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1 Aprimoramento em Saúde Mental CAPS “Prof Luis da Rocha Cerqueira” Coordenadora: Denise Lew Profa Miriam Aparecida Herrera Fernandes Agosto/2004 A Psicologia Institucional 1ª aula (05/08): A Psicologia Institucional de José Bleger 1. A Psicologia Institucional; 2. A estrutura e dinâmica da instituição: a) Indivíduo, grupo e instituição; b) A sociabilidade por interação e a sociabilidade sincrética; c) Grupo primário, estereotipado e secundário; d) O conflito e o grau de maturidade institucional. 2ªaula (12/08): Psicologia Institucional (Marlene Guirado) 1. Psicologia Institucional: A política da crise; 2. Competência técnica é sempre abuso de poder/saber?; 3. Clóvis, a título de exemplo; 4. Discussão e finalização. Bibliografia: Bleger, J. Psico-Higiene e Psicologia Institucional, Porto Alegre, Editora Artes Médicas 1984. Bleger, J. Temas de Psicologia, São Paulo, Martins Fontes, 1984. Guirado, M. Psicologia Institucional, São Paulo, E.P.U. 1987. Guirado, M . Psicanálise e Análise do Discurso matrizes institucionais do sujeito psíquico, São Paulo, Summus Editorial, 1995. Reis, H. A. Formação do psicólogo e trabalho em instituição, Resumo de tese pela PUC/São Paulo A Psicologia Institucional (texto baseado no trabalho de Hugo Augusto dos Reis: Formação do psicólogo e trabalho em instituição) No seu estudo a respeito da Psicologia nas Instituições, Bleger (1984) considera como importante três características fundamentais: a estrutura e dinâmica da Instituição; o estudo da Psicologia Institucional e a estratégia da Psicologia Institucional. A propósito desta apresentação abordarei os dois primeiros itens. O termo Psicologia Institucional foi criado por Bleger e segundo ele, este ramo da Psicologia deve recorrer ao que já foi acumulado pela Psicologia: teoria, método, técnicas. Especificamente irá utilizar as contribuições da Psicologia Social e da Psicanálise. Por Psicologia Institucional Bleger (1984) entende um campo que “abarca um conjunto de organismos de existência física e concreta que têm um certo grau de permanência em algum campo ou setor específico da atividade ou vida humana, para estudar neles todos os fenômenos humanos que se dão em relação com a estrutura , a dinâmica, funções e objetivos da Instituição”. Assim, dada uma Instituição, o psicólogo deve centrar sua atenção no cotidiano institucional, nas relações interpessoais que nela se tecem e no efeito nos que dela participam. O papel do psicólogo deve ser o de investigador das relações interpessoais, ele deve conhecer e buscar a compreensão das variáveis manifestas e latentes que determinam o comportamento humano nessas relações. O objetivo mais geral do psicólogo no campo institucional, segundo Bleger, é o da psico-higiene, ou seja, conseguir a partir de sua intervenção uma melhor organização no ambiente de trabalho e promover maior bem-estar para os integrantes da Instituição. Significa capacitar os que nela participam a enfrentar as situações de conflitos, promovendo o José Bleger (1922-1972) psiquiatra e psicanalista argentino, marxista e militante comunista

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Aprimoramento em Saúde Mental – CAPS “Prof Luis da Rocha Cerqueira” Coordenadora: Denise Lew Profa Miriam Aparecida Herrera Fernandes Agosto/2004 A Psicologia Institucional 1ª aula (05/08): A Psicologia Institucional de José Bleger

1. A Psicologia Institucional; 2. A estrutura e dinâmica da instituição:

a) Indivíduo, grupo e instituição; b) A sociabilidade por interação e a sociabilidade sincrética; c) Grupo primário, estereotipado e secundário; d) O conflito e o grau de maturidade institucional.

2ªaula (12/08): Psicologia Institucional (Marlene Guirado) 1. Psicologia Institucional: A política da crise; 2. Competência técnica é sempre abuso de poder/saber?; 3. Clóvis, a título de exemplo; 4. Discussão e finalização.

