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FORMAÇÃO DE LEITORES: UMA PROPOSTA COM O GÊNERO CONTO DE FADAS PARA O SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Autora: Zilê Rosolem Maduenho1
Orientadora: Maria Aparecida de Fátima Miguel2
RESUMO:
Os contos de fadas constituem, pelo interesse despertado na faixa etária
infanto-juvenil, por suas possibilidades de trabalho com questões de valores
ideológicos e com a intertextualidade, em um gênero de alto potencial para a
formação de leitores, necessidade sempre premente na realidade educacional
brasileira. Se considerarmos ainda a riqueza de elementos psicanalíticos presentes
nessas narrativas, conforme se rastreia nas fontes atinentes, temos muitos motivos
pela opção por esse gênero, dadas as possibilidades colocadas para o
desenvolvimento global do aprendiz, especialmente na elaboração de seus dilemas
existenciais. Assim é que revisamos fontes pertinentes e examinamos as
potencialidades do gênero para fomentar o hábito de leitura, de forma especial, para
alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. O rastreamento das referidas fontes
aponta para um campo altamente promissor.
Palavras-Chave: Leitura; Contos de fadas; Psicanálise
ABSTRACT:
Fairy tales, by the interest they represent to young readers and by their
possibilities for working with ideological values as well as with intertextuality, is a
genre of high potential to promote reading, an always urgent need in Brazilian
educational reality. In addition, if we consider the richness of psychoanalytic
elements that are present in such stories, as showed by our researches on the field,
1 Pós-graduada em Didática Geral e em Educação Especial; formada em Letras Anglo-Portuguesas,
atuando no Colégio Estadual Aídes Nunes em Congonhinhas - PR.2 Mestre em Letras, atuando na UENP – Cornélio Procópio - PR
1
we have many reasons, besides promote reading, to choose the genre, namely the
possibilities to the learner’s global development, specially to the elaboration of his
existential dilemmas. Considering those facts, we revised pertinent literature sources,
in order to investigate the potentiality of the genre fairy tales to promote reading,
particularly to a group of students of the sixth year of our so-called Fundamental
Education. The researches in the referred sources indicate a highly promising field.
Key-words: Reading; Fairy Tales; Psychoanalysis
INTRODUÇÃO
Este artigo de revisão propõe-se a examinar o potencial do trabalho com o
gênero conto de fadas para a formação de alunos leitores, especialmente para o 6º
ano do Ensino Fundamental, até o ano anterior denominado de 5ª série.
Não obstante os muitos programas de distribuição de livros e de aumento de
acervo das bibliotecas escolares, pelos governos estadual e federal, sente-se que
um número de alunos muito aquém do desejável frequenta os ambientes de leitura
da escola. O índice de retirada de livros por empréstimo é ainda sofrível e demonstra
a clara necessidade de projetos de leitura voltados à criação do gosto pela leitura,
para o aumento da quantidade e qualidade dos leitores.
Quanto ao mencionado aspecto qualitativo, espanta o número dos
analfabetos funcionais em nosso país, assim chamados por não serem capazes de
ler uma página com um mínimo de compreensão. Ou seja, podem ser capazes de
ler mecanicamente, como “agulha na vitrola”, mas não demonstram um nível mais
profundo de entendimento do que estão lendo. Desse modo, torna-se evidente para
nós, professores de português, que a tarefa continua ampla, até que consigamos
criar a necessidade de leitura em nossos alunos, como um hábito vital e fator
determinante para o sucesso de toda a sua vida escolar subsequente.
A opção pelo gênero conto de fadas deve-se à presença ainda fortemente
atuante do imaginário nas crianças do 6º ano do Ensino Fundamental. Vale lembrar
que, recém egressas do primeiro momento do ensino fundamental, tendem a
apreciar as histórias, muito presentes em sua fase educacional anterior. Assim, do
ponto de vista pedagógico, vemos um alto potencial do gênero para a criação do
gosto pela leitura. Por outro lado, como exporemos sequencialmente nos
2
fundamentos teóricos do estudo, os contos de fadas possuem elementos
psicológicos importantes para a formação da criança e para seu crescimento
pessoal, cujos resultados, evidentemente, por sua própria natureza, não são
facilmente demonstráveis.
Operamos com o conceito de gênero na acepção de Bakthin (1992),
delineado como tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada
esfera de troca, os quais possuem uma forma de composição, ou um plano
composicional. Em geral, também, um gênero específico trata de determinados
conteúdos e tem estilo característico. Os gêneros são escolhidos a partir das esferas
de necessidade temática, do conjunto de participantes e da intenção do autor.
Seria desejável, segundo entendemos, que não isolássemos o gênero conto
de fadas de seu suporte mais tradicional, o livro. Isto porque se corre o risco de
torná-lo apenas mais um gênero “escolarizado”, situação desinteressante para o
objetivo maior de formação do leitor, também para a vida extraescolar. É evidente,
porém, que a intermediação do professor tende a alterar forçosamente a natureza do
gênero, mas essa intermediação é parte imprescindível de nosso papel.
Encara-se aqui, como não poderia deixar de ser, a leitura como uma
atividade lúdica e prazerosa, visto que um programa de leitura baseado na
obrigatoriedade, como temos presenciado em nossa própria história de leitores e
programas ao longo de nossa vida profissional, tendem ao efeito contrário, qual seja,
o de criar ojeriza pelos livros e pela leitura. Infelizmente, como se detecta, tal
desprazer pode se estender ao todo da vida escolar.
