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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 FLEXIBILIDADE CURRICULAR: A POSSIBILIDADE DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM EDUCOMUNICAÇÃO VALÉRIO, Ana Cláudia (UNIOESTE) 1 FIUZA, Alexandre Felipe (Orientador/UNIOESTE) 2 O termo Educomunicação trata da interface entre as áreas da Comunicação e da Educação. Apresenta-se como um campo em construção, mas a sua relevância pode ser demonstrada a partir de iniciativas de duas Universidades do país em criar cursos de graduação na área de Educomunicação: o curso de Licenciatura em Educomunicação da Universidade de São Paulo (USP) e o curso de Comunicação Social com habilitação em Educomunicação, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Num primeiro momento pretendo contextualizar o termo Educomunicação, apresentar os dois cursos de graduação e finalmente discutir questões relativas à flexibilidade curricular, como uma condição para o desenvolvimento de um projeto de ensino superior de qualidade. Nesse sentido, a discussão também perpassa pelos princípios da Universidade alemã, proposta por Humboldt, de autonomia e liberdade. Educomunicação: interfaces entre Educação e Comunicação Segundo o professor Ismar de Oliveira Soares 3 (1999), a intersecção entre as áreas de comunicação e educação não é recente. No início do século XX houve tentativas de relacionar os dois campos, mas foi com o desenvolvimento de novas tecnologias, como a Internet, a partir da década de 1990, que emerge a necessidade de pensar os meios de maneira crítica e discutir o uso das tecnologias em sala de aula. 1 Graduada em Comunicação (UEPG) e mestranda em Educação (UNIOESTE). E-mail: [email protected] 2 Pós-doutor em História Contemporânea pela UAM/ Espanha e professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da UNIOESTE/ Campus de Cascavel. E-mail: [email protected]. 3 Doutor em Ciências da Comunicação, com pós-doutorado junto à Marquette University, Milwaukee; Jornalista, doutor em comunicação pela ECA/USP, fundador do NCE/USP e precursor dos estudos de Educomunicação no Brasil.

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FLEXIBILIDADE CURRICULAR: A POSSIBILIDADE DOS

CURSOS DE GRADUAÇÃO EM EDUCOMUNICAÇÃO

VALÉRIO, Ana Cláudia (UNIOESTE)1

FIUZA, Alexandre Felipe (Orientador/UNIOESTE)2

O termo Educomunicação trata da interface entre as áreas da Comunicação e da

Educação. Apresenta-se como um campo em construção, mas a sua relevância pode ser

demonstrada a partir de iniciativas de duas Universidades do país em criar cursos de

graduação na área de Educomunicação: o curso de Licenciatura em Educomunicação da

Universidade de São Paulo (USP) e o curso de Comunicação Social com habilitação

em Educomunicação, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Num primeiro momento pretendo contextualizar o termo Educomunicação,

apresentar os dois cursos de graduação e finalmente discutir questões relativas à

flexibilidade curricular, como uma condição para o desenvolvimento de um projeto de

ensino superior de qualidade. Nesse sentido, a discussão também perpassa pelos

princípios da Universidade alemã, proposta por Humboldt, de autonomia e liberdade.

Educomunicação: interfaces entre Educação e Comunicação

Segundo o professor Ismar de Oliveira Soares3 (1999), a intersecção entre as

áreas de comunicação e educação não é recente. No início do século XX houve

tentativas de relacionar os dois campos, mas foi com o desenvolvimento de novas

tecnologias, como a Internet, a partir da década de 1990, que emerge a necessidade de

pensar os meios de maneira crítica e discutir o uso das tecnologias em sala de aula.

1 Graduada em Comunicação (UEPG) e mestranda em Educação (UNIOESTE). E-mail: [email protected] 2 Pós-doutor em História Contemporânea pela UAM/ Espanha e professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da UNIOESTE/ Campus de Cascavel. E-mail: [email protected]. 3 Doutor em Ciências da Comunicação, com pós-doutorado junto à Marquette University, Milwaukee; Jornalista, doutor em comunicação pela ECA/USP, fundador do NCE/USP e precursor dos estudos de Educomunicação no Brasil.

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...o propósito de apreender as inter-relações entre os campos da Comunicação e da Educação pode ser remontado às décadas de 30 e 40 e deriva das inquietudes geradas pela expansão dos media no século XX. A crescente presença da imprensa escrita, do rádio e, finalmente, da televisão apontava para uma nova configuração nos conceitos de ensino/aprendizagem, de educação e de conhecimento (CITELLI, 2002 apud SANTOS, 2007, p.60).

Soares (1999) destaca que a relação entre esses dois campos vem sendo chamada

de Educomunicação4. No Brasil e em outros países da América Latina, este conceito

deriva de lutas no período de 1960 a 1980, representada pelo esforço da sociedade em

utilizar uma comunicação alternativa como resistência aos regimes ditatoriais. FANTIN

(2006, p. 60) complementa que estas experiências adquiriram um “papel estratégico e de

resistência frente ao autoritarismo, desenvolvendo-se à margem dos sistemas educativos

oficiais através dos projetos de instituições voltadas para educação e cultura popular”.