Bibliografia: Bleger, J. Psico-Higiene e Psicologia Institucional, Porto Alegre, Editora Artes Médicas 1984. Bleger, J. Temas de Psicologia, São Paulo, Martins Fontes, 1984. Guirado, M. Psicologia Institucional, São Paulo, E.P.U. 1987. Guirado, M . Psicanálise e Análise do Discurso – matrizes institucionais do sujeito psíquico, São Paulo, Summus Editorial, 1995. Reis, H. A. Formação do psicólogo e trabalho em instituição, Resumo de tese pela PUC/São Paulo A Psicologia Institucional (texto baseado no trabalho de Hugo Augusto dos Reis: Formação do psicólogo e trabalho em instituição)

No seu estudo a respeito da Psicologia nas Instituições, Bleger (1984) considera como importante três características fundamentais: a estrutura e dinâmica da Instituição; o estudo da Psicologia Institucional e a estratégia da Psicologia Institucional. A propósito desta apresentação abordarei os dois primeiros itens.

O termo Psicologia Institucional foi criado por Bleger e segundo ele, este ramo da Psicologia deve recorrer ao que já foi acumulado pela Psicologia: teoria, método, técnicas. Especificamente irá utilizar as contribuições da Psicologia Social e da Psicanálise.

Por Psicologia Institucional Bleger (1984) entende um campo que “abarca um conjunto de organismos de existência física e concreta que têm um certo grau de permanência em algum campo ou setor específico da atividade ou vida humana, para estudar neles todos os fenômenos humanos que se dão em relação com a estrutura , a dinâmica, funções e objetivos da Instituição”. Assim, dada uma Instituição, o psicólogo deve centrar sua atenção no cotidiano institucional, nas relações interpessoais que nela se tecem e no efeito nos que dela participam.

O papel do psicólogo deve ser o de investigador das relações interpessoais, ele deve conhecer e buscar a compreensão das variáveis manifestas e latentes que determinam o comportamento humano nessas relações. O objetivo mais geral do psicólogo no campo institucional, segundo Bleger, é o da psico-higiene, ou seja, conseguir a partir de sua intervenção uma melhor organização no ambiente de trabalho e promover maior bem-estar para os integrantes da Instituição. Significa capacitar os que nela participam a enfrentar as situações de conflitos, promovendo o

José Bleger (1922-1972) – psiquiatra e psicanalista argentino, marxista e militante comunista

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desenvolvimento dinâmico do ser humano. Prevê “o ser humano na sua saúde, integração e plenitude” (Bleger ,1984).

Para Bleger (1984), os vínculos humanos são portadores de ambigüidades e ambivalências, nem sempre explicitadas por estarem fora do alcance da consciência do sujeito. Os conflitos não adequadamente elaborados num ambiente de trabalho podem ocasionar grande perda de energia e desgaste pessoal. Requerendo a necessidade da ajuda de um profissional, cabe a este facilitar as relações, explicitando o que está implícito, para favorecer uma maior aprendizagem e consciência.

Para que o psicólogo possa enfrentar esta tarefa, alguns aspectos devem ser observados. A Instituição deve ser considerada enquanto totalidade, nela as partes mantêm uma relação de interdependência. Mesmo que o profissional no seu trabalho se ocupe de uma parte da Instituição, esta deve ser reconhecida como uma unidade que, por estar em relação com o todo, o representa. A realidade institucional deve ser compreendida e avaliada na perspectiva da totalidade.

Bleger diferencia o psicólogo que trabalha na Instituição do psicólogo institucional. O primeiro atua como empregado, recebe ordens, sua função é preestabelecida pelos diretores. Já o psicólogo institucional deve deduzir sua tarefa a partir de um estudo diagnóstico. Para que isto seja viável o psicólogo deve manter, rigorosamente, o papel de consultor ou assessor, o que lhe proporcionará um certo grau de distância, evitando a dependência econômica e profissional e o ajudará assim a manter as condições básicas para um bom manejo técnico. É possível afirmar que o motivo em que a Instituição se fundamenta para contratar o psicólogo, deve ser considerado como um sintoma. O psicólogo acolherá este dado como uma primeira informação. Somente após um período de coleta de dados, um estudo diagnóstico permitirá uma melhor configuração da queixa inicial e a elaboração da proposta de trabalho. A queixa inicial apresentada pela Instituição geralmente é reelaborada, visto que os reais conflitos (conteúdos latentes) ainda estão implícitos no momento em que a Instituição busca a ajuda do profissional.

