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4082 FORMAÇÃO DOCENTE: A TEORIA DA COMPLEXIDADE COMO FONTE DE PESQUISA PARA A ANÁLISE DA ESCOLHA E DA PERMANÊNCIA DOS DOCENTES NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO Elaine de Oliveira Carvalho Moral QUEIROZ - Universidade Mackenzie Eixo 03: Formação do professor alfabetizador [email protected] 1. Introdução Os professores que alfabetizam, considerados no contexto da sala de aula, revelam uma percepção de sua vivência profissional que tem na crítica da lógica do sistema seus aspectos objetivos, mas que deixam emergir a subjetividade a partir dessas considerações pessoais, levando em conta, além de suas singularidades, as experiências, ações, percepções e sentimentos que revelam sua representação acerca do fazer docente relativo a prática de alfabetização. Ao considerar depoimentos de professores alfabetizadores analisados, identificou-se a necessidade de levar em conta o conceito de subjetividade para nortear esta reflexão: Subjetividade é entendida como o espaço de encontro do indivíduo com o mundo social, resultando tanto em marcas singulares na formação do indivíduo quanto na construção de crenças e valores compartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiência histórica e coletiva dos grupos e populações. (https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid) Partiu-se da hipótese de que alfabetizar é uma prática profissional que implica a subjetividade dos sujeitos envolvidos no processo. Tanto quanto a criança o professor deve ser compreendido em suas singularidades que se constituem na conjunção do biológico, do social e o cultural. Neste texto são analisados três depoimentos de professores que valorizam a alfabetização e identificam nessa ação a possibilidade de partilhar o poder que o ler e escrever confere ao alfabetizado.

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FORMAÇÃO DOCENTE: A TEORIA DA COMPLEXIDADE COMO FONTE DE

PESQUISA PARA A ANÁLISE DA ESCOLHA E DA PERMANÊNCIA DOS

DOCENTES NAS CLASSES DE ALFABETIZAÇÃO

Elaine de Oliveira Carvalho Moral QUEIROZ - Universidade MackenzieEixo 03: Formação do professor alfabetizador

[email protected]

1. Introdução

Os professores que alfabetizam, considerados no contexto da sala de aula,

revelam uma percepção de sua vivência profissional que tem na crítica da lógica do

sistema seus aspectos objetivos, mas que deixam emergir a subjetividade a partir

dessas considerações pessoais, levando em conta, além de suas singularidades, as

experiências, ações, percepções e sentimentos que revelam sua representação

acerca do fazer docente relativo a prática de alfabetização.

Ao considerar depoimentos de professores alfabetizadores analisados,

identificou-se a necessidade de levar em conta o conceito de subjetividade para

nortear esta reflexão:

Subjetividade é entendida como o espaço de encontro do indivíduocom o mundo social, resultando tanto em marcas singulares naformação do indivíduo quanto na construção de crenças e valorescompartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiênciahistórica e coletiva dos grupos e populações.(https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid)

Partiu-se da hipótese de que alfabetizar é uma prática profissional que implica

a subjetividade dos sujeitos envolvidos no processo. Tanto quanto a criança o

professor deve ser compreendido em suas singularidades que se constituem na

conjunção do biológico, do social e o cultural.

Neste texto são analisados três depoimentos de professores que valorizam a

alfabetização e identificam nessa ação a possibilidade de partilhar o poder que o ler e

escrever confere ao alfabetizado.

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2. Tecendo a Complexidade na trama das entrevistas com as

professoras alfabetizadoras

Na Etimologia da palavra, Complexidade indica o conjunto de tudo o que é

“abraçado junto”, na ideia de que, na realidade, nada é desligado de nada. Tudo está

relacionado a tudo. Assim é caracterizada a subjetividade humana produzida pela

interação dinâmica e complexa de múltiplas condições. Ela está ligada a vários fatores

que a produzem, nas suas inter relações.

