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FORMAÇÃO DOCENTE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DISCUTINDO A FORMAÇÃO DOS
FORMADORES
Fernanda V.M. BAZON, Universidade Federal de São Carlos
Claudia GOMES, Universidade Federal de Alfenas
Daniele LOZANO, Universidade Federal de São Carlos
Eixo Temático 6: A formação do professor na perspectiva da inclusão
1. Introdução
A inclusão é fenômeno político, social e educacional significativo em nossa sociedade, sendo que
segundo dados do IBGE no censo de 2010 aproximadamente 24% da população brasileira
declarou possuir alguma deficiência. Mesmo sabendo das possíveis ambiguidades e imprecisões
que derivam da metodologia de autodeclaração usada na coleta de dados do censo, é evidente
que porcentagem expressiva da população apresenta alguma deficiência. Sendo assim, faz-se
premente o estudo acerca da inclusão social e educacional destas pessoas com vistas à construir
uma sociedade democrática.
Desde a década de 1990, a inclusão escolar se configura como preocupação social, educacional e
política, entretanto, ainda hoje encontram-se diversos desafios para sua efetivação, tanto na
Educação Básica quanto no Ensino Superior. Notamos, por exemplo a partir da pesquisa de
Garcia (2004) que ao longo dos anos vem ocorrendo um distanciamento entre intenções políticas
e legislativas e as realidades vividas nas instituições de ensino no país.
Um fator importante a ser destacado é a evolução das matrículas de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (NEE)i na Educação Básica, conforme demonstra os dados do censo
escolar. Segundo as Sinopses Estatísticas do Censo Escolar, disponibilizadas pelo INEP notamos
que de 2004 para 2014, as matrículas de alunos com NEE aumentaram em aproximadamente
704% no ensino regular, passando de 99.178 em 2004 para 698.768 em 2014. Ao mesmo tempo,
as matrículas destes alunos em espaços segregados diminuiu aproximadamente 50%, passando
de 371.383 em 2004 para 188.047 em 2014. Estas porcentagens indicam que maior parcela de
alunos com NEE estão acessando à Educação Básica em espaços não segregados, porém, este
aumento representa a efetivação do processo de inclusão dos mesmos? Os professores que
atuam na Educação Básica possuem cabedal teórico–prático para atender estes alunos? Os
futuros professores, nos cursos de licenciatura, se apropriam efetivamente do referido cabedal
teórico-prático? Além disso, como os formadores de professores trabalham a diversidade e os
pressuposto inclusivos nos cursos de licenciatura, de modo a garantir a formação adequada aos
futuros professores da Educação Básica?
A partir destas considerações, destacamos o entendimento de que os cursos de licenciatura
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devem garantir discussões que permeiem a Educação Inclusiva e a diversidade do alunado,
sendo necessário que os docentes universitários pensem e atuem para a formação inicial de
futuros professores de modo que estes compreendam e saibam atuar com a diversidade do
alunado nas escolas. Tendo em vista o compromisso da Universidade com a produção e
divulgação do conhecimento científico com base no contexto social, a fim de que especificidades
regionais sejam mapeadas, este trabalho tem por objetivo a análise da formação de formadores e
sua atuação nos cursos de licenciatura em Química, Física e Ciências Biológicas do campus
Araras da UFSCar, no que tange ao respeito à diversidade e aos pressupostos da educação
inclusiva. Além disso buscamos compreender, de forma preliminar, quais são as significações e
práticas destes docentes acerca do processo de inclusão de alunos com NEE.
Cabe ressaltar que os referidos cursos de licenciatura foram criados pelo Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e possuem
características de estrutura e distribuição de recursos humanos que podem favorecer a discussão
proposta pelo presente estudo. Estas licenciaturas são conduzidas de forma integrada, buscando
valorizar a interdisciplinaridade e possuem um corpo docente comum aos três cursos, com vistas
a aproximar as discussões teóricas e as práticas desenvolvidas nos mesmos.