É importante ressaltar que, para Bleger (1984), somente quando a Instituição chega a um certo nível de maturidade, que permite o insight de seus problemas e de sua situação conflituosa, é que esta percebe a possibilidade de ajuda de um profissional. A “ausência” de conflitos e problemas pode ser considerada geralmente um mau prognóstico, pois, para este autor, o critério de saúde de uma Instituição é justamente sua capacidade para explicitar os problemas e utilizar recursos para resolvê-los adequadamente. Quando a Instituição ainda não atingiu a percepção de suas reais dificuldades, cabe ao psicólogo conduzi-la a tomar consciência de seus conflitos. Estrutura e dinâmica da Instituição

O termo estrutura é utilizado por Bleger para apresentar a base que sustenta a sociedade, as organizações, as instituições, os grupos e os indivíduos. No que se refere à “estrutura psíquica” há uma relação de interdependência entre as instâncias acima citadas.

Segundo o autor, muitas das teorias e categorias conceituais tendem a contrapor indivíduo e grupo, grupo e organização, como se fossem realidades independentes. Ao contrário, para ele “o ser humano antes de ser pessoa é sempre um grupo, mas não no sentido de que pertence a um grupo, e sim que sua personalidade é grupo” “(...) A partir desta concepção, os grupos e os sistemas sociais também constituem “partes das personalidades dos indivíduos e, às vezes, toda a personalidade que eles possuem” (1989).

Para Bleger (1984), a sociedade como um todo, na sua forma objetiva apresenta em sua estrutura uma alienação fundamental onde o que é produzido socialmente (bens de consumo, cultura) é distribuído de forma desigual entre seus membros. Este modelo de organização foi se estruturando num processo histórico, possuindo um padrão de valores e funções sociais bem definido. Esta estrutura, apesar de inadequada e insatisfatória por força da própria alienação, é ambivalente: ao mesmo tempo que “reconhece” a inadequação, não deseja mudança e resiste. Para tanto, a sociedade possui seus esquemas de proteção de qualquer agente que venha a perturbar a “ordem”. Assim, aqueles que perturbam o sistema com seus comportamentos desviantes são tratados como “sintomas” que devem ser erradicados, ou na melhor das hipóteses, “curados”, e para isso precisam ser segregados como se não tivessem relação com a sociedade como um todo. Na sociedade capitalista, os “grupos desviantes” são geralmente o doente, o velho, a criança em

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situação de abandono, a prostituta e o marginal, ou seja os elementos não produtivos ou não integrados nos valores do sistema. Com o propósito de curá-los, são segregados. Este recurso defensivo cria e alimenta um forte circuito de alienação, um esvaziamento do ser humano que passa a ser marginalizado, privado dos vínculos que garantem a segurança, a gratificação e a reparação.

Neste contexto surgem as instituições sociais como uma instância. Sua “grande missão” é a de curar esses indivíduos, ou “reeducá-los” para que possam ser novamente integrados na sociedade. A tarefa, assim como é proposta é impraticável, pois “curar” esses indivíduos supõe uma revisão dos esquemas alienantes que estão presentes na sociedade que os produziu. As instituições sociais aceitando essa “missão” mostram o caráter ingênuo e a perspectiva “onipotente” de sua tarefa.

A partir do momento em que as instituições aceitam explicitamente que vão atender os segregados sociais, implicitamente há uma pressão por parte da sociedade para que as instituições a protejam da sensação de culpa que provoca o contato com o alienado. Bem como da ameaça que o próprio alienado apresenta em termos sociais. Estas circunstâncias tornam-na impotente frente sua “missão”. Em decorrência disto, a Instituição potencialmente segregará tanto quanto a sociedade. Esta contradição, quando não explicitada e equacionada, faz com que a falsa identidade da Instituição se manifeste numa indiferenciação quanto aos objetivos, que a tornam também alienada, obrigando-a a viver sempre sob pressão, buscando de forma quixotesca, curar o sintoma, sem atingir as causas.