Ou seja, as ações tinham fortes traços políticos e, muitas vezes, careciam de reflexão

teórica, pois estas práticas educativas estavam mais ligadas ao movimento do que à

academia.

Quando Soares apresenta que um novo campo de intervenção emerge, em 1996, ele não estava relacionando a Educomunicação a um campo acadêmico, mas a um campo de práticas que atua nos e com os movimentos sociais na transformação social, ou seja, tem em seu bojo uma perspectiva ideológica, política [...]. Tanto na Venezuela como no Uruguai, Argentina, Chile, Cuba e Brasil, pessoas chamadas de comunicadores populares, a partir da década de 1960, desenvolveram projetos com comunidades rurais, urbanas, indígenas etc., com objetivos de promover a expressão popular através dos meios ou através de práticas artísticas (nesse sentido, o teatro estava muito presente) e para essas atividades deu-se o nome de processos comunicacionais ou trabalhos desenvolvidos em Comunicação e Educação (MACHADO, 2008, p.05).

É importante destacar, segundo Machado (2008), que a Educomunicação não

surge na Universidade e sim da militância de alguns comunicadores populares, que, nos

períodos ditatoriais, faziam a denúncia dos meios de comunicação. É esse entendimento 4 Segundo Soares (2010, p. 01), Educomunicação é “o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos, melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, desenvolver o espírito crítico dos usuários dos meios massivas, usar adequadamente os recursos da informação nas práticas educativas, e ampliar a capacidade de expressão das pessoas”.

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sobre a Educomunicação, que Soares gostaria que fosse apreendido pelo meio

acadêmico, para que dessa forma pudesse formar o profissional educomunicador.

De acordo com Cacheado (2007), a consolidação da temática no meio

acadêmico aconteceu através de uma pesquisa realizada, entre 1997 e 1999, pela equipe

de pesquisadores do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), da Escola de

Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), e do Departamento

de Comunicação Social da Universidade das Faculdades Salvador, Bahia (DEPCOM/

UNIFACS) intitulada: A Inter-relação Comunicação e Educação no âmbito da Cultura

Latino Americano – o perfil dos pesquisadores e dos especialistas na área. A pesquisa

foi feita com 172 especialistas, em 12 países da América Latina, além da Espanha, para

identificar como se davam na prática as relações entre educação e comunicação, em

espaços alternativos, na mídia e também na educação formal. “Entre 1999 e 2000 a

Marquette University (Milwaukee, Wisconsin), dos Estados Unidos realizou outra

pesquisa, com o mesmo fim, confirmando a hipótese sustentada pelos estudos latino-

americanos”. (CACHEADO, 2007, p. 52)

A pesquisa demonstrou a existência de quatro principais áreas ou vertentes

educomunicativas, em termos de pesquisas. Segundo Consani (2008, p 52), são elas:

a) Educação para a Comunicação - promoção de ações educativas para

contrapor a ação dos meios de comunicação;

b) Mediação tecnológica na Educação – estuda as mudanças ocorridas com

o advento das novas tecnologias e o uso dessas ferramentas na educação;

c) Gestão comunicativa em espaços educativos – ações voltadas à

elaboração de projetos de intervenção social, criando ecossistemas comunicativos5;

d) Reflexão epistemológica sobre a inter-relação Comunicação/ Educação –

estudos voltados à compreensão da nova área – Educomunicação - e das relações entre

Educação e Comunicação.

5 Segundo Martín-Barbero (1999, p. 33) ecossistema comunicativo é “o que aparece como estratégico, mais que a intervenção dos meios, é a aparição de um ecossistema comunicativo que está se convertendo em algo tão vital como o ecossistema verde, ambiental”.

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De acordo com o autor, a essa definição de vertentes de pesquisa inicial, foi

agregada, posteriormente, uma outra área, fruto de trabalhos desenvolvidos pela

professora brasileira Ângela Shaun, com grupos afro-brasileiros em Salvador, Bahia,

que é definida como:

e) Expressão comunicativa através das artes – se relaciona ao estudo de

atividades que visam garantir espaços de fala, visibilidade e livre expressão dos sujeitos

sociais.

Essas vertentes não foram observadas de forma uniforme nos países

pesquisados. De acordo com Alves (2010), nos Estados Unidos, as pesquisas na área de

Educomunicação se direcionam principalmente em dois segmentos: Mediação

tecnológica e Educação para a comunicação. Já na América Latina, além dessas, as

pesquisas em educomunicação se manifestam numa terceira área, que é a da Gestão

comunicativa em espaços educativos. O Brasil, como já citado acima, desenvolveu a

nova vertente de Expressão comunicativa através das artes.