Em depoimentos de três docentes da área da alfabetização, atuantes em

escolas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na cidade de São Paulo investigou-

se as condições da permanência na profissão docente, analisada a luz da Teoria da

Complexidade de Edgar Morin. (QUEIROZ, 2009)

Um dos professores entrevistados aponta que “com certeza a postura do

professor é tudo! Não é o método que ele usa e sim a postura que ele tem, porque na

verdade você dá um poder na mão da criança para ela fazer o que deseja depois que

aprende a ler”.

Ao referir a postura do professor e não o método de ensino como fator decisivo

para ensinar a ler e ao propor que a criança pode fazer o que deseja depois de

aprender a ler, identifica-se na representação do professor o princípio hologramático

que segundo Morin (2005) “é um principio derivado da ideia de holograma. Um

holograma é uma imagem em que cada ponto contém a quase totalidade da

informação sobre o objeto representado” (p.302), que fundamenta a Teoria da

complexidade. Há uma promessa de se poder fazer o que se deseja pelas

possibilidades que a leitura e escrita desvela.

Podemos dizer que essa percepção é um imprinting cultural que “marca os

humanos desde o nascimento, primeiro com o selo da cultura familiar, da escolar em

seguida, depois prossegue na universidade ou na vida profissional” (MORIN, 2006 a,

p. 28), na ação do professor alfabetizador. Admite-se a leitura e a escrita como um

elemento de poder partilhado entre professor e alunos. A subjetividade envolvida

nessa afirmação revela uma condição importante da profissão docente. A Teoria da

Complexidade apresenta o princípio hologramático que, neste caso pode explicar o

quanto da cultura se apresenta nos processos de formação da criança e o quanto a

alfabetização, como processo de socialização, define elementos essenciais na

formação cultural dos membros da sociedade.

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A complexidade observada por Morin na constituição da realidade, indica uma

relação profunda entre os espíritos individuais e a cultura, organizando-se a partir

desse princípio hologramático, que permite identificar a cultura nos espíritos

individuais e estes mergulhados na cultura, produzindo-a.

A professora assume, contra seus próprios interesses e ratificando as

tendências de análise diagnóstica da esfera educacional, que para alfabetizar tudo

depende da postura do professor, que alfabetizar dependeria de sua postura. Esta tem

sido uma proposição das diversas agências que lidam com os diagnósticos sociais e

que são apropriados pela sociedade, para explicar, inclusive os resultados da

alfabetização.

A análise dos depoimentos levaram em consideração, ainda, um outro princípio

da complexidade, o princípio dialógico que de acordo com Morin (2005), é o princípio

que afirma que, na realidade, há forças opostas ou contrárias sempre atuando e que

são, por necessidade de funcionamento do real, ao mesmo tempo, complementares.

Lutam entre si e, nessa luta mantêm a realidade funcionando. Este princípio aponta a

possibilidade de se compreender a ação do alfabetizador, como a mediação possível

que articula as tensões da sala de aula. A postura do professor é o elemento forte

dessa dialogia.

A professora identifica o quanto a postura do professor ao abordar o aluno, faz

convergir para o entendimento entre aluno e professor, o aprender como possibilidade

de alfabetizar. Este princípio permite reconhecer o quanto de escolha esta posto no

contexto da sala de aula. Também permite corrigir a perspectiva da dependência da

postura do professor para alfabetizar. A postura de abrir o espaço da sala de aula para

incluir o sujeito aluno, em formação, resultaria numa nova postura para a

alfabetização, construída por esse coletivo aprendente. Outro princípio que colaborou para a compreensão da força da ação

profissional do alfabetizador diz respeito a circularidade recursiva. As expectativas

que se tem com relação ao professor alfabetizador são estabelecidas pela sociedade,

levando em conta a função social da escola. A tarefa do professor, por meio da escola,