Segundo Bleger (1984), se as instituições tomam consciência de sua tarefa de resgatar a dignidade humana dos indivíduos segregados, necessariamente sua existência, por si só, será uma fonte de denúncia para a sociedade que cria os alienados. Ao obter um insight dos problemas e conflitos que surgem nesse contexto, a Instituição deixa de manter a sua estrutura alienada, e recusa servir de alvo de projeção ou de depositária da personalidade sincrética da sociedade (por personalidade sincrética, Bleger entende a parte da personalidade indiferenciada e não organizada, que precisa ser controlada, para que a personalidade organizada possa subsistir). A mudança numa estrutura ocorre quando há consciência nos indivíduos e grupos que a integram. Existe contudo uma forte tendência na Instituição para manter a ordem estabelecida, impedindo o processo de conscientização. O meio utilizado para isso é a burocratização das instituições e, conseqüentemente, um contínuo empobrecimento das relações sociais por meio de estereótipos.

Para explicar o fenômeno social da alienação na relação do indivíduo com o grupo, e do grupo com a Instituição, Bleger (1989) postula alguns “princípios”:

1) Tanto o grupo quanto o indivíduo apresentam uma estrutura básica que lhe garante uma identidade, uma relação adequada com a realidade, uma direção, um significado e uma lógica que permitem a comunicação e a sua sobrevivência e manutenção, enfim, um certo grau de organização que torna a existência possível. A concepção da estruturação e organização da identidade, conforme apresentada, supõe um processo interativo de organização da personalidade, individual e grupal, que envolve o inconsciente com suas forças ambivalentes. Neste processo emergem dois níveis de Ego, um sincrético e o outro organizado. São duas estruturas paradoxalmente mantidas no indivíduo ou grupo, uma organizada e a outra caótica. Porém, é necessário que haja uma certa imobilização da parte da personalidade que é sincrética, para que a parte organizada possa interagir com a realidade. Bleger denomina o meio utilizado para essa imobilização de clivagem; esta deve impedir que um estado entre em relação com o outro.. A imobilização do estado sincrético permite a organização dos aspectos mais integrados da personalidade, seja individual ou grupal, necessários para que a relação com a realidade possa ser mantida adequadamente.

2) Bleger (1987) partindo desta concepção , apresenta dois níveis de sociabilidade que favorecem ou não a comunicação interpessoal: sociabilidade por interação e a sociabilidade sincrética. A primeira supõe uma personalidade organizada, estruturada no tempo e no espaço e com energia para enfrentar as contradições e dificuldades no contato com a realidade. Este tipo de personalidade tem habilidade para comunicar, possui grau de independência , no entanto se afilia e coopera nas relações interpessoais. Contrapondo a esse modelo, existiria, segundo o autor, uma segunda forma de socialização, a sincrética, que tem por característica, paradoxalmente, uma natureza predisposta à não relação. É sub-clínica e difícil de se detectar e caracterizar

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conceitualmente. As pessoas que ainda não alcançaram um certo grau de individualização procuram sua identidade no estabelecimento simbiótico de dependência e pertença através de uma identidade grupal. Segundo Bleger (1987): “é uma identidade muito particular e que podemos chamar de identidade grupal sincrética (...). Sua identidade reside na sua pertença ao grupo”.

