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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO FLÁVIA CRISTINA BATISTA CAIRES POLÍTICA PÚBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA (BA) VITÓRIA DA CONQUISTA ABRIL/2015

FLÁVIA CRISTINA BATISTA CAIRES - uesb.br · universidade estadual do sudoeste da bahia programa de pÓs-graduaÇÃo mestrado em educaÇÃo flÁvia cristina batista caires polÍtica

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

PROGRAMA DE PS-GRADUAO MESTRADO EM EDUCAO

FLVIA CRISTINA BATISTA CAIRES

POLTICA PBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO

NO MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA (BA)

VITRIA DA CONQUISTA

ABRIL/2015

FLVIA CRISTINA BATISTA CAIRES

POLTICA PBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO

NO MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA (BA)

Dissertao apresentada como requisito parcial

para a obteno de ttulo de mestre pelo

programa de Ps-Graduao em Educao da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Orientadora: Prof Dr Sheila Cristina Furtado

Sales.

VITRIA DA CONQUISTA

ABRIL/2015

Catalogao na fonte: Cristiane Cardoso Sousa - CRB 5/1843

UESB Campus Vitria da Conquista BA

C137p Caires, Flvia Cristina.

Poltica pblica de juventude: um estudo do Projovem

Urbano do Municpio de Vitria da Conquista (BA). / Flvia

Cristina Caires, 2015.

F.153.

Orientador (a): Dr Sheila Cristina Furtado.

Dissertao (mestrado) Universidade Estadual do Sudoeste

da Bahia, Programa de Ps-Graduao em Educao, Vitria da

Conquista - BA, 2015.

Inclui referncias. 142-149.

1. Polticas pblicas Educao. 2. Juventude Educao.

3. Projovem Urbano - Municpio de Vitria da Conquista (BA).

I. Furtado, Sheila Cristina. II. Universidade Estadual Sudoeste da

Bahia, Programa Ps-Graduao em Educao. III. T.

CDD: 379

FLVIA CRISTINA BATISTA CAIRES

POLTICA PBLICA DE JUVENTUDE: UM ESTUDO DO PROJOVEM URBANO

NO MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA (BA)

Dissertao apresentada como requisito parcial

para a obteno de ttulo de mestre pelo

Programa de Ps-Graduao em Educao da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

_________________________________________________________________

Prof Dr Sheila Cristina Furtado Sales (Orientadora)

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Antnio Cabral Neto (UFRN)

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Isabel Cristina de Jesus Brando (UESB)

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Cludio Pinto Nunes (UESB)

A Deus, que nos criou e foi criativo nessa tarefa. Seu flego de vida em mim me foi sustento e

me deu coragem para questionar realidades e propor sempre um novo mundo de

possibilidades.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela fora e f que me guiou durante essa caminhada.

minha famlia, sem exceo, pelo apoio e compreenso, e ao meu marido, em especial, por

me entender e ouvir, por ser um grande incentivador deste trabalho. Valeu, meu amor!

Aos meus filhos Flvio e Daniel que, pelos momentos em que no pudemos estar juntos,

foram compreensivos, generosos e pacientes com a mame.

minha orientadora e tambm colega de universidade, Sheila Cristina Furtado Sales, pela

amizade, dedicao, colaborao e orientaes no decorrer deste trabalho.

A meu amigo e tambm colega de universidade, Elinaldo Leal, companheiro de todas as

horas, pelo carinho, dedicao e por sua contribuio para a realizao deste trabalho.

Aos professores do Mestrado, em especial a professora Nbia Moreira e Nilma Cruzo,

obrigada pela oportunidade de ampliar meus conhecimentos, pelo companheirismo e

dedicao, e por contribuir para a minha formao.

A todos, meu muito obrigada!!!

No Srio

(Charlie Brown Jr.)

Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio

O jovem no Brasil nunca levado a srio

Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio, no srio

Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio

O jovem no Brasil nunca levado a srio

Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem no srio, no srio

A polcia diz que j causei muito distrbio

O reprter quer saber porque eu me drogo

O que que eu uso

Eu tambm senti a dor

E disso tudo eu fiz a rima

Agora t por conta

Pode crer que eu t no clima

Eu t no clima... segue a rima

Revoluo na sua mente voc pode voc faz

Quem sabe mesmo quem sabe mais

Revoluo na sua vida voc pode voc faz

Quem sabe mesmo quem sabe mais

Revoluo na sua mente voc pode voc faz

Quem sabe mesmo quem sabe mais

Revoluo na sua mente voc pode voc faz

Quem sabe mesmo quem sabe mais

Eu t no clima

"O que eu consigo ver s um tero do problema

o Sistema que tem que mudar

No se pode parar de lutar

Seno no muda

A Juventude tem que estar a fim

Tem que se unir

O abuso do trabalho infantil, a ignorncia

S faz destruir a esperana

Na TV o que eles falam sobre o jovem no srio

Deixa ele viver! o que liga"

http://letras.mus.br/charlie-brown-jr/

RESUMO

O presente trabalho uma pesquisa de natureza qualitativa. Tem como foco principal a

compreenso de como ocorreu o processo de implementao do Projovem Urbano no

municpio de Vitria da Conquista, na Bahia, nas etapas de 2008/2010 e 2010/2011. O

Projovem Urbano considerado o carro-chefe das polticas pblicas de juventude, uma

poltica focalizada que se baseia nas matrizes neoliberais com caractersticas assistencialistas,

mas apresenta inovaes na tridimensionalidade entre educao bsica, qualificao

profissional e participao cidad. O estudo qualitativo desenvolve uma reflexo sobre os

objetivos e finalidades do Programa, traduzidos como dimenses que se referem

complementao e continuao dos estudos, oportunidade de entrada no mercado de trabalho

e a participao em aes comunitrias. Consideram-se, ainda, neste estudo, para fins de

anlise, as contribuies das aes da gesto local para a implementao do Projovem

Urbano. O percurso metodolgico foi referenciado em autores que caminham na perspectiva

da pesquisa qualitativa e tratam o fenmeno estudado na sua dinamicidade. A pesquisa

emprica foi realizada com a utilizao de anlise documental, grupo focal e entrevista em

profundidade. Os sujeitos que comporam a pesquisa consistem em 01 (um) membro do

comit gestor local, 02 (dois) membros da coordenao local e 06 (seis) educadores do

programa. A tcnica de anlise escolhida se baseia em anlise de contedo, assim as

categorias de anlise so: Gesto, Educao e Trabalho. Conclui-se, neste estudo, que a

implementao do Projovem Urbano em Vitria da Conquista sofreu interferncia direta do

comportamento poltico peculiar de seus gestores, visto que a cultura administrativa e poltica

da gesto apontaram prticas cristalizadas e enraizadas como a fragmentao, descontinuidade

administrativa, frgil institucionalizao, e uma gesto centralizada e verticalizada. Esta

organizao poltica vem causando problemas como a evaso, o comprometimento das metas

do Programa e a falta de infraestrutura para realizao da dimenso da qualificao

profissional e da incluso digital. No entanto, os sujeitos da pesquisa apontam como pontos

positivos a funo social do programa, a elevao da escolaridade e a relao professor e

aluno, sendo este ltimo o aspecto de maior relevncia do programa.

Palavas-chave: Polticas Pblicas. Juventude. Projovem Urbano.

ABSTRACT

The current work is a research of qualitative nature. Its main issue has been to understand how

was the process of implementation of Urban ProYouth in Vitria da Conquista, Bahia, on the

steps of 2008/2010 and 2010/2011. Urban ProYouth has been considered the flagship of

youth policies, a public policy which is based on neoliberal patterns with welfare features, but

it presents innovations in three dimensions among basic education, professional training and

citizen participation. The qualitative study draws on the objectives and purposes of the

program, translated as dimensions that refer to complement and further study, entry

opportunity in the labor market and participation in community activities. It has been also

considered in this study for analysis, the contributions of local management actions for the

implementation of Urban ProYouth. The methodological approach has been referenced on

authors who walk in the light of qualitative research and treat the phenomenon studied in its

dynamics. Empirical research has carried out with the use of document analysis, focus group

and in-depth interview. The subjects that make up the research have consisted of one (01)

local manager committee member, two (02) members of the local coordination and 06 (six)

program educators. The chosen analysis technique has been based on content analysis, and the

analysis categories are: Management, Education and Work. It has concluded in this study that

the implementation of Urban ProYouth in Vitria da Conquista had suffered direct

interference of peculiar political behavior of their managers, whereas the administrative

culture and management policy have shown crystallized and rooted practices like

fragmentation, administrative continuity, fragile institutionalization, and centralized and

vertical management. That political organization has caused problems such as evasion, the

commitment of the program's goals and the lack of infrastructure to carry out the dimension

of professional qualification and digital inclusion. However, the research subjects have

indicate as positive points the social function of the program, the education improvement and

the teacher-student relationship, the latter being the highlight of the program.