é alfabetizar. A maneira como a alfabetização ocorre na sala de aula, portanto, além de

estar estabelecida como uma necessidade da sociedade, define como a sociedade

produz saberes e conhecimentos a partir das interações envolvidas nesse processo. O princípio recursivo que, nas palavras de Morin (1990, p.108) define como

“processos em que os produtos e os efeitos são, ao mesmo tempo, causas e

produtores daquilo que os produziu” permite afirmar que:

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[...] o indivíduo se forma como se estivesse num anel de produçãomútua indivíduo/sociedade no qual as interações entre indivíduosproduzem a sociedade; esta constitui um todo organizador, cujasqualidades emergentes retroagem sobre os indivíduos, incorporando-os (MORIN, 2005, p. 167).

Para ele, “se não houvesse uma sociedade e a sua cultura, uma linguagem, um

saber adquirido, não seríamos indivíduos humanos” (MORIN, 1990, p.108).

O estudo revelou que o professor percebe a essencialidade de sua ação

profissional e lida diretamente com múltiplos condicionantes e variáveis envolvidas no

processo de alfabetização.

Recorrendo a Morin (2006 a, p.100) pode-se afirmar que a sala de aula em que

ocorre a alfabetização, desvela as “possibilidades de se apreender em conjunto o texto

e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, em

suma, o complexo, isto é, as condições objetivas e subjetivas” do comportamento

humano.

Alfabetizar é uma ação complexa incrustada na lógica da cultura. Pode ser

compreendida a partir dos princípios operadores da complexidade, e se organiza a

partir da escolha do sujeito que decide ser professor.

O pressuposto é que o professor alfabetizador se constitui, absorve, organiza e

reelabora elementos de sua cultura, articula esses elementos a suas condições

internas e partilha com seus alunos. Tanto o professor quanto seus alunos captam por

meio da percepção o que selecionam e interpretam do contexto sócio-cultural em que

estão inseridos.

Essa interpretação é processada com base em códigos internalizados de

valores, crenças e emoções que circulam na sociedade. Essa elaboração é pessoal e

resulta em conhecimento, de acordo com Schnitman (1996).

A sala de aula se organiza a partir da ordem e a desordem, marcada por

relações dialéticas. É possível compreender, por força dessa característica, os

conflitos ali existentes e ao mesmo tempo as possibilidades de reconstituição cotidiana

das práticas que envolvem o ensinar e o aprender. É nessa tensão que todos se

constituem.

A superação dos pontos de tensão, segundo Morin (2006a) , pode ocorrer

porque há o princípio dialógico, a nortear os confrontos que envolvem a ordem e a

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desordem, que produzem a organização da realidade, como conjunto, tecido junto,

multidimensional e em processo. Para o autor, o princípio dialógico permite manter a

dualidade no seio da unidade, associando os termos ao mesmo tempo

complementares e antagônicos. Assim ocorre a constituição da subjetividade humana.

Há nela contrários sempre em luta e ao mesmo tempo compondo-se e permitindo a

constituição de subjetividades que instituem modos de ser humanos.

Aos princípios da Teoria da Complexidade articulam-se as ideias de autonomia

e auto-organização propostas por Morin (2006b). A ideia de autonomia é inseparável

da ideia de auto-organização. Para ele, a ideia de autonomia depende de seu meio

ambiente, seja ele biológico, cultural ou social. Um ser vivo é autônomo, não

absolutamente, no seu meio ambiente, pois pode fazer por si mesmo muitas coisas,

mas depende dele para, por exemplo, abastecer-se de energia.