3) Bleger assinala três tipos de grupos ou três tipos de indivíduos que podem integrar diferentes grupos ou um mesmo grupo:

a) O grupo cuja organização se dá por interação sincrética. Este grupo se caracteriza por forte dependência entre os membros do grupo e necessidade de estabilidade, onde a identidade pessoal será estabilizada por intermédio da estabilidade do grupo. Há necessidade de grande investimento de energia para que o grupo seja mantido através de regras e valores rígidos. Enquanto grupo é débil, a interação é superficial e apresenta dificuldades de promover mudança.

b) Um segundo tipo de grupo é o que tem como participantes os considerados neuróticos ou normais. Na medida em que estes membros alcançam um nível de relação em que os contornos entre o eu e o tu são definidos, através do desenvolvimento dos aspectos mais maduros da personalidade, há uma tendência em mover-se para a sociabilidade de interação que configura um grupo ativo, motivado na direção de concretizar os seus objetivo.

c) Um terceiro grupo corresponde àqueles que nunca tiveram uma relação simbiótica e que também não irão estabelecê-la no grupo. Se inserem neste grupo as personalidades psicopáticas, perversas. Neste caso, o grupo parece desempenhar um papel muito subsidiário, quase irrelevante, com grande dificuldade de comunicação.

Bleger (1987) ocupou-se do estudo com grupos para entender o papel destes nas instituições. Para ele o grupo é uma Instituição complexa que tende a estabilizar-se como uma organização com padrões fixos e próprios. Este fenômeno se fundamenta na necessidade do grupo de manter o controle sobre a clivagem. Neste sentido, abstrai uma lei geral para as organizações e instituições, ou seja, estas necessitam se manter por um sistema rígido de controle: a energia que o grupo deveria investir no objetivo inicialmente proposto e pelo qual o grupo foi criado, “corre sempre o risco de passar a um segundo plano, passando ao primeiro plano a perpetuação da organização como tal”. Neste caso o grupo deixa de ser processo para estabilizar-se. O que justifica a tendência dos grupos para se burocratizarem, evitando assim a clivagem e que tende a bloquear os níveis simbióticos ou sincréticos. Já o grupo que funciona com uma estrutura mais dinâmica pode romper com estereótipos sem que isso provoque uma desintegração do grupo.

Outra análise feita por Bleger (1987) diz respeito à tendência à identificação do grupo com aquilo que ele se propõe realizar. “Toda organização tende a ter a mesma estrutura que o problema que deve enfrentar e para o qual ela foi criada”. No caso da Instituição criada como um instrumento da sociedade para resolver o problema do segregado social, ela passa a apresentar as mesmas características do segregado, do “doente” social. A Instituição se compromete estruturalmente com esta clivagem social alienante, quando a sociedade deposita nela uma carga que ela mesma não quer carregar. Sofre uma dupla pressão: por um lado tem que responder pela missão a ela confiada pela sociedade, por outro, está tão paralisada quanto a população marginalizada que a solicita, por se identificar com esta. Trata-se de um anti-processo em que a Instituição investe toda a sua energia, já que o nível de pressão chega a níveis stressantes.

Quanto aos grupos, outros aspectos podem ser reconhecidos no âmbito institucional. Como já foi assinalado, os grupos e as organizações tendem a assumir a organização da personalidade de quem deles participa. Sobre esse aspecto, Bleger (1984, p. 55) escreve:

“O ser humano encontra nas distintas Instituições um suporte e um apoio, um elemento de segurança,de identidade e de inserção social ou pertença. A partir do ponto de vista psicológico, a Instituição forma parte de sua personalidade e na medida em que isso ocorre, tanto como a forma em que isso se dá, configuram distintos significados e valores da

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Instituição para os distintos indivíduos ou grupos que a ela pertencem. Quanto mais integrada a personalidade, menos dependente de suporte que lhe presta uma dada Instituição; quanto mais imatura, mais dependente é a relação com a Instituição e tanto mais difícil toda a mudança da mesma ou toda separação dela. Desta maneira , toda Instituição não é só um instrumento de organização, regulação e controle social, mas também e ao mesmo tempo é um instrumento de regulação e equilíbrio da personalidade e, da mesma maneira que a personalidade tem organizado dinamicamente suas defesas, parte destas se acham cristalizadas nas Instituições; nas mesmas se dão os processos de reparação tanto como os de defesa contra as ansiedades psicóticas ( no sentido que M. Klein dá a este termo)

Na concepção de Bleger, portanto, é a Instituição que media a relação do indivíduo com a sociedade, tornando-se um espaço concreto onde se dão as tensões e os conflitos. Por sua vez, a dinâmica psicológica das instituições sociais reflete a própria personalidade dos indivíduos que dela participam. Bleger (1984) vê nesta questão um grande problema, pois “a Instituição pode se ver enormemente limitada em sua capacidade em oferecer segurança, gratificação, possibilidade de reparação e desenvolvimento eficiente da personalidade”. Por sua vez, a estrutura alienada da Instituição como já foi discutido, está relacionada com a mesma estrutura alienada do sistema social de produção e distribuição de riqueza.