Key-words: Public Policies. Management. Youth. Urban ProYouth.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Populao e amostra................................................................................................22

Tabela 2 Tcnicas de coleta de dados e seus respectivos sujeitos.........................................25

Tabela 3 Carga horria das trs dimenses do currculo.......................................................86

Tabela 4 Meta do municpio para a insero do jovem no Programa..................................102

Tabela 5 Nmeros de matrculas: primeira etapa 2008/2010..............................................103

Tabela 6 Nmeros de matrculas: segunda etapa 2010/2011...............................................103

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Tcnicas de coleta de materiais..............................................................................23

Quadro 2 Conjunto dos programas/projetos oferecidos pelo poder pblico municipal.........98

Quadro 3 Arcos ocupacionais escolhidos pelo municpio de Vitria da Conquista............105

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Organograma de Estrutura Administrativa e Pedaggica do Projovem Urbano.....76

Figura 2 Estrutura pedaggica do programa..........................................................................79

Figura 3 Formato do acompanhamento e formao inicial e continuada..............................88

Figura 4 Mapa conceitual.....................................................................................................109

LISTA DE SIGLAS

ADTR Agncia Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Renda

AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CEB Cmara de Educao Bsica

CLT Consolidao das Leis do Trabalho

CONJUVE Conselho Nacional de Juventude

COPPE Coordenao dos Programas de Ps- Graduao em Engenharia

CNE Conselho Nacional de Educao

CNP Coordenao Nacional do Projovem

EJA Educao de Jovens e Adultos

FADCT Fundao de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

FMI Fundo Monetrio Internacional

FNDE Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educao

FTG Formao Tcnica Geral

FUNDAR Fundao Darci Ribeiro

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IPEA Instituto de Pesquisa Econmica e Aplicada

MARE Ministrio da Administrao e Reforma do Estado

MDS Ministrio do Desenvolvimento Social

MEC Ministrio da Educao

MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico

PEC Proposta de Emenda Constituio

PL Projeto de Lei

PLA Plano de Ao Comunitria

PNAD Pesquisa Nacional de Amostra de Domiclio

PPI Projeto Pedaggico Integrado

PPJ Polticas Pblicas de Juventude

POP Projeto de Orientao Profissional

REDA Regime Especial de Direito Administrativo

SEMTRE Secretaria Municipal de Trabalho, Renda e Desenvolvimento Econmico

SNJ Secretaria Nacional de Juventude

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

SUMRIO

1. INTRODUO .................................................................................................................. 15

1.1 A PESQUISA ..................................................................................................................... 21

1.2 ESTRUTURA DO TRABALHO ....................................................................................... 30

2. POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL: CONTEXTO

HISTRICO E PERSPECTIVAS ATUAIS ........................................................................ 32

2.1 TRAJETRIA DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL ............ 32

2.2 A INSTITUCIONALIDADE DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE ............ 40

3. MARCO CONCEITUAL: JUVENTUDE, GESTO, EDUCAO E TRABALHO 45

3.1 CONSTRUINDO UMA NOO DE JUVENTUDE(S) .................................................. 45

3.2 JUVENTUDE E EDUCAO .......................................................................................... 49

3.2.1 Juventude e escola ......................................................................................................... 50

3.3 JUVENTUDE E TRABALHO ........................................................................................... 55

3.4 GESTO DE POLTICAS PBLICAS ........................................................................... 61

4. PROJOVEM URBANO: FINALIDADES, OBJETIVOS, ESTRUTURA e

PROPOSTA PEDAGGICA ................................................................................................ 72

4.1 FINALIDADES E OBJETIVOS DO PROGRAMA.......................................................... 72

4.2 A ESTRUTURA DO PROGRAMA .................................................................................. 74

4.2.1 Gesto ............................................................................................................................. 74

4.2.2 Estrutura Pedaggica .................................................................................................... 78

4.3 A PROPOSTA PEDAGGICA ......................................................................................... 80

4.3.1 Fundamentao legal ..................................................................................................... 80

4.3.2 Concepo de juventude ............................................................................................... 81

4.3.3 Concepo de currculo ................................................................................................. 84

4.4 A FORMAO INICIAL E CONTINUADA DO PROJOVEM URBANO .................... 87

4.5 ATUAO DOS EDUCADORES NO NCLEO E NA SALA DE AULA .................... 92

5. O PROJOVEM URBANO EM VITRIA DA CONQUISTA: PERCEPES E

PRTICAS .............................................................................................................................. 97

5.1 O MUNICPIO DE VITRIA DA CONQUISTA............................................................. 97

5.2 A TRAJETRIA DE INSTITUCIONALIZAO DAS PPJ NO MUNICPIO .............. 99

5.3 O PROCESSO DE IMPLEMENTAO DO PROJOVEM URBANO EM VITRIA DA

CONQUISTA ......................................................................................................................... 100

5.3.1 Assinatura do Termo de Adeso e nomeao do Comit Gestor ............................ 100

5.3.2 Seleo e recrutamento e processo de matrcula das etapas 2008/2010 e 2010/2011

................................................................................................................................................ 102

5.3.3 Contratao dos formadores e formao inicial e continuada ................................ 104

5.3.4 Execuo do Programa ............................................................................................... 105

5.3.5 Certificao .................................................................................................................. 108

5.4 A PERCEPO DOS SUJEITOS/ATORES SOBRE A IMPLEMENTAO DO

PROJOVEM URBANO EM VITRIA DA CONQUISTA .................................................. 109

5.4.1 Categoria gesto ........................................................................................................... 109

5.4.2 Categoria Educao ..................................................................................................... 124

5.4.3 Categoria Trabalho ..................................................................................................... 130

6. CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 134

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 141

APNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTAS ............................................................. 149

APNDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA GUIADA .............................................. 150

APNDICE C ROTEIRO PARA O GRUPO FOCAL .................................................. 151

15

1. INTRODUO

Nas sociedades contemporneas, nesse incio do sculo XXI, o mundo experimenta

um extraordinrio aumento da populao jovem em vrias naes, especialmente nas naes

mais pobres. Nessa onda jovem, possvel afirmar que o maior contingente de jovens em

vulnerabilidade social encontra-se nos pases de terceiro mundo. Em funo disso, o tema

da juventude ganha respaldo e entra na agenda governamental de vrios pases,

principalmente dos pases da Amrica latina, muitas vezes sob a tutela de organismos

internacionais, os quais constam como um dos principais idelogos das polticas pblicas

voltadas para a educao, como o World Bank, o Fundo Monetrio Internacional (FMI), a

Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) e a Organizao das

Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco) (MAINARDES, 2006).

Segundo Ball (2011), essas polticas internacionais (global) podem influenciar a

poltica nacional (local) de dois modos: o emprstimo de polticas e seu patrocnio. Para Ball

(2004), existe uma predisposio dos regimes polticos nacionais para aceitarem as

influncias de um governo externo, global. Parece haver um senso comum, um discurso

poltico internacional, considerado o nico caminho infalvel para se pensar e resolver os

problemas econmicos nacionais. Esse discurso hegemnico acerca da poltica neoliberal faz

com que pases em desenvolvimento aceitem as solues polticas oferecidas por essas

agncias supranacionais. Desse modo, o pas que tentar se articular fora desse discurso corre o

risco de ser considerado inconsequente. Entretanto, salienta o autor, que h sempre um modo

especfico, resistncias e validaes locais de interao e aceitao no processo de adoo de

uma agenda neoliberal.

Nesse contexto, a juventude entra em pauta no Brasil, ganha status de problema

poltico e entra na agenda governamental a partir da dcada de 1990. Para tanto, trs pontos

merecem destaque neste debate: o primeiro ponto encontra-se relacionado ao processo de

redemocratizao do pas, na dcada de 1980; o segundo ponto trata do crescimento

populacional do segmento juvenil; e o terceiro assinala a Reforma do Estado brasileiro na

dcada de 1990.

Quanto ao primeiro ponto, o processo de redemocratizao do pas, as juventudes

participantes dos movimentos sociais organizados ganham respaldo e lutam por demandas

especficas para a populao jovem pobre, afetada diretamente pelas mazelas sociais

ocasionadas pelo longo perodo de ditadura militar que o pas viveu.

16

O segundo ponto diz respeito ao contingente populacional de jovens no pas que

representava, em 1983, quando a populao jovem brasileira alcanou seu pico, 29% da

populao do Brasil. Atualmente, dados de 2013, so 51 milhes de jovens (entre 15 e 29

anos), o que representa pouco mais de 26%, dos quase 200 milhes de habitantes do Brasil

(IPEA, 2013). Essa onda jovem contribuiu para que o segmento juvenil entrasse, mesmo

que tardiamente, na agenda governamental na dcada de 1990 e, em especial, a partir da

dcada de 2000.

Por fim, aps a Reforma do Estado ocorrida no Brasil, na dcada de 1990, ele (o

Estado) no perde importncia, mas, sim, desloca seu papel primordial da implementao para

a regulao e o controle. Nesse sentido, o Estado1 deixa de ser o responsvel direto pelo

desenvolvimento econmico e social e passa a desempenhar o papel de promotor e regulador

desse desenvolvimento. Como estrutura organizacional prope a descentralizao e reduo

de nveis hierrquicos, cabendo ao Governo Federal a funo de regulador e coordenador e

aos seus entes federados (estados e municpios) a funo de executor das polticas pblicas.

Essa reforma moldou o pensamento, a formulao e a implementao das polticas pblicas

de juventude no Brasil.

No contexto de Reforma do Estado, observamos uma reestruturao do capital com a

mercantilizao de esferas do no mercado no sentido de lev-las mercantilizao e

produo de lucro. Outra caracterstica dessa Reforma foi a ocorrncia de mudanas no setor

pblico com a instaurao de uma nova performance competitiva que envolve uma

combinao de descentralizao, alvos e incentivos para a produo de novos perfis

institucionais. Houve, tambm, uma mudana quanto posio dos cidados em relao ao

Estado, que passa da posio de dependncia para um papel de consumidor ativo (BALL,

2004).

Nesse quadro de mudana das sociedades modernas, Ball (2004) conjectura que cada

vez mais as polticas sociais esto sendo formuladas e implementadas em funo de seu papel

de aumentar a competitividade econmica por meio de habilidades e competncias exigidas

pelo capital econmico, presentes nas sociedades modernas.

Para Oliveira (2011, p. 82), o formato da gesto das polticas sociais, em geral nos

governos latino-americanos, tem sido definido pela formulao no nvel central e a

descentralizao na implementao ou execuo local.

1 Salientamos que neste estudo entendemos o Estado como o complexo das atividades prticas e tericas com o

qual a classe dominante no somente justifica e mantm a dominao como procura conquistar o consentimento

ativo daqueles sobre os quais ele governa (GRAMSCI, 1971, p. 244).