Seja qual for a área de pesquisa é importante destacar que a Educomunicação

visa a formação de cidadãos mais críticos, que compreendam o processo de produção na

mídia e possam utilizar da comunicação como forma de garantir sua autonomia e o

exercício da cidadania. Para Consani (2008), a educomunicação serve para:

[...] ampliar a capacidade de expressão dos indivíduos (ganho individual), melhorando o coeficiente comunicativo das ações educativas, fortalecendo, assim, o ecossistema comunicativo (ganho comunitário), fatos que – em seu conjunto – se constituem em objetivos que, de certa forma, se contrapõem ideologicamente à perspectiva iluminista presente me slogans como “multiplicar o saber”, “preservar a cultura”, “difundir o conhecimento”, comumente associados ao discurso sobre as tecnologias educativas (CONSANI, 2008, p. 18).

Nesta perspectiva, as relações entre Comunicação e Educação vêm sendo

discutidas por diversos autores das duas áreas. Na Educação, podemos citar Paulo

Freire, que coloca a comunicação no centro de muitas idéias de educação, enfatizando a

indissociabilidade entre educação e comunicação, afirmando que “somente na

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comunicação tem sentido a vida humana [...], que o pensar do educador somente ganha

autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela

realidade, portanto na intercomunicação”. (FREIRE, 2005, p. 64)

O autor faz uma crítica à educação bancária, onde o professor apenas transmite

conhecimentos para o aluno, que é considerado um simples receptor.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação (FREIRE, 2005, p. 66).

Segundo ele, essa relação unilateral deve ser substituída por um método

dialógico de educação, em que o professor ensina e aprende com seus alunos. Para ele, a

educação não deve se limitar aos ambientes escolares, entendendo dessa forma a

educação como visão de mundo.

Merece destaque também o comunicador argentino-uruguaio Mario Kaplún,

considerado um dos iniciadores, na América Latina, da utilização em seus textos do

termo educomunicación. Segundo Soares (2000), Kaplún traz o conceito de

“Comunicação Educativa”, ou seja, utilizar a comunicação para dar à “educação

métodos e procedimentos para formar a competência comunicativa do educando”

(KAPLÚN apud SOARES, 2000, p. 20). O autor, nesse sentido, ressalta a necessidade

de educar pela comunicação, para a formação de sujeitos críticos.

Não se trata, pois, de educar usando o instrumento da comunicação, mas que a própria comunicação se converta no eixo vertebrador dos processos educativos: educar pela comunicação e não para a comunicação. Dentro desta perspectiva da comunicação educativa como relação e não como objeto, os meios são ressituados a partir de um projeto pedagógico mais amplo (SOARES, 2000, p. 20).

Na área das pesquisas em comunicação, especialmente após os anos de 1980,

também se abriram novas perspectivas, houve uma mudança de paradigma. Dos estudos

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das formas de produção e influência dos meios de comunicação passou-se a dar atenção

à recepção, considerando que o conhecimento construído pelo sujeito resulta de

múltiplas interações, com amigos, família e também com a mídia.

O dualismo entre a perspectiva frankfurtiana6, desenvolvida na Europa e os

funcionalistas7 norte-americanos, ganha um novo elemento: os estudos de recepção e

cultura desenvolvidos na América Latina. O foco deixa de ser os processos de produção

dos meios de comunicação e passa ser o ambiente da recepção. É nesse sentido que

aparece o conceito de mediações, do professor e pesquisador espanhol radicado na

Colômbia, Jesús Martín-Barbero. Segundo ele,

[...] nem toda forma de consumo é interiorização dos valores das outras classes. O consumo pode falar e fala nos setores populares de suas justas aspirações a uma vida mais digna [...]. Daí a grande necessidade de uma concepção não-reprodutivista nem culturalista do consumo, capaz de oferecer um marco para a investigação da comunicação/cultura a partir do popular, isto é, que nos permita uma compreensão dos diferentes modos de apropriação cultural, dos diferentes usos sociais da comunicação. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 290)

O autor assume a intencionalidade dos discursos da mídia, mas pondera que o

receptor tem sua vivência, sua cultura, sua história, sendo essas, fontes de mediação dos

processos comunicativos. Os indivíduos, considerando as mediações, produzem

sentidos próprios, a partir das mensagens veiculadas pelos meios de comunicação.

USP e UFCG: pioneiras na graduação em Educomunicação

Nesse contexto de evolução nas pesquisas e estudos na área de Educomunicação,

foram criados os cursos de Licenciatura em Educomunicação da Universidade de São

Paulo (USP) e o curso de Comunicação Social com habilitação em Educomunicação, da

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

6 A perspectiva frankfurtiana ou Teoria Crítica, desenvolvida na Alemanha, traz o conceito de Indústria Cultural, afirmando que a mídia transforma a cultura em mercadoria, em objeto de consumo, servindo aos interesses do mercado. 7 Nos estudos funcionalistas, o foco passa para as funções exercidas pela comunicação, visando à precisão e a eficácia do fluxo informativo.