O mesmo se dá conosco em relação ao meio cultural do qual dependemos

para nossa expressão lingüística, nossos saberes e para tantas outras coisas. Esta

ideia permite a primeira aproximação com nossa questão central que é compreender a

escolha da profissão docente e a permanência nessa prática entre alfabetizadores. O

que deixa claro no depoimento da professora 1:

[...] as escolas dizem que a maior dificuldade é encontrar um bomprofessor alfabetizador e quando encontram, dificilmente vocêconsegue sair daquela sala. Só se você for para outra escola tentaruma outra sala, porque, na escola em que você está, você acabasendo cristalizado naquela situação de professor alfabetizador.Mas às vezes penso em procurar trabalhar em outro nível e mudarum pouco de sala para você não ficar meio que estigmatizado, comoaquela professora que só sabe alfabetizar e então não vai poder daraula de outro conteúdo ou em outro nível de ensino. Nesse aspecto,eu penso às vezes em mudar. (QUEIROZ, 2009, p. 36)

A fala da professora, tomada a partir da ideia de autonomia relativa e articulada

à ideia pragmática de eficiência ao alfabetizar, permite inferir que o processo de

alfabetização em sua condição histórica, contemporânea, no contexto da cidade de

São Paulo, refaz no cotidiano a lógica complexa em que o professor alfabetizador,

quando capaz de alfabetizar efetivamente, fica condenado a sua condição por ser raro

encontrar um bom profissional dessa esfera do ensino fundamental.

A professora que organizou uma boa prática docente acabou instituída como

referência para alfabetizar, porque o sistema de ensino não foi capaz de prever uma

movimentação na carreira docente que partilhasse o projeto de alfabetização. A

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professora refere o saber alfabetizar como condenação. Neste caso o princípio

recursivo, aplicado a esta situação, permite compreender que a ação minimamente

qualificada pela expectativa da sociedade com relação ao alfabetizar, retroaja sobre a

professora e esta sente-se cristalizada na condição de professora alfabetizadora. Os

sonhos de ministrar outros conteúdos, ficam adiados.

O mais relevante, todavia, é constatar que a professora percebe a prática da

alfabetização como ato profissional menor, já que considera a prática de alfabetizar,

recorrentemente, como estigma. É fundamental refletir sobre o fato do sucesso no

desempenho da função, que requer elevadíssimo grau de autonomia, para alfabetizar,

tornar-se um fardo, na esfera escolar.

Quando Morin (2008) fala de autonomia na dimensão do indivíduo, permite

compreender que cotidianamente o professor alfabetizador pode tomar iniciativas que

resultam em mediações a partir das quais a auto-organização se torna uma realidade

para o professor e para as crianças. Aqui podemos entender que os indivíduos, em

suas interações produzem a sociedade, que por sua vez com sua cultura, suas

normas, retroage sobre os indivíduos humanos e os produz enquanto indivíduos

sociais dotados de uma cultura. Surgiria assim o sujeito? Vejamos uma situação de

sala de aula em que a decisão do professor define o surgimento do sujeito:

[...] eu acho que é a sala mais difícil, que demanda do professor maiorcriatividade, que demanda desse professor muito estudo, muitoempenho, ficar buscando muitas alternativas, porque às vezes vocêestá usando um método específico de alfabetização que funcionacom 90% da sala e para os outros 10% não está funcionando, entãovocê tem que buscar, tem que estudar, tem que trazer atividadescriativas e isso demanda um tempo muito grande do professor.(professora 2; QUEIROZ, 2009, p.36)

O sujeito, pelo princípio da recursividade, se forma pela decisão da professora

em buscar o atendimento dos 10% da sala que não alcança bom desempenho criando

as possibilidades de aprendizagem para essas crianças.

Ser sujeito é, dentre outros aspectos, ser capaz de situar-se no centro do seu

mundo para computá-lo e computar-se. A partir daí, se constitui e institui o auto-ego-

centrismo (MORIN, 2008), ou seja, o caráter primordial e fundamental da subjetividade

do ser ao qual ele denomina de espaço egocêntrico que é ocupado pelo sujeito, que o

faz, incluindo e excluindo as mais diversas experiências existenciais ou as mais

diversas experiências de vida como percepções, pensamentos, fantasias e

sentimentos. Esta professora, que não escolheu qualquer contingente de sua sala

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para excluir, acaba excluída pela lógica do sistema de ensino e será “condenada” a

alfabetizar permanentemente, pois não se encontra alfabetizadores com facilidade.