17

Nessa nova configurao, as polticas pblicas so vistas como a ao do Estado na

tentativa de solucionar demandas solicitadas pelas classes sociais e os beneficirios so os

consumidores ou assistidos pelas polticas. Ainda segundo Oliveira (2011), nesse modelo, o

Estado passa a se relacionar com os cidados dividindo-os em dois tipos: os contribuintes/

consumidores e os destitudos/assistidos. Ento, problemas como violncia, desemprego,

baixo nvel de escolarizao da populao, sade pblica de m qualidade, entre outros,

assolam pases em desenvolvimento e impulsionam os governos a buscarem aes e

programas que possam amenizar ou sanar tais problemas sociais.

No Brasil, na dcada de 1990, ocorreram transformaes significativas, sobretudo em

virtude da poltica neoliberal. Nesse momento, a preocupao com a juventude tornou-se uma

questo social e poltica, no somente pelo seu quantitativo populacional, mas, sobremaneira,

por representar um segmento estratgico para o desenvolvimento, considerando uma nova

sociedade ps-industrial, que tem no conhecimento o princpio ativo para seu

desenvolvimento.

Nesse contexto, a juventude ora considerada como sujeito de direitos, ora

considerada como principal impulsionadora do desenvolvimento (capital humano) e ora

encarada como problema social. Envolto nesse paradoxo, o segmento juvenil entra na

agenda poltica governamental e passa a ser visto como uma parcela da populao vulnervel

ao desemprego, s desigualdades e violncia social. Para Ferreira e Pochmann (2011, p.

248), esta condio de vulnerabilidade acentuou a necessidade de formulao de polticas

pblicas que atendessem diversidade desse segmento.

Na dcada de 2000, o Brasil era visto, segundo Papa e Freitas (2011), no cenrio

internacional, como atrasado na constituio de polticas pblicas de juventude, seja pelo

fato de no ter nenhuma institucionalidade governamental ou pelo fato de ainda existir no

imaginrio social a concepo de juventude como problema social.

Somente a partir de 2005 o Brasil construiu uma experincia no campo das polticas

pblicas de juventude. Destacam-se, no perodo: a criao da Secretaria Nacional de

Juventude (SNJ), do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e do Programa Nacional de

Incluso de Jovens (Projovem). Outro aspecto importante para o fortalecimento da

institucionalidade das polticas pblicas de juventude foi a promulgao, em julho de 2010, da

Proposta de Emenda Constituio 42/2008, a chamada PEC da Juventude, que insere o

termo juventude e estabelece a faixa etria de 15 a 29 anos para essa populao

(CARRANO, 2011), e a aprovao do Estatuto dos Direitos da Juventude, em 05 de outubro

de 2011 (PAPA; FREITAS, 2011).

18

Diante do exposto, procuramos fazer uma breve retrospectiva histrica da constituio

das polticas pblicas no Brasil, na tentativa de situar nosso objeto de estudo, o Projovem

Urbano. Esse programa foi lanado em 2005, conhecido como Projovem Original tinha como

objetivo integrar a formao bsica, a qualificao profissional e a participao cidad. Sua

finalidade primordial proporcionar a incluso social e educacional de jovens considerados

em vulnerabilidade social. Seu pblico-alvo era composto por jovens na faixa etria entre 18 e

24 anos que tinham cursado at a quarta srie do ensino fundamental, mas no tinha concludo

os anos finais (at a 8 srie).

Em 2007, aps uma avaliao do programa, o Governo Federal reorganizou os

programas e projetos e lanou em 2008 o Projovem Integrado. Esse projeto permanece com os

mesmos objetivos, amplia a faixa etria para 18 a 29 anos e apresenta como exigncia para o

ingresso no programa que o jovem saiba ler e escrever e no tenha concludo o ensino

fundamental. O Projovem Integrado agrupa seis projetos que antes eram executados

separadamente e os divide em modalidades, a saber: Projovem Adolescente, Projovem

Campo, Projovem Trabalhador e Projovem Urbano.

O Projovem Urbano, nosso objeto de estudo, caracterizou-se como o carro-chefe das

polticas pblicas de juventude, o que, segundo a Secretaria Nacional de Juventude (BRASIL,

2011), ampliou a viso do governo federal sobre a importncia da juventude na construo da

democracia, e permitiu ao Estado avanar na superao da viso de jovem problema para o

reconhecimento dos jovens como sujeitos de direitos.

Porm, segundo Papa e Freitas (2011), se o debate na esfera federal avanou, no se

pode dizer o mesmo das demais esferas de governo. Para as autoras, pode-se dizer que, em

alguns lugares, houve mesmo um retrocesso, como o caso de municpios que, mesmo tendo

uma vasta experincia com projetos e programas de juventude, experimentam uma

desarticulao entre as polticas pblicas de juventude.

Para Papa e Freitas (2011, p. 11), de uma forma geral, mesmo os atores envolvidos na

implementao das polticas pblicas de juventude no mbito local reconhecem os jovens

como sujeitos de direitos, mas uma anlise mais aprofundada de suas falas e iniciativas

evidencia a presena de diversas compreenses e concepes. Em especial, a compreenso

que se cristalizou no imaginrio social a concepo de jovem como vtima e problema

social.

Como ponto de partida, o que nos instigou a realizar esta pesquisa foi a participao na

coordenao pedaggica de dois programas no municpio de Vitria da Conquista: o Projeto

Juventude Cidad, realizado nos anos de 2006 e 2007; e o Projovem Urbano, nos anos de

19

2008 a 2010, perodo de sua implementao. Essas experincias foram marcantes tanto na

vida profissional como na vida pessoal, pois proporcionaram aprendizado e crescimento como

ser humano. Com essas experincias, principalmente no Projovem Urbano, foi possvel

perceber que mesmo que, todos ns (gestores, coordenao local e professores) tivssemos

uma formao inicial e continuada oferecida pela Coordenao Nacional do Programa, muitas

vezes nossas crenas e valores falavam mais alto que a filosofia e os objetivos expressos nos

textos oficiais. A concepo de juventude do prprio programa tomava corpo diferente na

interpretao ativa dos executores e, com isso, fomos percebendo que havia a necessidade de

analisar o processo da sua implementao a fim de identificar avanos, lacunas e implicaes

da gesto no Programa.

Isto se faz necessrio considerando que foi detectado como lacuna em nossa reviso

bibliogrfica justamente o carter fragmentrio das anlises do Projovem em vrios

municpios do Brasil. Percebemos que as pesquisas ora enfatizavam a dimenso da formao

bsica, ora a qualificao profissional ou ento a participao cidad. Falta, a nosso ver, uma

anlise aprofundada da poltica sem focar apenas uma das dimenses do programa, mas

levando em considerao pelo menos duas das dimenses: Formao Bsica e Qualificao

Profissional. Fazer uma anlise de como a gesto local vem implementando o Programa no

municpio, com base nas duas dimenses do programa, nos dar uma viso de como vem

sendo concebido o papel da gesto, educao e do trabalho na implementao do Programa

no municpio. Isso nos ajudar a compreender qual Projovem est sendo construdo pelos

atores implementadores do programa e como eles recontextualizam e reinterpretam a poltica

na dialtica entre o global e o local.

Assim, nossa pesquisa tem como questo problema: como ocorreu o processo de

implementao do Projovem Urbano no municpio de Vitria da Conquista nas etapas de

2008/2010 e 2010/2011? Queremos saber qual concepo de juventude, de educao, de

trabalho e de gesto tm o comit gestor, a coordenao local e os professores, e quais as

implicaes dessa interpretao na reconstruo dessa poltica na prtica. Dessa forma,

partimos dos seguintes pressupostos:

P1: a interpretao dos agentes implementadores recria a poltica com base em

sua viso de mundo, seus valores e crenas (ideologia), produzindo efeitos e

consequncias que representam mudanas significativas na implementao do

programa;

P2: Existe um distanciamento entre a concepo terica do Programa e as

prticas da gesto, j enraizadas e institucionalizadas.

20

Em nosso entendimento, a poltica toma corpo, transforma-se de inteno para ao na

fase de implementao. Por isso, torna-se imprescindvel compreender as prticas e

percepes que os agentes executores realizaram ao implementar a poltica no mbito local.

Nossa inteno comprovar o pressuposto de que os sujeitos implementadores so seres

ativos que, ao trabalharem, colocam suas impresses, normas, valores, que transformam o

texto oficial em contexto experiencial e que, a partir dessa reinterpretao, cada cidade

constri um Projovem que modificado com base nessa prtica. Corroborando o pressuposto

de que os sujeitos modificam a poltica no contexto da prtica, entendemos que essa prtica

carregada de valores e normas j enraizadas e institucionalizadas. Ento, a forma como a

gesto local do Programa interpreta a poltica interfere e molda a ao dos sujeitos executores,

e consequentemente muda a poltica.

Essas mudanas sero reveladas a partir da anlise da implementao do programa,

por meio da execuo de duas de suas dimenses: Formao Bsica e Qualificao

Profissional. Essas dimenses nos possibilitaram desvelar qual a concepo de Gesto,

Educao e Trabalho apresentada pelos profissionais (gestores, coordenadores e

educadores) que executam o programa no municpio. Nosso desafio analisar essas

concepes e como as elas influenciam a reconstruo dessa poltica no mbito local.

Partimos, ento, do entendimento de que no possvel apreender o significado de

uma poltica pblica sem a apreenso da lgica global de um determinado sistema de

produo. Desse modo, no possvel fazer a anlise do Projovem Urbano sem fazer as

devidas conexes entre os fatores macro e micro que dirigem a poltica, fundando-se em

determinantes histricos, econmicos, polticos e culturais.

Assim, o Projovem Urbano, como poltica pblica, um complexo que faz parte de

uma totalidade social, por isso, torna-se importante o estudo de sua gnese, de seus

movimentos e de suas contradies. Ela no pode ser compreendida fora de seu tempo

histrico e nem em seu aparente isolamento das outras manifestaes sociais, polticas e

econmicas. Portanto, faz-se necessrio entender o contexto macro no qual a poltica est

inserida, a fim de compreendemos como o contexto global interfere e reflexiona na

construo da poltica em mbito local.