2. Marcos Teóricos
A educação no Brasil é garantia constitucional a partir da Constituição Federal de 1988, sendo que
em seu artigo 208, inciso III, encontramos que o atendimento educacional especializado às
pessoas com deficiência, deve ser realizado, preferencialmente na rede regular de ensino
(BRASIL, 1988). Ainda neste artigo, no inciso V, garante-se: “acesso aos níveis mais elevados do
ensino da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (p. 92). Mesmo com
essas garantias, ainda encontram-se grandes desafios para o acesso e permanência dos alunos
com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) nas escolas regulares, sendo um deles a
formação dos professores.
Atualmente entende-se que o público alvo da inclusão compreende os indivíduos com NEE. Este
termo foi definido pela Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais em 1994
- Declaração de Salamanca – (UNESCO, 1994), e levando em conta as diferenças na tradução
para o português desta declaração, nos anos de 1994 e 1997, apontadas por Bueno (2008),
optamos por nos ater ao documento original publicado pela UNESCO que aponta:
El principio rector de este Marco de Acción es que las escuelas deben acoger atodos los ninos, independientemente de sus condiciones físicas, intelectuales,sociales, emocionales' linguísticas u otras. Deben acoger a ninos discapacitados yninos bien dotados a ninos que viven en la calle y que trabajan ninos depoblaciones remotas o nómadas, ninos de minorías linguísticas étnicas oculturales y ninos de otros grupos o zonas desfavorecidos o marginados(UNESCO, 1994, p. 6).
Nota-se então que o público alvo da inclusão não se restringe àquele atendido pela Educação
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Especial, entretanto, no Brasil a relação entre Educação Especial e Educação Inclusiva ainda é
significativa e marcou a história da educação nacional. A década de 1990 pode ser destacada
como um marco para a fundamentação da Educação Inclusiva, sendo permeada por
acontecimentos relevantes, tais como, a Conferência Mundial de Educação para Todos realizada
em Jomtien (Tailândia) em 1990, e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais
Especiais, realizada na Espanha, da qual resultou a Declaração de Salamanca em 1994.
Tanto a Declaração de Educação para Todos, quanto a Declaração de Salamanca, constituíram-se
como documentos que alteraram a estrutura legal da educação no Brasil. A partir de então, as
expressões inclusão, educação inclusiva e escola inclusiva passaram a ter destaque em discursos
políticos, educacionais e acadêmicos em diversos países e foram sustentadas por diferentes
correntes político-ideológicas. No Brasil, o conceito de inclusão vem sendo enfatizado nas
políticas educacionais e nos documentos norteadores da educação, principalmente da Educação
Especial.
Nas discussões atuais a inclusão é associada ao combate à exclusão, visando sua superação e
configurando-se como novo paradigma social capaz de direcionar e transformar uma sociedade
excludente em outra que busca a inclusão e o respeito às diferenças. Nesta perspectiva, a
inclusão escolar é vista como ferramenta essencial para a transformação da sociedade. No
entanto, ao se fazer tal debate, não se está levando em conta que em uma sociedade sustentada
pelo capitalismo a inclusão e exclusão são partes constitutivas de um mesmo processo,
configurando-se como interdependentes. Sobre esta questão, Martins (2002) afirma que
sociologicamente a exclusão não existe, pois ela é um traço do capitalismo que exclui para incluir
posteriormente, porém de outra forma, seguindo sua própria lógica e regra.
Patto (2008) ressalta, então, que a exclusão é um problema falso, pois a dificuldade social reside
na inclusão marginal, que não ocorre apenas no campo do trabalho, mas também nas políticas e
práticas de inclusão escolar. No âmbito educacional, a inclusão precária ou marginal se
caracteriza como aquela em que se insere o chamado excluído em um espaço já existente e
essencialmente excludente.
A partir destas breves considerações verificamos que a inclusão é um tema que tem raízes na
história da educação nacional e internacional que influenciam a forma de compreender este
processo na cultura e na sociedade atual. Apesar de posicionamentos políticos e sociais que
privilegiam a universalização da educação para todos, independente de suas necessidades, ainda
encontramos muitos obstáculos para a efetiva inclusão de alunos com NEE. Obstáculos estes que
precisam ser encarados em busca de uma forma de superação.
