. Este elemento não está presente na análise de Williamson. Neste último caso, a distribuição dos direitos aos resíduos é ilimitada. Grossman e Hart (1986) levantam uma interessante limitação adicional: A idéia de que mesmo dentro de firmas existem transações e que estas estão sujeitas a barganha e, mais ainda, que diferentes partes mantêm parcialmente os direitos sobre os ativos que detém. Este elemento levanta alguns limites adicionais à expansão da firma, visto que os ganhos de integração são substancialmente inferiores. Neste sentido, o trabalho parece estar perfeitamente alinhado com a idéia da firma como um feixe de contratos.

2.3. CONTRATOS RELACIONAIS, O PROBLEMA DA REPUTAÇÃO E CONTRATOS

IMPLÍCITOS Leitura: Tirole, cap. 0, seção 1, Furobotn e Richter, pp. 328-336

Uma questão relevante que servirá como pano de fundo de diversos elementos teóricos da teoria neo-institucionalista se refere à localização do conhecimento quanto à operação do negócio. Este ponto será especialmente relevante na discussão sobre a especialização do gerente. Uma vez que se reconheça que o empresário (gerente) detém o conhecimento sobre a operação deve estar claro que parte das condições para preencher as lacunas do contrato em soluções de arbitragem é preenchida por ele. Esta conclusão provém principalmente do fato de ele estar no nódulo central da confluência dos contratos. Logo, se alguém deve deter autoridade para preencher as lacunas, o controlador do nódulo central parece ser o principal candidato.

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2.3.1. Reputação O exercício da autoridade não deve, e não pode, ser ilimitado. Existem limites legais para exercer autoridade, mas principalmente existem questões a serem respeitadas de acordos prévios entre as partes. A questão está em dois pontos: (i) anteriormente, foram levantadas situações em que são estabelecidas regras gerais

para o preenchimento das lacunas dos contratos. Trata-se de princípios que devem ser adotadas sempre que os contratos não estabelecem precisamente a ação que deve ser tomada; e

(ii) existe um problema da repetição de eventos que deve ser coberto pela parte que detém autoridade. Desvios dos caminhos esperados podem conduzir a problemas futuros na gestão da firma.

Estes pontos são centrais na teoria elaborada por Kreps (1990) por intermédio do conceito de cultura corporativa. Neste caso, o direito ao preenchimento das lacunas de contratos seria fornecido à parte que detém reputação de agir de uma determinada maneira. Reputação é um mecanismo de efetivação (enforcement) da lei. Os requisitos para o funcionamento da reputação são: (i) as promessas realizadas devem estar claras para todas as partes; e (ii) a ação de quem realizou a promessa deve ser observada, ainda que não necessite

ser verificável, por todos. Dada a presença de incerteza nas situações, o requisito (i) não necessariamente estará presente em todas as situações. No entanto, Kreps ressalta que o efetivamente necessário é: (i) a habilidade de saber o que efetivamente precisava ser feito depois de observada a situação e (ii) a crença de que os superiores hierárquicos aplicaram corretamente os princípios.

2.3.2. Acordos Auto-Realizáveis Suponha que uma firma contrate trabalhadores. Os trabalhadores podem escolher entre confiar que a firma agirá honrando princípios previamente estabelecidos e não confiar, enquanto a firma pode agir honrando a confiança ou não. Suponha que a estrutura de resultados a partir deste princípio seja a apresentada no quadro abaixo. O equilíbrio de Nash neste jogo estático é (não confiar, não honrar). No entanto, a repetição indefinida do jogo abre a possibilidade para negociações ou desenvolvimento de estratégias alternativas no sentido de obter equilíbrios diferentes e se aproximar da solução (confiar, honrar). O desenvolvimento de uma reputação de honrar compromisso pode ser uma alternativa interessante para a firma manter a confiança de seus funcionários. Um exemplo disto era a IBM que mantinha uma política de não demissão.

Em-pre-gado

Firma Honrar Não Honrar Confiar a,b e,f Não Confiar c,d g,h

a>c, g>e, f>b, h≥d Suponha que o jogo seja repetido infinitamente. Desta maneira, caso o empregado confie sempre que a firma honrar seu compromisso e depois não confie nunca mais, os rendimentos a firma deverá optar entre receber b em todos os períodos subseqüentes ou

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receber f no primeiro período e h daí por diante. Supondo um fator de desconto do futuro no valor de δ, será vantajoso para a firma honrar o acordo sempre que:

1011

1≤≤

−+≥

−δ

δ

δ

δparahfb

Isto implica que b tem de ser grande o suficiente com referência à alternativa h e f não pode ser muito superior a b. Por sua vez, o valor de δ tem que ser grande o suficiente para garantir a cooperação. Para que o empregado aceite os termos da negociação, o mesmo tem que ser verdadeiro. Isto significa que a relação tem que ser auto-sustentável. É importante notar que para que isto ocorra é necessário que a transação seja boa para as duas partes. Muitas vezes, quando não a ação das partes é observável mas não verificável por uma terceira parte, regras não escritas (contratos implícitos) podem ser estabelecidas. Estas regras têm por características serem auto-aplicáveis ou auto-realizáveis, dada a característica das remunerações das partes. Para um contrato deste tipo funcionar, é necessário que nenhuma das partes usufrua vantagens fora da relação e que o não cumprimento do contrato implique fim ou prejuízo da relação.