Desse modo, reafirmamos, busca-se o efeito reverso, ou seja, pela
contribuição à formação de leitores proficientes, pretende-se que esses leitores,
interessados no mundo da leitura, possam estender seu interesse para sua
formação em geral, visto que, como é evidente, a maior capacidade de leitura e
interpretação tem efeitos positivos no aprendizado das outras disciplinas também.
Delineiam-se, dessa forma, os objetivos para o presente trabalho: discutir o
potencial do gênero conto de fadas para a formação de leitores proficientes, esta
uma necessidade reconhecida unanimemente pelos educadores brasileiros.
Conforme Zilberman (1986, p. 9-19), quando a leitura é estimulada e
exercitada pelos professores, o raciocínio e a expressão do estudante são
fortalecidos. Desse modo, a leitura serve de ponte, ou seja, porta de entrada para
que a criança adquira a cultura e o conhecimento, tornando-se livre e emancipada.
3
Esse é o primeiro passo para a assimilação dos valores da sociedade. Já que a
leitura é tão importante, resta saber o que ler? A autora mesma responde que uma
excelente leitura é aquela em que o leitor, com a sua imaginação, possa intervir nas
lacunas deixadas pelo escritor, dando sentido a elas e enriquecendo a sua vida de
forma satisfatória.
Conforme vemos a questão, a formação de leitores passa necessariamente
pela criação do gosto pela leitura, quando o professor, mediador indispensável,
busca promover um contato amigável com os textos, estimulando a curiosidade, a
observação, o debate criativo, tomando a leitura como prioridade e como um
processo de construção da identidade.
FUNDAMENTOS TÉORICOS
Conto de fadas
Entre os autores de contos de fadas mais conhecidos estão os Irmãos
Grimm, Charles Perrault, autor de Chapeuzinho Vermelho, Bela Adormecida,
Pequeno Polegar, Gato de Botas; Andersen, autor do Patinho Feio; Charles Dickens,
como seu Conto de Natal e a obra Oliver Twist. No Brasil, destaca-se Monteiro
Lobato, tanto pela valorização das histórias nacionais, como pelas adaptações.
Os contos de fadas constituem uma variação do conto popular ou fábula.
Neles predomina um assunto principal, com claro objetivo de transmitir
conhecimentos e valores de geração para geração. Em seu percurso, o herói dessas
narrativas tem de enfrentar enorme obstáculo para vencer o mal.
Cashdan (2000, p.48) menciona, ao tratar da estrutura de um conto de
fadas, a chamada jornada do herói, a qual se dá em quatro etapas: 1) Travessia:
nesta, o herói parte para uma terra distante, vivendo acontecimentos mágicos e
vendo criaturas estranhas; 2) Encontro: depara-se com uma presença malévola,
representada por uma madrasta, um dragão, um ogro, um mago ou um feiticeiro; 3)
Conquista: nesta etapa, o herói enfrenta uma luta com a força do mal e a vence; 4)
Celebração: acontece uma reunião festiva em família ou um casamento, em que
vitória é enaltecida por todos, que vivem “felizes para sempre”.
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Aguiar (1993, p.14) declara que, ao ler uma história, o leitor esquece a
realidade do momento e passa a viver na imaginação tudo o que acontece aos
personagens, aceitando o mundo da ficção como um mundo possível para si. E é
essa liberdade que a literatura dá ao leitor, sem obrigá-lo a se prender às amarras
do cotidiano, o que lhe dá prazer e o enriquece de forma participativa. Tal
posicionamento força-o a reavaliar a sua visão da realidade.
Acresce a autora que o texto literário, por suas características de jogar
prazerosamente com o imaginário é o melhor caminho para aproximar o jovem do
conhecimento letrado, pois quando o jogador entra num jogo, passa a obedecer
livremente às regras impostas. Assim também funciona no “jogo literário”: o leitor
mergulha no mundo da imaginação, de maneira organizada e com o compromisso
de seguir as pistas deixadas pelo autor. E, assim como no jogo, a leitura simula
conflitos do mundo e tenta restaurar o equilíbrio da existência (AGUIAR, op. cit.,
p.27).
Defendemos neste trabalho, juntamente com Bettelheim (2007, p.17), que o
conto de fadas é o gênero textual mais indicado para a faixa etária que fica entre a
infância e a adolescência, ou seja, a pré-adolescência, porque, trabalhando no nível
da imaginação e fantasia, trata de problemas humanos como a solidão, o medo, a
alegria, a rejeição. Com isso, esse tipo de leitura ajuda a criança a enfrentar suas
dúvidas e angústias de uma maneira simbólica.
Nos contos de fada, são tratados valores universais e atemporais, ou seja,
os mesmos temas que um dia encantaram nossas mães e avós e a nós mesmos,
hoje encantam nossos filhos e mais para o futuro, encantarão nossos netos. Sendo
assim, adaptam-se à contemporaneidade de uma maneira surpreendente.
No entanto, os contos de fadas podem oferecer muito mais que o universo
ficcional que demonstram e a importância cultural que carregam como transmissores
de valores sociais: Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significados em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança. (BETTELHEIM, op. cit.,p-20).