Devemos destacar que a formação de professores constitui-se como um dos requisitos
fundamentais para que as condições necessárias ao processo inclusivo se torne realidade, não se
restringindo apenas à aceitação de alunos com NEE em ambiente escolar, já que são eles que
trabalham diretamente com os alunos, precisando garantir a inserção dos mesmos no processo de
ensino e aprendizagem.
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A partir da Lei 9.394 de 1996 (LDBEN) a formação de professores para o ensino fundamental e
médio passou a ser responsabilidade do ensino superior, sendo que a formação para os anos
iniciais do ensino fundamental passou a ser realizada por cursos de Pedagogia ou Normal
Superior e a formação para os anos finais do ensino fundamental e médio em cursos de
Licenciatura, abandonando o consagrado modelo 3+1 adotado no início do século XX (GATTI,
2010).
Em 2002 foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores e
posteriormente as Diretrizes Curriculares para cada curso de licenciatura. Nestes documentos
verifica-se a tendência das licenciaturas em formar professores especialistas com foco na área
específica e com pouco espaço para a formação pedagógica (GATTI, 2010).
A revisão da literatura em âmbito internacional mostra que as novas expectativas e os desafios
enfrentados pelas sociedades e economias situam a educação como debate central e os docentes
como atores fundamentais nestas discussões. Neste cenário, os responsáveis pela educação
enfrentam o constante desafio de dispor de número suficiente de professores competentes,
motivados e que tenham condições de trabalho adequadas durante sua carreira profissional
(VAILLANT, 2006).
Portanto, notamos que a preocupação com a formação docente não é exclusiva ao nosso país,
sendo discutida em diversas esferas, e vinculada à questão do direito à educação para todos e o
respeito à diversidade. Gatti, Barreto e André (2011) apontam que até o início dos anos 2000 os
marcos normativos do direito à educação incorporavam a questão do pleno exercício dos direitos
individuais. É apenas a partir de 2003 que o direito à educação passa a ser considerado em sua
dimensão mais ampla, isto é, como vinculado as direitos humanos.
O direito à educação, como um direito humano, inalienável e como o seufundamento maior, contempla os direitos individuais, políticos e sociais esobrepassa o prório Estado-nação, para fazer face aos processos dedesterritorialização do mundo contemporâneo. A educação como direito humanose impõe também como direito à diferença, o que demanda profundastransformações no conjunto dos padrões de relacionamento da sociedade, paraque o pleito de reconhecimento de novos atores sociais que passem a ter voz naarena política ganhe concretude (GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011, p. 37-38).
O respeito e a atenção as diferenças, incluindo aqui as pessoas com NEE, ganham centralidade
na esfera educacional, sendo buscada a educação de qualidade para todos, independente de
suas especificidades. Passam a ser requeridas então ações políticas e pedagógicas que não
mascarem, “sob o véu da igualdade de oportunidades”, a diferença no acesso aos bens culturais e
sociais (GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011, p. 38).
A formação de professores que possam atender à diversidade do alunado se torna essencial para
a concretização do ideal inclusivo. Pesquisas, como as de Prietro (2003) e Michels (2008),
apontam para a necessidade de discutir o processo inclusivo na formação inicial e continuada, de
forma a desenvolver o respeito e reconhecimento da diversidade do alunado em seus aspectos
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sociais, culturais e físicos, buscando sempre o combate a toda forma de discriminação e barreira
atitudinal.
Podemos destacar a discussão da formação inicial que contemple as especificidades de alunos
com NEE realizada na Resolução CNE n. 02/2001(Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica), que determina que os professores podem ser: capacitados e
especializados. Os professores capacitados são aqueles que atuam dentro das classes regulares
com os alunos com NEE, possuindo em sua formação inicial ou continuada conteúdos voltados à
escolarização deste alunado. Já os professores especializados atuam nos atendimentos
especializados e em colaboração com os professores capacitados no planejamento das atividades
de alunos com NEE nas escolas regulares.