2.4. LIMITES À INTEGRAÇÃO Leitura: Furobotn e Richter, pp. 336-341, Milgrom e Roberts (1988)

2.4.1. Problemas de Mudança dos Direitos de Propriedade em Processos de Integração

Williamson ressalta quatro problemas em processos de fusões no que se refere a perdas: (i) problemas de incentivos para o antigo proprietário como gestor de uma

divisão de uma outra firma; (ii) expropriação da parte fornecedora via preços de transferência; (iii) incentivos são menos poderosos, o que pode afetar esforço; e (iv) ganhos de inovação podem ser transferidos para diferentes unidades.

2.4.2. Custos de Influência

Rendas e Quase Rendas

Uma renda é a porção dos rendimentos pagos a um agente que excede o valor mínimo necessário para atrair um agente para que ingresse em uma atividade. Um trabalhador que recebe um salário w receberá uma quase renda de ww ˆ− , se w for o rendimento máximo que poderá receber na melhor alternativa. Uma quase renda é determinada pelo excedente ao valor mínimo que o trabalhador aceitaria para permanecer na mesma atividade. A diferença entre renda e quase-renda está na existência de custos irrecuperáveis na entrada de uma atividade que não podem ser levados em consideração para a decisão de saída.

Concepção

Inicialmente, tem-se o clássico problema entre um contratante (principal) e um contratado (agente) de fazer com que o segundo aja de acordo com os interesses do primeiro. A hipótese central é a presença de algum tipo de assimetria seja quanto à

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informação privada, seja no que se refere a problemas de ação escondida (não observável). No caso específico, informação está nas mãos do contratado, enquanto o contratante deve tomar decisões que têm como principal fonte de informação a parte contratada. Este problema ocorre em diversos níveis de uma organização. Por exemplo, ele pode ocorrer no caso de um operário que trabalha diretamente com uma máquina que pode conter defeitos ou não e um gerente de processo que precisa conhecer os problemas da máquina. O contratado pode ter dois tipos de ação, reportar os problemas da máquina, o que implicará participar de um esforço de reparo ou calar-se, o que resultará em uma semana de menos trabalho, ainda que a produtividade da máquina se reduza. A questão, então, se dá em o que fazer para que o contratado informe ao gerente de processo os problemas sofridos pela máquina? Pode também estar presente na relação entre a direção central de uma empresa e os diferentes gerentes de divisão em um caso de ampliação ou construção de novas plantas. Os gerentes podem tentar distorcer informação para que a escolha da direção seja investir em ampliação de suas próprias divisões. Como fazer com que os gerentes ajam de maneira a prover a informação correta? Mais importante, na tentativa de persuadir a direção da empresa, os gerentes empreenderão atividades de influência. Logo, dois tipos de custo estão envolvidos. Em primeiro lugar, “na medida em que a (atividade de influência) seja bem sucedida em enviesar a informação do tomador de decisão, ela pode conduzir a tomadas de decisão que são ineficientes sob o ponto de vista da organização”, Em segundo lugar, “o tempo e o esforço envolvidos nas atividades de influência (e gasto em lidar com eles) são recursos que poderiam ter usos alternativos valiosos” (Milgrom e Roberts 1988: S156-57). Ao mesmo tempo, conforme pôde ser colocado, os indivíduos causadores deste custo são detentores de importante informação para a organização. A organização tem três maneiras de lidar com o assunto:

(i) fechamento dos canais de comunicação; (ii) limitar o poder discricionário do tomador de decisões; e (iii) estabelecer regras claras sobre as ações de compensação.

O primeiro tipo de ação tem o custo evidente de perda de informação importante que só o contratado dispõe. Ao mesmo tempo, nem sempre é possível fechar canais de comunicação. Muitos assuntos devem ser tratados entre as partes e o tema sobre o qual o contratado deseja exercer influência pode aparecer novamente. O segundo e o terceiro tipos de ação têm o inconveniente de poder desviar a escolha do que seria usualmente a opção mais eficiente. Por conseqüência, a existência de custos de influência cria um limite ao tamanho das organizações. Este elemento é particularmente importante quando se tenta introduzir duas unidades, antes funcionando separadamente, em um formato de gestão unificada. As duas divisões podem tentar levantar que os recursos devem ser destinados a uma delas porque tem maior potencial de crescimento. Podem, por exemplo, argumentar sobre as vantagens de unificar a P&D, desde que seja sob o seu particular controle, etc.