Conforme o mesmo autor (op.cit., p.59), os contos de fadas, a seu modo
peculiar, respondem a questões eternas: o que é realmente o mundo? Como posso
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viver minha vida nele? Como ser eu mesmo? Acresce, no entanto, que não dá
respostas diretas: sua qualidade reside na sugestibilidade, de modo que as histórias
deixam para a fantasia das crianças o modo de aplicar à sua vida o que é revelado
sobre o mundo e a natureza humana. Desse modo, a mensagens dos contos podem
trazer soluções, as quais, entretanto, não são explicitadas, ficando ao leitor ou
ouvinte o trabalho de fazer suas próprias deduções.
Ainda na esteira do pensamento do autor, a leitura dos contos de fadas
contemplam a necessidade que têm as crianças de concretizar as ideias, ou seja,
elas ainda necessitam da figurativização de conceitos complexos para que possam
entendê-los. Desse modo, segundo se pode entender, as histórias estritamente
realistas fogem ao estilo cognitivo predominante nas crianças. A riqueza de
elementos dos contos de fada, de conteúdos não tão óbvios, tem mais a oferecer,
pois vai ao encontro das experiências internas das crianças. Por outro lado, não se
propõe banir completamente as histórias realistas, pois estas também têm seu lugar
no trabalho pedagógico (op.cit. p.69-70)
Ao falarmos no trabalho pedagógico, vale lembrar a assertiva do autor em
relação à abordagem do professor ao trabalhar com os contos de fada: para que a
experiência seja positiva, o educador não pode explicar ou explicitar demais, ou
seja, deve “deixar acontecer” e não interferir muito, uma vez que o trabalho maior vai
se dar no nível inconsciente das crianças. A delimitação de significados por parte do
professor pode ser danosa, no sentido de que a “mensagem” por ele proposta pode
restringir o universo de significados inconscientes que a criança poderia perceber
(op. cit., p.73).
Por essa razão, o autor propõe que, após a leitura ou audição dos contos de
fada, se abra um espaço para que, envoltas na atmosfera criada pelo conto, as
crianças comentem, entremostrando o que a história tem a lhes oferecer tanto
intelectual como emocionalmente (op.cit., p.75).
Para a realização de um trabalho profícuo com os contos de fada, é
necessária uma preparação do educador, não só lendo os contos de fadas, mas
também os textos relacionados a seus temas e explicações. Então, quanto mais
conhecemos sobre os contos e a formação da mente e da personalidade, mais aptos
estaremos para um labor produtivo na formação humana de nossos educandos.
Assim, ler e discutir as teorias, ouvir e observar as crianças são ações que vão nos
6
permitir entrever como se elaboram os conteúdos inconscientes, processo
fundamental para o crescimento emocional.
O entendimento proporcionado pelos contos de fadas, em relação ao que se
passa no consciente da criança, vai permitir que ela elabore conteúdos de seu
inconsciente. Evidentemente, não será uma compreensão racional do que se passa
nesse nível da mente, mas a criança vai se familiarizando com ele graças à
fabricação de devaneios, ruminando, reorganizando e fantasiando sobre os
elementos apropriados, de maneira a responder às pressões inconscientes:
Assim fazendo, a criança adapta o seu conteúdo inconsciente às fantasias conscientes e isso a capacita a lidar com esse conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela seria incapaz de descobrir por si só de modo tão verdadeiro. Mais importante ainda: sua forma e estrutura sugerem à criança imagens com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com elas dar melhor direção à sua vida. (BETTELHEIM, op. cit., p.13-14)
No entanto, os desfechos normalmente felizes, com a vitória do bem, não
vão fazer a criança acreditar em uma vida eternamente estável em um reino mágico.
Ela perceberá que, na vida, as conquistas são possíveis e que poderá ter uma
existência emocionalmente segura e independente dos pais.
Corroborando as idéias expostas por Bettelheim, Franz (1981, p.15) escreve
que os “contos de fadas são a expressão mais pura e mais simples dos processos
psíquicos do inconsciente coletivo.” Ao entrar em contato com as histórias, a criança
é lançada em um mundo imaginário, um lugar impreciso e um tempo remoto, que
podem muito bem representar, segundo entendemos, o palco de sua mente
inconsciente em formação. A atmosfera de magia, o pacto ficcional que se
estabelece, a posterior introdução do protagonista, proporcionam o rico repertório
necessário tanto para o desenvolvimento da imaginação, da habilidade de leitura e
da oralidade, como para a elaboração dos conflitos inconscientes, na esteira de todo
o processo.
Muitas vezes, a identificação ocorre não com o personagem principal, mas
com os secundários, o “feio”, o “triste”, de maneira que a criança percebe que não é
só ela que tem problemas, podendo, desse modo, extravasar o sofrimento ou
insegurança pelos quais possa estar passando. Vai-se mais além: a identificação
pode ocorrer muito comumente com os personagens maus, de modo que se podem
7
elaborar problemas de ódio ou relacionados ao desejo de que alguém morra, por
exemplo.
Se a literatura é fundamental para a aquisição de conhecimentos, recreação,
informação e interação, necessárias ao ato de ler; os contos de fada contribuem
para a motivação, potencialmente capaz de desafiar e transformar o indivíduo em
uma pessoa ativa e responsável. Com isso, o leitor poderá compreender o contexto
em que vive e modificá-lo de acordo com a elaborações que empreende, conforme
suas necessidades.