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A criação do curso de graduação de Licenciatura em Educomunicação foi

aprovada, pelo Conselho Universitário da USP, em 2009. A nova carreira está vinculada

à Escola de Comunicações e Artes (ECA).

A iniciativa de criação de um curso de graduação em Educomunicação da USP

deve-se ao fato, conforme já citado, de o tema ter sido recorrentemente objeto de estudo

na Universidade, entre os anos de 1997 e 1999. Em 1999, o Núcleo de Educação e

Comunicação (NCE) também organizou o primeiro Encontro Internacional de

Comunicação e Educação, em São Paulo. No âmbito da inserção curricular da

Educomunicação, foi aprovada, em 2004, a Lei Municipal que institui o Programa

“Educomunicação pelas ondas do rádio”, nas escolas públicas municipais da cidade de

São Paulo.

Nesse sentido, o NCE passou a concentrar pesquisas, cursos e discussões na área

de Educomunicação, tendo a maioria dos trabalhos de Mestrado e Doutorado sobre o

tema no Brasil8.

No site oficial do curso de Educomunicação da USP9 aparecem diversas

informações sobre a estrutura, perfil profissional e campo de atuação do

educomunicador. A justificativa para a nova proposta é apresentada da seguinte forma:

A USP prepara-se para dar início, em fevereiro de 2011, ao curso de Licenciatura em Educomunicação. A nova proposta abrirá um campo diferenciado de atuação de um novo profissional: o educomunicador. A nova proposta decorre da demanda que emerge no contexto da Sociedade da Informação, no atendimento às necessidades do sistema educacional, das organizações da sociedade civil e das empresas que trabalham nas diferentes interfaces entre comunicação, tecnologias de informação e educação. No caso, o novo projeto de formação universitária parte da contribuição das Ciências Humanas, especialmente dos campos da Comunicação e da Educação, bem como das práticas sociais relacionadas aos âmbitos da produção midiática, dos estudos da recepção, do uso social e pedagógico das

8 Foi realizada pesquisa nos bancos de teses e dissertações da ECA/USP, sendo encontradas mais de 50 dissertações e teses sobre o tema ou que fazem referência à Educomunicação. Além disso, O NCE/ECA “mantém uma linha de pesquisa sobre o assunto, no programa de pós-graduação em comunicação; tendo atendido, entre 2000 e 2007, mais de 20 mil pessoas nos cursos de extensão e aperfeiçoamento, além de incluir o conceito entre os fundamentos do programa do Curso de Gestão da Comunicação, mantido pelo CCA-CA/USP há 12 anos”. Disponível em: <http://educomunicacao.wordpress.com/licenciatura/ >. Acesso em 12 de mai. de 2010. 9 Disponível em: <http://www.cca.eca.usp.br/educom>. Acesso em 06 de out. de 2010.

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tecnologias em processo de educação formal e não formal, no Brasil e na América Latina.

Na seqüência, é apresentada a estrutura do curso que está sendo oferecida no

período noturno, com duração de oito semestres, sendo abertas anualmente 30 vagas. A

primeira turma iniciou as aulas em fevereiro de 2011.

O curso de Licenciatura em Educomunicação da USP destina-se a formar um

profissional denominado educomunicador. Para a pesquisadora francesa Jacquinot

(apud CONSANI, 2008, p. 57) o educomunicador “não é um professor especializado

encarregado do curso de educação para as mídias, mas é um professor do século XXI,

capaz de integrar as diversas mídias em suas práticas pedagógicas”. O perfil

profissiográfico é assim caracterizado pelo site oficial do curso:

O educomunicador será preparado para aproximar seu perfil ao de um gestor de comunicação no espaço educativo. Um profissional que conhece suficientemente, de um lado, as teorias e práticas da educação, e, de outro, os modelos e procedimentos que envolvem o mundo da produção midiática e do uso das tecnologias, de forma a exercer atividades de caráter transdisciplinar, tanto na docência quanto na coordenação de trabalhos de campo, na interface comunicação/educação.

Quanto à atuação profissional, no site são detalhadas as atuações como

educomunicador: professor de comunicação, em que cita a reformulação do ensino

médio, no final dos anos 1990, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB - nº. 9.394 de 20/12/1996), introduzindo a “comunicação, suas

tecnologias e linguagens como conteúdo e como suporte metodológico no ensino médio

brasileiro”.

Outra possibilidade de atuação é em assessoria para o desenvolvimento de

projetos com o uso de tecnologias, especialmente nos ensinos infantil e fundamental.

Um terceiro ramo de trabalho, trata-se de ampliar a atuação desse profissional, pois

No âmbito da consultoria, o educomunicador exercerá função de analista e assessor de organizações do terceiro setor, de veículos de comunicação, de empresas, de estabelecimentos de ensino e de

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organismos públicos, no planejamento e implementação de projetos na interface comunicação/educação10.