Para além da ambiguidade que esta resolução contém, como a dualidade no nível de formação e
a divisão do trabalho nas escolas, o documento aponta para a necessidade de que os egressos
dos cursos de licenciatura sejam capazes de identificar alunos com NEE e ensiná-los dentro das
escolas comuns.
Em 01 de julho 2015 foram publicadas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior e para a formação continuada, trazendo em seu 5o, inciso VIII, expõe que
a formação dos profissionais do magistério deve proporcionar ao egresso condições para a
“consolidação da educação inclusiva através do respeito às diferenças reconhecendo e
valorizando a diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre
outras”. Também no inciso IX do artigo 5o estipula-se que os profissionais do magistério precisam
ter condições de proporcionar a “aprendizagem e o desenvolvimento de todos(as) os(as)
estudantes durante o percurso educacional...” (BRASIL, 2015, p.6).
Já no inciso VIII do artigo 8o determina-se que o egresso dos cursos de formação em nível
superior deve estar apto à “demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de
natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, de faixas geracionais, de classes sociais,
religiosas, de necessidades especiais, de diversidade sexual, entre outras” (BRASIL, 2015, p.8).
Ao considerarmos estas resoluções, notamos que a formação inicial, para atender aos ideais
inclusivos, precisa contemplar as discussões da área de forma a proporcionar tanto
conhecimentos pedagógicos específicos quanto debates que levem em conta a tentativa de
minimizar as barreiras atitudinais arraigadas em nossa sociedade no que tange à diversidade
humana. Sendo assim, é essencial que as discussões sobre a formação docente contemplem
também a formação dos formadores, isto é, se debruce sobre quem são, como são formados e
que ação pedagógica os docentes universitários tem desenvolvido de forma a buscar a formação
do licenciando para atuar em uma escola que respeite os ideais inclusivos.
Vaillant (2003) ao fazer um estudo do estado da arte sobre a formação dos formadores na
América Latina constatou a carência desta temática nas pesquisas sobre formação de
professores, em especial no que se refere aos conhecimentos pedagógicos dos formadores e
políticas específicas que se voltem a formação destes docentes.
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Zabalza (2004) afirma que o docente universitário precisa de uma sólida formação não apenas no
que se refere aos conteúdos científicos da disciplina que ministra, mas também ao saber
pedagógico e ao encaminhamento das diferentes variáveis que caracterizam a docência. O autor
aponta uma série de dilemas que podemos encontrar na formação destes docentes, tanto no que
se refere a forma como as instituições de Educação Superior encaminham a questão, quanto aos
conteúdos e metodologias que podem ser adotadas para atender as necessidades de formação
dos docentes.
Umas das reflexões traçadas pelo autor, e que ganham especial importância quando pensamos
na formação dos formadores, é a controvérsia presente no cotidiano do docente universitário que
se refere a dupla orientação: docência e pesquisa. A cultura universitária atribui maior status
acadêmico às atividades de pesquisa, até “transformá-las no componente básico da identidade e
do reconhecimento do docente universitário” (ZABALZA, 2004, p. 154).
Tanto as atividades de docência quanto de pesquisa necessitam de formação, sendo que para a
pesquisa o docente universitário tem sua formação em cursos de mestrado ou doutorado,
encontrando aí possibilidades para desenvolvimento das habilidades necessárias para conduzir
um estudo investigativo. Ao contrário a formação para a docência ocorre de forma muito mais
irregular e muitas vezes individual, não havendo um locus próprio e preparação específica para tal
(ZABALZA, 2004).