A estrutura psicológica que permeia a relação indivíduo-Instituição pode se tornar esvaziada e pobre, visto que toda Instituição tende a reter e formalizar seus membros numa contagiosa estereotipia. Quando, porém, adquire uma forma positiva, desta relação podem decorrer mudanças satisfatórias na consciência dos indivíduos que dela participam. A intervenção do psicólogo institucional torna-se determinante justamente para intervir na dinâmica desta relação, fazendo de um processo estereotipado e negativo, um processo criativo. É neste sentido que deve ser estudado o conceito de dinâmica relacionado à estrutura institucional.

A dinâmica institucional tem para Bleger (1984) um significado dialético. Neste processo dialético o momento do conflito deve ser reconhecido e valorizado. É a partir deste que haverá a promoção de um salto qualitativo na antiga estrutura. O conflito, portanto, precede às mudanças. Em oposição a esse conceito, o autor utiliza o termo estereótipo para designar uma estrutura anti-processo e resistente às mudanças.

No campo institucional, Bleger (1984) admite que o melhor “grau de dinâmica” não é dado pela ausência de conflito, mas pela disponibilidade que os atores institucionais têm para explicitá-lo, manejá-lo de acordo com os recursos disponíveis e resolvê-los dentro do limite institucional. O grau em que os membros que integram a Instituição assumem e manejam os conflitos normalmente presentes nas suas tarefas é índice de bom ou mau prognóstico para a tarefa do psicólogo.

Bleger (1984), a partir de sua experiência e estudos, apresenta algumas características presentes nas estruturas grupais (intra e inter-grupal) que ocorrem no espaço institucional. Estas características devem ser conhecidas, pois nos ajudam a compreender o grau de dinâmica presente nos grupos. Devemos esclarecer que Bleger não apresenta uma divisão estática do modo de se estruturar e funcionar dos grupos. A categorização destes grupos tem efeito didático, pois estas características estão em maior ou menor quantidade em toda organização e grupo.

a) Grupo primário. O grupo que se organiza de acordo com este modelo sofre grande influência do grupo familiar. Seus participantes convivem continuamente em situações conflituosas e fortemente emocionais. A Instituição torna-se a continuação de suas famílias. Os papéis desempenhados no grupo bem como o “status” na Instituição são confusos, ambíguos, apresentando um déficit na diferenciação. Conseqüentemente a identidade é pouco definida, favorecendo uma intensa necessidade de pertença e dependência. A comunicação é pré-verbal. Este tipo de grupo é considerado de tarefa débil, pois a energia que deveria ser canalizada para atingir seus objetivos é pulverizada nos conflitos criados e não resolvidos dentro do grupo. A estratégia neste grupo deverá ser a de transformá-lo em grupo secundário.

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b) Grupo formalizado ou estereotipado. Neste tipo de grupo, tal qual nos grupos primários, existem ambigüidades que, no entanto, são fortemente reprimidas. Como reação defensiva, reativante, o grupo estereotipado torna-se extremamente formal. Para isso ele recorre à burocratização, à rigidez, ou seja, formas estereotipadas de conduta frente à tarefa. A falta de comunicação neste grupo compromete uma interação dinâmica e afetiva. Neste caso a estratégia é transcender a rigidez e criar condições para aprendizagem e elaboração das dificuldades encobertas pela interação estereotipada.

c) Grupo secundário. Está classificado como o melhor em termos de dinâmica. Os papéis são definidos e respeitados. A comunicação é realizada predominantemente em nível verbal e por interação. Geralmente os conflitos são reconhecidos e enfrentados criativamente mediante recursos existentes no próprio grupo. Os objetivos propostos são compreendidos como parte do processo do grupo.