Além disso, no site oficial do curso de Licenciatura em Educomunicação, é

ressaltado que o educomunicador pode ainda ter uma atuação na mídia, apontado como

um dos campos mais promissores para o novo profissional. Há espaço nos veículos

impressos, emissoras de rádio e de TV, trabalhando com projetos ligados a área de

educação. “O educomunicador não substitui os tradicionais profissionais da

comunicação, mas agrega valor às equipes por seus conhecimentos específicos sobre a

natureza da inter-relação comunicação/educação.”

Em outro espaço do site da Universidade de São Paulo, destinado às grades

curriculares11, aparecem as disciplinas dos dois primeiros períodos e a carga horária do

curso de Licenciatura em Educomunicação. Disciplinas Obrigatórias

1º Período Ideal Créd.

Aula

Créd.

Trab. CH CE CP AACA

CCA0282 Teorias da Comunicação 4 0 60

CCA0284 Mídia e Sociedade 4 0 60

CCA0288 Linguagem Verbal nos Meios de Comunicação I 4 2 120 60

CCA0298 Atividades Acadêmicas, Científicas e Culturais I 1 1 45

CCA0303 Práticas Laboratoriais em Multimídia 4 2 120 60

Subtotal: 17 5 405 120

2º Período Ideal Créd.

Aula

Créd.

Trab. CH CE CP AACA

CCA0285 Mídia, Arte e Educação 4 0 60

CCA0287 Fundamentos Epistemológicos da Educomunicação 4 0 60

CCA0289 Linguagem Verbal nos Meios de Comunicação II 4 2 120 60

CCA0290 Tecnologias da Comunicação na Sociedade Contemporânea 4 0 60

CCA0299 Atividades Acadêmicas, Científicas e Culturais II 1 1 45

Subtotal: 17 3 345 60

Legenda: CH=Carga horária Total; CE=Carga horária de Estágio; CP=Carga horária de Práticas como Componentes Curriculares;

AACA=Carga horária em Atividades Acadêmicos-Científico-Culturais

QUADRO 1 – Grade curricular dos dois primeiros períodos do curso de Licenciatura em Educomunicação, da USP.

10 Disponível em: <http://www.cca.eca.usp.br/educom>. Acesso em 06 de out. de 2010. 11 Disponível em: http://sistemas2.usp.br/jupiterweb/listarGradeCurricular?codcg=27&codcur=27570&codhab=4&tipo=N&print=true. Acesso em 12 de mai. de 2011.

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Ao apresentar apenas a grade curricular dos dois primeiros períodos é justificado

o fato de o curso estar em fase de implantação, e para uma melhor adequação

pedagógica, foi optado por implantá-lo semestre por semestre.

Nas disciplinas apresentadas para o início do curso, o que se percebe é uma

mudança de mentalidade, até pelo perfil do profissional que o curso pretende formar. As

disciplinas mostram a intenção de fazer com que o acadêmico se aproprie dos processos,

tecnologias, linguagens e teorias relacionadas à comunicação e possa relacioná-las com

educação, cultura e sociedade. Outro destaque é o relacionamento teoria e prática

presente já no primeiro ano de curso.

Se no caso do curso de Licenciatura em Educomunicação da USP havia uma

tradição de pesquisas na área, a criação do curso de Comunicação Social, com

habilitação em Educomunicação, da Universidade Federal de Campina Grande

(UFCG)12, faz parte das ações do Programa de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (Reuni), do Governo Federal. A primeira turma iniciou as

atividades no segundo semestre de 2010, tendo sido ofertadas 80 vagas.

Na reportagem, BRAGA (2010) expõe o curso como algo inovador, e a

inovação é apontada como determinante para a aprovação da graduação. É ressaltado

ainda que o projeto político pedagógico está sendo elaborado e “... leva em consideração

a reconfiguração dos meios de comunicação, com as mudanças tecnológicas, e a

crescente introdução das mídias nas práticas educativas” (IBID, s/n). Após, é tratado

sobre a construção de novas instalações físicas onde funcionará a nova graduação e a

respeito do corpo docente.

É importante mencionar que não há um site organizado com informações. Em

pesquisa realizada no site da UFCG, são encontradas apenas reportagens jornalísticas

realizadas pela assessoria de comunicação da Universidade.

12 Segundo reportagem jornalística (texto produzido por um jornalista que representa a Assessoria de Comunicação da UFCG, neste caso Marinilson Braga), postada em um espaço de notícias do site oficial da Universidade. Disponível em: <http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=9488>. Acesso em 24 de set. de 2010.

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Em outra reportagem publicada no site13 da UFCG, é noticiada a “Semana de

Abertura do Curso de Comunicação Social”. De 02 a 06 de agosto de 2010, a turma

composta por 80 alunos, recebeu “informações importantes sobre o novo curso e a

instituição através de palestras, conferência, exibição de documentário, além de um

“tour” pelo campus Campina Grande” (ALEX, 2010, s/n).

