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Tatiane Priscilla Caires RELAÇÃO ENTRE MEIO AFETIVO FAMILIAR E AMBIENTE ESCOLAR: ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE CAMPINAS Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL Americana São Paulo 2014

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Tatiane Priscilla Caires

RELAÇÃO ENTRE MEIO AFETIVO FAMILIAR E AMBIENTE ESCOLAR:

ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

INFANTIL DE CAMPINAS

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

Americana – São Paulo

2014

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Tatiane Priscilla Caires

RELAÇÃO ENTRE MEIO AFETIVO FAMILIAR E AMBIENTE ESCOLAR:

ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

INFANTIL DE CAMPINAS

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

Americana – São Paulo

2014

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito

para obtenção do título de Mestre em Educação à

Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano.

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Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB-8/9319 UNISAL: Unidade de Ensino de Americana

C137r Caires, Tatiane Priscilla.

Relação entre meio afetivo familiar e ambiente escolar: estudo realizado em uma escola municipal de educação infantil de Campinas./ Tatiane Priscilla Caires. – Americana: UNISAL, 2014.

160f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro

Universitário Salesiano - UNISAL – SP Orientador (a): Profª. Drª. Norma Sílvia Trindade de

Lima Inclui Bibliografia. Inclui Bibliografia.

1. Família. 2. Criança. 3. Afetividade. 4. Ambiente escolar I. Título. II. Autor

CDD 370.1534

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Tatiane Priscilla Caires

RELAÇÃO ENTRE MEIO AFETIVO FAMILIAR E AMBIENTE ESCOLAR:

ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

INFANTIL DE CAMPINAS

Dissertação de Mestrado em Educação defendida e aprovada em 19/02/14 pela

Comissão Julgadora:

___________________________________________________

Membro Externo: Prof.ª Dr.ª Elisabete Monteiro – UNISAL

___________________________________________________

Membro Interno: Prof.ª Dr.ª Renata Sieiro Fernandes – UNISAL

___________________________________________________

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Norma Sílvia Trindade de Lima – UNISAL

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

Americana – São Paulo

2014

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito

para obtenção do título de Mestre em Educação à

Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano.

Linha de Pesquisa: A intervenção educativa

sociocomunitária - linguagem, intersubjetividade e

práxis.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe Maria Aparecida Fioretti Caires (in Memorian), pelo

amor eterno, pelo incentivo desde cedo ao estudo, e, sobretudo, pelas palavras que

constantemente me soam à memória e continuam a me constituir. Agradeço a você, mãe

querida, pela oportunidade de concretizar esta etapa e realizar mais um dentre tantos

outros sonhos.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial à minha mãe, Maria Aparecida Fioretti Caires (in

memoriam), e ao meu pai Edson Roberto Caires, pelo incentivo constante, e pelas

palavras, que subjetivamente, tornaram-me a pessoa que hoje sou.

Ao meu esposo e companheiro Fábio Afaz Bulgareli, pelo encorajamento e

compreensão nas horas difíceis.

Aos meus amigos e familiares, em especial, à minha avó Dayse Cria Fioretti, por

estar sempre presente e pelo interesse em minhas atividades.

À professora doutora Norma Silvia Trindade de Lima pela delicadeza de sua

orientação e por me fazer perceber outras vertentes no decorrer do trabalho.

Às professoras doutoras Elisabete Monteiro e Renata Sieiro Fernandes pelas

palavras que me propiciaram abrir novas possibilidades dentro da pesquisa.

Ao Centro de Educação Infantil, aqui estudado, pelo despertar de tantas

curiosidades e pela abertura durante todo o desenvolvimento da pesquisa.

À prefeitura de Campinas que me autorizou a realizar este trabalho.

Às crianças, aos familiares e às professoras que se dispuseram a participar.

Em especial, às professoras Eliana Signoreli e Maria Teresa Batistelli pela

parceria e ajuda.

Ao SESI pelo apoio, interesse e concessão da bolsa parcial de estudos.

Ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo e à Universidade Estadual de

Campinas, pelos materiais disponíveis, e, sobretudo, pelo conhecimento adquirido.

A todos os envolvidos, que de uma forma ou de outra, fizeram-me aprimorar

novos saberes, repensar e concluir que educar é dar sentido à vida.

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A educação é um processo social, é desenvolvimento.

Não é a preparação para a vida, é a própria vida.

John Dewey

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Resumo

Esta pesquisa busca problematizar a relação entre meio afetivo familiar e ambiente

escolar de crianças na faixa etária de três a seis anos de idade, matriculadas em uma

escola municipal de educação infantil de Campinas, bem como identificar os regimes de

verdades proeminentes nos espaços escolares e familiares dos participantes. O trabalho

se inicia com um estudo exploratório feito a partir de queixas recorrentes de professoras

sobre o comportamento de determinadas crianças. Num primeiro momento, foram feitas

entrevistas com as professoras e familiares, além da observação do comportamento das

crianças no cotidiano escolar e buscou-se analisar as produções artísticas, com base nas

técnicas psicopedagógicas propostas por Chamat (2004). O estudo bibliográfico pautou-

se em Vigotsky, Piaget e Wallon. Todavia, a partir dos dados coletados o trabalho é

reconduzido tanto em referencial metodológico quanto teórico, com o propósito de

ampliar as possibilidades de análise e reflexão e dar visibilidade às concepções infantis

sobre a família nas quais as crianças da referida escola se inserem. A pesquisa foi,

então, deslocada para um estudo de caso, em âmbito escolar, a partir da proposição do

desenho comentado e da brincadeira de faz de conta. Os dados obtidos nessa etapa

foram ancorados, sobretudo, à luz das concepções foucaultianas. Constatou-se que,

nesta realidade escolar, o modelo de educação infantil mostra-se desvinculado das

asserções infantis e carente de articulações construtivas com a família. Nesse entorno,

há a veiculação de práticas discursivas sobrecarregadas por estereótipos acerca da

criança e seu meio, que se evidenciam através dos diferentes modos de subjetivação

existentes nas ações escolares. O presente trabalho aponta para a necessidade de

mudanças na globalidade da instituição escolar analisada, tendo início pela

reflexibilidade sobre a prática pedagógica e reconhecimento da singularidade de cada

criança.

Palavras-chaves: família - criança - afetividade - ambiente escolar

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Abstract

This research aims to analyze the relation between affective family environment and

school environment for children aged between three and six years old, enrolled in a

Campinas public preschool, and identify the regimes of prominent truths in school and

participants family. The work begins with an exploratory study from teachers recurring

complaints about of some children's behavior. At first, interviews with teachers and

family occur, the behavior of children in daily school was observed and we seek to

analyze the artistic productions based on psycho-pedagogical techniques proposed by

Chamat (2004). Here, the bibliographical study is guided by Vygotsky, Piaget and

Wallon. However, the data collected from the survey is renewed if both methodological

and theoretical referential in order to expand the possibilities of analysis and reflection

and give visibility to children's conceptions about the family in which the children of

this school are located. The work is then shifted to a case study in the school

environment, by proposing drawing and commented game of make-believe. The data

obtained in this step are anchored, particularly in Foucauldian concepts. It appears that

this school reality, the model of early childhood education is shown detached from the

infant and assertions devoid of constructive links with the family. In this environment,

there is the placement of discursive practices burdened by stereotypes about the child

and his environment, which is evident through the different modes of subjectivity in the

existing school actions. This work points to the need for changes in the whole of this

educational institution, starting by reflectivity on pedagogical practice and recognition

of the uniqueness of each child.

Key-words: family - child - affectivity - school environment

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................12

CAPÍTULO I - O CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E A SINGULARIDADE DE

SEUS SUJEITOS............................................................................................................18

1.1 Problema de Pesquisa....................................................................................18

1.2 Campo de Pesquisa........................................................................................19

1.3 Estudo Exploratório.......................................................................................24

1.3.1 As entrevistas com as professoras e com os responsáveis e o

desenho da figura humana .......................................................................28

1.3.1.1 Entrevista com a professora E.R......................................31

1.3.1.1.1 Caso A: criança J.B.L.S.....................................32

1.3.1.1.2 Caso B: criança P.M.S.......................................36

1.4 Estudo de Caso...............................................................................................38

1.4.1 Descrição do desenho comentado e a brincadeira de faz de

conta.........................................................................................................43

1.4.1.1 O desenho comentado......................................................44

1.4.1.1.1 Caso A: B.M.H.F...............................................44

1.4.1.1.2 Caso B: P.E.S.R.................................................46

1.4.1.1.3 Caso C: G.N.M..................................................47

1.4.1.1.4 Caso D: R.G.R.S................................................48

1.4.1.1.5 Caso E: J.F.C.....................................................49

1.4.1.1.6 Caso F: J.B.L.S..................................................50

1.4.1.1.7 Caso G: P.M.S...................................................51

1.4.1.2 Brincadeira de faz de conta..............................................52

1.4.1.2.1 Primeiro dia ......................................................52

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1.4.1.2.2 Segundo dia ......................................................54

1.4.1.2.3 Terceiro dia........................................................56

CAPÍTULO II - RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA: UM LEVANTAMENTO

BIBLIOGRÁFICO..........................................................................................................59

2.1 Afetividade, meio social e desenvolvimento humano...................................59

CAPÍTULO III - ENTRE AFETO E INTELIGÊNCIA: O EU E O

OUTRO...........................................................................................................................70

3.1 A criança em interação..................................................................................70

3.2 A infância no decorrer do processo histórico................................................75

3.3 As relações entre família e escola..................................................................78

3.4 O papel da escola durante o desenvolvimento infantil ................................81

3.5 O sujeito na sociedade capitalista e os modos de

subjetivação.........................................................................................................84

3.6 A educação infantil e suas especificidades ..................................................94

3.7 A educação infantil em Reggio Emília ......................................................100

3.8 A importância da interpretação dos sinais emocionais transmitidos pelas

crianças..............................................................................................................105

3.9 A representação simbólica por meio do desenho e da brincadeira.............108

CAPÍTULO IV - DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS.......................................112

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................134

ANEXOS ......................................................................................................................139

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RELAÇÃO ENTRE MEIO AFETIVO FAMILIAR E AMBIENTE ESCOLAR:

ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

INFANTIL DE CAMPINAS

INTRODUÇÃO

A trajetória deste trabalho se inicia em dois mil e dez, momento em que assumi

o cargo de professora em um Centro Municipal de Educação Infantil, localizado na

cidade de Campinas. Logo que ingressei nesta escola, deparei-me com uma situação que

chamou muito a minha atenção: a preocupação das professoras com relação a algumas

crianças de suas turmas.

Primeiramente, as docentes mencionavam que, ao propor atividades, como, por

exemplo, um desenho, determinadas crianças rabiscavam a folha de papel e entregavam

com rapidez, dizendo que não sabiam fazer ou que já haviam terminado. Em outros

momentos, como, em uma roda de conversa, muitas se dispersavam, e ao invés de

atentarem para o que estava ocorrendo naquele momento, começavam a brincar com os

colegas do lado, ou então, com objetos que lhes estavam próximos.

Tais crianças, ou por não se interessarem pelo rol de atividades propiciado ao

grupo, ou por se mostrarem mais agitadas e inquietas que as demais, tornavam-se

motivo de grande preocupação, no que se refere ao seu próprio desenvolvimento, e ao

dos colegas que estavam sendo, de alguma forma, “atrapalhados” por eles. O grupo

docente, então, por meio de conversas constantes, era levado a acreditar que, de fato,

aquilo era uma situação prejudicial, e isso, aos poucos se tornara uma verdade absoluta

e praticamente imutável. Como um meio alternativo, certas vezes, buscava-se verificar

junto aos pais o que estava acontecendo.

As famílias eram assim convidadas a participar, não do contexto educativo em

si, mas de reuniões para contar e ouvir acerca do comportamento dessas crianças.

Muitas delas, ao longo destes anos, expuseram suas intimidades, pois enxergaram na

figura do professor, alguém a quem poderiam confiar seus segredos, principalmente, em

benefício de seus filhos.

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Outras vezes, as próprias crianças revelavam suas intimidades familiares. E

muitas delas, contavam o que sabiam, viam e vivenciavam. Além disso, acabavam

dizendo à suas professoras que os pais estavam desempregados, separados, ou mesmo,

que faziam uso de drogas, dentre tantas outras situações.

Todos esses relatos pareciam vir exatamente na direção da resposta que se

mostrava, até então, evidente: “o comportamento inadequado está relacionado à

problemática do contexto afetivo familiar”; e, é claro, se atribuiu esse tempo todo, a

culpa pelo suposto fracasso da prática pedagógica desta escola de educação infantil à

“família desestruturada” de algumas “crianças inquietas”.

As professoras também buscavam uma relação entre a dificuldade em

conduzirem as atividades durante as aulas ao fato de as turmas serem organizadas em

agrupamentos, ou seja, contarem com crianças de idades muito distintas. Isso se

configurava como um indicador, no qual a ação pedagógica parecia se tornar incoerente,

pois era incapaz de contemplar a diversidade ali existente. Para elas, as crianças de três

anos, possuíam interesses diferentes daquelas que já estavam com quase seis anos

completos. Por causa disso, todos os dias, indagavam-se: como trabalhar os conteúdos

formais com as crianças maiores? E como assistir e atender às necessidades das

menores?

Diante da situação mencionada, o grupo docente colocava, com frequência,

desmotivação em tentar propor atividades interessantes às suas crianças e isso, traduzia-

se em um sentimento crescente de frustração com relação à própria conduta

profissional. Desta forma, o ambiente de trabalho ao invés de ser agradável e acolhedor,

parecia se tornar cada dia mais inóspito.

Ora, os agrupamentos III da educação infantil da rede municipal de Campinas

não são organizados de acordo com a aproximação das idades, como acontecia

antigamente, em classes isoladas, de maternal, infantil e pré. Hoje, as turmas são

compostas nos agrupamentos III, em específico, por crianças da faixa etária dos três aos

seis anos incompletos, o que é justificado pelas concepções interacionistas que apontam

para a importância da interação entre crianças com níveis diferentes de maturação. De

fato, não é incomum ver os pequenos interagindo e aprendendo com os maiores, e vice-

versa.

Ademais, não há como organizar um trabalho que englobe toda a diversidade em

uma única atividade, visto que o ponto de partida são as crianças, e que, cada qual, com

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suas particularidades, vai se mostrar interessada por determinada ação dentro do espaço

pedagógico, independentemente da faixa etária atendida.

Nesse contexto surgem vários questionamentos, dentre os quais: Será que o

comportamento da criança está diretamente relacionado ao contexto familiar em que ela

vive? Será que, realmente há uma situação problemática no que se refere à disposição

das crianças em agrupamentos? A conduta pedagógica é capaz de englobar e respeitar

os interesses e a singularidade de cada uma delas?

A partir dessas indagações iniciamos a escrita de um projeto de pesquisa, com a

intenção de problematizar, e, principalmente, de poder, de alguma forma, contribuir

para a melhoria da realidade escolar mencionada. Essa busca incessante por respostas

culminou na pesquisa em questão. Trata-se de uma investigação de abordagem

qualitativa que se debruça sobre um tema de grande relevância nos dias atuais: o

contexto pedagógico e sócio afetivo de crianças, no âmbito da educação infantil.

Nosso trabalho buscou, sobretudo, compreender a relação entre o meio familiar e

o ambiente escolar, na educação infantil de crianças de três a seis anos, matriculadas em

uma escola da prefeitura de Campinas. Teve como objetivos principais: problematizar a

relação existente entre esses espaços, e identificar os regimes de verdade proeminentes

nos ambientes familiares e escolares das crianças participantes. Os propósitos

específicos foram: detectar as principais queixas escolares por meio de entrevistas com

as professoras; observar o comportamento da criança no cotidiano escolar; estabelecer

relações teóricas entre escola e meio afetivo familiar; questionar a relação afetiva da

criança com a família, por meio de conversas com os familiares e da descrição das

narrativas infantis, a partir do desenho comentado sobre a família e descrever, tanto os

desenhos produzidos pelas crianças, quanto à representação da dinâmica familiar

evidenciada durante a brincadeira de faz de conta.

O disparador deste estudo, certamente, foi o discurso das professoras, acometido

por queixas recorrentes acerca de determinadas crianças, com sinais sugestivos de um

processo educacional prematuro fadado ao fracasso. Essa constituição discursiva,

carregada, de ideais subjetivos foi o que nos instigou a realizar uma pesquisa que

pudesse contemplar a multiplicidade existente na díade escola de educação infantil e

família daquela comunidade escolar, buscando problematizar o porquê deste ambiente

se mostrar tão insatisfatório, segundo o relato das próprias professoras.

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A pesquisa se iniciou com um estudo exploratório que ocorreu no segundo

semestre de 2012 e contou com variados recursos, como, entrevistas com professoras e

familiares, aplicação dos desenhos da figura humana às crianças e observação do

comportamento das mesmas. A fundamentação teórica, nesta primeira parte da

pesquisa, buscou inter-relacionar as questões sócio-afetivas das crianças participantes e

pautou-se em teorias de autores da área da Psicologia como: Vigotsky, Piaget e Wallon.

Contudo, a partir dos dados levantados nesta etapa do trabalho, sentiu-se a

necessidade de ampliar os elementos de análise, de forma a dar visibilidade, sobretudo,

ao pensamento das crianças. Para tanto, fez-se um estudo de caso, que ocorreu em

meados de 2013 e contemplou dois instrumentos importantes para a posterior análise

dos dados: o desenho comentado e a brincadeira de faz de conta. O referencial teórico, a

partir de então, deslocou-se da área da Psicologia para a de Filosofia, com embasamento

em Foucault e em outros autores que vão corroborar com o pensamento deste, como:

Veiga-Neto, Deleuze e Larrosa.

Cabe ressaltar que a pesquisa se subdividiu em dois momentos distintos. O

primeiro ocorreu a partir de um estudo exploratório, de cunho descritivo e pautado em

um referencial teórico Moderno (em especial com Wallon, Vigotsky e Piaget), o

segundo iniciou-se com um estudo de caso que metodologicamente centrou-se nas

concepções infantis sobre a família. Além disso, na tentativa de superar e criticar a

perspectiva prescritiva do estudo exploratório foi incluído como referencial teórico o

pensamento de Foucault, que nos encaminhou para uma análise pós-crítica sobre os

regimes de verdade que são veiculados cotidianamente pelos discursos e pela própria

prática pedagógica existente no interior da escola.

O primeiro capítulo do nosso trabalho aborda a trajetória realizada no decorrer

da pesquisa de campo, conta com uma breve descrição do objeto de pesquisa e com um

delineamento do que fora realizado durante o estudo exploratório. Traz em evidência

uma das entrevistas realizadas com as professoras, a descrição das conversas feitas com

os familiares de duas das crianças indicadas pela professora E.R., bem como dos

desenhos da figura humana realizados por elas. A partir disso, com o estudo de caso, a

pesquisa desloca-se da fala e das concepções do adulto com relação à criança para as

representações simbólicas da desta, com o desenho comentado e a brincadeira de faz de

conta. Nesse momento, há a exposição dos relatos orais sobre os desenhos de cada uma

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das sete crianças que se mostraram interessadas em participar das atividades, além da

narração das brincadeiras, nos três dias em que a propusemos.

O segundo capítulo apresenta a temática “relação família e escola” por meio de

uma problematização que busca retratar a realidade vivenciada, no ano letivo de 2011

por uma das crianças desta instituição escolar. Conta com um levantamento

bibliográfico realizado por meio da base de dados da CAPES acerca das produções

acadêmicas nacionais dos últimos cinco anos, nos níveis de Mestrado e Doutorado,

paralelamente à indicação de alguns referenciais teóricos, de acordo com o assunto

abordado. Através de palavras-chaves como afetividade, desempenho escolar, família e

educação infantil foi possível localizar um total de nove trabalhos que puderam trazer

contribuições para nossa pesquisa.

O terceiro capítulo contempla diversos assuntos que se revelaram importantes

para o desdobramento do nosso trabalho. Inicia-se a partir de um breve entendimento

sobre o desenvolvimento humano, numa relação sobre o tema. Além de permitir a

explanação do conceito de infância e suas transformações ao longo dos anos, tanto no

seio familiar quanto na escola. Relacionam-se a isso, as concepções foucaultianas, de

forma a buscar um entendimento sobre os processos de subjetivação existentes e, que,

cotidianamente, se disseminam no processo de interação, na família, e principalmente,

no interior escolar. Busca uma compreensão das especificidades da instituição de

educação infantil, fazendo um comparativo com as escolas italianas de Reggio Emília.

Coloca a importância da apreensão dos sinais emocionais transmitidos pelas crianças e,

enfim, traz a brincadeira de faz de conta e o desenho livre como meios lúdicos pelos

quais as crianças são capazes de se expressarem simbolicamente. Este capítulo se

respalda em linhas de pensamento de diversos autores, com início nos pressupostos da

área da Psicologia, com Wallon, Vigotsky e Piaget até culminar com a teoria filosófica

de Foucault.

O quarto capítulo centra-se na discussão e análise dos dados que foram

coletados, tanto no estudo exploratório, quanto no estudo de caso. Permite uma

explicação analítica e crítica, sobretudo a partir de Foucault, da realidade até então

investigada na escola de educação infantil aqui analisada. Com isso, encaminha-nos

para uma reflexão sobre possíveis melhorias dos problemas ali verificados.

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E, por último, as considerações finais são desmembradas de forma que nos

remetem a todas as etapas anteriores, realizadas no decorrer do estudo, e ainda as

relaciona com o propósito de elucidar as proposições até então levantadas.

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CAPÍTULO I

O CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E A SINGULARIDADE DE

SEUS SUJEITOS

1.1 Problema de Pesquisa

Os discursos veiculados cotidianamente pelas professoras da realidade escolar

deste estudo pressupõem que o ambiente familiar é uma referência social para a criança,

anterior à escola. Nesse entendimento, as experiências em família perpassam os portões

escolares, e, quando negativas, resultam em hábitos de comportamento capazes de

causar preocupação às professoras envolvidas, como veremos adiante em um breve

relato.

Mês de março, mais uma vez A.C. foi forçada pelo pai a adentrar a sala de aula.

Aos prantos, tentou, com agilidade, lançar ao ar tudo aquilo que a rodeava. Ao olhar

para a bancada, avistou várias garrafas de água e arremessou ao menos duas. Jogou para

cima uma cadeira que quase acertou em um colega que por ali passava. E, enfim ao

observar os computadores, tentou atirar um monitor de quinze polegadas no chão, mas

foi impedida pela professora, que, ao levar uma mordida na mão, precisou soltá-la.

Essa cena aconteceu de fato, na escola de educação infantil que estamos

estudando. A menina de quatro anos mostrava um comportamento agressivo e, com

frequência, chegava à instituição em crises como esta. Em conversas informais com a

família, evidenciou-se um conflito familiar, no qual a mãe, usuária de drogas, brigava

com o pai da criança e não permitia que ambos tivessem contato. A mãe alegou que o

pai abusava de bebidas alcoólicas, fumava e era agressivo e chegou a tentar proibir a

escola de entregar a criança ao pai, caso ele fosse buscá-la.

O tempo passa e eis que chegam os meados do ano letivo. O pai e a mãe

reconciliam-se, deixam um pouco as drogas de lado e começam a dar mais atenção a

essa criança. Eles passam, então, a alternar as idas à escola, ora o pai busca a filha, ora a

mãe e até mesmo os dois juntos começam a ir buscá-la. Agora, os olhos tristes e

melancólicos de A.C. deram lugar a um olhar de felicidade. As folhas de papel

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rabiscadas com cores escuras tornaram-se desenhos coloridos, ainda pequenos, mas

notáveis.

Com base em inúmeras situações parecidas com essa, e, clamando pela urgência

em refletir como estão as crianças desta comunidade escolar, é que suscitamos a

vontade pelo trabalho ao qual nos propusemos. Desta maneira, a nossa pesquisa buscou

problematizar a relação entre ambiente escolar e afetividade familiar por meio de um

estudo que agrega duas instituições complementares: a família e a escola, além de

identificar os regimes de verdade veiculados através do discurso do adulto que fala

sobre a criança.

No decorrer do estudo, muitas indagações foram levantadas dentre elas: Qual a

percepção das professoras sobre o assunto? E dos pais? E o que pensam as crianças

sobre a dinâmica familiar na qual estão inseridas? A busca por estas e outras tantas

respostas foi capaz de instigar ainda mais a investigação sobre esse assunto.

A partir de então, buscamos realizar um estudo com crianças na faixa etária

entre três e seis anos de idade, matriculadas no Centro de Educação Infantil da cidade de

Campinas em que efetuamos nossas experiências. Em linhas gerais, este estudo partiu

da investigação sobre a afetividade no âmbito familiar e sua relação com a pré-

disposição das crianças em participar das atividades durante o cotidiano escolar, o que

culminou com a busca pela identificação dos regimes de verdades veiculados tanto no

ambiente da família quanto no da escola das crianças participantes.

1.2 Campo de Pesquisa

Os dados obtidos no decorrer da pesquisa de campo foram ancorados na

abordagem qualitativa, que se mostrou fundamental, já que esta parte do pressuposto de

que cada vez mais precisamos de estratégias indutivas, buscar o novo e desenvolver

teorias empiricamente fundamentadas.

Para tanto, houve a necessidade de uma intensa comunicação entre pesquisador e

sujeitos participantes da pesquisa, de forma a produzir conhecimentos. “A subjetividade

do pesquisador, bem como daqueles que estão sendo estudados, torna-se parte do

processo de pesquisa” (FLICK, 2004, p. 25).

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As reflexões, os próprios sentimentos do pesquisador puderam se constituir

como parte da interpretação, uma vez que nosso trabalho enquadra-se na abordagem

qualitativa, está focado na análise de casos, em suas peculiaridades locais e temporais.

Não havia que se falar em interesse por representatividade numérica, mas em

compreender a realidade de um grupo social, em especial, das crianças de uma escola

municipal de educação infantil de Campinas.

A pesquisa de campo se iniciou no segundo semestre de 2012, com o estudo

exploratório, o qual foi utilizado como uma análise preliminar, uma vez que este tipo de

estudo visa a proporcionar maior conhecimento para o pesquisador acerca do assunto, a

fim de que este possa formular problemas mais precisos ou criar hipóteses a serem

pesquisadas posteriormente (GIL, 1999, p. 43).

A partir da metade de 2013, deu-se continuidade à pesquisa de campo por meio

do estudo de caso. Para Yin (2001), este é utilizado quando buscamos respostas, temos

pouco controle sobre os eventos e o foco se encontra em fenômenos contemporâneos

inseridos em algum contexto da vida real. Para o autor, a clara necessidade pelos

estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais mais complexos.

O campo de pesquisa se constituiu pelo Centro Municipal de Educação Infantil,

localizado na região sudoeste de Campinas, no qual eu era também professora. Logo

que ingressei na unidade, foi possível perceber a dificuldade por parte do grupo docente

em lidar com o comportamento de algumas crianças de suas turmas.

Para estas professoras, muitas crianças não se mostravam interessadas em

participar das tarefas que lhes eram propostas como: pintura (com guache, cola colorida,

giz de cera, lápis de cor), recorte e colagem (papéis e materiais diversos), “contação de

estórias”, conversas informais, dentre tantas outras que faziam parte do seu cotidiano

pedagógico. Além disso, ao invés delas se manterem atentas e participativas,

dispersavam-se e não conseguiam ter um aproveitamento satisfatório, de acordo com a

concepção das professoras, do que lhes estava sendo proposto. Os dias se passavam e as

mesmas continuavam constantemente se referindo negativamente às mesmas situações.

Assim, a partir de conversas informais com minhas colegas de trabalho, além

daquilo que era constantemente discutido nas reuniões com o grupo docente, é que se

suscitou a necessidade de reflexão sobre o que poderia estar acontecendo naquela

comunidade, e que porventura poderia estar ocorrendo também em tantos outros

espaços educacionais. O bairro no qual se situa a escola aqui estudada localiza-se na

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região sudoeste da cidade de Campinas e mostra-se hoje singelo, com casas simples de

alvenaria. Contudo, a participação da comunidade pela busca de melhorias é sempre

ativa e, ao longo dos anos, tem demonstrado resultados positivos.

De acordo com dados do Projeto Político Pedagógico da escola, referente ao

ano letivo de 2012, o bairro surgiu a partir da venda de terras do dono de uma cerâmica

para os seus funcionários nas décadas 1970. Estes acabaram revendendo seus lotes a

pessoas, de outras cidades e estados que construíram suas casas. Nessa época, o bairro

não dispunha nem mesmo de saneamento básico ou rede de esgoto. Com o intuito de

realizar melhorias para a população, surgiu a Sociedade Amigos do Bairro.

Com o passar dos anos, verificou-se a necessidade de um lugar adequado para

a educação das crianças e saúde da comunidade. Para isso, a Sociedade Amigos do

Bairro solicitou à prefeitura a construção de um posto de saúde e de uma escola de

educação infantil que pudessem atender às especificidades do local ainda emergente.

O Sr. Cândido, dono de uma fábrica de cerâmica, por sua vez, doou à prefeitura

um de seus terrenos, que dificilmente conseguiria vender, uma vez que por ele passava

um pequeno córrego. A escola foi ali construída e inaugurada no dia 26 de outubro de

1980, com a presença do então prefeito Francisco Amaral, além de várias autoridades,

funcionários contratados para trabalhar no local, bem como da comunidade.

O contingente escolar localiza-se no bairro Jardim Capivari, bem como em seu

entorno, como o Jardim Campos Elíseos, São João, Ouro Verde e Vida Nova.

Fachada da escola, que consta no Projeto Político Pedagógico do ano de 2012.

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Atualmente, o bairro conta com uma boa infraestrutura, a qual inclui: posto de

saúde, escolas, supermercados, igrejas, associação de moradores, quadra poli esportiva,

campo de futebol, parque infantil, bazar, lojas e farmácias.

O Centro de Educação Infantil que estudamos atende cerca de trezentas e vinte

e cinco crianças de quatro meses a cinco anos e onze meses, em períodos parcial e

integral, e, a cada dia, recebe novas solicitações de matrícula, sobretudo, por intermédio

de mandado judicial. Possui um total de nove salas de aula, nos agrupamentos I (de 3

meses a 1 ano e 5 meses), II ( de 1 ano e 6 meses a 2 anos e 11 meses) e III ( de 3 anos a

5 anos e 11 meses), distribuídas, conforme tabela:

Período Integral - 7:00 às 18:00 h

AGR. I A AGR.I B AGR. II A AGR. II B AGR. II C

Nºalunos Nºalunos Nºalunos Nºalunos Nºalunos

24 16 27 37 34

Período da manhã - 7:20 às 11:20 h

AGR. III A AGR. III B AGR. III C AGR. III D

Nºalunos Nºalunos Nºalunos Nºalunos

24 24 24 21

Período da tarde - 13:10 às 17:10 h

AGR. III E AGR. III F AGR. III G AGR. III H

Nºalunos Nºalunos Nºalunos Nºalunos

25 24 25 20

Tabela com o número de alunos em cada agrupamento, de acordo com Projeto Político Pedagógico do

ano de 2012.

O corpo docente compunha-se, neste período, de oito professoras efetivas que

atuavam nos agrupamentos III, parcial (quatro no período da manhã e quatro no da

tarde), cinco efetivas que atuavam nos agrupamentos I e II (no período da manhã), duas

professoras adjuntas, uma atuando em sala e outra na orientação pedagógica, além de

uma de educação especial que acompanhava a rotina das crianças com necessidades

educacionais especiais. Havia também duas docentes readaptadas trabalhando na

secretaria.

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Segundo dados do Projeto Político Pedagógico, o fazer pedagógico “parte do

contexto sociocultural, econômico e histórico das crianças que frequentam a creche”,

assim pressupõe-se que conhecer a comunidade permite a realização de um trabalho

capaz de contemplar as necessidades e características dessa população.

Em 2010, foi feito um levantamento por meio de questionário, no momento da

matrícula das crianças com o propósito de se aproximar da realidade familiar da

comunidade. Verificou-se que as famílias, em sua maioria, são migrantes de vários

estados do país que chegam a Campinas em busca de melhores condições as quais nem

sempre conseguem.

A renda familiar dos pais advém de trabalhos ligados as mais variadas

atividades, estes exercem, as seguintes profissões: operador de máquina, instrutor,

operador multifuncional, técnico de manutenção, autônomo, comerciante, mecânico,

motorista, vendedor, ajudante geral, consultor técnico, auxiliar administrativo,

manobrista, frentista, logística, moto boy, porteiro, etc.

Quanto ao trabalho exercido pelas mães, também há variação, uma grande

parcela dedica-se aos trabalhos no lar e o restante desenvolve atividades variadas, dentre

as quais predominam: vendedora, diarista, empregada doméstica, costureira, cozinheira,

auxiliar de limpeza, telefonista, babá, supervisora de atendimento, operadora de

telemarketing, etc.

As famílias possuem uma renda mensal que varia de um a oito salários

mínimos. “Muitas famílias não têm emprego fixo e outras estão desempregadas,

necessitando do Centro de Educação Infantil para garantir a integridade física, mental,

emocional e educacional das crianças” (dados do Projeto Político Pedagógico, p. 6).

O Projeto Político Pedagógico sugere que a maioria das famílias tem residência

própria e um estilo de vida comum, ou seja, trabalham, passeiam em parques,

shoppings, casa de familiares e igrejas. Contudo, cita que, por meio de um diálogo

informal, foi possível constatar que “algumas de nossas crianças sofrem de carência

afetiva e alimentar em suas casas, porém, quando começam a frequentar a escola

tornam-se mais fortalecidas, espertas e sociáveis”. (dados do Projeto Político

Pedagógico, p. 8).

Salientamos que a realidade aqui retratada é o que realmente notamos no

cotidiano vivenciado com as crianças e com a comunidade escolar.

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1.3 Estudo exploratório

O estudo exploratório ocorreu no decorrer do segundo semestre do ano letivo de

2012. Eu, nessa época, também era professora de educação infantil na escola analisada,

no período da tarde, e atuava diretamente tanto com o corpo docente quanto com a

comunidade escolar. Dessa forma, foi possível compor a delimitação dos sujeitos com

os quais possuía maior proximidade, conforme segue:

1. Professoras de educação infantil dos agrupamentos III, do período da tarde,

totalizando três docentes;

2. Amostra composta por dez crianças com idade entre três e seis anos, que

receberam queixas com relação à sua participação escolar por parte das

professoras;

3. Familiares e responsáveis pelas crianças participantes.

Durante as entrevistas com o grupo de professoras, foram relatadas queixas

sobre o comportamento de algumas crianças que, segundo elas, apresentavam atitudes

comportamentais inadequadas, eram inquietas e desatentas. A partir dessas indicações,

realizamos entrevistas com os familiares responsáveis por estas crianças; fizemos

observações sobre o comportamento destas, em âmbito escolar; e aplicamos a elas os

testes da figura humana e o desenho da família.