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3. PROPRIEDADE E CONTROLE

Desde Berle e Means, há reconhecimento por parte da teoria econômica a respeito da separação entre as funções empresariais de gerência – descritas em Alchian e Demsetz (1972) como sendo a parte é comum a todas as transações contratuais e tendo o direito de independentemente contratar e re-contratar insumos – e avalista ou sofredor do risco do empreendimento – detendo, portanto os direitos residuais de propriedade e o direito a transferir os direitos residuais a outra pessoa. A separação entre gerência e propriedade gera um problema adicional à colocação de Alchian e Demsetz. Os proprietários (acionistas) abrem mão de parte de seus direitos de controle para o gerente (executivo), enquanto os direitos aos rendimentos residuais estão concentrados nos acionistas da firma. Logo, a pergunta segue: como controlar o monitor? É preciso, portanto, realizar esforços para controlar o gerente. Conforme já colocado nas teorias gerencialistas, a função objetivo do gerente não é a mesma dos proprietários. Logo, existem incentivos para a ação de gerentes no sentido de realização de consumo no trabalho, ou o relaxamento no controle das operações da firma, ou o estabelecimento de salários elevados, etc.

3.1. OS MODELOS GERENCIALISTAS O divórcio entre propriedade e controle permite que gerentes persigam seus próprios interesses em vez dos interesses dos proprietários. Este tema foi objeto de análise dos modelos gerencialistas. Três versões destes modelos são bastante conhecidas:

(i) o modelo de Marris que lida com a relação entre crescimento e restrição orçamentária de lucros mínimos aceitáveis para os proprietários;

(ii) o modelo de Baumol em que os gerentes procuram maximizar as vendas sujeitos a uma restrição de lucros mínimos aceitáveis para os proprietários; e

(iii) o modelo de Williamson em que os gerentes procuram maximizar o gasto sujeito a uma restrição de lucros mínimos.

3.1.1. Descrição do Modelo de Williamson De acordo com Williamson o oportunismo dos gerentes pode tomar duas formas:

(i) consumo no trabalho na forma de escritórios de luxo, automóveis, viagens de primeira classe, etc.;

(ii) alocação de lucros discricionários de maneira arbitrária, associada à importância dada por gerentes e não por proprietários da firma. Normalmente, visam a fornecer fontes de poder e prestígio frente à equipe de apoio.

Desta maneira, a ação dos gerentes tende em alguma medida a maximizar sua própria utilidade em detrimento da utilidade dos proprietários. Contudo, dada a existência de empresas rivais que servem como referência, existe um mínimo aceitável de lucros a serem distribuídos para agradar os proprietários das empresas. Logo, os gerentes devem maximizar sua utilidade sujeito a uma restrição de lucros mínimos. Deve-se chamar a

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atenção que consumo no trabalho dependerá do nível de lucros (resíduo) obtido, enquanto o gasto discricionário reduz o nível de lucros. Suponha que o lucro mínimo exigido pelos proprietários seja Q0=0 (para simplificar o número de restrições). Desta maneira, o lucro obtido Q é todo utilizado por gerentes para consumo no trabalho. A função utilidade dos gerentes será, então: ),( SQU , em que S é o gasto com a equipe. O problema de maximização passa a ser determinado por:

),(max,

SQUUSX

= , sendo

produçãodeníveloéXqueemSXRR

XCC

SCRQ

),,(

)(

=

=

−−=

A função utilidade passa a ser ),),(( SSCSXRUU −−=

As condições de máximo são:

21

1

)1(

0)(

URUU

CRUU

SS

XXX

+−=

=−=

ou

111

2 <−=

=

U

UR

CR

S

XX

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21

O resultado é conseqüência de duas hipóteses adotadas pelo modelo:

(i) a pouca importância dada pelos proprietários às ações impetradas pela gerência, desde que um nível mínimo de lucros esteja garantido;

(ii) a presença de uma função gastos na utilidade dos gerentes. Deve-se ressaltar que o modelo desconsidera completamente a existência de uma função utilidade dos proprietários, disfarçando-a em forma de restrição.

3.2. O PROPRIETÁRIO-GERENTE QUE DETÉM APENAS PARTE DAS AÇÕES O proprietário gerente que detém apenas parte das ações – sendo que outra parte está nas mãos do público – também poderá incorrer em problemas parecidos com aqueles apresentados acima. Se ele fosse o único proprietário da firma, o benefício de seu esforço ou frugalidade seria o lucro total da firma. Assim, por exemplo, supondo produto marginal do esforço gerencial decrescente e custo marginal do esforço crescente, conforme a figura 1, a maximização de seus benefícios dar-se-ia quando o produto marginal se igualasse ao custo marginal do esforço, ou seja, no ponto e* da figura 1. Como gerente e proprietário de apenas parte de sua empresa, o benefício extraído de seu esforço adicional será (1-x), sendo x a participação dos demais acionistas na empresa. Desta maneira, o produto marginal do esforço deveria ser multiplicado por (1-x), conforme a linha tracejada da figura 1. Como resultado da diferença na estrutura de propriedade dos ativos, o nível de esforço será e’<e*.