No entanto, para que percorra essa jornada, a criança precisa gostar de ler,
mergulhar no universo dos livros por prazer e não por imposição. E esse criar o
hábito de leitura há que ser um trabalho constante, tanto dos pais quanto dos
educadores. Preferencialmente, deveria começar cedo, em casa, sendo
aperfeiçoado na escola e pela vida.
Literatura Infantil e escola
Conforme Zilberman (1985, p.13), os livros para crianças começaram a
surgir no final do século XVII e início do século XVIII. Lembra a autora que à época
não existia o conceito de criança, tal como o conhecemos na contemporaneidade,
de modo que a criança era tratada como pequeno adulto. Com o advento da
burguesia, transformou-se a visão de criança, aproximando-a do conceito que temos
hoje: um ser frágil e dependente, que precisa ser valorizado e protegido. Houve
também a necessidade de se pensar instituições voltadas a mediar a relação da
criança com o mundo, quando surgiu a escola.
Assim, no século XVIII, a literatura infantil era ligada à família e à escola,
instituição que passou a ser valorizada, com a alfabetização mais abrangente e o
desenvolvimento da tipografia. À organização patriarcal e a modalidade de família
nuclear interessava que a literatura destinada aos jovens leitores endossasse seus
valores. Vale ressaltar o vínculo da escola com a literatura infantil, laço já
estabelecido nos primórdios do gênero, de modo que o dilema arte literária versus
produção pedagógico-comercial acompanha todo o percurso de sua evolução.
A literatura infantil brasileira teve início com adaptações de clássicos e de
contos de fadas, na esteira do que ocorria na Europa. Os clássicos eram adaptados
nos mesmos moldes dos livros para adultos, enquanto que os contos de fadas
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tinham o elemento maravilhoso, usado para transmitir os valores burgueses de ética,
religião, nos aspectos de obediência, dedicação à família, bondade, idealização da
pobreza, moldando crianças e jovens a padrões que interessavam à manutenção
desses valores. Em 1808, com o advento da Imprensa Régia, imprimia-se livros
portugueses, cujo registro de linguagem já era muito diferente do português
brasileiro. Soma-se a isso o fato de que tal produção era precária e irregular
(LAJOLO; ZILBERMAN, 1986, p.19)
No caminho de sua consolidação, por volta da Proclamação da República,
as adaptações dos livros infantis começam a fugir dos padrões europeus, mas em
vista dos laços fortes entre a literatura e a escola, apresentavam uma ideologia
conservadora, tendendo para uma literatura de modelagem de comportamentos.
Com a modernização e Modernismo (1920-1945), com o fortalecimento da
classe média, a ampliação de seu poder de compra, a escolarização, a formação de
maior público leitor e a revolução modernista, que deu uma nova posição para a
literatura e arte, a literatura infantil teve um desenvolvimento maior. Porém, ainda
não tinha uma legitimação artística, uma vez que sua vinculação a programas
educativos e o atendimento à atitude nacionalista em voga limitavam, em certa
medida, a fantasia e a criatividade.
Coube a Monteiro Lobato, nota dissonante, romper com esse padrão,
quando passa a valorizar ambientes locais e rurais. Passa a se constituir nossa
referência máxima na área, tanto pelo estilo inovador como pelo papel de
empresário, que editava e distribuía seus livros e de outros autores.
Em 1921, Narizinho Arrebitado introduz uma nova estrutura na literatura
infantil no país, ao romper com o viés pedagógico-conservador então imperante. Seu
Sítio do Picapau Amarelo constitui o ambiente fixo de suas histórias infantis, em que
os personagens crianças convivem com pouco adultos e criaturas fantásticas. Em
que pesem as inúmeras críticas em relação a certos valores datados e tendências
percebidas em obras infantis do autor, é inegável a originalidade e pioneirismo de
sua obra. Em sua vasta produção infanto-juvenil comparecem o folclore nacional,
com o Saci-Pererê; a mitologia clássica, com seus deuses e heróis e a literatura
européia, com Peter Pan e Dom Quixote, e as adaptações e traduções dos contos
de fadas, promovendo uma síntese da literatura infantil existente, enriquecida com
elementos da cultura nacional ( ZILBERMAN, 1985, op. cit., p. 54-55).
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Entretanto, com a internacionalização e a cultura de massa, entre os anos
1940-1960), imperam os filões conhecidos, ou seja, não houve renovação, apesar
da profusão de autores, de editora e da expansão do mercado. As obras eram
repetitivas, vinculando-se à ideologia progressista.
As lacunas da literatura infantil à época representavam uma negação, ou
seja, ela não abdica da tradição de missão patriótica de que havia sido investida,
não abria espaço para a expressão popular e não era capaz de romper as cadeias
de dominação. Soma-se a esses aspectos negativos o fato de reproduzir os
processos de cultura de massa, que tinham certos padrões de qualidade como
exigência de mercado (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1987, p.137)
Na década de 60, entretanto, tem-se um esboço de autonomia, quando o
gênero mostra uma consolidação. No período, há um investimento por parte do
Estado, de modo que o pedagógico e a necessidade da aprovação escolar
direcionam a produção, a qual se torna mais esteticamente literária, embora
investida do caráter civilizador e educativo. Não se nega, assim, o espessamento da
qualidade literária em forma e em conteúdo. A valorização da linguagem oral e a
urbanização dos temas passam a ter uma função tanto social como individual,
fugindo, nesses aspectos, do modelar. (ZILBERMAN; LAJOLO, 1986, op.cit.,p.132)
O discurso utilitário, assim, predomina até os anos 70, pelo que a literatura
infantil assume uma feição classista, um discurso maniqueísta, que tem a eficácia
como princípio norteador. Isto, como se rastreia pela história do gênero, não é um
problema local: nas épocas medieval e clássica já dominavam os critérios morais e o
caráter instrumental.