Ao término desse primeiro momento, notamos a prevalência de “ideais

tradicionais”, nos quais os adultos, principalmente os professores, estabelecem padrões

de normalidade, e, quando se depararam com determinadas crianças que possuem

características diferentes das consideradas padrão, dentro daquela estrutura

organizacional, buscam modificar suas atitudes comportamentais por meio da

disciplinarização1.

Isso, de determinada forma, reforça a visão convencional de poder que o adulto

exerce sobre a figura infantil, além de não abrir espaço para questionamentos, já que o

que se considera verdadeiro é o que está posto. Não se coloca uma reflexão sobre a

1 O conceito de disciplinarização aparece em Gore (1994), a partir das postulações de Foucault.

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prática pedagógica, a postura dos profissionais envolvidos, nem acerca da própria

organização do espaço e do tempo escolar da educação infantil. Ou seja, trata-se de um

viés reprodutivista, uma vez que reafirma valores dominantes, além de excludente, já

que exclui alguns enquanto seleciona outros.

As queixas constantes que se faziam presentes nos corredores escolares, por

parte das professoras em questão, pareciam estabelecer regimes de verdades2, nos quais

se evidenciavam tipos de discursos que soavam verdadeiros acerca de um padrão de

comportamento que para elas, era considerado adequado. Assim, criavam-se

estereótipos sobre determinadas crianças, ao ponto destas serem classificadas de acordo

com o comportamento, reforçando muitas vezes, as relações de poder, bem como o

caráter disciplinar, como um modelo pré-determinado dentro da instituição escolar.

Para Larrosa (1994), estereótipos comumente estão presentes nos discursos e se

referem àquilo que todos dizem ou sabem. Trata-se daquilo que é obvio, sobre o que

não há questionamento. Portanto é grande o seu poder, pelo convencimento e evidência

que possui. Cotidianamente, os estereótipos são criados, quando falamos ou julgamos; e

é nesse viés do discurso, que se estabelecem as mais variadas maneiras de subjetivação,

as mais diversificadas formas de poder.

Sob esse ponto de vista, Gore (1994), remete-nos à noção foucaultiana de poder,

o qual não é possuído, mas exercido por determinada pessoa. Na educação, ele pode ser

praticado não somente por professores, mas pelos estudantes, familiares,

administradores e pelo próprio governo. “Nesse sentido, Foucault chama a atenção para

a necessidade de reconsiderar alguns de nossos pressupostos sobre a escolarização e de

olhar de forma renovada e mais atenta para as ‘micropráticas’ do poder nas instituições

educacionais” (GORE, 1994, p. 12).

Faz saber que esse modelo sugere comportamentos induzidos por práticas e

técnicas educativas chamadas por Foucault de ‘tecnologias do eu’, as quais podem ser

consideradas meios capazes de agir sobre os corpos, instituindo um padrão de

docilidade:

2 Foucault tematiza também sobre os regimes de verdade. Encontramos esse assunto em Larrosa (1994) e Deleuze

(2013).

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(...) Por exemplo, em muitas salas de aula, os estudantes depressa aprendem a

levantar suas mãos antes de falar em classe, a conservar seus olhos sobre seu

trabalho durante um teste, a conservar seus olhos no professor, a dar a

aparência de estar escutando quando o professor está dando instruções, a

permanecer em suas carteiras. Podemos dizer que as pedagogias produzem

regimes corporais políticos particulares. Essas tecnologias do eu corporal

podem também ser entendidas como manifestações do (eu) mental interno

como a forma como as pessoas identificam a si mesmas. As pedagogias,

nessa análise, funcionam como regimes de verdade (...). (GORE, 1994, p.

14).

Essas relações disciplinares são de fundamental importância para a manutenção

da pedagogia. Sejam elas impostas pelo professor, gestor ou por instâncias ainda

maiores, as diversas maneiras de disciplinarização exercem papel fiscalizador, que

regula e mantém a prática de ensino.

Tais mecanismos funcionam, no interior dos discursos pedagógicos, por meio de

argumentos que articulam saber e poder, ou seja, é possível presenciar um discurso

ideológico que ressalta a figura da criança ideal, quieta e obediente. Enquanto que,

aqueles que não se enquadram ao padrão estipulado são considerados anormais de fato.

Além disso, muitas vezes a responsabilidade pelo comportamento da suposta

anormalidade da criança recai tão somente nas bases familiares.

Os discursos veiculados, muitas vezes, têm um caráter de classe, extrapolando os

limites capitalistas. Em determinados momentos, algumas colocações não soaram

emancipatórias e libertadoras, ao contrário, pareceram discriminadoras: “Essas crianças

não sabem nada, nem o próprio nome”, “Essa criança não tem jeito”, “Aquele ali vai ser

igual ao pai”.

Esses discursos acabam criando obstáculos aos avanços na educação, uma vez

que sugerem resistências para a elaboração de novas estratégias. Além disso, é muito

mais simples, às vezes, cruzar os braços diante de situações difíceis, achar culpados

externos ao próprio sistema de ensino, do que realmente compreender as dificuldades

como inerentes ao processo e buscar soluções mais adequadas no interior da própria

pedagogia. Isso ocorre porque buscar respaldo teórico para uma prática mais eficaz e

satisfatória, refletir e propor ideias criativas, tudo isso, requer do profissional que se

despenda de tempo e dedicação, e nem todos estão dispostos a tal.

É comum que muitas das dificuldades verificadas no interior escolar sejam

diretamente transferidas para o bojo familiar. Vivenciamos várias situações em que o

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educador retrata casos nos quais a família, por não possuir bases familiares tradicionais,

é simplesmente considerada a grande vilã.

O olhar deste, então, vem carregado por estereótipos sobre o que pensa a

respeito das crianças e de suas famílias. Tais pensamentos acabam sendo veiculados ao

longo dos dias e até mesmo no decorrer dos anos letivos. É como se não houvesse mais

soluções para determinadas crianças, uma vez que o contexto familiar no qual estão

inseridas é “desastrososo”.

Assim, não se considera que, às vezes, aquela criança que não está “dando

trabalho” também pode viver, em casa, situações muito difíceis. E ainda, que muitos dos

que carregam consigo a fama de serem agitados, ou de terem um comportamento

inapropriado, poderiam o ser da mesma maneira, mesmo que tivessem nascido em outra

família, seja esta nuclear, ou ainda, com poderes aquisitivos altos.

Existe no meio docente, o desejo de que as crianças se desenvolvam, aprendam

em interação, brinquem e se alimentem bem. Os aspectos relacionados tanto ao cuidado,

quanto à educação formal, caminham juntos. Por outro lado, idealiza-se que elas

permaneçam nos lugares, participem quando solicitadas e realizem suas atividades,

mesmo quando não querem, com empenho e capricho. Assim, ainda que, em

determinados períodos do dia, a disposição escolar se mostre progressista, há, no

percurso da dinâmica, a veiculação de atitudes e desejos que concernem à pedagogia

tradicional.

Gore (1994), mostra alguns exemplos que nos ajudam a entender sobre esse

assunto. Um deles refere-se às práticas de dispor as carteiras em círculos. Tal

organização se contrapõe à disposição tradicional da sala de aula, na qual os estudantes

sentam-se em fileiras, um atrás do outro, confrontam diretamente a nuca dos colegas e

encontram tão somente o olhar do professor. O círculo, ao contrário, permite uma

interlocução e uma participação maior dos discentes. Contudo, de nada adianta dispor

as crianças desta maneira, se a conduta do educador permanecer a mesma. Assim, essa

prática libertadora não servirá como ponto de partida para a busca da pedagogia

emancipatória.

Olhar outra vez para os mecanismos de nossas instituições educacionais,

questionar a verdade de nossos próprios e cultivados discursos, examinar

aquilo que faz com que sejamos o que somos, tudo isso abre possibilidades

de mudança. (GORE, 1994, p.17).

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Foi com essa intenção, a de repensar os discursos de verdade e refletir sobre a

possibilidade de um novo começo, que partimos para uma investigação que se inicia a

partir de um estudo exploratório, como veremos adiante, por intermédio das entrevistas

com as professoras e os familiares, além do desenho das crianças e, se efetiva,

posteriormente, através de um estudo de caso que irá contemplar, sobretudo, o

pensamento infantil, a partir de um referencial teórico pós-crítico.

1.3.1 As entrevistas com as professoras e com os responsáveis e o

desenho da figura humana

Durante o estudo exploratório, que se iniciou em agosto de 2012, foram

realizadas as entrevistas (ANEXOS I e IV), com as três professoras responsáveis pelos

agrupamentos III do período da tarde. Em determinada sala de aula, sentamos por cerca

de uma hora, antes da recepção às crianças. Nesse período, conseguimos responder às

questões e conversar um pouco sobre as características de cada turma.

No decorrer das entrevistas, foram apontadas queixas com relação à participação

escolar de algumas crianças, no total obtivemos dez indicações. Duas professoras

citaram três, cada uma, e a outra se referiu a quatro. A partir dessas indicações, foram

contempladas as crianças dos agrupamentos III, que iriam participar do estudo.

Então, as famílias foram contatadas por meio de telefonema ou bilhetes no

caderno de recados, e convidadas a participar de uma entrevista individual, em horário

marcado (oposto ao horário de aula). Durante a entrevista, explicou-se sobre a pesquisa

e foram feitas perguntas abertas (ANEXOS VII e VIII). Participaram pais, mães e tias

responsáveis por estas crianças. A pesquisa contou com um Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (ANEXO IX), que foi lido e assinado pelos envolvidos.

A observação do comportamento das crianças participantes (ANEXOS V e VI)

ocorreu a partir das entrevistas, e se estendeu até o término do ano letivo de 2012. Foi

feito agendamento prévio com as professoras, nos dias em que a pesquisadora não

estava a trabalho. Foi possível, assim, acompanhar um dia da rotina de cada discente,

durante a sua permanência na escola: nas salas de aula, parque, refeitório e em dias de

festa. Nas classes, observamos a roda de conversa, os cantinhos de brinquedos e as

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atividades. Observamos também as crianças, no refeitório, durante os momentos de

refeição, além de outras situações, nas quais trabalhamos integração com as turmas.

Por meio da integração em atividades coletivas com as crianças dos

agrupamentos III, foi possível estabelecer uma aproximação maior com o grupo

participante. Realizamos atividades com música cantada e brincadeiras dirigidas (como

ovo-choco, batata-quente), sessões de cinema na escola, festas dos aniversariantes, além

de brincadeiras livres nos parques e nos pátios externos, ao menos, uma vez na semana.

De tal forma, a observação das crianças participantes, em interação com os demais

colegas, e o contato com as mesmas, foi constante durante todo o estudo exploratório.

Nesta etapa, também propusemos às crianças a realização de desenhos, de

acordo com as técnicas psicopedagógicas da figura humana e do desenho da família

propostas por Chamat (2004). Em uma sala de aula, os participantes foram reunidos

para que fizessem os registros, segundo as seguintes consignas: desenhe “como você se

vê”, desenhe “como gostaria de ser” e desenhe “a sua família”.

Desta forma, foi feita a atividade sobre a autoimagem, e realizou-se também a

atividade sobre a representação acerca da família. Fornecemos às crianças, em todos os

momentos, o material adequado, tal como lápis preto n.º 2, que facilita o controle do

tônus muscular sobre os traços, borracha, apontador e lápis coloridos. Respeitou-se o

tempo de cada um, assim tivemos uns que terminaram com maior rapidez que outros.

Conforme terminavam, entregavam, e retornavam às suas salas.

A interpretação dos desenhos buscou embasamento nas técnicas

psicopedagógicas propostas por Chamat (2004).

Cabe ressaltar que, durante a aplicação dos desenhos às crianças foi possível

observar que o instrumental da Psicopedagogia aqui utilizado, não foi capaz de

contemplar as especificidades existentes no grupo estudado. A interpretação dos

desenhos a partir deste pressuposto metodológico não produziu dados suficientes que

fossem capazes de nos proporcionar uma análise mais crítica dos fatos observados. A

análise do desenho sem o relato oral da criança nos encaminha para a produção de

dados estanques e, muitas vezes, mal interpretados. Por esse motivo, partimos para

outro viés metodológico, com o desenho comentado e a brincadeira de faz de conta, que

pôde ultrapassar a observação simplista do desenho.

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Um dos roteiros de avaliação proposto consta abaixo, no Quadro I:

Quadro I. (Roteiro para Avaliação)

Roteiro para análise Conteúdo manifesto Conteúdo latente

Dinâmica da aplicação

-Predisposição para a tarefa

-Presença dos processos de recalque

-Envolvimento com a tarefa

-Presença de outros mecanismos

Desenho

-Maturidade cognitivas-Presença de afetividade

-Indicador de autoestima

-Como o sujeito se coloca geograficamente no papel

-Significantes e significado de seu desenho

-Como o sujeito se coloca afetivamente no contexto

-Indicador de envolvimento consigo mesmo e a aprendizagem

-Aspectos motores

Relato oral

-Função semiótica (elaboração significativa)

-Cognição: esquemas ou estruturas de pensamento

compatíveis com a idade

Níveis de aspiração

Indicadores de uma problemática emocional que impede o

vínculo com o conhecimento

Indicadores de uma problemática nas relações familiares

que impede ou “atrapalha” a aprendizagem

Comparação com a pareja educativa

Fonte: Chamat (2004, p.187)

A análise das produções buscou apoiar-se ainda em outros itens que foram

levantados e observados, de acordo com estudos de Chamat (2004), como:

representação harmônica das partes do corpo; omissão de alguma(s) parte(s) do corpo;

presença de sombreamento do rosto, corpo ou membros; assimetria grosseira das

extremidades; figura inclinada, pequena ou grande; aspectos da cabeça (pequena,

grande, etc.); características (ou ausência) dos órgãos do sentido (nariz, ouvido, boca,

olhos); representação dos membros do corpo (curtos ou compridos); presença de figuras

complementares (sol, lua, pessoas); aspectos que retratam alegria ou tristeza.

A partir desses elementos, conseguimos obter dados que puderam contribuir para

uma reflexão acerca dos próximos passos que iríamos realizar em nosso trabalho. A

título de elucidação, iremos relatar agora, uma das três entrevistas realizadas com as

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professoras, além da exposição de dois dos dez casos das crianças que faziam parte do

grupo de alunos indicados por suas professoras.

1.3.1.1 Entrevista com a professora E.R.

A entrevista realizada com a professora E.R. trouxe-nos à tona a realidade

vivenciada hoje em muitas salas de aulas, nessa e em tantas outras escolas, E.R tem

formação em Pedagogia e quatorze anos de atuação docente. Apesar de gostar da

profissão, citando alguns pontos positivos como o contato com as crianças e a liberdade

para fazer o planejamento das aulas de educação infantil, refere-se negativamente ao

fato de determinadas crianças não se interessarem pelas atividades e também por não

conseguir estabelecer vínculo com algumas famílias.

No agrupamento de E.R., há algumas crianças que demonstram grande

interesse em realizar atividades, participam dos diferentes momentos que permeiam a

educação infantil e outras que, na maioria das vezes, não se identificam com o que é

proposto.

Quando questionada sobre o envolvimento escolar de sua turma ela relata: “É

variado, existem crianças com que a família colabora e é motivada na escola. Por outro

lado, existem aquelas que acham que a escola é assistencialista. Só querem saber se a

criança se alimentou e não estão preocupadas com o desenvolvimento cognitivo, com o

rendimento escolar” E finaliza: “É raro a criança que não tem estímulo em casa mostrar

interesse pela aprendizagem”.

Para E.R., o desenvolvimento da criança está estritamente relacionado ao

estímulo que ela tem em casa. Portanto, a professora acredita que se a família está

motivada e interessada nos assuntos que permeiam o interior escolar, o filho se mostra

mais disposto e se desenvolve com maior facilidade.

E.R. acredita que a criança L.H.M. possui alguma deficiência. Ela conta que “a

professora de educação especial conversou com a mãe, contudo esta não quer enxergar

isso”. O mesmo mostra dificuldades tanto na concentração quanto na oralidade,

(memoriza e repete as mesmas frases).

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Sobre P.M.S. ela diz: “não se concentra durante as atividades, atrapalha a roda

de conversa, às vezes é agressivo com os colegas. Passa alguns finais de semana com o

pai, que parece não dar muita atenção a ele”.

E com relação à J.B.L.S. a professora relata que “a menina não tem pai” e

continua “o contexto familiar é difícil, a mãe troca de namorado com uma frequência

muito grande e apresenta para a criança como se fosse o pai dela. A menina quer

chamar a atenção, bate, arrasta a cadeira, não fica onde é para ficar, fala mal das outras

crianças, irrita a turma. A mãe passa uma imagem negativa do pai à criança, dizendo

que ele a abandonou e ela reproduz a fala da mãe”.

Como este trabalho não irá abarcar o contexto da educação especial, optamos

por focar a explanação, de caráter exemplificativo, desses dois últimos casos citados

pela professora E.R., a partir de então.

1.3.1.1.1 Caso A: criança J.B.L.S.

J.B.L.S. é uma menina, na época, com quatro anos que, na maior parte do

tempo, parece querer chamar a atenção, batendo nos colegas, arrastando cadeiras,

falando palavrões e provocando os amigos.

Apesar de mostrar-se inquieta durante a roda de conversa, demonstra estar

atenta ao que é falado, pergunta e participa ativamente. A professora indaga sobre o que

está acontecendo em casa, então, ela conta um pouco de sua nova perspectiva familiar

“vou morar com o R. (namorado da mãe) e meu irmão vai morar com a minha tia”.

No momento em que a professora propõe a ela a realização de uma atividade

de pintura e colagem de papel crepom, mostra-se interessada e, mesmo inquieta, faz

seus trabalhos com muito capricho. Durante as brincadeiras no parque, recorre à

professora várias vezes para fazer comentários sobre os colegas até que acaba, sem

querer, machucando um deles.

Nesse dia, o momento da refeição apresenta-se um tanto tumultuado. J.B.L.S.

corre para pegar a comida antes dos colegas. E, com o prato feito, enche a boca com o

alimento, come tudo e, ainda, repete.

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Ao ser realizada a entrevista com a tia, responsável pela menina, ela a descreve

como “terrível, agitada, uma criança que não para, que briga com o irmão maior e bate

nele”.

A mesma conta que a criança mora com ela, a avó e o irmão (por parte de

mãe). O pai do irmão de J.B.L.S. paga a pensão todo mês e acaba por sustentar a família

toda sozinho, inclusive a menina, fruto de outro relacionamento de sua ex-mulher. Esta,

contudo, não colabora no que se refere às despesas dos filhos e, até o momento, tem

relegado os cuidados destes, deixando-os por conta da tia. Em casa, as crianças somente

tomam o café da manhã e jantam, portanto, geralmente vão à escola sem almoçar.

A mãe trabalha como auxiliar de limpeza em um shopping em Campinas e o

namorado é segurança. “Eles trabalham num dia e folgam noutro”. Todavia, mesmo a

mãe sendo solicitada a comparecer à escola, diz que não tem tempo para ir. Com relação

ao pai, não fora possível localizá-lo. A mãe da menina pretende se mudar para outro

bairro com o namorado, mas ainda não sabe se irá levá-la junto com ela ou não. O

menino ficará sob os cuidados da tia, que ressalta que o namorado da mãe “não aceita as

crianças”.

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Durante o relato, a tia expõe ainda que o pai biológico da menina a abandonou

há cerca de dois anos e, desde então, nunca mais apareceu. Envolvido com o tráfico de

drogas, precisou deixar o país com medo de ser encontrado, tanto por policiais quanto

por outros traficantes. No final do ano, soubemos que o pai fora assassinado.

Observam-se muitas adversidades na vida afetiva e familiar desta criança. A

imagem passada a ela com relação ao pai é de grande negatividade, e, para suprir tal

carência, a mãe chegou a apresentar à criança o atual namorado como sendo o seu novo

“pai”.

Seu desenho representativo do eu “real” é repleto de cores, com olhos grandes,

sorriso largo e braços abertos. Como ela de fato parece ser: uma criança afoita, curiosa e

ativa.

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Durante a representação de seu eu “ideal”, refere-se à vontade de ser uma

aranha, sem saber explicar as razões disso.

Na realidade familiar que ela representa no desenho da família, o pai não

aparece e a criança parece demonstrar aceitação e proximidade com o novo “pai”, uma

vez que o registra duas vezes ao seu lado. Sua mãe é representada também, mas, ao lado

do irmão.

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1.3.1.1.2 Caso B: criança P.M.S.

P.M.S. é um menino de quatro anos que, para a professora E.R. constantemente

se mostra agitado. Não consegue ouvir o que ela fala, e se dispersa com frequência. No

momento das atividades, levanta-se, esquece-se do que estava fazendo, vai brincar, até

que é preciso trazer de volta sua atenção à atividade inicial.

Durante a refeição, prepara seu prato, começa a comer, mas logo, se levanta e

corre pelo refeitório. Entra debaixo das mesas e se esquece de alimentar-se, até que

toma uma maçã a qual se torna uma bola que é chutada de um lado para outro.

No decorrer da entrevista com a mãe, a mesma menciona que se separou do

marido há cerca de um ano e que, por meio de medida judicial, ficou acertado que em

um final de semana o menino ficaria com a mãe e no outro com ele. Contudo, relata

que, quando P.M.S. passa o final de semana com o pai, volta mais agitado e ao mesmo

tempo triste, porque, segundo ela, o ex-marido não dá atenção à criança, voltando suas

atenções somente à namorada.

Há alguns meses, consultou a criança com uma psicóloga, que o diagnosticou

com depressão. Desde então, este passou a tomar medicamentos para controle, o que,

todavia, parece não ter interferido em seu comportamento durante a permanência deste

na escola.

Ao realizar o desenho que representa como ele é, P.M.S acaba registrando a si

próprio por várias vezes. Em cada desenho, uma expressão: ora está assustado, ora

sorrindo, ora não há feição alguma. O formato do corpo também se modifica: ora é

gordo, magro, pequeno e grande. A criança também faz referência ao dia que está

chuvoso.

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Então, é solicitado que desenhe o que gostaria de ser, e o menino remonta ao

imaginário infantil, pois mostra a sua vontade de ser um super-herói. Assim o faz:

voando por cima de uma casa, dentre árvores, casas e nuvens sob um sol sorridente.

O desenho da família traz como registros a figura da mãe, do pai, de si mesmo

(ao lado do pai), dos primos e do cachorro. Ele está ao lado da figura paterna, olhando-o

com um grande sorriso, nota-se que está feliz. Durante o registro diz: “meu pai tem

namorada, minha mãe não tem”.

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Ao término do estudo exploratório, observamos que os discursos dos adultos

envolvidos na educação das crianças analisadas buscam estabelecer regimes de

verdades, da mesma forma que os desenhos respaldados na abordagem psicopedagógica

somente poderiam contribuir para reforçar os padrões normativos, por buscar

apontamentos ingênuos e sem conexão com o próprio pensamento infantil.

Diante disso, sentimos a necessidade do deslocamento da pesquisa da escuta das

concepções do adulto para o estudo das representações simbólicas das crianças, de

forma tal, a dar voz a elas mesmas. Assim, propusemo-nos a proporcionar meios pelos

quais elas pudessem espontaneamente se expressar, de forma lúdica e agradável. O

referencial teórico a partir de então, pautou-se na linha filosófica de Foucault.

1.4 Estudo de caso

Sugerimos, a partir do segundo semestre de 2013, que um grupo de crianças

participasse da atividade de um desenho livre sobre a família e de algumas sessões de

brincadeiras de faz de conta.

Ressaltamos que, neste momento, elas foram convidadas, sem que houvesse

indicação de suas professoras e esclarecidas sobre o que iriam fazer naquele

determinado espaço: “brincar e desenhar sobre a família”. A amostragem se deu através

de sete crianças do período da tarde, as quais, naquele dado momento, se mostraram

interessadas em participar das atividades. Dessa forma, os sujeitos se restringiram

àqueles que quiseram por vontade própria, participar da pesquisa, conforme descrito

abaixo:

1. Amostra composta por sete crianças com idade entre três e seis anos que se

mostraram interessadas em participar do estudo.

Notamos a importância crescente de ouvir as crianças, e de não apenas

reconhecê-las como grupos sociais, com vivências e culturas diferentes, mas, sobretudo,

de escutá-las para que juntos, conseguíssemos entender e enfrentar os problemas pelos

quais estas têm passado. Dessa forma, tiraríamo-nas da condição de submissão às ideias

elaboradas a partir das concepções do adulto.

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Demartini (2005), afirma que há mais de vinte anos, já havia uma inquietação

que apontava para a incorporação de alguns sujeitos na elaboração dos projetos. A

autora cita Maria Isaura Pereira de Queiróz, que desde mil novecentos e setenta e seis já

afirmava que existia uma supremacia dos adultos em relação às crianças, aos jovens e

aos idosos. A educação, assim, é formulada a partir de uma dominação do adulto sobre

essas três categorias, dominadas.

No mundo atual, principalmente na sociedade ocidental, os adultos ocupam

funções de dominação, uma vez que são eles que definem os valores fundamentais da

educação, estruturando a imagem do homem idealizado pelos jovens e crianças. Nesse

sistema, há o estereótipo de que jovens, crianças e idosos estão segregados e devem se

curvar diante dos adultos, que, preponderantemente, exercem o poder. Diante de tal

esquema, o sentimento de impotência se acumula e a barreira estabelecida tende a

aumentar, excluindo-se a participação efetiva das categorias acima mencionadas.

Com base em tais informações, procuramos dialogar com essa classe de

interlocutores que se difere da dos adultos, de forma a propiciar momentos favoráveis

para a sua exposição oral infantil por meio de relatos sobre o desenho produzido, ou,

então, no contexto lúdico, pela brincadeira de faz de conta.

Para tanto, foi preciso levar em conta, além do relato, a experiência vivenciada

pelo grupo de crianças participantes, uma vez que

(...) é impossível tratar dos relatos de crianças pensando que todos eles são da

mesma natureza. A questão dessa heterogeneidade dos tipos de criança, do

tipo de infância vivenciado, é uma questão que o pesquisador sempre se deve

colocar. (DEMARTINI, 2005, p.5).

Ou seja, fez-se necessário apreender os diferentes contextos existentes, a história

de cada criança e do grupo ao qual pertencia, no que diz respeito às formas de

socialização, levar em consideração que é impossível pensar a criança de maneira

abstrata e isolada, pois a construção da identidade da criança se realiza em razão ao

outro, com o qual convive.

Então, ampliamos a pesquisa, de forma tal que fosse possível dar visibilidade a

outras formas de enunciação, principalmente, aquelas advindas das próprias crianças.

Assim, ao contrário de termos um adulto que relata o que pensa sobre ela, teríamos

agora, exclusivamente, as colocações, os pensamentos e expressões, emergentes do

próprio meio infantil.

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A coleta de dados, nesse sentido, se deslocou da percepção do adulto,

centralizador do poder, para a criança, que até então, se enquadrava em uma posição

inferiorizada e submissa com relação aos seus responsáveis. Os instrumentos utilizados

partiram do lúdico e do simbolismo, que permeiam o universo infantil, e contemplaram,

com prioridade, os dados empíricos obtidos através do discurso das crianças

participantes. Entendemos, nessa perspectiva, que, tanto o desenho livre quanto a

brincadeira seriam, assim, capazes de trazer revelações, sem disfarces.

Acreditamos também que é preciso ter o cuidado necessário quando os sujeitos

são as crianças, e, principalmente, ao se tratar da análise de suas produções. O estudo

exploratório nos revelou a possibilidade de se fazer uma análise simplista dos desenhos

infantis, a partir de seus traçados. Todavia, é preciso ir além, pois uma interpretação

mais cuidadosa deve buscar relacionar o grafismo da criança à sua expressão oral.

Para Gobbi (2005), “o desenho e a oralidade são compreendidos como

reveladores de olhares e concepções dos pequenos. Tanto sobre seu contexto social,

histórico e cultural; pensados, vividos, desejados (...)”. A autora afirma a necessidade de

conjugar o desenho à oralidade como uma forma privilegiada de expressão infantil. Para

ela, é difícil trabalhar com os desenhos porque são amplas as possibilidades de ver, de

olhar e de entender as gravuras das crianças.

Ficam-nos, então, questões importantes: de que forma é possível traduzir aquilo

que não está traduzido? Como entender o que as crianças estão querendo dizer em seus

traçados? Como dissemos, somente a partir do desenho, não conseguimos compreender

certamente as mensagens das crianças. É preciso estabelecer um vínculo com o discurso

de quem desenha3.

Esse ponto foi fundamental durante o percurso da nossa pesquisa, pois, nada

substitui a exposição das ideias provenientes do próprio universo infantil. Ao contrário,

o relato sobre a criança, produzido por pessoas que já passaram por tal fase, é carregado

por valores, relacionados às vivências que estas tiveram ou de acordo com as suas

3 (...) O desenho seria um instrumento oferecido para que, sem tornar a escola de educação infantil um

espaço terapêutico em busca de fases do desenvolvimento psíquico ou mesmo de enquadramento de

crianças em padrões de normalidade, pudéssemos conhecer mais sobre os olhares e as concepções que as

crianças pequenas têm de seu universo, que é também por elas construído, vivenciado, imaginado,

desejado, desenhado. (GOBBI, 2005, p. 87).

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próprias concepções de vida. Falar sobre os pequenos denota muitas vezes, a evidência

de opiniões emolduradas por juízo de valores e convicções de verdades.

Há que se entender que, dependendo dos sujeitos que relatam, podem ocorrer

diferentes maneiras de se conceber a infância e o conceito de criança em si. É

importante levar em consideração também, o sentimento que está imbricado nas

relações, os diferentes meios vividos e a diversidade das situações existentes no

contexto em questão.

Geralmente, os professores já trazem consigo concepções divergentes à

realidade educacional nas quais profissionalmente, inserem-se e, ao se depararem com a

dificuldade em estabelecer uma prática pedagógica condizente com suas expectativas,

buscam problematizações que possam justificar o insucesso em suas vivências

pedagógicas.

De acordo com Gore (2005), o conteúdo dos discursos emergentes nas relações

escolares está carregado por relações de poder, que invocam determinadas noções de

verdade. São discursos que fazem com que determinadas coisas sejam mais valorizadas

do que outras.

Nesse sentido, temos muitos exemplos que aparecem nos discursos, a começar

pela educação infantil. Para muitos professores, a verdade institucionalizada é que a

criança quieta e participativa aprende mais. Essa posição revela o disciplinamento como

algo benéfico e perpetua os meios disciplinares existentes.

(...) De forma crescente, a pedagogia tem enfatizado o autodisciplinamento,

pelo qual os estudantes devem conservar a si e aos outros sob controle.

Seguindo Foucault, as técnicas/práticas que induzem esse comportamento

podem ser chamadas de tecnologias do eu. Essas tecnologias agem sobre o

corpo: olhos, mãos, boca, movimento. (GORE, 2005, p.14).

Essas pedagogias revelam os mecanismos de saber-poder através da própria

enunciação argumentativa. Essa articulação entre saber e poder vem sutilmente

caracterizada nos próprios discursos, os quais podem estar relacionados às formas de

dominação, ou em contrapartida, às formas de resistência.

Dentro da escola, os discursos podem relacionar-se à repreensão ou à libertação

das formas dominantes. Todavia, não existe prática pedagógica que seja totalmente

libertadora, nem totalmente repreensiva, assim como também não há aquela que possa

ser considerada, de todo, neutra.

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Muitos professores acreditam, por exemplo, que a família instituída nos moldes

nucleares é capaz de demandar melhores possibilidades aos seus filhos, ou seja, é como

se houvesse o estabelecimento de um regime de verdade, no qual instintivamente,

excluíssem-se, de antemão, todos aqueles que não vivem em uma situação familiar

considerada “adequada” para o seu desenvolvimento.

No decurso dos dias, posições como estas são repassadas a essas crianças, e

assim, subjetivamente eles vão se constituindo por verdades que poderiam ter sido

desmistificadas. A verdade até então emergente, aos poucos, interioriza-se no sujeito e o

engendra paulatinamente como pessoa. Assim, falar sobre alguém requer cautela, pois

implica em valores e conceitos, que podem ser difundidos, conforme a crença e aos

ideais do sujeito que enuncia.

A partir dessas problematizações, sentimos a real necessidade de conduzir o

campo de observação, prioritariamente, para a análise da narrativa infantil, de forma a

refutar os dados obtidos até então, durante o estudo exploratório.

Dessa maneira foi preciso verificar as marcas de cada criança, bem como seus

processos de socialização. E ainda, levar em consideração que muitas delas falam pouco

ou não falam nada, como explica Demartini (2005):

(....) A sociologia tem poucos estudos, mas tem alguns casos que são

exemplares de como os processos de socialização vivenciados vão se refletir

na construção de relatos, que são diferentes. Então temos as crianças que

falam, mas também temos processos de socialização que levam a não falar (a

criança se recusa a falar, ela não quer falar). É importante apreender esses

diferentes contextos e também aprender a trabalhar com aquilo que não é

dito, porque temos, principalmente no caso de crianças, esse contexto de

“pouca fala” (...). (DEMARTINI, 2005, p. 8).

Isso demanda uma grande sensibilidade por parte do pesquisador que necessitará

entender um contexto que se configura, muitas vezes, por “pouca fala”. Todavia, no

campo educacional, mesmo as crianças que falam pouco, de uma maneira ou de outra,

traduzem suas palavras, suas emoções. Esses pensamentos ou sentimentos poderão ser

observados, por exemplo, tanto nos relatos orais quanto em contextos lúdicos, nos quais

elas simplesmente estão brincando4.