Para Bleger a relação do indivíduo com o grupo não é estática. É conflituosa e as causas são

tanto internas quanto presentes no meio, na sociedade. A crise entre homem e grupo gera desestruturas para que mudanças qualitativas sejam efetivadas. Este processo dinâmico se faz necessário para que haja alteração dos antigos padrões , implicando rupturas com os esquemas anteriores. Uma estrutura não-dinâmica, rígida, que evita confronto, torna-se anti-processo, estancando a aprendizagem, o desenvolvimento do ser humano, bem como da sociedade.

Sabemos que os motivos que levam o homem a evitar o dinamismo e o processo são devidos à sua dificuldade de suportar tensões, angústias e ansiedades. Isto demanda uma estrutura interna e externa “continente” à crise, que é vista como um momento do processo.

Normalmente a Instituição patologiza o conflito, evitando-o. Bleger (1984), partindo de uma concepção dinâmica da realidade, concebe “o conflito como um elemento normal e imprescindível no desenvolvimento em qualquer manifestação humana: a patologia do conflito se relaciona, mais do que com a existência do próprio conflito, com a ausência dos recursos necessários para resolvê-los” .

Bleger (1984) define o conflito como uma manifestação de forças controvertidas em interjogo. Em sua forma dilemática, no entanto, o conflito encobre tensões reais que se apresentam sob forma de opções irreconciliáveis, deixando de estar dinamicamente em interjogo, como uma força tentando eliminar a outra.

Os grupos formais ou estereotipados, em que os dilemas estão encobertos sob uma suposta estabilidade, representam, na opinião de Bleger (1984), um índice de mau prognóstico ou de uma tarefa muito árdua que o psicólogo terá que enfrentar. Nestas situações ficam encobertas muita confusão e ambigüidade. Bleger alerta: “O fator mais perturbador e mais difícil de manejar não é o conflito e sim a ambigüidade que age como um amortizador ou des-desenhador dos conflitos (...) [Estes] recaem sobre objetos muito personificados individualmente ou se os tende a referir como estritos conflitos individuais, da mesma forma quando se tende reiteradamente a resolver um conflito com a segregação ou eliminação de um ou vários indivíduos”.

Quando uma situação dilemática for reconhecida, se faz necessário equacioná-la como problema, tornando assim possível uma solução. Esta solução será naturalmente geradora de novos problemas, formando assim um processo dialético. Nas instituições geralmente os conflitos não se tornam problema, mas dilemas. Opções irreconciliáveis como forças desintegradas assumem diversas direções, no sentido de se anularem, estagnando o desenvolvimento.

O grau de dinâmica na Instituição deverá ser um fator orientador do trabalho do psicólogo institucional. É necessário conhecer a estrutura e o funcionamento dos grupos na Instituição para traçar o diagnóstico e as estratégias de ação. Isto possibilitará mais um espaço para que a Psicologia possa desenvolver seu potencial modificador no âmbito social.

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Psicanálise e Análise do Discurso – Matrizes institucionais do sujeito psíquico Marlene Guirado (1995) A dimensão política na atuação profissional em Psicologia Revisão da Psicologia Institucional Implicação da utilização de seus conceitos e de sua prática Se na Psicologia Institucional o psicólogo trabalha com as relações tal como

representadas, imaginadas por aqueles que as fazem, este é seu objeto e âmbito de ação, então a única maneira de se falar num sujeito psíquico é considera-lo enquanto sujeito institucional.

Tem-se então a articulação psicologia, instituição e política (produção de saber e exercício de poder)

Competência técnica é sempre abuso de poder/saber? Em que circunstâncias a competência técnica e conceitual é condição da democratização do discurso?

A proposta de Guirado como supervisora institucional de um serviço publico municipal de saúde é desenvolver a dimensão política da psicologia, ou seja, mover relações de poder, mover o imaginário de nossa profissão.

Caso clínico ou situação.