Figura 1

Q

A

Sq

O ponto A é aquele que maximiza a função utilidade do gerente, ou seja, em que RS se iguala a 1-U2/U1. Percebe-se que o nível de gastos com a equipe é superior ao que seria ótima se estivesse perseguindo uma estratégia maximizadora de lucros, em que o gasto escolhido seria Sq.

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PMg

CMg

e

$

PMg(1-x)

e*e’

3.3. TEORIA DO AGENCIAMENTO E OS GERENTES A teoria do agenciamento procura sistematizar a avaliação de situações em que uma parte contratante (principal) e uma parte contratada (agente) se encontram. A idéia básica do modelo estabelece que o agente é contratado para atuar em nome do principal. Existe um problema de assimetria informacional. No caso clássico, o proprietário consegue observar apenas os resultados. Isto significa na situação entre gerentes e proprietários acima descritos que a única informação observada pelo principal são os lucros da firma. No entanto, os rendimentos residuais (lucros) da firma são uma função da qualidade da gerência aqui exemplificada pelo nível de esforço empreendido pelo gerente (agente). Em situações de certeza dos desenlaces, o gerente poderia, a partir dos lucros da firma mensurar perfeitamente o esforço do gerente. Desta maneira, a implementação de uma estrutura de incentivos adequada geraria o resultado esperado. A questão é que existem fatores exógenos como flutuações econômicas, enchentes, quebras de maquinaria e racionamento de energia, entre outros, que podem afetar os rendimentos residuais da firma. Isto significa que há um problema de mensuração. A proposta da teoria do agenciamento é resolver o problema de mensuração a partir do desenho de um contrato que estabelece um plano de remuneração para o gerente. No caso de perfeita informação, o desenho de contrato completo poderia levar a um resultado eficiente. No entanto, as dificuldades informacionais comuns no mundo real tornam contratos incompletos a regra. Desta maneira, existe margem para o movimento oportunista dos gerentes, em um problema conhecido pela teoria do agenciamento como perigo moral (do inglês moral hazard). A emergência de problemas de perigo moral requer três condições básicas: (i) divergência potencial de interesse entre as partes; (ii) espaço para troca entre as partes do contrato; e (iii) dificuldade em determinar se de fato os termos do acordo assinado foram

seguidos e/ou em assegurar o cumprimento dos termos do contrato.

3.3.1. Custos de Agenciamento, Especialização Funcional e Eficiência Corporativa

Jensen e Meckling (1976) definem custo de agenciamento como sendo definido pelo:

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(i) custos incorridos pelo principal para monitorar o agente; (ii) compromissos (bonding) do agente para fornecer garantias sobre seu

comportamento; e (iii) a perda de rendimento residual advinda do fato de o agente não ser

perfeitamente monitorado e suas práticas de bonding não darem conta de todas as possíveis conjecturas.

Isto significa, portanto, que, em razão da ação oportunística dos agentes, a separação entre gerência e propriedade diminui a eficiência da firma, quando comparada com uma firma em que as funções de controle e os direitos residuais estão concentrados na mesma pessoa. No entanto, existem questões que devem ser tratadas de maneira diferente e que podem relativizar este ponto.

3.3.2. O caso de certeza Suponha que o nível de lucros é Q e que Q é uma função linear do esforço implementado, de tal maneira que: Q=e, (1) ambos referenciados em dólares O esforço tem uma função custos para o gerente representada por

2

2e

kc = , em que k>0 (2)

Suponha que a diferença entre o remuneração recebida pelo gerente, w, e o custo de seu esforço, c, determina seu nível de utilidade, A, de tal maneira que:

2

2e

kwA −= (3)

O principal oferta ao agente uma função de incentivos linear

Qrw α+= , (4) r é uma parcela fixa e o restante é uma função do lucro. A decisão do agente será determinada por

eQts

ek

QrA

=

−+=

..2

max 2α

A condição de primeira ordem é k

= (5)

Conhecendo a função de resposta do gerente, os acionistas (proprietários) podem escolher o nível de esforço a ser utilizado de maneira a maximizar seus lucros. A equação (1) é assim a restrição incentivo do principal com respeito ao agente.

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Suponha ainda que o agente tem ofertas alternativas, de maneira que ele pode escolher aceitar ou não a proposta dos acionistas. Suponha que as ofertas alternativas garantam

um nível de utilidade A . Assim, há uma restrição adicional

Aek

Qr ≥−+ 2

2α (6)

O objetivo dos acionistas é maximizar seus lucros, determinados por [ ] rewQQ n −−⇒−= α1 (7)

Seu problema de maximização é, portanto: [ ]

)(2

)(..