Algumas pistas nos foram dadas pela reviso bibliogrfica realizada a respeito das

produes acadmicas sobre o Projovem Urbano. As pesquisas sobre o papel da gesto local

na implementao do Programa nos municpios concluram que essa poltica fora se

consolidando submersa em um caldo histrico de muito envolvimento pessoal, pouca

institucionalizao e quase nenhum dilogo entre poder pblico local e instituies locais

21

ligadas juventude (BLANCO, 2010; COSTA; ESPNOLA, 2012; SOARES, 2013;

BERTHOLINI, 2013). Essa fragilidade institucional deletria para o programa, pois, a

depender de como a gesto interpreta a poltica, ocasionam-se vrios projovens em um, ou

seja, o papel da gesto fundamental para o sucesso ou no do Programa.

O estudo sobre uma poltica pblica requer, para a apreenso da sua essncia, a

considerao de diferentes foras no processo de sua elaborao e implementao. Tal

processo marcado por interesses econmicos, polticos e ideolgicos, visto que a poltica

pblica no se define sem disputas, sem contradies e sem antagonismos de classe. Ento,

compreender qual interpretao atribuda ao texto da poltica pela gesto local e suas

implicaes no processo de implementao do Projovem Urbano no municpio mister para

podermos entender a poltica tanto no seu macro quanto no seu microcontexto e

compreendermos qual Projovem est sendo construdo em Vitria da Conquista.

1.1 A PESQUISA

Demo (2001) define pesquisa como a capacidade de dialogar criticamente com a

realidade. Segundo ele, quem sabe dialogar com a realidade de forma crtica e criativa faz da

pesquisa um princpio cientfico e educativo. Pesquisa, aqui, se define, ento, como a

capacidade de questionamento da realidade, que no admite resultados definitivos, verdades

absolutas, mas que estabelece a provisoriedade metdica como fonte principal de renovao

cientfica.

No entanto, a pesquisa, na condio de investigao cientfica, depende de um

conjunto de procedimentos intelectuais e tcnicos para alcanar seus objetivos. Por isso em

qualquer pesquisa cientfica necessrio saber quais caminhos devem nortear o trabalho do

pesquisador.

Todavia, a pesquisa emprica apenas um horizonte, um recorte dessa realidade. De

acordo com os quadros tericos de referncia, o real pode variar. Para comear, todo dado

emprico no fala por si s, mas pela boca de uma teoria. A realidade que se quer captar a

mesma para todos ns, porm para capt-la necessrio ter uma concepo terica sobre ela.

Ou seja, o que temos so interpretaes dessa realidade que so pautadas na teoria, mtodo e

prtica. Nesse sentido, a importncia da hermenutica2 est precisamente no reconhecimento

de que a interpretao inevitvel (DEMO, 2001).

2 Hermenutica a arte de descobrir a entrelinha para alm das linhas, o contexto para alm do texto, a

significao para alm da palavra (DEMO, 2001, p. 22).

22

Segundo Minayo e Sanches (1993), a atividade da pesquisa marcada durante toda a

sua realizao pelo quadro terico que o pesquisador adota, por sua viso do mundo e pelo

compromisso social, assim como pelos limites do conhecimento, prprios de seu tempo. O

conhecimento cientfico sempre uma busca de articulao entre uma teoria e a realidade

emprica; o mtodo o fio condutor para se formular essa articulao.

Este estudo configura-se como uma pesquisa exploratria e descritiva, pois, segundo

Gil (2008, p. 47), esse tipo de pesquisa vai alm da simples identificao da existncia de

relao entre variveis, pretendendo determinar a natureza destas relaes, ou seja, tem como

objetivo, alm de descrever as caractersticas de determinada populao ou fenmeno,

levantar as opinies, as atitudes, as crenas e as prticas desse grupo.

A abordagem qualitativa, segundo Minayo e Sanches (1993), realiza uma aproximao

fundamental entre o sujeito e objeto do conhecimento, porque ambos so da mesma natureza.

Definir o nvel simblico do significado e da intencionalidade, atribuir um grau de

sistematicidade pelo desenvolvimento de mtodos e tcnicas, tem sido tarefa dos

pesquisadores que trabalham com a abordagem qualitativa. De acordo com essa abordagem o

pesquisador vai a campo para investigar, buscando captar o fenmeno em estudo fundando-se

na percepo das pessoas envolvidas e levando em considerao todos os pontos de vista

relevantes. Nesse sentido, a abordagem qualitativa poder nos ajudar a analisar qual a

percepo dos atores executores sobre o processo de implementao do Projovem Urbano no

municpio de Vitria da Conquista.

Para tanto, necessrio selecionar adequadamente os indivduos e os elementos que

devem compor o estudo, pois essa escolha fundamental para garantir que os resultados

representem fielmente o que ocorreu com o fenmeno em questo. Neste estudo, aplicou-se o

conceito de populao e amostra. Nascimento (2002) define a populao como um conjunto

completo de elementos ou pessoas que representam um determinado conjunto de

caractersticas e a amostra como um subconjunto da populao. Dessa forma, fizeram parte da

pesquisa as seguintes populaes, como mostra a tabela 1, a seguir:

Tabela 1 Populao e amostra

Populao Universo Amostra

Comit Gestor 03 01

Coordenao local 12 02

Educadores que atuaram no perodo do recorte 15 06

Fonte: Prpria autora.

23

O mtodo de amostragem foi aplicado com a finalidade de obter informaes junto

aos principais agentes operadores das polticas de assistncia social do municpio. Para isso,

foi feito o uso da amostragem no probabilstica de abordagem orientada. Por esse mtodo,

apenas os formadores de opinio foram selecionados para compor a amostra de estudo. Todos

os sujeitos foram escolhidos por terem participado das duas entradas3 do programa. O

membro do comit gestor, o Dir. Pres. da Agncia de Desenvolvimento, Trabalho e Renda

(ADTR), foi escolhido em virtude de ter sido o gestor do projeto no perodo de janeiro de

2009 a dezembro de 2011, perodo demarcado para o estudo. Os professores foram escolhidos

por terem trabalho nas duas etapas, possibilitando, assim, uma viso mais ampla da

implementao do Programa. A coordenadora pedaggica trabalhou na primeira etapa como

educadora e na segunda etapa como coordenadora do Programa e a coordenadora executiva na

primeira etapa trabalhou como apoio de coordenao e na segunda etapa foi coordenadora

executiva. Depois de escolhidos os sujeitos da pesquisa, fez-se necessrio prestar ateno em

quais tcnicas deveriam ser utilizadas para a coleta de material.

Sabemos que as tcnicas de coleta de materiais no podem ser utilizadas como receitas

prontas, como instrumentos neutros, pois todo pesquisador tem sua ideologia e essa

influenciar seu trabalho de pesquisa. Ento, as tcnicas de coleta devem ser entendidas como

meios de obteno de informaes, cujas qualidades e limitaes devem ser controladas. Elas

no so um fim em si, so valiosos instrumentos de coleta de dados. De acordo com a

natureza da nossa investigao, utilizamos as seguintes tcnicas de coleta de materiais: o

grupo focal e a entrevista guiada e anlise documental. Segue-se quadro 1, abaixo:

Quadro1 Tcnicas de coleta de materiais

Tcnica Modo de coleta Unidade de coleta

Grupo Focal Moderador utiliza um roteiro

pr-definido para estimular o

debate e assegurar a

participao de todos.

Educadores do programa.

Entrevista guiada Entrevistas em profundidade,

roteiro semiestruturado.

Entrevistas com: comit gestor

local e coordenao local.

3 Cabe esclarecer, o termo Entrada utilizado, pela coordenao nacional, para definir o grupo de turmas que iniciou as atividades do programa em determinado momento. Por exemplo, a entrada referncia para este estudo

a 1 Entrada e a 2 entrada, ou seja, trata-se do primeiro grupo de municpios/ turmas do Projovem Urbano, que

comeou a funcionar em Setembro de 2008 e terminou em abril de 2010 e o segunda turma que teve incio em

maio de 2010 e terminou em novembro de 2011. Salientamos, porm, que no municpio convencionou-se

chamar de primeira etapa (2008/2010) e segunda etapa (2010/2011) respectivamente.

24

Anlise Documental Anlise de documentos

oficiais didtico-pedaggicos

e do marco regulatrio legal.

Anlise de documentos

pedaggicos (PPI, relatrios),

marco legal (legislao,

resolues)

Fonte: Prpria autora.

O grupo focal foi escolhido como tcnica a ser aplicada com os educadores do

programa por dois motivos: primeiro, para que esses agentes implementadores pudessem

interagir, trocar experincias, compartilhar a sua atuao no programa, alm de deixarem

transparecer suas inquietaes, frustraes e expectativas; o segundo, pela possibilidade de

criar um clima de descontrao e troca de experincias.

A tcnica do grupo focal um tipo de entrevista em profundidade realizada em

grupo, cujas reunies tm caractersticas definidas quanto proposta, ao tamanho,

composio e aos procedimentos de conduo (OLIVEIRA; FREITAS, 2010, p. 325-326).

A utilizao do grupo focal indicada para pesquisas que tm como objetivo explicar como as

pessoas consideram uma experincia, uma ideia ou um evento (OLIVEIRA; FREITAS,

2010). Ento, essa tcnica foi apropriada para esta pesquisa, visto que nos forneceu

informaes sobre o que os educadores pensam, sentem e sobre a forma como agiram na

implementao do Projovem Urbano em Vitria da Conquista durante o perodo em que

atuaram.