Morin (2008) aponta o auto-ego-centrismo como sendo o caráter primordial e

fundamental da subjetividade ao qual ele denomina de espaço egocêntrico que é

ocupado pelo sujeito, que o faz, incluindo e excluindo as mais diversas experiências

existenciais ou as mais diversas experiências de vida como percepções,

pensamentos, fantasias e sentimentos. Os princípios da inclusão e da exclusão são

fundamentais na constituição da subjetividade humana. É uma ideia importante para a

noção de sujeito e, a partir dela, para a noção de subjetividade.

Esta reflexão permite aprofundar, ainda, as ponderações acerca da condição

da Professora do relato 1, com relação ao que declara quanto ao desejo de excluir a

recorrência de seu trabalho de alfabetização e a inclusão de outras perspectivas de

ensino.

O sentimento da professora, de impotência, diante do desejo de ampliar seu

percurso profissional esbarra num impriting e numa norma do sistema escolar:

professores jovens assumem tarefas árduas que professores experimentados rejeitam.

Isto exclui a competência, em tese, da esfera da alfabetização, por exemplo.

O desejo da professora em ensinar outros conteúdos em outras séries,

entretanto, não conflita com a ideia de plena alfabetização. Os anos iniciais do Ensino

Fundamental são destinados a estabelecer e consolidar a alfabetização e o letramento

das crianças, entre o primeiro e o quinto ano do ensino fundamental.

Morin (2008, p.55) refere-se à subjetividade como o “ato fundamental de situar-

se no centro do seu mundo para conhecer”, e aí constituir o espaço próprio de como

ser cada um.

O professor em sala de aula fica comprometido com a necessidade de zelar

pela construção de espaços que equilibrem as inclusões e exclusões ao participar da

alfabetização das crianças.

Concomitantemente e concorrentemente, o princípio da inclusão é ao mesmo

tempo, complementar e antagônico ao princípio da exclusão. Assim ele explicita o

princípio da inclusão apontando:

[...] posso inscrever um “nós” em meu “Eu”, como eu posso incluirmeu “Eu” em um “nós”: assim, posso introduzir, em minhasubjetividade e minhas finalidades, os meus, meus parentes, meus

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filhos, minha família, minha pátria. Posso incluir em minhasubjetividade aquela (aquele) que amo e dedicar meu “Eu” ao amor,seja à pessoa amada, seja à pátria comum. (...) Ou seja, temos todos,em nós, este duplo princípio que pode ser diferentemente modulado,distribuído; ou seja, o sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e adevoção absoluta. (MORIN, 2002, p.122)

A subjetividade humana é um tecido de muitos fios, de muitas relações. E é

importante levar em conta as relações que a produzem. Essa concepção pode trazer

indicações importantes para a compreensão da subjetividade do professor

alfabetizador e principalmente para a compreensão de elementos desta sua

subjetividade que podem ter influído na sua dupla escolha: a de ser professor

alfabetizador e a de permanecer nessa profissão. Esse sentimento de pertencer que

estabelece a possibilidade de sermos nós, será fundamental para a gestão didática da

sala de aula de alfabetização.

Esta concepção oferece uma compreensão da subjetividade articulando seus

aspectos sociais, culturais e biológicos. É preciso entender a subjetividade como

organização do mundo interno (vivências, experiências, valores, razões, paixões,

vontades, desejos e conflitos) e do mundo externo (social e profissional) e suas

interdependências, bem como é necessário levar em conta os componentes biológicas

dessa realidade.