1max

2 ãoparticipaçderestriçãoAek

Qr

incentivoderestriçãok

ets

reQ n

≥−+

=

−−=

α

α

α

Resolvendo a restrição de participação para eek

r α−= 2

2 (8)

e substituindo na função de maximização e substituindo e pela restrição de incentivo, tem-se:

kkQ n

2max

2ααα

−=

A condição de primeira ordem determina que 01

=−kk

α (9)

α=1 Substituindo (9) e (5) em (8), obtém-se

( ) 12* −−= kr (10)

Isto significa que todo o lucro deve ser ofertado ao gerente que paga uma taxa fixa aos proprietários, correspondente à franquia. O esforço de equilíbrio será dado por

ke

1* =

Repare que, caso haja informação perfeita e o esforço seja perfeitamente observável, a função lucro dos proprietários seria dada por

)(ecAeQ n −−= , supondo 0=A

2

2max e

keQ n −=

ke

1* =

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O proprietário pode, então, alternativamente, pagar ao gerente o seu preço de reserva. Não importa o esquema, o resultado é eficiente.

3.3.3. Resultados Incertos No caso de resultados incertos os lucros brutos são determinados por:

θ~~

+= eQ , em que θ~

é uma variável aleatória, determinada pela natureza, com média 0

e variância 2σ . De acordo com o esquema acima levantado, o principal oferece ao agente um contrato. Este recusa o contrato ou não. A aceitação do contrato é seguida pela implementação de um nível de esforço e, após o esforço realizado, há um movimento da natureza que determina o estado das coisas. O esforço e o estado das coisas determinam, em conjunto, o nível de lucros. De maneira divergente da situação anterior, o lucro é obtido conjuntamente por duas variáveis, a natureza e o esforço. A primeira questão é a atitude dos agentes em relação ao risco. Se ambos forem neutros em relação ao risco, devem maximizar seus benefícios de acordo com o lucro esperado.

O principal maximizar os lucros esperados, )~

( nQE , e o agente maximizar o valor

esperado de sua utilidade )~

(AE . O arranjo contratual deve ser semelhante àquele obtido anteriormente. O agente fica com todo o risco. A questão é que neutralidade em relação ao risco é uma hipótese extremamente forte. Usualmente, utiliza-se a hipótese de que os acionistas de uma empresa detêm ativos mais diversificados do que o gerente (executivo). A visão da firma como feixe de contratos em Alchian e Demsetz (1972) tem como características centrais:

(i) a produção conjunta, (ii) diversos proprietários de insumos, (iii) uma parte é comum a todas as transações contratuais, (iv) a esta parte é garantido o direito de independentemente contratar e re-

contratar insumos, (v) esta parte é detentora dos direitos residuais de propriedade, e (vi) tem direito a transferir os direitos residuais a outra pessoa.

Ruído esforço

Não Aceita

Aceita Oferta

P A A Natureza Resultado

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Pelo item (ii), Fama (1980) entende que a definição do que é exatamente propriedade da firma é irrelevante. Em segundo lugar, Fama (1980), bem como Jensen e Meckling (1976) entendem a separação dos itens (iii) e (iv) dos itens (v) e (vi) a característica central da corporação moderna.

“(Q)ualquer dado conjunto de contratos, uma firma particular, está em competição com outras firmas, que seriam equipes alternativas de cooperação de fatores de produção. Se tem uma parte que tem especial interesse no sucesso da firma, não é aquela especializada em ou que suporta o risco. É verdade que, se a firma não se comprova viável, fatores como trabalho e gestão são protegidos por mercados em que direitos sobre o seu uso futuro podem ser alugados ou vendidos a outras equipes. As partes que desempenham a função de risco, como detentores dos direitos residuais, parecem sofrer as maiores conseqüências diretas da queda da equipe. No entanto, os especializados em risco em uma corporação moderna também têm mercados para seus serviços – mercados de capitais – que permitem uma mudança entre equipes com relativamente baixos custos de transação e que os defendem (hedge) contra falências de qualquer equipe mediante a diversificação de ativos entre equipes” Fama (1980:291)

Assim, na firma moderna, é interessante e produtivo que uma das partes se especialize em risco e outra parte, mais bem informada, seja especializada em gerência. Esta última parte é, na verdade, a maior prejudicada pela falência da empresa (este ponto será exposto na próxima subseção). Supondo, portanto, que o lucro da firma seja:

θ~~

+= eQ (1’) e que o sistema de incentivos oferecido ao gerente seja determinado por:

Qrw α+= (2’) Suponha que os agentes sejam avessos ao risco, então, o valor correspondente equivalente à condição de certeza será determinado por:

( ) RAEAC −=~

)~

( (3’) em que R é o prêmio de risco representado por

22

2σα

aR = , (4’)

em que a é o grau de aversão ao risco e σ2 é o variância de θ. Por conseguinte, a utilidade esperada do agente será determinada por

2

2

~~e

kerA −++= θαα , (5’)

portanto, substituindo (5’) e (4’) em (3’)

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222

22

~)

~( σαθαα

ae

kerAC −−++= (6’)

Sabemos que o lucro do principal será determinado pelo total de lucros menos o valor pago ao agente, portanto, de (7) acima, obtém-se (7’)

[ ]

Ca

ek

erAC

reQ n

≥−−+=

−−=

222

22)

~(

1max

σαα

α

(7’)

Igualando 0=C , então,

σαα 22

22

ae

ker ++−= (8’)

Substituindo (8’) em (7’) e supondo-se que o principal possa observar perfeitamente a ação do agente, tem-se que:

222

, 22)(max e

kaeQE n

e

−−= σαα

(9’)

0*02 =⇒==∂

∂αασ

α

E (10’)

ke

1* = (11’)

kr

2

1* =

Repare que o esforço é exatamente idêntico ao resultado obtido sem incerteza. Isto significa que, na presença de incerteza, mas sem problemas de ação escondida (ou seja, oportunismo), o resultado será eficiente e o formato contratual recomendado será o pagamento de um valor fixo ao agente e o principal fica com o resíduo. A situação parece ser diferente quando se inclui a possibilidade de ação não observada pelo principal. Neste caso, maximizando-se (6’) com respeito a e, obtém-se:

222

22

~)

~(max σαθαα

ae

kerAC

e−−++=

ke

α= que é a restrição de incentivos inicialmente colocada no problema sem incerteza.

Substituindo esta restrição em 9’, obtém-se

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28

k

a

kQE n

22)(

222max

ασα

α

α

−−=

11

1**

2<

+=

σα

ka (12’)

( ) kkake

1

1

1**

2<

+=

σ (13’)

( ) kkak

kar

2

1

12

1**

22

2

−>+

−=

σ

σ (14’)

r**>0, se 2σka >1. Neste caso, o principal paga uma taxa r** para induzi-lo a aceitar o contrato se o agente tiver um grau de aversão ao risco suficientemente elevado e a variância também for suficientemente alta, ou seja, espera-se que

ka

12 >σ

O principal receberá

( ) ( ) 121 12**)(−−

+= σakkQE n A perda de bem star será determinada por

)1(2**)(*)(

2

2

σ

ασ

akQEQEWL nn

+=−=

3.3.4. A Especialização em Risco e Controle De acordo com Fama (1980:291), o principal limite de analisar em conjunto as duas funções não está na falta de realismo da hipótese, mas na perda da “perspectiva de que

gerência e suporte ao risco são fatores de produção separados, cada um dos quais se

enfrentando com mercados por seus serviços que provêem oportunidades alternativas e

que, no caso da gerência, motiva o seu desempenho”. O ponto central da literatura é que a separação nestas duas funções remete a uma discussão a respeito da irrelevância da propriedade da firma. Conforme colocado por Fama, na falta de necessidade de adiantamento de pagamentos aos provedores de insumos, a função de suporte ao risco perde seu sentido. Neste caso, a única função restante aos detentores da função de proprietários da firma é manter a propriedade do capital. Dentro da visão de Alchian e Demsetz, capital está longe de ser o único insumo que define a firma. Outros insumos, e portanto outros proprietários de insumos, fazem parte deste nódulo contratual que caracteriza a firma. Logo, na visão destes autores a noção de propriedade da firma seria irrelevante.

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O segundo ponto a ser destacado a partir deste tema está associado à função de gerente. Ao tornar clara a dissociação entre risco e gerência, a teoria contratual da firma abre a possibilidade para a especialização em gerência e, portanto, para a relevância de uma função que tem, no conhecimento específico do nódulo contratual, a sua maior importância. Este ponto deve ser destacado, na medida em que as teorias de base contratual se aproximam de teorias mais focadas em conhecimento. O ponto central de distinção está na ênfase dada à pessoa como detentora de conhecimento e não outros elementos como rotina (Nelson e Winter 1982) ou até mesmo equipe gerencial. Este aspecto ainda deve ser enfatizado pela literatura.

3.4. DISCIPLINA PELO MERCADO DE TRABALHO A ênfase na pessoa do gerente como detentor de conhecimento chama a atenção para o valor dado aos serviços que presta e à estrutura de mercado por esses serviços. Fama (1980) sugere que o desempenho do gerente pode não ter reflexo imediato sobre seus rendimentos, mas o sucesso ou insucesso da empresa tende a afetar, de maneira determinante, seus rendimentos futuros.

3.4.1. Conselho Diretor como Supervisor A composição do conselho diretor parece afetar a disciplina do gerente. Três opções de composição. Papel de custos reduzidos.