Esta tensão entre docência e pesquisa convive com outra nos cursos de licenciatura, àquela
estabelecida entre os conhecimentos específicos e pedagógicos. Tendo em vista que os docentes
universitários, na maior parte das vezes, não possuem em sua formação nos cursos de mestrado
e doutorado espaços que se voltem para os conhecimentos pedagógicos, em especial àqueles
acerca do desenvolvimento e aprendizagem de alunos com NEE. Desta maneira, a formação dos
formadores acaba por se cindir entre aqueles que ensinam o conhecimento disciplinar vinculado
ao curso de escolha do licenciando, e aqueles que ensinam o conhecimento pedagógico. Esta
cisão leva muitas vezes a ideia de que os professores das áreas específicas não precisam se
preocupar com a formação dos licenciandos para atuar na Educação Básica. Ora, se definimos os
cursos de licenciatura como cursos de formação de professores, não são todos os docentes
universitários que nele atuam formadores de professores? Esta foi uma das essenciais na
condução deste estudo, pois será que os docentes que atuam nestes cursos, independente de
sua área, sentem-se como formadores ou apenas como colocado por Zabalza (2004),
“explicadores” dos conteúdos disciplinares?
Esta dualidade se agrava ao pensarmos que o acesso à Educação Básica e também Superior
vem sendo ampliado e que cada vez mais uma diversidade maior de alunos adentra o processo
de escolarização, sendo essencial reforçar a dimensão pedagógica da docência universitária,
tanto para anteder aos alunos neste nível de ensino, quanto, no caso dos cursos de licenciatura, a
proporcionar condições para os egressos de pensarem e desenvolverem práticas com os alunos
que encontrarão em seu futuro campo de atuação. Desta forma, torna-se fundamental focarmos
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nas significações dos docentes universitários sobre a Educação Inclusiva e a diversidade do
alunado, bem como visarmos compreender se sua formação e práticas pedagógicas levam em
consideração a formação do licenciando para atuar em uma escola inclusiva.
3. Procedimentos metodológicos
Este trabalho utilizou-se tanto da análise dos currículos lattes dos docentes que ministram
disciplinas nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, Química e Física do campus
Araras, quanto realizou entrevistas preliminares com quatro docentes sorteados que concordaram
em participar do estudo. Para tanto, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa
que envolvem seres humanos da UFSCar, mediante parecer número 31552714.0.0000.5504.
Para a coleta de dados acerca dos currículos lattes dos docentes, inicialmente foi realizado
levantamento de todos os professores que ministram aulas nos cursos de licenciatura
mencionados. Posteriormente foi realizada a busca de todos os currículos e análise dos seguintes
itens: a) área de formação; b) pesquisas realizadas na área de Educação Especial e Educação
Inclusiva; c) experiência na área de Educação Especial e Educação Inclusiva; d) disciplinas
ministradas nos cursos analisados; e) publicações na área de Educação Especial e Educação
Inclusiva.
No que tange as entrevistas, as mesmas seguiram o modelo de entrevista semiestruturada para
garantir que os participantes pudessem discorrer sobre questões que consideram importantes
para a atuação do professor com a diversidade humana.
A tabela 1 descreve suscintamente aspectos objetivos da formação e atuação profissional dos
participantes da entrevista, sendo que os mesmos serão apontados por siglas para garantir o
sigilo de sua identidade.
Sigla Graduação Pós Graduação Tempo dedocência no
Ensino Superior
P1 Matemática (licenciatura)Doutorado em Matemática Aplicada
15 anos
P2Física (licenciatura e bacharelado)
Doutorado em Física 7 anos
P3Química (licenciatura e bacharelado)
Doutorado em Ciências 12 anos
P4 Matemática (licenciatura)Doutorado em Educação Matemática
7 anos
Tabela 1: Caracterização dos participantes da pesquisa
A partir das entrevistas realizadas com os participantes destacamos dois eixos temáticos para a
discussão neste trabalho: a. Significações acerca da educação inclusiva e das NEE; b. Práticas
pedagógicas com alunos com NEE.
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Cabe, por fim, ressaltar que este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida
pelas autoras.
4. Resultados e Discussão
Inicialmente trataremos da análise realizada a partir dos currículos lattes dos docentes,
enfatizando em especial a formação e experiência dos mesmos no que tange à Educação
Especial e Inclusiva. É preciso destacar que a maior parte dos docentes pertencem a um único
departamento e ministram aulas para os três cursos de licenciatura, que possuem uma estrutura
curricular com disciplinas integradas. Desta forma, o corpo docente foi analisado de forma
conjunta para os três cursos.