A nota dissonante, como colocamos, deu-se quase que exclusivamente no
período em que Monteiro Lobato produziu sua literatura. Nele, as inovações no
discurso estético e pela presença da polifonia, representada pelas várias
consciências que falam em sua obra, tendem a desmistificar a noção de verdade
absoluta, uma vez que o narrador não é mais uma autoridade. Assim, desperta-se o
espírito crítico do leitor, que passa a ver o mundo de forma questionadora.
(PERROTI, 1986, p.63.).
Pode-se falar em certa maturidade no gênero literatura infantil, a partir da
metade da década de 70, quando ganha espaço de reflexão na universidade. Entre
os temas que refletem essa maturidade está a preocupação com o
comprometimento ideológico dos livros, a questão do entrelaçamento do texto com o
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receptor, a importância do lúdico e a representação da criança no texto. Em relação
a este último, as representações da criança são dadas pelas escolhas estilísticas,
pelo foco narrativo, pelas personagens e pela linguagem.
Entretanto, sobrepujando tais discussões, nos últimos anos tem se
destacado especialmente a crise de leitura, por nós referida. Mais importante que a
qualidade da literatura, tem avultado a questão da formação de leitores. De que
adianta uma literatura de qualidade se não há público leitor? A esse respeito tem-se
constatado um consumo muito baixo de material impresso, muitas vezes atribuído a
concorrências externas dos meios audiovisuais, mais atraentes e acessíveis.
Papel importante no baixo índice de leitores tem a escola, cujo desempenho
apresenta contradições, quando em seu interior a leitura tem um caráter
predominantemente obrigatório, deixando-se relegados o prazer e a fruição, os quais
deveriam constituir a abordagem natural da arte literária.
Sendo assim, as discussões têm se focado no leitor-receptor, buscando
meios de despertar o interesse pela leitura, pela valorização do lúdico e do prazer.
Persegue-se a emancipação do leitor por meio da quebra de seu horizonte de
expectativas, pela distração e o prazer, relegando-se o caráter impositivo da leitura.
Enfatiza-se, nessa dinâmica, a formação do professor de literatura, base para a
formação de leitores. (BORDINI; AGUIAR, 1993, p.11-13)
O MÉTODO RECEPCIONAL
Quanto à metodologia para desenvolver as habilidades de leitura, foi
escolhido o Método Recepcional, de Aguiar e Bordini (1993), as quais se basearam
na teoria de Hans Robert Jauss, conforme exposto em sua Estética da Recepção.
Sob este ponto de vista, a leitura é considerada uma interação entre narrador-texto-
leitor, a partir de um horizonte de expectativas. Propõe-se, de modo gradativo,
motivacional e receptivo, levar os alunos a apreciar diferentes leituras, visando a
torná-los futuros leitores críticos.
Retomando as idéias do teórico alemão, as autoras afirmam que a obra
literária não é um objeto que exista por si só, pois depende da relação com o leitor.
Assim, a participação ativa e criativa do leitor deve preencher as lacunas propostas
pela obra, de acordo com o conhecimento e a bagagem de cada um, em
11
consonância com a conhecida assertiva de Paulo Freire da precedência da leitura do
mundo sobre a leitura da palavra.
Desse modo, a obra pode confirmar ou perturbar as expectativas dos
leitores. O processo de recepção começa antes do contato com a obra, pois o leitor
possui um horizonte que são suas vivências pessoais, culturais, normas religiosas,
ideologias, etc. Munido dessas referências, o texto pode atender, romper ou ampliar
as expectativas do leitor. Como expõem Bordini e Aguiar (op. cit, p. 28) “A
experiência literária do leitor deve penetrar no horizonte de expectativas de sua vida
prática, interferir no seu conhecimento de mundo, afetando, em conseqüência, seu
comportamento social”
Como referimos, a fundamentação teórica do Método Recepcional se
baseia na teoria da Estética da Recepção, cujos estudos giram em torno da reflexão
sobre as relações entre narrador-texto-leitor. O método tem como finalidade uma
leitura crítica e questionamento diante dos novos textos, em que horizontes do leitor
são transformados, na medida em que seus conhecimentos são ampliados e ele se
entende melhor como sujeito histórico.
Em tal perspectiva, o leitor é visto como coautor, uma vez que será
estimulado a dar sentido ao que lê, por meio da sua imaginação e da experiência
pessoal e vivência com outros textos. A partir dos interesses imediatos dos alunos,
apresentam-se textos de maior profundidade, ampliando seu universo cultural, de
forma dinâmica, entre o familiar e o novo, o próximo e o distante no tempo e no
espaço, rompendo assim com sua acomodação e exigindo uma postura reflexiva e
crítica em relação à sua existência.