O sujeito nem sempre tem plena consciência do sentido do seu agir. As

determinações ou motivações do agir são as mais diversas e se alojam na

subjetividade de tal modo que nem todas elas podem ser claramente percebidas e,

muito menos, analisadas conscientemente. Podem ser conhecidas ou desconhecidas

e, em decorrência disso, isto é do risco do seu desconhecimento, podem trazer ilusões

e ingenuidade a seu respeito. Daí a necessidade de investigar a seu respeito.

O que dizem os professores que declaram ter escolhido serem professores

alfabetizadores? Será que eles escolheram ou foram escolhidos? É o que se tentará

mostrar a seguir. Espera-se obter iluminações ou mais lucidez sobre a prática dos

professores alfabetizadores e contribuir assim para o avanço do entendimento desta

prática e da melhor maneira de conduzi-la. Há sempre o risco dos erros, como diz

Morin:

[...] o conhecimento, sob forma de palavra, de ideia, de teoria, é ofruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e dopensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Esteconhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta ainterpretação, o que introduz o risco de erro na subjetividade do

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conhecedor, de sua visão de mundo e de seus princípios deconhecimento (MORIN, 2000, p.20).

Conhecer é, portanto um ato autônomo. Ainda que relativo. Implica o risco da

interpretação e, portanto pressupõe a certeza da construção e a possibilidade da

reconstrução.

Por hipótese pode-se afirmar que ser professor é correr o risco desse

permanente construir e reconstruir. Vejamos o que diz a Professora 1, na continuidade

de seu relato:

[...] aí é que entendo que quando um adulto não é alfabetizado ele sesente inferiorizado, porque ele não tem o poder da leitura, isso émuito sério! O professor da alfabetização é importante por isso, sóque não são todos os professores que conseguem passar para acriança a importância daquilo que ela está adquirindo e que ela temum poder, que ela tem autonomia e poder de escolha. (QUEIROZ,2009, p.38)

A professora reconhece a importância da alfabetização mas mantém uma visão

ingênua que acredita na centralidade da docência como elemento decisivo para a

alfabetização da criança. Supõe que pode passar para a criança a importância daquilo

que está adquirindo. A ideia de passar conhecimento e de aquisição de conhecimento

porque alguém o passou conflita com a ideia seguinte de partilha de poder de escolha

que caberia a criança.

A ideia de escolha que cabe a criança, pode parecer inconsistente. Mas

fortalecer essa intuição da professora de que a criança pode escolher rumos em sua

aprendizagem traz uma possibilidade de enfraquecimento da ideia predominante de

que os professores apenas reproduzem modos de ensinar e aprender.

Em Morin (2006), como vimos acima, vamos encontrar a noção de imprinting

cultural como marca indestrutível das primeiras experiências da infância pela

estabilização seletiva das sinapses que marcarão irreversivelmente o espírito

individual no seu modo de conhecer e agir. Ocorre que nem todos percorrem

processos de desenvolvimento regulares e semelhantes. Cada criança pode romper

esse imprinting, por meio das interações em sala de aula, mediadas pela ação

docente. As condições culturais em que ocorre a alfabetização, entretanto, desprezada

e relegada a um segundo plano na representação de certa elite docente, exige a

reconstituição de outras possibilidades para o trabalho docente de alfabetização:

[...] na rede estadual já passei pela proposta tradicional, já passei pelaproposta de Emilia Ferreiro, construtivista, e hoje estamos numa

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proposta do ler e escrever. Que também parte de um conhecimentoque a criança traz. Então...., isso tudo me atrai. Essas mudanças,essas conquistas são um dos motivos por que eu gosto de serprofessora alfabetizadora. Alfabetizar não é uma coisa que continuasempre igual. Tem vários desafios, a gente tá todo dia aprendendo.(Professora 2; QUEIROZ, 2009, p.40)

Em meio as complexidades da atividade docente é importante compreender

que a opção da formação profissional, pressupõe que o professor estará apto a

ensinar e, portanto, alfabetizar, após esse processo. O professor enquanto

alfabetizador participa da produção da aprendizagem, do letramento da criança, mas,

de acordo com o relato acima, admite-se que ser professor exige uma relação

permanente com a própria aprendizagem o que institui a construção do sujeito

professor.