Quanto ao nmero de participantes do grupo, escolhemos 06 educadores que atuaram

na primeira e na segunda etapa. Na definio do tamanho do grupo, seguimos o que nos

aconselha Oliveira e Freitas (2010), ou seja, para esses autores, o grupo deve ser pequeno o

suficiente para que todos tenham a oportunidade de partilhar suas percepes e grande o

bastante para fornecer a diversidade de percepes. Pode-se dizer, em funo desse

argumento, que a quantidade de participantes por grupo pode ser de no mnimo 04 e no

mximo 12 participantes. Como nossa inteno era obter dados qualitativos, optamos por

compor um grupo de 06 professores.

A escolha dos participantes do grupo focal se deu da seguinte forma: 01 professor da

formao bsica da rea de cincias humanas; 01 professor da formao bsica da rea de

cincias exatas e naturais; 01 professor da formao bsica da rea de Lngua Portuguesa; 01

professor da formao bsica da rea de Lngua Inglesa; 01 professor de qualificao

profissional que trabalhou na primeira etapa com o Arco Ocupacional de Administrao e na

segunda etapa com o Arco Ocupacional Educao; e 01 professor de participao cidad. Essa

25

escolha justifica-se pela necessidade de obteno de uma diversidade de olhares sobre o

programa, a partir da formao e da atuao dos agentes implementadores, nesse caso os

educadores nas duas dimenses do currculo (formao bsica e qualificao profissional).

Veja na tabela 2, a seguir, a distribuio mais detalhada das tcnicas aplicadas e seus

respectivos sujeitos.

Tabela 2 Tcnicas de coleta de dados e seus respectivos sujeitos

Tcnica de

coleta

Sujeitos Quantitat. Etapa do

programa

Entrevista

guiada

Comit gestor:

Secretrio da Agncia de Desenvolvimento, Trabalho e

Renda (ADTR)

01 2008/2010

2010/2011

Coordenador executivo 01 2008/2010

2010/2011

Coordenador pedaggico 01 2010/2011

Grupo Focal

Professor de formao bsica rea de cincias humanas 01 2008/2010

2010/2011

Professor de formao bsica rea de cincias naturais e

exatas

01 2008/2010

2010/2011

Professor de formao bsica rea de lngua portuguesa 01 2008/2010

2010/2011

Professor de formao bsica rea de lngua inglesa 01 2008/2010

2010/2011

Professor de qualificao profissional 01 2008/2010

2010/2011

Professor de participao cidad 01 2008/2010

2010/2011

Total de sujeitos da pesquisa 09

Fonte: Prpria autora.

A reunio do grupo focal teve durao de 3 (trs) horas. Ela aconteceu em uma sala

confortvel e que possua sistema de udio e vdeo. Para a conduo da sesso, utilizamos um

guia de tpicos e questes formuladas que abordaram o mximo de tpicos relevantes. Os

tpicos4 de discusso foram cuidadosamente preparados, de forma que os participantes se

sentissem vontade e discutissem os tpicos de forma espontnea. Toda a discusso foi

gravada em vdeo e udio com a permisso e autorizao prvia dos entrevistados.

4 O roteiro consta nos apndices.

26

Segundo Oliveira e Freitas (2010), a qualidade das respostas est diretamente

relacionada com a qualidade das questes. Essas devem parecer espontneas para os

participantes, apesar de serem cuidadosamente preparadas pelo pesquisador. Para tanto,

elaboramos um roteiro com 10 questes5, sendo: 01 questo aberta lanada a todos; 01

questo introdutria para dar incio ao tema de discusso; 04 questes-chave sobre a gesto e

execuo do programa; 02 questes de transio para mudar de uma questo-chave para outra;

01 questo final para encerrar a discusso; e 01 questo-resumo, com a qual o moderador fez

uma pequena explanao sobre o propsito da discusso e, finalmente, lanou a seguinte

pergunta: ns esquecemos algo?

Salientamos que o trabalho com o grupo focal trouxe muitas contribuies para a

pesquisa, pois foi com base nas discusses suscitadas pelos educadores que elaboramos as

entrevistas com o Dir. Pres. da ADTR, com a coordenao pedaggica e com a coordenao

executiva. O grupo de educadores esteve vontade, houve momentos de discusso intensos e

o bloco de questes que mais suscitou o debate foi o bloco no qual foi solicitado a eles que

avaliassem a gesto local na implementao do Programa.

A entrevista foi escolhida como tcnica de coleta de dados, haja vista que, segundo

Richardson (2011, p. 207), a melhor situao para participar na mente do outro ser humano

a interao face a face.

Como fizemos uma pesquisa de cunho qualitativo, realizamos a entrevista guiada,

na qual o entrevistador utiliza um guia de temas a serem explorados durante o transcurso da

entrevista. Nesse tipo de entrevista, as perguntas no esto pr-formuladas, so feitas durante

o processo e a ordem dos temas no estabelecida previamente (RICHARDSON, 2011). O

entrevistador conhece o tema da entrevista, mas o que interessa o aprofundamento realizado

pelo entrevistado. As entrevistas guiadas foram gravadas em udio, transcritas e analisadas

logo aps terem sido realizadas.

Especificamente, as entrevistas guiadas foram realizadas: com um membro do comit

gestor local, o Dir. Pres. da Agncia de Desenvolvimento, Trabalho e Renda (ADTR), pois,

alm de ser o coordenador do comit gestor, estava frente da Secretaria e tinha uma

articulao mais prxima com a coordenao local do programa; e com os membros da

coordenao local coordenador pedaggico e coordenador executivo. Todos os membros da

coordenao local foram escolhidos para participarem da pesquisa em virtude do importante e

5 O roteiro consta nos apndices.

27

especfico papel que exerceram na gesto da implementao do programa nos anos de 2008 a

2011.

Portanto, as entrevistas foram realizadas sem maiores transtornos, aqueles que foram

convidados a participarem da pesquisa se mostraram solcitos, exceto a coordenadora

pedaggica, que num primeiro momento demonstrou um pouco de resistncia em marcar a

entrevista, mas depois aceitou. Todos os sujeitos leram e assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e foram informados de que sua identidade seria

preservada. Para isso, no ato de cada entrevista foi solicitado que cada entrevistado escolhesse

um pseudnimo, o que foi feito tambm no grupo focal.

Para conhecer a filosofia, concepo e objetivos do referencial terico do Programa

Projovem Urbano foi necessrio a utilizao da pesquisa documental que, segundo

Nascimento (2002), utiliza como fonte de investigao materiais que ainda no sofreram

nenhum tipo de anlise.

Depois de coletados os materiais, todas as entrevistas foram transcritas e analisadas

minuciosamente. Para a anlise dos materiais coletados, utilizamos a tcnica de anlise de

contedo referenciada por Laurence Bardin. A anlise de contedo, segundo Bardin (1977, p.

42), um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utiliza procedimentos

sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens.

Essa tcnica foi escolhida para a anlise das entrevistas, visto que o nosso objetivo era

conhecer qual a percepo que os agentes implementadores tinham sobre o Projovem Urbano.

Dessa forma, analisamos as falas (comunicao) dos agentes implementadores a fim de

sabermos qual a concepo de Gesto, Educao e Trabalho que os gestores, coordenao

local e educadores do programa possuam. Analisamos, ento, como vem sendo

implementado o programa no municpio, por meio de duas dimenses do programa: formao

bsica e qualificao profissional.

Para se proceder anlise de contedo, percorreu-se um conjunto de fases pr-

estabelecidas compostas por trs etapas: a) pr-anlise; b) a anlise do material; e c) o

tratamento dos resultados, a inferncia e a interpretao (RICHARDSON, 2011).

A primeira etapa, da pr-anlise, foi a fase de organizao propriamente dita e

abrangeu trs aspectos: a escolha do material, a formulao de hipteses e objetivos e a

elaborao de indicadores para a interpretao dos resultados. Nessa etapa, foram

empreendidas vrias leituras de todo o material coletado, a princpio sem compromisso

objetivo de sistematizao, mas, sim, tentando apreender de uma forma global as ideias

principais e os seus significados gerais.

28

Segundo Richardson (2011), essa etapa facilita o reconhecimento dos conceitos mais

utilizados e proporciona uma primeira aproximao da concepo que o autor tem dos

fenmenos sociais do mundo. Depois da leitura superficial do material, o pesquisador deve

escolher os documentos que sero utilizados na anlise e interpretao. De acordo com

Amado (2000), para que ocorra o processo de categorizao e codificao necessrio j

estarem definidos os objetivos (geral e os especficos) do trabalho, a explicitao de um

quadro de referncia terico. Da, parte-se para a constituio do corpus documental que se

trata da seleo dos materiais coletados nas entrevistas por meio de uma leitura atenta e ativa

para levantamentos dos temas relevantes do conjunto, como ideologia e conceitos mais

utilizados pelos sujeitos da pesquisa.

Quanto seleo das unidades de anlise, existem vrias opes para a escolha do

recorte, no entanto foi pertinente para nossa pesquisa a anlise categorial temtica, o que nos

levou ao uso de sentenas, frases ou pargrafos como unidade de anlise.

Aps a realizao dessas etapas, ocorre o processo de codificao que, segundo

Amado (2000), o processo pelo qual os dados brutos so transformados e agrupados em

unidades que permitem a descrio exata das caractersticas relevantes do contedo. J a

decodificao, a interpretao do discurso do outro, fundando-se na anlise da comunicao,

seja este contedo explcito ou latente.

Amado (2000) identifica alguns estgios da fase de codificao, a saber: a) determinar

as unidades de registro ou de significado (no caso de nossa pesquisa, temas, frases ou

pargrafos, expresses ou palavras); b) determinar a unidade de contexto; c) determinar a

unidade de enumerao ou contagem; d) categorizar a operao de classificao de elementos

constitutivos de um conjunto, por diferenciao e, seguidamente, por reagrupamento

(AMADO, 2000). Entende-se por categoria uma palavra-chave que indica a significao

central de um conceito, e essa categoria pode ser escolhida a priori ou a posteriori. No caso

de nossa pesquisa, depois de definida a questo problema e determinados os objetivos,

definimos a priori as trs categorias de anlise: Gesto, Educao e Trabalho.