A reportagem comenta ainda que,

De acordo com o projeto político-pedagógico do curso, o educomunicador será caracterizado pela competência em relação a: gestão de projetos em comunicação-educação-cultura em diferentes contextos institucionais, produção de mídias educativas, uso de novas tecnologias da informação e comunicação em contextos educacionais presenciais. (ALEX, 2010, s/n)

A formação de comunicador social com ênfase em educomunicação segue

basicamente a mesma grade curricular apresentada nos cursos de comunicação social.

“Os alunos assistem aulas de disciplinas como telejornalismo, radiojornalismo,

fotojornalismo, entre outras. A diferença é que 30% da carga horária, de quatro anos do

curso, será destinada ao desenvolvimento da Educomunicação

especificamente.”(SANTOS, 2010, s/n)14

Flexibilidade Curricular: autonomia e liberdade

A partir da criação de dois cursos relacionados ao campo, foi iniciada uma

pesquisa sobre as diretrizes ou os motivos pelos quais estes cursos foram criados. Na

página do Ministério da Educação não há Diretrizes Curriculares específicas para os já

citados cursos de graduação.

O curso de Comunicação Social com habilitação em Educomunicação, da UFCG

foi criado considerando o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais – REUNI.

13 Disponível em: <http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=10693>. Acesso em 24 de set. de 2010. 14 Disponível em:<http://www.diariodaborborema.com.br/2010/07/23/especial1_0.php>. Acesso em 24 de set. de 2010.

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O REUNI foi instituído pelo governo federal, através do decreto nº 6.096, de 24

de abril de 200715, faz parte das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE) e tem o objetivo, segundo o governo, de promover o crescimento do ensino

superior público, promovendo a expansão física, acadêmica e pedagógica das

universidades federais.

Conforme o decreto de criação, o REUNI possui seis dimensões:

1. Ampliação da oferta de Educação Superior Pública - com a ampliação de

vagas, redução de índices de evasão e ocupação de vagas ociosas;

2. Reestruturação Acadêmico-Curricular – através da reorganização e oferta

de novos cursos, mudanças nos regimes curriculares;

3. Renovação Pedagógica da Educação Superior – com atualização de

metodologias, instauração de programas de capacitação pedagógica;

4. Mobilidade Intra e Inter-Institucional – através da mobilidade estudantil;

5. Compromisso Social da Instituição – com a implantação de políticas de

inclusão, assistência estudantil e extensão universitária;

6. Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento

qualitativo dos cursos de graduação.

Nesse contexto legislativo, em 2008 a UFCG elaborou uma proposta16 ao

REUNI dentro destas seis dimensões. Na dimensão “Reestruturação Acadêmico

Curricular” está prevista a criação de novos cursos, entre eles o de Comunicação Social

com habilitação em Educomunicação.

Além das indicações do REUNI, a diretriz curricular para a área de

Comunicação Social e suas habilitações, presente no parecer nº 492/2001 do

15 Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm> . Acesso em 04 de nov. de 2010. 16 Disponível em: <http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/reuni/proposta_reuni.pdf>. Acesso em: 04 de nov. de 2010.

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CNE/CES17, aprovado em 03/04/2001, apresenta, na introdução, dois objetivos

fundamentais:

a) flexibilizar a estruturação dos cursos, tanto para atender a variedades de circunstâncias geográficas, político-sociais e acadêmicas, como para ajustar-se ao dinamismo da área, e para viabilizar o surgimento de propostas pedagógicas inovadoras e eficientes; b) estabelecer orientações para a obtenção de padrão de qualidade na formação oferecida. (CNE/CES, p.16)

No trecho em que aborda sobre os perfis específicos, é destacada a possibilidade

de serem criadas novas habilitações pertinentes ao campo da comunicação, desde que

contemplem, conforme o Parecer: “a dimensão e a complexidade temática e de objeto

de estudo; a existência de vinculações profissionais e conceituais com o campo da

Comunicação; a delimitação de uma habilitação específica, que comporte linguagem e

práticas profissionais próprias”. (CNE/CES, p.17)

O curso de Licenciatura em Educomunicação, não há no site do curso ou em

documentos do Ministério da Educação algo que norteie a sua criação. É razoável supor

que pelo pioneirismo e histórico de pesquisas na área, foi criada uma base teórica

suficientemente fortalecida para a criação de um curso de graduação na Universidade de

São Paulo.

Há mais de 10 anos são realizados cursos de extensão e projetos pela

Universidade, o que resultou na produção de artigos, dissertações e teses sobre o tema

Educomunicação, naquela Universidade.

Esses dois exemplos de criação de novos cursos, com liberdade e autonomia por

parte das Universidades na construção de seu projeto pedagógico, traz a tona o tema da

flexibilidade curricular.