Por meio de levantamento inicial constatamos que as licenciaturas em questão contam com 33
professores no total, sendo que destes 31 estão alocados em um único departamento no campus
Araras da UFSCar. A tabela 2 mostra características da formação e experiência dos docentes na
área de Educação Especial e Inclusiva.
Curso de Formação Inicial Número de Docentes Possuem LicenciaturaAgronomia 3 -Ciências Biológicas 7 3Ciências Sociais 1 -Física 7 5Fonoaudiologia 1 -Licenciatura em Ciências 1 1Matemática 3 3Psicologia 1 1Química 9 6Total 33 19Tabela 2: Formação dos docentes atuantes nos cursos de licenciatura analisados.
O levantamento sobre a formação mostrou que dos 33 docentes que fizeram os cursos de Física,
Química e Ciências Biológicas, 7 não informaram se os mesmos eram cursos de licenciatura,
bacharelado ou ambos. Sendo que destes 7, quatro eram professores graduados em Ciências
Biológicas, 1 em Física e 2 em Química. Notamos ainda que pouco mais da metade do corpo
docentes (57% aproximadamente) possuem curso de licenciatura, o que em nosso entendimento
está longo do ideal, pois confirma o que Zabalza (2004) nos aponta como a exigência de formação
em área específica sem muita ênfase para a formação para a docência.
Mesmo que as licenciatura formem para o ensino em nível fundamental e/ou médio, consideramos
importante que os docentes envolvidos nestes cursos possuam minimamente esta formação, já
que, conforme aponta Cunha (2014), de forma geral, verificamos que a formação exigida aos
docentes universitários se restringe ao conhecimento específico da disciplina que será ministrada
por ele, não focando o conhecimento e a preparação pedagógica para exercer a docência. A
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autora aponta ainda que as atividades de ensino exigem conhecimentos teóricos e práticos que
não se restringem à disciplina ministrada pelo docente.
No que tange à experiência e formação para atuar na área de Educação Especial e Educação
Inclusiva, dos 33 professores apenas 4 possuem algum contato com a mesma, com as seguintes
características:
Um docente, com licenciatura em Física, possui publicações e pesquisas na área de
Educação Especial, vinculada ao Ensino de Física;
Um docente possui mestrado, doutorado com temática voltada à Educação Especial,
desenvolve pesquisas e possui publicações vinculadas a área. Também possui experiência
de trabalho anterior na área.
Um docente possui mestrado em Educação Especial, com cursos de especialização
também na área. Enfoque em LIBRAS, com pesquisas e publicações vinculadas a esta
temática.
Um docente está desenvolvendo pesquisa de doutorado na área de Educação Especial,
com pesquisas e publicações também na área.
Ao analisarmos a grade curricular dos três cursos de licenciatura abordados, notamos que existem
apenas três disciplinas voltadas para temáticas de Educação Especial e Inclusiva, sendo apenas a
disciplina de LIBRAS I obrigatória. As demais são as optativas de LIBRAS II e Fundamentos da
Educação Inclusiva.
Pensando nas diretrizes de formação de professores estabelecidas em 2015 e abordadas
anteriormente, consideramos preocupante o cenário dos cursos, tanto no que se refere à
formação e experiência do corpo docente, quanto a grade curricular das licenciaturas.
Entendemos que é essencial que tanto o corpo docente quanto os cursos reflitam o respeito à
diversidade e subsidiem a atuação dos futuros professores no favorecimento da construção de
uma escola inclusiva em busca da efetiva democratização da educação.
As entrevistas preliminares indicam a pertinência desta preocupação, já que no que tange às
significações acerca da educação inclusiva podemos destacar que todos os participantes
alegaram não possuir formação voltada à educação inclusiva e educação especial, nem ao menos
conteúdos sobre estas áreas em seus cursos de graduação e pós-graduação. A informante P2
afirma também que não saberia identificar um aluno com NEE tendo em vista que não teve
contato e preparo para tal.