Na perspectiva em foco, a literatura é comparada a um jogo em que o
jogador entra e passa livremente a obedecer às regras impostas. Assim também
funciona no “jogo literário”, o leitor mergulha no mundo da imaginação, de maneira
organizada e com compromisso de seguir as pistas deixadas pelo autor. E, assim
como o jogo, a leitura simula conflitos do mundo e tenta restaurar o equilíbrio da
existência. Porém, para transformar a experiência em hábito, é necessário “fazer
sempre e de novo”. Assim o hábito vai entrando na vida como jogo que mobiliza
emoções e gera prazer, exigindo repetição e renovação, como um “vício bom”, de
forma que essa experiência sempre recomeçada em cada texto percorrido permite a
multiplicação do prazer.
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Conforme as autoras (op.cit., p.26 seq) , as etapas do Método Recepcional
são:
a- Determinação do horizonte de expectativa;
b- Atendimento do horizonte de expectativa;
c- Ruptura do horizonte de expectativa;
d- Questionamento do horizonte de expectativa;
e- Ampliação do horizonte de expectativa.
O método evolui em forma de espiral, sempre permitindo aos alunos uma
postura gradativamente mais consciente com relação à literatura e à vida. Para
tanto, exige-se um professor atento e preparado para selecionar textos referentes à
realidade do aluno, textos que também sejam capazes de romper expectativas.
Dessa forma, o aprimoramento da leitura numa percepção estética e ideológica mais
aguçada torna o aluno cultural e socialmente mais enriquecido.
Parece-nos, portanto, que o método recepcional seja adequado à proposta
de trabalho com os contos de fadas que aqui se expõe. Isto porque se dedica à
exploração de textos que são o campo com o qual os horizontes do leitor podem
identificar-se ou não, num processo de diálogo e imaginação, interferindo de
maneira criativa nos vazios deixados pelo autor. À medida que esses horizontes são
modificados, a obra é valorizada, pois tira o leitor de sua zona de conforto e faz com
que se sinta satisfeito por investir suas energias psíquicas no novo conhecimento
adquirido. O método sempre valoriza o leitor, considerando suas leituras e
experiências de vida.
VISÃO DE LEITURA ADOTADA
O método recepcional apresenta-se em consonância com as Diretrizes
Curriculares Estaduais para Língua Portuguesa, em que se
compreende a leitura como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem (PARANÁ, 2008, p.57)
Segundo tal perspectiva, compreende-se a participação ativa do leitor, que,
interagindo com a potencialidade significativa do texto, o atualiza, em sua leitura:
13
Esse processo implica uma resposta do leitor ao que lê, é dialógico, acontece num tempo e num espaço. No ato de leitura, um texto leva a outro e orienta para uma política de singularização do leitor que, convocado pelo texto, participa da elaboração dos significados, confrontando-o com o próprio saber, com a sua experiência de vida (PARANÁ, loc. cit).
Conforme essas Diretrizes, em um nível mais proficiente de leitura, pretende-
se o reconhecimento das vozes sociais e das ideologias presentes em certos
discursos, conforme as teorizações bakthinianas, o que ajuda na construção do
sentido do texto e no entendimento das relações de poder que carrega.
Desse modo, ao pensarmos no trabalho pedagógico, mantemos em vista
que a leitura vai se dar como um ato dialógico, interlocutivo, em que o leitor tem um
papel ativo. Lembramo-nos, no entanto, que, em virtude do gênero que elegemos,
não é necessário, nem mesmo desejável, conforme referimos, que haja muita
explicitação, se pensarmos na “finalidade psicanalítica” como um resultado
subjacente almejado, além da criação do gosto e hábito de leitura, cada um dos
quais difíceis de mensurar em espaço de tempo exíguo.
As Diretrizes para a nossa disciplina propõem o trabalho com diferentes
tipos de texto, das mais diversas esferas, quanto trabalhamos com a terminologia
dos gêneros. Inclui-se entre os quais a linguagem não-verbal, seja representada por
fotos, cartazes, propagandas, ilustrações diversas ou por imagens digitais ou
virtuais.
Espera-se, por parte dos alunos, uma atitude responsiva, no sentido de
perceber os sujeitos dos textos, desenvolvendo-se a habilidade de enxergar os
implícitos, as reais intenções permeando os discursos, na contramão da pressão
uniformizadora que se exerce, a qual impede o posicionamento individual frente aos
discursos.
Nunca é demais frisar, porém, que, embora o gênero que particularmente
vamos trabalhar seja rico em significados, não se pode entender qualquer coisa, se
a interpretação colocada não encontra respaldo nos elementos oferecidos pelo texto.
De modo que não se pode tomar indícios isolados como sugestões interpretativas,
se elas não podem ser “provadas” com o todo dos elementos coerentemente claros
na obra.
Chama-se a atenção para a maneira de ler os gêneros, pelo que se entende
que, por exemplo, não se poderá ler um artigo de opinião como se lê um poema.
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Neste, serão observados elementos como a finalidade estética própria da literatura,
o conteúdo temático, os sentimentos, as figuras de linguagem e o mais que
caracteriza o gênero. No artigo de opinião, por seu turno, avultam o contexto
temático, os argumentos, o diálogo com outras opiniões, os operadores
argumentativos, os modalizadores e a posição do autor naquele universo discursivo
(PARANÁ, op. cit., p.72).