A autonomia foi um dos princípios presentes nas idéias de criação e organização

da Universidade de Berlim, em 1808, por Humboldt. O conceito de universidade

proposta na Alemanha tem como base: “[...] a formação através da pesquisa, a unidade

17 Disponível em: <http://proeg.ufam.edu.br/parfor/pdf/parecer%20cne_ces%20n.%20492_2001%20diretrizes%20curriculares%20do%20curso%20de%20letras%20e%20outros.pdf>. Acesso em 24 de set. de 2010.

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entre ensino e pesquisa, a interdisciplinaridade, a autonomia e liberdade da

administração da instituição e da ciência que ela produz.” (PEREIRA, 2009, p.31).

Mas a universidade dita da modernidade, não é pautada apenas pelo modelo

alemão, o modelo francês, também chamado de Napoleônico, se impôs como uma outra

matriz na educação superior. Este modelo, porém, surge com objetivos e características

diferenciadas, uma universidade ligada ao Estado, orientada para a utilidade e voltada à

formação de profissionais úteis à sociedade. Esta concepção funcionalista acaba por

influenciar a maioria das universidades, que primam por uma formação profissional,

tecnicista e voltada para o mercado.

Neste artigo não irei me aprofundar nas diferenças e no legado das duas

concepções de universidade, utilizarei dos conceitos de autonomia e liberdade da

universidade humboldtiana para embasar as discussões sobre flexibilidade.

Como defensor da pesquisa científica, Humboldt via a Universidade como o

lugar da busca pela verdade como pesquisa, o local de desenvolvimento da ciência. Não

vislumbrava um ensino desvinculado da pesquisa, argumentando ser injusto limitar as

universidades ao ensino e ao mero repasse do conhecimento. Assim entendia que,

...para os professores, o fazer ciência é uma forma de avançar em suas áreas de conhecimento, pois sem ela caberia a eles apenas repetir conhecimentos produzidos em outro lugar. [...] defende que o ensino não deve ser uma sobrecarga que inviabilize a pesquisa (PEREIRA, 2009, p.34).

Além da ênfase na pesquisa, no projeto de Humboldt, a autonomia e a liberdade

são apontados como os princípios mais importantes. A autonomia deveria ser total, em

todos os setores e sem qualquer interferência. Análoga a esta, a liberdade também não

poderia ser cerceada em nenhum aspecto, pois,

Só uma universidade livre e autônoma poderia, para ele, ser capaz de dar as contribuições que a ciência pode prestar para o desenvolvimento da nação e de seus cidadãos. Assim, a universidade deveria ter liberdade didática, científica, administrativa e financeira (PEREIRA, 2009, p.32).

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Trazendo esta concepção para a realidade brasileira contemporânea, de acordo

com o Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras – ForGrad

(2000, p.09), a Constituição de 1988 e a LDB (nº. 9.394/96) retomam a necessidade de

autonomia universitária.

Nesse contexto, o Plano Nacional de Graduação (PNG), elaborado e aprovado

pelo ForGrad em 1999, enfatiza a autonomia universitária como uma,

[...] possibilidade de apresentar soluções próprias para os problemas da educação superior e não reproduzir fórmulas pré-determinadas. As soluções vislumbradas dizem respeito a experimentar novas opções de cursos e currículos, ao mesmo tempo em que alternativas didáticas e pedagógicas são implementadas (FORGRAD, 1999b, p.08, apud FORGRAD, 2000, p.09).

O objetivo do Fórum é discutir a autonomia no âmbito da liberdade e

flexibilidade, seja na criação de novos cursos, ou na mudança nos currículos,

demonstrando a possibilidade de se construir uma universidade diferenciada, que atenda

as necessidades da realidade e possa acompanhar as transformações sociais.

As iniciativas de criação dos cursos de Educomunicação vem ao encontro destes

princípios, tanto no aspecto da autonomia, que conseqüentemente gera uma liberdade de

ação e possibilidade de flexibilização, como no sentido da indissociabilidade ensino-

pesquisa-extensão.

A questão da flexibilidade curricular, segundo ForGrad (2000),

[...] desponta como elemento indispensável à estruturação curricular de modo a atender tanto às demandas da sociedade tecnológica, quanto àquelas que se direcionam a uma dimensão criativa e libertária para a existência humana. Percebida, neste contexto, a flexibilidade curricular não constitui apenas uma possibilidade, mas uma condição necessária à efetivação de um projeto de ensino de qualidade (FORGRAD, 2000, p. 11).

Esta concepção está presente no curso de Comunicação Social com habilitação

em Educomunicação, da UFCG, que se mostra um curso inovador, atendendo às

demandas profissionais e sociais. O curso “surge para preencher uma lacuna existente

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de formação profissional de um campo de trabalho interdisciplinar voltado a contextos

sócio-educativos marcados pelas transformações das práticas culturais e tecnológicas”.18

No caso da Licenciatura em Educomunicação da USP, aparece a dimensão do

tripé ensino, pesquisa e extensão. Os estudos sobre o tema surgiram através de cursos de

extensão e da criação de grupo de pesquisa no NCE – ECA. Após anos desenvolvendo

trabalhos é que surgiu a necessidade de fortalecer o ensino em Educomunicação com a

criação do curso de graduação.