4 Como já foi colocado anteriormente, têm-se os relatos das crianças que falam e das crianças que não

falam; mas também se tem a possibilidade de analisar a representação artística de crianças; chamou-me a

atenção, assistindo a um filme, o desempenho de criancinhas pequenas que trabalhavam nele; e era

impressionante a desenvoltura daquelas crianças de cinco, seis aninhos trabalhando no filme. Então, são

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A criança pequena por si só identifica-se com o meio simbólico. Ela é

naturalmente criativa e no contexto da brincadeira expõe seus sentimentos de maneira

espontânea. O pesquisador, ao adentrar o mundo infantil, precisa ter bastante

sensibilidade para coletar dados de um repertório diferente, do qual não faz parte.

De certo modo, em nosso estudo, a pesquisa de campo se desvinculou da

concepção do adulto a respeito da criança e seu ambiente familiar para a representação

lúdica desta sobre a família. Com isso, intencionávamos dar espaço para que elas

expressassem sobre suas vivências familiares, espontaneamente, e sem intervenções.

Para tanto, propusemos um desenho livre sobre a temática da família e uma brincadeira

de faz de conta.

1.4.1 Descrição do desenho comentado e da brincadeira de faz de

conta

Iniciamos o estudo de caso com as crianças que, espontaneamente, se

mostraram interessadas em participar do estudo. A pesquisadora foi às salas de aula e

perguntou quem gostaria de fazer um desenho sobre a família e brincar “de casinha”.

Algumas crianças, então, mostraram-se interessadas, outras não. Aquelas que quiseram,

foram encaminhadas a uma determinada sala, as demais, continuaram suas atividades e

brincadeiras, com suas professoras. Os sujeitos foram de tal forma, selecionados

aleatoriamente, conforme sua própria vontade em fazer parte do trabalho.

O rol de participantes se delimitou da seguinte forma: três meninos com idade

de cinco anos e quatro meninas, duas delas com cinco anos, uma com quatro anos e

outra com seis anos. Dentre o grupo, composto pelas sete crianças, três delas faziam

parte da seleção de alunos com queixas, que foram indicadas pelas professoras durante o

estudo exploratório, e as outras quatro não haviam participado anteriormente, por não

terem sido indicadas por elas.

as crianças que representam. Elas não só argumentam, mas representam, e a gente esquece, às vezes, que

a criança “está representando”. Assim, existe outra possibilidade que é a observação dos relatos e da

atuação das crianças que representam no teatro, no cinema, na televisão. (DEMARTINI, 2005, p. 12).

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Propusemos que o grupo brincasse “de casinha” em um espaço organizado para

tal finalidade, com brinquedos diversos: fogão, geladeira, panelas, frutas e legumes,

bonecas, etc. Foram realizadas sessões de vinte minutos de brincadeira com as crianças,

em três dias consecutivos, no mês de agosto de 2013. As brincadeiras ocorreram

livremente, com intervenções, somente quando necessário.

Um dia da observação foi reservado para que o grupo pudesse desenhar a “sua

família” em uma folha de papel. Ao término do desenho, cada criança contou o que

registrou. As perguntas ocorreram de acordo com o relato dos participantes de forma a

tentar ter uma melhor compreensão da percepção destes sobre o grupo no qual estão

inseridos. Por último, foi perguntado a todas as crianças se gostavam da família que

possuem. Tanto as brincadeiras, que ocorreram livremente, quanto o relato dos

desenhos, foram registrados em filmagens, com a autorização dos responsáveis, por

meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. (ANEXO IX).

1.4.1.1 O desenho comentado

1.4.1.1.1 Caso A: B.M.H.F.

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B.M.H.F. é uma menina, de cinco anos de idade, a qual relata ter desenhado o

pai e a mãe na casa onde moram. Ela não está na imagem, e diz: “é porque lá na minha

casa não tem lugar pra brincar”. E então, pergunto: “você está em que lugar?” e ela diz:

“eu fui para a chácara da minha avó e do meu avô”; e continua contando que, às vezes,

os pais vão juntos, quando não estão trabalhando, depois conclui a conversa dizendo “eu

gosto da minha família”.

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1.4.1.1.2 Caso B: P.E.S.R.

P.E.S.R. é um menino, de cinco anos de idade. Durante o relato sobre o desenho,

diz: “eu tava na minha casa brincando com meu cachorro”. Continua falando que

estavam todos brincando na casa onde moram e que estão felizes e que gosta de sua

família. Comenta que desenhou várias pessoas (ele, os tios, o pai, os irmãos, a avó, a

mãe, e até mesmo os cachorros), mas que em sua casa moram: o pai, a mãe, a irmã e

outra irmã, apenas.

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1.4.1.1.3 Caso C: G.N.M.

G.N.M. é uma menina e está com quatro anos. Durante a conversa, conta que

desenhou a mãe, o pai, “coração”, ela e um quintal. Então pergunto: “o que vocês estão

fazendo?” E ela responde: “eu tô brincando no escorregador”. Indago se é perto ou

longe do lugar onde moram e ela relata que é longe, mas que os pais a levam até lá para

brincar sempre.

Conclui a conversa dizendo que em sua casa moram: ela, a mãe, o pai, o

cachorro, a irmã e o passarinho, que gosta da família que tem, e que eles também

gostam dela.

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1.4.1.1.4 Caso D: R.G.R.S.

R.G.R.S. é um menino, na época, com cinco anos. Conta que registrou seu pai,

sua avó, sua irmã, ele e sua mãe. A mãe e a irmã limpam a casa e o pai trabalha,

enquanto isso, ele assiste a um desenho na televisão. Nesse dia, a sua mãe “está de

férias”. Conta que, quando o pai também está de férias, ele não permanece dentro de

casa, mas fica na rua. E continua “minha mãe também fica na rua, ela fala no telefone

com o namorado dela”. “Meu pai ainda mora com minha mãe, é que ele está esperando

terminar de construir a casa”. Afirma gostar de sua família, e também do namorado da

mãe, mesmo quando ele “puxa as minhas orelhas”, diz.

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1.4.1.1.5 Caso E: J.F.C.

J.F.C. é uma menina de seis anos de idade. Relata ter desenhado a prima M., a

mãe, o pai, a irmã, a tia e ela. Eles passeiam pelo bosque e observam os animais. Destas

pessoas, moram na mesma casa que ela apenas a mãe, o pai e a irmã. Com um olhar

muito contente, diz gostar de sua família. Quando saem juntos, comenta que vão a “um

monte de lugares”.

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1.4.1.1.6 Caso F: J.B.L.S.

J.B.L.S. é uma menina de cinco anos de idade. Desenhou a tia, ela e o irmão.

Eles brincam de bola no quintal da casa da tia, onde mora. E então pergunto “e sua mãe

ela não está aí?” E ela diz que não. “Mas você gosta dela”? Responde, “sim”. E

continuo “e do seu pai, você gosta?” e ela diz, “sim, mas ele já morreu”, apesar disso,

afirma, com uma feição triste, que eles são felizes.

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1.4.1.1.7 Caso G: P.M.S.

P.M.S. é um menino, está com cinco anos de idade. Descreve ter feito uma casa

e uma árvore, seu pai e sua mãe. Seus pais estão dentro da casa, olhando os pássaros.

Logo, diz que também está junto com ambos. Pergunto se eles sempre fazem isso e ele

responde que sim, e, com um pequeno sorriso diz gostar da família que tem. E finaliza

“meu pai não está morando com a minha mãe”.

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1.4.1.2 Brincadeira de faz de conta

1.4.1.2.1 Primeiro dia

Data: 20/08/2013

Participantes do sexo feminino: J.B.L.S., J.F.C., G.N.M. e B.M.H.F.

Participantes do sexo masculino: P.M.S., P.E.S.R., R.G.R.S.

Dou boas vindas às crianças e disponho os brinquedos em um canto da sala de

aula, então, a brincadeira, rapidamente, se inicia.

De um lado, um grupo de meninos se organiza para brincar com os alimentos.

R.G.R.S. se entretém com a venda de produtos e passa a fazer as contas utilizando-se de

uma máquina registradora; enquanto isso, P.M.S., organiza-os em uma bandeja e

P.E.S.R. em cestinhas.

Do outro lado, um grupo de meninas cuida de suas “filhas”. Elas trocam as

roupas das bonecas, dão banho, alimento e mamadeira, também dão nome para os

bebês, J.F.C. chama o seu de Sofia e J.B.L.S., de Aninha.

Os meninos interagem com as meninas, oferecendo os alimentos que estão

sobrepostos em uma bandeja, mas continuam entretidos com as compras. R.G.R.S.

repetidamente diz: “Custa R$1,99! Custa R$ 1,99!”, de forma a fingir trabalhar como

operador de caixa. P.E.S.R. responde, irritado: “eu não tenho dinheiro!”. Então,

R.G.R.S. arruma uma solução e, com muita paciência diz: “pode pagar amanhã”.

Enquanto P.E.S.R. começa a cozinhar, P.M.S., arruma a cozinha, lava as louças

e as organiza em um escorredor de pratos. B.M.H.F. faz compras no supermercado e

R.G.R.S. continua operando o caixa, “pesa os alimentos”, registra e dá o preço.

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Nesse momento, P.M.S. pega uma cesta grande e começa a guardar todas as

coisas e diz: “eu vou passear”. E então, R.G.R.S. fala: “nós vamos viajar lá pra praia”.

Eu questiono: “quem vai junto?”, e P.E.S.R. responde: “eu, o R.G.R.S. e a G.N.M.”.

Ainda pergunto o que eles são na brincadeira e P.M.S. pensativo responde: “eu sou o

cozinheiro, o R.G.R.S. é o vendedor e a G.N.M. é a mãe”.

O trio, então, separa-se dos demais e, carregando alguns itens vai do outro lado

da sala. As crianças sentam-se em cadeirinhas e fazem de conta que entram em um

ônibus. Logo, chegam ao seu destino e P.M.S. trata de fazer um bolo. Já na praia,

R.G.R.S. diz “eu vou nadar agora”, corre pela sala, mexendo os braços como se

estivesse realmente no mar.

J.F.C. e J.B.L.S. continuam a cuidar de suas “filhas”. P.E.S.R. e B.M.H.F. fazem

“comida”. Logo, as duas meninas, J.B.L.S. e J.F.C. juntam-se a eles para cozinhar

também. Em seguida, todas as crianças começam a arrumar a casa.

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1.4.1.2.2 Segundo dia

Data: 21/08/2013

Participantes do sexo masculino: R.G.R.S., P.M.S., P.E.S.R.

Participantes do sexo feminino: J.B.L.S. e G.N.M.

Convido os participantes para mais um dia de brincadeira e lá estão os

brinquedos dispostos pela sala.

Logo, R.G.R.S. começa a brincar com J.B.L.S., com as mamadeiras. P.M.S.

prefere se sentar em um banco em frente ao fogão e pede ajuda à G.N.M. para organizar

as colheres dentro da cesta, dizendo que é para poder fazer a comida depois. Ele

comenta que irão viajar novamente, mas dessa vez não vão à praia e, R.G.R.S. completa

“é pro acampamento!”.

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Eu pergunto: “o que vocês vão fazer lá?” e R.G.R.S. diz “nós vamos acampar”.

“E quem vai?”, continuo, e R.G.R.S. responde, citando o nome de todos os colegas que

estavam presentes neste dia. Enquanto isso, P.M.S. separa o que levar e pede ajuda aos

amigos para levar a “neném” (uma boneca).

Nesse momento, todo o grupo participa da mesma brincadeira. Eles discutem

em qual lugar da sala irão fazer o acampamento, até que decidem levar os brinquedos

para o outro lado do cômodo, depois, fazem de conta que estão indo de trem e, ao

chegar ao destino, montam um “restaurante”. Cada criança ajuda a levar um pouco de

coisa, uma leva uma cesta, outra leva o bebê, os pratos e até mesmo o fogão é

deslocado.

O restaurante é montado e, P.M.S. pede à G.N.M. que se sente em uma mesa

para que esta seja servida pelo garçom. P.E.S.R. também está no restaurante, prepara o

suco do bebê e ajuda G.N.M. a cuidar de sua filha. Enquanto isso, R.G.R.S. cuida de

outro bebê, dando-lhe mamadeira. J.B.L.S. brinca sozinha, com sua “filha”, em seguida,

se levanta e se senta junto à mesa onde está G.N.M.

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R.G.R.S. chama o garçom e muito bravo diz “garçom, o chão tá sujo!”. E ele

(P.E.S.R.), bastante sem graça responde “isso...”. E continua a servir as crianças que

estão sentadas à mesa. P.M.S. está no fogão cozinhando, e R.G.R.S. diz que também

quer ser o cozinheiro, mas começa a servir. P.E.S.R. não gosta e responde: “eu já sou o

garçom”.

Quando pergunto sobre quem são eles, P.M.S. me diz que são todos da família,

um é o pai, outro a mãe e assim por diante. E ainda, que estão trabalhando juntos, no

mesmo lugar.

1.4.1.2.3 Terceiro dia

Data: 22/08/2013

Participantes do sexo feminino: J.B.L.S, J.F.C., G.N.M.

Participantes do sexo masculino: P.M.S, P.E.S.R., R.G.R.S.

Nesse dia, a atividade acontece na brinquedoteca da escola. Os brinquedos já

estão organizados à espera das crianças, que bastante agitadas, por estarem em um

espaço diferente, iniciam a brincadeira.

J.F.C. começa passando a roupa de “sua filha” que está dentro de uma banheira.

Relata que a filha mais velha é quem está dando banho nela. Enquanto isso, P.M.S. faz

de conta que estoura pipoca. P.M.S. quer ser o cozinheiro mais uma vez e diz “aqui vai

ser a minha cozinha!”.

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J.B.L.S. brinca com o P.E.S.R. de fazer o bebê dormir no berço. A filha é de

G.N.M. e eles ajudam a cuidar dela. A J.B.L.S. é a tia do bebê, P.E.S.R. é o pai e

G.N.M. é a mãe, todos estão ao redor do berço, cuidando da criança.

E então, G.N.M. desloca o berço junto ao outro grupo que está próximo à

cozinha do P.M.S., que diz “eu vou lavar as roupas”. P.E.S.R. as coloca dentro da

máquina. E P.M.S. leva também uma penteadeira para a G.N.M. brincar. E então

G.N.M. começa a se “maquiar”, enquanto, J.B.L.S. vai até lá para observá-la.

Os três meninos fazem de conta que vão bater ovos para preparar uma refeição

(bolo de chocolate), enquanto B.M.H.F. e J.B.L.S. fazem, cada uma, o seu prato de

comida. Os meninos colocam os ovos na batedeira, logo, as crianças voltam a lavar as

roupas das “filhinhas”, inclusive a J.F.C. que até então, estava cuidando do bebê.

P.E.S.R. resolve passar as roupas e P.M.S. trata de esquentar a “comida” no

forno; a brincadeira continua, até que P.E.S.R. e B.M.H.F. decidem colocar as louças

também dentro da máquina de lavar roupas.

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G.N.M., ao mesmo tempo em que continua se maquiando, ajuda a J.B.L.S. a

cuidar do bebê que está dentro do berço. Eles descobrem outro brinquedo, que R.G.R.S.

chama de “lava garfo”, mas na verdade trata-se de uma miniatura de lava louças. E

então decidem lavá-las, agora, nessa máquina. J.B.L.S. se senta em frente à penteadeira

junto à G.N.M. também para se maquiar.

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CAPITULO II

RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA: UM LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

Muito tem se falado que, tanto a família quanto a escola podem exercer um

importante papel no desenvolvimento infantil, e que as relações afetivas entre

família/criança e escola/criança são estritamente necessárias em todo o percurso da

escolarização. Mas será que, tais fatores, de maneira inter-relacionada, são capazes de

assegurar a qualidade do ensino escolar, principalmente quando falamos da educação

infantil?

Tal etapa tem suas especificidades e a maneira como os envolvidos o conduzem

faz toda a diferença. A pesquisa bibliográfica nos possibilitou discorrer um pouco sobre

esse assunto, sobretudo, quando colocamos em evidência o trabalho com crianças

pequenas, a partir das ideias e concepções de educação dos pré-escolares de Reggio

Emilia, escola de educação infantil, localizada na Itália.

Também buscamos abordar outras questões que se referem à complexidade

humana no que tange às dimensões sociais e afetivas que nos compõem. A busca pela

explanação das estruturas humanas contemplou o estudo de teorias de diversos autores,

que, todavia, são capazes de interagirem entre si.

Além disso, fez-se um levantamento por meio da base de dados da CAPES

acerca das produções acadêmicas nacionais dos últimos cinco anos, nos níveis de

Mestrado e Doutorado. Através de palavras-chaves como afetividade, escola e família

foram localizados nove trabalhos que, de uma forma ou de outra, puderam contribuir

com a nossa pesquisa.

Começaremos, agora, nossa reflexão teórica em correlação com os trabalhos

acadêmicos encontrados durante o levantamento bibliográfico.

2.1 Afetividade, meio social e desenvolvimento humano

Vygotsky (1993) destaca a importância das interações sociais e a ideia de

mediação e internalização como aspectos fundamentais para a aprendizagem. O autor

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defende que a construção do conhecimento ocorre a partir de um intenso processo de

interação entre as pessoas.

Assim, é a partir de sua inserção na cultura, que a criança passa a interagir

socialmente, e, aos poucos, desenvolve-se. Nesse sentido, tanto as relações sociais

vivenciadas no contexto familiar, quanto as escolares são essenciais para o

amadurecimento humano, e, no interior dessas relações, é que se evidencia a

importância da afetividade.

O ambiente doméstico, por exemplo, é um local envolto por afetividade que,

pode propiciar emoções positivas e/ou negativas. Ainda hoje, muitas famílias acreditam

na relevância da punição na educação de seus filhos e, diversas vezes, acabam partindo

para a agressividade.

Longo (2007) focou seu trabalho no assunto acerca da violência doméstica. Por

meio da Universidade de São Paulo, estudou a temática “Violência Doméstica contra

Crianças e Adolescentes (VDCA) e educação da afetividade e da moralidade:

expressões de sentidos da Palmada na linguagem de desenhos infantis”. Com este

estudo, buscou compreender os sentidos das experiências infantis de apanhar do pai ou

da mãe na infância, isto é, as sensações, emoções, sentimentos e valores inter-

relacionados sobre tais experiências autobiográficas.

Longo (2007) parte da hipótese de que a palmada (e todas as formas de punição

corporal) constitui-se para a criança que a sofre, uma experiência marcada pela

maldade, mal-estar, sofrimento, angústia, tristeza, humilhação, etc., e, portanto, não

pode ser encarada como uma estratégia disciplinar favorável à educação e ao

desenvolvimento infantil.

A partir da discussão dos resultados coletados, o autor conclui a veracidade da

hipótese formulada, uma vez que os sentidos predominantes relacionados às

experiências infantis de apanhar do pai ou da mãe são expressões de negatividade ou do

mal, sendo, portanto, contrárias ao desenvolvimento ou expansão de si em sentido

amplo, envolvendo o desenvolvimento cognitivo, afetivo e ético-moral da criança.

O pesquisador se coloca diante dos sentimentos que as crianças e adolescentes

apresentam em situações de violência física, e, para ele, as consequências destes

castigos corporais apresentam-se como negativas durante o processo de maturação

humana. Podemos, com base neste estudo, afirmar que crianças que são expostas à

violência intencional e repetitiva aprendem esses padrões como verdades, ou seja, ao

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conviverem cotidianamente com asserções negativas acabam, subjetivamente, tomando

para si, tais experiências.

A pesquisadora Lopes (2009), ao contrário, debruçou-se sobre assunto que

envolve o amor nas relações familiares. Em sua pesquisa de Mestrado, intitulada “As

crianças de uma escola de Cuiabá-MT e as suas muitas caras do amor: um estudo de

caso”, realizada pela Universidade Católica Dom Bosco, teve como objetivo analisar os

relatos sobre as expressões do afeto, as relações afetivas e a concepção do amor, num

grupo de crianças na faixa etária de seis a nove anos em uma escola privada, de ensino

fundamental de Cuiabá, MT.

Lopes (2009) mostra o quão benéfico pode ser para o desenvolvimento infantil o

fato de a criança poder contar com os pais que mantêm um bom relacionamento

enquanto marido e mulher. E que, quando ocorre a separação do casal, o processo

costuma ser doloroso para a família como um todo.

A autora considera a família como a primeira instituição em que ocorre a

socialização e a afetividade, esta é para ela, o lugar no qual acontece a veiculação do

amor, do afeto e do limite, que, de uma forma ou de outra, constituirá a subjetividade

humana, além disso, por se tratar de um lugar autorizado para que os diversos

sentimentos ocorram livres e espontaneamente, os pais precisam se responsabilizar

desse papel.

Ribeiro (2011), por meio da dissertação de mestrado “Família ‘tem que ter pai

e mãe’: representações sociais de família por crianças na cidade de Recife”,

desenvolvida pela Universidade Federal de Pernambuco, investigou as representações

sociais de família por crianças na cidade do Recife. A pesquisadora ouviu as crianças e

buscou compreendê-las como seres ativos e atuantes no mundo atual.

De acordo com a autora, a pesquisa objetivou compreender as representações

sociais de família por crianças. Os resultados mostraram que estas construíram uma

teoria do senso comum sobre o assunto, ancorada em um modelo nuclear tradicional.

A estudiosa menciona que o espaço escolar se estabelece como um lugar de

muitos contrastes, e que abriga uma pluralidade de famílias, que são representadas pelas

crianças. O tema “família” nos remete ao seu importante papel de transmissão cultural.

Assim, apesar das particularidades de cada família, elas são capazes de revelar

elementos que são compartilhados socialmente. Esse processo de compartilhamento,

como afirma Moscovici (apud RIBEIRO, 2011), ocorre através da comunicação dos

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grupos sociais, que funciona como veículo de troca de informações, que se perpetuam

ao longo dos tempos e provocam mudanças. Nesse ambiente de permutas sociais, os

adultos são os principais responsáveis por transmitir entre as gerações os diversos

saberes da memória coletiva.

Pensando nisso, muitas escolas têm buscado aproximação dos os pais, com o

intuito de construir ações de envolvimento familiar. As famílias, ao participarem do

aprendizado de seus filhos, estão fazendo com que eles se sintam mais importantes, o

que se traduz em melhoras, principalmente, com relação ao comportamento escolar.

Rohenkohl (2009) defende a concepção de que um ambiente familiar saudável

tem grande relevância para a constituição do homem. A estudiosa desenvolveu uma

pesquisa de mestrado intitulada “Afetividade e conflito familiar: sua relação com

problemas de comportamento em pré-escolares”, pela Universidade do Vale do Rio dos

Sinos e traz como contribuição a mudança das famílias concomitante às transformações

sociais como: a globalização, as novas tecnologias, a cultura, o ingresso da mulher no

mercado de trabalho, a igualdade de direitos, a emancipação sexual, o divórcio, dentre

outras.

A pesquisa foi composta por dois eixos temáticos o primeiro: “Funcionamento

de famílias de baixa renda”, propôs-se a discutir sobre algumas questões acerca das

famílias nucleares e recasadas e trouxe uma revisão teórica sobre os relacionamentos

que se estabelecem nesta e naquela, em especial, de classes populares. Na segunda parte

do trabalho: “Afetividade e conflito familiar e problemas de comportamento em pré-

escolares”, Rohenkohl (2009) buscou compreender o nível de afetividade e conflito em

famílias de baixa renda e sua relação com os problemas de comportamento em crianças

pré-escolares, a partir da visão das mães e das professoras.

Para a pesquisadora, os dados revelaram a importância do grau de afetividade e

conflito entre os cônjuges e sua relação com os problemas de desenvolvimento infantil.

O nível socioeconômico e o contexto têm implicações na formação dessas famílias,

expressando-se na forma de educar os filhos e exercendo papel fundamental no

desenvolvimento de seus membros.

O delineamento dessa pesquisa traz uma importante reflexão. A autora se refere

ao fato de que, há mais de 22 anos, trabalhou em escolas como psicóloga e que, nesse

período, tanto o corpo docente quanto o grupo gestor acabava por atribuir situações de

fracasso escolar e problemas de comportamento à dinâmica vivenciada pelas famílias

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desses educandos, como se essa fosse a principal causadora de tais situações. A escola,

nesse sentido, ao contrário de buscar um trabalho diferente, que pudesse mudar esse

contexto, eximia-se de seu compromisso para com a criança.

Rohenkohl (2009) afirma haver a necessidade de instrumentalizar os pais de

baixa renda a lidarem tanto com as dificuldades familiares quanto com seus filhos

pequenos e também de se preparar os professores que lidam com grupos sociais como

esses.

Sabemos que as relações vivenciadas, tanto no âmbito familiar quanto no meio

pedagógico, são importantes para a constituição dos sujeitos. Por isso, família e escola

precisam estar comprometidas, possibilitando aprendizagens significativas, de forma a

propiciar situações de desenvolvimento para as crianças.

Dell'Agli (2008), em sua pesquisa de doutorado, “Aspectos afetivos e

cognitivos da conduta em crianças com e sem dificuldade de aprendizagem”,

desenvolvida pela Universidade Estadual de Campinas, verificou as relações entre

aspectos afetivos e cognitivos da conduta em crianças com e sem queixa de dificuldade

de aprendizagem.

Durante o trabalho, a pesquisadora realizou observações em sala de aula,

aplicou as provas operatórias clássicas, como o jogo "Descubra o animal" e fez

entrevistas com a professora e com a família. Os dados coletados foram analisados a

partir de categorias afetivas e cognitivas.

Tal pesquisa contribuiu para uma melhor compreensão da relação entre

afetividade e cognição em crianças com e sem queixa de dificuldade de aprendizagem,

assim como para entender que afetividade e cognição são completamente indissociáveis.

Vale ressaltar que os resultados demonstraram que, apesar de existir relação

entre os aspectos afetivos e cognitivos da conduta em crianças com e sem queixa de

dificuldade de aprendizagem nas tarefas escolares, esta não se mantém naquelas com

queixa de dificuldade de aprendizagem durante as atividades lúdicas. Nesse sentido, a

autora constata que há uma problemática envolvendo as dificuldades de aprendizagem.

A partir daí, Dell'Agli (2008) coloca-se à frente da seguinte indagação “se os

aspectos afetivos, caracterizados por problemas familiares, impedem a aprendizagem,

esse impedimento não seria extensivo a qualquer tipo de aprendizagem e não apenas a

dos conteúdos escolares?”

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Faz-se saber que as atividades lúdicas, por serem livres de pressões e tensões

possibilitam a expressão cognitiva facilitando a livre expressão da dimensão afetiva. E

que o desenvolvimento psicológico está intrinsecamente relacionado ao conjunto dos

relacionamentos afetivos, sociais e morais que permeiam os ambientes escolares.

Assim, a escola não pode se destituir da responsabilidade de abordar em igual

importância todos os aspectos que compõem a totalidade do ser humano.

Sob essa questão, debruçou-se Souza (2008), ao investigar como o educador

enfrenta problemas afetivo-emocionais dos estudantes a partir da pesquisa de Mestrado

“O papel do educador para o desenvolvimento afetivo-emocional do estudante” na

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul. O objetivo geral desta foi

verificar como professores de séries iniciais do ensino fundamental resolvem questões

afetivo-emocionais de seus alunos. A pesquisadora concluiu que os docentes estão

sobrecarregados de tarefas educacionais e demonstram estar desorientados e confusos

quanto ao seu papel na vida dos estudantes.

Para Souza (2008), os docentes acreditam na parceria da família com a escola

como uma estratégia importante quando se trata de identificar e intervir nos problemas

afetivo-emocionais. A autora ressalta que é preciso (re) aprender a educar as crianças,

repensar a formação dos educadores, valorizá-los, oferecendo melhores condições

estruturais/organizacionais no trabalho e salários equivalentes à importância que

representam na nossa vida.

A autora prossegue e afirma que os professores constataram a necessidade de

desenvolver estratégias capazes de despertar o interesse dos familiares, e, consequente,

proximidade da família com a escola. Os alunos que possuem menor acompanhamento

familiar são justamente aqueles aos quais os professores direcionam maior atenção, uma

vez que acreditam que estes são os que mais precisam de gentileza, carinho e dedicação.

Para a pesquisadora, é preciso que haja uma redefinição da função da escola com

relação à família na vida dos estudantes, de maneira que seja possível “(...) definir

padrões teóricos educacionais, refletir sobre valores sociais, evitando a oscilação entre

posições que vão desde o conservadorismo autoritário do ensino instrucionista até a

inovação aos moldes construtivistas do ensino (...)” (SOUZA, 2008, p. 164).

E, assim, conclui, acerca da formação dos profissionais de educação:

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A formação humana do professor deveria ser uma das preocupações centrais

no campo da educação, porque a escola precisa educar integralmente as

pessoas, abrangendo o coração e a cognição, preparando para a vida afetivo-

relacional, e não apenas para o trabalho cognitivo, para o cálculo, a leitura e a

escrita. Nós precisamos de uma educação mais humana, alicerçada em

valores sociais igualmente partilháveis entre família e escola, onde a

compreensão e o amor estejam presentes.

Os professores merecem ser mais valorizados socialmente, melhor

preparados profissionalmente e psicologicamente para atender os estudantes

com competência. E essa luta deve partir não só da escola, porque esse

assunto diz respeito a todos nós. (SOUZA, 2008, p. 164).

Tal posicionamento remete às ideias de Nogueira (2006), sobre o movimento

escolanovista, a partir do questionamento dos métodos tradicionais desde o século XX.

Essas pedagogias passaram a entender que a criança não é um adulto em miniatura e a

defender a necessidade de maior atenção às características próprias da infância, para

isto, o ensino passou a adaptar-se ao infante e não o contrário. Desde então, o aluno

tornou-se parte ativa desse processo5.

O autor salienta que além do discurso acerca da parceria escola-família, a

instituição escolar ainda chama para si a responsabilidade pelo bem estar psicológico e

pelo desenvolvimento emocional do educando. Estabelecida a meta de ajustar as

funções pedagógicas, a escola com a intenção de conhecer melhor seu aluno, acaba

muitas vezes, por adentrar os acontecimentos mais íntimos da vida familiar.

Para ele, é preciso reconhecer o dogmatismo da ideia de “parceria” entre escola e

família e buscar respostas que se encarreguem de conhecer os discursos e as práticas

efetivas dos sujeitos sociais, suas implicações e consequências.

O trabalho de mestrado desenvolvido por Scatralhe (2009), no Centro

Universitário FIEO - Psicologia Educacional, “Família e escola: dois sistemas

interdependentes na compreensão dos significados no processo escolar do filho/aluno”,

abordou as principais relações conflitantes entre família e escola de ensino fundamental

de uma instituição particular de ensino na cidade de Cotia.

5 (...) Tais princípios se prolongaram no tempo, revestem-se, nos dias atuais, de uma forte preocupação

com a coerência entre os processos educativos que se dão na família e daqueles que se realizam na escola.

O que significa que a instituição escolar hodierna deve conceber seu trabalho educativo em conexão com

as vivências trazidas de casa pelo educando. Hoje mais do que nunca, o discurso da escola afirma a

necessidade e se observar a família para bem se compreender a criança, assim como para obter uma

continuidade entre as ações desses dois agentes educacionais. E o meio privilegiado para a realização

desses ideais pedagógicos será – ao menos no plano do discurso – o permanente diálogo com os pais.

(NOGUEIRA, 2006, p. 161).

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A estudiosa propôs uma metodologia de pesquisa que implica criar um espaço

conversacional, com o intuito de conhecer e compreender os significados que serão

apresentados pelos pais e professores, a partir do que relatam neste meio sobre a

educação escolar do filho/aluno. Para tanto, a pesquisa teve como respaldo a abordagem

teórica de Vasconcellos e Morin. A autora comenta que, durante as manifestações das

falas dos participantes, foi possível evidenciar traços de emoções humanas sob a

perspectiva de Maturana.

Além disso, Scatralhe (2009) pretendeu fazer o leitor compreender que o

espaço conversacional poderá ser entendido como manifestações emocionadas; e de

afetividade, expressas com o objetivo de possibilitar aproximação da escola e da família

nas questões conflitantes relacionadas ao processo escolar do filho/aluno.

Como conclusão, constatou que conversar na escola apresenta-se como uma

proposta aceita e positiva para pais e professores e que, quando esta instituição cumpre

a missão de transmitir valores essenciais nas funções do educador, acaba por educar

também a família. Desse modo, a ação educativa da escola termina por inserir também

os pais do aluno.

Vequi (2008), em: “Educação familiar: colaboração e participação entre escola

e família nas dimensões afetiva, cognitiva e de socialização”, dissertação de Mestrado

realizada pela Universidade do Vale do Itajaí, buscou investigar como a educação

familiar pode interferir na melhoria do processo educativo por meio da análise da

colaboração e participação entre escola e família nas dimensões: afetiva, cognitiva e de

socialização. Ao longo do trabalho, propõe soluções de como os profissionais da

educação podem, em conjunto com pais e mães, incentivar os alunos a alcançarem

melhores rendimentos.

Tal pesquisa se fundamentou em Wallon e traz afirmações sobre a

indissociabilidade entre afetividade e inteligência; em Piaget, que retrata o processo de

desenvolvimento humano; em Vygostky, que afirma que o ser humano se constitui na

sua relação com o outro. Quanto à educação familiar, a autora recorreu a outros autores,

como Quintana, Ramos e Rodriguéz.

Os resultados apontaram que profissionais da educação percebem a

necessidade de uma disciplina de caráter obrigatório, que aborde o tema da educação

familiar e também estão cientes de que pais e mães precisam de um programa de

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orientação sobre a educação e formação de seus filhos (as), além de demonstrarem

preocupação em promover a interação entre escola e família.

Muitos estudos teóricos procuram demonstrar em suas entrelinhas, que existe

uma interação entre o ambiente familiar e a escola como o segundo ambiente

socializado.

Dias (2009) centrou-se na busca por trabalhos que retratassem essa discussão,

em sua tese de doutorado desenvolvida na Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita, “Pesquisando a relação família-escola: o que revelam as teses e dissertações

dos programas de pós-graduação brasileiros” centrou-se na problemática que interroga o

conjunto de teses e dissertações produzidas no âmbito dos programas de pós-graduação

brasileiros.

O autor conclui que as teses e dissertações indicam que a relação é importante

para os alunos, uma vez que as famílias adotam critérios para avaliar o desenvolvimento

de seus filhos; que a principal expectativa sobre a escola refere-se à instituição como

agência de formação geral, através da afetividade, de valores importantes para a família,

e do cuidado que endereça às crianças, aparecendo como secundária a transmissão de

conteúdos, tida como função tradicional da escola; e que a relação configura-se na

exigência da presença dos pais no ambiente escolar, como fator indicativo de

envolvimento com a escolarização dos filhos.