[...] apesar de ter 40 anos de idade, eu gosto de ser uma pessoaaberta, eu gosto de estar aprendendo todos os dias e ser umaprofessora alfabetizadora. Hoje, o professor alfabetizador tem que serum professor flexível, tem que ser um professor que goste de estaraprendendo a todo momento, que se dedica, que é interessado poraquilo que faz, de estar buscando a todo momento, e eu gosto de serassim. Então, esse é um dos motivos que me leva a escolher uma 1ªsérie. Um outro motivo é que, dentro da rede estadual, as professorasmais antigas são as professoras que escolhem primeiro as classes,porque corre uma escala por pontos, e daqui eu sou a mais nova eacaba sobrando a 1ª série. Eu não escolho, eu sou escolhida. Então,sobra a 1ª série. Mas eu gosto de ficar com ela! (Professora 3;QUEIROZ, 2009, p.40)

Verifica-se que há aspectos da subjetividade, como o afeto, por exemplo, que

encaminham esses professores a se identificar com esse espaço educativo. Dessa

forma, identificamos o princípio do circuito recursivo, que permite localizar esses

profissionais como produtores e causadores nas e pelas interações promovidas pelo

contexto alfabetizador e, ao mesmo tempo,, produzidos e causados por elas: os

efeitos são causados, mas eles são também causas daquilo que os produz nessa

circularidade recursiva.

Relaciona-se a escolha profissional ao princípio dialógico (MORIN, 2005), que

afirma existir a associação de forças opostas ou contrárias atuando e que são por

necessidade de funcionamento do real, ao mesmo tempo complementares. Em nossas

vidas ocorrem sempre determinações e escolhas que são concomitantes, antagônicas

e complementares. Como exemplo, o professor que estuda as correntes do

pensamento pedagógico ao conduzir a primeira série que sobrou, indica o potencial de

escolhas que cabe ao sujeito.

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3. Conclusões

As reflexões deste texto, decorrentes de estudos realizados por QUEIROZ

(2009), foram realizadas a partir dos depoimentos de professores alfabetizadores, no

intuito de ampliar o horizonte de conhecimentos que pudessem contribuir para

entender os motivos das escolhas docentes em tornarem-se e permanecerem nessa

função.

Para o estudo foi necessário pesquisar a respeito do próprio conceito de

subjetividade, assim como também a constituição das subjetividades dos sujeitos, já

que são seres singulares que se constituem na conjunção do biológico com o social e

o cultural.

Os professores revelam elementos que estão juntos ainda que sejam opostos e

contrários. Acabam sendo também concorrentes e se complementam. Não somos

apenas determinados, assim como também não somos apenas um ser que escolhe,

somos os dois ao mesmo tempo. Entende-se que as professoras teriam autonomia de

aceitar ou não o cargo disponibilizado, mas a dependência relativa à necessidade de

conseguirem o emprego marca a determinação de uma escolha.

Há escolhas que transformam o professor em sujeito escolhido. Todavia a

possibilidade do exercício autônomo da profissão docente, pode interferir nessa ação

favorecendo os processos que podem determinar as escolhas dos professores.

Conforme afirma Morin (2006a), tudo está ligado a tudo, ou seja, tanto os

fatores internos, quanto os externos foram importantes na determinação e no peso da

subjetividade dos professores, na escolha e na permanência nas classes de

alfabetização.

REFERÊNCIAS

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QUEIROZ, Elaine de Oliveira Carvalho Moral. Professor Alfabetizador: uma escolhadeterminante ou determinada? 2009. Dissertação de Mestrado – Universidade Novede Julho (Uninove), São Paulo.

SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. São Paulo:Artmed, 1996.