Entretanto, mesmo enfatizando esta lacuna em suas formações os informantes P1, P2 e P3
apontam questões de extrema relevância para a discussão sobre o processo inclusivo no ensino
superior, já que destacam a importância em atender as necessidades especiais destes alunos
mediante adaptação do conteúdo e da forma de abordagem do mesmo. Estes três informantes
enfatizaram que a adaptação deve ser referente às práticas desenvolvidas por eles distanciando-
se assim do modelo médico pedagógico tão presente desde os primórdios da educação de
4126
pessoas com deficiência ou NEE.
Apesar dos quatro informantes afirmarem que não tem conhecimento técnico-científico sobre a
escolarização de alunos com NEE, todos evidenciam a necessidade de que o professor no ensino
superior se preocupe com estas questões, tendo em vista o envolvimento em cursos de
licenciatura e os dispositivos legais que garantem o direito à inclusão.
Por fim, quanto a segunda temática destacada no discurso dos participantes, práticas
pedagógicas com alunos com NEE, apenas o P4 afirmou desenvolver práticas inclusivas nas
disciplinas que ministra, atentando-se às necessidades específicas dos alunos e disponibilizando
atividades diferenciadas e projetos temáticos que considerem a história de vida e o meio social no
qual os alunos com NEE estão inseridos. Os demais participantes alegaram não ministrar aulas
em suas disciplinas para alunos com NEE, mas todos afirmam que no momento em que a
presença destes alunos for uma realidade eles farão as adaptações necessárias e buscarão
informações para atender as necessidades específicas, incluindo em aulas práticas e
laboratoriais.
5. Cosiderações finais, que não finalizam...
Verificamos ao longo deste estudo preliminar que os docentes universitários envolvidos não
apresentam em sua formação acadêmica preparo ou mesmo debates acerca dos processos
inclusivos. Este fator é de grande relevância, já que ao pensarmos na formação de professores
atualmente não podemos deixar de lado a temática da inclusão. Nos cursos de licenciatura
analisados esta temática é limitada às disciplinas citadas anteriormente, sendo
predominantemente optativas.
Mesmo assim, notamos que eles conhecem a existência da temática e de certa fora entendem
sua importância. Entretanto, esta preocupação não se reflete nas ações de busca e se
concentram na espera da necessidade de atender um aluno com NEE, trabalhando com a
hipótese, de que talvez esta necessidade não venha a existir...
Podemos destacar, a partir de pesquisa anterior realizada em cursos de licenciatura no estado de
Minas Gerais e São Paulo que a inclusão, na maior parte dos cursos estudados, é objeto de
reflexão de disciplinas vinculadas à Educação Especial, Psicologia da Educação e LIBRAS.
Notamos a pouca inserção de temáticas inclusivas em outras áreas da formação docente, em
especial nas disciplinas voltadas para os núcleos específicos do conhecimento. Em nosso
entendimento este é um fator limitador, pois o processo inclusivo perpassa toda a vida escolar de
um indivíduo, não podendo ser fragmentado e compartimentalizado em disciplinas específicas,
principalmente quando estamos tratando de cursos de formação de professores.
Por fim, consideramos que os pressupostos inclusivos precisam adentrar as discussões mais
amplas dos currículos dos cursos de licenciatura, podendo assim estar presente e influenciar a
prática docente tanto no Ensino Superior quanto em seu reflexo na Educação Básica. Tendo por
4127
base os dispositivos legais, precisamos destacar que a inclusão escolar não é mais uma opção, é
sim uma necessidade e para sua efetivação precisamos ir além de pensar as práticas inclusivas
na Educação Básica, mas também pensar na formação de formadores e seus impactos no Ensino
Superior. Não se buscou neste estudo findar a discussão sobre o tema nem propor
generalizações, pelo contrário, visamos levantar questões que incitem novas pesquisas sobre a
temática e o aprofundamento do conhecimento produzido sobre a mesma.
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i Neste estudo foi adotada a terminologia proposta pelo INEP no censo escolar acerca das NecessidadesEducacionais Especiais, compreendendo, desta forma, não apenas os alunos com deficiência (populaçãohistoricamente atendida pela Educação Especial).