A referência inicial da criança é a família, mas a escola também pode oferecer

oportunidades distintas e motivadores, conforme nos elucida Bastos (2003):

Além das relações com a família, o meio escolar é fundamental para o

desenvolvimento da criança, pois é um meio diversificado, rico, e que oferece

novas oportunidades de convivência para a criança que ainda tem como única

referência à família. A escola é um meio para a constituição dos grupos, que

são os iniciadores das práticas sociais. (BASTOS, 2003, p.23).

Wallon (1979) afirma que tais grupos são de grande importância para a

aprendizagem social da criança, para o desenvolvimento de sua personalidade e

consciência de si própria. O interior familiar seria, assim, o ponto de partida para que

ela desenvolva essa percepção.

Por isso, a criança precisa se sentir segura, acolhida e protegida em seu entorno

social. E quando, pais e professores conseguem desenvolver um trabalho em conjunto,

são capazes de promover um ambiente sadio e significativo a ela. Todavia, no interior

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dos portões das instituições de ensino é comum ouvirmos que qualquer dificuldade

verificada no meio familiar pode interferir negativamente no desenvolvimento escolar.

Por isso, a relevância de refletirmos sobre esse assunto, e como os professores

envolvidos com a educação escolar podem lidar com isso tudo.

A partir desse enfoque, emergem muitas indagações: Como ficam as crianças

que estão inseridas em um contexto familiar “não tradicional”? Elas conseguirão

participar ativamente das atividades propostas pela escola? Será que terão condições

para se desenvolver?

A busca por obras próximas ao tema de nossa pesquisa permitiu que

refletíssemos um pouco sobre essas questões e observássemos que abordamos um tema

da atualidade, que poderá nos encaminhar para novas descobertas posteriormente. E,

embora tenhamos encontrado algumas obras que se relacionassem com o assunto

estudado, nota-se a carência de pesquisas que se concentram, especificamente, no

âmbito da educação infantil.

Gobbi (2005) também se refere à dificuldade em encontrar estudos sobre

crianças pequenas, de zero a seis anos que pudessem contribuir com sua própria

pesquisa. Para ela, as produções acadêmicas sobre a infância, muitas vezes, encontram-

se distantes das formas de expressão que fazem parte do repertório cultural das crianças.

Em alguns casos, as produções sobre a infância se subordinam às questões políticas, ou

seja, às formas de implantação da legislação que nem sempre são benéficas aos

pequenos. Em outros, as pesquisas são feitas a partir de fontes documentais que

demonstram a criança vista de fora, e ainda, trazem práticas morais, voltadas

simplesmente ao assistencialismo6.

Nosso trabalho se insere nos estudos que caminham no sentido de afirmar a

importante posição da criança pequena, como um indivíduo social, sujeito criador e

produtor de sua própria cultura. Sendo assim, o conhecimento sobre seu

desenvolvimento global, sobretudo, acerca de sua realidade social, é um dever para que

6 Se os estudos que se voltam para as crianças de um modo geral são limitados, ao procurar a bibliografia

específica sobre os pequenos nas áreas de história e ciências sociais, com as quais o presente trabalho

pretende dialogar, o espanto foi bastante grande. Trata-se, como diriam os mais velhos, de procurar uma

agulha no palheiro, tamanha a dificuldade em encontrar estudos acadêmicos que contemplem as crianças

pequenas e bem pequenas, em que reside meu foco de pesquisa. Quanto aos pequenos e pequenas,

acostumamo-nos à sua ausência nas pesquisas e isso chega a parecer natural; é como se começassem a

existir apenas a partir de seu crescimento e, ouso dizer, de sua entrada no mundo dos alfabetizados, dos

escolarizados (...). (GOBBI, 2005, p. 72).

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consigamos caminhar para a ampliação de nossos conhecimentos. Vamos nos referir,

então, aos pressupostos teóricos sobre o desenvolvimento humano, a começar, é claro,

pelos aspectos relacionados à infância.

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CAPÍTULO III

ENTRE AFETO E INTELIGÊNCIA: O EU E O OUTRO

3.1 A criança em interação

O processo de maturação psicológica, principalmente durante a infância, é algo

bastante complexo. Por isso, para que conseguíssemos compreender com mais clareza,

recorremos a alguns teóricos que se aprofundaram nesse assunto.

Vamos iniciar, então, nossa compreensão com respaldo na teoria psicogenética,

intercalando outras linhas de pensamentos, com a intenção de elucidar a composição das

estruturas cognitivas humanas, bem como, ressaltar a importância das questões afetivas

durante o processo de desenvolvimento humano.

Segundo Sisto (1996), Piaget descreve o desenvolvimento como um processo

que se encontra em um constante equilibrar-se. Não se trata de um simples equilibrismo,

uma vez que, a cada novo equilíbrio, algum novo conhecimento é acrescentado ao

estado anterior.

Piaget descreveu quatro grandes períodos do desenvolvimento: 1º a

inteligência sensório-motora, que vai do nascimento até os 2 anos de idade,

aproximadamente; 2º o pensamento representacional, que tem seu primado

até por volta dos 6-7 anos; 3º o pensamento operatório-formal, que

caracteriza as formas de raciocínio do adolescente, considerada a última etapa

do desenvolvimento. (SISTO, 1996, p. 70-71).

Os quatro períodos do desenvolvimento descritos por Piaget, contudo, não são

entendidos como algo que possa ocorrer de maneira linear. Assim, uma pessoa que

dispõe das operações formais em seu sistema cognitivo poderá se utilizar de sua

inteligência sensório-motora em determinadas situações e de sua inteligência

operatório-formal, em outras. Isso, no entanto, não significa que não tenha atingido o

nível máximo de maturação cognitiva.

La Taille (1992) compreende que, para Piaget, “o ser social” de mais alto nível

é aquele que consegue ter um relacionamento mais equilibrado com os seus

semelhantes. Para o estudioso, a teoria piagetiana trata de comparar os diferentes graus

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de socialização, de acordo com os estágios de desenvolvimento de cada sujeito.

Vamos ver essa correspondência, começando pela criança no estágio

sensório-motor. Nesse estágio Piaget considera abusivo falar em real

socialização da inteligência. Essa é essencialmente individual, pouco ou nada

devendo às trocas sociais. Em compensação, a partir da aquisição da

linguagem, inicia-se uma socialização efetiva da inteligência. Contudo,

durante a fase pré-operatória, algumas características ainda limitam a

possibilidade de a criança estabelecer trocas intelectuais equilibradas. (LA

TAILLE, 1992, p. 15).

Essa perspectiva nos possibilita entender que, na fase que inclui o período

sensório motor (que vai do nascimento aos dois anos, aproximadamente), ou, no pré-

operatório (que se estende dos dois anos aos seis anos, em média), a criança ainda

possui um “pensamento egocêntrico”. Ela não consegue efetivamente garantir-se de um

verdadeiro diálogo, uma vez que seu pensamento está centrado no “eu” 7.

Sisto (1996) acredita que a inteligência sensório-motora seja uma inteligência

de ação, de movimento, pois os esquemas reflexos transformam-se progressivamente

em esquemas e se coordenam em totalidades mais abrangentes. A criança ainda está

conhecendo suas possibilidades visuais, auditivas, táteis, de paladar e de odor e

integrando-as entre si.

É, assim, possível compreender que, ao nascer, ela dispõe de poucos reflexos

inatos, mas com o passar do tempo, o contato com o meio lhe permite aprender a lidar e

se relacionar cada vez mais com o mundo. Isso porque, ao adentrar um sistema de

permutas sociais, o organismo em amadurecimento desenvolve uma sequência de

capacidades locomotoras, sensoriais e sociais.

Piaget (2001) pressupõe que desde os primeiros anos de vida o bebê

desenvolve operações intelectuais. À medida que passa a se relacionar com os

elementos que o cercam, pode “elaborar o universo”, ou seja, intervir sobre ele mesmo.

7 O egocentrismo pode ser percebido na realização de qualquer tarefa coletiva, em que não há a

verdadeira cooperação, ou seja, ao realizar uma tarefa em grupo, na verdade, cada um realiza a sua

própria tarefa e não uma tarefa conjunta. Por exemplo, ao fazer um desenho em uma folha grande, cada

um faz o seu próprio desenho e não um desenho coletivo. Em função dessa característica, dessa

incapacidade de cooperar verdadeiramente, de se colocar no lugar do outro, muitas vezes os problemas

são resolvidos no “tapa” já que a criança não consegue ainda coordenar pontos de vista distintos. Por essa

incapacidade de se colocar no lugar do outro e de realizar tarefas conjuntas, ela não é capaz, ainda, de

uma verdadeira cooperação, a qual só se torna realmente possível no operatório-concreto. (MARQUES,

2001, p. 54).

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O período representacional ou pré-operatório, por exemplo, é marcado principalmente

pelo jogo e pela imitação, o que amplia o contato da criança com o ambiente que a

cerca.

Ela constantemente interage com os adultos, no começo, as respostas que dá ao

mundo são dominadas por processos naturais, proporcionadas por sua herança

biológica. É por meio da mediação que os processos psicológicos mais complexos

começam, paulatinamente, a aparecer.

Na medida em que cresce, e quanto mais relações estabelece, mais a atividade

intelectual se estende. É nesse sentido que, ao nos atentarmos para a perspectiva

histórico-social, conseguimos ampliar ainda mais os horizontes acerca do

desenvolvimento da espécie humana.

De acordo com Vigotsky (apud OLIVEIRA, 1997) a relação organismo e meio

é complexa, sendo intermediada por elementos mediadores. No decorrer do

desenvolvimento humano, as relações mediadas passam a se tornar cada vez mais

presentes em detrimento às relações diretas, sem elementos mediadores.

O autor distingue dois tipos desses elementos que se fazem presentes em nossa

cultura: os instrumentos e os signos. Aqueles seriam objetos sociais que mediam as

relações humanas, auxiliando o sujeito em situações concretas: um lápis seria um

facilitador do registro escrito, por exemplo. E estes se caracterizariam como meios

auxiliares das atividades psíquicas e, poderiam, por exemplo, facilitar tarefas que

exigem memória e atenção. Atar um nó para se lembrar de algo, faz com que ocorra a

extensão da memória para além de sua dimensão biológica.

A estrutura das operações com signos se inicia com a díade estímulo e resposta,

mas logo é substituída por um ato mais complexo, o que permite ao ser humano

controlar o seu próprio comportamento. Segundo Oliveira (1997), a mediação é um

processo essencial que torna possíveis as atividades psicológicas voluntárias e

intencionais.

A utilização de signos é algo histórico, que surge de forma dialética ao longo

do desenvolvimento psicológico. A história do desenvolvimento intelectual emerge do

entrelaçamento dos processos elementares, de origem biológica e das funções

psicológicas superiores, de origem sociocultural8.

8 As concepções de Vigotsky sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam-se em sua ideia de

que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem. Na sua

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As postulações de Vigotsky (apud OLIVEIRA, 1992), sobre o substrato

biológico do funcionamento psicológico traz evidências sobre a relação entre os

processos mentais humanos e sua inserção em determinado contexto sócio histórico. A

mediação capacita o homem a lidar com representações que possam substituir o real. O

estudioso afirma que a verdadeira essência da nossa memória está no fato de sermos

capazes de efetivamente nos lembrarmos com a ajuda dos signos.

Assim, o homem pode controlar o seu próprio comportamento e ainda,

influenciar o ambiente em que vive. Os signos não tratam de modificar o objeto da

operação psicológica, mas de se constituírem como um meio da atividade interna para o

controle do próprio sujeito.

A transição para a atividade mediada, por meio do uso de meios artificiais,

provoca mudanças nas operações psicológicas. À combinação entre

instrumento e signo na atividade psicológica é chamada, na teoria histórico-

social de função psicológica superior. (VIGOTSKY, 1998, p. 73).

Ao longo da evolução da espécie humana, a utilização de marcas externas se

converte em um procedimento interno de mediação, denominado “processo de

internalização”, este e a utilização de sistemas simbólicos são essenciais para o

desenvolvimento dos processos mentais superiores.

Tal processo pode ser entendido como a reconstrução interna de uma operação

externa, ou seja, de interpessoal se torna intrapessoal. Vigotsky (1998) ressalta um

exemplo dessa transição da seguinte forma:

Quando uma criança quer um objeto, ela estende a mão para tentar pegá-lo;

sem saber que o gesto que faz é entendido pelos adultos, pois tem um

significado. Aos poucos, ela internaliza isso e passa a apontar quando quer

algo que esteja longe de seu alcance. Dessa forma, “o movimento de pegar

transforma-se no ato de apontar.” (Ibidem: p. 74).

relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano

cria as formas de ação que o distinguem de outros animais. Sendo assim, a compreensão do

desenvolvimento psicológico não pode ser buscada em propriedades naturais do sistema nervoso.

Vigotsky rejeitou, portanto, a ideia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção de

cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são

moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas

possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas funções

criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações morfológicas no órgão físico.

(OLIVEIRA, 1992, p.35).

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Gradativamente, a pessoa não necessita mais de símbolos externos, pois, passa

a se utilizar dos signos internos. Em outras palavras, num dado momento, o ser humano

realmente torna-se capaz de representar mentalmente. Lidar com representações que

substituam o real possibilita ao homem maior autonomia e desenvoltura na realização

das tarefas, uma vez que o liberta do espaço e do tempo presentes.

(...) é através da relação interpessoal concreta com homens que o indivíduo

chega a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento

psicológico. (...) Quando pensamos em um gato, por exemplo, não temos na

mente, obviamente o próprio gato; trabalhamos com uma ideia, um conceito,

uma imagem, uma palavra, enfim, algum tipo de representação, de signo, que

substitui o gato real sobre o qual pensamos. (OLIVEIRA, 1997, p 37).

Essa capacidade de representação do real possibilita ao sujeito livrar-se do

próprio espaço por meio das relações mentais que lhe permitem imaginar, planejar e ter

intenções.

Tais possibilidades de operação mental não constituem uma relação direta

com o mundo real fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos

internalizados que representam os elementos do mundo (...). (OLIVEIRA,

1997, p.40).

De acordo com essas concepções, é possível ater a produção da subjetividade

por meio dos signos. Para entender a fala de alguém, por exemplo, é preciso

compreender o seu pensamento, é preciso apreender o significado da fala.

Para Bock (2001), o significado é, sem dúvida, parte integrante da palavra, mas

é simultaneamente, ato do pensamento, é um e outro ao mesmo tempo, porque é a

unidade de pensamento e linguagem. Através das palavras, as pessoas conseguem expor

seus pensamentos, seus sentimentos.

O indivíduo, na realidade, se constitui ao longo de sua evolução. Portanto, é

por meio das interações com os outros que as manifestações expressivas se

exteriorizam, tornam-se cada vez mais intencionais e pelo seu caráter

expressivo, podem ser interpretadas pelo ambiente e por ele influenciadas.

(BASTOS, 2003, p. 56).

A exteriorização dos pensamentos expressa as vivências e construções

produzidas de suas relações com a história e a cultura. Não podemos deixar de ressaltar

que, as necessidades e vontades são constituídas a partir da realidade social, da história

e, sem dúvida, da atividade do sujeito.

Para Wallon (apud MAHONEY, 2000), a relação entre a criança e o meio é

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evolutiva e tende a mudar conforme as necessidades. Por isso, é impossível pensar nela

se não no interior da sociedade:

Separar o homem da sociedade, opor, como é frequente, o indivíduo à

sociedade, é descorticalizar seu cérebro... A sociedade é para o homem uma

necessidade, uma realidade orgânica. Não que ela já esteja organizada no seu

organismo... A ação se faz no seu sentido inverso. É da sociedade que o

indivíduo recebe suas determinações; elas são para ele um complemento

necessário; ele tende para a vida social como para seu estado de equilíbrio.

(WALLON, 1979, p. 8).

Na teoria psicogenética walloniana, a consciência se constrói aos poucos em

uma orientação para a diferenciação de si e dos outros. A evolução é marcada pelas

influências entre o eu e o outro e variam de acordo com as necessidades próprias. Essas

alterações são bastante aparentes nas crianças devido ao processo de construção de sua

pessoa.

De tal forma, entendemos que não há como conceber o sujeito senão no interior

da sociedade da qual ele faz parte. E ainda que, os diferentes momentos da evolução

humana são constantemente marcados pela alternância entre as funções da afetividade e

da inteligência, de acordo com cada etapa do desenvolvimento.

Esse esclarecimento sobre as fases do desenvolvimento humano, bem como a

diferenciação entre infância e idade adulta é algo complexo, que somente começa a

ganhar importância no meio social, com o decorrer do processo histórico,

principalmente, a partir de estudos como os mencionados.

Tal percurso de reconhecimento das especificidades da criança, aos poucos,

difunde-se, de forma que a própria sociedade é esclarecida a partir dessas postulações,

apesar disso, é importante destacar que a infância percorreu diferentes caminhos ao

longo dos anos, ora a criança era vista como um adulto em miniatura, ora como fruto da

idealização do desejo dos próprios pais.

3.2 A infância no decorrer do processo histórico

Para Ariès (1981), a velha sociedade tradicional via mal a infância. Nos

primeiros anos de vida, havia resguardado um sentimento superficial, que o autor

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denominou por “paparicação”. Passado esse período, a criança era logo misturada aos

adultos, partilhando seus trabalhos e jogos.

A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a

socialização da criança, não eram portanto nem asseguradas nem controladas

pela família. A criança se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que

durante séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à

convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança aprendia as

coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las. (ARIÈS, 1981, p. 10).

A passagem da criança pela família era muito curta, não havia razão para que

houvesse um despertar da sensibilidade, pois tal agrupamento não tinha funções

afetivas. Sua missão era, sobretudo, garantir a conservação dos bens, a proteção da

honra e assegurar a vida9.

Assim posto, a sociedade medieval não reconhecia o sentimento de infância, ou

seja, as particularidades que distinguiam a criança do adulto. Aquela era vista como um

adulto em miniatura, e muitas vezes, a falta de cuidados específicos levavam-na à morte

(muitas asfixiadas, ao dormir nas camas dos pais; ou mesmo eram perdidas ao se

misturarem aos adultos). “Assim que a criança superava esse período de alto nível de

mortalidade, em que sua sobrevivência era improvável, ela se confundia com o adulto.”

(ARIÈS, 1981, p. 157).

A partir do final do século XVII, houve uma mudança considerável nas

sociedades industriais. Os pequenos foram separados dos adultos, deixaram de aprender

diretamente no contato com eles, e, ganharam espaços de aprendizagens, agora, na

instituição escolar. Todavia, esse período é marcado pelo início de um processo de

enclausuramento, no qual ela era colocada em quarentena no colégio.

É entre os moralistas e educadores dessa época que vemos surgir outro

sentimento, na qual o apego às particularidades infantis não se exprimiam mais por

meio da distração e da brincadeira, mas sim, através do interesse psicológico e da

preocupação moral.

9 As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas, portanto, fora da família, num “meio”

muito denso e quente, composto por vizinhos, amigos, amos e criados, crianças e velhos, mulheres e

homens, em que a inclinação se podia manifestar mais livremente. As famílias conjugais se diluíam nesse

meio. Os historiadores franceses chamariam hoje de “sociabilidade” essa propensão das comunidades

tradicionais aos encontros, às visitas, às festas. É assim que vejo nossas velhas sociedades, diferentes ao

mesmo tempo das que hoje nos descrevem os etnólogos e das nossas sociedades industriais. (ARIÈS,

1981, p. 11).

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A consequência disso tudo se deu com a polarização da vida social a partir do

século XIX, em torno da família e da profissão e o desaparecimento dos moldes antigos

de sociabilidade.

Rosemberg (1976) menciona que, nas sociedades desse tempo, o adulto

desempenhava um papel de emissor (porque ensina) e a criança de receptor (porque

aprende). O poder é, assim, detido por aquele, com fundamentação inicial, na

dependência biológica desta. “Na sociedade centrada no adulto a criança não é. Ela é

um vir a ser. Sua individualidade mesmo deixa de existir. Ela é potencialidade e

promessa” (ROSEMBERG, 1976, p. 1467).

Os meandros do processo histórico trazem à tona a intensificação do aspecto

afetivo. Vivencia-se um movimento de mudanças nas concepções acerca da infância.

Primeiro porque o trabalho passa a ser restrito aos adultos e segundo devido ao

movimento social pelos direitos humanos.

Para Arroyo (1995), o conjunto de lutas pelos direitos é algo muito rico. “(...) O

direito da mulher, o direito do idoso, o direito do trabalhador e também o direito da

infância. Hoje temos o Estatuto da Criança e do Adolescente” (ARROYO, 1995, p. 18).

Durante muitos séculos, a infância foi tratada como algo à margem da família.

Na atualidade, nota-se um avanço considerável, uma vez que a criança é considerada

como alguém que tem sua própria identidade. Muitas famílias são até mesmo levadas a

tratar sua relação com os filhos quase profissionalmente, ouvindo especialistas de

diversas áreas (psicólogos, fonoaudiólogo, pediatras, etc.). Contudo, ainda hoje, eles se

veem obrigados a preparar seus filhos para a vida, instrumentalizando-os por meio da

escolarização e da profissionalização.

Para Godard (1992), a partir de 1960, um novo olhar tem se instalado. Segundo

o autor, nos últimos anos, a criança tem derivado de uma vontade dos pais, já que a

sociedade dispõe de técnicas variadas para esta realização (contracepção, fecundação in

vitro, inseminação artificial, etc.).

Além disso, um filho passou a se tornar um “custo” ao invés de um “capital

econômico”, o que ocorreu devido à proibição do trabalho infantil, à obrigatoriedade do

período de escolaridade e à criação dos sistemas de seguridade social. A prole deixou de

ser força de trabalho e recurso de seguridade durante a velhice para se tornar uma fonte

de amor, de prazer e de orgulho para os pais.

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Daí advém a preocupação da família com relação ao futuro dos filhos. Ao

considerarmos que a posição ocupacional e as possibilidades de ascensão social estão

estritamente relacionadas ao sucesso escolar, este, então, se desloca do plano econômico

para o escolar. É nessa perspectiva que a escola assume um lugar de destaque, e os pais

se sentem cada vez mais responsabilizados pelo sucesso ou pelo fracasso dos filhos.

Mas, quais relações os familiares estabelecem com a escola e vice-versa? Quem é o

responsável direto pela educação das crianças: a escola ou a família?

3.3 As relações entre família e escola

Alguns autores apontam para o fato de que a aquisição de conhecimentos se

inicia no interior do grupo doméstico, antes mesmo que a criança principie sua vida

escolar. Tais aprendizagens singulares estariam ligadas ao modo de se relacionar de

cada família. A escola teria como objetivo dar continuidade à tarefa familiar de educar a

criança para a vida e, especificamente para o trabalho. Mas, cada vez mais, a escola tem

tentado se reconfigurar, desempenhando um novo papel, que há algum tempo derivava

do seio familiar.

Nogueira (1998) destaca a necessidade de entender, a partir dos anos 80, a

emergência de novas abordagens do fenômeno das relações entre família e escola.

Estudos pioneiros, da década de 50 a 60, buscaram transparecer, principalmente, as

relações entre educação e classe social. No entanto, essas análises apresentavam um

caráter macroscópico acerca das desigualdades. A família ficava, então, dissolvida na

variável “categoria socioeconômica de pertencimento” (NOGUEIRA, 1998, p. 2).

A autora explica que, a partir dos anos de 1960 até a década de 1970, surgem

muitos estudos que colocam a família no centro das análises, mas ainda assim, os dados

obtidos sobre esta não são empíricos, mas sim, postulações. Nogueira (1998) afirma que

somente a partir das décadas de 1980 e 1990 é que ocorre um grande processo de

reorientação, em especial, da Sociologia da Educação, com o deslocamento do olhar

sociológico das microestruturas para os processos educacionais (estabelecimentos de

ensino, sala de aula, currículo), sob influência da antropologia (estudo etnográfico,

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observação participante) e também dos processos históricos (história da vida e

biografias escolares).

“(...) trata-se então de identificar os fatores que levaram ao aparecimento de

novas formas de tratamento do objeto”. Ou, mais especificamente, sob o peso

de quais fatores foram os sociólogos levados a superar o plano das análises

macroscópicas e das relações estatísticas entre a posição social dos pais e a

performance escolar dos filhos; a desejar conhecer os processos e as

dinâmica intrafamiliares, as práticas socialisatórias e as estratégias educativas

internas ao microcosmo familiar? (NOGUEIRA, 1998, p. 94).

Os estudiosos da área acreditam que muitas respostas surgem da intersecção da

análise social com a sociológica. De um lado, estariam as modificações pelas quais

passam a família contemporânea concomitante àquelas sofridas pela instituição escolar,

do outro a reorganização do pensamento sociológico no que se refere à investigação de

pequenas unidades de análise.

Sensíveis a essas mudanças conceituais, os pesquisadores voltam-se para os

processos e as interações que se dão internamente à escola e à família, esta

última considerada por Terrail (1997) a derradeira dentre as “caixas pretas”

abetas pelos sociólogos da educação. (Ibidem: p. 95).

Dessa forma, os pesquisadores deixam de conceber a família como um mero

reflexo da classe social para dar ênfase à própria atividade do grupo familiar. Assim, as

orientações deste passam a operar da posição da família na estratificação social de

maneira inter-relacionada às condutas educativas. Esse fenômeno é fruto tanto do novo

contexto social quanto dos processos escolares, ou seja, da aproximação cada vez maior

entre essas duas instâncias sociais.

Muitos autores observam que, antigamente, a relação entre família e escola era

esporádica, ou seja, a maioria dos pais (do início do nosso século), não mantinha

relações com a escola pública. Somente a partir dos anos de 1960 é que as interações

individuais entre pais e professores passam a ganhar importância.

No passado, a presença dos pais nos estabelecimentos de ensino se justificava

tão somente pela moralidade e disciplinarização dos alunos. A nova realidade social é

fruto de um complexo processo manifestado nas últimas décadas: resultado das

transformações tanto no âmbito familiar quanto nas instituições de ensino.

Desde meados do século XX, novas dinâmicas sociais vêm afetando as famílias.

Nogueira (2006) menciona que as famílias ocidentais sofreram várias mutações tais

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quais: diminuição do número de casamentos, elevação constante da idade da

conjugalidade e da procriação, difusão de novos arranjos de família (monoparentais,

recompostas, monossexuais) e limitação do número de filhos.

No que se refere aos aspectos econômicos, a família, que antes tinha um caráter

de produção, passou à unidade de consumo. A proibição do trabalho infantil, a extensão

do período de escolaridade e a criação do sistema de seguridade social fez com que os

filhos deixassem de representar aos pais um aumento da renda familiar ou então,

seguridade na velhice.

O lugar da criança sofreu uma redefinição no interior familiar, que culminou

com mudanças no papel educativo da família. Nogueira (2006) pontua que as funções

de socialização que anteriormente aconteciam no meio social ganharam peso nas

relações da esfera doméstica, que se tornara, então, a principal transmissora de uma

gama de conhecimentos e atitudes (valores, comportamento e conhecimentos

intelectuais).

Durante esse movimento, a escola também tem suscitado pela emergência de

novos valores, principalmente, com a preconização do respeito pela individualidade e

pela autonomia dos alunos. Os pais passaram, então, a serem orientados a não mais

pautarem-se no autoritarismo, mas no diálogo com os filhos.

Ao lado desse fenômeno, o sistema escolar e os processos de ensino também

sofreram, e ainda sofrem modificações, conforme relata Nogueira (2006):

(...) Sob o peso de fatores como as legislações de extensão da escolaridade

obrigatória, as políticas de democratização do acesso ao ensino, a

complexificação das redes escolares e a diversificação dos perfis dos

estabelecimentos de ensino, as mudanças internas nos currículos, nos

princípios e métodos pedagógicos, é todo o funcionamento das instituições

escolares que passa a influenciar intensamente o dia-a-dia das famílias (...).

(Idem: 2006, p.161).

Tem-se hoje, por exemplo, a tão falada crise da família – que inclui os

divórcios, o estresse proveniente da sobrecarga de trabalho, mães chefes de família,

além da falta de tempo para convivência com os filhos. Isso tudo requer das escolas que

ocorra uma extensão de seu tradicional papel de instrução acadêmica a fim de englobar

vários aspectos de assistência biopsicossocial.

À medida que as famílias se nuclearizaram, pais e mães passaram a trabalhar

fora de casa e a disporem de menos tempo para os filhos, num movimento que passou a

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reduzir cada vez mais suas funções de transmissão cultural e social. O modelo

tradicional já não corresponde às condições de vida da maioria das famílias da

atualidade, além disso, as mulheres têm se dedicado cada vez mais ao mercado de

trabalho. Desta forma, a escolarização cresceu de modo sistemático, e tornou-se o

contexto central do desenvolvimento individual das crianças e jovens, assumindo

funções sociais e emocionais adicionais.

Ao verificarmos uma mudança no perfil da família e da escola na atualidade,

podemos concluir que estamos imersos em um novo panorama, fruto das inter-relações

entre as diversas sociedades contemporâneas. É preciso, pois, voltar nossos olhares e

tecer conhecimentos que sejam capazes de abranger e articular as múltiplas facetas que

existem hoje, Pois no interior desta gama de particularidades, perpetuam-se diferentes

modos de existência.

Nesses termos é que é indispensável que toda reflexão sobre a sociedade

global contemple tanto a diversidade como a globalidade, reconhecendo que

ambas se constituem simultânea e reciprocamente. Quando isso não ocorre, a

reflexão se arrisca a permanecer na mera descrição, ideologizar este ou

aquele momento da análise, ou ficar a meio caminho da interpretação.

(IANNI,1995, p. 12).

A sociedade civil chega ao século XXI totalmente transformada e revigorada, o

processo de modernização conservadora da atualidade aparece, sobretudo, na educação,

conforme observaremos a seguir, a partir da pedagogia escolanovista.

3.4 O papel da escola durante o desenvolvimento infantil

O início do século trouxe, com a Escola Nova, uma pedagogia centrada no aluno

em detrimento das concepções de ensino tradicionais. Esta nova perspectiva, envolve a

criança durante o processo ensino-aprendizagem, assim ativamente, esta se torna parte

integrante de suas próprias aprendizagens.

Hoje, mais do que nunca, depreende-se do discurso da escola a necessidade

de se observar a família para se conhecer a criança, bem como para se obter

um mínimo de coerência entre as atitudes educativas da escola e da família. E

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o constante diálogo com os pais passa a ser visto como o meio privilegiado

de se chegar a esses ideais pedagógicos. (NOGUEIRA, 1998, p. 100).

Além da preocupação em estabelecer vínculo com os familiares, a escola passa a

se responsabilizar pelo desenvolvimento cognitivo e, sobretudo, pelo bem estar

psicológico e emocional dos pequenos.

Efetivamente, é comum encontrarmos hoje situações em que o educador

(professores, orientadores educacionais e outros) busque ativamente e

detenha informações sobre os acontecimentos mais íntimos da vida familiar

(separações conjugais, crises, doenças, desemprego, etc.), sempre em nome

de melhor compreender o aluno e de aperfeiçoar sua atuação pedagógica.

(Ibidem: p.100).

Em contrapartida, a escola entende também a importância de atuar em áreas que

antes eram delegadas ao grupo familiar (como a educação sexual, prevenção de drogas),

e, além disso, cede espaço para que a família possa intervir nas decisões de educação

escolar, por meio de uma administração participativa. Portanto, as modificações ao

longo dos anos nas estruturas familiares originam um sistema de influências advindas

da parceria entre família e escola.

Nogueira & Nogueira (2002), colocam que, a partir dos anos de 1960, ocorre

uma crise na concepção da escola como instituição capaz de possibilitar a igualdade

social. Isso porque no final dos anos de 1950 muitas pesquisas quantitativas

patrocinadas pelos governos inglês, americano e francês revelaram que a origem social

relacionava-se aos destinos escolares, ou seja, os desempenhos na escola não dependiam

simplesmente dos dons individuais, mas também da origem social dos alunos, como:

classe, etnia, sexo e local de moradia. Outro fator que contribuiu para tais mudanças

estava relacionado à massificação do ensino, sobretudo o francês, de caráter autoritário

e elitista e com baixo retorno econômico e social.

(...) essa geração, arregimentada em setores mais amplos do que os das

tradicionais elites escolarizas, vê – em parte, pela desvalorização dos títulos

escolares que acompanhou a massificação do ensino – frustradas suas

expectativas de mobilidade social através da escola. A decepção dessa

“geração enganada”, como diz Bourdieu alimentou uma crítica feroz ao

sistema educacional e contribuiu para a eclosão do amplo movimento de

contestação social de 1968. (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2002, p.17).

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Bourdieu (apud NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2002), aponta-nos para uma nova

concepção de escola e de educação. No lugar em que se via a igualdade de

oportunidades, passa-se a ver legitimação das desigualdades, nessa visão, a educação

assume um papel de manutenção dos privilégios sociais.

A escola não poderia ser considerada uma instituição que seleciona os mais

talentosos, mas um lugar no qual se ensina a gostar, a crer e a ter posturas e valores da

classe dominante, saberes estes, apresentados como universais.

(...) A escola teria assim, um papel ativo – ao definir seu currículo, seus

métodos de ensino e suas formas de avaliação – no processo social de

reprodução das desigualdades sociais. Mais do que isso, ela cumpriria o papel

fundamental da legitimação dessas desigualdades, ao dissimular as bases

sociais destas, convertendo-as em diferenças acadêmicas e cognitivas,

relacionadas ao mérito e dons individuais. (NOGUEIRA & NOGUEIRA,

2002, p. 19).

Nogueira & Nogueira (2002), colocam que, o indivíduo é socialmente

condicionado em suas atitudes e comportamentos.

Em contraposição ao subjetivismo, Bourdieu afirma de modo radical, o

caráter socialmente condicionado das atitudes e comportamentos individuais.

O indivíduo, em Bourdieu, é um ator socialmente configurado em seus

mínimos detalhes. Os gostos mais íntimos, as preferências, as aptidões, as

posturas corporais, a entonação de voz, as aspirações relativas ao futuro

profissional, tudo seria socialmente construído. (Ibidem: p. 19).