(i) acionistas – problema da distribuição da carteira e interesses contraditórios ou falta de interesse daqueles especializados na função de risco;

(ii) gerentes – possibilidade de colusão entre os gerentes (iii) inclusão de alguns avaliadores externos pressionados pelo mercado de

avaliadores externos A conclusão parece ser que, pela visão da firma como um nódulo contratual, os diversos fatores de produção com interesses substantivos neste nódulo devem participar. Ao mesmo tempo, deve haver, em algum nível, a presença de diretores externos que, regulados por seu mercado de trabalho específico, se encarregariam de supervisionar a corporação. De uma maneira geral, a presença de um conselho para supervisionar a atuação gerencial parece ser uma saída menos custosa do que outras formas de supervisão, como o mercado de capitais e a possibilidade de aquisição amigável ou à revelia. Contudo, os diversos problemas que podem surgir neste feixe de interesses colocam dúvidas sobre a real possibilidade de o Conselho Diretor, como representante legítimo dos interesses da parte especializada em risco, supervisionar adequadamente a firma. Aparentemente, pode-se pensar em situações alternativas. Conforme sugerido acima, o mercado de trabalho pode ajudar a disciplinar ou supervisionar o desempenho da gerência.

3.4.2. Pressões diretas advindas do mercado de trabalho As seguintes pressões advêm diretamente do mercado de trabalho:

(i) Uma firma está sempre no mercado de trabalho para novos gerentes. Novos gerentes vão querer conhecer mecanismos de compensação utilizados. Gerentes atuais podem deixar a firma caso o sistema de compensação não

seja suficientemente eficiente. Por exemplo, no exercício anterior CAC ≤)~

( . (ii) Supervisão interna de gerentes por outros gerentes. Parte das habilidades dos

gerentes superiores está em reconhecer e mensurar o desempenho de gerentes de nível inferior. Ao mesmo tempo, gerentes de nível inferior

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podem tentar subir na carreira mediante a eliminação, suplantação ou delação de comportamentos oportunistas de seus superiores. Finalmente, o desempenho da firma ajuda a sinalizar a qualidade do gerente (principalmente de nível superior) no mercado de trabalho.

3.4.3. Condições Necessárias para o Mercado de Trabalho Disciplinar Três condições parecem ser necessárias para a atuação do mercado de trabalho como disciplinador do comportamento dos gerentes:

(i) presença de assimetria de informação. Os gostos e talentos do gerente não são conhecidos no momento exato da contratação, podem mudar ao longo do período e devem ser extraídos de informação sobre o seu desempenho passado;

(ii) o mercado de trabalho para serviços gerenciais deve ser eficiente. Isto significa que processa informação adequadamente e permite a revisão dos salários futuros a partir dos resultados passados;

(iii) revisões contratuais devem ser grandes o suficiente para motivar os gerentes. Isto significa que capital humano deve ser um ativo comercializável em um mercado. O problema de aferição do valor do capital humano é de especial importância neste caso. Deve-se ser capaz de mensurar a diferença entre a produto marginal do trabalho do gerente esperado no momento da contratação e o produto marginal efetivamente obtido ex post. Ademais, deve-se ter em conta que existe algum elemento perturbador da mensuração do desempenho, ou seja, existe ruído no processo de mensuração. O ruído pode ser causado por diversas razões, tais como ciclos econômicos, aumento da concorrência, doenças do gerente, etc. Quanto maior o sinal efetivo relativamente ao ruído, melhor o ajuste. Contudo, a presença de ruído garante que o ajuste não será completo.

3.4.4. Processo Estocástico Suponha que o produto marginal seja mensurado de acordo com o seguinte critério:

ttt zz ε+= , em que o primeiro termo do lado esquerdo é o produto efetivamente obtido

e o segundo representa o ruído que tem média 0 e variância σ2. Sendo o gerente avesso ao risco, ele tentará segurar o seu risco junto aos proprietários, ou seja, à parte que suporta o risco na corporação. Supondo que estes últimos sejam neutros em relação ao risco, eles aceitarão a proposta. Suponha que o salário é determinado pelo valor esperado de seu produto marginal. O mecanismo de controle do desempenho do gerente é estabelecido a partir da consolidação ex post de seu produto marginal em um novo contrato. Assim, a contratação no período t deverá ser uma função do desempenho passado do gerente, que, neste caso, é composto do desempenho esperado no momento da contratação anterior mais o resultado do ruído no período (t-1). Uma vez que o gerente é avesso ao risco, ele procurará dividir o ruído com os contratantes, neutros em relação ao risco. Assim, o resultado deverá ser:

( ) 11 1 −− −+= ttt zz εφ

O parâmetro φ será determinado pelo nível de variância. Quanto maior a variância do ruído, maior deverá ser φ.