Na segunda etapa, da anlise do material, os dados foram codificados, categorizados e

quantificados. Podemos entender as categorias como grandes enunciados que abarcam um

nmero considervel de temas. Neste estudo, as categorias utilizadas foram categorias

apriorsticas, ou seja, foram escolhidas pelo pesquisador previamente, so elas: Gesto,

Educao e Trabalho.

Com base na categorizao, foi realizada uma sntese na qual agrupamos os problemas

que mais recorrentes nas falas dos sujeitos e partindo disso elencamos um quadro referencial

29

terico para discutir e analisar as regularidades e divergncias apresentadas em cada categoria

de anlise. Segundo Amado (2000), nessa fase de anlise dos materiais deve-se fazer um

estudo aprofundado orientado pelo referencial terico do investigador e suas hipteses.

Dessa forma, montamos, a partir das categorias escolhidas previamente, um mapa

conceitual6. Nesse momento, foram levados em considerao os principais problemas

relatados pelos educadores, pelo diretor presidente da ADTR e pelas coordenadoras

pedaggica e executiva. Assim, pontuamos o que foi dito fundando-nos nas suas

regularidades e divergncias. Essa foi uma tarefa trabalhosa, rdua e que exigiu tempo e

dedicao da pesquisadora.

A terceira etapa, de tratamento dos resultados, foi o momento de transformar os dados

brutos em contedo a ser interpretado, baseando-se nas inferncias do investigador. Nessa

etapa, o pesquisador apoiado nos materiais de informao, realiza a reflexo com base no

material emprico e tenta estabelecer relaes com a realidade social ampla. Esse foi o

momento no qual demos exclusiva ateno ao contedo manifestado nos documentos e

aprofundamos nossa anlise com desvelo sobre o contedo latente que eles possuam.

importante estar atento no s ao contexto lingustico, mas tambm histrico das expresses,

dos conceitos.

Amado (2000) argumenta que codificar o processo por meio do qual os dados brutos

so sistematicamente transformados em categorias e que permitem, posteriormente, a

discusso precisa das caractersticas relevantes do contedo. Assim, codificar significa

transformar, seguindo regras especificadas nos dados de um texto, procurando agrup-las em

unidades que permitam uma representao do contedo do texto. Essa fase , para Amado

(2000), a fase de interpretao e deve ser amparada pelas demais fases, pois, aqui, o

pesquisador interpreta, faz inferncias acerca do contedo, por isso considerada a fase mais

complexa e difcil de ser realizada.

Neste estudo, os dados analisados foram dispostos em dois captulos: no captulo

quatro realizamos uma anlise documental e confrontamos a proposta terico-metodolgica

do Projovem com a concepo de juventude, educao e trabalho, que consta na proposta

oficial. No captulo cinco, apresentamos a percepo dos sujeitos quanto gesto na

implementao do Programa. Nesse captulo, apresentamos o mapa conceitual e discutimos as

regularidades e divergncias de falas dos sujeitos luz do nosso referencial terico. Trata-se

6 O mapa conceitual encontra-se nos apndices, assim como todos os quadros de categorizao montados para

construir o mapa conceitual.

30

da anlise da percepo dos sujeitos quanto implementao do Projovem Urbano por meio

das dimenses Educao Bsica e Qualificao Profissional. Para tal, utilizamos as categorias

de anlise: Gesto, Educao e Trabalho.

1.2 ESTRUTURA DO TRABALHO

O presente trabalho est estruturado em seis captulos, sendo eles a introduo, quatro

captulos de desenvolvimento e a concluso. A introduo compe-se de trs partes: na

primeira versamos sobre o tema, o problema e as hipteses, e os objetivos da pesquisa; na

segunda abordamos o referencial dos aspectos terico-metodolgicos; e na terceira abordamos

a forma como o trabalho est estruturado.

Os captulos que compem o desenvolvimento esto assim dispostos: no captulo 2,

Polticas Pblicas de Juventude no Brasil: contexto histrico e perspectivas atuais,

abordamos uma retrospectiva histrica do cenrio poltico e econmico brasileiro e, tambm,

das polticas pblicas de juventude da dcada de 1930 at a entrada do novo milnio.

No captulo 3, Marco Conceitual: Gesto, Educao e Trabalho, discorremos sobre

qual a concepo de juventude, Educao, Trabalho e Gesto defendemos para subsidiar as

anlises dos materiais. Trata-se de definir qual a noo de juventude(s), e qual a relao entre

juventude, educao e trabalho se estabelece nas polticas pblicas de incluso destinadas ao

segmento juvenil. Apresentamos, tambm, a Reforma do Estado brasileiro como norteadora

da insero da nova forma de gesto, a gesto gerencial, na formulao e implementao de

polticas pblicas sociais, alm do ciclo de polticas pblicas como possibilidade de anlise

poltica das polticas pblicas. Discutimos tambm algumas regularidades que se encontram

presentes na gesto de polticas pblicas no mbito local.

No captulo 4, Projovem Urbano: finalidades, objetivos, estrutura e proposta

pedaggica, analisamos os princpios filosficos, polticos e pedaggicos do Projovem

Urbano contidos no Projeto Pedaggico Integrado (PPI), na Resoluo FNDE 22/2008 e no

plano de implementao do municpio que d orientaes sobre seu processo de

implementao. Esta anlise foi necessria, pois subsidiou a anlise da gesto do municpio na

implementao do Projovem Urbano em Vitria da Conquista, e foi de suma importncia para

conhecer e analisar o Programa, seus objetivos e sua proposta pedaggica.

No captulo 5, O Projovem Urbano em Vitria da Conquista: percepes e prticas

dos sujeitos envolvidos na pesquisa, analisamos a percepo que gestores, coordenao local

e professores tm da gesto do Projovem Urbano e como se deu o processo de implementao

31

do Programa no municpio, alm de apontarmos as lacunas, os desafios e os avanos da gesto

executora do programa no municpio.

No captulo 6, Consideraes Finais, apontamos algumas concluses provisrias,

considerando a dinamicidade dos processos sociais e a provisoriedade das certezas

epistmicas nesses processos. Nessa perspectiva, este estudo no tem como propsito

apresentar-se como uma verdade absoluta, mas ser uma tentativa de desvelamento da

realidade, no intuito de contribuir para a transformao da realidade social desses jovens,

assim como contribuir para a construo de uma institucionalizao e constituio de uma

rede de atendimento ao jovem conquistense pautada no conceito de jovens como sujeitos de

direitos.

32

2. POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL: CONTEXTO

HISTRICO E PERSPECTIVAS ATUAIS

Este captulo tem como objetivo fazer uma anlise da trajetria das polticas pblicas

de juventude no Brasil, em especial o Projovem Urbano. A fim de realizar uma discusso

terica sobre a trajetria das polticas pblicas de juventude no Brasil, procuramos fazer uma

retrospectiva histrica do cenrio poltico e econmico brasileiro, assim como das polticas

pblicas de juventude desde a dcada de 1930 at a entrada do novo milnio. Como resultado,

possvel afirmar que, primeiro, ainda hoje as Polticas Pblicas de Juventude carecem de um

marco referencial mais coeso acerca do conceito de juventude. Segundo, como este marco no

est estabelecido, h uma dificuldade de entendimento a respeito das dimenses mais cruciais

da temtica juvenil sobre as quais o poder pblico deve atuar. E, terceiro, preciso construir

um novo repertrio de aes e instrumentos que possibilitem a realizao de uma poltica de

promoo dos direitos da juventude mais conectada com seu tempo.

2.1 TRAJETRIA DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL

Nas sociedades modernas contemporneas, o Estado a agncia dominante de

produo, financiamento e regulao das polticas pblicas. Por isso fundamental, ento,

destacarmos qual concepo de Estado respaldou nossa discusso. O foco deste estudo foi a

concepo de Estado Ampliado, de Gramsci, na qual o Estado o complexo das atividades

prticas e tericas com o qual a classe dominante no somente justifica e mantm a

dominao como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ele

governa (GRAMSCI, 1971, p. 244). importante salientar que a hegemonia se expressa

tanto na sociedade civil quanto no Estado, porm existe grande autonomia dos aparelhos

hegemnicos privados frente ao Estado, principalmente quando uma frao de classe

dominante, que no hegemnica, detm o poder poltico e tensiona a classe hegemnica.

Reconhecemos, tambm, a autonomia relativa discutida por Carnoy (1994), pois

sabemos que existe um tensionamento entre Estado, sociedade civil organizada e as massas.

Diante disso, entendemos que na contemporaneidade o Estado tem seu poder respaldado tanto

pelo capital como pelas massas, por isso as polticas pblicas so vistas como a ao do

Estado na tentativa de solucionar demandas solicitadas pelas classes sociais.

Para Abad (2003, p. 14), a poltica consiste justamente na atividade pela qual essa

mesma sociedade reflexiona e questiona a validez de suas instituies, junto com as suas

33

normas e comportamentos. Assim, ele apresenta o conceito de politics, como a luta pelo

poder e a busca de acordos de governabilidade, e o conceito de policy, como programas de

ao governamental, cujas conotaes so mais tcnicas e administrativas.

Com base na acepo de poltica como ao do governo, o autor chega a algumas

concluses sobre as polticas pblicas: a) representam aquilo que o governo opta por fazer ou

no fazer; b) uma forma de concretizar a ao do Estado; c) so instrumentos privilegiados

de dominao; d) supem uma ideologia da mudana social; e) representam o resultado de

uma racionalidade tcnica e de uma racionalidade poltica (ABAD, 2003).