De acordo com os autores, essa perspectiva mostra que cada um se caracteriza

por uma bagagem socialmente acumulada, de componentes externos e que podem ser

postos a serviço do sucesso ou do fracasso escolar.

(...) Cobra-se que os alunos tenham um estilo elegante de falar, de escrever e

até mesmo de se comportar; que sejam intelectualmente curiosos,

interessados e disciplinados; que saibam cumprir adequadamente as regras de

“boa educação”. Essas exigências só podem ser plenamente atendidas por

quem foi previamente (na família) socializado nesses mesmos valores.

(Ibidem: p.21).

A ação das estruturas sociais sobre o comportamento individual se daria, pois, de

dentro para fora e não o inverso. A partir da formação inicial, em um ambiente familiar

e social, a pessoa incorporaria um conjunto de disposições. Todavia, isso não o

conduziria em suas ações de forma mecânica. Para Nogueira &Nogueira (2002), um ser

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social não pode ser reduzido diretamente à sua posição de classe. Cada pessoa seria,

assim, o produto de múltiplas influências sociais e a escola precisaria desvincular-se de

uma classe social em específico para adquirir uma postura diferente.

Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais

desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos

conteúdos o ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e

dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das

diferentes classes socais. (BOURDIEU, 1998, p. 53).

É nesse sentido que a escola pode agir também no plano social, de acordo com

os ideais desejados, ou seja, se a intenção for continuar reproduzindo as inúmeras

desigualdades existentes, então, ela abstém-se de tentar contemplar as diferenças e

reforça o que se considera favorável para a legitimação dos valores hegemônicos

vigentes. E, evidentemente, a manutenção das desigualdades inicia-se pelo próprio

sistema educacional, de acordo com a veiculação das concepções ideológicas que se

impõem no interior da sociedade capitalista.

3.5 O sujeito na sociedade capitalista e os modos de subjetivação

A sociedade capitalista é moldada a partir de ideais, que favorecem uma minoria

em detrimento à grande maioria que compõe a base da pirâmide social. Nesse contexto,

o Estado cria artifícios que direcionam as instâncias sociais, sejam elas, a família, a

igreja ou a escola, para o sistema de produção.

O sistema educacional, como uma dessas instâncias, expressa uma determinada

concepção ideológica que pode se mostrar condizente com os valores hegemônicos

vigentes. Assim, o papel da escola vincula-se, muitas vezes, aos ideais capitalistas,

principalmente, através dos discursos veiculados pelos próprios funcionários da área,

sem o olhar crítico necessário.

Essa análise reprodutivista da escola exemplifica os mecanismos de

desigualdade social e explica o caráter ideológico existente. Assim, da mesma forma

como prepara a mão de obra necessária, ainda inculca uma ideologia que tem como

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propósito levar as pessoas a aceitarem passivamente as relações de exploração social as

quais estão submetidas.

Constantemente, vislumbramos um cenário exclusivamente pintado com as

cores capitalísticas, cenário este rigidamente estampado na sociedade,

estipulando a organização social e ofuscando possibilidades de emancipação

em relação aos preceitos hegemônicos.

Frequentemente inferimos que a principal meta deste tipo de organização

social refere-se à massificação, oportunizando a dominação do homem sobre

o homem, por intermédio do exercício do poder. (FERREIRA, 2011, p.1).

A sociedade capitalista é massificadora, ao mesmo tempo em que a formamos,

também somos formados por ela, assim ao buscarmos uma compreensão da vida social

é possível entendermos que, da mesma maneira que em um palco, as pessoas

constantemente estão representando seus papéis e, neste cenário, muitas delas são

massificadas pela atuação padronizada proveniente das relações sociais cotidianas. A

veracidade existente não pode ser vista com facilidade, ela está oculta em todos os

lugares.

A verdade em Foucault (apud. DELEUZE, 2013), coloca-se como algo que não

é preexistente, mas criado em cada domínio. Por exemplo, a verdade na disciplina de

física requer criação daquele que investiga, pois supõe uma série de operações e

falsificações até que se consiga supor um sistema simbólico capaz de repassar aos

estudantes o que se acredita que eles precisam saber. Isso não envolve a busca, a

experimentação, a descoberta por eles mesmos. É como se o conteúdo viesse pronto e a

eles fosse mostrado somente o necessário.

O tipo de prática pedagógica de cada escola, bem como a forma com que o

professor regula a realização das atividades, acaba por estabelecer certos regimes de

verdade. Se a intenção é formar alunos reflexivos, então, as aulas deverão ser

conduzidas no sentido de oferecer possibilidades para que os mesmos pensem e

argumentem sobre o que estão aprendendo. Todavia, a realidade em muitas das

instituições escolares está calcada em um modelo de reprodução, que tem por finalidade

manter e subordinar a grande maioria das pessoas às estruturas capitalistas vigentes.

Larrosa (1994) explica que a fabricação padronizada da pessoa humana se

constrói no interior de diversos aparatos, em especial, com os modos de subjetivação.

Os regimes discursivos diversos influenciam as experiências individuais e remodelam

as relações do sujeito consigo mesmo, as quais possibilitam uma ação reflexiva da

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pessoa com ela própria e, paulatinamente a transforma, conforme os ideais normativos

existentes.

A prática pedagógica, na maioria das vezes, de acordo com as articulações de

suas práticas e discursos, faz com que os sujeitos se desfamiliarizem de si mesmos, para

então, modificá-los. É como se determinada cultura se mostrasse tão natural que aos

poucos, os indivíduos fossem se adaptando e se habituando a ela.

Assim, a experiência de si é um resultado do processo histórico de fabricação do

sujeito, no qual se mesclam os discursos que definem as verdades sobre si, as práticas

que regulam o seu comportamento, e as formas subjetivas que o configuram como ser

social.

Ou seja, o quê, como e de qual modo ser enquanto: homem/mulher,

mãe/pai/filho, aluno/aluna/professor..., revelam os modos de subjetivação que

apreendemos mediante mensagens que nos chegam padronizando nossa

concepção e vivência de cada papel social.

Ao longo da nossa história de vida, acreditamos, piamente, que os papéis por

nós vivenciados constituem nossa identidade. Por conseguinte, se tais papéis

apresentam parâmetros estereotipadamente definidos de atuação, temos a

ilusão de que a identidade é definida por traços estáticos. (Ibidem: p.2).

As relações da pessoa com ela mesma são construídas, ao longo dos dias, e,

normativamente e vão caracterizar o sujeito, de acordo com os saberes aceitos pela

sociedade na qual se insere e assim, do bojo dos saberes que são instituídos e

perpetuados, emerge o poder da norma.

Se assumirmos que os papéis desempenhados, geralmente, são padronizados,

então, deduziremos que, qualquer desvio da norma padrão pode estar relacionado a

alguma anormalidade inaceitável pela sociedade. A norma seria o elemento capaz de

permitir a comparação entre os sujeitos, e nesse sentido, encontrar possíveis desvios.

(...) E, ao se fazer isso, chama-se de anormal aqueles cuja diferença em

relação à maioria se convencionou ser excessivo, insuportável. Tal diferença

passa a ser considerada um desvio, isso é, algo indesejável porque devia, tira

do rumo, leva à perdição. (VEIGA-NETO, 2011, p. 75).

As teorias sobre a natureza humana vêm no sentido de definir o ser normal do

patológico. A partir dessas definições, as práticas pedagógicas podem se tornar

mediadoras para o desenvolvimento da pessoa, ou então, para a produção de uma

relação distorcida com ela mesma.

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Sabemos que o sujeito é o produto dos saberes, dos poderes e da ética que se

estabelecem no meio em que este vive, ou seja, a transformação de indivíduo a sujeito

moral ocorre de acordo com o que cada um aprende e passa a ver de si próprio.

Portanto, para transformar os sujeitos e garantir a estabilidade e a legitimidade do

cenário social, as instâncias da sociedade se utilizam de meios diversos, como por

exemplo, a disciplinarização que garante a produção de corpos dóceis e obedientes.

De acordo com Veiga-Neto (2011), Foucault nos mostra que, a partir do século

XVII, surgem técnicas variadas que buscam a disciplinarização dos corpos e implicam

em resultados profundos e duradouros10

.

A lógica do dispositivo panóptico, por exemplo, de que trata Foucault, baseia-se

em um espaço fechado (geralmente circular), dividido em celas, com uma torre ao

centro, da qual se visualizam todas as celas, sem deixar-se ver por elas. Assim, mesmo

que não haja ninguém ali, aqueles que estão nas celas sentem-se constantemente

vigiados, o que faz assegurar o exercício um “funcionamento automático do poder”

(FOUCAULT, 1989, p. 177). Esse dispositivo consegue, sobretudo, inverter o

“espetáculo”, ou seja, não é a multidão quem assiste, mas ela é quem está sendo

observada.

Tal inversão dos olhares funcionou como condição de possibilidade par o

aparecimento correlato de duas novidades modernas fortemente conectadas

uma à outra: no plano dos indivíduos, o poder disciplinar, no plano coletivo,

a sociedade estatal. A transformação de uma sociedade de soberania para

uma sociedade estatal, isso é, a estatização da sociedade está

indissoluvelmente ligada ao caráter disciplinar dessa sociedade. (Ibidem:

p.67).

Na escola, estas técnicas também se combinam e suscitam a formação de corpos

brandos sob os quais ocorrerá progressivamente o remodelamento da própria alma, uma

vez que, para Foucault, a construção desta ocorre por intermédio da fabricação dos

corpos. A escola, nesse sentido, opera as individualizações disciplinares e, assim,

consegue engendrar novas subjetividades, de acordo com os seus próprios interesses.

10 Tais técnicas tomam o corpo de cada um na sua existência espacial e temporal, de modo a ordená-lo em

termos de divisão, distribuição, alinhamento, séries (no espaço) e movimento e sequenciação (no tempo)

tudo isso submetido a uma vigilância constante. Foucault está falando aí de práticas disciplinares e de

vigilância como uma ação que institui e mantém tais práticas; ele está falando de disciplinamento e

panoptismo. (VEIGA-NETO, 2011, p.65).

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Estabelecem-se, desta forma, mecanismos de controle coletivo que se

complementam entre si, e se direcionam a favor do mesmo propósito, para resguardar a

ordem vigente. “O biopoder”, por exemplo, que emerge no final do século XVII, é

citado por Foucault (apud VEIGA-NETO 2011), como outro tipo de poder, no qual

cada um se torna parte de um corpo coletivo, formado por uma multiplicidade de

cabeças. A população é esse novo corpo, no qual os sujeitos integram um mesmo grupo,

de uma mesma espécie. “Se o poder disciplinar fazia uma anátomo-política do corpo, o

biopoder faz uma biopolítica da espécie humana”. (VEIGA-NETO, 2011, p. 73).

No interior dessa gama de processos, os sujeitos se constituem aos poucos e,

assim são criados e moldados de acordo com aquilo que a população pensa ser ou não

verdade e são produzidos por diferentes tipos de saberes, por relações de poder e dos

sujeitos com eles mesmos.

Foucault (1993) postula que a maneira como as pessoas são manipuladas e

conhecidas pelas demais, relaciona-se com o modo como conduzem suas próprias

atitudes. Assim, os sujeitos, são conhecidos e reconhecidos por suas ações, e suas

próprias palavras, de acordo com determinado momento histórico. E é nesse entorno

que são constituídas as diversas formas de se viver.

Foucault (apud VEIGA-NETO, 2011), assume que é através da linguagem, que

os nossos pensamentos são expressos e, consequentemente, o sentido que atribuímos às

coisas, às nossas experiências e ao mundo em que vivemos11

.

A própria palavra, como signo portador de significação, ou seja, uma forma

representativa do pensamento relaciona-se às concepções de verdades. As modalidades

de enunciação são diversas e estão ligadas a um sistema de relações. Então, o discurso

não pode ser concebido como manifestação do sujeito, mas como um conjunto que o

interliga à sua exterioridade. Portanto, há que se entender que não existe sujeito fora do

discurso, ou seja, ele é formado e regulado pelas verdades, pelos dogmas, e pela ordem

que o processo discursivo estabelece.

As práticas discursivas, nesse contexto, não são somente resultado de uma

combinação de palavras, ao contrário, são capazes de formar os objetos de que se fala.

11 Dado que cada um de nós nasce num mundo que já é de linguagem, num mundo em que os discursos já

estão há muito tempo circulando, nós nos tornamos sujeitos derivados desses discursos. Para Foucault, o

sujeito de um discurso não é a origem individual e autônoma de um ato que traz à luz os enunciados desse

discurso; ele não é o dono de uma intenção comunicativa, como se fosse capaz de se posicionar de fora

desse discurso para sobre ele falar. No caso, por exemplo, do discurso pedagógico. (VEIGA-NETO,

2011, p. 91).

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“Isso equivale dizer que as práticas discursivas moldam nossa maneira de construir o

mundo, de compreendê-lo e de falar sobre ele” (VEIGA-NETO, 2011, p.93). Assim, os

próprios discursos podem nos mostrar um conjunto de regras capazes de condicionar os

sujeitos sociais num determinado momento histórico. Estes, não estão ancorados

fixamente em um único lugar, mas se distribuem pelo tecido social e, a partir disso, se

constroem as subjetividades.

Nessa perspectiva, o que assume importância maior não é perguntar se esse

ou aquele enunciado satisfaz a algum critério de verdade, mas é, sim,

perguntar sobre como se estabelecem esses critérios, sobre o que fazemos

com esses enunciados, sobre o que haver fora do horizonte da formação

discursiva em que operam esses enunciados, lá naquela área de sombra a que

o filósofo denominou exterioridade selvagem. Para Foucault, o que mais

importa é perguntar sobre o que pode haver lá naquelas regiões de

indecibilidade – regiões nas quais “rondam monstros cuja forma muda com a

história do saber”. (VEIGA-NETO, 2011, p. 102).

No entanto, Foucault (1988), explica que, é preciso admitir a existência de um

jogo complexo, no qual as manifestações podem ser consideradas um lance de poder ou

mesmo um obstáculo. Em outras palavras, as formas discursivas podem veicular poder

como pode também, debilitá-lo.

O discurso, ainda, pode sofrer modificações, conforme a vontade de novas

verdades, no sentido de uma busca por dominação, ou seja, de uma sinalização dos

discursos por sistemas de exclusão12

.

Foucault (2000), afirma que a similitude das coisas é algo há muito tempo

preparado pelo mundo. Todavia, a semelhança não pode ser dada como estável, pois as

analogias existentes acabam por se evidenciar no momento em que conseguimos

percorrer o mundo em busca de algo que foge à normalização.

(...) O mundo está coberto de signos que é preciso decifrar, e esses signos,

que revelam as semelhanças e as afinidades, são eles próprios formas da

similitude. Conhecer será, portanto, interpretar: ir da marca visível ao que se

diz através dela, e que, sem ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas

coisas. (FOUCAULT, 2000, p.27).

12 Todas as práticas pelas quais o sujeito é definido e transformado são acompanhadas pela formação de

certos tipos de conhecimento e, no Ocidente, por uma variedade de razões, o conhecimento tende a se

organizado em torno de formas e de normas mais ou menos científicas. Há também uma outra razão

talvez mais fundamental e mais específica das nossas sociedades. Reside no facto de que uma das mais

importantes obrigações morais ser, para qualquer sujeito, o conhecer-se a si próprio (...). (FOUCAULT,

1993, p. 205).

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O autor, ao retratar o pensamento de Nietzsche menciona que um “intérprete” é

capaz de percorrer as interpretações que por si só tentam se justificar, de forma a

enxergar o que há por trás das máscaras; assim, aqueles que aspiram ao entendimento

autêntico, livre de intencionalidades, poderão ser capazes de percorrer as coisas, até

mesmo aquelas que possam estar omissas, escondidas.

Para ele, a verdade seria uma espécie de erro que não permite ser refutada, uma

vez que a própria história a tornou inalterável. Todavia, fazer uma genealogia, buscando

a origem dos valores ou dos conhecimentos, permitir-nos-ia deter a própria história,

retirando as máscaras dos rostos, sem pudor.

Em todos os tempos, nas mais variadas épocas, os sujeitos conviveram com

situações de coerção social. “Transpor a linha de força, ultrapassar o poder, isto seria

como que curvar a força, fazer com que ela mesma se afete, em vez de afetar outras

forças: uma ‘dobra’, segundo Foucault, uma relação da força consigo.” (DELEUZE,

2013, p. 127).

Deleuze (2013) afirma que a verdade não pressupõe um método para ser

viabilizada, ao contrário, quando se deseja obtê-la, operacionaliza-se esse caminho por

meio de procedimentos, mecanismos e processos. “Temos sempre as verdades que

merecemos em função dos procedimentos linguísticos, dos mecanismos de poder, dos

processos de subjetivação de que dispomos” (DELEUZE, 2013, p. 149).

Dessa forma, para desmascarar situações é preciso ir além daquilo que é dado

previamente, imaginar discursos que não estão constituídos como verdadeiros, ou seja,

que se distinguem daqueles até então veiculados.

Deleuze (2013), afirma que os discursos tendem a suprimir qualquer vontade de

se esvair daquilo que é dado como verdadeiro. Todavia, as possibilidades de

transformação surgem segundo a maneira de se “dobrar a linha vigente”. A subjetivação

seria o processo pelo qual o sujeito travaria forças consigo mesmo, de forma a tentar,

nesse caso, superá-las.

Nesse sentido, conceber um indivíduo desapropriado de seus mais diversos

modos de existência significa tentar ultrapassar os limites daquilo que se vê, de forma a

dar sentido ao sujeito, transpondo relações de força, de poder e de saber, conforme

explica Deleuze (2013).

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É o que Nietzche descobria como a operação artista da vontade de potência, a

invenção de novas “possibilidades de vida”. Por todo tipo de razões deve-se

evitar falar de um retorno ao sujeito: é que esses processos de subjetivação

são inteiramente variáveis, conforme as épocas e se fazem segundo regras

muito diferentes. Eles são tanto mais variáveis já que a todo momento o

poder não para de recuperá-los e de submetê-los às relações de força, a

menos que renasçam inventando novos modos, indefinidamente. Portanto,

tampouco há retorno aos gregos. Um processo de subjetivação, isto é, uma

produção de modo de existência, não pode se confundir com um sujeito, a

menos que se destitua este de toda interioridade e mesmo de toda identidade.

(DELEUZE, 2013, p.127).

O estudioso, diz que os sujeitos são constituídos por suas possibilidades de vida

e seus processos de subjetivação. A partir de então, surge a seguinte dúvida: será que é

possível constituir-se como sujeito a partir de si mesmo, de forma a ultrapassar a

barreira do saber e do poder?

Essa proposta exigiria uma superação das formas determinadas de saber e das

regras coercitivas de poder. As regras, agora, seriam facultativas, pois, produziriam os

modos de existência ou os estilos de vida como obras de arte.

Porém, a constituição dos modos de existência ou dos estilos de vida não são

somente estéticas, mas éticas. Dito de outro modo, a existência humana estaria regrada

por um conjunto de ações de cunho avaliativo, em função do modo de existência a qual

se impõe.

(...) Há coisas que só se pode fazer ou dizer levado por uma baixeza de alma,

uma vida rancorosa ou por uma vingança contra a vida. Ás vezes, basta um

gesto ou uma palavra. São os estilos de vida, sempre implicados, que nos

constituem de um jeito ou de outro. (Ibidem: p.130).

O sujeito está entre o meio termo do que é visível e do que é enunciável.

Contudo, há um combate entre essas dimensões, porque nunca se diz tudo aquilo que se

vê e vice-versa. Além disso, a intencionalidade das ações faz emergir o teatro, no qual

os sujeitos são os atores que se fazem ou deixam-se fazer.

E depois há o privilégio do “se”, em Foucault como em Blanchot: a terceira

pessoa é ela que se deve analisar. Fala-se, vive-se, morre-se. Sim, existem

sujeitos: são os grãos dançantes na poeira do visível, e lugares móveis num

murmúrio anônimo. O sujeito é sempre uma derivada. Ele nasce e se esvai na

espessura do que se diz, do que se vê. Foucault tirará daí uma concepção

muito curiosa do “homem infame”, uma concepção cheia de uma alegria

discreta. É o oposto de Georges Bataille: o homem infame não se define por

um excesso no mal, mas etimologicamente como o homem comum, o homem

qualquer, bruscamente iluminado por um fato corriqueiro, queixa dos

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vizinhos, presença da polícia, processo... É o homem confrontado ao Poder,

intimado a falar e a se mostrar. (Ibidem: p.138).

Esta figura humana de que trata Foucault (apud DELEUZE, 2013), é o homem o

qual é capturado pelas forças provenientes das instâncias de poder, que nos fazem ver e

falar sobre ele, suas condutas, suas atitudes, seus desvios. Para ele, é como se os sujeitos

estivessem a favor do poder, daquilo que se diz ou se faz dizer. Não se consegue

transpor essa linha, aprimorar os pontos de resistência e passar para o outro lado.

É preciso caminhar do lado oposto para que se cavalgue sobre essa linha que

está para além do saber e do poder. Ao saltá-la, a transgressão das formas de dominação

será um tanto mais possível.

Creio que cavalgamos tais linhas cada vez que pensamos com suficiente

vertigem ou que vivemos com bastante força. Essas são as linhas que estão

par além do saber (como elas seriam “conhecida?”), e são as nossas relações

com essas linhas que estão para além das relações de poder (como diz

Nietzche, quem gostaria de chamar isso de “querer dominar?”). Você diz que

elas já apareceram em toda a obra de Foucault? É verdade, é a linha do Fora.

O Fora, em Foucault, como em Blanchot, a quem ele toma emprestado esse

termo, é o que é mais longínquo que qualquer mundo exterior. Mas também é

o que está mais próximo do mundo interior. Daí a reversão perpétua do

próximo e do longínquo. O pensamento não vem de dentro, mas tampouco

espera do mundo exterior a ocasião para acontecer (...). (Ibidem: p.141).

A força para enfrentar os poderes existentes, então, viria desse “fora” e

retornaria para dentro do próprio sujeito, cujo pensamento caberia confrontá-lo. Essa

linha é desastrosa e praticamente intangível, uma vez que é capaz de destruir toda a

ideia que a extrapola.

Foucault (apud DELEUZE, 2013), explica que, para se salvar enquanto se

enfrenta a fronteira, é preciso dobrá-la e alojar-se em uma emergente zona visível para

que se consiga nela, pensar. Contudo, a linha não para de se desdobrar e se curvar

opostamente àquilo que interiormente, se determina.

Essa analogia representa a forma como a sociedade necessita dobrar o mundo

para que nele consiga sobrevier. A força, à priori, curva-se sobre si mesma, para então

exercer ou mesmo sofrer o efeito de outras forças. Somente aquele que adquiriu o

domínio de si terá autocontrole, a ainda, conseguirá governar seus pares. Não se trata do

domínio de regras codificadas, nem coercitivas, mas daquele sobre as regras

facultativas, ou seja, as que se relacionam ao próprio eu.

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Isso porque, além do domínio sobre si mesmo, o ato de governar os pares requer

um “equilíbrio de complementaridade e conflito entre as técnicas” capaz de assegurar os

processos pelos quais é possível engendrar as pessoas, fazendo com que elas próprias se

modifiquem.

É isso a subjetivação: dar uma curvatura a linha, fazer com que ela retorne

sobre si mesma. Teremos então os meios de viver o que de outra maneira

seria invisível. O que Foucault diz é que só podemos evitar a morte e a

loucura se fizermos da existência um “modo”, uma “arte”. É idiota dizer que

Foucault descobre ou reintroduz um sujeito oculto depois de tê-lo negado.

Não há sujeito, mas uma produção de subjetividade: a subjetividade deve ser

produzida, quando chega o momento, justamente porque não há sujeito. E o

momento chega quando transpomos as etapas do saber e do poder; são essas

etapas que nos forçam a colocar a nova questão, não se podia coloca-la antes.

A subjetividade não é de modo algum uma formação de saber ou uma função

de poder que Foucault não teria visto anteriormente; a subjetivação é uma

operação artista que se distingue do saber e do poder, e não tem lugar no

interior deles (...). (Ibidem: p.145).

A subjetividade, nesse contexto, é produzida nos sujeitos, que ao serem

considerados como tal, são concebidos como seres sem identidade. A individualização,

pessoal ou coletiva seria o processo pelo qual se traduzem as inúmeras formas de

subjetivação, e de onde emerge o percurso do pensamento.

Portanto, as usuais formas de se pensar se dividem em duas posturas: a das

certezas prontas dos dogmas, que creem numa verdade revelada e a das certezas prontas

das novidades, que vão assumir antigos preceitos, e se tornarem um novo dogma.

Investir numa perspectiva foucaultiana de se pensar a educação seria investir numa

possibilidade de se escapar dessas posturas dogmáticas e tornar o pensamento mais uma

vez possível13

.

Conduzir o sujeito à verdade como um processo coercitivo implica em atitudes

de superação, que englobam os procedimentos de subjetivação individuais e coletivos,

de forma a trazer à tona e refletir sobre os saberes constituídos, bem como os poderes

dominantes.

13 Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram

dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que

escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. É o

que você chama de pietás. É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao

contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo. (DELEUZE,

2013, p. 222).

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Mas, como o educador deve atuar de forma a superar a ideologia dominante e

propor uma educação alternativa e emancipatória? Há possibilidade de se pensar o

sistema educacional como um lugar de discussão e de reflexão sobre as possibilidades

de emancipação social?

As alternativas advêm de uma profunda reflexão de valores, de um processo que

possibilite a revisão crítica da sociedade, prioritariamente, por parte dos envolvidos com

a educação. As instituições poderão se tornar libertadoras se desfrutarem das

transformações necessárias. O poder, nesse sentido, pode ser produtivo se utilizar a

verdade a favor da libertação e da mudança. Todavia, não basta um discurso

educacional radical, se o mesmo não tiver humildade e justificativa.

(...) A falta de reflexividade dos discursos radicais não é nenhuma surpresa à

luz de sua luta para se legitimarem no contexto dos discursos educacionais

tradicionais. Em vez disso, utilizo o conceito de regime de verdade como

uma tecnologia do eu, estimulando-nos a sermos mais humildes em nossas

justificativas pedagógicas, reconhecendo que existe um trabalho

desconstrutivo a ser feito tanto no interior do nosso domínio quanto fora dele.

Foucault contesta asserções de verdade e asserções de inocência em todos os

discursos educacionais. (GORE, 1994, p.17).

Essa tarefa política exige identificar os regimes de verdade proeminentes nos

ambientes escolares e das quais todos os profissionais da educação fazem parte. É nesse

entorno que a pedagogia consegue interferir positivamente na produção de seus sujeitos,

desconstruindo conhecimentos e colaborando para a constituição de pessoas reflexivas,

criativas e transformadoras, a começar pela educação infantil.

3.6 A educação infantil e suas especificidades

Mas, qual é afinal, o lugar da educação infantil? E que relação ela possui com o

ensino fundamental? Essas e tantas outras perguntas merecem destaque no sentido de

trazer à tona as especificidades concernentes aos programas que atendem às mais

variadas faixas etárias, em especial, as crianças pequenas.

Para Kuhlmann Jr. (2003), a polaridade entre as instituições assistencialistas e

educativas, aos poucos, tem sido superada. Desde o século passado, uma das prioridades

da educação infantil era atingir a condição de espaço educacional. Surgiram então,

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várias propostas, que por sua vez, não eram capazes de alterar o bojo assistencialista

impregnado a tais instituições.

Essa dicotomia está impregnada em várias dimensões do pensamento

pedagógico. Reproduzi-la é cômodo e simples. É o que faz a versão

preliminar dos Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, ao

considerar que parte das instituições teriam nascido com o objetivo de

‘assistir às crianças de baixa renda’ sendo ‘usadas para outros fins’ que não o

de sua vocação educacional, enquanto o de outra parte, as pré escolas seriam

‘declaradamente’ ou ‘assumidamente’ educacionais (vol. I, pp.7-8).

(KUHLMANN JR, 2003, p.53).

O que diferenciava as instituições não eram suas origens ou a ausência de

propósitos educativos, mas a faixa etária e o público a ser atendido. Dessa forma, em

muitos casos, os objetivos educacionais se inspiravam não na instituição em si, mas na

origem social dos envolvidos. Mesmo que as creches para os bebês fossem voltadas ao

atendimento das classes populares, em muitos textos educacionais do século XIX, estas

eram apresentadas como o “primeiro degrau da educação”.

Kuhlmann Jr. (2003) afirma que no decorrer do processo histórico de

constituição das instituições pré-escolares destinadas às camadas populares, o

assistencialismo fora configurado como uma proposta educacional específica para esse

setor da sociedade. Assim, a educação infantil não era um sinônimo de emancipação,

mas se referia a uma pedagogia da submissão.

A prudência em lidar com tais questões é recente, e ainda caminha em busca de

caracterizações. Nos últimos anos, a legislação de nosso país sofreu muitas mudanças, e,

considera que, as instituições de educação infantil são educacionais. Mas do ponto de

vista legal, o que é ser educacional?

Como sabemos, as instituições de educação infantil eram voltadas para o

atendimento aos pobres, de forma segregada ao ensino regular. Com a vinculação das

creches e pré-escolas ao sistema educacional, houve uma conquista para este nível de

ensino.

Todavia, Kuhlmann Jr. (2003) diz que, na verdade, ainda há muitas

desigualdades referentes aos níveis de ensino no nosso país. A Constituição Federal e a

Lei de Diretrizes e Bases dividem a educação infantil em: creche (para as crianças de 0

a 3 anos) e pré-escola (para as de 4 a 6 anos). Apesar disso, os contextos legais não

coincidem com a realidade que presenciamos. Essa intenção atendeu a demanda dos

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pesquisadores que argumentavam sobre a necessidade de delimitar aspectos relativos à

educação das crianças pequenas e, ainda, superar a ideia de que as creches eram

destinadas exclusivamente às classes menos favorecidas economicamente.

Mas, na realidade, a própria denominação institucional sugere estigmas de

desigualdade. Notamos a existência de ‘creches’ que atendem as crianças de baixa

renda, de 0 a 6 anos, na maioria das vezes, referindo-se a um período em tempo integral;

enquanto que, as crianças de classe média, são atendidas em escolas que recebem

‘outros nomes’. “Se os limites administrativos foram superados, as diferenças sociais

permanecem e refletem-se também no interior do sistema educacional.” (KUHLMANN

JR., 2003, p.55).

A solução de tais desigualdades não irá acontecer com a simples passagem

dessas instituições da esfera administrativo-assistencialista para a educacional, nem com

a redefinição da legislação ou a implementação de um Referencial Curricular Nacional

que sugira a promoção do conhecimento historicamente acumulado, desde a educação

infantil.

De acordo com Kuhlmann Jr. (2003), na versão preliminar dos Referenciais

Curriculares para a Educação Infantil há um atrelamento da educação infantil ao ensino

fundamental. As concepções educacionais da pré-escola subordinam-se ao que é

pensado para os maiores. Daí advém o contorcionismo para tentar encaixar as

especificidades do período educacional em questão a essa proposta, sugerindo um

entorno truncado, numa tentativa de repor e ao mesmo tempo recusar a reposição de

conteúdos.

A pedagogia, campo de conhecimento para se alicerçar uma orientação

curricular, cede lugar a um psicologismo simplista, de cunho cognitivista,

com base no qual se subordina a uma estrutura educacional de outra ordem;

que é a do ensino fundamental. (Ibidem: p.56).

A nova lei da educação básica engloba a educação infantil, o ensino

fundamental e o médio, mas somente o segundo é obrigatório. A educação infantil é de

outra ordem, seria um equívoco propô-la nos mesmos moldes do ensino fundamental,

como uma etapa que a antecede.

As recentes pesquisas revelam uma tentativa de aproximar-se do ponto de vista

da criança, considerando-a em uma fase distinta da do adulto. Tais estudos mostram

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que, a criança se desenvolve a partir de suas interações. Assim, é preciso conceber a

educação infantil com base em uma proposta educacional que permita à criança

conhecer o mundo, por meio de atividades adequadas. Não se trata ainda de sistematizar

conteúdos para lhes apresentar, mas sim, proporcionar experiências agradáveis e

diversificadas para que ela mesma realize suas descobertas.

Quão distante do bebê que vai entrar na creche está a aquisição de conceitos

científicos! Por que não adotar uma postura de simplicidade no trato com ele

– o “simplesmente complexo”, como diz o titulo de um vídeo italiano sobre

esse trabalho pedagógico? Não apenas na Itália, mas também as creches

francesas pretendem trabalhar em estreita colaboração com as famílias,

oferecer à criança um local seguro e estimulante que lhe permita a plena

manifestação de seu potencial físico, afetivo e intelectual, a aprendizagem de

sua autonomia e de sua socialização, além de facilitar a sua integração à

escola maternal. Até mesmo naquele país, citado, Às vezes, como altamente

marcado pela pedagogia tradicional, encontra-se a sensatez de tratar com a

máxima atenção o acolhimento dos pequenos em um ambiente institucional,

valorizando e não secundarizando os aspectos relativos aos cuidados.

(Ibidem: p. 57-58).

Dessa forma, por que não pensar em uma educação infantil pautada em suas

especificidades ao invés de formular complexidades incoerentes a essa faixa etária?

Infelizmente, não é assim que acontece, e o que se vê é o uso de jargões como a

expressão “construtivista”, “interacionista”, dentre tantos outros, o que culmina na

adoção de um modismo que não se justifica e que vem na contramão do conhecimento

de outras concepções teóricas que eficientemente se entrelaçam na tentativa de

solucionar os tantos problemas da educação infantil.

De acordo com Kuhlmann Jr. (2003), o processo de conhecer, crescer e viver

das crianças, muitas vezes, se transforma em um processo burocrático, totalmente

controlado pelo adulto. A versão preliminar dos referenciais, por exemplo, não admite

momentos ociosos na instituição, e substitui a fantasia e a criação pela aquisição de

conhecimentos científicos, ou seja, a programação se vincula ao desenvolvimento

cognitivo da criança, de forma abstrata, desvinculada da família e da cultura.

(...) Trata-se envergonhadamente da relação com família, do cuidado, até

mesmo da brincadeira: seriam aspectos inevitáveis, exteriores à dimensão

pedagógica (vol. I p.23), secundários, menores, válidos apenas quando

tomados como meios para a nobre tarefa de promover o “desenvolvimento” e

a “aprendizagem” (vol.3, p. 43). (Ibidem: p. 59-60).