IDEOLOGIA
Conforme mencionamos, ao menos o professor deverá ter ciência de que
mesmo os contos de fada, que não têm nada de inocentes, também serviram em
seus primórdios, e ainda servem, para inculcar determinados valores. Os costumes,
as questões envolvendo o bem e o mal e muitas outras, materializadas por meio das
situações conflitantes presentes nas histórias estão longe de uma neutralidade.
Desse modo, o estudo do texto, os mecanismos internos e os fatores
contextuais de construção de seus sentidos devem ser conhecidos pelo professor,
estudos para os quais se revela a importância dos estudos da Semiótica e da
Análise do Discurso. Apesar da universalidade dos conflitos expressos nos contos,
contrapõe-se que a textualidade é histórica, de tal modo que Orlandi (2005, p.74)
assinala que não há compreensão sem historicidade. Entretanto, não caberá, no
escopo deste artigo, delinearmos as contribuições das disciplinas mencionadas para
o trabalhos com os contos de fada. O conceito de ideologia, no entanto, deverá estar
presente, com o fito de não se tomar os contos de fada como elementos
pasteurizados de conotação histórica, pois
A ‘ideologia’ é um conjunto de representações dominantes em uma determinada classe dentro da sociedade. Como existem várias classes, várias ideologias estão permanentemente em confronto na sociedade. A ideologia é, pois, a visão de mundo de determinada classe, a maneira como ela representa a ordem social.” (GREGOLIN, 1995, p.17).
Tal visão nos proporcionará uma análise do texto do ponto de vista interno
(O que o texto diz? Como ele diz?), como de uma perspectiva externa (Por que este
texto diz o que ele diz?), de modo que
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“... o estudo do texto com vistas à construção de seu ou de seus sentidos só pode ser entrevisto como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores contextuais, ou sócio-históricos de fabricação do sentido.” (BARROS, 1994, p.7).
INTERTEXTUALIDADE
Não só no trabalho com o gênero conto de fadas, mas para todo tipo de
texto, importa o conceito de intertextualidade, dado que, além do diálogo
estabelecido com o leitor, também são estabelecidos diálogos com outros textos.
Nos contos de fada, temos recorrência de temas, tipos de personagens e outros. É
relevante dizer que quando se fala em intertextualidade, pode-se também pensar em
seu conceito mais amplo, aquele em que a percepção de alguma recorrência
depende de um conhecimento de mundo mais amplo. Desse modo,
o texto só ganha vida em contato com outro texto (com contexto).Somente neste ponto do contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo. Enfatizamos que esse contato é um contato dialógico entre textos... por trás desse contato está um contato de personalidades e não de coisas (BAKTHIN, 1986, p.62).
Vale ressaltar que, estando os contos de fadas tão imbricados em nossa
cultura, eles são constantemente reelaborados, citados, parodiados, ensejando
momentos em que se poderá trabalhar o diálogo entre textos, razão de não
podermos desconsiderar os estudos desse aspecto em nosso projeto. Assim, seja
tomando o conceito de intertextualidade em seu sentido amplo, aquele ancorado em
um conhecimento mais global do mundo, ou no sentido restrito, aquele com
referências específicas a outros textos, poder-se-á conduzir o educando à
percepção de que um texto não nasce “do nada”. Assim,
todo texto é, portanto, um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior. Dele fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que ele retoma, a que alude ou aos quais se opõe. (KOCH, 2007, p.16)
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EXPERIÊNCIAS DA IMPLEMENTAÇÃO
Embora seja este um artigo de revisão, referimos aqui, brevemente, a
proposta implementada no Colégio Estadual Prof. Aídes Nunes da Silva, localizado à
Rua Dr. Xavier da Silva, nº 180, no Município de Congonhinhas, jurisdicionado ao
Núcleo Regional de Educação de Cornélio Procópio.
Imbuídos do propósito mais geral e sempre premente da criação do gosto e
hábito de leitura, a proposta foi implementada na 5ª série E, em funcionamento no
período vespertino, atualmente denominada 6º ano. Evidentemente, nos limites de
tempo do projeto, torna-se impossível mensurar se houve a ampliação do gosto e do
hábito de leitura, ainda menos se houve a resolução de conflitos internos, na
perspectiva psicanalítica, dada a sua intangibilidade, conforme a mencionada
proposta de Bettelheim para o trabalho com os contos de fada.
O trabalho em sala de aula, deu-se de modo gradativo, motivacional, durante
o qual buscávamos a participação ativa e criativa dos alunos leitores. Desse modo,
procuramos valorizar a bagagem de cada um, avançando para um horizonte de
expectativas em relação a sua vida prática, preferencialmente se a questões partiam
deles. Para tanto, desenvolvemos as atividades didáticas construídas para a
implementação da proposta na escola. Assim, procuramos a interferência no
conhecimento de mundo trazido pelos educandos, ressignificando esse
conhecimento de mundo a partir dos novos dados trazidos pela leitura dos textos.
Nessa direção, podia haver o atendimento ao horizonte de expectativas, a ruptura, o
questionamento e, finalmente, sua ampliação, a depender dos significados
construídos coletiva e individualmente pelos alunos leitores.