Sposito (2003, p. 59) define polticas pblicas como um conjunto de aes articuladas

com recursos prprios (financeiros e humanos), envolve uma dimenso temporal (durao) e

alguma capacidade de impacto. Rua (1998, p. 59) define polticas pblicas como conjunto

de decises e aes destinadas resoluo de problemas polticos. Assim sendo, estas

definies nos remetem constituio de atores da sociedade civil e sua capacidade de

propor aes na esfera pblica.

Bobbio (1998) argumenta que para que exista poltica pblica necessrio que um

determinado problema requeira soluo por meio dos instrumentos de ao poltica, ou seja,

qualquer situao que se queira resolver necessitar ser expressa como problema poltico

capaz de exercer presso sobre a agenda governamental.

Para que essa demanda ou conflito se torne um problema poltico necessrio que

exista uma mobilizao de recursos de poder por parte de grandes ou pequenos grupos,

preciso, tambm, que o estado de conflito ou demanda se constitua em uma situao de crise

(ABAD, 2003). Ainda segundo Abad (2003), a escolha geracional, ou seja, do jovem como

sujeito de polticas sociais, deu-se por sua influncia demogrfica, por sua dinmica de

modernizao nas sociedades latino-americanas e por suas realidades de excluso e

marginalizao (carter de crise).

O carter de crise o impulsionador da ao e reao do Estado capitalista, que tem

como funo a acumulao do capital e a manuteno do poder hegemnico, que intimidado

pelas demandas e conflitos, neste caso ameaado pela excluso dos jovens, pelo no

cumprimento de seus direitos sociais bsicos, como moradia, sade, educao e emprego,

torna-se propulsor de tenso entre a classe dominante e as massas. Este carter de crise

impulsiona o Estado a formular solues capazes de atender s demandas e conflitos

estabelecidos pelas relaes capitalistas entre dominantes e dominados.

A questo juvenil na agenda pblica est relacionada, em maior grau, segundo Bango

(2003), com a visibilidade desse segmento no processo de redemocratizao ocorrido na

34

America Latina no final da dcada de 1980. Nessa abertura democrtica, os jovens foram os

principais protagonistas. Essa participao se deu com base em movimentos estudantis,

partidos polticos e movimentos sociais, nos quais os jovens desempenharam importante papel

em prol do retorno da democracia.

Outro fator impulsionador da entrada da juventude na agenda governamental foi a

designao, no ano de 1985, por parte das Naes Unidas, como o Ano Internacional da

Juventude. Esse fato contribuiu para que o tema ganhasse importncia para os organismos

internacionais e para os Estados Nacionais.

Nesse contexto, foram observadas algumas tendncias ou enfoques que tm

fundamentado a implementao de polticas pblicas de juventude no continente latino-

americano, a saber: a) incorporao dos jovens nos processos de modernizao; b) o enfoque

do controle social; c) o enfoque do jovem problema; d) o enfoque dos jovens como capital

humano (BANGO, 2003).

O enfoque da incorporao dos jovens nos processos de modernizao situada

temporalmente na dcada de 1950 pode ser caracterizado como a busca da incorporao dos

jovens nos processos de modernizao por meio das polticas educativas. Contudo, com o

passar do tempo, as possibilidades de mobilidade social por meio da educao foram caindo,

oportunizando explicitamente as maiores ofertas educacionais para os jovens das camadas

mdia e alta. Vale ressaltar que a essncia desse enfoque era a posio de um Estado como

instncia de definio unilateral e como ator excludente na formulao e implementao da

poltica (BANGO, 2003, p. 42).

Simultaneamente, continuava existindo um enorme contingente de jovens excludos,

que permaneciam longe desses tipos de aes, mas que eram atingidos por outros tipos de

medidas de controle social, posto que eram enquadrados como pobres com delinquncia,

donde surge a clebre caracterizao de infanto-juvenil ou de menores infratores (BANGO,

2003).

O enfoque de controle social situado no perodo de instalao das ditaduras militares

na maioria dos pases latino-americanos, compreendo os anos de 1960 a 1970. Segundo

Bango (2003), com a crescente incorporao dos jovens ao sistema educacional, em especial

no ensino mdio e superior, houve uma mobilizao estudantil organizada, que, no caso da

Amrica Latina, se associou a outras mobilizaes populares, especialmente s

protagonizadas pelas foras sindicais que comearam a influir na formao de agrupamentos

polticos de esquerda e de movimentos guerrilheiros.

35

Segundo Bango (2003, p. 43), pode-se observar nesse perodo uma tendncia

execuo de aes de controle como resposta mobilizao dos setores juvenis que haviam

adquirido uma maior participao social. Ento, o enfoque dominante foi o controle da

mobilizao, sua supresso e repreenso.

Na fase de transio democrtica, que pode situar-se na dcada de 1980, os governos

em processo de redemocratizao que comearam a reinstalar-se em meados dessa mesma

dcada tiveram que enfrentar desafios na transio poltica, juntamente com a necessidade de

dar conta da enorme quantidade de demandas sociais que haviam sido postergadas. Nesse

perodo, haviam cessado os conflitos armados entre os exrcitos e os movimentos

guerrilheiros, formado, na sua maioria, por jovens que ficaram numa situao de

vulnerabilidade social.

Nesse contexto, de enfoque das polticas sociais como forma de compensar os notrios

problemas causados pelos programas de ajuste, puseram-se em prtica diversos programas de

combate pobreza, baseados na transferncia de recursos aos mais empobrecidos. Tais

polticas ficaram conhecidas como de compensao social. Segundo Bango (2003), embora

nenhum desses programas seja reconhecido como programa juvenil, grande parte dos

beneficirios era formada por jovens. A aplicao desse enfoque do jovem como problema

contribuiu enormemente para o estigma que at hoje ronda o imaginrio social.

Novaes (2009) aponta que a dcada de 1980 foi marcada pelo incio da recesso e da

expanso da pobreza no Brasil e Amrica latina. Nesse mbito, os governos adotaram

polticas compensatrias de transferncia de renda para os mais empobrecidos por meio de

programas alimentares e empregos temporrios. Com esse objetivo, surgiram vrios

programas e projetos sociais financiados, em sua grande maioria por organismos

internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Esses programas e projetos, mesmo que no tenham sido especificados como

programas juvenis, visavam capacitao ocupacional e insero produtiva, com nfase no

empreendedorismo juvenil. Ao mesmo tempo, procurava-se conter a violncia e garantir a sua

ressocializao por meio de projetos especficos para a preveno de delitos. O pblico-alvo

desses projetos era os jovens em situao de risco. As atividades culturais, nesse caso, foram

consideradas uma importante via de conteno da violncia juvenil. Entretanto, para enfrentar

a pobreza da sociedade, o remdio parecia estar nas chamadas polticas focalizadas. Para

alvio imediato da pobreza, as polticas passaram a focalizar as crianas e suas famlias

(NOVAES, 2009, p. 16).

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Mais recentemente, j na dcada de 1990, parece comear um novo modelo de

polticas juvenis, mais preocupado com a incorporao dos jovens excludos no mercado de

trabalho (BANGO, 2003, p. 44), pois, na sociedade do conhecimento, a busca pelo

crescimento econmico, e consequente formao dos recursos humanos, passa a ser

prioridade. Soma-se a isto a viso de que os jovens renem o potencial para aprender a

aprender, o que, na viso de Bango (2003, p. 45), quer dizer ento [que] as polticas de

capacitao de jovens passam a ocupar um lugar de grande destaque na agenda. Nesse

enfoque de polticas sociais, os jovens so vistos como capital humano que contribui para o

processo de crescimento econmico.

Porm, no Brasil, a dcada de 1990 foi marcada por polticas sociais no focalizadas

ao segmento juvenil, mas que atendia esta parcela da populao de forma aleatria, por

intermdio de programas e aes realizadas por diversas instituies do aparelho pblico, com

orientaes sobre sade e suas expresses no segmento juvenil (AIDS, gravidez precoce e uso

de substncias psicoativas lcitas e ilcitas), sem possuir, necessariamente, o foco nas

demandas dos jovens destinatrios destas aes.

Em meados dos anos de 1990, especialmente a partir de 1997, com o assassinato do

ndio Galdino7 por jovens de classe mdia e com o crescimento de homicdios de jovens,

alguns programas foram empreendidos pelo Ministrio da Justia, destinados aos jovens

pobres das periferias das grandes cidades. No final dos anos de 1990, o desemprego era

reconhecido como um problema de excluso social e apareceu um novo tipo de ao, os

programas de incluso.

Assim, o incipiente campo das polticas juvenis foi, at o incio de 2000, executado

sob a forma de transferncias de recursos ao executivo municipal e estadual, e apresentou a

falta de uma proposta clara do governo federal, alm de demonstrar a ausncia de canais de

comunicao e dilogo com a populao juvenil. Tais caractersticas demonstram que as

polticas pblicas de juventude foram muito mais voltadas para alguns grupos dentre os

jovens, sem constituir qualquer forma de interao com esses na sua formulao, cuja

concepo de juventude, norteadora das aes, era de jovem como problema social

(SPOSITO, 2003).

7 Galdino, por ocasio das comemoraes do Dia do ndio, em 1997, fora a Braslia juntamente com outras sete

lideranas indgenas, para levar suas reivindicaes acerca da recuperao da Terra Indgena Caramuru-

Paraguau, em conflito fundirio com fazendeiros. Como chegou tarde das reunies, no pde entrar na penso

onde estava hospedado e resolveu dormir num abrigo de ponto de nibus na Quadra 704 Sul. Na madrugada de

20 de abril de 1997, cinco jovens de classe mdia de Braslia atearam fogo em Galdino enquanto ele dormia.