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Por vezes, a caracterização sobre o cuidado, nessas instituições, é pouco

adotada, e quando aparece, não está atrelada à educação. Todavia, isso é fundamental

quando falamos de crianças pequenas, e, quando as formulações das propostas

pedagógicas partem do princípio da necessidade de tomar como ponto de partida a

própria criança, o modismo pedagógico perde todo o seu sentido. Preocupar-se em

assistir a criança não significa desviar-se de proporcionar a ela uma educação de

qualidade.

Há que se saber que alguns trabalhos têm adotado a definição não escolar ou

extraescolar para instituições de educação infantil. Essa denominação busca

desmascarar a tendência de escolarização das creches e pré-escolas. Se pressupormos

que a educação escolar se inicia no ensino fundamental, certamente, compreenderemos

que, creche e pré-escola são instituições que não se encaixam nessa classificação.

Todavia, haveremos de nos preocupar também com as crianças do ensino

fundamental e, ainda, não poderemos confundir educação infantil com instituição de

outra natureza, como por exemplo, a instituição familiar. Kuhlmann Jr. (2003), leva-nos

à seguinte indagação: “por que, então, não considerar que elas são outro tipo de

instituição escolar?”

Para ele, uma instituição escolar seria aquela que tem por finalidade reunir

determinada faixa etária com um interesse específico, para prestar um determinado tipo

de educação. Assim o pesquisador, mostra a necessidade da compreensão das

especificidades da educação infantil de maneira diferente daquelas do ensino

fundamental. Os objetivos da educação infantil precisariam envolver de forma distinta,

creche e pré-escola. Não haveria a necessidade de se estabelecerem limites etários, pois

seriá-la seria um contrassenso em relação a diversos aspectos pedagógicos, psicológicos

e políticos, principalmente porque o pedagógico, não pode ser tratado como algo

distante da família e do cuidado com a criança pequena. Ao mesmo tempo em que, não

poderíamos descartar a função escolar da educação infantil.

A insistência em demarcar a educação infantil em oposição ao ensino

fundamental seria um comportamento de avestruz diante da realidade

nacional, como que representando a vontade de fazer uma reserva de

domínio, em uma atitude descomprometida com o aluno que ingressa no

ensino fundamental, mas que não deixa de ser criança por isso. (Ibidem:

p.63).

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Omitir que a criança da educação infantil irá ingressar no ensino fundamental,

e que, sua adaptação é um processo, seria, pois, retroceder no tempo. Esse é um assunto

que merece atenção, uma vez que dados sociais e históricos apontam para a

universalização do atendimento aos pequenos.

Esse período escolar não pode simplesmente deixar de lado a articulação com o

ensino fundamental, principalmente, para com as crianças maiores que logo ingressarão

no primeiro ano e, que já se interessam pela leitura e escrita. Isso seria resolvido com

mais facilidade se a criança fosse tomada à priori como ponto de partida.

Assim, embora o autor discorde da maneira como se fez a divisão por faixa

etária nas sugestões da proposta do Referencial, compreende a necessidade de

contemplar essa separação, para que seja ressalvada a garantia de atenção às crianças

menores e um trabalho educacional que respeite o ingresso no ensino fundamental das

crianças maiores.

Segundo Kuhlmann Jr. (2003), a educação infantil pode ter caráter educacional

sem desvincular-se das práticas e dos cuidados que ocorrem nos âmbitos familiares e

sem, compartimentar a criança em uma divisão disciplinar. A instituição pode ser

escolar e compreender a globalidade da criança pequena, uma vez que para ele, a

ampliação de seu universo cultural ocorre no interior de seu desenvolvimento pessoal e

social.

Daí a importância da formação profissional daquele que irá educá-la no interior

dessas instituições. Uma proposta que parta da criança precisa compreender que, para

ela conhecer o mundo envolve “o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia, o brincar e o

movimento, a poesia, as ciências, as artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música

e a matemática, e, que a brincadeira é uma forma de linguagem (BRASIL, 1998, p. 7),

assim como a linguagem é uma forma de brincadeira” (KUHLMANN JR. 2003, p.65).

É nesse contexto, o de uma educação infantil de qualidade, que respeite a

criança e que lhe ofereça oportunidades para que se desenvolva de maneira criativa,

lúdica e prazerosa, que citaremos a título de exemplo, as especificidades das escolas

italianas de Reggio Emília.14

14

O Referencial Pedagógico de Reggio Emília foi considerado neste estudo, um exemplo importante de educação

infantil. Assim, tanto a Discussão dos Dados quanto as Considerações Finais, ao apontar para a necessidade de

mudança na realidade escolar aqui estudada, parte de uma reflexão sobre a prática observada com relação à

teorização exposta sobre as escolas italianas, o que nos permitirá configurar os apontamentos então colocados.

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100

3.7 A educação infantil em Reggio Emília

A educação infantil que presenciamos no contexto da escola municipal aqui

estudada nos faz repensar o que poderíamos fazer para que mudanças acontecessem, de

forma a garantir o bem estar tanto das crianças quanto da família e das professoras

envolvidas. Para refletirmos sobre isso, fomos buscar um exemplo primoroso de

educação escolar que acontece há mais de trinta anos nas escolas infantis de Reggio

Emília, na Itália.

O modelo de programa para a primeira infância que rege as escolas dessa

província se difere, pois é elaborado juntamente com as famílias e a comunidade. A

começar pela estrutura física das escolas, em que os prédios se parecem com grandes

casas, o mobiliário é atraente, a organização do espaço e a exibição dos trabalhos das

crianças o ano todo torna o ambiente confortável, alegre e agradável.

Embora existam aproximadamente 75 crianças de 3 a 6 anos em cada escola

e cerca de 25 em cada classe, a qualidade de vida dentro delas parece atingir

uma proximidade quase doméstica e uma intimidade associada à vida

familiar, o que é especialmente apropriado para crianças pequenas. O fato de

as crianças permanecerem com o mesmo professor durante os três anos de

sua participação no programa permite que elas, seus pais e seus professores

formem relacionamentos fortes e estáveis uns com os outros, como ocorreria

se fossem membros de grandes famílias e de pequenas comunidades, onde

todos se conhecem (...). (KATZ, 1999, p.49-50).

Katz (1999), afirma que a maioria das escolas em Reggio Emília tem as classes

organizadas em grupos com idades mistas, oferecendo um ambiente mais próximo ao

familiar do que se fossem organizadas de forma homogênea. A maior parte das

atividades é realizada em grupos pequenos, ou seja, não há evidência de que a mesma

instrução seja dada a todos de uma única vez com o propósito de que a sala toda

produza um desenho ou qualquer outra atividade artística ao mesmo tempo.

Lá, as crianças assumem determinadas responsabilidades, como arrumar a mesa

antes e após as refeições, ajudar a equipe da cozinha, manter em ordem os materiais de

arte, dentre tantas outras coisas. Com essas tarefas reforçam a sensação de vida em

comunidade, e isso é ainda mais evidente por conta da participação frequente de todos

os envolvidos, em especial, dos pais.

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101

É nesse espaço que ocorrem as interações essenciais para a aprendizagem. Ele é

planejado para facilitar intercâmbios sociais, abrangendo todos os seus membros. Em

todas as escolas de Reggio Emília, existe um espaço principal, comum, que se liga a

todos os outros, interiores. Há vários ateliers (espaço adicional, onde as crianças podem

explorar com as mãos e mentes, projetos relacionados às atividades ligadas à sala de

aula), biblioteca com computadores, arquivo, almoxarifado.

Nesses ateliers, há uma professora especializada em educação artística que ajuda

na produção dos trabalhos realizados na escola, na edição e no designer. “Cada grupo

etário tem uma sala de aula (uma grande sala) e próximo a esta um mini-atelier”

(GANDINI, 1999, p. 152).

Os espaços são instalados de maneira eficiente e agradável, a cozinha, o

refeitório, os sanitários, bem como toda a mobília e os enfeites estão organizados, de

forma a estimular as crianças e manter o ambiente prazeroso e bonito. Há paredes de

vidro que separam os espaços de trabalho, mas que, ao mesmo tempo, propõem uma

sensação comunitária, em que se podem ver os outros colegas. E se porventura, alguém

deseja passar um tempo sozinho ou conversar com um amigo, também há os mini-

ateliers e outros compartimentos fechados os quais podem ser utilizados para essa

finalidade.

Nas creches de Reggio Emilia, logo na entrada, há cadeiras confortáveis para os

pais se sentarem com seus bebês, conversar uns com os outros e com os educadores,

salas cobertas com tapetes e travesseiros, em que as crianças menores podem engatinhar

ou se sentar com uma professora para manusear um livro ou ouvir uma história.

Nas pré-escolas, as salas de aula possuem espaço para que as crianças mais

jovens brinquem com blocos, jogos de encaixe, animais de brinquedo e materiais

reciclados. Existe uma grande área coberta com tapete para as crianças brincarem no

chão e outra rica de pequenas réplicas de panelas e louças. No mini-atelier as crianças

exploram argila, papéis, dentre outros materiais. Além disso, durante todo o ano letivo,

as crianças se envolvem em projetos e demais explorações que são realizados no atelier

principal.

Em Reggio Emília, a maioria das crianças chega à escola por volta das 9 horas

da manhã e vai embora às 16 horas, e diariamente, logo na entrada, cada classe faz a sua

reunião para que os alunos escolham suas atividades, eles têm autonomia para encontrar

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as ferramentas necessárias em prateleiras abertas, bem organizadas e repletas de

materiais.

Um dos aspectos do espaço que surpreende os visitantes é de fato a

quantidade de trabalhos das próprias crianças exibidos por todos os cantos

nas escolas. Na verdade, essa é uma das principais contribuições das crianças

para moldarem o espaço de sua escola. Fazem isso pela mediação dos

professores e especialmente do atelierista, que seleciona e prepara as

exibições com grande cuidado. Na maior parte do tempo, as exibições

incluem, próximo ao trabalho das crianças, fotografias que contam o

processo, mais uma descrição das várias etapas e da evolução da atividade ou

do projeto. As descrições são significativamente completadas com a

transcrição dos comentários e das conversas das próprias crianças, ocorridos

durante essa experiência particular (que frequentemente é registrada em fita).

Portanto, as exposições internas além de serem bem-desenhadas e de

contribuírem para o aconchego do espaço, oferecem documentação sobre

atividades específicas, sobre o enfoque educacional e sobre as etapas de seu

processo. Acima de tudo, é um modo de transmitir aos pais, aos colegas e aos

visitantes o potencial das crianças, suas capacidades em desenvolvimento e o

que ocorre na escola. Naturalmente, também torna as crianças conscientes da

consideração que os adultos têm por seus trabalhos. Finalmente, as

exposições ajudam os professores na avaliação dos resultados de suas

atividades e contribuem para o seu próprio avanço profissional. (GANDINI,

1999, p.156).

Dessa forma, os profissionais desempenham um papel importante de mediação

entre as crianças e adultos, envolvem os pequenos e os estimulam, de acordo com os

seus interesses; registram o que dizem, leem seus comentários, e, buscam hipóteses que

serão testadas empiricamente. Nessas pré-escolas os professores trabalham em duplas, e

juntos comunicam-se com os pais, engajando-os constantemente a envolverem-se nos

projetos.

Edward (1999) destaca que os professores trabalham em colaboração com outros

adultos, eles não imaginam sozinhos, o que deve acontecer, mas se reúnem quase

diariamente para conversarem sobre o que estão fazendo, avançando em seus

pensamentos; além disso, aceitam discordâncias e esperam críticas construtivas e

significativas, já que isso é visto como a melhor maneira de avanço.

Além disso, de acordo com Katz (1999), em Reggio Emília o currículo da

educação infantil se inicia com base no interesse do próprio grupo de crianças de 0 a 6

anos de idade; ou seja, se elas estão empenhadas em descobrir como ocorrem as

compras no supermercado, por exemplo, então esse tema poderá ser trabalhado.

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(...) o trabalho dos pré-escolares de Reggio Emília indica que os processos de

“desempacotar” ou tirar a familiaridade de objetos e de eventos do cotidiano

pode ser profundamente significativo e interessante para elas. (KATZ, 1999,

p.41).

O autor comenta que quando um tópico é familiar às crianças elas contribuem

com seus conhecimentos, além de sugerirem linhas de investigação, assumem a

liderança do planejamento e responsabilidades. Se o assunto é escolhido de antemão, e

está fora da sua experiência direta, elas acabam dependendo exclusivamente do adulto,

o que dificulta a sua efetiva participação.

Quando se trabalha com projetos advindos do próprio grupo de crianças, estas

vão soltando a imaginação e aprendendo. Em Reggio Emília elas trabalham com

projetos e comunicam suas observações por meio da representação visual, conforme

ressalta Katz (1999):

(...) As representações impressionantes que as crianças criam podem servir

como base para hipóteses, discussões e argumentos, levando a observações

adicionais e a representações novas. Usando esta abordagem, podemos ver

como a mente das crianças pode ser engajada de maneiras variadas na busca

de um entendimento mais profundo do mundo familiar à sua volta. (KATZ,

1999, p. 43).

As representações infantis de Reggio Emília não são apenas produtos

decorativos que as crianças levam para casa no final do ano, mas fazem parte de todo o

processo de aprendizagem que ocorre durante todo o seu tempo na escola. São

linguagens gráficas nas quais os pequenos conseguem fazer a leitura de seu próprio

desenho e também o de seus colegas. Essas caracterizações artísticas oferecem a eles

um modo de explorar e expressar seus entendimentos de mundo.

Além do trabalho com projetos, as crianças italianas também se engajam

diariamente em muitas outras atividades, como por exemplo, jogos espontâneos com

blocos, dramatizações, brincadeiras ao ar livre, audição de histórias, culinária, tarefas

domésticas e de higiene, atividades com pintura, colagem e argila.

Katz (1999) chama atenção, também, para o conteúdo do relacionamento entre

adultos e crianças, segundo ele não se trata de relações gerenciais sobre a rotina diária,

que não pressupõe o diálogo, mas de envolvimento mútuo acerca de determinado tema.

Minha impressão sobre as práticas de Reggio Emília, em comparação, é que,

em grande parte, a extensão do conteúdo do relacionamento entre professor-

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aluno é focalizado sobre o próprio trabalho, e não sobre rotinas ou sobre o

desempenho das crianças em tarefas acadêmicas. A mente dos adultos e das

crianças está direcionada a interesse de ambos. Tanto as crianças quanto os

professores parecem estar igualmente envolvidos com o progresso do

trabalho, com as ideias a serem exploradas, com as técnicas e materiais a

serem usados e com o progresso dos próprios projetos. O papel das crianças

no relacionamento era mais o de aprendiz do que o de alvo da instrução ou o

de objetos de elogios. (Ibidem: p.47).

Esse tipo de relacionamento parece ser bastante benéfico, as crianças são

encorajadas a um trabalho excitante, em que tomam decisões, ao mesmo tempo em que

os professores também se engajam e se mostram mais interessados em ouvir o que elas

têm a dizer, conduzindo as suas aprendizagens sem exageros.

Não há lições formais específicas, portanto, os educadores têm a liberdade de

criar atividades que contribuam para o desenvolvimento dos tópicos em projetos

estudados. O programa curricular proporciona vitalidade intelectual porque se

relacionam com o que as crianças querem aprender, evocando minimamente regras e

rotinas.

Segundo Katz, há um excepcional nível de competência nas representações

gráficas das crianças italianas. O autor explica que isso é fruto do empenho e seriedade

dos pequenos e dos adultos envolvidos. Eles estão seguros do que fazem e percebem o

que de fato, é importante para o adulto, e para o que é válido despender tempo e

atenção.

Se é verdade que as crianças nas pré-escolas de Reggio Emília sabem o que

interessa aos adultos, então certamente as crianças de todos os outros lugares

estão similarmente conscientes do que realmente interessa aos adultos que

lhes são importantes. Portanto todos os professores poderiam indagar: O que

a maioria dos meus alunos realmente pensa cerca do que levo a sério e com o

que me preocupo profundamente? Teoricamente, é claro, é possível que em

alguns casos a resposta a essa questão possa ser “nada”. Entretanto, na

ausência de qual quer informação confiável relevante a essa pergunta, vamos

presumir que todos os professores transmitem algumas mensagens a seus

alunos sobre os aspectos do esforço e comportamento das crianças que

realmente chamam a atenção, interesse, apreciação e, ocasionalmente,

verdadeiro prazer. (KATZ, 1999, p. 48).

Em muitas outras escolas de educação infantil, a atenção do adulto é incitada

quando há algum problema com relação à disciplina e à rotina. Os professores precisam

dar mais atenção ao que as crianças estão demonstrando e ao que elas têm a dizer,

valorizando esses momentos de trocas, ao invés de subestimá-las intelectualmente. Isso

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porque o conhecimento é construído durante relações dialógicas, ele não pode ser

simplesmente transmitido verticalmente.

Nesse processo, educadores comprometidos em efetivar um ensino diferente que

se inicie das vontades e desejos das próprias crianças devem estar atentos aos sinais que

elas transmitem durante sua permanência na escola.

3.8 A importância da interpretação dos sinais emocionais transmitidos pelas

crianças

Como vimos anteriormente, o estudo do processo de aprendizagem humana

leva em consideração as realidades internas, isto é, os aspectos cognitivos, emocionais,

orgânicos, e as externas tais como os aspectos familiares, sociais e pedagógicos do ser

humano.

Para Vigotsky (1998), a aprendizagem está diretamente relacionada ao

processo de maturação do organismo, uma vez que esta é capaz de despertar os

processos interpsicológicos do ser humano, de acordo com o ambiente sociocultural no

qual ele está inserido.

O sujeito não é apenas ativo, mas interativo já que forma conhecimentos e se

constitui nas relações intrapessoais e interpessoais. É na troca com outros indivíduos da

mesma espécie e consigo próprio que os conhecimentos, papéis e funções sociais vão

sendo internalizados, o que permite a formação dos conhecimentos e da própria

consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social, isto é, das relações

interpessoais, para o plano individual, o das relações intrapessoais.

Por isso a importância do professor proporcionar a interação entre os alunos

haja vista que as crianças são sempre heterogêneas no que diz respeito ao conhecimento

já adquirido. “Assim como o adulto, uma criança também pode funcionar como

mediadora entre uma e outra criança e às ações e significados estabelecidos como

relevantes no interior da cultura”. (OLIVEIRA, 1997, p.33).

Kramer (1987) aponta para a necessidade de se propiciarem aprendizagens

significativas e que contemplem as especificidades de cada nível de ensino, ao iniciar

pela educação infantil.

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Nossa meta básica é implementar uma pré-escola de qualidade, que

reconheça e valorize as diferenças existentes entre a crianças e, dessa forma,

beneficie a todas no que diz respeito ao seu desenvolvimento e à construção

dos seus conhecimentos (...) Assim, compreende que a aquisição do

conhecimento é fundamental, mas deve ser garantida de forma significativa e

prazerosa. (KRAMER, et al., 1987, p. 35-37).

No decurso desse processo, na qual a criança é levada a conhecer e a se

apropriar do mundo, é possível notar se está satisfeita ou não com o ambiente da

instituição escolar no qual está inserida, assim um ponto de partida a ser observado

refere-se às emoções que são transmitidas.

O caráter altamente contagioso da emoção vem do fato de que ela é visível,

abre-se para o exterior através de modificações na mímica e na expressão

facial. As manifestações mais ruidosas do início da infância (choro, riso,

bocejo, movimentos dos braços e das pernas) atenuam-se sem dúvida, porém

a atividade tônica persiste, permitindo ao observador sensibilizado captá-la.

A emoção esculpe o corpo, imprime-lhe forma e consistência; por isso

Wallon a chamou de atividade “proprioplástica”. Esta visibilidade faz com

que a tendência ao contágio tenha bases muito concretas, embora geralmente

subliminares e mal identificadas. Estamos muito distantes das concepções

que admitem como formas de intersubjetividade, empatias imediatas,

contatos diretos entre as consciências. Isto não existe aqui; o que há é um

diálogo tônico, uma comunicação forte e primitiva que se faz por intermédio

da atividade tônico-postural. (DANTAS, 1992, p.89).

Conforme Oliveira (2008), uma pessoa pode apresentar, por exemplo, olhos

semicerrados, evitando olhar nos olhos dos interlocutores quando se sente ameaçada. Os

lábios podem apresentar-se contraídos, o tronco curvo, poucos gestos, movimentos

inseguros e grande tensão muscular. Algumas mensagens internas também podem ser

percebidas, como, por exemplo, dilatação da pupila, alterações dos batimentos

cardíacos, sudorese, distúrbio gastrointestinal, insônia, rubores fora de hora, dores de

estômago, risos ou choros, paralisação corporal.

As emoções são espelhadas pelo corpo, uma criança que possui transtornos

emocionais provavelmente não conseguirá atingir satisfatoriamente um

esquema corporal íntegro, o que irá prejudicá-la no contato com o mundo que

a cerca. (OLIVEIRA, 2008, p. 78).

Ao contrário, quando a criança se sente bem, é possível perceber que ela

expressa por meio de seu corpo sentimentos de alegria, de sucesso e de autoconfiança, e

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assim consegue interagir positivamente com o mundo e com a sociedade. “Suas atitudes

se tornam mais descontraídas, com sorriso fácil, olhar direto, ventre sem bloqueios,

adequada tensão muscular nos braços e mãos, revelando qualidade do gesto” (Idem:

p.78).

É importante lembrar que, o desenvolvimento não ocorre em uma linha reta

ascendente. Em seu percurso existem comportamentos regressivos que podem estar

relacionados a alguma dificuldade vivenciada naquele momento, em específico. Há

situações mais difíceis de lidar, como a entrada da criança na escola, o nascimento de

um irmão, a morte de uma pessoa querida, etc. Assim, tanto os períodos de regressão,

quanto os períodos de progressão são importantes para o amadurecimento humano.

Esses sinais emocionais são constantemente transmitidos pelas pessoas com as

quais nos relacionamos, durante as relações interpessoais. A criança, contudo, tem

dificuldade em mascarar seus sentimentos, por isso, acaba enviando sinais emocionais

aos pais, aos professores e até mesmo a outras crianças.

São muitas vezes ‘pedidos de socorro’ que ninguém percebe como tal e ainda

por cima ela é muitas vezes criticada e castigada por eles. Alguns sinais são

muito evidentes, pois incomodam os que se encontram ao seu redor, mas

outros são invisíveis aos olhos de uma pessoa inexperiente ou indiferente.

(Ibidem: p.79).

Desta forma, durante o cotidiano escolar, o educador precisa estar atento aos

sinais emocionais que são transmitidos pelas crianças para melhor ajudá-las. Às vezes,

uma delas se recusa a fazer determinada tarefa, não é porque simplesmente não quer

participar, mas por sentir medo de não conseguir fazê-la, por se ver temerosa frente ao

fracasso.

Sabe-se que um dos maiores problemas de nossa época é o medo do fracasso

e esse medo não é somente a consequência de verdadeiros fracassos que

fariam uma pessoa duvidar dela mesma, mas ele se instala essencialmente a

partir das reações de seus amigos e familiares diante de seus próprios

bloqueios. (Ibidem: p.83).

Um ambiente regrado por exigências e voltado apenas para o prestígio é mais

favorável para que o medo do fracasso se instale. As crianças que convivem em meios

assim, com frequência, sentem-se preocupadas, e cada uma tem uma reação diferente,

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como mecanismo de defesa, algumas tendem a dissimular o que estão sentindo, outras,

se tornam agressivas ou se retraem.

Infelizmente, a sociedade atual está centrada nos ideais de prestígio e

competição. As escolas, nesse contexto, buscam oferecer um ensino capaz de conceber

os melhores alunos. Para determinadas crianças, essa pressão se torna muito dolorosa e

então, elas acabam transmitindo sinais de que algo não está bem.

Por isso, é preciso que o contexto educativo esteja envolto por relações mais

serenas. É necessário ajudar as crianças a se exprimirem com confiança, ouvindo e

valorizando o que elas têm a dizer. Essa relação de segurança se estabelecerá aos

poucos, e isso será percebido durante o contato delas com o meio, através das

manifestações emocionais emitidas pelo próprio corpo.

Vejamos com um olhar mais atencioso como o educador pode observar e

ajudar a sua turma, principalmente, reorganizando as situações que envolvem o

ambiente escolar, de forma a caminhar para um contexto pedagógico permeado por

atividades que envolvam situações interessantes e motivadoras, como por exemplo, o

desenho e a brincadeira infantil.

3.9 A representação simbólica por meio do desenho e da brincadeira

Para Bossa (1994), é possível observar as relações entre estruturas cognitivas e

afetivas através do simbolismo, uma vez que, por meio da brincadeira ou do desenho, a

criança é capaz de expressar muitos de seus sentimentos.

Isso porque o desenho pode ser considerado a escrita primitiva da criança na

primeira infância, ao desenhar, ela expõe pensamentos, fantasias, medos, alegrias e

tristezas. Por meio do desenho, demonstra sua trajetória, relembra situações, expressa

sua percepção de mundo.

Conforme Wallon (1942), as representações mentais, bem como as

representações gráficas dos objetos do desenho infantil são imagens-definições. O autor

relata um caso patológico que ilustra o modo através do qual a criança se relaciona com

seus esquemas. Após um período depressivo, uma paciente informou que no estado de

alteração mental,

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(...) as qualidades das coisas lhe haviam aparecido como rigorosamente

conformes a sua essência. O céu era absolutamente azul como em certos

cromos; as flores duma regularidade esplêndida. Ao apagarem-se as

contingências da imagem e os graus das sensações, cada objeto tinha como

que uma qualidade específica e invariável. O mar é azul, a terra é castanha, a

casa branca, sem atenuação e por definição. As imagens que agradam a

criança são as que representam esta simplificação esquemática. Devem ser as

que correspondem melhor à sua representação das coisas. (WALLON, 1942,

p.212).

A criança, ao desenhar, representa o objeto como ele realmente significa para

ela, ou seja, o desenho infantil é uma ligação do psíquico e do moral. A intenção de

desenhar tal objeto não é senão o prolongamento e a manifestação da sua representação

mental; o objeto representado é o que, neste momento, ocupará no espírito do

desenhador um lugar exclusivo ou preponderante, o que está ligado às necessidades e

potencialidades da criança, através de uma inter-relação nos vários aspectos do seu

desenvolvimento.

Silva (1993) menciona que a perspectiva histórico–cultural possibilita ver o

desenho como um signo empregado pelo homem e constituído a partir das interações

sociais. Além disso, as postulações dessa teoria apontam para a necessidade de se

examinar o desenho sob outros ângulos, dentre os quais, a relação estabelecida com a

fala. “Importa considerar tanto a fala auto - organizadora quanto a fala nas trocas

dialógicas, que permeiam a atividade da criança e que tem sido negligenciada na análise

do desenho”. (SILVA, 1993, p.25).

Chamat (2004) propõe técnicas psicopedagógicas que consistem na avaliação

dos desenhos, com o propósito de avaliar múltiplas dimensões. De acordo com a autora

(...) em todo o diagnóstico psicopedagógico, o avaliador deve direcionar suas

conclusões no sentido de separar o que é causado pela Escola, pela Família e

o que é do próprio sujeito, como elementos orgânicos e/ou da interação dos

grupos anteriores (...). (CHAMAT, 2004, p. 185).

Fica clara aqui a intenção de uma observação mais atenta, que possa,

porventura, ajudar a compreender e até mesmo superar dificuldades existentes. Todavia,

a estudiosa, pressupõe cautela na análise dos desenhos,

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Em minha opinião, o teste do desenho, além do esperado, propicia ao

examinador obter dados sobre a função semiótica da criança (significantes e

significados), por meio da riqueza de detalhes apresentado e da criatividade

expressada.

Toda vez que a criança desenha, tende a revelar-se, pois para ela, o desenho é

mais um veículo para exprimir ideias do que uma técnica de produção

artística. As crianças que rabiscam seus desenhos ou ficam envergonhadas

diante de sua produção ou fazem uma figura estranha e contorcida devem ser

observadas, pois são possíveis portadoras de sintomas de comportamento

perturbado ou problemas emocionais (neste último caso, deve ser

encaminhado para o psicólogo). (Ibidem: p. 204).

Além disso, chama-nos a atenção para o cuidado de deixar a criança à vontade

para falar do desenho projetado no papel, de modo, assim, a evitar processos de

identificação projetiva do sujeito. O pesquisador cometeria um grande erro ao propor

diretamente um desenho, ao sugerir, por exemplo, que se desenhasse um menino ou

uma menina.

Quanto mais ampliamos a realidade externa do sujeito, mais ele sente a

necessidade de uma organização interna. Ao mesmo tempo em que, quanto mais se

amplia a realidade interna, mais ele precisa se reorganizar em sua realidade externa. Isso

porque, para que ocorra o desenvolvimento das estruturas mentais é preciso dispor de

possibilidades de ação.

A brincadeira, por exemplo, faz com que a criança transforme de forma

simbólica aquilo que sente, em outras palavras, é no brincar que ela descobre o seu

interior. Winnicott (1994) discute que o ato de brincar é uma conquista para o

desenvolvimento emocional da criança, meio pelo qual ela lida de forma criativa com a

realidade externa. É através do brincar que esta vê criativamente o mundo. Ao final da

brincadeira, a criança produz “um viver criativo e conduz à capacidade de sentir-se real

e sentir que a vida pode ser usada e enriquecida” (WINNICOTT, 1994, p. 50).

As situações lúdicas permitem à criança construir o mundo real, uma vez que ela

representa situações vivenciadas no meio social, podendo assim, compreendê-las

melhor. Ao brincar, a criança pode utilizar o seu mundo imaginário, internalizar as

regras da realidade e ainda, reviver momentos de dificuldades pelos quais está passando,

o que lhe possibilita uma posição privilegiada na qual terá o poder de tomar decisões.

A brincadeira de faz de conta, também conhecida como simbólica, de

representação de papéis ou sociodramática, é a que deixa mais evidente a

presença da situação imaginária. Ela surge com o aparecimento da

representação e da linguagem, em torno 2/3 anos, quando a criança começa a

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alterar o significado dos objetos, dos ventos, a expressar seus sonhos e

fantasias e a assumir papéis presentes no contexto social. (KISHIMOTO,

2003, p.39).

Nas brincadeiras de faz de conta, as crianças afloram sua criatividade, sem

medo da imposição do adulto, criam a capacidade de imitar, imaginar e representar,

conseguem viajar em um mundo ilusório, no qual irá criar o seu próprio enredo. “É no

brincar, e somente no brincar que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e

utilizar sua personalidade integral e é apenas sendo criativo que o sujeito, descobre o

eu”. (WINNICOTT, 1971, p. 80).

O autor menciona que o brincar pode ser um caminho para se comunicar com a

criança, já que a mesma ainda não possui o desenvolvimento completo da linguagem. É

pela atividade da brincadeira que esta consegue expressar seus sentimentos e liberar

suas tensões do cotidiano. Assim, ao observá-la brincando, podemos entender e adentrar

um pouco mais nesse mundo cheio de significações.

É importante que consigamos compreender o momento dentro do processo de

desenvolvimento e do contexto histórico-social no qual isso ocorre. Um olhar positivo,

voltado para aquilo que está bem, muitas vezes, pode redimensionar determinada

queixa.

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112

CAPÍTULO IV

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Devido à realidade que muitas escolas vivenciam hoje, há que se notar, a

urgência de um olhar mais apurado, voltado à compreensão das necessidades, para além

das pedagógicas, das crianças escolares. A educação da atualidade depara-se com a

urgência de se pensar e agir numa perspectiva inclusiva, que seja capaz de incluir todas

as crianças, de fato.

As crianças dos agrupamentos III do período da tarde, parte deste estudo, entram

às 13:10 horas e saem às 17:10 horas, ou seja, o atendimento para esta faixa etária (de 3

a 6 anos) é parcial. Elas estão acostumadas com a rotina diária, todos os dias, seguem

para as suas salas com a professora, sentam-se na roda para conversar, cantar ou ouvir

uma história, fazem determinada atividade ou interagem nos cantinhos de brincadeiras

espalhados pela sala (eles tem autonomia para escolher onde brincar), almoçam e

brincam no parque.

Na escola estudada, como na maioria das instituições de ensino públicas do

Brasil, as professoras trabalham sozinhas e não há profissionais especializados que

possam auxiliá-las, como por exemplo, em educação artística, ou mesmo no asseio das

crianças, quando necessário. Isso parece dificultar o estabelecimento de propostas

inovadoras. Por vezes, é a professora quem precisa socorrer uma criança pequena no

banheiro e deixar a sua turma em sala de aula, devido à carência de profissionais nesse

nível de ensino.

Além disso, não há momentos em que o grupo docente, efetivamente, reúne-se

para falar sobre o que estão fazendo e propor novas ideias. As reuniões semanais de

trabalho docente coletivo são espaços em que as discussões acabam se centrando em

assuntos específicos, que são colocados em pauta pela própria gestão, como por

exemplo: uma decisão sobre um passeio com as crianças, o horário em que ocorrerão as

reuniões com os pais e responsáveis15

, o que será necessário comprar para a festa dos

aniversariantes, dentre tantas outras formalidades.

15

As reuniões, geralmente são feitas com todos os pais ao mesmo tempo pela professora da sala e têm a

duração de 1 hora e 50 minutos, e, acontecem uma vez por semana.

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Esses assuntos são também importantes, mas é preciso que essas reuniões

tenham foco em uma questão fundamental: a qualidade da educação oferecida a essas

crianças.

É necessário que os discursos dos educadores se direcionem para a dissolução

dos problemas existentes, pois, muitas vezes, esses se traduzem tão somente em um rol

de colocações que trazem à tona a problemática da suposta ocultação do afeto familiar

e, consequente, culpabilidade da família pelos desajustes escolares. É preciso ir além

das postulações, refletir e buscar respostas pertinentes que possam colaborar para a

melhoria dos serviços prestados.

Será que essas famílias, realmente, estão negligenciando carinho, atenção e amor

aos seus filhos? Será que as crianças estão desmotivadas porque estão com problemas

em casa? E qual o papel da escola no que se refere ao atendimento àquelas crianças que

fogem do “padrão da normalidade”?

O que realmente acontece, muitas vezes, é a subordinação dos pequenos com

relação à figura do professor, que por si só já ocupa uma posição de superioridade, pois

é o único adulto ali presente. O poder que é capaz de exercer sobre as crianças é ainda

maior devido ao fato de que subjetivamente, estabelece regimes de verdade, através de

seus próprios discursos, impondo regras e estabelecendo limites.