Após a aplicação do material desenvolvido para a implementação, no entanto,
conseguimos o engajamento da turma nas atividades propostas e, pelo
comprometimento com a realização das atividades por parte dos alunos, temos
certeza de que demos alguns passos à frente para a formação de leitores. Embora
enxerguemos o imenso potencial dos contos de fadas para a resolução dos conflitos
internos no processo de crescimento da criança, tal resultado torna-se imponderável,
permanecendo como eventual produto subjacente ao trabalho empreendido.
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CONCLUSÃO
Se assumirmos que a crescente capacitação de leitores ao longo da jornada
escolar é requisito para a apropriação dos conhecimentos, torna-se ainda mais
relevante o empreendimento de projetos de formação de leitores, como o que ora
discutimos. Desse modo, diante da crise de leitura, cuja discussão tem dominado os
estudos na área de leitura, coloca-se a questão da criação do gosto e hábito de
leitura como uma tarefa contínua dos professores/pesquisadores.
Não espanta que a discussão desse problema tenha sobrepujado mesmo a
questão da qualidade das obras destinadas ao público chamado infanto-juvenil.
Lembra-se que a qualidade está evidentemente ligada à questão do gosto, pois se,
como revisamos, a literatura mantém um compromisso doutrinário de transmissão
de valores, pode se tornar insípida para o leitor que dela se aproxima. Felizmente, a
literatura infanto-juvenil, em algumas das direções que tem tomado, perdeu esse
caráter pedagógico e tem atuado no nível do estímulo à imaginação e criatividade.
Muito embora tal acepção de transmitir conhecimentos e valores esteja
intrinsecamente presente na história dos contos de fadas, essas narrativas
continuam sendo atraentes aos leitores contemporâneos, dadas as temáticas
universais neles presentes. Disso decorre o potencial do gênero para um trabalho
produtivo em sala de aula, com base nos fundamentos que aqui temos delineado.
Assim, reafirmamos, o direcionamento da proposta pelo Método Recepcional
parece ser uma boa alternativa para o trabalho com os contos de fadas em sala de
aula. Ao considerarmos que esse tipo de leitura atende ao horizonte de expectativas
da faixa etária em foco, pode-se ir além desse horizonte, romper com ele e ampliá-
lo, se incluirmos, como fizemos, no nível de discussão adequado, as questões
ideológicas e os diálogos intertextuais. Para estes últimos, poderíamos introduzir as
versões e mesmo as subversões, escritas ou filmadas dos contos de fadas, como
diálogos possíveis com as histórias originais.
Vale reiterar, ao pensarmos no processo psicanalítico, por assim dizer, que o
professor, enquanto mediador das leituras deve evitar a demasiada explicitação,
confiando que o processo subjacente de elaboração dos conteúdos inconscientes
estará acontecendo, conforme as necessidades dos alunos. Assim, diferentes
contos podem ter diferentes influências para diferentes alunos. É um processo do
qual, em vista de sua própria natureza, o professor/pesquisador não terá controle, e
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cujos resultados dependerão de pesquisas de outra natureza, as quais poderiam
integrar os conhecimentos da literatura com os da psicanálise. O melhor que se
pode fazer é provocar e dar voz ao aluno, de maneira que o professor poderá
perceber as questões existenciais que assumem relevância para o aprendiz. Foi o
que fizemos, durante a proposta de implementação na escola, em que trabalhamos
a construção dos sentidos do texto como um ato dialógico, interlocutivo, buscando
abordar conteúdos da vida prática dos alunos, conforme as questões que surgiam,
elicitadas a partir das leituras feitas constantes do material didático produzido e
outras fontes.
No processo, como constatamos, muitas vezes, a identificação do leitor pode
se dar não necessariamente com o protagonista, mas com algum personagem
secundário, o “feio” ou o “triste”, cuja situação pode dar ensejo a discussões sobre
“bullying”, por exemplo.
Por último, porém não menos importante, há que se ter sempre presente, a
fuga ao caráter impositivo da leitura, atitude pedagógica que já provou sua
ineficácia, ao causar ojeriza aos textos. Hoje, todos os caminhos para a formação do
leitor apontam para o lúdico e o prazeroso como elementos essenciais, se
quisermos fazer algo para contemplar a necessidade sempre premente de
aumentarmos o fluxo de alunos às bibliotecas de nosso país.
REFERÊNCIAS:
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BAKTHIN, Michail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986.
BAKTHIN, Michail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BARROS, Diana L.P. Teoria semiótica do texto. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1994.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise nos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano. 21ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
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CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
FRANZ, Marie Louise Von. A interpretação dos contos de fadas. Trad. Maria Elci Spaccaquerche Barbosa. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.
GREGOLIN, Maria do Rosário V. A análise do discurso: conceitos e aplicações. ALFA, São Paulo, 39:13-21, 1995
KOCH, Ingedore G. V. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.
ORLANDI, Eni P. O inteligível, o interpretável e o compreensível. In: ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel T. Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5ª ed. São Paulo: Ática, 2005.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica. Curitiba: SEED, 2008. Disponível na página do Portal Educacional do estado do Paraná http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br, acesso em fevereiro/2008.
PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global Editora, 4ª ed. 1985.
ZILBERMAN, Regina e LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. 2. ed. São Paulo: Global, 1986.
ZILBERMAN, R. (org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 7. ed. [por] Vera Teixeira de Aguiar [ e outros]. Porto Alegre/RS: Mercado Aberto, 1986.
ZILBERMAN, Regina e MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. 3. ed. São Paulo: Ática, 1987.
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