Os dois exemplos mostram que é possível colocar em prática os princípios da

autonomia, liberdade e, derivando destes, a flexibilidade curricular, pois essa é uma das

condições básicas para uma educação superior de qualidade.

O ensino de graduação, voltado para a construção do conhecimento [...] não pode orientar-se por uma estrutura curricular rígida, baseada em um enfoque unicamente disciplinar e seqüenciada a partir da hierarquização dos conteúdos, quando a realidade se apresenta em multiplicidade interdependente; confinada aos limites da sala de aula; onde teoria e prática aparecem como elementos dicotômicos e o ensino tem por base a exposição submissa de conteúdos descritivos [...]; refratária à diversidade de experiências vivenciadas pelos alunos, quando eles são, de fato, o pólo nucleador do projeto curricular; concebida na perspectiva da graduação como etapa definitiva do processo de formação, quando a dinâmica da transformação da realidade explicita a necessidade do aprender permanente (FORGRAD, 2000, p.11).

Neste trecho é citada também a flexibilidade curricular, apontando a necessidade

não apenas de novos cursos, mas de projetos pedagógicos que contemplem novas

formas de aprendizagem, conteúdos ligados à realidade social, que possam formar

cidadãos e não apenas técnicos em determinada área.

Como não tive acesso aos projetos pedagógicos dos cursos, apenas a parte da

grade curricular do curso de Licenciatura em Educomunicação da USP, não é possível

realizar uma discussão mais aprofundada neste momento. Mas o se pode afirmar, de

forma preliminar, em relação ao curso da USP, é que a grade curricular dos dois

primeiros períodos atende às concepções de flexibilidade curricular expostas acima,

18 Trecho de reportagem jornalística disponível em: <http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=316>. Acesso em 04 de nov. de 2010.

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com disciplinas inovadoras e que possuem vínculo com a realidade. É extremamente

necessário voltar a este assunto, para que se possa compreender melhor que profissional

educomunicador estas universidades pretendem formar.

Considerações finais

A atitude de pensar as relações entre comunicação e educação, através da

criação e oferta dos cursos de graduação em Educomunicação por duas grandes

Universidades do país, não tem como objetivo criticar ou enaltecer as iniciativas, mas

compreender os motivos que levaram a esta proposta de formação profissional.

A falta de documentação quanto às diretrizes curriculares dos cursos, deixou

questionamentos e nos fez pesquisar a respeito do assunto. Em meio a vários artigos,

documentos, diretrizes, reportagens jornalísticas, chegamos ao tema da flexibilidade

curricular na educação superior, a qual possibilita certa liberdade por parte das

universidades no que tange à criação e inovação de cursos. Aliada a isso, surgiu a

temática do REUNI, com a expansão das universidades federais, no caso da UFCG e o

pioneirismo e tradição nos estudos de Educomunicação no país, situação presente na

USP.

Após essa discussão, o objetivo será, com o acesso e conhecimento dos projetos

políticos pedagógicos dos cursos, dar continuidade aos debates, abordando de forma

mais aprofundada o tema da flexibilidade curricular.

REFERÊNCIAS

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<http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=9488>. Acesso em 24 de set. de 2010. ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA UFCG. UFCG realiza Semana de abertura do curso de Comunicação Social. Disponível em: <http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=316>. Acesso em 04 de nov. de 2010. CACHEADO, Eneida Marly Marques. A Educomunicação como estratégia de promoção dos direitos de crianças e adolescentes no Amazonas. Manaus, Dissertação de Mestrado, UFAM, 2007. CONSANI, Marciel Aparecido. Mediação Tecnológica na educação: conceitos e aplicações. São Paulo, Tese de Doutorado, USP, 2008. DECRETO Nº 6.096, DE 24 DE ABRIL DE 2007. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm>. Acesso em 04 de nov. de 2010. DIRETRIZES GERAIS DO REUNI. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf>. Acesso em 04 de nov. de 2010. DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES. Licenciatura em Educomunicação. Disponível em:<http://www.cca.eca.usp.br/educom>. Acesso em 06 de out. de 2010. ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES. Licenciatura em Educomunicação. Disponível em: <http://sistemas2.usp.br/jupiterweb/listarGradeCurricular?codcg=27&codcur=27570&codhab=4&tipo=N&print=true>. Acesso em 12 de mai. de 2011. FANTIN, Mônica. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil – Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006. FORGRAD, Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras. O currículo como expressão do projeto pedagógico: um processo flexível. Texto elaborado a partir da Oficina de trabalho de Niterói/RJ, realizada de 17 a 19 de abril de 2000. Niterói, maio de 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 43 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. MACHADO, Eliany Salvatierra. Sobre a Educomunicação, 2008. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-1380-1.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2010.

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