De um modo geral, a autoridade do professor diz respeito a uma ordem

normativa que regula o comportamento social. Assim, o poder sustenta a autoridade

vigente, já que sujeita os seres individuais através da coerção e da repressão. Ao

contrário de se colocar a favor dos interesses daqueles que a ele estão sujeitados,

geralmente, têm a finalidade de repreender, expor os problemas e tentar remodelar

atitudes e comportamentos, sempre que necessário.

As práticas pedagógicas, quase sempre, estão assentadas em bases

metodológicas que agem a favor da remodelação e da transformação das subjetividades.

De acordo com Larrosa (1994), “(...) é como se a educação, além de construir e

transmitir uma experiência ‘objetiva’ do mundo exterior construísse e transmitisse

também a experiência que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como ‘sujeitos’”. É

como se o meio educativo mostrasse aos estudantes o que é ser uma pessoa, assim como

o que eles são, em particular.

Isso porque, mesmo sutilmente, certos educadores traçam seus preceitos e

normas que as crianças precisam conhecer e obedecer, modelam seus hábitos, e

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doutrinam uma série de valores porque não os considera apropriado para o contexto

vigente. É no momento em que se objetivam determinados aspectos do ser individual,

que ocorre a manipulação institucionalizada de cada um, ou seja, é no interior dessa

articulação ente saber e poder que é possível agir no interior dos sujeitos.

Nesse contexto, a educação é analisada como uma prática disciplinar de

normalização e de controle social. As práticas educativas são consideradas

como um conjunto de dispositivos orientados à produção dos sujeitos

mediante certas tecnologias de classificação e divisão entre indivíduos quanto

no interior dos indivíduos. A produção pedagógica do sujeito está relacionada

a procedimentos de objetivação metaforizados no panoptismo, e entre os

quais o “exame” tem uma posição privilegiada. O sujeito pedagógico aparece

então como o resultado da articulação entre, por um lado, os discursos que o

nomeiam, no corte histórico analisado por Foucault, discursos pedagógicos

que pretendem ser científicos e, por outro lado, as práticas institucionalizadas

que o capturam, nesse mesmo período histórico. (LARROSA, 1994, p. 52).

O autor problematiza a relação entre saber e o poder no interior das práticas

educativas, com base nas obras de Foucault: a História da Loucura, Vigiar e Punir e

Vontade de Saber, produzidos na década de 70. E vai além, ao destacar outras obras, nas

quais Foucault desloca-se em direção à interioridade dos sujeitos.

Por outro lado, e a partir de 1978, o binômio saber/poder, já elaborado

previamente em termos de “disciplina” e em termos de “biopoder”, começa a

ser abordado em termos de “governo”. E, na perspectiva de Foucault, a

questão do “governo” está já desde o princípio fortemente relacionada com a

questão do “autogoverno”. E esta última questão, por sua vez, está

claramente relacionada com o tema “subjetividade”. (Ibidem: p. 53).

É nesse sentido que o sujeito pedagógico pode ser analisado não somente do

ponto de vista da “objetivação”, mas, sobretudo, da “subjetivação”. Ainda que seja na

educação infantil, principalmente, com as crianças pequenas, o ambiente escolar pode,

por meio de inúmeras estratégias e instrumentos, atuar na “interioridade” e transformar

a “experiência de si”. Dito de outro modo, qualquer atividade realizada, seja uma

assembleia, uma roda de conversa, uma brincadeira dirigida, dependendo da forma

como é conduzida, pode modificar as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo.

Segundo o autor a pedagogia não é neutra, mas um espaço possível de

transformação dos sujeitos, de uma maneira particular, porque é capaz de produzir

relações reflexivas que atuam na remodelação da experiência de si.

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As ações educativas proporcionam situações nas quais o indivíduo é levado a

refletir sobre si mesmo, num percurso introspectivo que o faz duplicar a sua imagem,

uma é a que ele próprio reconhece, e outra que é conhecida por todos. Isso pressupõe

modos equivocados de autoconhecimento com imagens falsas e distorcidas. É possível

que desde a infância, tais “espelhos” representem uma imagem falso-negativa da figura

da criança que sofre as consequências desse doloroso processo de normalização. E essa

normatização é o que vem constituir o sujeito, num percurso constante e histórico.

Dessa forma, educadores precisam ter a clareza sobre suas atitudes, uma vez que

não há classes homogêneas, em que todos são iguais, e a diversidade é por si só uma

característica inerente à educação. É preciso superar a idealização da sala de aula

composta tão somente por corpos dóceis e domesticados, assim como, cada um precisa

ser respeitado por sua individualidade. É necessário oportunizar o desenvolvimento de

todos, mesmo que para isso seja preciso criar estratégias educativas diferenciadas.

Todavia, as entrevistas que tivemos com as professoras, por exemplo, nos

mostram a dificuldade que ainda existe em compreender que as crianças se distinguem

umas das outras. Para as educadoras, os pequenos precisam participar das atividades

formais e manter um comportamento que, segundo elas, seria o adequado. E, quando

fogem a essa regra acabam causando preocupações constantes.

É comum um sentimento de frustração por parte das professoras dos

agrupamentos III do período da tarde da escola aqui observada, uma vez que gostariam

de poder ensinar mais às suas turmas e não conseguem avançar, principalmente, quando

trazem conteúdos que, poderiam auxiliar no amadurecimento das crianças, sobretudo,

como um preparo para o ingresso no ensino fundamental. No entanto, há que se ter a

clareza de que a educação infantil possui determinadas especificidades que a

diferenciam, e que, portanto, esse nível de ensino não pode ser concebido como

preparação para a entrada dos alunos no primeiro ano.

O ingresso das crianças de seis anos no ensino fundamental já é de todo

traumático, uma vez que elas se veem privadas das brincadeiras, as quais estavam

acostumadas no percurso da educação infantil. É preciso repensar a formalidade com

que muitos professores trabalham com suas crianças do primeiro ano, que são obrigadas

a aprender a leitura e a escrita até o término letivo, uma vez que existem cobranças

internas e externas ao sistema de ensino.

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Também na educação infantil, sabemos que existe a intenção de se trabalhar

conteúdos formais, em outras palavras, há a preocupação de se ensinar e transmitir

conhecimentos, então, por vezes, a roda de conversa, que deveria ser um momento de

descontração e de trocas, é emoldurado por assuntos trazidos equivocadamente às

crianças. Elas podem variar da explanação de uma data comemorativa, a demonstração

das letras do alfabeto e dos numerais, o reconhecimento dos nomes, dentre tantas outras

atividades de cunho formal. A partir disso, geralmente, são feitos “trabalhinhos” em

folhas de papel, quase sempre, individualmente, com recursos diversos: um dia se

trabalha com tinta guache, noutro dia com aquarela, cola colorida, e assim por diante.

Na maior parte do tempo em que as crianças estão na instituição, elas ficam

restritas a um pequeno espaço, aquele de suas salas de aula. Além disso, existe o

controle temporal, no qual elas estão condicionadas a seguir a ordem de certas rotinas,

de acordo com os horários pré-estabelecidos pela unidade escolar. Primeiro a roda,

depois a atividade, o lanche, e por fim, o parque. Dificilmente há uma desvinculação

desse padrão.

Acreditamos que é preciso reconduzir esse processo, o que se daria pela

instalação de novas forças de poder capazes de questionar a ordem até então existente.

A escola precisa de reformulações, principalmente, para deixar de ser disciplinadora e

de sujeitar a criança a uma passividade proeminente.

Para Deleuze (2013), o sujeito está sempre a passar de um espaço a outro e cada

um possui as suas próprias leis: a família, a escola, a fábrica, o hospital e o

confinamento por excelência, por qual poderá ou não passar, a prisão. Este último seria

como um modelo a todos os demais.

(...) Foucault analisou muito bem o projeto ideal dos meios de confinamento,

visível especialmente na fábrica: concentrar; distribuir no espaço; ordenar no

tempo; compor no espaço-tempo uma força produtiva cujo efeito deve ser

superior à soma das forças elementares (...). (Idem: p. 223).

O próprio sistema educacional está imbuído por diversos mecanismos

disciplinadores. O processo pedagógico incorpora as relações de poder entre educadores

e educandos, aquele detém o saber, o conhecimento formal, e isso já o coloca em uma

posição de vantagem com relação às crianças. É ele quem estabelece o tempo, a rotina, a

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tarefa e os conteúdos que devem ser aprendidos, independentemente, da infinidade

social ali existente.

A criança deve ser concebida como indivíduo social, parte de um determinado

momento histórico e cultural. Ela traz consigo uma bagagem que lhe confere, ao mesmo

tempo, em que é marcada pelo meio social em que se desenvolve, o qual é caracterizado

por diferentes instâncias, seja a família, a escola ou outros espaços de interação.

De acordo com Veiga-Neto (2011), é necessário entender o sujeito não a partir

de si mesmo, mas, sobretudo, das camadas que o envolvem. Estas, propriamente ditas,

se referem às práticas discursivas e não discursivas e aos saberes que, de uma forma ou

de outra, constroem as pessoas durante todo o seu percurso histórico.

É nesse trajeto, permeado por trocas, com outras pessoas e com o meio, que a

criança constrói a sua identidade, num processo de significação e resignificação. Por

isso, a real necessidade de um intenso trabalho voltado para atividades de criação, que

se desloque das imposições e, da mera aquisição e reprodução de saberes para um plano

criativo, envolto pela ludicidade.

As crianças precisam ser livres para que possam escolher suas atividades, e

consequentemente, ter motivação para aprender. Ao professor cabe o olhar atento às

indagações, aos questionamentos do grupo de crianças, para então, elaborar

conjuntamente e, a partir do interesse delas, o que será desenvolvido.

Na realidade escolar deste estudo, verificamos momentos em que algumas

atividades são criadas e oferecidas às crianças, sem que ocorra o interesse espontâneo

delas, além disso, o que se espera é que todos reajam da mesma maneira diante das

propostas de atividades. É como se aqueles que não conseguiram participar não se

enquadrassem dentro do padrão estabelecido.

Prova disso é que, certo dia, quando observamos a rotina da turma da professora

E.R. presenciamos um momento em que todos estavam fazendo a mesma atividade:

colando bolinhas de papel crepom em uma árvore desenhada sob uma folha de sulfite

branco. Nem todos estavam dispostos a fazer aquilo, alguns, num impulso de recusa, se

levantavam para tentar fazer algo que lhes despertassem mais o interesse.

Nesse contexto, é importante ter a percepção de que os sinais emocionais que as

crianças enviam são, realmente, “pedidos de socorro”. Se elas estão envolvidas e

satisfeitas, mostram-se alegres. Todavia, aquelas que não estão se familiarizando com a

proposta, podem se tornar inquietas e até mesmo, agressivas.

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Oliveira (2008), diz que a agressão pode ser resultado de alguma frustração.

“Pode se exteriorizar pela palavra, por ataques verbais, gestos, agressão física, mímicas

pejorativas, falta de ação, olhar.” (Idem: p.8). Assim, o educador deve estar sempre

atento a esses sinais, pois determinadas emoções podem prejudicar o desenvolvimento

da criança, e é relevante, tomá-los como pressupostos de que algo precisa ser feito, a

começar pelo redirecionamento de sua prática.

Não há como propor, por exemplo, a mesma atividade a todos ao mesmo

tempo. Nesta escola, as turmas são mistas, há crianças pequenas de 3 anos interagindo

com outras maiores, de 5 ou 6 anos, por exemplo. Portanto, fazer com que todos

desenhem, pintem ou colem as bolinhas de papel crepom dentro do desenho da árvore

irá talvez, distrair algumas delas por determinado período de tempo. Outras se recusarão

a fazer e se dispersarão rapidamente e essa dispersão e recusa de fazer determinada

atividade não significa que ela tenha dificuldade, mas simplesmente que não está

motivada ou disposta a realizá-la.

A prática pedagógica deve caminhar no sentido de compreender a diversidade

existente, ou seja, é preciso trabalhar a partir da singularidade de cada um, de modo a

respeitar as características pessoais e possibilitando avanços no desenvolvimento. Isto

significa que todos são diferentes e que cada criança aproveita o que é vivido no

contexto educativo de forma diferenciada.

Nas salas de agrupamento III do período da tarde, analisadas em nosso estudo,

não foi verificado algo que se familiarizasse com um trabalho em projetos, que partisse

essencialmente do grupo de crianças e que fosse elaborado, de forma coletiva, ao longo

do ano. E esse tipo de atividade é o que dá liberdade às crianças, sem contar a

importância dos direcionamentos no uso das ferramentas, dos materiais e das técnicas

utilizadas durante as representações gráficas e visuais.

Apesar de o Projeto Político Pedagógico deste Centro de Educação Infantil

contemplar as múltiplas linguagens, o seu planejamento é anual, feito logo no início do

ano, na primeira Reunião Pedagógica, antes mesmo de os educadores terem contato com

as crianças e seus familiares. Em 2012, o enfoque fora acerca dos Contos Clássicos,

Folclore e Datas Comemorativas. Já em 2013 contemplou-se, além das Datas

Comemorativas, um trabalho envolvendo a decoração das festas de aniversariantes, que

ocorreram em todos os meses. Sobressaem-nos então algumas indagações: será que

essas temáticas escolhidas pelos educadores, professores e monitores, foram agradáveis

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às essas crianças? Será que elas se envolveram e conseguiram se desenvolver, de forma

criativa e motivadora?

O conteúdo é muitas vezes, dado de antemão e não construído coletivamente, e a

partir das próprias crianças. Não há o desenvolvimento de um projeto, mas no geral,

pede-se que os alunos façam um desenho acerca de uma história ou uma confecção

específica para a ornamentação da festa dos aniversariantes do mês. Em outros

momentos, acontecem situações sem direcionamento, nos quais as crianças brincam

livremente no parque ou em cantinhos com brinquedos nas salas de aula.

O currículo não pode ser organizado de forma que as atividades se relacionam

com conteúdos específicos, como acerca das datas comemorativas. As crianças

precisam ser livres para escolher o que querem aprender e ainda, necessitam fazer seus

trabalhos e participar de brincadeiras, sem interrupções frequentes. Para isso, é preciso,

além de uma maior flexibilidade de tempo, um preparo muito grande do corpo docente,

pois não é simples ter a sensibilidade para perceber qual curiosidade é emergente em

cada grupo.

Em resumo, o modelo de programa aqui observado nos pareceu multifacetado,

isso porque ora as crianças eram deixadas livres para brincar do que quisessem, ora os

trabalhos eram rigorosamente direcionados, por meio da realização de atividades em

folhas de papel sulfite, como uma pintura, com determinada técnica, por exemplo.

Uma vez que as turmas são heterogêneas, e, como dissemos, as crianças

também o são, pois cada uma delas tem suas particularidades, a adequação das

atividades, de acordo com as diferenças de cada uma, se torna necessário no contexto

educativo. Aquela criança que não quis participar de determinada atividade poderá se

interessar por outra, caso lhe sejam oferecidas opções de escolha.

A intervenção do adulto nesse processo é necessária para que os pequenos

consigam ampliar seus conhecimentos. “Para isso, o professor precisa conhecer e

considerar as singularidades das crianças de diferentes idades, assim como a diversidade

de hábitos, costumes, valores, crenças, etnias, etc. das crianças com as quais trabalha

(...)” (BRASIL, 1998, p. 30).

Em nosso trabalho, contudo, ainda notamos a existência de muitas polêmicas

nesse nível de ensino. Mesmo o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (1998), confere a existência de divergências no trabalho que envolve os

diferentes aspectos: físicos, emocionais, afetivos, cógnitos e sociais das crianças.

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Há práticas que privilegiam os cuidados físicos, partindo das concepções que

compreendem a criança pequena como carente, frágil, dependente e passiva,

e que levam à construção de procedimentos e rotinas rígidas, dependentes

todo o tempo da ação direta do adulto (...).

Outras práticas têm privilegiado as necessidades emocionais, apresentando os

mais diversos enfoques ao longo da história do atendimento infantil. A

preocupação com o desenvolvimento emocional da criança pequena resultou

em propostas nas quais, principalmente, nas creches, os profissionais

deveriam atuar como substitutos maternos (...).

Desenvolvimento cognitivo é outro assunto polêmico presente em algumas

práticas. O termo “cognitivo” aparece ora especificamente ligado ao

desenvolvimento das estruturas do pensamento, ou seja, da capacidade de

generalizar, recordar, formar conceitos e raciocinar, logicamente, ora se

referindo aprendizagem de conteúdos específicos (...). (BRASIL, 1998, p.

18).

Dessa forma, a proposta educacional elaborada pela equipe docente está

vinculada à concepção de seus membros ao conceito de infância e educação infantil. Se

tivermos um ambiente educativo que privilegie o cuidado, a disciplina e a rigidez nas

condutas se sobressairão. Se por outro lado, nos deparamos com uma escola que busca

como meta o desenvolvimento cognitivo das crianças, notaremos a emergência de

atividades formais com foco em aprendizagens específicas. Assim, a conduta

pedagógica está também atrelada ao modo como os profissionais envolvidos

compreendem a educação infantil. Nesse cenário, as crianças são simples receptoras

daquilo que está pré-determinado e que será, cotidianamente, repassado a elas.

Edwards (1999) chama a atenção para a importância de se colocar as crianças

como protagonistas de suas próprias aprendizagens. Trata-se de uma visão

intrinsecamente social delas, como alguém que possui uma identidade própria, uma

cultura única e uma história de vida. O professor, ocasionalmente trabalha dentro deste

grupo misto, portanto precisa estudá-lo, observá-lo e proporcionar ocasiões

significativas a ele.

O papel do professor centraliza-se na provocação de oportunidades de

descobertas, através de uma espécie de facilitação alerta e inspirada e de

estimulação do diálogo, de ação conjunta e da co-construção do

conhecimento pela criança. Uma vez que a descoberta intelectual é

supostamente um processo essencialmente social, o professor auxilia mesmo

quando as crianças menores aprender a ouvir os outros, levar em

consideração seus objetivos e ideias e a se comunicar com sucesso (...)

(EDWARDS, 1999, p.161).

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Mas, infelizmente, o que acontece é que, a prática pedagógica contempla

atividades que, de fato, não são interessantes a todos da mesma forma. Assim, temos,

por exemplo, que na roda de conversa, uns estão atentos e participam, contando suas

histórias; enquanto que, outros estão mexendo com alguma coisa ou mesmo preferindo

conversar com o colega que está ao seu lado. O mesmo ocorre, como dissemos, quando

a proposta de atividade é formalizada por meio de registros no papel. Alguns alunos

mostram-se interessados e outros espontaneamente, dizem: “eu não quero fazer”.

As crianças desse grupo com queixa em relação ao comportamento não

permaneciam por muito tempo engajadas em algumas tarefas que eram propostas pelas

suas professoras, enquanto que durante as atividades lúdicas, em que participaram no

estudo de caso, o envolvimento foi evidente.

Quando propusemos um momento livre de brincadeira com os participantes,

foi notável o interesse na atividade de faz de conta. O que aconteceu, na realidade, é que

fora feito um convite às turmas e dessa forma, os que estavam naquele espaço eram

exatamente as crianças que queriam participar daquela situação. Então, obtivemos um

grupo pequeno, acompanhado por um adulto, mediador.

A brincadeira de faz de conta, tanto quanto o desenho da família ocorreram de

forma agradável e prazerosa, as crianças estavam empenhadas naquelas propostas.

Durante a brincadeira, o ambiente foi organizado com as miniaturas que

representavam a “casa das crianças”. E mesmo na falta, ou no desconhecimento de

algum dos objetos, elas foram capazes de soltar a imaginação, criar e recriar, ou seja,

elas não somente reproduziram como inventaram situações diversas durante a

brincadeira, de forma espontânea e lúdica.

Enquanto a proposta de desenho sobre a família tratou de ser uma atividade em

que as crianças poderiam desenhar o que quisessem, de forma livre e espontânea sobre o

contexto familiar no qual vivem, o relato pôde dar sentido e significado às suas

representações.

Não estamos querendo afirmar que não há a necessidade de se conduzir a

prática pedagógica, mas sim, de que é preciso buscar uma compreensão de que a

imposição da mesma atividade ao grupo como um todo pode gerar sentimentos de

frustração e reprovação.

Ao serem obrigadas a uma aprendizagem que não lhes permitem entender a

verdade por elas mesmas, as crianças tornam-se passivas de determinados

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conhecimentos. A solução, então, seria a reformulação dos métodos utilizados, de forma

a propor um ensino criativo, participativo e motivador, nos moldes da educação infantil

que verificamos, por exemplo, nas escolas italianas de Reggio Emília.

Nesse sentido, é preciso deixar as concepções que são capazes de destacar o que

é normal daquilo que, por convenção julga-se anormal. E entender que cada indivíduo

tem a sua própria identidade, portanto, não há que se exigir um padrão de normalidade.

(...) a creche caracterizada como espaço privilegiado de construção de

atributos sociais classificatórios ou não, também carregados de símbolos e

práticas que sinalizam e inculcam valores, regras, papéis sociais e morais,

ideologias, comportamentos adequados para esta ou àquela idade, para

meninas e para meninos, assumia muitas vezes uma ação educativa que

submetia a conduta das crianças às normas preestabelecidas (“Coma a sua

comida”; “Vá para o seu lugar”; “Para de mexer na parede”; “Pode guardar o

brinquedo”; “Vá por roupa Bruna, que feio!”; Mas por que uma bicicleta cor-

de-rosa, Carlos?”; “Vai pra lá, menino não passa esmalte”), tendo como

referência sistemas padronizados e preconcebidos, revelando um instrumento

de alienação dos sujeitos, negando e substituindo, de forma autoritária e

arbitrária a representação e a construção de significados e conceitos pelas

crianças e daqueles advindos da própria observação direta, da apreciação e do

questionamento das normais, efeitos e condutas. (PRADO, 2005, p.104-105).

O contexto educativo precisa ter a ação de proporcionar atividades diversas que

sejam capazes de contemplar a diversidade existente no grupo social. A educação

infantil, principalmente, necessita de uma riqueza de experiências oferecidas. As

atividades lúdicas, como dissemos, são capazes de possibilitar à criança pequena o

exercício de sua criatividade e imaginação.

A brincadeira é um exemplo da linguagem infantil, pela qual as crianças se

interessam. É através do brincar que elas se apropriam de elementos simbólicos e

articulam imaginação com imitação da realidade. Durante a nossa proposta de faz de

conta, as crianças, de fato, representaram modelos dos adultos, e a partir de uma

significação particular do grupo, acabaram constituindo diferentes enredos.

Elas cuidaram de seus “filhos”, trocaram as roupas dos “bebês”, deram banho,

alimento e mamadeira. A representação familiar apareceu por meio da figura paterna,

materna e outros membros da família. E, certamente, a afetividade familiar se

evidenciou nessas relações.

Ademais, elas foram ao supermercado para fazer compras, arrumaram a casa,

passaram as roupas e também trabalharam fora (como operadores de caixa, vendedores,

cozinheiros, garçons,). Além disso, em determinados momentos se divertiram, e foram à

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praia, ao acampamento e ao restaurante. E o papel social também apareceu, elas

interagiram no “seio familiar” e também com “outras pessoas” nesses “lugares

diversos”.

Assim, brincando, as crianças transformaram os conhecimentos que já possuíam

anteriormente. Para assumir determinado papel na brincadeira, mostraram que

conhecem alguma de suas características. Esses conhecimentos são apreendidos da

experiência vivida na família, ou de relatos de outras pessoas, de cenas da televisão, de

enredos de livros, dentre outros meios de transmissão social.

Especificamente, na brincadeira de faz de conta, a criança precisa de certa

independência para escolher papéis e criar estórias. Mas, o adulto pode colaborar na

estruturação de aportes lúdicos, conferindo materiais adequados, espaço estruturado e

tempo para que a brincadeira aconteça. Assim, poderá criar um ambiente sadio e

significativo, capaz de enriquecer as competências imaginativas, criativas e

organizacionais das crianças.

O desenho também representa um meio criativo, pelo qual as crianças

conseguem se expressar e apresentar a realidade externa, bem como os elementos de sua

cultura. No momento em que fazem a sua representação simbólica, e se expressam

verbalmente sobre aquilo que registraram, há evidências de como traduzem a percepção

do mundo, seus pensamentos e/ou sentimentos. A dinâmica familiar, por exemplo,

acaba mesmo que, de forma espontânea, aparecendo nessas representações.

Durante o estudo exploratório sobre o desenho da família, a menina J.B.L.S.

não representou o pai (“que a abandonou”), enquanto que não o “novo pai” (atual

namorado da mãe), ela o fez duas vezes ao lado de si. Sua mãe aparece também, mas, ao

lado do irmão. Enquanto que, no estudo de caso, J.B.L.S. desenhou a tia, ela e o irmão

brincando de bola no quintal da casa da tia, onde, de fato estava morando no momento,

de acordo com o relato da própria tia. A mãe e o pai (falecido) não aparecem no registro

desta vez. Eu perguntei se ela gosta do pai dela e ela responde, “sim, mas ele já

morreu”. Mesmo assim, afirmou, com um olhar triste, que eles são felizes.

O primeiro desenho da família de P.M.S. trouxe a figura materna e paterna

junto de si, os primos e o cachorro. Durante o registro, comentou: “meu pai tem

namorada, minha mãe não tem”. E no segundo desenho, P.M.S. disse ter feito uma casa

e uma árvore, seus pais que estão dentro da casa, olhando os pássaros. Logo, mencionou

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que também estava junto com ambos. Com um pequeno sorriso disse gostar da família

que tem. E finalizou “meu pai não está morando com a minha mãe”.

Os dois casos em questão, foram classificados pela professora E.R. como

crianças que, por conta do contexto familiar nos quais estavam inseridas, não

conseguiam ter o mesmo desenvolvimento educacional de outros alunos, quando

comparado com os demais. Sobre P.M.S. ela diz: “não se concentra durante as

atividades, atrapalha a roda de conversa, às vezes é agressivo com os colegas. Passa um

final de semana com o pai, que parece não dar muita atenção a ele”. E com relação à

J.B.L.S. “a menina não tem pai, o contexto familiar é difícil, a mãe troca de namorado

com uma frequência muito grande e apresenta para a criança como se fosse o pai dela.

A menina quer chamar a atenção, bate, arrasta a cadeira, não fica onde é para ficar, fala

mal das crianças, irrita a turma. A mãe passa uma imagem negativa o pai à criança, que

ele a abandonou e a criança reproduz a fala da mãe”.

No decorrer das entrevistas, ouvimos as concepções do adulto, seja ele, o

professor ou o familiar, que falou a respeito dos pequenos, mas é preciso reconhecer que

a criança tem o seu jeito particular de ser e de agir. Assim, entender a individualidade de

cada sujeito, isentá-lo da proposição de condutas que culminarão com a remodelação

das subjetividades, é um grande desafio a ser conquistado pelos adultos, responsáveis.

Quando entrevistamos a tia de J.B.L.S., a mesma disse, se referindo à menina: “é

terrível, agitada, uma criança que não para. Briga com o irmão maior, bate nele”.

Enquanto que a mãe de P.M.S. contou que se separou do pai, e que, quando P.M.S.

passava o final de semana com ele, voltava extremamente agitado e triste. Há alguns

meses havia consultado a criança com uma psicóloga, que o diagnosticou com

depressão. Desde então, passou este a tomar medicamentos para controle.

Se acreditarmos que todas essas afirmações são de fato verdadeiras, teremos que

essas crianças estão fatidicamente perdidas, e que desde a educação infantil o seu

destino desastroso, está, então, traçado. Mas será que a escola não consegue interferir

positivamente nestes tantos discursos?

Todas essas falas acabam por criar imagens estereotipadas acerca dessas

crianças. Será que o fato de elas terem uma estrutura ou uma condição familiar que não

corresponde aos modelos tradicionalmente aceitos, leva-as a estarem fadadas ao

fracasso? Será mesmo que não há nada que se possa fazer?

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Quando o corpo docente acredita em certos preceitos, acaba classificando as

crianças de acordo com suas pré-disposições em participar ou não das tarefas propostas

ou ainda, sinalizando para a adequação de comportamentos e atitudes coerentes com as

normas preestabelecidas. Somente quando algo não está dentro do padrão, o que

comumente acontece, é que a família acaba entrando em cena.

Assim não há um estímulo à participação dela no ambiente escolar, em

momentos agradáveis com seus filhos. Muitas vezes presenciamos agendamentos de

urgência com os pais, inclusive com a presença da gestão, para se falar sobre qualquer

feito negativo que tinha ocorrido na escola. Em geral, essas reuniões aconteciam quando

se fazia necessário argumentar sobre algo que o educador acreditava estar ocorrendo

com a criança, sobretudo, se a conduta da mesma, era desagradável aos seus olhos. Não

se trata de afirmar que não existam casos em que realmente é preciso alertar os pais com

relação a algum encaminhamento importante, como uma consulta com fonoaudiólogo,

oftalmologista, dentre outros, mas trazê-los somente quando há necessidade de lhes

reportar algum problema, principalmente, quando este se refere ao comportamento, é

algo extremamente triste para a educação infantil.

A participação da comunidade nesta escola não é frequente. Porém, anualmente,

há uma data específica, que consta no calendário escolar da rede municipal de

Campinas, que se chama “Família na Escola”. Nesse momento, os pais podem entrar e

visualizar as produções das crianças que são expostas nas paredes, juntamente com suas

fotos. No ano de 2013 observamos a participação dos familiares em atividades na sala

de aula, em oficinas junto às crianças (pintura de vidro, escultura de balões, produção de

perfume, bijuterias, dentre outras), foi um dia muito especial de interação entre

comunidade e escola, que até então não havia acontecido.

As famílias do nosso estudo não estão acostumadas com o fato de que podem ser

parte integrante do processo educativo de seus filhos. Muitos pais, ainda têm uma

percepção distorcida da educação infantil, como uma instituição escolar em que as

crianças vão para brincar enquanto eles trabalham.

A participação mais ativa da comunidade da creche campineira se resume aos

membros que compõem o Conselho de Escola, cerca de cinco pais participantes, que

geralmente se esforçam para tentar trazer benefícios à instituição e consequentemente,

às crianças.

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Por vezes, alguns deles se empenham na tarefa de conseguir verbas juntos aos

setores políticos; agendam reuniões com a Secretária da Educação, quando há

necessidade (como por exemplo, na falta de funcionários); dão ideias e sugestões nas

Reuniões de Conselho. Em contrapartida, em outros momentos, ao verem que algo não

anda bem, buscam a imprensa como referência, o que acaba por expor os problemas

locais a toda a população, por meio de reportagens sensacionalistas veiculadas pela

mídia local.

No ano de 2013 os educadores se depararam, algumas vezes, com a mídia em

frente à escola: uma vez para reclamar contra a violência (um sequestro de uma

funcionária na porta da creche), outra para alertar sobre um surto de ratos e a última,

para protestar contra os agentes de educação infantil que paralisaram o atendimento

devido à escassez de profissionais. Situações como essas, acabam por acentuar ainda

mais o embate que porventura possa existir, entre pais e educadores.

Acreditamos que é preciso caminhar a favor do fortalecimento do vínculo entre

família e escola. A comunidade precisa estar unida e engajada no mesmo propósito, ou

seja, o de proporcionar um ambiente sadio, acolhedor e alegre a essas crianças. De nada

adianta travar uma luta, em que educadores se encontram de um lado e familiares do

outro. Talvez o caminho mais curto para isso seja tentar trazer esses pais diariamente

para o interior escolar, propor mais atividades em conjunto e mostrar a eles o quanto

podem fazer a diferença na vida de seus filhos.

De acordo com Gandini (1999), essa parceria entre crianças, pais, professores,

conselheiros educacionais e comunidade é primordial. Isso ocorre nos espaços das

escolas italianas os quais são cuidadosamente organizados para que ocorra a

possibilidade de interação entre educadores e comunidade. “O espaço reflete a cultura

das pessoas que nele vivem de muitas formas e, em um exame mais cuidadoso, revela

até mesmo camadas distintas dessa influência cultural” (GANDINI, 1999, p.150). Essas

instituições são agradáveis e em seu interior, harmônicas. Isso se revela nos móveis, nas

cores das paredes, nas plantas verdes e saudáveis e em vários outros detalhes especiais.

A nossa realidade, ao contrário, se emoldura num espaço corriqueiro. Apesar dos

esforços da equipe em adquirir brinquedos e materiais novos para as crianças, fazendo

uso da verba escolar, o prédio em si, não possui uma estrutura física capaz de abarcar

espaços diferenciados. A arquitetura escolar disponibiliza aos alunos, suas respectivas

salas de aula, uma biblioteca, um refeitório, banheiros e dois parques (um interno e

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outro externo). Não há tantos recursos físicos, principalmente quando chove, e algumas

salas ficam repletas de água, devido às más condições do prédio, que é antigo. Há

alguns anos, encaminhou-se à prefeitura de Campinas um projeto arquitetônico com o

intuito de redefinir a estrutura física desta unidade escolar, mas o mesmo ainda não foi

autorizado.

Não há dúvidas da necessidade de uma intervenção, tanto com relação à

estrutura física, às concepções das famílias, e, principalmente dos educadores

envolvidos. Apoiar os pais e educá-los no sentido de proporcionar mais afeto e dar mais

estímulos intelectuais às suas crianças e também tornarem-se parceiros efetivamente, da

escola; propiciar programas de formação continuada aos profissionais da educação, e

orientar as instituições a elaborar programas educacionais mais adequados. Conceber

essas intenções seria um pontapé inicial para uma mudança positiva na realidade aqui

estudada.

Para isso é preciso que haja uma mudança de paradigmas, de acordo com o que

estamos vivendo. As visões reducionistas, presentes nas análises e nos diálogos dos

educadores precisam ser reelaboradas para que continuemos na busca por compreensões

que beneficiem a criança. Cabe à educação, o papel de colocar em movimento essas

contradições, de forma a tentar superá-las e, a partir disso, criar possibilidades para que

o sujeito consiga progredir ao longo de certas estruturas que são dadas como

verdadeiras ou que se constituíram como tal ao longo do tempo.