Galdino morreu horas depois em consequncia das queimaduras. O crime causou protestos em todo o pas.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Terra_ind%C3%ADgena_Caramuru-Paragua%C3%A7uhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Terra_ind%C3%ADgena_Caramuru-Paragua%C3%A7u

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Dessa maneira, no final do sculo XX, a juventude, como segmento etrio especfico

caracterizado pela sua transitoriedade, ainda estava sem visibilidade no mbito das polticas

pblicas, sejam as de proteo social ou as de transferncia de renda. Assim, reinsero

escolar e capacitao para trabalho eram vistos como antdotos violncia e fragmentao

social, e no como direitos dos jovens (NOVAES, 2009, p. 16).

Contudo, segundo Novaes (2009), iniciado o novo milnio, em tempo de mundo

globalizado, surgiram condies favorveis emergncia de um novo paradigma para

conceber a juventude. Para tanto, o ponto de partida foi o reconhecimento de marcas

geracionais comuns que aproximam as juventudes de um mesmo pas s de diferentes pases,

apesar de suas desigualdades e diferenas.

No mbito mundial, a atual gerao que experimenta, justamente por serem jovens,

as novas maneiras de estar no mundo, com as novas tecnologias, o acesso, mesmo que

desigual, internet, ao celular etc. Assim como outros segmentos, tambm, o segmento

juvenil que experimenta as transformaes no mundo do trabalho, transformaes

proporcionadas pelas mudanas tecnolgicas e que acarretam riscos ambientais que ameaam

a humanidade.

Os efeitos das polticas neoliberais nos pases da Amrica Latina expem os jovens,

diretamente, a riscos em decorrncia da perversa combinao entre o aumento do trfico de

drogas e a violncia gerada por esse, alm da corrupo, da intensificao do comrcio de

armas e da violncia policial. Enfim, com base na conjugao de fatores globais e locais se

constitui a questo juvenil do sculo XXI. Segundo Novaes (2009, p. 17), desigualdades e

inseguranas atingem particularmente os jovens desta gerao, gerando problemas,

necessidades e demandas.

Como sabemos, historicamente o movimento estudantil e os jovens sindicalistas e

militantes de partidos polticos tinham o monoplio da representao juvenil no que diz

respeito vocalizao das necessidades e demandas da juventude. Contudo, nesse novo

milnio, esses grupos tm que conviver com um conjunto de redes e movimentos juvenis que

tambm comeam a lutar por um papel ativo junto s instituies de representao do poder

pblico, a fim de requererem espaos de lutas para expressarem suas demandas. Dentre esses

grupos, destacamos os chamados grupos culturais de jovens urbanos que, por meio de ritmos,

gestos, rituais e palavras, tm encontrado formas inovadoras de incidir no espao pblico.

Segundo Novaes (2009, p. 17), esses grupos culturais, por intermdio de textos

literrios, letras de rap, apresentaes teatrais, dana etc., buscam visibilidade pblica,

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funcionam como articuladores de identidades e tornam-se referncia na elaborao de projetos

individuais e coletivos, sobretudo em reas pobres e violentas.

A esses grupos, juntam-se os grupos de jovens do gnero feminino, os de jovens

negros e negras, os de afirmao da diversidade de orientao sexual, os de jovens indgenas e

os de jovens com deficincia, que mesmo sendo numericamente menores, introduzem suas

especficas reivindicaes nos espaos de luta e demandas por polticas pblicas de juventude.

Para Novaes (2009, p. 18, grifo do autor), exibir o grau de diversidade juvenil tornou-se uma

moeda de grande eficcia para a legitimao dos espaos socialmente definidos como de

juventudes, tais como redes, fruns e conselhos locais ou nacionais.

Essa diversidade juvenil desafia os diferentes atores pblicos governamentais e a

sociedade civil para alm do reconhecimento da diversidade que, com influncias mtuas de

cima para baixo e de baixo para cima, necessitam direcionar tais demandas para os poderes

pblicos, para o Estado. E esse direcionamento, necessariamente, amplia a agenda e os

embates, e esses, no espao pblico, favorecem a generalizao da expresso: jovens como

sujeitos de direitos. H, assim, uma ampliao dos direitos de cidadania.

Para Novaes (2009, p. 18), no existe um consenso em relao definio terica da

expresso jovens como sujeitos de direito. No entanto, cunhada na ltima dcada, esta

expresso imprecisa, como todo recurso retrico evidencia com nitidez uma rea de

interseo na qual se conjugam direitos de cidadania e direitos humanos.

Nesse sentido, Novaes (2009) aponta que quando se fala em polticas pblicas de

juventude preciso considerar que

[...] os problemas e as demandas relacionam-se tanto com questes (re)

distributivas mais gerais da sociedade excludente quanto com questes de

reconhecimento e valorizao de sua diversidade e, ainda, evocam a

dimenso participativa, de grande importncia na fase da vida em que se

passa da infncia para a vida adulta e se busca emancipao. (NOVAES,

2009, p. 19).

Assim, levando-se em conta os direitos e redes de proteo vigentes e considerando as

novas demandas juvenis, Novaes (2009) classifica as polticas pblicas de juventude como:

1. Universais aqui estariam as polticas setoriais dirigidas a toda a

populao, inclusive os jovens. Via de regra, consideradas estruturais,

implicam sistemas duradouros e instituies pblicas dotadas de oramento.

2. Atrativas seriam aquelas que no so dirigidas apenas aos jovens, mas

tm especial incidncia sobre eles: seja por afinidade com a natureza da

poltica, seja porque lhes abrem oportunidades especficas. No geral, podem

ter um carter emergencial ou experimental, ou combinar as duas dimenses.

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3. Exclusivas seriam aquelas voltadas apenas para uma faixa etria

predefinida entre 15 e 29 anos. Via de regra constituem-se em programas e

aes emergenciais para jovens excludos ou em situaes de excluso

desfavorvel. (NOVAES, 2009, p. 19-20).

Em sntese, no que se refere aos novos desafios para a elaborao das polticas

pblicas de juventude, atuais, eles residem primeiro na construo de uma unidade de

pensamento sobre a concepo de juventude, diferenciando condio juvenil de situao

juvenil; e segundo, na orientao dos mandatrios e tcnicos dos diferentes organismos

governamentais por um mesmo objetivo, para formular e implantar polticas voltadas para

esse segmento etrio.

Desse modo, alguns desafios so apontados por Bango (2003) para a constituio das

polticas de juventude, so eles:

Primeiro, ao usar os jovens como tema, deve-se ter em mente que se est

efetuando um recorte analtico, portanto, importante pensar a juventude

como uma categoria relacional; esta primeira questo liga-se a uma segunda

preveno, que no se olhar a juventude desde um ponto de vista relacional

e terceiro corre-se o risco de confundir as polticas de juventude com a

institucionalizao da juventude, ficando as polticas de juventude fora do

contexto ou ilhadas em relao s polticas sociais. (BANGO, 2003, p. 48).

Para tanto, necessrio encarar a juventude como um segmento social que tem

demandas especficas, desejos, que experimenta e que tem muito a contribuir com a

transformao da sociedade, isso significa desconstruir, tambm, no imaginrio social, a

concepo de jovem-problema.

Sposito (2003) apresenta como a mais recorrente a concepo de juventudes, no

plural, em virtude da diversidade de situaes existenciais que afetam esse segmento.

Apresenta, tambm, a diferena entre condio juvenil (modo como uma sociedade constitui e

significa esse ciclo de vida) e situao juvenil (que representa os diferentes percursos

experimentados pela condio juvenil). Salienta-se que, no entanto, ainda consta no

imaginrio social a concepo de juventude como problema social, e que essa orientao

dominante alicera, ainda, as prticas polticas.

Para Abramo (1997) inegvel que, de modo geral, os jovens na sociedade brasileira

ainda so tematizados como problemas sociais os problemas da violncia, do consumo de

drogas e do desemprego aparecem como focos privilegiados nessas imagens (ABRAMO,

1997, p. 62).

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Embora seja possvel considerar que as orientaes e imagens socialmente construdas

sobre a juventude refletem relaes de poder e tendem a negar a diversidade de situaes,

segundo Sposito (2003) trata-se de um campo de disputa, no s em torno das modalidades de

aes, mas, em torno dos significados atribudos condio juvenil.

As imagens socialmente construdas sobre os jovens, assim como suas demandas,

constam como temas conflitivos na arena de elaborao e implementao das polticas

pblicas juvenis. Por isso faz-se necessrio que a juventude se institucionalize e confira a tais

polticas suas demandas e convices. A seguir, trataremos da institucionalizao das polticas

pblicas de juventude no Brasil.

2.2 A INSTITUCIONALIDADE DAS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE

No Brasil, na dcada de 1990, ocorreram transformaes significativas no pas,

sobretudo em virtude da poltica neoliberal. Nesse momento, a preocupao com a juventude

tornou-se uma questo social, no somente pelo seu quantitativo populacional, mas, acima de

tudo, por ser um segmento estratgico para o desenvolvimento, considerando-se a juventude

uma nova sociedade ps-industrial, que tem no conhecimento o princpio ativo para seu

desenvolvimento. Essas mudanas impactam no mercado de trabalho. Nesse novo contexto, o

jovem considerado como sujeito de direitos, entra na agenda poltica governamental e passa

a ser visto como representao de uma parcela da populao vulnervel ao desemprego, s

desigualdades e violncia social. Para Ferreira e Pochmann (2011, p. 248), esta condio

de vulnerabilidade acentuou a necessidade de formulao de polticas pblicas que

atendessem diversidade desse segmento.

Em face dessa questo,

A partir de 2004, inicia-se no Brasil um amplo processo de dilogo entre

governo e movimentos sociais sobre a necessidade de instaurar uma poltica

de juventude no pas. O desafio era de pensar polticas que, por um lado,

visassem garantia de cobertura em relao s diversas situaes e de

vulnerabilidade e risco social apresentadas para os jovens e, por outro,

buscassem oferecer oportunidades de experimentao e insero social

mltiplas, que favorecessem a integrao dos jovens nas vrias esferas

sociais. (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 49).

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Iniciativas importantes aconteceram nesse novo contexto, como a criao do Grupo