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Isto faz com que o salário no período t seja determinado pelo conjunto dos desempehos passados:

( ) ( ) ...11)1( 22

21 +−+−+−= −−− tttt zzzz φφφφφ

Dada a existência deste tipo de contratação “qualquer problema potencial de incentivo

na separação da função de risco ou propriedade de ações e gerência será resolvido”.

3.5. DISCIPLINA PELO MERCADO DE CORPORAÇÕES

3.5.1. O Problema Existem muitos motivos para a realização de transações de compra de transações. Uma das principais causas da atividade de aquisição são os custos de agenciamento associados a conflitos de interesse entre acionistas e gerentes. A existência de fluxos de caixa livres em excesso aos requeridos para financiar os projetos da firma pode ter resultados positivos no valor presente da empresa. Estes valores deveriam ser pagos aos acionistas se a firma for eficiente e destinada a maximizar o valor das ações. O problema está em que estes desembolsos reduzem o montante de recursos à disposição de gerentes, ou seja, para consumir e/ou investir na organização Ao mesmo tempo, seu pagamento reduz o poder de barganha de gerentes no mercado de capitais e suas constantes avaliações para pagamento de novos recursos. Neste sentido, gerentes teriam interesse em não repassar os recursos para os acionistas, ampliando a empresa (crescimento como meta) e destinando recursos para seu próprio controle. Ao mesmo tempo, há uma lógica interna para este gasto. A expansão da firma abre novos postos de trabalho de alto nível possibilitando a alocação de gerentes de nível intermediário nesses postos, reduzindo conflitos internos à corporação. No entanto, a expansão da empresa em diversas direções pode levá-la a áreas de menor lucratividade, reduzindo, portanto, o valor da empresa e indo contra os interesses dos acionistas. Paradoxalmente, portanto, a obtenção de lucros em excesso reduz o valor da empresa.

3.5.2. Algum Paliativo Uma maneira de comprometimento do gerente com relação aos acionistas evitando o uso excessivo dos excedentes de caixa é o aumento do nível de endividamento. O endividamento das corporações e sua contrapartida em pagamentos de dívida reduzem o nível de recursos à disposição de gerentes, isto faz com que os gerentes tenham maior dificuldade para expandir excessivamente a corporação. Ao mesmo tempo, se a dívida for emitida em troca de ações, ela garante aos acionistas o direito de processar e levar a companhia à falência, caso a promessa de pagamento não seja efetivada. Uma alternativa seria anunciar um aumento permanente de dividendos. No entanto, isto teria pouca credibilidade, dado não ser contratualmente obrigado e, ademais, caso a promessa não seja efetivada, a contrapartida de cortes nos pagamentos de dividendos é uma redução brusca no valor das ações.

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3.5.3. Fusões e Aquisições Ao mesmo tempo, aumentar o endividamento por intermédio de uma aquisição endividada pode ser desejável na medida em que facilita a reestruturação, dada a possibilidade de falência. Algumas empresas de capital aberto nos EUA tiveram seu capital fechado durante a década de 80 em decorrência da possibilidade de transações por intermédio de endividamento. A maior parte das vezes, os candidatos a aquisição com emissão de dívida são empresas ou divisões de grandes empresas localizadas em oligopólios homogêneos, de pouca possibilidade de expansão e com alto potencial para geração de elevados fluxos de caixa excedentes. Existe ainda o caso dos junk bonds que possibilitam o financiamento de aquisições ou a disciplina de gerentes por intermédio de sua emissão. Os junk bonds são parecidos com ações de hipoteca. Neste sentido, empresas podem comprar outras e emitir junk bonds. Esse tipo de título também possibilita o funcionamento de mercados secundários de dívida. 6. Leituras 6.1. Obrigatória Furubotn e Richter (1997), cap. 1 e 8 Milgrom e Roberts (1993), cap. 2 6.2. Opcional Furubotn (1997), cap. 2, 3, 4, 6 e 7 Milgrom e Roberts (1993), cap. 9 Williamson (1989) Coase (1937) Alchian e Demsetz (1972) Grossman e Hart (1986) Organização do Estudo: 7. Bibliografia Alchian, A. e Demsetz, H. Production, Information Costs and Economic Organization. American Economic Review 72:777-95, 1972. Coase, R. The Nature of the Firm. Economica 4: 386-405, 1937. Furubotn, E. e Richter, R. Institutions and Economic Theory: The contribution of New

Institutional Economics. Ann Arbour, The University of Michigan Press, 1997. Grossman, S. e Hart, O. The Costs and Benefits of Ownership: A theory of vertical and lateral integration. Journal of Political Economy, 94(4), 691-719, 1986. Milgrom, P. e Robets, J. Economics, Organization and Management. Englewood Cliffs, Prentice Hall International Editions, 1993. Williamson, O. Transaction Cost Economics. In Schmalensee, R. e Willig (eds.) The

Handbook of Industrial Organization. Amsterdam, North-Holland, 1989.