(...) Assim, se quisermos que o sujeito desde sempre aí cumpra sua dimensão

humana, devemos educa-lo para que ele possa atingir ou construir sua própria

autoconsciência, de modo a reverter aquelas representações distorcidas que o

alienavam; só assim ele será capaz de contrapor efetivamente à opressão e à

exclusão e, em consequência, conquistar a soberania. (VEIGA-NETO, 2011,

p.110).

Nota-se, portanto, que esta crise da educação suscita, a cada dia, novas

discussões, sobretudo com relação aos recorrentes processos de subjetivação, de forma

tal que se consiga transgredir as variadas formas de resistência e sobrepor um saber-agir

pedagogicamente renovado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa surgiu da emergência por respostas com relação a determinado

contexto no qual também eu, fazia parte, como professora, em uma escola de educação

infantil da prefeitura de Campinas.

Desde que ingressei, no ano de 2010 até o término de 2013, as queixas em

relação ao comportamento de determinadas crianças se mostravam frequentes, e, mesmo

que alguns comentários acontecessem nos corredores escolares, eles se faziam

presentes. A situação parecia preocupante, uma vez que a insatisfação cotidiana se

sobressaía à realização da prática pedagógica.

Por um lado, as professoras relatavam que alguns alunos não conseguiam

participar das atividades, por se dispersarem, ou devido a um comportamento

exacerbado, que prejudicava a concretização das tarefas em sala de aula, ou mesmo os

momentos de brincadeiras, que se tornavam exageradamente agitados. E a conduta

desse grupo de crianças acabava, segundo elas, por interferir negativamente durante

toda a rotina, uma vez que a proposta inicial, geralmente, não se findava. A

impossibilidade em realizar qualquer tipo de tarefa com a plenitude que se pretendia

pareceu tornar o grupo docente incrédulo em relação ao exercício da profissão.

Por outro lado, a culpabilidade pelo que estava, então, ocorrendo recaía quase

sempre no contexto familiar em que a criança estava inserida. Uma vez que, ao se

identificar aquelas que se desviavam às regras e normalidades exigidas, tratava-se de

encontrar uma resposta para comportamentos supostamente inaceitáveis e prejudiciais

ao contexto educativo.

A partir disso, as professoras buscavam uma aproximação maior com as

famílias, seja formal, com agendamentos de reuniões e preenchimentos de formulários,

ou informalmente, no momento da entrada ou saída das respectivas crianças. Dessas

conversas, emergiam muitas informações pessoais, alguns pais estavam passando por

dificuldades, seja no âmbito econômico, social e até mesmo afetivo e, a maioria, se

sentia à vontade para contar, pois via na figura do professor, um aliado, em prol da sua

criança.

Todavia, sabemos que as relações humanas vão muito além da simples tarefa de

se centrar em uma resposta imediata aos problemas emergentes. Encontrar uma solução

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pontual, mesmo que se atribua a culpa a alguém ou à determinada situação, é

relativamente mais fácil do que despender tempo e dedicação para partir do princípio de

que é preciso mudar.

Pensando nisso, e com uma vontade inquietante em poder buscar argumentos

mais eficazes, que estivessem embasados, e que pudessem elucidar tantas indagações

que se emaranhavam durante todo o percurso vivenciado naquela realidade escolar é

que surgiu este trabalho que, se mescla em conceitos advindos de diversas áreas, desde a

pedagogia, passando pela psicologia até culminar com a filosofia.

Certamente, não foi um caminho fácil de percorrer, e como qualquer outro

trajeto, principalmente quando é novo, é passível de desvios até que nos encontremos.

As reflexões não vieram facilmente e ainda há muito por investigar. Para isso, iniciamos

a pesquisa com um estudo exploratório que pôde nos referenciar, para depois focarmos

em um estudo de caso.

Durante o estudo exploratório, foi preciso estabelecer um contato com os adultos

que falavam sobre as crianças para alavancar o trabalho. Então, direcionamos a pesquisa

de campo para a realização de entrevistas com as professoras, momento em que estas,

indicaram algumas das crianças, que fugiam ao padrão de normalidade esperada. Em

seguida, entrevistamos também os familiares, de forma a investigar o que pensavam a

respeito do assunto, e contar um pouco sobre a relação afetiva familiar. E, por último,

observamos o grupo com queixas no ambiente escolar e propusemos que se fizessem

alguns desenhos da figura humana (eu ideal, eu real) e o desenho da família, com o

intuito de tentar relacioná-los aos dados obtidos nas entrevistas com os adultos

responsáveis.

Por esse viés metodológico é quase possível que se faça recair no engano de

realmente responsabilizar a família pelo problema do “ambiente não tradicional, carente

de afetividade e de cultura” e, consequente incongruência comportamental de suas

crianças durante as atividades pedagógicas. Mas será realmente que a família é a grande

vilã? Nesse caso, os pequenos se tornaram agitados e inquietos na escola porque suas

famílias não são nucleares ou porque não lhe dão a atenção e o carinho supostamente

necessário?

Nesse percurso surgiram algumas desconfianças. Dentre elas, a de que nem

todas as crianças do grupo “com queixas” conviviam com algum problema advindo do

meio afetivo familiar; ou então, em alguns casos, que aquelas sem queixas conviviam

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em ambientes familiares com dificuldades e, no entanto, não apresentavam indícios

comportamentais incoerentes às normas estabelecidas.

Partimos, a partir de então, para outro olhar, capaz de focalizar a concepção

infantil sobre a relação escola e ambiente familiar. Esse novo momento da pesquisa de

campo, pressupôs ouvir o que as crianças teriam a dizer sobre o meio em que viviam, a

partir do simbolismo expresso por meio da ludicidade. Para isso, convidamos os alunos

que gostariam de participar da brincadeira de faz de conta e de fazer um desenho livre

sobre a família. Isso foi feito com bastante espontaneidade, de maneira que o interesse

em participar surgisse de cada um.

Tal etapa do trabalho evidenciou o envolvimento dos participantes. Isso porque

não houve um rigor na proposição da atividade, a partir da exigência de que haveriam

de fazer algo, de determinada maneira, em determinado espaço escolar. Ao contrário,

essas crianças queriam estar ali, participando daquela proposta.

Não houve a intencionalidade de se estabelecer nenhum padrão de normalidade

que pudesse comprometer o desenvolvimento das atividades. As crianças foram

respeitadas a partir de suas singularidades, em prol de uma subjetividade desprendida de

qualquer preceito capitalístico, dominante.

Foucault (apud LARROSA, 1994), acredita que é preciso ver os sujeitos de

outro modo, de outra maneira que perpassa os discursos verdadeiramente impostos, as

relações de poder e a noção que irá distinguir e classificar os que são normais dos que

não o são.

Deixar os preconceitos e os hábitos que se impõem durante a prática pedagógica

e que fabricam estereótipos que, cotidianamente, são veiculados nos discursos e que,

paulatinamente, constituem–se como regimes de verdade. Refletir sobre a própria

prática profissional com a intenção de modificar postura e atitudes que são desenroladas

durante o contato com as crianças. E acima de tudo, desenvolver um critério para a

crítica e transformação das normalizações existentes nos ambientes escolares, de forma

a enfatizar as mais variadas formas de existência humana. Esses são os elementos

essenciais para a efetivação de uma educação libertadora, a começar pela educação

infantil.

Larrosa (1994) afirma que não se trata somente de transformar um professor

reflexivo, capaz de reexaminar e modificar a sua postura como docente e a si mesmo, no

contexto de sua prática profissional. “Dito de outro modo, o que se pretende formar e

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transformar não é apenas o que professor faz ou o que sabe, mas, fundamentalmente,

sua própria maneira de ser em relação ao seu trabalho”. (LARROSA 1994, p.49-50).

Entende-se que a transformação da práxis está totalmente relacionada à própria

transformação do educador.

O professor precisa ter a clareza de que os modos de subjetivação veiculados não

podem caminhar no sentido de continuar estabelecendo um padrão relacionado ao

binômio normal/anormal, e colocando como parâmetro de normalidade, os corpos

dóceis, aqueles que são considerados “os bons alunos”.

Notamos, nesta pesquisa, que aqueles que fogem do padrão da homogeneidade,

acabam se tornando motivo de preocupação entre os adultos envolvidos, e nesse

cenário, os discursos se direcionam a favor da correção do suposto mau comportamento.

Assim, por meio da disciplinarização, busca-se homogeneizar as crianças que,

eminentemente, se distinguem entre si.

É preciso se destituir das verdades que cerceiam a produção de sujeitos

padronizados e capazes de obedecer às regras impostas. O discurso não pode

simplesmente se encaminhar para a remodulação das características interiores de cada

um, e consequente engendramento de atitudes, valores e interesses massificadores.

Cabe ponderar que essas atuações subjetivas, que são expressas pelos diferentes

modos de subjetivação, e reforçadas pelas forças existentes, inculcam em uma produção

humanística totalmente padronizada. Por que não referenciar as diferenças das crianças?

Ou criar meios para que isso possa ainda mais se expandir no meio escolar?

É imprescindível ampliar as estruturas físicas e humanas escolares, de forma a

abarcar a diversidade ali existente e, ainda, dar plenitude para sua explanação.

Compreender a subjetividade humana é induzir que todos diferem e que, é a

partir dessa diferença que se abrirão novas possibilidades de se elaborar outros meios,

mais eficazes de se trabalhar com a educação, sobretudo quando falamos de crianças de

3 a 6 anos de idade.

É possível afirmar, nesse contexto, que o comportamento não se relaciona

estritamente à vivência familiar dessas crianças. Embora algumas delas possuam

problemas familiares, sociais, econômicos e mesmo afetivos, isso não é um fator

determinante para o interesse em participar ou não das atividades escolares.

As experiências observadas se relacionam, sim, às formas de vivências

oportunizadas no próprio ambiente escolar. O que acontece é que transmissão de sinais

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emocionais nas crianças menores é muito mais perceptível, de tal forma, se elas não

estão satisfeitas com determinada situação que lhe são propostas, isso se evidenciará,

em suas próprias atitudes.

Assim, as crianças menores, por ainda não terem passado por um processo de

“remodelamento da própria alma”, são mais suscetíveis de se desvincularem de certos

padrões instituídos como únicos e verdadeiros. Elas ainda estão livres de certos

preceitos.

Foucault (apud VEIGA-NETO, 2011) afirma que a fabricação dos corpos é

anterior ao que acontece intrinsecamente nos indivíduos. Primeiro institui-se a

disciplina, as regras e aos poucos, tenta-se trabalhar a subjetividade através das palavras

e enunciações, fato este que vemos se difundir por todos os cantos dessa instituição

escolar.

As vivências na educação infantil estão sempre atreladas ao tempo em que são

administradas e, às regras que envolvem atitudes comportamentais. Geralmente, as

atividades formais se realizam a partir de um modelo previamente elaborado pelo

adulto. Por que não dar liberdade às crianças para que escolham o que querem fazer e

quanto tempo querem despender com aquilo?

O adulto não deve subjugá-las, é necessário entender que as aprendizagens

precisam estar relacionadas aos seus interesses, às suas vontades. E ao invés de assumir

um papel de simples transmissor de conceitos constituídos socialmente, voltados para a

manutenção dos interesses da classe dominante, desempenhar o papel de mediador

construtivo, capaz de oferecer situações criativas à sua turma.

Conclui-se, a partir dessas concepções, a urgência de um novo olhar voltado

para além das necessidades proeminentes da educação infantil. Um ambiente escolar

remodelado que atenda às necessidades individuais dessa faixa etária, com atividades

pedagógicas diversificadas e prazerosas para as crianças, tal qual o das escolas italianas

de Reggio Emília. Reflexão constante sobre a prática pedagógica, diálogos frequentes

entre a equipe docente, participação ativa da família, e, sobretudo, o respeito à

individualidade de cada uma das crianças. Esses são fatores importantes, já existentes

nas escolas italianas, e, que precisam fazer parte também do contexto escolar aqui

estudado, assim como de todo o Brasil, uma vez que são itens que ensejam o despertar

da qualidade, nesse nível de ensino.

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Cabe-nos, a partir dessas reflexões, voltar esforços para a compreensão dos

variados meios de produção das subjetividades que constroem o sujeito ao longo de sua

história de vida. Sendo a infância o período no qual se inicia o remodelamento da

individualidade para a progressiva formação de sujeitos padronizados, então, a adultez

traria essas definições já inculcadas e arraigadas no próprio ser.

Assim, os adultos, marginalizados pelo sistema de ensino estariam vinculados a

uma infância carregada de ideais normativos e, consequente, meios de exclusão? É

possível que eles tenham sido as crianças do passado que se dispersaram da invenção do

padrão ideal daquela época e por isso foram eliminados do sistema?

De tal forma, muito mais do que se estabelecer limites e definir padrões a serem

seguidos, há que se empenhar em oportunizar um ambiente escolar que possibilite a

emergência da heterogeneidade, e fomentar as aprendizagens a partir das diferenças que

a compõe.

Respeitar a subjetividade inerente ao processo educativo é compatibilizar o

desenvolvimento individual, numa perspectiva humanizadora que seja capaz de

englobar os mais variados modos de existência, nas mais diversas épocas.

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ANEXOS

I. ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFESSORAS

I. Identificação

1. Formação:

2. Tempo de docência:

3. Gosta de sua profissão?

3.1. Descreva alguns pontos positivos:

3.2. Descreva alguns pontos negativos:

II. Aspectos relacionados à sala de aula

1. Em sua opinião, como é o desempenho escolar de sua turma?

2. Em sua sala de aula existem crianças que apresentam desempenho escolar

insatisfatório? Quantas?

3. Como você descreve o desenvolvimento dessas crianças? Cite alguns desses

casos.

4. Você acredita que há como interferir nestas situações? Como?

5. Como é a participação da família nesses casos?

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III. Sobre o trabalho pedagógico

1. É possível desenvolver atividades com as crianças conforme o planejado?

2. As crianças participam das atividades? Se não, por quê?

IV. Relação família e escola

1. Como você vê a relação família-escola durante o ano letivo?

2. Você acha que há alguma relação entre o ambiente familiar e a forma como a

criança se desenvolve durante a sua permanência na escola?

3. Há algo que poderia ser feito para melhorar?

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II. ROTEIRO DE ENTREVISTA – FAMILIARES

I. Identificação

1. Nome:

2. Data de nascimento:

3. Grau de parentesco:

4. Profissão:

II. Aspectos relacionados ao meio familiar

1. Quantas pessoas moram na casa, junto à criança?

2. Quem fica com a criança no horário oposto ao de aula?

3. Como são os fins de semana?

III. Sobre a criança - percepção dos familiares

1. Como você descreve esta criança (relacionamento interpessoal, controle das

emoções, predisposição para realizar tarefas, gosta de brincar, comunica-se

bem)?

2. Como é o relacionamento familiar, entre os membros da família? E o

relacionamento da criança com a família?

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IV. Visão da família com relação à escola

1. Para você, qual a função do Centro de Educação Infantil para a criança?

2. O que mais gosta na escola:

3. O que gosta menos:

V. Relação família e escola

1. Como você descreve a sua relação com a escola?

2. De que forma você participa da vida escolar desta criança?

3. Em quais momentos procura participar?

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III. DIÁRIO DE CAMPO- ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

I. Identificação

1. Criança:

2. Data de nascimento:

3. Idade em 2012:

II. Aspectos pessoais

1. Características físicas/pessoais:

2. Estética e asseio:

3. Oralidade e vocabulário:

III. Observação

a) Em sala de aula

1. Socialização (interage com os colegas)?

2. Participa dos momentos em que envolve oralidade (roda de conversa)?

3. Sabe ouvir (momentos de leitura)?

4. Participa das atividades que envolvem letramento (demonstra interesse)?

5. Quais atividades lhe despertam mais interesse?

6. Comportamento (parece ser atento, agitado, comunicativo, etc.):

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b) No parque

1. Brinca (sozinho ou com os colegas)?

2. Quais as brincadeiras/brinquedos de maior interesse?

3. Como acontecem as brincadeiras (tem bom relacionamento, apresenta

dificuldade para interagir, etc.)?

c) No refeitório

1. Alimenta-se bem?

2. Sabe utilizar os talheres adequadamente?

3. Como é este momento (é calmo, agitado, etc.)?

IV. Aplicação dos desenhos, proposto por Chamat

1. Desenhe como você se vê:

2. Desenhe como você gostaria de ser:

(análise por meio do roteiro proposto por Chamat, 2004)

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IV. ENTREVISTA COM A PROFESSORA E. R.

I. Identificação

1. Formação: Superior Completo (Pedagogia - Unicamp).

2. Tempo de docência: 14 anos.

3. Gosta de sua profissão? Sim, mas já gostou mais.

3.1. Descreva alguns pontos positivos: Contato com a

espontaneidade das crianças, a liberdade para determinar como se

trabalhar (conteúdos), meio período, sinceridade e pureza das crianças

pequenas da educação infantil.

3.2. Descreva alguns pontos negativos: Com o passar do tempo,

sente-se um pouco cansada (desgastada) com o fato de serem crianças

pequenas e isto exige do profissional muita disposição. O relacionamento

com as famílias é limitado nesta comunidade, tenta uma aproximação,

mas não consegue.

II. Aspectos relacionados à sala de aula

1. Em sua opinião, como é o desempenho escolar de sua turma? É variado,

existem crianças que a família colabora e a criança é motivada na escola. Por

outro lado há aquelas que acham que a escola é assistencialista e só querem

saber se a criança se alimenta e não está preocupada com o desenvolvimento

cognitivo, com o rendimento escolar. É raro a criança que não tem estímulo

mostrar interesse pela aprendizagem,

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2. Em sua sala de aula existem crianças que apresentam desempenho escolar

insatisfatório? Quantas? É cedo se falar em desempenho escolar na educação

infantil, mas há crianças que são menos estimuladas e por isso tem menos

vontade para aprender. Há crianças que poderiam estar melhor, por exemplo,

aqueles que vão para o primeiro ano que não sabem as letras do nome. A escola

trabalha isso, por meio de crachás, etc.; só que ela passa 4 horas na escola e 20

horas em casa e não há estímulo em casa.

3. Como você descreve o desenvolvimento dessas crianças? Cite alguns desses

casos. L.H.M. consegue decorar o que falamos, mas é perceptível que ele tem

alguma deficiência. A professora de educação especial conversou com a mãe,

contudo a mesma não quer enxergar isso. Dificuldades de concentração,

oralidade, (repete frases), agita a sala de aula (a turma não o aceita - as crianças

estão tirando sarro dele). P.M.S. não se concentra durante as atividades,

atrapalha a roda de conversa, às vezes é agressivo com os colegas. Passa um

final de semana com o pai, que parece não dar muita atenção a ele. J.B.L.S.- não

tem pai, contexto familiar difícil, a mãe troca de namorado com uma frequência

muito grande e apresenta para a criança como se fosse o pai dela. A menina quer

chamar a atenção, bate, arrasta a cadeira, não fica onde é para ficar, fala mal das

crianças, irrita a turma. A mãe passa uma imagem negativa o pai à criança, que

ele a abandonou e a criança reproduz a fala da mãe.

4. Você acredita que há como interferir nestas situações? Como? Sim, até certo

ponto. Porque essa interferência é muito limitada, só conseguimos interferir aqui

dentro da escola. Se a família estivesse em sintonia, houvesse relação entre

escola e o que é feito em casa seria mais proveitoso. Não adianta falar uma

linguagem aqui e outra em casa.

5. Como é a participação da família nesses casos? L.H.M. – a mãe demonstra

interesse em ajudar, mas não aceita a hipótese dele ter algum tipo de problema.

A mãe de P.M.S. é muito interessada, sempre escreve bilhetes na agenda para se

inteirar do que está acontecendo na escola e informar a professora sobre o que

acontece em casa também, mas o pai é muito distante. J.B.L.S. – a mãe não dá

nenhuma atenção (a mãe vem buscar a criança às 18:20 horas, sendo que a aula

terminas às 17:10 horas, porque fica na casa do namorado).

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III. Sobre o trabalho pedagógico

1. É possível desenvolver atividades com as crianças conforme o planejado?

De cem por cento apenas uns quarenta por cento, porque muitas coisas

acontecem, há muitos imprevistos. Ex. Chega uma criança chorando e

desestabiliza a ou chega coisas da secretaria para fazer, recortar ou colar

bilhetes, escrever recados nos cadernos, dentre outras situações.

2. As crianças participam das atividades? Se não, por quê? Sim. Tem alguns

que não porque se recusam (uns vinte por cento).

IV. Relação família e escola

1. Como você vê a relação família-escola durante o ano letivo? Poucas famílias

reconhecem o valor da escola, quase a maioria reconhece como assistencialista,

não se interessa pelo pedagógico, nem ao menos leem os recados no caderno,

não gostam de ouvir, de participar. Os que mais precisam não comparecem às

reuniões escolares. A escola procurou se esforçar com oficinas, cinema, festas,

mas não houve melhoras, eles não participam efetivamente.

2. Você acha que há alguma relação entre o ambiente familiar e a forma como

a criança se desenvolve durante a sua permanência na escola? Total, ela

demonstra o que ela vive em casa, no tratamento com os amigos, durante as

atividades. Quando não participa, se agita, parece ser um retrato de que ela não é

ouvida em casa e quer ser ouvida na escola.

3. Há algo que poderia ser feito para melhorar? Sim, já se tentou fazer

procurando trazer a família, assistir vídeo de passeio, foram tentativas frustradas

(as que precisam vir não vêm). Precisa ser feito um trabalho de conscientização

da comunidade de valorização da vida escolar dessas crianças.

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V. DIÁRIO DE CAMPO- ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO (J.B.L.S.)

I. Identificação

1. Criança: J.B.L.S.

2. Data de nascimento: 18/04/2008.

3. Idade em 2012: 4 anos.

4. Sexo: feminino.

II. Aspectos pessoais

1. Características físicas/pessoais: menina graúda, cabelos cacheados, olhos castanhos

claros.

2. Estética e asseio: Às vezes, as roupas parecem largas. Na roda, certo dia, uma

criança afirmou que não queria ficar perto dela porque ela não tomava banho. Observei

que as roupas e as sandálias realmente não estavam limpas.

3. Oralidade e vocabulário: Sabe se expressar bem.

III. Observação

a) Em sala de aula

1. Socialização (interage com os colegas)? Em sala, durante a roda, a professora

precisa chamar as outras crianças para se sentarem ao lado dela.

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2. Participa dos momentos em que envolve oralidade (roda de conversa)? Na roda,

conta que vai mudar de casa, vai morar com R., o namorado da mãe. Conta que o irmão

mora com a sua tia. Depois, pega um brinquedo para brincar, se joga para trás, a

professora precisa chamar sua atenção.

3. Sabe ouvir (momentos de leitura)? Quer falar, participar de tudo. Afoita, fala

gritando. Deita-se no chão quando precisa ouvir, se dispersa em determinados

momentos que exigem atenção.

4. Participa das atividades que envolvem letramento (demonstra interesse)? Sim,

mas parece inquieta.

5. Quais atividades lhe despertam mais interesse? Gosta de fazer atividades que

envolvem letramento, mostrando-se muito caprichosa.

6. Comportamento (parece ser atento, agitado, comunicativo, etc.): Muito agitada.

b) Parque

1. Brinca (sozinho ou com os colegas)? Brinca com os colegas, contudo está sempre

recorrendo à professora para fazer comentários sobre seus colegas, parece não conseguir

interagir muito bem.

2. Quais as brincadeiras/brinquedos de maior interesse? Corre pelo parque, brinca

nos brinquedos: balanço, gangorra, gira-gira...

3. Como acontecem as brincadeiras (tem bom relacionamento, apresenta

dificuldade para interagir, etc.)? Se mostra um pouco “grosseira”, ao pegar os colegas

acaba os machucando. Uma criança chega a chorar porque foi machucada por ela.

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c) Refeitório

1. Alimenta-se bem? Sim, briga com os colegas porque quer fazer o seu prato antes

dos demais (mostra estar com muita fome).

2. Sabe utilizar os talheres adequadamente? Sim, alimenta-se bem. Come tudo que

colocou no prato.

3. Como é este momento (é calmo, agitado, etc.)? É um momento agitado, ela se

esconde debaixo da mesa. Se levanta, coloca muito alimento na boca. Senta-se sozinha à

mesa.

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VI. DIÁRIO DE CAMPO- ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO (P.M.S.)

I. Identificação

1. Criança: P.M.S.

2. Data de nascimento: 01/11/2007.

3. Idade em 2012: 4 anos.

4. Sexo: masculino

II. Aspectos pessoais

1. Características físicas/pessoais: branco, cabelos enrolados, castanhos, olhos

castanhos.

2. Estética e asseio: Bem asseado, roupas sempre limpas.

3. Oralidade e vocabulário: Se expressa bem, apesar de mostrar tristeza em suas frases

(olhar triste, palavras tristes).

III. Observação

a) Em sala de aula

1. Socialização (interage com os colegas)? Interage, por vezes, de forma negativa. É

perceptível que as outras crianças se incomodam com ele, devido às atitudes que tem.

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2. Participa dos momentos em que envolve oralidade (roda de conversa)? Sim,

contudo não consegue ater-se ao que os colegas falam. Distrai-se com facilidade e é

inquieto, o que acaba por atrapalhar momentos que exigem concentração.

3. Sabe ouvir (momentos de leitura)? Dificilmente, por se tratar de uma criança tão

ativa. Não consegue ficar parado, se levanta, entra debaixo das cadeiras, “cutuca” os

colegas, chuta, bate.

4. Participa das atividades que envolvem letramento (demonstra interesse)? Sim,

demonstra interesse. Se dispersa, se levanta durante a realização das mesmas, a

professora precisa chamar a atenção para que consiga terminá-las.

5. Quais atividades lhe despertam mais interesse? Pintura, colagem.

6. Comportamento: Desatento, extremamente agitado, triste. Quando alguém lhe faz

algo que não gosta, frequentemente fala com uma voz chorosa frases do tipo “ele não

quer brincar comigo”, “ninguém gosta de mim”, “ele não quer dividir o brinquedo”...

b) Parque

1. Brinca (sozinho ou com os colegas)? Brinca sempre com os colegas, mas

geralmente acaba se desentendendo com o grupo. As crianças sempre estão

“reclamando” dele.

2. Quais as brincadeiras/brinquedos de maior interesse? Corre muito, brinca na

balança, finge que vai se jogar de cima da casinha do Tarzan, brinca de pega-pega,

grita.

3. Como acontecem as brincadeiras? As crianças, às vezes, se sentem incomodadas

pelo seu comportamento agressivo, grosseiro, porque empurra, bate.

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c) Refeitório

1. Alimenta-se bem? Não. É tão agitado que não consegue ficar parado para se

alimentar. Por exemplo, pega uma maça, faz que é uma bola e começa a chutá-la,

acaba machucando as outras crianças. A comida que põe no prato lá fica, até que

resolve jogar no lixo. Brinca com a comida que está no prato. Entra debaixo da mesa,

corre pelo refeitório.

2. Sabe utilizar os talheres adequadamente? Não.

3. Como é este momento (é calmo, agitado, etc.)? Bastante agitado.

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VII. ENTREVISTA COM FAMILIARES – J.B.L.S.

I. Identificação

1. Nome: M.J.S.L.

2. Data de nascimento: 23/05/65.

3. Grau de parentesco: tia materna.

4. Profissão: Desempregada (operadora de máquina).

II. Aspectos relacionados ao meio familiar

1. Quantas pessoas moram na casa, junto à criança? Tia, avó e o irmão. J.B.L.S. até

o momento está morando com a mãe, que se mudou no último final de semana para a

casa do namorado R.

2. Quem fica com a criança no horário oposto ao de aula? Fica com a tia de manhã e

à noite (até que ela mude de casa, se mudar, a tia ainda não sabe). A cuidadora leva e

busca na escola todos os dias.

3. Como são os fins de semana? Domingo a mãe não trabalha, nem aos feriados.

Nesses dias, fica com a criança. Nos dias em que a mãe está trabalhando, a criança fica

com a vizinha, que cuida dela ou fica com a tia.

Obs. A mãe trabalha num shopping como encarregada de limpeza, R. (o namorado) é

segurança. Eles trabalham num dia e folgam no outro, somente às vezes coincide os dias

de folga de ambos. Por isso, precisaram arrumar uma pessoa do bairro onde a mãe mora

para cuidar da menina no horário oposto ao de aula.

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A tia relata que o pai do menino (irmão de J.B.L.S.) é quem paga a pensão e acaba

“sustentando” toda a casa. A menina perguntava muito do seu pai biológico, que não é o

mesmo pai do irmão. O pai de J.B.L.S. está foragido da polícia porque vende drogas, é

traficante. A família dele mora no Paraguai, ele abandonou a menina. A mãe, agora, vai

morar no Satélite Íris com o novo namorado, este não aceita as crianças, que não são

seus filhos. Ele já tem uma filha de outro relacionamento, a qual a mãe proibiu ele de

vê-la. Quando a mãe de J.B.L.S. se mudar para o bairro Satélite Íris, o menino, irmão

dela, não vai querer ir morar com ela; ao mesmo tempo em que também não quer morar

com o pai, quer ficar na casa da tia. Para a tia, a menina permaneceria até o final do ano

somente na creche, depois iria morar com a mãe. A tia acha muito cuidar de duas

crianças e ainda da avó que teve AVC e toma remédios.

Contudo, em dois mil e treze, a criança permaneceu na escola, e provavelmente,

continuou morando com a tia.

III. Sobre a criança - percepção dos familiares

1. Como você descreve esta criança? A tia a descreve como “terrível”, agitada, uma

criança que não para. Briga com o irmão maior, bate nele.

2. Como é o relacionamento familiar, entre os membros da família? A mãe perde a

paciência com as crianças, não aceita que o maior agrida a criança menor (J.B.L.S.) e

acaba batendo no irmão. A avó se dá bem.

IV. Visão da família com relação à escola

1. Para você qual a função do Centro de Educação Infantil para a criança?

Aprendizagem e brincadeira.

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2. O que mais gosta na escola: Várias coisas, parque.

3. O que gosta menos: Nada, comenta que a professora não gosta de menina e a coloca

de lado, assim como fazia com o irmão dela.

V. Relação família e escola

1. Como você descreve a sua relação com a escola? Participa, sempre que solicitada

comparece à escola. É uma pessoa muito presente na vida dessas crianças.

2. De que forma você participa da vida escolar desta criança? Em quais momentos

procura participar? Conversa com eles, ensina o que é certo e o que é errado, não gosta

de colocar de castigo, não gosta de bater, quer o melhor para eles.

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VIII. ENTREVISTA COM FAMILIARES – P.M.S.

I. Identificação

1. Nome: A.S.

2. Data de nascimento: 25/06/1972.

3. Grau de parentesco: Mãe.

4. Profissão: Monitora em um centro de educação infantil também da prefeitura de

Campinas.

II. Aspectos relacionados ao meio familiar

1. Quantas pessoas moram na casa, junto à criança? Mãe, avó, tio, sobrinha (17

anos) A mãe está procurando uma casa para morar sozinha com o filho.

2. Quem fica com a criança no horário oposto ao de aula? A avó, pois os pais

trabalham o dia todo.

3. Como são os fins de semana? Um final de semana fica com a mãe e o outro com o

pai (isso foi um acordo judicial)

III. Sobre a criança – percepção dos familiares

1. Como você descreve esta criança em casa? Agitado (contudo, ora a mãe fala que

com ela é mais calmo, ora diz que está agitado). Culpa a agitação do mesmo à falta de

contato com o pai, refere-se que quando vai chegando próximo do horário do pai ligar o

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menino torna-se muito agitado, o mesmo acontece quando chega o final de semana em

que irá para a casa do pai.

2. Como é o relacionamento familiar? Os pais são separados (antes de se separarem,

brigavam muito), a criança pede a atenção do pai. Mas este, que está namorando acaba

dedicando-se à namorada, mesmo na frente da criança, que depois comenta que ambos

trocam carícias afetivas. Os pais se separaram há cerca de um ano, o menino já era

agitado, mas depois da separação evidenciou-se uma piora. Iniciou tratamento com a

psicóloga à pouco tempo. Foi diagnosticado (cerca de um mês) que o menino está com

depressão e, por este motivo, iniciou tratamento com remédios.

IV. Visão da família com relação à escola

1. Para você qual a função do Centro de Educação Infantil para a criança? Educar

e dar autonomia, liberdade para que se desenvolva.

2. O que mais gosta na escola: O filho aprende muitas coisas importantes, gosta muito

desta escola. Tanto que tirou ele da escola onde trabalha, paga perua para que estude ali.

3. O que gosta menos: Não há.

V. Relação família e escola

1. Como você descreve a sua relação com a escola? Boa, atende suas necessidades. A

mãe participa das reuniões, tem procurado parceria com a escola.

2. De que forma você participa da vida escolar desta criança? Em quais momentos

procura participar? Reunião de pais, agenda reuniões para conversar e esclarecer

assuntos, principalmente, informar como anda o tratamento do menino.

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Obs. O menino frequentou a creche onde a mãe trabalha. Contudo, a equipe tinha muita

queixa, com relação ao comportamento dele. A mãe, desconfiada de agressões, acabou

tirando o menino de lá.

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IX. MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO UTILIZADO PARA FINS DA PESQUISA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Mestrado em Educação Sociocomunitária

Eu, _______________________________________________ portadora do

documento de identidade ___________________________ residente no endereço

______________________________________________________________________

_______________________________________________________ responsável por

____________________________________, aluno regularmente matriculado no

Centro de Educação Infantil _________________________________ no município de

Campinas - S.P., venho através deste, declarar conhecimento sobre o uso de imagem e

informações pessoais e escolares de meu filho na dissertação de Mestrado intitulada

“Relação entre meio afetivo familiar e ambiente escolar: estudo realizado em uma

escola municipal de educação infantil de Campinas“ de autoria da mestranda

Tatiane Priscilla Caires sob orientação da professora Norma Sílvia Trindade de

Lima a ser defendida em __________ no Centro Universitário Salesiano de São Paulo

na cidade de Americana, S.P.

Declaro ter sido informado(a) que a identificação da criança será preservada

tanto no que se refere ao uso da imagem quanto em relação aos dados pessoais.

Portanto, diante destes termos autorizo o uso da imagem e dos dados apurados pela

investigação em impressões e comunicações em todas as mídias e locais, após a defesa

da dissertação mencionada acima.

Assim, declaro ciência do exposto acima e aceito os termos mencionados.

Campinas, ___ de _____________ de 20___.

Ciente: __________________________

Nome:___________________________

RG:_____________________________